pensando a segurança - vol1

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    COLEO PENSANDO A SEGURANA PBLICA

    Volume 1

    HOMICDIOS NO BRASIL:

    REGISTRO E FLUXO DE INFORMAES

    Braslia - DFMinistrio da Jusa

    2013

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    Presidenta da RepblicaDilma Rousse

    Ministro da Jusa

    Jos Eduardo Cardozo

    Secretria ExecuvaMrcia Pelegrini

    Secretria Nacional de Segurana PblicaRegina Maria Filomena De Luca Miki

    Diretora do Departamento de Pesquisa, Anlise da Informao eDesenvolvimento de Pessoal em Segurana PblicaIsabel Seixas de Figueiredo

    Diretor Nacional do Projeto BRA/04/029Guilherme Zambarda Leonardi

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    COLEO PENSANDO A SEGURANA PBLICA

    Volume 1

    HOMICDIOS NO BRASIL:

    REGISTRO E FLUXO DE INFORMAES

    Organizao:Isabel Seixas de Figueiredo, Crisna Neme e Crisane do Socorro Loureiro Lima

    Braslia - DFMinistrio da Jusa

    2013

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    2013 Secretaria Nacional de Segurana PblicaTodos os direitos reservados. permida a reproduo total ou parcial desta obra, desde que seja citada a fonte eno seja para venda ou qualquer m comercial. As pesquisas apresentadas reetem as opinies dos seus autores eno do Ministrio da Jusa.

    Esplanada dos Ministrios, Bloco T, Palcio da Jusa Raymundo Faoro, Edicio Sede, 5 andar, sala 500, Braslia,DF, CEP 70.064-900.

    Disponvel em hp://portal.mj.gov.brISBN:978-85-85820-27-5Tiragem:1.000 exemplaresImpresso no Brasil

    Coleo Pensando a Segurana Pblica - Volume 1

    Edio e DistribuioMinistrio da Jusa / Secretaria Nacional de Segurana Pblica

    OrganizaoIsabel Seixas de Figueiredo, Crisna Neme e Crisane do Socorro Loureiro Lima

    Diagramao e Projeto GrcoEmerson Soares Basta Rodrigues, Filipe Marinho de Brito e Robson Niedson de MedeirosMarns

    Equipe ResponsvelCoordenao:Crisna Neme, Crisane do Socorro Loureiro LimaConsultoras:Lucia Eilbaum, Anna Lcia Santos da Cunha

    Equipe de Apoio:Aline Alcarde Balestra, Ana Carolina Ribeiro Vieira Santos, Ceclia Maria de Souza Escobar,Crisane Torisu Ramos, Jeerson Fernando Barbosa, Luciane Patrcio Braga de Moraes, MarinaRodrigues Fernandes de Sousa, Rogers Elizando Jarbas

    Ficha catalogrca elaborada pela Biblioteca do Ministrio da Jusa

    363.2R337 Homicdios no Brasil: regisro e uxo de informaes/ organizao: Isabel

    Seixas de Figueiredo, Crisna Neme e Crisane do Socorro LoureiroLima. Braslia: Ministrio da Justia, Secretaria Nacional deSegurana Pblica (SENASP), 2013.

    409 p. : il. (Coleo Pensando a Segurana Pblica ; v. 1)

    ISBN : 978-85-85820-27-5

    1. Segurana pblica, Brasil. 2. Polca de segurana, Brasil. 3. Crime contra a vida. 4. Percia (processo penal), Brasil. I. Figueiredo,

    Isabel Seixas de, org. II. Neme, Cristina, org. III. Lima, Cristiane doSocorro Loureiro, org. IV. Brasil. Secretaria Nacional de SeguranaPblica (SENASP).

    CDD

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    SUMRIO

    Apresentao ..................................................................................................................................07

    1 - O homicdio em trs cidades brasileiras..........................................................................09Escola de Direito de So Paulo da Fundao Getlio Vargas

    2 - Diagnsco de homicdios : um estudo comparado sobre os crimes de homicdioe latrocnio invesgados pela polcia judiciria e julgados pelo poder judicirio em

    Recife-PE, Jaboato dos Guararapes-PE e Fortaleza-CE, de 2007 a 2009...................... 73Associao Caruaruense de Ensino Superior e Universidade Federal de Pernambuco

    3 - O impacto dos laudos periciais no julgamento de homicdio de mulheres emcontexto de violncia domsca ou familiar no Distrito Federal..............................142ANIS - Instuto de Bioca Direitos Humanos e Gnero

    4 - Fluxo do trabalho de percia nos processos de homicdio doloso no Rio deJaneiro ......................................................................................................................................195Universidade Federal do Rio de Janeiro

    5 - Prova pericial no estado de Sergipe: a (des)funcionalidade do sistema deJusa criminal. ......................................................................................................................277Universidade Federal de Sergipe

    6 - Mortes violentas no Brasil: uma anlise do uxo de informaes.........................329Associao Cultural e de Pesquisa Noel Rosa

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    APRESENTAO

    O Projeto Pensando a Segurana Pblica, desenvolvido pela Secretaria Nacional de SeguranaPblica (SENASP) em parceria com o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),busca estabelecer parcerias para realizao de pesquisas no campo da Segurana Pblica e da JusaCriminal, em temas considerados prioritrios para o governo federal. A metodologia se beneciado projeto de sucesso Pensando o Direito, realizado pela Secretaria de Assuntos Legislavos doMinistrio da Jusa tambm em parceria com o PNUD. Alm de fomentar a execuo de pesquisasem temas centrais no mbito da Segurana Pblica e da Jusa criminal, o Projeto visa buscar maisinformaes sobre questes centrais para as aes da Senasp e auxiliar na avaliao de projetos quevem sendo desenvolvidos, fundamentando seu redirecionamento quando necessrio.

    Esta publicao tem a nalidade de comparlhar os resultados alcanados com o Projeto efomentar o debate sobre temas considerados fundamentais para as polcas pblicas de segurana.Este volume da Coleo Pensando a Segurana Pblica apresenta os resultados de pesquisasrelacionadas invesgao e ao uxo do registro e processamento dos homicdios. Os dois primeirostextos apresentam diagnscos de homicdios em Guarulhos-SP, Macei-AL, Belm-PA, Recife-PE,Jaboato dos Guararapes-PE e Fortaleza-CE. Os textos seguintes focam especicamente a questoda produo da prova pericial e buscam, na medida do possvel, aferir seu impacto na prestaojurisdicional. Por m, o lmo texto traz uma anlise do uxo do registro de homicdios nas cidadesRio de Janeiro, Salvador e Macei, sendo um tema fundamental para idencar lacunas que souma das responsveis pelo descompasso das estascas sobre homicdios produzidas pelo sistemade sade e pelo sistema de segurana.

    A Senasp agradece a cada uma das instuies parceiras e espera que esta publicao auxilieno aprofundamento do debate de um modelo de segurana pblica mais eciente e pautado pelorespeito aos direitos humanos.

    Boa leitura!

    Regina Maria Filomena de Luca MikiSecretria Nacional de Segurana Pblica

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    1O HOMICDIO EM TRS CIDADES

    BRASILEIRAS

    ESCOLA DE DIREITO DE SO PAULO DA FUNDAO GETULIO VARGAS1

    RESUMO

    A presente pesquisa versa sobre o homicdio em trs cidades brasileiras: Guarulhos, Belm e Macei. Nastrs localidades eleitas para o estudo, procurou-se conhecer o perl das vmas e dos autores dos crimesde homicdio, bem como o contexto em que a violncia letal ocorre, para compreender o fenmenodo homicdio. Com vistas a esse objevo, a dinmica da invesgao policial tambm foi levada emconsiderao. O material emprico acessado pela pesquisa constudo principalmente por bolens deocorrncia e inquritos policiais, que receberam tratamento quantavo e qualitavo. Alm disso, foramrealizadas entrevistas semi-dirigidas para resgatar a percepo dos prossionais que atuam na rea. Estapublicao traz os principais resultados da pesquisa e proposies elaboradas a parr desse levantamento.

    PALAVRASCHAVES:Homicdio. Guarulhos. Belm. Macei. Invesgao Policial.

    ABSTRACT

    This research is dedicated to the homicide in three Brazilian cies: Guarulhos, Belm and Macei. In thesethree locaons chosen for the study, we aimed to know the vicms and the oenders prole and also thecontext in which lethal violence takes place in order to understand this phenomenon. To achieve this purposethe police invesgaon is nevertheless taken into account. The empirical data produced by the researchcorresponds to crime reports and other police documentaon on the crime, which were considered underquantave and qualitave approachs. Besides that, there were semi-structured interviews to capture the

    professionals percepons. This publicaon provides the main research results and proposions concerningthis inquiry.

    KEYWORDS:Homicide. Guarulhos. Belm. Macei. Police invesgaon.

    1. INTRODUO

    As discusses encetadas em torno do tema da segurana pblica e da criminalidadecorriqueiramente mobilizam a gura do homicdio como o crime de maior gravidade e quesuscita maior medo na populao, ainda que no seja, no caso brasileiro, aquele ao qualse desna maior pena.2A percepo da violncia liga-se estreitamente ao fenmeno dohomicdio, que corresponde cristalizao da sensao de insegurana que se encontra

    1 Equipe de pesquisa: Heloisa Estellita (coordenadora), Carolina Cutrupi Ferreira, Fernanda Emy Matsuda2 Considerando as penas cominadas, o po penal extorso mediante sequestro com resultado morte (art. 159, par. 3, do CP) tem

    as penas privavas de liberdade mais altas da legislao brasileira (24 a 30 anos de recluso). Ressalte-se que se trata de crimepatrimonial.

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    difusa por toda a sociedade. Pesquisa do IPEA3 revelou que grande a preocupaocom o homicdio: tanto o dado relavo ao pas (62,4%) quanto o dado que se referes regies mostram que a maioria das pessoas entrevistadas armou ter muito medo

    de ser vma de assassinato, tendo a regio nordeste concentrado o maior nmerode respostas nesse sendo (72,9%). inegvel a contribuio da mdia nesse processo,ao amplicar as nocias e reverberar o pnico. No se trata, contudo, de uma intuiototalmente infundada.

    De acordo com dados da ONU,4 para o ano de 2009, o Brasil o campeomundial em homicdios em nmeros absolutos (43.909) e, com uma taxa de 22,7homicdios para cada 100 mil habitantes, ocupa o terceiro lugar no ranking daAmrica do Sul, atrs somente da Venezuela (49,0/100 mil hab.) e da Colmbia(33,4/100 mil hab.). No perodo entre 1980 e 2010, no Brasil morreram mais deum milho de pessoas, em proporo superior a pases com conflitos armados,

    como aponta Waiselfisz.5 preciso ressaltar que o fenmeno do homicdio no seapresenta de forma homognea por todo o territrio brasileiro. bastante razovelsupor, tendo em conta a diversidade social, econmica, poltica e cultural abrangidapelas fronteiras nacionais, que o homicdio tem configuraes especficas em cadalocalidade.

    Tabela 1. Taxas de homicdio (por 100 mil hab.) no Brasil por regies em 2010

    Regio Norte Nordeste Centro-oeste Sudeste Sul

    Taxa 37,4 34,0 30,2 19,0 23,6

    Fonte: Waiselsz (2011).

    A presente pesquisa buscou contemplar essa heterogeneidade, elegendopara estudo trs municpios de diferentes regies do pas: Guarulhos (RegioSudeste), Belm (Regio Norte) e Macei (Regio Nordeste). O projeto inicial depesquisa props atender quatro objetivos interligados: (1) verificar quais so asvtimas preferenciais, (2) classificar os homicdios por tipo e motivao, (3) construirum perfil dos autores (sexo, idade, profisso, registro criminal etc.) e (4) identificaros padres socioeconmicos das cidades para explorar suas possveis ligaes comos homicdios.

    A escolha destas trs cidades obedeceu a dois critrios.

    O primeiro consistente em estudar cidades com diferentes percursos deaumento ou reduo no nmero de mortes por violncia letal intencional nos ltimosanos. Segundo o Mapa da Violncia6, entre os anos de 2002 e 2006, Guarulhosconsolidou uma queda brusca no nmero de mortes, com reduo de 804 para 487bitos/ano. Belm, no mesmo perodo, manteve o nmero de mortes por ano em

    3 Sistema de Indicadores de Percepo Social (2012), disponvel em hp://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/120705_sips_segurancapublica.pdf. lmo acesso em 07.07.2012.4 Global study on homicide (2011).5 WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violncia 2012 os novos padres da violncia homicida no Brasil, So Paulo: Instuto Sangari,

    2011, p. 21.6 Waiselsz, op. cit.

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    um patamar estvel (mdia de 450 bitos/ano). Macei7, por sua vez, registrou umcrescimento exponencial de mortes: no mesmo perodo de quatro anos, houve aumentode 511 para 899 bitos/ano.

    O segundo critrio considerou um aspecto prco: a facilidade de acesso aosbolens de ocorrncia e inquritos policiais. Durante a redao do projeto, contatospreliminares foram realizados com funcionrios da Polcia Civil das trs cidades, para obterinformaes a respeito da viabilidade de desenvolvimento da pesquisa. O contato inicialfoi fundamental para o planejamento da pesquisa, dado que o cronograma de trabalhoinicial era de seis meses e que seriam necessrias viagens para a coleta do material. Oestabelecimento da comunicao previamente ao incio efevo das avidades facilitou oacesso ao material e a realizao de entrevistas, exceo da cidade de Macei apso contato preliminar houve diculdade para o agendamento das avidades relavas aotrabalho de campo.

    Nas trs localidades, procurou-se conhecer o perl das vmas e dos autoresdos crimes de homicdio, bem como o contexto em que a violncia letal ocorre paracompreender o fenmeno do homicdio. Com vistas a esse objevo, a dinmica dainvesgao policial tambm foi levada em considerao. Como ser visto adiante, adisposio bastante irregular das informaes e as parcularidades de cada localidadeobrigaram a adoo de estratgias diferentes e impossibilitaram a consecuo dapesquisa tal como inicialmente planejada. o que sucedeu com o estudo quantavo,por exemplo, que acabou sendo limitado pelo fato de muitas informaes no estaremdisponveis para consulta.

    Contudo, por se tratar de uma incurso em terreno pouco explorado, acredita-seque os resultados da pesquisa contribuem para a compreenso de um fenmeno tocomplexo quanto o homicdio. Alm disso, o mapeamento das diculdades encontradas,que correspondem em alguma medida prpria decincia do sistema de registro dasinformaes, pode ser considerado um resultado de pesquisa l para o desenvolvimentode futuras aes.

    Este documento concentra os resultados da pesquisa e est dividido em quatropartes. Na primeira parte, que cuida da Metodologia, so apresentadas as frentesmetodolgicas ulizadas, as diculdades encontradas e as avidades desenvolvidas.O item Pesquisa trata dos dados obdos a parr do material emprico acessado

    em Guarulhos, Belm e Macei. Primeiramente, procede-se ao desenho de umpanorama sintco acerca da situao socioeconmica de cada um dos municpios,a parr de informaes do Censo 2010 e das Prefeituras. Em seguida, so expostos ediscudos os dados quantavos e qualitavos consolidados a parr de bolens deocorrncia, inquritos policiais e bases de dados fornecidas pelos rgos da Polcia

    7 O crescente nmero de homicdios em Alagoas e, mais especicamente,na cidade de Macei vem sendo objeto de anlise pordiversos rgos, com grande repercusso na mdia. De acordo com o Mapa da Violncia de 2012, que considera dados de bitosdo sistema de sade, Alagoas o estado da federao com a maior taxa de homicdio em todo o pas, perfazendo 66,8 por cem milhabitantes. No relatrio de 2011, o estado tambm aparece na liderana do rankingnacional da violncia com 60,3 e em 2010 com59,6. O socilogo Carlos Marns enfaza a precariedade na apurao dos crimes: a precariedade dos instrumentos de seguranapblica evidenciada em relatrios ociais, nos quais se constatam, pelos nmeros, a inecincia do aparato pblico na resoluodos casos de homicdios no estado. Em 2005 a capital, Macei, registrou 667 homicdios, entretanto apenas 52 foram apurados;

    em 2006 foram 938 homicdios com 36 apurados; em 2007 foram 930 homicdios e 27 apurados; em 2008 o nmero de homicdiosaumenta para 1.123, com apenas 104 apurados. As altas taxas de homicdios em Alagoas, Lus Nassif Online, 28.08.2012.

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    Civil. Posteriormente, aborda-se a questo da movao e ensaia-se uma pologia quese baseia nas impresses da equipe diante do material consultado. Na sequncia, noitem Proposies, o relatrio traz algumas sugestes para formulao de polcas,

    subsidiadas pelas descobertas da pesquisa. Por m, em Consideraes nais, resgatam-se os principais pontos aduzidos no relatrio e sinalizam-se questes que podem serexploradas por outros futuros trabalhos sobre o tema.

    2. METODOLOGIA

    Para dar conta do cenrio a ser abordado pela pesquisa, o trabalho dividiu-se em duasfrentes metodolgicas. A primeira consisu no levantamento de informaes quantavasa parr dos bolens de ocorrncia (adiante, BOs) e dos inquritos policiais (adiante, IPs)referentes a homicdios dolosos, tendo como recorte temporal o primeiro semestre de 2010,para as cidades de Belm e Macei, e tambm o segundo semestre do mesmo ano paraa cidade de Guarulhos. A diferena entre os recortes temporais jusca-se em razo de onmero de IPs da cidade de Guarulhos, durante o primeiro semestre de 2010 (82 IPs), sermuito inferior ao nmero de registros nas demais cidades no mesmo perodo.

    Inicialmente, foi feito um estudo exploratrio para conhecer o nmero de casos e aorganizao do material nas cidades escolhidas para o estudo. As informaes inicialmenteobdas davam conta de que em Macei havia 1.082 casos, em Belm, 411, e em Guarulhos,200. Dada a dimenso de casos relavos ao crime de homicdio em cada localidade, adotou-se como estratgia de pesquisa o sorteio de amostras para Macei e Belm e a considerao

    do universo total de casos em Guarulhos. A coleta de informaes se deu por meio dopreenchimento de um formulrio concebido especialmente para a pesquisa e que procuroucontemplar os pers das vmas e dos autores, o contexto em que ocorreu o homicdio e,ainda, detalhes da invesgao (como a realizao de percias, depoimentos de testemunhas,pedidos de priso prevenva) e o desfecho do inqurito policial. Construiu-se uma base dedados que foi sendo paulanamente alimentada com as informaes dos formulrios, queforam processadas com uso de sowareespecco.8

    Tambm foram ulizados mtodos qualitavos de pesquisa, como entrevistascom funcionrios da Polcia Civil9.Essas entrevistas possibilitaram acessar as percepes dosprossionais a respeito das ocorrncias de homicdios e esclarecer de que maneira se d o registro

    da informao. As entrevistas seguiram o modelo semidirigido, segundo o qual o pesquisador sevale de um roteiro de perguntas, mas no ca adstrito a ele, podendo esmular o entrevistadoa ir alm das respostas. Paralelamente, a pesquisa se valeu da anlise documental, tanto dedocumentos ociais quanto de inquritos policiais, e da reviso bibliogrca sobre o tema.

    8 Stacal Package for the Social Sciences (SPSS), verso 13.0.9 A proposta inicial de trabalho previa a realizao de grupos focais com atores do sistema e com pessoas que vessem o mesmoperl das vmas. Segundo sugesto da SENASP, houve substuio por entrevistas em profundidade: sugere-se reavaliar [...] essaopo, considerando a possibilidade de realizao de entrevistas qualitavas, j que talvez o aspecto colevo dos grupos focaisdiculte o uxo de informaes no caso dos segmentos sociais (Consideraes sobre o produto inicial, 9 de fevereiro de 2012, p.2).Durante o desenvolvimento da pesquisa e o contato com os prossionais da Polcia Civil, a equipe foi alertada sobre eventuaisproblemas, especialmente de segurana, na realizao de entrevistas com pessoas que vessem o mesmo perl da vma dehomicdio. A principal ressalva feita por funcionrios nas trs cidades, que as regies com maior nmero de mortes no seriamsucientemente seguras e apropriadas para a realizao de entrevistas. Alm disso, foi destacado que os moradores da regioprovavelmente no colaborariam, em funo do medo. Por tal movo e cientes de que este dado no implicaria em prejuzo para

    a pesquisa, optamos por no realizar entrevistas com pessoas com o perl das vmas e priorizamos a elaborao de mapas degeorreferenciamento do local de residncia e de morte das vmas, bem como a apreenso qualitava dos IPs.

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    O trabalho de campo em Belm e em Macei envolveu duas viagens para cadalocalidade, sendo a primeira desnada a contatos instucionais, apresentao da pesquisa eacesso a informaes preliminares, e a segunda para a realizao de entrevistas e obteno

    de dados. Como Guarulhos uma cidade congua a So Paulo, foram feitas cerca de dezvisitas. As parcularidades de cada cidade no que se refere sistemazao do material parao qual se voltou a pesquisa demandaram as devidas adaptaes.

    importante destacar que houve diferenas no tocante aos contatos instucionais.A relao com a Diviso de Homicdios em Guarulhos foi feita de forma direta, isto , aequipe telefonou para o delegado seccional e o delegado responsvel pela Diviso explicoua pesquisa e rapidamente foi concedida a autorizao para que o trabalho fosse iniciado,inclusive com a colaborao irrestrita dos funcionrios. Foi disponibilizada uma sala paraconsulta aos documentos, que j se encontravam separados quando da primeira visita delegacia. Assim, a diculdade de lidar com um grande volume de papel pois no existe,

    como ser visto a seguir, qualquer informazao no registro foi amenizada pela solicitudeencontrada na Diviso de Homicdios.

    O contato em Belm tambm ocorreu sem percalos: no nal de fevereiro, uma daspesquisadoras se dirigiu Capital paraense, onde teve a oportunidade de se encontrar como Secretrio de Segurana Pblica, com a Corregedora da Polcia Civil e com funcionrios doSetor de Estasca da Polcia Civil. Todos se mostraram bastante entusiasmados em cooperarcom a pesquisa e, na ocasio, foi disponibilizada uma planilha de dados da Polcia Civil como nmero de procedimentos de inqurito instaurados durante o primeiro semestre de 2010,que foi usada para o desenho da amostra de inquritos.

    Diferentemente do que ocorreu em relao s outras duas cidades escolhidas parao estudo, o contato instucional com a Polcia Civil em Macei foi mais dicil e demorado.Foram diversas as tentavas de obter informaes preliminares e de agendamento de umavisita, o que s foi feito no incio de abril. Houve, desse modo, um atraso considervel naobteno de informaes para o desenho da amostra e, ainda, para a alimentao do bancode dados da pesquisa e para todas as tarefas decorrentes desse processo. importantedestacar, todavia, que em nenhum momento o acesso aos dados foi negado, tampoucohouve expressa oposio pesquisa. O horrio de funcionamento do setor de estasca(das 8h s 14h) e a falta de resposta aos emailse aos telefonemas da equipe de pesquisacontriburam para que a comunicao fosse dicil.

    Em Guarulhos, o controle dos IPs feito em um livro onde esto indicados data deinstaurao, nomes das vmas, quem o(a) escrivo() responsvel, prazos, se em andamentoou arquivado. No h bases de dados e todo o procedimento registrado em papel. Assim, acoleta de dados foi feita com a consulta dos IPs in loco, isto , na sede da Diviso de Homicdios.O livro de registros informava a abertura de 200 IPs em 2010 e os volumes foram previamenteseparados por funcionrios da Polcia Civil, cuja colaborao foi fundamental para o levantamento.Aps a leitura dos inquritos, foram excludos aqueles que no tratavam do crime de homicdiodoloso (ou seja, homicdio culposo, morte natural, suicdio, falso testemunho, obstruo da jusaetc.), os que se referiam a homicdios ocorridos fora de Guarulhos (municpios de Aruj eSanta Isabel) e os que versavam sobre ocorrncias anteriores a 2010.10

    10A nica exceo um caso ocorrido em 29 de dezembro de 2010.

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    Ao nal, 132 IPs adequavam-se ao recorte da pesquisa. Muitos no estavam disponveispara consulta, frequentemente porque haviam sido encaminhados para a Jusa (estavamno prazo, com o promotor de jusa ou com o juiz). Por conseguinte, apenas as cpias

    desses IPs puderam ser consultadas e em grande parte delas no havia vrios documentosimportantes para a pesquisa, como laudos periciais, assentadas de testemunhas e relatriosnais. O mesmo ocorreu com as autuaes provisrias, que apresentavam poucas peas doinqurito. Procurando superar essa diculdade, a equipe retornou algumas vezes delegaciana tentava de acessar os IPs e obter o mximo de informaes.

    Em Macei, o setor de estasca da Polcia Civil centraliza a contabilidade dos crimesno Estado de Alagoas e dedica especial ateno aos crimes violentos letais intencionais (CVLI),que incluem outros pos penais alm do homicdio (suicdio, leso corporal seguida de morte,latrocnio, resistncia, tentava de homicdio e morte a esclarecer). O setor alimenta umaplanilha com dados sobre a ocorrncia e as vmas, tendo como fontes o sistema da Polcia

    Civil de Alagoas (SISPOL), o Instuto Mdico-Legal e at mesmo nocias veiculadas pelaimprensa. O SISPOL alimentado pelos funcionrios lotados nas delegacias de polcia e emmuitos casos foram observados problemas no preenchimento, especialmente no anenteao bolem de ocorrncia, que geralmente descreve de forma muito sucinta tanto o evento esuas circunstncias quanto os pers da vma e do autor. Os prossionais que atuam na reatm conscincia desse problema:

    Esse [a alimentao do banco de dados] um grande calcanhar de Aquilesda polcia. Quem faz essa alimentao o policial civil. Antes era o escrivo,mas j faz mais de dez anos que no h concurso para esse cargo, ento hojequalquer um faz o BO. Assim, chega para ns um BO mal preenchido, cheiode lacunas. Isso diculta muito. Os policiais acham que esto fazendo umfavor ao preencher um BO, e fazem de qualquer jeito, deixando de preencherinclusive campos fechados. [...] Movao, por exemplo, um dado quequase nunca preenchido. (trecho de entrevista com funcionrio 1 da PolciaCivil de Alagoas)

    A parr da planilha fornecida pelo setor de estasca, foram escolhidos os casosque se referiam ao objeto da pesquisa: homicdios dolosos ocorridos em 2010 em Macei.Aps a seleo da amostra, foram preenchidas partes do formulrio, sobretudo em relao vma (sexo, idade, cor, prosso, estado civil, endereo de residncia). Contudo, eranecessrio proceder leitura dos inquritos para conhecer o perl dos autores, os detalhesda invesgao e seu desfecho.

    A Polcia Civil conta com a Central de Inquritos Policiais e Administravos (CIPA), queconcentra todos os inquritos j encerrados e funciona, portanto, como um grande arquivo.Est em andamento o projeto de digitalizao dos inquritos que so recebidos, o que muito interessante em termos da facilidade de acesso e de preservao das informaes. Nomomento da coleta de dados, todavia, eram poucos os inquritos sobre homicdios dolosos.Na CIPA, foram disponibilizados para consulta da equipe todos os IPs referentes ao perodode janeiro a junho de 2010 que estavam digitalizados. Desses 177 IPs, 55 diziam respeito amostra e as informaes que eles traziam subsidiaram a alimentao do banco. Contudo,muitos inquritos se apresentavam de forma bastante incompleta sem laudos, relatriosparciais e nais. Mesmo assim, esses inquritos foram objeto de uma aproximaoqualitava.

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    De acordo com entrevista realizada com a pessoa responsvel pela central,11sdelegacias solicitada periodicamente, por meio de ocio, a remessa dos inquritosnalizados. Todavia, as equipes das delegacias no enviam os inquritos ou o fazem

    com muita demora, no havendo, desse modo, uma centralizao eciente dos casosencerrados na CIPA. Diante da necessidade de acessar os inquritos, indagou-se se seriapossvel obt-los diretamente nas delegacias de polcia, o que foi pronta e fortementedesesmulado: a pessoa responsvel pela central armou que seria perda de tempo,porque os delegados iriam colocar entraves ao acesso e, ao nal, no iriam colaborar.

    Com vistas obteno de outras informaes que no constassem da planilha doSetor de Estascas, foram solicitados os bolens de ocorrncia dos casos da amostrae sua leitura possibilitou o preenchimento de mais alguns campos do formulrio. Aom e ao cabo, porm, os formulrios referentes a esta localidade padecem de maiorincompletude quando comparados aos das demais localidades, especialmente no que

    tange dinmica da invesgao (laudos, assentada de testemunhas, relatrio nal).Vinte bolens de ocorrncia no foram localizados no banco de dados da Polcia Civile, por conseguinte, apenas as informaes da planilha do setor de estasca foramacessadas.

    Em Belm, a equipe teve acesso a uma planilha de dados, disponibilizada pelosetor de estasca da Polcia Civil do Estado do Par. A planilha connha os principaisdados do Sistema Integrado de Informao de Segurana Pblica (SISP), sowaredesenvolvido com o objevo de integrar as informaes produzidas pelos rgos doSistema de Segurana Pblica do Estado do Par. O SISP funciona via web, ou seja, osfuncionrios da Polcia Civil alimentam os dados sobre os procedimentos, cuja tramitao

    pode ser visualizada em outras delegacias. Assim, todo o sistema de Segurana Pblicado Estado do Par informazado.

    Selecionaram-se apenas os procedimentos instaurados na circunscrio deBelm, que inclui a cidade e os distritos de Mosqueiro, Outeiro e Icoaraci. Aps aseleo desses procedimentos, foram excludos aqueles que tratavam de leso corporalseguida de morte, homicdio culposo, tentava, crimes conexos (como roubo) e atosinfracionais. Muito embora todo o sistema seja informazado, o responsvel pelo setorde estasca relatou problemas na alimentao dos dados pelos funcionrios dosdistritos policiais. Quando foi realizado o levantamento para esta pesquisa, percebeu-se que havia lacunas nos procedimentos, ou seja, nem todas as peas dos autos de

    inqurito estavam disponveis on-line. Alm disso, a maior parte dos dados necessriospara a caracterizao inicial da vma acabou prejudicada, pois campos como cor eescolaridade raramente estavam preenchidos. O funcionrio informou estar ciente doproblema e indicou que providncias esto sendo tomadas no sendo de conscienzaros funcionrios que trabalham diretamente com o SISP sobre a importncia de manter osistema atualizado:

    Vou explicar como se faz a qualicao do banco de dados: a gente exportao banco de dados do SISP (Sistema Integrado de Segurana Pblica) para umnovo programa, Excel, e em cima desse banco feita a leitura e a criao donosso prprio banco de dados. A so feitas as alteraes de classicao.A parr disso existe um banco de dados especco para mortes, mas um

    11 Entrevista com funcionrio 2 da Polcia Civil de Alagoas.

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    banco estco. [...] Agora estamos entrando em um processo de normazaoe padronizao de todos os bancos de dados. (trecho de entrevista comfuncionrio 1 da Polcia Civil de Belm)

    O contato inicial da equipe com o material emprico de Guarulhos permiuperceber que muitas vmas eram assassinadas em lugares prximos s suas residncias.Para saber se esse fenmeno tambm ocorria nas outras cidades, optou-se pelaconstruo de representaes grcas que pudessem facilitar a visualizao dos locaisde residncia das vmas e dos locais de ocorrncia dos homicdios. Aps levantamentoe sistemazao dos dados em Guarulhos, Macei e Belm, elaborou-se, ento, ogeorreferenciamento desses pontos. Embora muitos inquritos no trouxessem dadossobre o endereo da vma, a construo dos mapas se revelou extremamente l paravislumbrar a distribuio geogrca dos crimes de homicdio nas trs cidades.

    2.1. CONSIDERAES SOBRE O DFICITDE INFORMAES SOBRESEGURANA PBLICA

    A maior parte da produo terica sobre polcas de segurana pblica defronta-se coma questo sobre a fonte de dados produzidos e a respecva correspondncia destes dados coma realidade. No Brasil, existem duas fontes principais de dados sobre homicdios: as cerdes debito declaradas pelos sistemas de sade estadual e municipal, posteriormente consolidada peloMinistrio da Sade, e os bolens ou registros de ocorrncias das Polcias Civis dos Estados.

    Com frequncia, as informaes destas fontes no coincidem entre si, pois so construdasa parr de metodologias diversas, e cada uma delas possui certos problemas de validade e

    conabilidade.12

    Os dados sobre homicdios do sistema de sade limitam-se s vmas, pois contemplamapenas informaes sobre o bito, e no sobre as circunstncias em que o crime ocorreu.O processo de coleta destas informaes realizado de forma homognea em todo o Pas, aparr de critrios internacionais estabelecidos pela Organizao Mundial de Sade (ClassicaoInternacional de Doenas CID).

    A base destes dados formada pelas declaraes de bito preenchidas por mdicos ecoletadas por meio de cartrios. A informao de cada Estado alimenta o Sistema de Informaessobre Mortalidade (SIM), cuja srie temporal de dados sobre homicdios inicia em 1979. Para Ignacio

    Cano e Eduardo Ribeiro, uma vez que a declarao de bito necessria para o sepultamentodo corpo e para a emisso de cerdes de bito pelos cartrios, h razes para acreditar que acobertura do sistema razoavelmente alta, pelo menos nas reas mais desenvolvidas.13

    Para a esmao do total de crimes de homicdio uliza-se a classicao do sistema demortes por agresso. Ignacio Cano e Eduardo Ribeiro14relatam ao menos trs problemas nasinformaes coletadas pelo SIM. O primeiro deles a cobertura incompleta, ou seja, a existnciade mortes que no so comunicadas ou registradas. Este fator pode decorrer tanto da ausnciado cadver quanto da falta de comunicao ocial da morte. A carncia de informaes sobre a

    12 CANO, Igncio; RIBEIRO, Eduardo (2007), Homicdios no Rio de Janeiro e no Brasil: dados, polcas pblicas e perspecvas inHomicdios no Brasil. CRUZ, Marcus Vinicius Gonalves da; BATITUCCI, Eduardo Cerqueira (orgs.), Rio de Janeiro: FGV Editora, p. 52.

    13 Cano e Ribeiro, op. cit., p. 54.14 Idem.

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    circunstncia da morte um segundo problema para esta fonte e decorre da impreciso da percia(cadver em estado avanado de decomposio), ou de erros mdicos ou de processamento dedados. Por m, as mortes violentas podem ser causadas por acidente, homicdio ou suicdio.

    Todavia, sua idencao pelo sistema de sade pode ser impossvel. Isso explica o fato de queem muitas declaraes de bito no consta o po (causa) de morte.

    J os registros policiais baseiam-se em critrios jurdicos ou operacionais de cada PolciaCivil. Neste sendo, nem toda morte intencional pode ser classicada como crime de homicdio.So exemplos, dentre outros, o crime de latrocnio (roubo seguido de morte), morte por resistncia priso ou casos de morte suspeita, classicao parte realizada pela polcia quando no soclaras as circunstncias do bito.

    As informaes policiais caracterizam-se por registrar o fato, mas no o bito em si.Assim, caso uma ocorrncia seja registrada inicialmente como leso corporal e, dias depois, a

    pessoa venha a falecer em decorrncia dos ferimentos, pouco provvel que o registro policialseja alterado para crime de homicdio.15

    As informaes policiais carecem de padronizao entre as delegacias de uma mesmacidade, o que ocorre tambm entre outras cidades e Estados da federao. Poucas delegaciaspreocupam-se em elaborar manuais de procedimentos e classicao de crimes, a qual ca acritrio da autoridade policial (delegado de polcia).

    Como mencionado, a presente pesquisa foi desenvolvida a parr da sistemazaode dados obdos em BOs e IPs. Para alm das diculdades relatadas para a obteno dosdocumentos, o levantamento das informaes foi problemco, uma vez que constatamos que a

    carncia de padronizao no preenchimento e, ainda, o no preenchimento de diversos campos(que cam, portanto, em branco) eram constantes.

    Os documentos analisados nas trs cidades permitem armar que a falta de treinamentodos prossionais que trabalham com o registro de ocorrncias policiais e a depreciao em relao prpria funo desempenhada dentro das Polcias Civis reetem no preenchimento dos dados.A falta de controle externo e do trabalho de consistncia posterior das informaes tambmcontribui para este quadro.

    Por tal movo, muitos dados construdos e apresentados neste documento vmacompanhados da indicao sem informaes ou informaes prejudicadas, o que certamente

    relaviza os resultados obdos. Em alguns casos, o nmero reduzido de informaes coletadasimplicou na forma de apresentao dos dados ao longo deste texto: determinadas informaesso apresentadas em nmeros absolutos e no em percentuais, pois inferiores a um por cento dototal de dados referentes quele conjunto.

    Nas trs cidades, os dados sobre a vma so os mais detalhados (nome, sexo, idade,residncia). Cor16 uma categoria problemca, pois, alm de ser poucas vezesidencada, sua classicao varia ao longo dos autos do inqurito. Assim, uma pessoapode ser de cor parda no BO e negra no laudo de exame necroscpico. Aparentemente,

    15 Ibidem, p. 54.16 Optou-se pelo uso da categoria cor em detrimento de raa ou etnia porque os documentos produzidos pelas polciasusualmente a adotam para descrever o suspeito ou indiciado, a parr de uma classicao que no autoatribuda, juntamente com

    outras caracterscas sicas como altura, compleio sica, cor dos olhos, presena de sinais ou tatuagens, po e comprimento decabelo, entre outras.

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    estado civil e escolaridade so campos preenchidos indiscriminadamente, ou deixadosem branco.

    Os dados sobre o indiciado so ainda mais escassos e a maior parte deles estdisponvel apenas quando h indiciamento direto acusado se entrega autoridadepolicial ou cumpre priso processual. Esses dados so semelhantes aos coletados sobrea vma (nome, sexo, idade, residncia).

    Parcularmente preocupante a carncia de informaes sobre a relao devma e acusado com o sistema de jusa criminal e a relao entre ambos, ou seja,se eram conhecidos ou no, dados estes que so essenciais para a elucidao doscrimes e para a compreenso do fenmeno do homicdio, a parr da consolidao dedados estascos regionais e nacionais. Informaes dessa natureza permitem acessara existncia ou no de conitos anteriores ao desfecho fatal e so, por conseguinte,

    essenciais para a construo de polcas de preveno.

    3. PESQUISA

    Neste item se apresentam os resultados da pesquisa, baseada na coleta dedados quantavos, na leitura dos inquritos policiais e nas entrevistas. Primeiramente,so abordados os dados obdos em cada cidade, procurando mapear tambm asdiculdades encontradas. Optou-se por expor os dados quantavos relavos a cadacidade e, posteriormente, tratar do tpico que faz uma proposta de anlise qualitavasobre a movao dos crimes de homicdio objeto da pesquisa, abrangendo de formaconjunta as situaes encontradas nas trs localidades.

    3.1. GUARULHOS

    Guarulhos o segundo maior municpio paulista em populao, com 1.221.979habitantes (IBGE, Censo 2010). Excluindo-se as capitais brasileiras, Guarulhos omunicpio mais populoso do Brasil. A cidade est localizada na Regio Metropolitanade So Paulo (distncia de 17 km do centro da capital), entre duas grandes rodoviasnacionais: a Via Dutra, eixo de ligao So Paulo-Rio de Janeiro, e Rodovia FernoDias, que liga So Paulo a Belo Horizonte. O municpio tambm cortado pela

    Rodovia Ayrton Senna, uma das mais modernas do pas, que facilita a ligao deSo Paulo ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, e est a 108 km do Porto deSantos.17

    Dados do Censo Demogrfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica(IBGE) revelam que a populao da cidade dobrou entre os anos 1980 a 2000 (de532.726 para 1.072.717 habitantes). Resultados preliminares do Censo realizado noano de 2010 indicam que praticamente toda a populao da cidade reside em zonasurbanas (98,0% de urbanizao). Homens representam 48,6% do total da populao,enquanto as mulheres constituem 51,6%.

    17 Disponvel em hp://www.guarulhos.sp.gov.br. lmo acesso em 07.09.2012.

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    Tabela 2. Distribuio da populao residente em Guarulhos por cor ou raa (2010)

    Cor ou raa Nmero Porcentagem

    Branca 653.565 53,5Preta 76.757 6,3

    Parda 474.314 38,8

    Amarela 15.301 1,3

    Indgena 1.434 0,1

    Sem declarao 608 0,0

    Total 1.221.979 100,0

    Fonte: IBGE, Censo 2010.

    Em 2007, a rendaper capitada cidade foi de R$ 22.202,46 (IBGE, Censo 2010). Noano de 2009, Guarulhos ocupou, em potencial de consumo, a dcima segunda posiono ranking nacional e a segunda no Estado de So Paulo. Trata-se do segundo maiorProduto Interno Bruto (PIB) do Estado de So Paulo e o nono maior PIB do Pas. SeuPIB supera o de dez Estados da Federao (Rondnia, Acre, Roraima, Amap, Tocanns,Piau, Rio Grande do Norte, Paraba, Alagoas e Sergipe).

    Segundo dados disponveis no portal eletrnico da cidade, a economia localdestaca-se pela atuao em setores como logsca, comrcio, servios e indstriasmetamecnica, farmacuca, eletroeletrnica e alimencia. O comrcio desempenhapapel importante na economia do Municpio, que conta como mais de 17.500

    estabelecimentos comerciais formais, dos mais variados ramos e portes (MTE, RelaoAnual de Informaes Sociais, 2008).

    Em relao aos dados acerca do nmero de mortos por violncia letal intencional,o Mapa da Violncia revela que, entre os anos de 2002 e 2008, a cidade teve reduode 804 para 487 bitos, com dados obdos a parr do Sistema de Informaes sobreMortalidade, da Secretaria de Vigilncia em Sade do Ministrio da Sade.

    A presente pesquisa contempla o levantamento realizado na delegaciaespecializada de Guarulhos de 132 casos registrados como homicdio doloso, ocorridosentre 29 de dezembro de 2009 e 28 de dezembro de 2010, com IPs instaurados

    exclusivamente no ano de 2010. Em relao diviso administrava da Polcia Civil doEstado de So Paulo, tem-se que:

    Guarulhos faz parte do DEMACRO [Departamento de Polcia Judiciria daMacro So Paulo], que abrange as regies metropolitanas de So Paulo. Essasregies so formadas, cada uma, por uma delegacia seccional. Cada seccional,de acordo com o nmero de homicdios e de agentes, decide se cria ou nouma delegacia de homicdios. O DHPP est no DECAP, o Departamento daCapital, que invesga todos os homicdios da capital, salvo interior e grandeSo Paulo. Essa a diviso: Capital, DHPP; regies metropolitanas, SHPP, seexisr, organizado atravs de portaria. [...] Aqui em Guarulhos, h o SHPP,para homicdios de autoria desconhecida, e as delegacias distritais parahomicdio de autoria conhecida ou homicdio tentado. (trecho de entrevistacom funcionrio 1 da Polcia Civil de Guarulhos)

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    Em relao ao material de pesquisa, importante ressaltar que, de incio, percebeu-se que os BOs e os relatrios das autoridades policiais traziam poucas informaes sobrea caracterizao do fato e da vma. Todavia, encontrou-se uma pea relevante para

    compreender as condies em que o crime ocorreu: a recognio visuogrca do crime,pea inquisitria criada pelo Departamento de Homicdios e Proteo Pessoa (DHPP) eaplicado em todas as delegacias especializadas em homicdios no Estado de So Paulo. 18

    A recognio visuogrca preenchida pelos invesgadores que se dirigiram aolocal do crime e contm dados sobre o local do crime, data e hora de ocorrncia dos fatos,da comunicao da equipe de homicdios e da chegada da equipe ao local, com anotaesde informaes relevantes. Em seguida, contm a qualicao completa da vma,com os principais dados idencadores e o registro ou no de antecedentes criminais,qualicao de autores e testemunhas. Os demais campos referem-se s peculiaridadesdo local do crime, tais como as condies climcas, acidentes geogrcos, aspecto

    geral do local, existncia de cmeras de segurana, perl dos moradores e a existnciaou no de estabelecimentos comerciais. Posteriormente, especicam-se as informaessobre a arma, caso alguma seja encontrada, e sobre as condies em que o cadver foiencontrado.

    O lmo campo , provavelmente, um dos mais importantes para oencaminhamento das invesgaes pela autoridade policial. Trata-se do campoimpresso pessoal da equipe, no qual possvel vislumbrar as principais suspeitas dosinvesgadores a parr de eventuais curiosos ou testemunhas presenciais no local, asparcularidades em que o corpo foi encontrado e at eventuais manifestaes sobrecrimes semelhantes ou propostas de encaminhamento nas invesgaes. A seguir esto

    trs exemplos sobre a impresso pessoal da equipe de invesgadores encontrados nacoleta dos dados:

    [O local] prprio para execuo de pessoas e/ou abandono de cadveres,dado que uma rua de terra com escassas residncias distantes uma dasoutras sem iluminao pblica e por tais peculiaridades, no comum acirculao de pedestres no logradouro, mormente em perodo noturno.(Guarulhos, IP 128/2010)

    O cadver encontrava-se na calada, ao lado da motocicleta de sua propriedade[...] e de um capacete branco e azul. Em conversa com as testemunhas nopresenciais acima citadas, soubemos que a vma fazia bico de segurananas empresas da rua e que gostava de conversar com vrios policiais militaresque fazem ronda na rea, e que talvez quisesse dar a falsa ideia de quetambm era um PM. A testemunha [...] nos informou que a vma, seu pai,fazia segurana em um mercado no Jardim Uirapuru, sem saber precisaronde se localiza exatamente tal mercado e que h cerca de um ms, a vmaimpediu um assalto nesse estabelecimento e prendeu um dos assaltantes.Segundo familiares, a vma nha acabado de sair da casa da me no n2 darua onde se deram os fatos, ocasio em que escutaram um barulho de motoe, em seguida, alguns ros, levando a crer que o(s) algoz(es) estavam em umamotocicleta e que seu(s) assassino(s) estariam espreita para execut-lo outalvez assalt-lo, tendo a vma reagido e sendo morta por isso. (Guarulhos,IP 82/2010)

    Estranhamos a quandade de perfuraes existentes no corpo e no haverestojos de munio pelo local. [...] Outro fato estranho a genitora no ter

    18 Para mais detalhes sobre a criao deste instrumento e a aplicao para os crimes de homicdios e outros crimes, ver MarcoAntnio Desgualdo, Recognio visuogrca e a lgica na invesgao criminal, 2006.

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    ouvido os disparos, o que indica, se ela no esver faltando com a verdade,que o autor, provavelmente, fazia uso de uma arma com supressor. (Guarulhos,IP 67/2010)

    H que ressaltar que, embora a existncia da pea de recognio visuogrcado crime seja um instrumento importante para o levantamento dos dados nestapesquisa, em grande parte dos IPs analisados muitos campos estavam em branco oupreenchidos como prejudicados. O mesmo ocorreu em muitos BOs. Estes fatoresaliados constatao de que em poucos inquritos houve indiciamento de suspeitosou de autoria conhecida dicultou a idencao de um perl do autor e da relaoentre a vma e o autor do crime. Por tais movos que os dados que foram coletadosnesta cidade tm mais informaes sobre as circunstncias do crime, dados objevosda vma e eventuais caracterscas subjevas (usuria de drogas ou bebidas alcolicas,envolvimento com avidade criminosa ou algum conito etc.) em detrimento de dadossobre o autor e sua relao com a vma.

    Inicialmente, so apresentados dados quantavos sobre vmas, indiciadose sobre a invesgao criminal como um todo (diligncias realizadas, solicitao depercias e existncia ou no de relatrio nal da autoridade policial).

    Mais de 80% das mortes foram comunicadas, via COPOM (Comando de Operaesda Polcia Militar), Polcia Militar, que fez a comunicao Delegacia Especializada deHomicdios da Polcia Civil. Alm desses casos, mas em menor nmero, foram registradascomunicaes realizadas por populares e pela Guarda Civil Metropolitana PolciaCivil, denncias annimas e um caso de priso em agrante. A parr da comunicaorealizada, foi instaurada a portaria de abertura do inqurito policial.

    At o momento da coleta dos dados desta pesquisa, apenas n 67 IPs (50,8%)policiais nham relatrio nal, de um total de 132 inquritos. Contudo, deve-se ressaltarque se trata de um dado inconcluso, uma vez que o levantamento foi feito a parr decpias de inqurito policiais encaminhados ao Poder Judicirio e autuaes provisrias.

    Em relao aos dados gerais dos homicdios invesgados, maior o nmero decrimes em que houve morte de apenas uma vma (94,7%), e menor, quando havia duasvmas (5,3%).

    De acordo com Desgualdo, o incio das invesgaes pela polcia civil parte de

    premissas de acordo com a profundidade da nocia inicial do delito, dividindo-se emdelitos de autoria conhecida e desconhecida.19A imensa maioria dos inquritos policiaisanalisados (94,7%) trazia bolens de ocorrncia em que havia autoria desconhecida.

    As informaes disponveis na recognio visuogrca e no bolem de ocorrnciaauxiliaram na coleta de dados sobre o local do crime e o que foi apreendido no local.De acordo com estes documentos, em 79,5% dos casos os inquritos policiais foraminstaurados sobre mortes cujos locais foram preservados por policiais militares. Nosdemais casos h registro de socorro vma (que faleceu no hospital) e, por tal razo, olocal no foi preservado.

    19 Op. Cit., p. 7.

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    Quanto ao ponto em que o corpo da vma foi encontrado, vale destacarque o preenchimento deste campo levou em considerao os dados disponveis,prioritariamente, na recognio visuogrca, j que este documento traz campos de

    preenchimento aberto e croquis que descrevem as condies do local e outros detalhessobre o cadver. A maior parte das vmas foi encontrada na rua (65,9%), em residncias(12,9%) e em terrenos baldios ou crregos. Em geral, estes locais caracterizam-se porserem regies para desova de cadveres e, conforme constatao dos invesgadoresde polcia que se dirigiram aos locais, h casos em que a execuo da vma pode terocorrido em local diverso daquele onde o corpo foi encontrado. Isto diculta o trabalhode invesgao policial e de levantamento de testemunhas presenciais e no presenciais,assim como o levantamento das circunstncias em que ocorreu o crime. Houve aindacasos em que a vma foi encontrada em abrigo do ponto de nibus, campos de futebol,dentro de veculo e em parque pblico.

    H poucos registros de apreenso da arma do crime (6,9%), sejam elas de fogo,armas brancas (canivetes ou facas) ou outros instrumentos, como cordas, garrafas,pedras, enxadas e rastelo. Tambm so escassos os registros de apreenso de drogasno local do crime (6,1%), o que chega a contrastar com o nmero de casos em quese menciona a dependncia qumica da vma ou possveis mortes por decorrncia dedvidas ou trco de drogas (ver item cabaixo). Nos IPs em que foi relatada a apreensode substncias e posterior invesgao pericial, constata-se a apreenso de cocana(62,5% do total de apreenses) e crack (25,0% do total de apreenses).

    A gura abaixo representa o local da ocorrncia do homicdio e o da residnciadas vmas na cidade de Guarulhos, no ano de 2010. O mapa evidencia que muitas

    vmas foram mortas prximas ao local de sua residncia ou no mesmo bairro. Valenotar, tambm, que de modo geral, as mortes concentram-se em locais de grandeurbanizao (regio central da cidade).

    Como muitas informaes sobre a qualicao da vma so incompletasou no so preenchidas pelos agentes de invesgao, dados sobre sexo, cor, idade,naturalidade, endereo, ocupao, escolaridade da vma e relao com o sistema dejusa criminal levam em considerao os dados disponveis no conjunto dos documentosdo inqurito policial. Ou seja, as informaes sobre a vma foram coletadas na portariade instaurao do IP, no BO, na recognio visuogrca, folha de antecedentes (quandopresente), laudos periciais, assentadas de testemunhas e relatrio nal de inqurito.

    Ainda assim, possvel observar que algumas dessas informaes apresentam umelevado percentual de dados indisponveis (no informa). Isso signica que noforam encontradas quaisquer menes sobre os dados nos documentos disponveis noinqurito.

    Nos 132 IPs analisados, foram contabilizadas 139 vmas, majoritariamentedo sexo masculino (91,3%). Em dois casos, foram mortos casais heterossexuais. Emum inqurito, foram encontrados dois corpos carbonizados dentro de um veculo (IP23/2010), sem idencao at aquele momento da invesgao, os quais foramclassicados parte.

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    Figura 1. Mapa de distribuio dos locais de ocorrncia e de residncia das vmas (Guarulhos)

    Fonte: Polcia Civil do Estado de So Paulo e DireitoGV.

    Duas vmas do sexo feminino eram menores de 16 anos, enquanto as demaismulheres nham idades entre 20 e 35 anos, alm de uma mulher de 51 anos. Quantoao sexo masculino, percebe-se que os jovens entre 15 e 30 anos esto mais propensos aserem vmas de homicdio (51,6%). A pesquisa deparou-se com muitos IPs em que noconstava a idade da vma (no informa), situaes em que esta no idencada ouh omisso do dado.

    Conforme mencionado anteriormente, em alguns IPs foi possvel perceberdiferentes classicaes da cor da vma. Enquanto o BO indicava uma cor, os laudosreferiam-se a cor diversa. Uma vez constatados dados conitantes, considerou-se, emnossos registros, a cor indicada nos laudos periciais, posto que elaborados por peritos e,portanto, mais precisos quanto a este item. Das 139 vmas, mais da metade so de corparda (43,8%) e preta (15,8%), enquanto as vmas de cor branca representam 32,3% dototal. Em comparao com a populao residente em Guarulhos, nota-se que pardos epretos esto sobrerrepresentados entre as vmas de homicdio, ao passo que brancosso proporcionalmente menos afetados por esse po de violncia.

    Mais da metade das vmas nasceu em municpios da regio sudeste (58,2%),

    enquanto 27,3% so imigrantes da regio nordeste do pas. No foram registradas

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    vmas de outras regies, muito embora haja um percentual relevante de dadosindisponveis sobre sua naturalidade (14,5%). Das vmas, 20,1% nasceram na prpriacidade de Guarulhos e 17,9%, na cidade de So Paulo. exceo de So Paulo, o Estado

    de origem mais comumente registrado foi Pernambuco (15,8%).

    Outros dois elementos que auxiliam na caracterizao das vmas so o estado civile a ocupao. A maior parte das informaes disponveis no bolem de ocorrncia designao estado de solteiro como o mais frequente. Contudo, em inmeras situaes percebeu-seque, embora a vma fosse qualicada como solteira, a amsia ou a convivente eramtestemunhas nas invesgaes. Nestas situaes, considerou-se a situao de fato da vma,e no apenas a mencionada no bolem.

    Quanto ocupao, aproximadamente 32% das vmas estavam empregadas.Prevalece o exerccio de prosses que prescindem de qualicao prossional, sendo mais

    recorrente as de ajudante, ajudante geral, auxiliar geral e pedreiro. Cerca de 8% das vmasestavam desempregadas na data do crime. De modo geral, este campo foi preenchido a parrdas informaes fornecidas pelas testemunhas, que relatavam a vida pregressa da vma esua ocupao. Em poucos bolens de ocorrncia havia meno a este dado e, por tal razo,quase 30% dos inquritos no mencionam ocupao ou prosso exercida pela vma.

    O dcit de informaes sobre a escolaridade ainda maior: apenas 49% dosinquritos mencionam o grau de instruo da vma. Quando mencionada, a escolaridadeconcentra-se na formao do ensino fundamental incompleto e completo. Apenas umavma possua ensino superior incompleto e nenhuma nha formao superior completa.

    Um dado relevante para a idencao do perl de vma e autor e a relao entreambos a passagem destes indivduos pelo sistema de jusa criminal. Contudo, nestecampo constatou-se um grande dcitde informaes disponveis nos inquritos. Conformeindicado anteriormente, a obteno de informaes sobre a relao da vma com osistema de jusa considerou elementos presentes no bolem de ocorrncia, na recogniovisuogrca, na folha de antecedentes criminais, testemunhos e no relatrio nal daautoridade policial. Ainda assim, mais de 30% dos inquritos no trazem qualquer indicaoa respeito. Quando h meno ao dado, nota-se um elevado percentual de vmas semqualquer relao com o sistema de jusa criminal e de vmas com antecedentes criminais.Para ns desta classicao, com antecedentes criminais corresponderia a situaesjurdicas nas quais a pessoa respondeu a inqurito policial ou processo judicial, sem trnsito

    em julgado da sentena condenatria. Com condenao, por sua vez, diria respeito ao fatode a pessoa ter sido condenada de modo denivo, tendo havido ou no cumprimento depena.

    H que ressaltar, entretanto, que apenas os registros presentes na folha deantecedentes foram considerados por esta pesquisa, ainda que tenham sido encontradasnos autos menes de testemunhas sobre a vida pregressa da vma.

    Alm disso, a parr dos depoimentos das testemunhas foram colhidos elementosacerca da relao da vma com drogas. Em 25,2% dos casos, menciona-se o uso de drogaspela vma, e seu envolvimento com drogas em 9,6% dos IPs.

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    Do total de 132 IPs analisados, em apenas 20 deles h indiciamento e, nestes, 30indivduos foram indiciados. As prximas tabelas consideram este total de 30 indiciados.Majoritariamente so indivduos do sexo masculino (93,3%) e na faixa etria de 18 a 30

    anos.

    Assim como registrado no item sobre a cor da vma, muitos inquritosapresentavam informaes contraditrias sobre a cor do indiciado. Ainda assim, possveldizer que predominam indiciados de cor branca ou parda (53,2%). Frise-se o elevadopercentual de informaes indisponveis sobre o dado, que de um tero. Enquantomais de 58% das vmas eram naturais da regio sudeste do Brasil, mais de 63% dosindiciados pertencem a esta regio, sendo que aproximadamente um tero nasceu emGuarulhos. Assim como constatado no perl das vimas, prevalecem indiciados solteiros(86,6%).

    Os dados sobre a escolaridade dos indiciados mostram que possuem, em geral,qualicao educacional equivalente mdia das vmas, ou seja, ensino fundamentalcompleto (at a oitava srie). Embora tenha sido registrada uma vma com ensinosuperior incompleto, no foram indiciados quaisquer indivduos com ensino superior(completo ou em curso). Cerca de 40% dos indiciados estavam empregados na data docrime, enquanto que 16% declararam-se desempregados. Dez por cento dos indiciadosdeclararam a ocupao estudante.

    O dcitde informaes sobre a relao do indiciado com o sistema de jusacriminal compromete quaisquer inferncias. Mais de 60% dos inquritos com indiciamentono indicam a existncia ou no de condenaes ou antecedentes criminais. Quando h

    meno, predomina o indiciamento de primrios (oito inquritos).

    Quando existe indiciamento de algum indivduo, a autoridade policial realizao seu interrogatrio e, a seguir, inquire sobre sua vida pregressa. Dentre as questesrealizadas, quesona-se o uso de drogas pelo indivduo e local de residncia. Depoimentosde testemunhas ou outras fontes foram desconsiderados nestes itens. Na hiptese deo individuo no comparecer delegacia e ocorrer o indiciamento indireto, o formulriosobre vida pregressa tambm preenchido de forma indireta, o que resulta em grandequandade de campos, como uso de drogas, no preenchidos (no informa).

    Alm das caracterscas sobre a(s) vma(s) e o(s) indiciado(s), o escopo desta

    pesquisa tambm foi idencar, quando possvel, a relao entre ambos. Consideraram-se todas as relaes mencionadas entre todas as vmas e todos os indiciados. Ou seja,para um inqurito que invesga a morte de uma vma e apresenta trs indiciados,entende-se que existem trs relaes a serem abordadas (vma com indiciado 1, vmacom indiciado 2 e vma com indiciado 3).

    Da leitura dos dados percebe-se a prevalncia de crimes comedos entre pessoasconhecidas (total de 27 relaes) em detrimento de crimes entre desconhecidos (totalde seis relaes). Dentre as relaes entre conhecidos, destacam-se aquelas de naturezacasual (conhecidos casuais no bairro, no local de trabalho, conhece de vista etc.) ede vizinhana (total de seis relaes). Relaes de natureza conjugal (companheiro,

    namorado ou ex-namorado, amante ou relao sexual eventual) somam cinco relaes.

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    Na categoria outra relao, consta o caso de crime envolvendo o o de um devedor davma.

    Os dados sobre a invesgao referem-se aos meios de prova e instrumentospericiais ulizados durante o desenvolvimento do inqurito policial. Como a equipe depesquisa trabalhou com inquritos policiais e cpias de inquritos, houve casos em quenem todas as peas estavam disponveis. Neste caso, optou-se por indicar como noinforma.

    A maior parte dos laudos periciais disponveis nos autos refere-se a examenecroscpico do cadver, exame perinecroscpico de local e exame de pea balsca. Emcasos especcos, a autoridade policial requisitou ao Instuto de Criminalsca o examede confronto balsco, de forma a averiguar a correspondncia de projteis e armas defogo de outros inquritos.

    Outro meio de prova muito ulizado nas invesgaes coleta de depoimentode testemunhas que presenciaram o crime (presenciais) e daquelas que conhecem ohistrico da vma, como familiares, vizinhos, colegas de trabalho ou conhecidos (nopresenciais). Outros meios de prova so as denncias annimas e as declaraes sigilosasde testemunhas, colhidas nos termos do Provimento 32/2000, do Tribunal de Jusa doEstado de So Paulo.

    Antes do indiciamento de acusados, praxe da invesgao realizar assentada,colhendo a verso dos fatos narrada pelos suspeitos. O percentual de declaraes desuspeitos reexo de crimes em que no havia testemunhas presenciais e de vmas

    no idencadas. O mesmo pode ser armado quanto representao por prisotemporria ou prevenva. Enquanto a priso temporria requerida pela autoridadepolicial no curso das invesgaes, quando um suspeito est se esquivando dosinvesgadores ou ameaando testemunhas, a priso prevenva requerida no relatrional da autoridade policial, ou seja, aps o indiciamento do suspeito.

    At o momento do trmino da coleta de dados, apenas metade dos inquritospoliciais invesgados possua relatrio nal. Ainda assim, possvel perceber que, nosinquritos em que h relatrio, poucos deles trazem elucidaes sobre a autoria docrime e um nmero ainda menor traz esclarecimentos acerca da movao.

    3.2. BELM

    Belm a capital do Estado do Par, com uma populao de 1.392.031 habitantes(IBGE, Censo 2010). A cidade possui a maior densidade demogrca da Regio Norte, econstui o maior aglomerado urbano da regio amaznica.

    O Municpio est dividido em oito distritos administravos e 71 bairros, que seespalham em uma poro connental e por 39 ilhas. O conngente populacional na reaurbana representa uma taxa de urbanizao muito superior observada para o conjuntoda Amaznia e para o Estado do Par (IBGE, Censo 2010).

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    Na economia da regio, destacam-se avidades de comrcio, servios eturismo, com crescimento constante da avidade industrial, especicamente indstriasalimencias, navais, metalrgicas, pesqueiras, qumicas e madeireiras.20 A parr de

    dados do Ministrio do Trabalho, possvel observar o crescimento do comrcio e daconstruo civil na capital e na regio metropolitana entre 1998 e 2002 (MTE, RAIS,2002). A cidade de Belm emprega quase metade de toda a populao do Estado doPar.

    Nesta cidade, foram sistemazados e analisados 168 inquritos policiaisinstaurados entre 1o de janeiro e 30 de junho de 2010. Conforme explicitado naMetodologia desta pesquisa, estes documentos consistem em uma amostra estascado total de procedimentos instaurados na cidade de Belm, mais os distritos de Outeiro,Icoaraci e Mosqueiro, no referido perodo.

    Enquanto em Guarulhos o levantamento de dados foi realizado por meio deconsulta aos autos sicos dos inquritos, em Belm as peas dos autos so disponibilizadasno sistema eletrnico SISP. Isto quer dizer que a equipe teve acesso a todos o materialque estava on-line, sem realizar consulta aos processos sicos. O tpico anterior destetexto detalha as diculdades e limitaes da obteno desses dados. Muitos documentosestavam indisponveis (como relatrio nal da autoridade policial, por exemplo) e adescrio inicial do crime e da vma estava incorreta, em alguns casos. Outros campos,todos preenchidos em meio eletrnico pelos funcionrios da Polcia Civil, estavam embranco.

    Vale dizer que h informaes indisponveis ou lacunosas relavas ao responsvel

    pela comunicao do crime, nmero de averiguados, preservao do local do crimee apreenso de armas ou drogas no local do crime. Alguns dados sobre vmas eindiciados tambm so bastante imprecisos, a saber, local de residncia, naturalidade,idade, cor, escolaridade, estado civil, relao com o sistema de jusa criminal e relaoentre vmas e indiciados. Os dados sobre laudos periciais restringem-se s refernciasno relatrio nal, uma vez que o SISP no oferece a ntegra dos laudos periciais. Htambm situaes em que o procedimento foi encerrado no sistema (ou seja, o relatriofoi remedo ao Poder Judicirio), mas o relatrio nal estava indisponvel para consulta.

    Neste sendo, a construo dos dados dos inquritos analisados tem percentuaismuito elevados de nada consta. Alm dos dados quantavos, o georreferenciamento

    dos locais de residncia e de morte de vmas e indiciados tambm restou prejudicado.Em poucos inquritos havia referncia ao local de residncia da vma e do indiciado e,por tal movo, o mapa de Belm apresenta um nmero maior de pontos relavos aolocal de morte em comparao com aqueles sobre residncia da vma.

    Dentre os IPs analisados, foi possvel perceber que, diferentemente das cidadesde Guarulhos e de Macei, a Polcia Civil de Belm no adota a recognio visuogrca dolocal do crime, instrumento que se revelou bastante l na conduo das invesgaes.Alm disso, quando existe meno aos laudos periciais, ela se restringe ao relatrio nalda autoridade policial. No foram encontrados inquritos em que as percias veram ocondo de auxiliar nas invesgaes ou na produo de provas contra o autor.

    20 Dados disponveis em hp://www.belem.pa.gov.br/.

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    As ocorrncias de mortes em Belm concentram-se aos sbados, domingos esegunda-feira (56,6%), na faixa de horrio das 18 s 24 horas (44,0%), e da 0 s 6 horas(24,4%). Na grande maioria dos casos, os crimes ocorrem na rua (95,8%) e, em menor

    escala, em estabelecimentos comerciais (2,4%), a saber, bares e boate.

    Prevalecem os crimes comedos com arma de fogo (76,8%) e com armas cortantesou perfurantes (13,7%), como facas e peixeira. Outros crimes foram comedos comoutros meios: perna-mancas (travessas de madeira), veculo automotor (ao dolosa),gargalos de garrafa ou, ainda, sem instrumentos (mortes por linchamento).

    A grande maioria dos crimes de autoria desconhecida (94,7%), excetuando-seos casos de priso em agrante, de autoria conhecida, que perfazem 5,3%. Os casosconsultados dizem respeito a crimes com apenas uma vma fatal h inquritos quetratam de situaes com vma fatal e vma(s) sobrevivente(s) , exceo de um nico

    IP que versa sobre um caso com duas vmas, em que populares comentavam que osautores do crime eram em nmero de trs e estavam todo encapuzados, comentavamtambm que as duas mortes foram a mando de um indivduo que queria vingar a mortede dois integrantes de sua gangue, ocorridas momentos antes deste crime.

    As vmas so homens (96,4%), com relevante percentual de crimes contraadolescentes (17,3%) e jovens adultos, de idade entre 18 e 29 anos (57,9%). Soindivduos solteiros (56,5%) ou conviventes (11,9%) e poucas testemunhas relataramestar a vma formalmente casada ou divorciada. Assim como foi possvel perceber aparr dos dados em relao s vmas de Guarulhos, a escolaridade dos mortos emBelm bastante deciente, concentrando-se os crimes contra pessoas com ensino

    fundamental incompleto (38,7%) ou completo (11,3%), e ensino mdio incompleto(7,1%). No constam dados sobre vmas com ensino superior, incompleto ou completo.

    Dos poucos dados disponveis, sabe-se que as vmas so naturais da RegioNorte, na maior parte das vezes da prpria regio metropolitana de Belm. Os dadossobre a relao da vma com o sistema de jusa criminal tambm esto prejudicados.No constavam quaisquer menes sobre vida pregressa do indiciado nos documentosproduzidos pela autoridade policial. Algumas testemunhas, no entanto, faziam eventuaisreferncias sobre a vma viver no mundo do crime, preso por assalto, foragido,sem mais detalhes sobre condenaes.

    A gura a seguir um mapa dos distritos da cidade de Belm com a indicaodos principais locais de residncia da vma e da morte. Como se pode perceber, a maiorparte dos crimes concentra-se nos bairros Icoaraci, Agulha, Cabanagem, Terra Firme eGuam. Embora no seja possvel visualizar uma correspondncia precisa entre localde residncia e de morte da vma, percepvel que as vmas morrem no mesmobairro em que vivem. Ainda que de forma preliminar, possvel concluir que as mortespossam decorrer de relaes interpessoais entre a vma e conhecidos, como parentes evizinhos, ou ainda, mortes planejadas em que o autor conhecia a rona da vma, ou aomenos o local onde morava. Contudo, o mais provvel que estas regies correspondama bairros carentes de infraestrutura, em que as vmas convivem com integrantes degangues ou de organizaes criminosas voltadas para o trco de drogas.

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    Figura 2. Mapa de distribuio dos locais de ocorrncia e de residncia das vmas (Belm)

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    O perl do indiciado bastante semelhante ao da vma, apresentado acima. Sohomens (95,5%), com idade entre 18 e 29 anos (79,9%) e, apesar da nma quandadede casos em que a informao estava disponvel (cerca de 30,0%), pardos (21,0%). Vale

    ressaltar que, dentre os indiciados, consta a meno no relatrio nal a crimes pracadosem concurso de pessoas com menores de 18 anos. Embora estes jovens tenham sidosubmedos aos procedimentos de apurao de atos infracionais, optou-se por incluir ostrs casos de envolvimento de adolescentes nos crimes de homicdio de Belm.

    Dados disponveis sobre estado civil e escolaridade dos indiciados revelamque estes so, em sua maioria, solteiros (52,2%) ou conviventes (12,2%). Assim comoas vmas, indiciados tm baixa escolaridade, com ensino fundamental incompleto(47,7%), ensino fundamental completo (4,5%) ou ensino mdio incompleto (7,7%). Nasua maioria, so indivduos nascidos no Par, Rondnia e Amap (51,1%).

    Poucos inquritos tm informaes disponveis sobre a relao do indiciado como sistema de jusa criminal e a declarao de que seria usurio de drogas. Quando existealguma referncia, descobriu-se que 5,5% dos indiciados tm antecedentes criminais e7,7% declaram ser usurios de drogas e/ou bebidas alcolicas.

    Em relao a Guarulhos, pode-se observar que h um nmero maior deindiciamentos na cidade de Belm. Uma das hipteses para juscar este fenmenopode ser o maior ndice de resolubilidade dos inquritos na cidade de Belm, emrelao a Guarulhos, bem como o maior nmero de consses e prises em agrante ede crimes com mais de um indiciado.

    Assim como em Guarulhos, a maior parte dos crimes de homicdio decorrede relaes entre conhecidos, ainda que casualmente, e relaes conjugais, comorelacionamento de namorados e companheiros. Vale ressaltar que um dos crimesocorreu com vma e autora que mannham relacionamento homossexual, evento noregistrado em Guarulhos entre os casos analisados. Frise-se que poucas informaessobre relao entre vma e indiciado eram precisas; logo, quando no especicadaa relao e se percebia pelos depoimentos que ambos se conheciam, optou-se porclassicar estas situaes como conhecidos casualmente.

    Quase metade dos inquritos policiais tem relatrio nal (47,0%). Este dadodeve ser interpretado com cautela, pois, conforme esclarecido acima, nem todos os

    documentos do inqurito policial esto disponveis no SISP. Ainda assim, possvelperceber que dentre os inquritos em que h relatrio, a menor parte deles trazelucidaes sobre a autoria do crime (48,1%) e sobre a movao (41,7%).

    3.3. MACEI

    A capital de Alagoas tem a menor populao das trs cidades escolhidaspara este estudo: 932.748 habitantes, sendo 46,8% homens e 53,2%, mulheres(IBGE, Censo 2010). Entre 1991 e 2010, a populao passou por incremento dequase 50,0%. Impulsionado pelo turismo, o setor de servios responsvel por

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    79,0% do PIB. Segundo informaes do IPEA para o Estado de Alagoas, 21 a rendaper capita aumentou 36,6% entre 2001 e 2009 (de 247,70 reais para 338,30 reais),permanecendo, entretanto, abaixo da renda do conjunto dos estados do Nordeste.

    Em relao situao de trabalho, a taxa de desemprego de Alagoas era de 10,2%em 2009, resultado que decorre sobretudo do alto desemprego urbano. Embora aporcentagem da populao em situao de pobreza extrema22em 2009 (15,3%) sejamenor em comparao com o dado de 2001 (24,4%), a queda menos acentuadaque a constatada na Regio Nordeste (de 21,7% para 11,0%) e no Brasil (de 10,5%para 5,2%).

    Macei apresenta, segundo dados do Instituto Sangari23para o ano de 2010,a maior taxa de homicdios do Brasil, que corresponde a 109,9/100 mil habitantes.Entre 2000 e 2010, o nmero de homicdios cresceu 184,7%, em direo contrria tendncia verificada no Pas, que no perodo registrou queda de 13,3%. Com 1.025

    homicdios em 2010, Macei concentra praticamente metade de todas as ocorrnciasdesse tipo no Estado de Alagoas, que pode ser considerado muito violento: 11 deseus municpios esto entre os 100 que apresentam maiores taxas de homicdio, dosquais cinco esto na regio metropolitana de Macei.

    Na capital de Alagoas, a seleo da amostra foi feita a partir da planilhafornecida pelo setor de estatsticas da Polcia Civil, conforme mencionadoanteriormente. O sorteio resultou em 220 vtimas de homicdio doloso. Houve duassituaes em que duas vtimas da amostra foram mortas em uma mesma ocorrnciae um caso que tratava de ato infracional. O levantamento resultou na coleta deinformaes relativas a 217 ocorrncias que resultaram na morte de 230 vtimas. Os

    crimes aconteceram entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010 no municpiode Macei, havendo concentrao de ocorrncias nos bairros de Benedito Bentes(12,9%), Tabuleiro do Martins (12,5%), Jacintinho (8,6%), Levada (8,6%) e Vergel doLago (6,0%). Quase metade (46,5%) dos crimes ocorreu noite, das 18 s 24 horas,e a maioria (55,3%), no fim de semana (sexta-feira, sbado e domingo).

    Em 10,1% dos casos a autoria era inicialmente conhecida, tendo havido prisoem flagrante (em sete de 22 casos de autoria conhecida) ou testemunhas presenciaisque reconheceram o autor. Do total de ocorrncias estudadas, em relao a 8,3%delas no foi possvel obter informao sobre a situao do inqurito policial, em1,4% no houve instaurao de inqurito policial, 53,0% estavam em andamento e

    36,9% haviam sido arquivadas. Destas, menos da metade apresentava relatrio finalcom indicao de autoria (32 casos de 80 relatados).

    De acordo com o material acessado, a maioria dos crimes ocorre emlogradouro pblico, no raro nas proximidades da casa da vtima, e em residncias.Estabelecimentos comerciais e quadras de esportes tambm apareceram comolocais de crime. Houve ainda situaes em que a cena do crime foi alterada,ocultando-se o corpo da vtima, o que ocorreu com a desova em lago oucanal pluvial (trs casos) e com o enterro do cadver em cova rasa (um caso).

    21 Situao Social nos Estados Alagoas, disponvel em hp://www.ipea.gov.br/portal. lmo acesso em 09.09.2012.

    22 Renda mensalper capitainferior a 67,07 reais.23Waiselsz, op. cit.

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    Considerando a amostra, houve um caso em que foi encontrada uma ossada, sema identificao da vtima at o momento da coleta, e um caso em que o corpoj se encontrava em estado de putrefao. Ass im, a grande maioria das vt imas

    foi encontrada pouco tempo aps o crime ser cometido ou, ainda, foi morta napresena de testemunhas. Um crime ocorreu em uma cela do sistema prisionale outro, em um lugar caracterizado como boca de fumo (ponto de venda dedroga).

    Na maior parte das vezes, o homicdio ocorreu por disparo de arma defogo (86,6%) e, em menor nmero, houve uso de facas e peixeiras e outrosinstrumentos contundentes e prfuro-cortantes (7,4%). Outros meios, comopaus, pedras, martelo e basto foram utilizados em 2,3% dos casos. Em 3,7% doscasos, a morte no foi provocada por instrumentos. O IP 31/2010, por exemplo,versa sobre uma briga entre dois indivduos cujo desfecho foi a morte de um

    pelo outro, que provavelmente pisoteara a cabea da vtima. Quando a polciachegou, atendendo a pedido de testemunhas da briga, o autor estava com os pssujos de sangue.

    No material coletado, so descritas situaes de extrema violncia, comoo caso do corpo do homem encontrado em um depsito, algemado, com marcasde queimadura e perfuraes por projteis de arma de fogo, indicando que antesde morrer a vtima foi submetida a tortura (BO 0013-E/10-0783). Outro caso quecausa perplexidade o de um homem que dormia na calada, foi morto compaus, pedras, martelo e basto e teve o corpo arrastado por um veculo por maisde 80 metros, deixando um rastro de sangue na rua (BO 0013-B/10-0528). Em

    ambos os casos a autoria dos crimes permanecia desconhecida at o final dacoleta de dados.

    De acordo com a planilha de informaes do setor de estatstica, dentretodos os homicdios dolosos registrados no primeiro semestre (514) de 2010, havia15 vtimas que eram moradores de rua: quatro deles morreram por espancamento,quatro por arma branca e sete por arma de fogo. Essa classificao promovidapelo setor de estatstica quanto condio social da vtima muitas vezesdeterminante para compreender a dinmica do crime e, por conseguinte, pensarsolues para o problema. H a preocupao com o registro de crimes cometidoscontra homossexuais: em 2010, quatro foram assassinados (apenas um foi

    sorteado para a amostra), sendo trs por arma branca e um por espancamento.Dos quatro casos, trs foram considerados homofbicos.

    A pesquisa se deteve sobre as informaes relativas s vtimas fatais, e nos vtimas de tentativas de homicdio ou de crimes ligados ocorrncia. Segundoo levantamento realizado, os homens so maioria (92,6%) entre as vtimas. Odado sobre o sexo no estava disponvel em relao a trs vtimas. Alm disso,trata-se de pessoas jovens: a faixa de idade de 18 a 25 anos abrange 40,0% doscasos, seguida da faixa de 26 a 30 anos, que concentra 20,0% dos casos. A modapara a idade da vtima 18 anos, que perfaz 7,0% dos casos. A vtima mais jovemera uma menina de quatro anos de idade, morta na mesma ocorrncia que oirmo de 17, e a mais velha, um homem de 66 anos de idade.

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    Figura 3. Mapa de distribuio dos locais de ocorrncia e de residncia das vmas (Macei)

    Tendo em vista o bairro de moradia das vtimas, afere-se que o nmero decasos sem informao bastante grande (20,7%) e os mais comumente registrados

    so Tabuleiro do Martins (12,5%), Benedito Bentes (9,1%), Jacintinho (9,1%), Vergeldo Lago (6,5%), Cidade Universitria (3,4%) e Clima Bom (3,4%). Por conseguinte,percebe-se que h uma sobreposio entre os locais de ocorrncia do crime e osde residncia da vtima, ao menos no que diz respeito a quatro bairros (BeneditoBentes, Tabuleiro do Martins, Jacintinho e Vergel do Lago).

    De acordo com o registro feito pela Polcia Civil, 93,5% das vtimas erampardas, 3,0%, brancas e em outros 3,0% no constava informao. Em um nico casoa vtima foi classificada como preta. Por conseguinte, face aos dados do Censo 2010,de acordo com os quais 54,4% da populao residente em Macei so de pardos, huma evidente desproporo entre as vtimas de homicdio, que so quase em sua

    totalidade pardas.

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    Tabela 3. Distribuio da populao residente em Macei por cor ou raa (2010)

    Cor ou raa Nmero Porcentagem

    Branca 342.747 36,7Preta 69.689 7,5

    Parda 506.976 54,4

    Amarela 10.916 1,2

    Indgena 2.420 0,2

    Sem declarao 0 0,0

    Total 932.748 100,0

    Fonte: IBGE, Censo 2010.

    Em relao ao estado civil da vma, os dados apontam que a maioria era solteira(84,8%), havendo 4,8% de casados e 4,3% de amasiados. Todavia, preciso destacar que osregistros nem sempre retratam a situao conjugal corrente, prevalecendo as classicaesbaseadas no estado civil. Em grande parte dos casos, o bolem de ocorrncia armava quea vma era solteira, mas dentre as testemunhas estava sua companheira (amsia). Odado sobre a pouca idade no explica o alto ndice de solteiros porque se constatou comfrequncia a existncia de arranjos conjugais, mesmo entre vmas que nham menos de 18anos de idade.

    interessante observar que a violncia estava presente nas vidas de algumas vmas

    mesmo antes da ocorrncia sob exame: ora j haviam sido vmas de algum crime, ora agiamde forma violenta. Exemplos extrados dos casos estudados so ilustravos dessa percepo.O IP 86/2010 trata da morte de um adolescente de 15 anos de idade que foi alvejado esocorrido ao hospital, onde faleceu dois dias depois. A me relata que o lho j havia sidovma de disparos de arma de fogo menos de um ano antes da ocorrncia, juntamentecom outro jovem que morrera na ocasio, por conta da subtrao de jacas. Em outro caso,testemunhas armaram que o dono de um bar foi morto pelos mesmos indivduos quedias antes haviam tentado subtrair o estabelecimento e foram frustrados pela vma. Outrasituao diz respeito a um casal de irmos de 14 e 18 anos de idade que foram assassinadosum ms aps o homicdio de seu pai. Por outro lado, em ao menos dois casos constavados documentos consultados que as vmas eram conhecidos matadores, autoras de vrios

    homicdios (IPs 107/2010 e 62/2010). J a morte de um homem de 62 anos de idade, vmade bala perdida enquanto comercializava mercadorias em uma feira, chama a ateno pelocontraste com esses casos.

    Conforme explicado no item Metodologia, o acesso s informaes dos inquritospoliciais foi muito restrita e, portanto, os dados a seguir devem ser tomados com ressalvas, jque no se referem a todo o montante de casos que se pretendia estudar. Alm disso, mesmoquando os IPs foram disponibilizados, a incompletude foi muito recorrente. Considerando oscasos em que havia indiciamento (29 IPs), foram indiciadas 42 pessoas, sendo 40 homense duas mulheres. Prevalecem pessoas com faixa de idade entre 18 e 25 anos de idade (22casos), solteiras (21 casos), pardas (14 casos) e com baixa escolaridade (13 alfabezados e 14

    com ensino fundamental).

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    OHomicdioemT

    rsCidadesBrasileiras

    Um dos propsitos da pesquisa era elucidar a relao entre vma e autor e em quemedida essa relao dene a dinmica do homicdio. Os dados so insucientes para darconta desse objevo de forma quantava, mas possvel delinear algumas observaes

    a parr do material consultado.

    Em trs casos, o autor do crime foi, segundo depoimento do prprio acusado oude testemunhas, um amigo prximo da vma. No primeiro caso, a vma foi encontradaem uma cova rasa em um so, um local afastado do movimento. Segundo consso doautor, ele e a vma sempre foram amigos, mas haviam se desentendido fazia poucotempo: a vma fazia uso excessivo de bebida alcolica e, sob efeito da embriaguez,tenderia a brigar. O homem de 26 anos no desconou do amigo que o convidou paratomar um trago, sendo que ele j havia planejado mat-lo e ali enterr-lo, para o quelevou uma p consigo. O segundo caso envolve dois amigos que estavam no momentodo crime morando juntos. Os relatos colhidos no IP do conta de que ambos teriam

    envolvimento com avidades criminosas. A vma foi morta na prpria cama, comdisparo de arma de fogo, tendo o autor subtrado diversos pertences da vma, inclusiveseu celular, trancado a casa e se evadido. Um terceiro episdio diz respeito ao homicdiode um jovem de 17 anos, que havia sido convidado para uma festa pelo amigo. Ao chegarao lugar combinado, o amigo e um comparsa araram contra a vma, que agonizou efaleceu no meio da rua.

    Tambm foram agradas situaes em que a relao entre a vma e o autorse baseia no crime, sobretudo o trco de drogas. Em uma delas, um homem de 48anos de idade foi morto por trs pessoas ligadas ao trco de drogas porque teria comeles uma dvida no valor de sessenta reais. Em outras duas situaes, as vmas foram

    assassinadas em meio a disputas por pontos de venda de droga. Um caso abordado pelapesquisa foi o homicdio de um preso em um instuto penitencirio por outros dois.

    Ao menos 10 das 42 pessoas indiciadas ostentavam antecedentes criminais e pelomenos uma j havia cumprido pena privava de liberdade. Alguns indiciados haviam sidopresos, no curso da invesgao, por outro delito, como porte ilegal de arma, latrocnioe formao de quadrilha. Um dos indiciados durante o interrogatrio policial confessou,alm do homicdio referente ao IP pesquisado, outros dois homicdios.

    Assim como ocorre em relao a Belm e Guarulhos, h coincidncias no tocanteao perl de vmas e autores de homicdios. Em Macei, a conrmao dessa percepo

    se deu de forma bastante concreta: dois homens indiciados haviam sido mortos no cursoda invesgao.

    4. PARA ALM DO INDICIAMENTO: PROPOSTA DECLASSIFICAO SOBRE A MOTIVAO NOS CRIMESDE HOMICDIO

    A classicao desenvolvida neste tpico da pesquisa considera os depoimentosde testemunhas sobre a vida pregressa e contempornea da vma na data do homicdio

    (envolvimento com o uso de drogas e/ou lcool, brigas passadas, conitos conjugais

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    etc.), assim como eventuais informaes presentes no inqurito policial que permitamesboar um perl da vma e, quando possvel, do autor e a relao entre ambos.

    Importante ressaltar que esta proposta de classicao baseia-se na impresso

    pessoal do pesquisador da leitura do material coletado. Como explicitado acima, odesenvolvimento dos inquritos policiais tem a parcipao de inmeros atores (au -toridade policial, invesgadores, escrives, testemunhas presenciais e no presenciais,autor do crime etc.), que apresentam discursos e representaes subjevas do que ocor-reu. Assim sendo, pode-se dizer que qualquer estudo que se proponha a analisar a mo-vao de crimes de violncia letal intencional deve considerar a existncia de ao menostrs ltros de subjevidade: (i) a percepo das testemunhas sobre a vma, o autor ea provvel movao do crime; (ii) a percepo dos agentes de invesgao criminal (in-vesgadores, escrives e autoridade policial) sobre o depoimento das testemunhas e deoutros elementos do crime (antecedentes criminais de vma e autor, parcularidadesdo crime ou do local) e a representao destas percepes dentro dos procedimentos

    existentes (assentadas de testemunhas, relatrio do inqurito policial, diligncias inves-gavas); e (iii) a percepo do pesquisador que analisa o material textual criado pelosagentes de invesgao criminal durante toda a invesgao policial (materializado nosautos de inqurito policial).

    evidente, portanto, que qualquer classicao da movao dos crimesde homicdio resume-se tentava de classicar representaes subjevas dastestemunhas, dos agentes de invesgao sobre as manifestaes de testemunhas e deoutros elementos relacionados ao crime e do pesquisador deste conjunto de percepes.Em sntese, pode-se dizer que as classicaes constuem tentavas de padronizao defatos sociais mulfacetados e que, no caso dos crimes de homicdio, so reconstrudos a

    parr da perspecva dos atores envolvidos no procedimento de inqurito policial.

    A classicao para a movao dos crimes de violncia letal intencional surgiu aparr do prprio material emprico coletado. Nem todos os inquritos policiais puderamser classicados, pois apenas parte deles connha elementos relevantes a parr dosquais se pode tentar compreender a movao do homicdio.

    Ainda assim, alguns depoimentos evidenciaram a realidade das pessoas quevivem em bairros denominados submundo do crime em que impera a lei do silnciopor conta de ameaas de morte. Testemunhas relatam temer por sua integridadesica, uma vez que mora num local m