pensar

3
PENSAR O pensamento não passa ao lado ou acima das experiências e das vivências humanas, mas inscreve-se nelas, pensa-as, dá- lhes sentido. [ Reflexão → esta palavra designa como que um movimento de retorno sobre o vivido e o experienciado com vista a apreender o seu alcance, a sua articulação com outras vivências e outras experiências, a sua correspondência às vivências e experiências dos outros. ] A reflexão, enquanto acto de pensamento, não é um exercício de evasão. Pelo contrário, é a tomada de consciência do conjunto de circunstâncias que envolvem a nossa vida, o reconhecimento da teia de relações em que vivemos. ( Ligação do pensamento com a vida, a experiência, a existência. ) Pensar → pesar, avaliar, apreciar, ver. Pensar não é só conhecer ou saber algo. É também reconhecer, inventar, descobrir, ser surpreendido pelo mistério das coisas, interrogar … mesmo se não há resposta à vista, mesmo que se experimente a falência de todas as respostas. i. O pensar impõe a si mesmo regras. A primeira de todas é a autonomia : pensar por si. Depois a objectividade : procurar confrontar os nossos próprios juízos com a realidade, vendo-a de todos os ângulos possíveis. Finalmente, a coerência , não apenas a coerência formal 1 , mas sobretudo a coerência com o que somos. ii. 1 Coerência na forma do discurso, na forma do que se diz, sem contradição; pensamento lógico. 1

Upload: jortemarta

Post on 07-Dec-2015

212 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Texto filosófico sobre o pensar.

TRANSCRIPT

Page 1: Pensar

PENSAR

O pensamento não passa ao lado ou acima das experiências e das vivências humanas, mas inscreve-se nelas, pensa-as, dá-lhes sentido.

[ Reflexão → esta palavra designa como que um movimento de retorno sobre o vivido e o experienciado com vista a apreender o seu alcance, a sua articulação com outras vivências e outras experiências, a sua correspondência às vivências e experiências dos outros. ]

A reflexão, enquanto acto de pensamento, não é um exercício de evasão. Pelo contrário, é a tomada de consciência do conjunto de circunstâncias que envolvem a nossa vida, o reconhecimento da teia de relações em que vivemos. ( Ligação do pensamento com a vida, a experiência, a existência. )

Pensar → pesar, avaliar, apreciar, ver. Pensar não é só conhecer ou saber algo. É também reconhecer, inventar, descobrir, ser surpreendido pelo mistério das coisas, interrogar … mesmo se não há resposta à vista, mesmo que se experimente a falência de todas as respostas.

i.O pensar impõe a si mesmo regras. A primeira de todas é a autonomia: pensar por si. Depois a objectividade: procurar confrontar os nossos próprios juízos com a realidade, vendo-a de todos os ângulos possíveis. Finalmente, a coerência, não apenas a coerência formal1, mas sobretudo a coerência com o que somos.

ii.Pensar não é um acto solitário, mas um acto de comunhão, de comunicação com o mundo e com os outros. Supõe a comunidade e gera a comunidade. Kant perguntava:

«pensaríamos bem, pensaríamos sequer se não pensássemos com os outros?»

Porque o pensar se dá em comunidade é que ouvimos, apreciamos, julgamos, criticamos os pensamentos dos outros. Por isso, igualmente nos sentimos impelidos a comunicar aos outros os nossos pensamentos e esperamos deles a apreciação, o juízo, a aprovação. iii.O pensar não se dá no vazio. Pensamos a nossa experiência das coisas e do mundo. Pensamos para nos orientarmos na nossa existência, nas nossas acções.

iv.O pensar dá-se na linguagem, mas é também potenciador e criador de linguagem.[ Por vezes, a expressão do pensamento mais profundo é mesmo o silêncio. É-o sobretudo quando o pensar se confronta com o não-pensado ou o impensado, quando depara com o mistério, … ]

1 Coerência na forma do discurso, na forma do que se diz, sem contradição; pensamento lógico.

1

Page 2: Pensar

v.Pensar é querer saber o porquê e o sentido das coisas. O sentido do mundo e dos seres só o homem pode interrogá-lo e respondê-lo. Sem o homem para lhe dar um sentido a realidade do mundo é obtusa (= tosca, rude).

«É da condição humana querer saber o porquê e o para quê e qual o sentido das coisas.»

Vergílio Ferreira

«Saber é a nossa invencível obsessão. Assim nos interrogamos incessantemente sobre o que não podemos conhecer.»

Vergílio Ferreira

vi.Pensar radica no existir. Qual está primeiro: o pensar ou a existência? Não será o pensar a consciência de um modo peculiar de existência que é a do homem?

vii.A experiência originária do pensar, embora possa ser dificilmente acessível (e historicamente foi-o de facto, pelo menos ao nível da sua formulação explícita como problema filosófico), é a experiência de um “eu” que dá sentido (pelo pensamento, pelo amor, pela arte) ao mundo físico e ao mundo dos valores.Mas esse eu não é um eu originariamente pensante, como era o de Descartes. É um eu dado num corpo, do qual o homem nunca pode sair:

«Jamais sairás do teu corpo, ó homem mortal. Mas só querendo transcendê-lo tu és homem à tua medida.»

Vergílio Ferreira

…/…

2