pensar a habitação | protótipos de arquitectura desde o pós-guerra
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Pensar a Habitação | Protótipos de Arquitectura desde o Pós-Guerra | Teoria e História da Arquitectura e da Cidade I | DA/UAL | 20.1.2009 | Francisco Costa Docente: Arq. Helena Barreiros, Arq. Ricardo CarvalhoTRANSCRIPT
Teoria e História da Arquitectura e da Cidade I | 20.1.2009Francisco Costa | 20040027
Pensar a HabitaçãoProtótipos de Arquitectura desde o Pós-Guerra
Pensar a HabitaçãoProtótipos de Arquitectura desde o Pós-Guerra
Indice:
Introdução 4
Projectos Em Análise:
Unité d’Habitacion | Le Corbusier 10
Robin Hood Gardens | Alison & Peter Smithson 16
Bairro da Bouça | Alvaro Siza Vieira 20
Casas em Fukuoka | Steven Holl 24
Transformação de um Bloco de Habitação | Durot, Lacaton & Vassal 28
Conclusão 34
Bibliografia 38
Teoria e História da Arquitectura e da Cidade I | 20.1.2009Francisco Costa | 20040027
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A Morada é desde sempre um tema central da arquitectura.
Para encontrarmos aquilo que se pensa ser a primeira morada do homem te-
mos de recuar até à Pré-Historia, onde as Cavernas respondiam à necessidade
básica que o homem tem de habitar.
Numa interpretação muito literal, a “Alegoria da Caverna” de Platão ilustra a
necessidade que o homem teve de se libertar das sombras da caverna e constru-
ir o seu espaço próprio no mundo exterior. Apesar disso, a habitação corrente
não consta da história por vários séculos, chegando a nós apenas exemplos de
arquitecturas notáveis de anteriores civilizações (Templos, Igrejas Castelos, etc.)
Durante vários séculos os arquitectos apenas recebiam trabalhos dos regimes e
das altas esferas das sociedades em que se inseriam e no trabalho dos arquitec-
tos os temas da habitação reduziam-se à construção de palácios ou meramente
ao desenho de fachadas.
É com o século XX que a habitação vem tornar-se o tema central da arquitectu-
ra. Neste século, a habitação torna-se o principal campo de experimentação da
arquitectura. Primeiro com as “villas ideais” (habitação unifamiliar) da primeira
metade do século XX, que eram pensadas e projectadas com um grande es-
pírito positivista de crença absoluta no futuro e no progresso. São exemplo
marcante disso mesmo, as casas para o “super-humano” nietzschiano no qual
Mies van der Rohe se inspira para fazer as sequências de casas com pátio nos
anos trinta, ou as casas manifesto de Le Corbusier, a Villa Savoye (1929) ou à
Maison La Roche (1923-24)
Com a destruição provocada pela 2ª Guerra Mundial, o panorama da arquitec-
tura foi alterado. A destruição massiva de cidades inteiras criou a necessidade
premente de novas habitações. Para responder a esta necessidade foram lan-
çados diversos programas habitacionais nos quais os arquitectos se envolveram
afincadamente em busca de novas soluções para o novo problema do habitar.
Era preciso criar uma nova maneira de pensar o habitar, para criar novas hipó-
teses de cidade e novas maneiras de as vivenciar.
Villa Savoye (em cima)
Átrio da Maison La Roche
(em baixo)
Pensar a HabitaçãoProtótipos de Arquitecura desde o Pós-Guerra
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Destas experiências destacam-se os edifícios realizados para a exposição Inter-
bau em Berlim, onde grandes nomes da arquitectura como Alvar Alto, Óscar
Niemeyer, Walter Gropius e outros que, com o pretexto da reconstrução do
bairro de Hansa, através blocos de habitação colectiva inseridos num plano
urbano de cidade-jardim, concretizam uma série de experiências de habitação
que marcaram a história da arquitectura e da habitação do século XX.
Outra experiência marcante do pós-guerra foi o programa Case Study Houses.
Iniciado em 1945 pela revista Arts & Architecture, este programa procurava
resolver o problema da habitação que surgiu nos Estados Unidos com o fim da
guerra e o retorno a casa de milhões de soldados. Através da reconversão das
indústrias de guerra, com a qual se obtinham materiais mais baratos e de fácil
e rápida assemblagem, os arquitectos deste programa (nomes como Richard
Neutra, Craig Ellwood, o casal Eames e outros) visavam a democratização da
habitação de qualidade, para uma cada vez maior classe média que até então
via negada essa mesma qualidade.
Em Portugal a democratização da arquitectura e da habitação só chega, por
razões políticas, com a revolução de Abril e mais concretamente com o pro-
grama SAAL.
Lançado no primeiro governo do pós-25 de Abril pelo Secretário de Estado
da habitação, arquitecto Nuno Portas, o Serviço de Apoio Ambulatório Local
(SAAL), era constituído por equipas multidisciplinares nas quais havia arquitec-
tos, engenheiros, juristas, entre outros, que em conjunto com as associações
de moradores e em contacto directo com as populações, procuravam resolver o
grave problema da habitação que se verificava na época em Portugal.
Apesar do programa ter sido terminado abruptamente pouco depois do “Verão
Quente” de 1975, tendo sido conotado como comunista e desde aí mal amado
e negligenciado, é hoje olhado de novo como um interessante caso de estudo,
principalmente face à deterioração da qualidade da habitação produzida nos
programas habitacionais que se lhe seguiram.
Os programas que hoje ainda subsistem, os PER, vêm produzindo os cada vez
mais problemáticos “bairros sociais” nas periferias das grandes cidades.
O auge do declínio deste modelo de fazer habitação e cidade pôde ser obser-
vado há 3 anos, com a revolta de jovens nos subúrbios de Paris, que resultaram
em manifestações destrutivas que duraram 19 dias em 274 cidades francesas,
tendo sido inclusivamente declarado estado de emergência pelo então Presi-
dente Jacques Chirac.
Existe hoje um programa de reconversão destes bairros sociais franceses, con-
cebido pela dupla de arquitectos Lacaton e Vassal, e Frédéric Drout que será
analisado com mais profundidade mais à frente neste trabalho (bem como um
exemplo especifico do programa SAAL).
Edifício de Oscar Niemeyer para a
exposição Interbau em Berlim
(em cima)
Case Study House #22 de Pierre
Koenig (em baixo)
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Hoje, ao mesmo tempo que assistimos a esta degradação e decadência das
periferias, deparamo-nos também com um problema grave de desertificação
e morte dos centros das cidades. É preciso de novo repensar a habitação para
responder às novas necessidades das populações e para reverter a tendência de
migração dos centros para as periferias.
É neste panorama que o presente trabalho se propõe reflectir sobre protótipos
marcantes de habitação concebidos desde o pós-guerra até aos dias de hoje,
dissecando alguns que, pela sua qualidade e singularidade, possam apontar
soluções para os problemas com que hoje nos deparamos no plano da habita-
ção que faz cidade – a habitação corrente.
Assim pretende-se no capítulo seguinte do trabalho analisar e comparar cinco
projectos e deles tirar, se possível, conclusões sobre o problema da habitação.
Imagem do resultado da Revola de
jovens nos suburbios de Paris em
2005
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Nos vinte e três anos entre o seu primeiro projecto de habitação, os Immeuble
Villas de 22, e a construção da Unité d’Habitation em Marselha, Le Corbusier
conta com mais de trinta projectos de casas. O estudo do tema da habitação
estava assim num estado de desenvolvimento capaz de lhe permitr conceber e
construir a sua primeira obra de grande escala e grande importância em França,
obra esta que marca a história da arquitectura e em particular da habitação, e
vem influenciar todos os arquitectos que se lhe seguiram.
A Unité é uma evolução dos conceitos implícitos do modelo de vida e de ci-
dade dos Immeuble villas, estes últimos fortemente inspirados no mosteiro
cartucho de Ema, perto de Florença, que Le Corbusier visitou em 1907. Esta
influência cruza-se com outra, a da secção do edifício Narcofin de Moses Ginz-
burg, construído em Moscovo no ano de 1928, que se revelou determinante
para a resolução do problema do acesso a cada uma das habitações na Unité
d’Habitation.
Assim a Unité reflecte todos os conceitos corbusianos. O edifício consiste num
grande bloco habitacional com 135 metros de comprimento, 24,5 de largura
e 55 de altura, levantado do chão por 34 pilotis contando com 337 aparta-
mentos, com 23 tipologias diferentes, que se destinavam a albergar 1600 ha-
bitantes. O edifício de 18 andares contava com uma rua de comércio nos 7º e
8º pisos e com uma cobertura habitável onde existiam um jardim-de-infância e
escola primária bem como equipamentos desportivos e culturais.
As 23 tipologias variam entre pequenos apartamentos para casais sem filhos e
apartamentos para numerosas famílias. A todos Le Corbusier desejava “provi-
denciar, com silêncio e solidão (…), uma habitação que será o perfeito receptá-
culo para a família”.
Unité d’HabitacionLe Corbusier1945-1952 | Marselha
Vista da sala de estar do Prototipo
Tipo E Superior 2 (em cima)
Vista do Mezanino do Prototipo
Tipo E Superior 2 (em baixo)
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Destas a tipologia mais comum era a “Tipo E superior 2” e destinava-se a alber-
gar a família mais comum resultante do pós-guerra, pais e dois filhos.
Em 1949 foram completamente mobilados e equipados dois destes protótipos.
Com 3,6 metros por 24,5 cada célula habitacional, de secção em “L”, contava
com uma sala de duplo pé direito a dar para uma das frentes e os quartos
virados para a frente oposta, facto que permitia não só a vista sobre os dois
lados da paisagem e a integração de uma galeria de acesso aos apartamentos,
bem como a ventilação transversal dos mesmos. Neste capítulo Le corbusier
efectuou diversos estudos que resultaram não só na possibilidade da ventila-
ção transversal do edifício, como também na ventilação vertical e extracção de
fumos, já que grandes condutas atravessavam o edifício desde o primeiro piso
onde o ar fresco proveniente do piso térreo, liberto pelos pilotis, era insuflado,
sendo extraído na cobertura pela chaminé da qual Le Corbusier tira um grande
partido plástico. Foram também realizados outros estudos de grande importân-
cia, como o da iluminação das habitações e um estudo acústico, que resultou
no uso de materiais absorsores do ruído, uma novidade à época que visavam
reforçar o conforto, a calma e a privacidade dos habitantes da Unité.
Voltando aos protótipos das habitações, a sala de estar de duplo pé direito
permitia uma descompressão espacial dos 2,26 metros standard dos aparta-
mentos, descompressão que era reforçada pela loggia que rematava a sala. Em
comunicação directa com a sala estava a cozinha que é integrada na sala como
um “bar-cozinha”, permitindo-lhe ser parte integrante da vida doméstica. A
Cozinha estava repleta de inovações e detalhes, como o sistema de evacuação
e tratamento dos lixos orgânicos, a ventilação artificial, um passa-pratos para a
sala de refeições e aberturas para a galeria de acesso que permitiam a entrega
directa de bens alimentares como pão, leite, gelo ou mesmo pratos confeccio-
nados no restaurante da Unité. Por cima da cozinha estava o quarto dos pais,
um mezanine aberto sobre a sala. No extremo oposto do apartamento encon-
tram-se os quartos das crianças que eram separados pelas “paredes utilitárias”
deslizantes. Estas paredes inovadoras por serem compostas por contraplacado
e metais leves, como o alumínio, estavam assentes em calhas de baquelite,
tornando assim a fácil sua movimentação e limpeza. No miolo do piso dos
quartos encontram-se as casas de banho: a dos pais, convencional, que abre
directamente para o quarto, e a casa de banho para as crianças com o duche
e sanitários separados. Ambas eram desenhadas e articuladas com roupeiros,
armários e até com a tábua de engomar, numa absoluta economia e racional-
ização do espaço.
Corte e Plantas do Prototipo Tipo
E Superior 2
Legenda:
1. Rua Interior
2. Entrada
3. Sala Comum | Cozinha
4. Quarto dos Pais | Casa de Banho
5.Armarios, Roupeiros, Tábua de
Engomar, Chuveiro das Crianças
6. Quarto das Crianças
7. Vista da Sala Comum
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Na base desta economia e racionalização dos espaços de toda a Unité está o
Modulor, que resulta de um conjunto de estudos sobre as proporções e procura
das medidas universais, que Le Corbusier vinha a fazer ao longo de 20 anos e
que é fechado no ano de 1945. Este estudo já lhe tinha valido, dez anos antes,
um doutoramento Honoris Causa em filosofia e matemáticas pela Universidade
de Zurich.
O Modulor “é uma linguagem de proporções que torna difícil fazer coisas mal,
e fácil fazê-las bem”. É assim que Albert Einstein, professor em Princeton na
altura descreveu a invenção patenteada de Le Corbusier.
Vista do quarto das crianças do
Prototipo Tipo E Superior 2 para
fora (em cima)
Vista do quarto das crianças do
Prototipo Tipo E Superior 2 para
dentro (em baixo à esquerda)
Vista da loggia do Prototipo Tipo E
Superior 2 (em baixo à direita)
Desenho do Modulor (nesta pa-
gina)
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Robin Hood Gardens é um complexo residencial construído pelo casal Smithson
como uma variação inglesa de bairro social no final da década de 60 tendo sido
concluído em 1972.
Construído numa área de 2 hectares este projecto consiste em dois longos
blocos de dez e sete andares que se constituem como os limites do lote liber-
tando espaço no seu interior. Este interior é trabalhado através da modelação
do terreno numa tentativa de amenizar e naturalizar o ambiente do interior do
lote para o qual as casas se abrem mais, em oposição ao maior fechamento das
mesmas para as ruas que limitam o exterior do lote.
Os blocos foram construídos com lajes de betão prefabricado e paredes em
betão aparente, fazendo pela sua aparência parte de período da arquitectura
ao qual se deu o nome de Neo-Brutalismo.
O complexo conta com 213 apartamentos, alguns dos quais em duplex com
acesso em galerias a cada 3 pisos. É nestas galerias, de 2,5 metros de largura,
que é explorado um dos principais temas de trabalho do edifício, onde o con-
ceito “Ruas Elevadas” é levado ao extremo, sendo estas consideradas pelos
arquitectos como um prolongamento do espaço público, alterando assim nas
noções anteriores de limite entre o espaço publico e o privado e atribuindo uma
nova nobreza à ideia de “rua” que até então a vinha perdendo.
No contexto dos CIAM este projecto constitui-se como a resposta britânica à
Unité d’Habitacion de Le Corbusier.
Apesar da sua qualidade e singularidade arquitectónicas, o facto de ter tido
problemas construtivos e sociais desde o início da sua existência fez com que
este projecto fosse considerado um fracasso na carreira desta dupla de arqui-
tectos.
Já no ano de 2008 este edifício levantou grande polémica já que o Towers
of Hamlets Council, entidade que gere o edifício, anunciou a intenção de o
demolir, como parte de um plano mais vasto de requalificação de toda a zona
envolvente para os jogos olímpicos de 2012. A mesma entidade considera a
Fotomontagem da Galeria de
Acessos (em cima)
Planta e Corte do Complexo
(em baixo)
Final dos Anos 60 -1972 | Poplar, Londres
Robin Hood GardensAlison & Peter Smithson
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requalificação do edifício demasiado onerosa. Os actuais moradores do com-
plexo aprovaram em assembleia a demolição, afirmando que os problemas de
infiltrações e falta de isolamento térmico são já insuportáveis.
Ainda assim, os moradores que rejeitam esta decisão acusam as autoridades
de falta de manutenção e investimento no edifício, atribuindo-lhes a culpa do
estado de abandono a que o edifício chegou.
Como reacção foi lançada uma petição junto do ministério da cultura e da Eng-
lish Heritage, no sentido deste projecto ser classificado, evitando assim a sua
demolição, e alimentando a esperança de que pode vir a ser um dia restaurado.
Esta petição sustenta-se no vanguardismo, singularidade e qualidade arquitec-
tónica e é assinada por grandes nomes da arquitectura britânica e mundial,
como Norman Foster, Richard Rogers, Zaha Hadid, Robert Venturi, Kenneth
Frampton, Richard Meier ou Simon Smithson, o filho do casal Smithson. Ao
mesmo tempo e para reforçar a posição contra a demolição foi organizado um
concurso de ideias para a requalificação do edifício, que visava reforçar a ideia
que é possível manter vivo este marco da história da arquitectura.
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Vista aérea do Complexo
(em cima)
Vista da Galeria de Acessos
(em baixo)
Fachada Interior
(Nesta página)
Bairro da BouçaÁlvaro Siza Vieira1973-77, 2005-06 | Porto
Ainda antes do 25 de Abril, em 1973, Alvaro Siza Vieira recebe a encomenda
do Fundo Fomento Habitação para um programa de habitação no bairro da
Bouça. Dessa encomenda resulta apenas o estudo para quatro longos blocos de
habitação nas traseiras da Rua da Boavista no Porto.
Como foi dito na introdução, em Portugal a democratização da arquitectura e
da habitação só chega, por razões políticas, com a revolução de Abril e mais
concretamente com o programa SAAL.
Pude entender melhor aquilo que foi o Programa SAAL depois de ver o docu-
mentário “As Operações SAAL” de João Dias. Este documentário, que venceu
o prémio de melhor documentário português no DocLisboa 2007 e foi rodado
entre 2005 e 2007, procura trazer aos dias de hoje memórias daquilo que foi o
imenso projecto, dinamizado por todo o país, de norte a sul, de dar às popula-
ções carenciadas habitação condigna.
O documentário retrata o espírito de esperança num futuro melhor que se vivia
na altura, de pessoas que só queriam uma casa sua para morar, mas que ao
mesmo tempo tinham uma crença profunda no real melhoramento das suas
condições vida. É bonito de ver neste filme como disse Fernando Lopes “As
pessoas a tomarem conta dos seus sonhos, da sua vida”.
É com este panorama que o projecto de Álvaro Siza é retomado.
O projecto consistia então em quatro blocos de habitações paralelos mas
descontínuos que formavam pequenas alamedas entre si e eram fechados a sul
por pequenos equipamentos de carácter público (Biblioteca, Lavandaria, e Sala
de Reuniões da população). No extremo norte um grande muro duplo fechava
este sistema e protegia o conjunto do ruído da linha de comboio elevada.
Cada bloco era formado por duas bandas sobrepostas de casas em duplex que
se abriam para ambos os lados (Nordeste e Sudoeste), permitindo que as casas
tivessem ventilação transversal.
As casas do piso térreo, com 80 m², contavam com dois quartos e casa de
banho no piso térreo, duas salas e cozinha no piso superior. Eram acedidas quer
pelo piso térreo quer por uma escada que ia dar directamente à sala.
Vista do Bairro da Bouça em 2007
(em cima)
Vista do Bairro da Bouça antes e
depois da renovação (em baixo)
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As casas de cima eram acedidas por galeria e nelas a ordem das plantas invertia-
se, salas e cozinha em baixo e quartos e casa de banho em cima. Estas casas
eram mais pequenas que as inferiores, com 74 m², pois no piso superior os
quartos eram recuados em relação à fachada dando origem a pequenos ter-
raços.
As referências de Alvaro Siza às arquitecturas modernistas europeias dos anos
vinte neste projecto, pelas geometrias puras e pelos planos brancos, são as-
sumidas pelo próprio arquitecto quando pinta a parede dos pisos superiores
num tom vermelho ocre, fazendo “uma homenagem a Bruno Taut”.
Infelizmente, com o fim abrupto do programa SAAL, o projecto não chegou a
ser completado e foi abandonado durante 30 anos, tendo os moradores ocu-
pado as casas até então construídas ainda enquanto decorriam as obras. Ap-
enas foram parcialmente feitos 2 dos blocos (+- 1/3 do projecto) e nenhum dos
serviços comunitários nem os arranjos exteriores previstos foram realizados.
Só em 1999,com a crescente reputação internacional do Arquitecto Alvaro Siza
e por ocasião da Porto Capital Europeia 2001, a Câmara Municipal decide recu-
perar e terminar o esquecido e degradado Bairro da Bouça.
O projecto original foi construído na sua totalidade, os 130 fogos inicialmente
previstos foram completados com pequenas alterações que visavam dar estas
casas o standard do conforto dos nossos dias, que evoluiu muito nos últimos 30
anos. O muro a norte forma agora uma porta para a nova estação de metro; foi
feito um parque de estacionamento subterrâneo; foram postas grades nas en-
tradas do piso térreo; as janelas mantiveram as proporções, mas algumas pas-
saram a ser de correr e alguns terraços foram fechados, transformando-se em
pequenos solários. Hoje os antigos moradores ficaram com as casas restauradas
e os novos são casais jovens com crianças pequenas e, como é óbvio, muitos
deles são jovens arquitectos.
Corte de um dos blocos de
Habitações (em cima)
Plantas do piso terreo, primeiro,
segundo, terceiro e quarto
(em baixo)
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Casas em FukuokaSteven Holl1992 | Fukuoka, Japão
O projecto consiste em 28 apartamentos que se conformam a partir de uma
sequências de pátios, espaços vazios que separam e articulam as diferentes
habitações e que lhes permite assim olhar aos quatro pontos cardeais.
O conceito para o seu interior parte de uma interpretação contemporânea do
“fusuma” tradicional japonês. Fusuma são painéis verticais opacos que desl-
izam para redefinir espaços dentro de uma divisão. São translúcidos e geral-
mente medem 91 cm por 1.83 m, o mesmo tamanho que um tatami, com dois
ou três centímetros de espessura.
Estas casas, com portas, painéis e armários pivotantes e deslizantes, permitem-
se variar ao longo do dia consoante as necessidades espaciais dos seus habitan-
tes, sendo possível adicionar espaço à área de estar durante o dia juntando-lhe
as áreas dos quartos.
A tipologia de casa concebida por Steven Holl enquadra-se no conceito “casa
do pragmatismo” de Iñaki Abalos.
Esta casa é caracterizada pelo seu espírito, pragmático, já que aqui tudo gira à
volta do tempo presente.
O quotidiano e os problemas que este acarreta são nesta casa encarados como
resolúveis a partir de um sem-número de respostas, ao contrário do que se pas-
sava na casa positivista onde, apenas uma verdade dogmática era aceite e tudo
o que fugia a essa verdade não era possível de realizar no habitar: o “sistema”
de Le Corbusier passa a estar completamente aberto ao dia-a-dia através de
mutações constantes que podem ser dadas aos espaços
Outra casa do “pragmatismo” que marcou a História da Arquitectura é a Casa
Schröder, de Gerrit Rietveld, construída em Utrecht em 1924.
Nesta casa aquilo que melhor ilustra o “pensamento pragmático” é o seu
primeiro andar. Através de painéis móveis o espaço vai se alterando ao longo
do dia consoante as diferentes necessidades da família.
Quando os painéis estão todos fechados, o espaço é dividido em três quartos
de dormir ou de trabalho, uma sala, um hall e uma casa de banho.
Quando os painéis estão todos abertos o espaço transforma-se numa enorme
sala onde o ar e a luz abundam e circulam livremente.
Vistas das possiveis mutoações nas
casas
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Vista do Exterior das Habitações
(em cima)
Vista do Interior do primeiro piso
da Casa Schröder de Gerrit
Rietveld (em baixo)
Planta geral do terceiro piso das habitações
Corte Longitudinal do Edificio
Variações em planta das habitações
Variações em axonometria das habitações
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Transformaçao de um Bloco de HabitaçãoDurot, Lacaton & Vassal
2008 | Paris 17º, Bois do Prête
No filme “Juventude Em Marcha” do realizador Pedro Costa, pude tomar mel-
hor consciência dos sérios problemas que continuam a afectar as populações,
numa questão directamente relacionada com a Habitação: os Bairros Sociais.
Neste filme é retratado o dramático processo de realojamento de comunidades,
na sua maioria de emigrantes, do bairro de barracas das Fontainhas para blocos
de habitação social.
“Juventude em Marcha” mostra-nos o quão erradas foram estas soluções de
“chave na mão” que o PER oferece às populações que vivem nas barracas. Ao
não terem sido ouvidas antes da construção das suas habitações, e sendo os
únicos critérios a racionalização e a economia máxima, as pessoas não con-
seguem adaptar-se minimamente ás novas habitações, gerando-se por vezes
histórias de contornos quase cómicos como a dos ciganos que ao não terem
um quintal usam a banheira para fazer hortas ou para colocar os seus patos, ou
histórias mais dramáticas em que num acto de desespero um habitante lança
fogo ao seu apartamento para tentar humaniza-lo.
Mas não é só em Portugal que encontramos a falência das políticas no campo
da habitação dita “social”. Como vimos no caso de Robin Hood Gardens, com
melhores ou piores projectos de arquitectura, o abandono por parte do estado
destas comunidades leva a que este problema seja transversal a toda uma so-
ciedade, qualquer que seja o país em análise.
Em França, como em toda a Europa nas décadas de 60 e 70, foram construídos
inúmeros conjuntos habitacionais que visavam resolver a necessidade premente
de casas que a destruição provocada pela guerra tinha criado. Além de hoje
muitas dessas habitações apresentarem já graves carências ao nível construtivo
e do conforto, as convulsões sociais originadas nestes bairros sociais levaram
o governo francês a criar um programa para a demolição destes edifícios. Este
programa promete então alterar profundamente o perfil das cidades e vem ao
mesmo tempo agravar o já enorme défice de habitação pública hoje existente
no país.
Vistas do Exterior da Torre, antes e
depois em fotomontagem
(em cima)
Vista do Interior das Habitações,
antes e depois em fotomontagem
(ao meio)
Fotomontagem das Varandas
Exteriores (em baixo)
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Contra este programa a dupla de arquitectos Anne Lacaton e Jean-Philippe Vas-
sal, associada ao arquitecto Frédéric Durot, fizeram um estudo intitulado “plus”,
editado em 2007 pela Gustavo Gilli, que vem repensar a condição destes edifí-
cios na cidade e a sua viabilidade com as devidas obras de reconversão.
Neste contexto os arquitectos acreditam que a demolição dos edifícios é uma
ideia “aberrante” e que “a sua transformação permitiria uma resposta mais
económica, mais eficaz e mais qualificada.”
Apesar das habitações apresentarem graves carências a nível construtivo e do
conforto, os arquitectos acreditam que o potencial para a qualidade é intrínseco
a estes edifícios. As condições geográficas, estruturais e espaciais existentes são
um bom ponto de partida para o melhoramento radical das actuais condições
de habitabilidade.
A sua estratégia passa então por substituir as actuais fachadas dos edifícios
por grandes envidraçados e adicionar-lhes pequenos núcleos que servem em
primeira instância para prolongar a casa, aumentando as possibilidades de cir-
culação interior, alterando significativamente o ambiente interior e a relação
deste com a paisagem exterior. Estes núcleos, que são apostos à fachada, têm
também o intuito de fazer um melhor controlo climático das habitações. Depois
de uma análise das tipologias, juntam-se casas formando uma só para que as
tipologias correspondam aos níveis de conforto actuais em termos de área.
Para um maior conforto ao nível urbano, são também repensados os espaços
comuns e para os pisos inferiores dos edifícios são atribuídos usos comunitários.
“Nunca demolir, subtrair ou substituir, sempre adicionar, transformar, e utilizar”
Com o dinheiro poupado nas demolições e realojamento dos habitantes em
novos edifícios, os edifícios antigos transformar-se-ão em habitações com níveis
de conforto elevado, e ainda sobrará dinheiro para fazer novas casas, diminu-
indo assim o défice de habitação pública existente.
Dentro deste estudo o projecto que resolvi analisar encontra-se neste momento
em fase de projecto, havendo já um apartamento protótipo montado.
O edifício, a Torre de Bois-Le-Pêtre, pertence a um complexo de edifícios de
grande altura (cerca de 50 metros) construídos no início dos anos 60, perto da
circular de Paris, a norte da cidade.
Nesta torre existem 96 apartamentos distribuídos por 16 pisos, 32 têm cinco
quartos, 28 têm três quartos, e 36 têm dois quartos.
A demolição prevista deste edifício foi evitada com a aprovação do projecto de
transformação.
Esquemas de Transformação dos
apartamentos sobre fotografia
(em cima)
Esquemas de Transformação das
Fachadas em axonometria
(em baixo)
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A estratégia de projecto adoptada é igual à acima descrita. Os núcleos apostos
à fachada, estruturalmente independentes do edifício original, serão prolon-
gamentos dos apartamentos, criando terraços e varandas, transformáveis em
jardins de inverno. As Fachadas existentes serão rasgadas com grandes envid-
raçados para que os habitantes possam tirar maior partido da vista excepcional
sobre Paris.
O piso de acessos será completamente remodelado e colocado ao nível da rua,
e serão adicionados 2 elevadores para conferir a mesma acessibilidade a todos
os apartamentos. A nova entrada será liberta de todas as divisões e instalações
inúteis e passará a ser um espaço completamente transparente ao jardim a
criar nas traseiras do edifício. Salas para actividades colectivas serão também
adicionadas.
Toda a estrutura será desenhada com elementos pré-fabricados para permitir
que os habitantes permaneçam nos seus apartamentos durante as obras.
À área existente de 6 288 m² serão adicionados 3 560 de extensão.
Estima-se que a obra venha a custar 9,84 milhões de euros.
Vista do Interior da Habitação an-
tes e depois com o prototipo mon-
tado (em cima)
Vista da Varanda Exterior
(em baixo)
Vista do Exterior da Torre com o
protótipo montado
(nesta página)
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Conclusão
Em todos os projectos analisados, e apesar de se constituírem todos como sin-
gulares casos de estudo de habitação desde o Pós-guerra, podemos identificar
claramente temas que lhes são comuns e que vêm reforçar a sua qualidade
arquitectónica e o conforto no habitar:
A ideia de uma forte relação com o exterior é trabalhada em todos eles com
muita intencionalidade, podendo ir de uma mera relação visual até uma tenta-
tiva de verdadeira apropriação. Nas casas em Fukuoka, Steven Holl abre vazios
entre os volumes para que as habitações possam ter pontos de vista do exterior
em todas as direcções possíveis. Na Unité de Le Corbusier, esta ideia do deleite
das vistas do exterior está também muito presente com a possibilidade das
habitações olharem a ambos os lados da paisagem, sendo que aqui Corbusier
reforça esta relação com o exterior oferecendo loggias e varandas com uma
grande amabilidade de área para que todas as habitações usufruam de um
espaço exterior próprio.
Da mesma maneira, no Projecto da Torre Bois-le-Pêtre, os arquitectos preten-
dem dotar as antigas habitações com espaços exteriores com vista, para uma
melhor qualidade e conforto das habitações. No caso do Complexo Robin Hood
Gardens é radicalizada esta relação com o exterior, já que os arquitectos elevam-
no, com o seu conceito das ”Streets in the Sky” com 2,5 metros de largura,
permitindo aos habitantes uma relação mais qualificada com o exterior fora das
habitações mas ainda dentro do edifício, possibilitando que as crianças corram,
brinquem e andem de bicicleta, tal e qual como se estivessem ao nível térreo.
No extremo destas relações está o projecto da Bouça, no qual o arquitecto
Álvaro Siza trata o exterior como um grande espaço comunitário, na ideia do
exterior ser um prolongamento das casas, um pouco à imagem da arquitectura
vernacular portuguesa.
A economia, que é hoje cada vez mais um factor que preponderante na arqui-
tectura, é também um tema comum a todos os projectos . Em todos os projec-
tos apresentados, sejam eles de casas de habitação colectiva corrente, ou para
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estratos sociais mais baixos, é demonstrado que a economia é possível, não
como objectivo em si, mas aliada à racionalização dos espaços, tendo em vista
o conforto máximo dos seus habitantes. Com base em estudos de ergonomia,
o Modulor, Le Corbusier consegue desenhar tipologias muito económicas em
área, mas que superam em muito os standards médios do conforto e da quali-
dade dos espaços.
Por outro lado no projecto de Durot, Lacaton e Vassal é demonstrado com
clareza que se pode, contrariando as lógicas económicas correntes, construir
habitação qualificada obtendo lucro, quer em termos económicos, quer em
termos sociais.
Outro aspecto importante que deve ser assinalado é o da identidade das hab-
itações. Todas as casas apresentadas, apesar de um grau elevado de estandard-
ização permitem diversos tipos de ocupação, dando, com as suas qualidades
espaciais, maior intensidade e potencialidade à vida que dentro delas decorre.
O limite paradigmático neste tema é a casa em Fukuoka que, com as suas pare-
des amovíveis, permite mudar de forma abrangente todo o espaço, de modo a
melhor satisfazer as necessidades de cada indivíduo, em cada momento.
É no tema das relações com a cidade que os projectos estabelecem com a en-
volvente relações mais diversas. Enquanto a Unité de Le Corbusier, assente em
pressupostos de cidade-jardim, se fechava sobre si própria, oferecendo aos seus
habitantes tudo aquilo de que necessitavam para o decorrer do dia-a-dia,
já em projectos como a Bouça ou a Torre de Bois-le-Pêtre, são criados serviços
comunitários que visam criar ligações com a envolvente onde se inserem.
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http://en.wikipedia.org/wiki/Robin_Hood_Gardens, 20.12.2008
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www.lacatonvassal.com/, 3.1.2009
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