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PENSAMENTOS

PRIMEIRA PARTE – COMO ORIENTAR A PRÓPRIA VIDA ....................................................................................... 1

INTRODUÇÃO – ORIENTAÇÃO ....................................................................................................................................... 1

I. O Princípio de Retidão ........................................................................................................................................................ 3

II. A Lei do Retorno ............................................................................................................................................................... 4

III. Um Novo Estilo de Vida. O Método do Respeito Recíproco ........................................................................................ 5

IV. Um Novo Tipo de Moral .................................................................................................................................................. 8

V. As Posições do Indivíduo Perante A Lei ........................................................................................................................ 10

VI. Análise das Forças da Personalidade e O Conhecimento do Futuro. O Fim das Guerras. ...................................... 12

VII. O Futuro Estado Orgânico Unitário da Humanidade ............................................................................................... 14

VIII. Por Que Se Vive. As Trajetórias Erradas e A Técnica de Sua Correção .............................................................. 15

IX. O Problema da Delinquência ......................................................................................................................................... 17

X. A Fabricação do Técnico, do Produto e do Consumidor ............................................................................................. 19

CONCLUSÃO ....................................................................................................................................................................... 22

SEGUNDA PARTE – ANÁLISE DE CASOS VERÍDICOS ............................................................................................ 25

INTRODUÇÃO – ORIENTAÇÃO ..................................................................................................................................... 25

I. Diálogo Com As Leis da Vida........................................................................................................................................... 27

II. A Nova Ética .................................................................................................................................................................... 29

III. A Técnica do Fenômeno ................................................................................................................................................ 31

IV. Primeiro Caso ................................................................................................................................................................. 33

V. Segundo Caso ................................................................................................................................................................... 39

VI. Terceiro Caso .................................................................................................................................................................. 40

VII. Quarto Caso .................................................................................................................................................................. 42

VIII. Quinto, Sexto e Sétimo Caso ....................................................................................................................................... 44

IX. O Novo Tipo de Exame de Consciência ........................................................................................................................ 47

X. Como Fazer Um Novo Exame de Consciência ............................................................................................................. 50

CONCLUSÃO ....................................................................................................................................................................... 53

Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)...............................................................................................página de fundo

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 1

PENSAMENTOS

PRIMEIRA PARTE

COMO ORIENTAR A PRÓPRIA VIDA

INTRODUÇÃO – ORIENTAÇÃO

A finalidade deste livro é oferecer, sobretudo aos jovens,

um modo para se orientar na vida, a fim de que ele, depois de

ter entendido como ela funciona, possa autodirigir-se. Procu-

ramos estabelecer um diálogo com base na inteligência, na

sinceridade e na boa vontade.

Usamos este método e o aconselhamos ao leitor, porque é

de seu interesse usá-lo. Acreditamos ser vantajoso para todos

eliminar o velho, fatigante e contraproducente sistema dos

atritos entre contrários. Não nos fazemos de preceptor que

exige obediência, nem de distribuidor de sabedoria para me-

nores ignorantes que nada sabem fazer senão aceitar as su-

gestões. Aqui não existe autoridade imposta e, por isso, nada

há para se contestar.

Neste volume, procuramos apenas explicar, a quem interessa

compreender, como realmente funciona a vida, a fim de que ca-

da um, se o quiser, comporte-se de um modo mais racional, por-

tanto mais vantajoso, menos ilógico e de menor dano. Explica-

se, ainda, que ninguém pode constranger outra pessoa a fazer is-

so ou aquilo e que, por isso, deve-se respeitar a sua liberdade.

Mostramos, também, que não se pode impedir as consequências

das boas ou más ações praticadas pelo indivíduo. Em suma, bus-

camos demonstrar que existe uma realidade inevitável, pela

qual, quando não se vive em estado de ordem e disciplina, deve-

se sofrer os consequentes danos, porque esta é a lei da vida, que

subsiste, mesmo depois de destruída toda autoridade humana.

Concluiremos, então, que se deve ser honesto e prudente, mas

não pelo fato de alguma autoridade humana o impor e pelo me-

do das sanções punitivas com que ela nos ameaça.

Este é o velho sistema. O novo, que seguimos aqui, não

se baseia na imposição forçada, mas sim na livre aceitação

derivada da convicção. E é exatamente esta convicção que

nos propomos alcançar com a demonstração racional e po-

sitiva, baseada em fatos. É por isto que nos colocamos na

posição de diálogo, em paridade perante o leitor. Como se

vê, o problema é solucionado por um princípio completa-

mente diverso do passado. Trata-se exatamente do método

que os jovens estão inaugurando hoje e que corresponde às

suas condições de vida, modificadas em razão da maturida-

de que o homem está para atingir.

A vida é uma série de problemas a serem resolvidos. Como

resolvê-los? Antigamente vigorava o método do comando,

adaptado à fase infantil da humanidade. Devia-se obedecer ce-

gamente. Mas por que? Parque assim tinha falado Deus. Aqui

a mente humana estacava, porque era incapaz de avançar so-

zinha. Hoje ela sabe andar um pouco mais à frente e pergunta:

mas por que Deus falou assim? O adulto discute a autoridade,

mas, se ela serve à vida, reconhece-lhe o valor, obedecendo,

quando está convencido de que seja útil e justa. Não basta co-

mandar, é necessário justificar o próprio direito ao comando.

O leitor poderá dizer: mas eu não creio em Deus! Não tem

importância. Pedimos apenas para que observe os fatos, pois

eles nos mostram como funciona a vida. É pueril pensar que o

fato de crer ou não crer em nossas filosofias ou religiões possa

modificar tal realidade. Ora, esse funcionamento contínuo, con-

creto e experimentalmente controlável, mostra-nos de forma ra-

cional a presença de conceitos diretivos, sem os quais o fato po-

sitivo de tal funcionamento não se poderia realizar. Assim cada

um pode verificar a presença desses princípios e constatar que

eles são antepostos à manutenção de uma ordem. Quem ama,

acreditando, verá neles Deus; quem é ateu deverá admitir a pre-

sença deles, ainda que negando Deus. Na prática, porém, afir-

mar ou negar a Sua presença não altera coisa alguma, porque

todos obedecem àquelas leis, sejam ou não de qualquer religião.

Não entramos na teoria geral do funcionamento da vida,

pois isto nos levaria muita longe, além do que já tratamos am-

plamente disso alhures. Aqui, queremos ser simples e práticos.

Permaneceremos, portanto, ligados à realidade exterior, aquela

que mais tocamos com as mãos. Quem quiser aprofundar o co-

nhecimento de tais problemas, analisando-os em seus pormeno-

res e enfrentando-os em seus aspectos mais vastos e longínquos,

poderá encontrar tudo isso nos demais livros já publicados.

Entremos na matéria.

De nossa forma mental e da estrutura de nossa personali-

dade, que definem nossas escolhas e nossa conduta, depende o

modo pelo qual cada um constrói sua própria vida e seu pró-

prio destino. Primeiro semeamos e depois colhemos. A relação

causa-efeito é evidente. A vida é um laboratório onde encon-

tramos os mais variados instrumentos e ingredientes. Nós os

escolhemos e depois os manipulamos como julgamos melhor,

cada um a seu modo.

Grande parte deste trabalho é preestabelecido e automáti-

co, como o nascimento, o desenvolvimento físico, a velhice, a

morte, a reprodução, o funcionamento orgânico, os impulsos

instintivos e a formação de novos instintos, pela assimilação no

subconsciente das experiências vividas. Todos podemos verifi-

car que nossa vida se desenvolve ao longo de uma rota estabe-

lecida da qual ninguém pode sair.

São permitidas, porém, algumas oscilações, que, ainda as-

sim, permanecem limitadas e corrigidas por uma lei própria,

cuja tendência é reconduzi-las para a ordem, tão logo esta seja

violada. Mesmo se, nas aparências, tem-se a impressão do pre-

domínio da nossa liberdade e do caos individualista, o que de

fato ocorre, em substância, além destas aparências, é que todos

os nossos movimentos permanecem regulados por leis cuja

função é reconstruir o equilíbrio e sanar o mal que fazemos.

Sem a presença dessa força íntima reguladora, o nosso mundo,

abandonado a si mesmo, desmoronaria em pouco tempo, no en-

tanto vemos que, pelo contrário, ele está continuamente cons-

truindo-se, porque evolui sempre para o alto.

A vida é um impulso de crescimento, um anseio em direção

à perfeição e à felicidade. A grande aspiração é subir, mesmo

se cada um o faz em relação ao seu nível. Nisso manifesta-se a

lei de evolução. Devemos evoluir, e esta é razão pela qual a vi-

da representa aquele laboratório que mencionamos, consti-

tuindo-se numa escola de experimentação para aprender. A

primeira coisa que é necessário compreender, sobretudo os jo-

vens construtores da vida, é que se trata de um trabalho para o

ser construir a si próprio, através de provas variadas, cada um

sujeito àquelas mais adequadas ao seu desenvolvimento.

2 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

A vida é uma coisa séria, a ser percorrida com consciência

e responsabilidade, sabendo a que dores podem levar-nos os

nossos erros. É necessário, então, saber como é construída a

Lei, para evitar tais erros e as dores que se seguem. Esta lei

pode ser chamada a lei de Deus, porque exprime o Seu pensa-

mento, que dirige cada fenômeno, em todos os níveis de evolu-

ção e planos de existência.

É necessário ter compreendido que o homem se move den-

tro dessa Lei como um peixe no mar. A finalidade de nossos

movimentos é a experimentação, e a finalidade da vida é o

aprendizado. Estamos, sobretudo os jovens, cheios de desejos

e de impulsos que nos lançam a provar o que serve para nos

construirmos. Os efeitos desse trabalho ficam registrados e

são acrescentados à nossa personalidade, que se enriquece de

conhecimento, constituindo a nossa própria evolução. Por aí

se compreende a importância de se saber viver. Assim, ao fim

da vida, seremos ricos, se soubermos adquirir novas e melho-

res qualidades, mas seremos pobres, se nada fizermos e, por-

tanto, nada aprendermos de bom. E isso independente de to-

dos os triunfos, conquistas e bens terrenos, que só valem como

miragens para nos induzir a fazer o trabalho de experimenta-

ção e de aquisição de qualidades.

Trata-se de um novo modo de conceber a vida, entendo-a

em função de outros pontos de referência, para conquistar ou-

tros valores. Antigamente, relegava-se isso ao plano espiritual

em bases emotivas de fé e sentimento. Hoje, fazemo-lo com ba-

se na lógica, através das observações dos fatos e do controle

experimental. Já é um progresso, porque daí nasce um tipo de

moral positivamente científica e universal, aquela que os no-

vos tempos de espírito crítico exigem. Progresso necessário,

porque, quanto mais se avança, tanto mais os problemas a se-

rem resolvidos, dos quais é feita a vida, tornam-se mais nume-

rosos e difíceis. Os instrumentos de experimentação que en-

contramos no laboratório da vida e que devemos empregar

para aprender fazem-se sempre mais complexos e de difícil

uso. Para nossos ancestrais bastava uma ética elementar para

resolver os seus problemas. Faz-se necessário uma ética sem-

pre mais complexa e exata para resolver os novos problemas

que surgem, quando se sobe a um nível evolutivo mais eleva-

do. Para dirigir uma carroça ou um automóvel, é necessário

um diferente grau de perícia e precisão.

A nossa sociedade atual não possui escolas que eduquem

a fundo, ensinando a viver. A velha moral era exterior, base-

ada muito mais nas aparências, velhos enganos nos quais ho-

je ninguém mais crê. Antigamente, bastava não gerar escân-

dalo, impedindo que o pecado fosse visto. A verdadeira ciên-

cia da vida consistia em esconder os próprios defeitos, e não

em corrigi-los. Os adultos que possuíam aquela ciência a

guardavam bem, para não ensiná-la em prejuízo próprio,

usando, em vez, a autoridade e as punições. Tais métodos es-

tão hoje se desmantelando. A liberdade individual cresceu, e

o pecado social adquiriu importância, porque prejudica o

próximo. Hoje, a vida se faz sempre mais coletiva, exigindo

um maior senso de responsabilidade.

Ora, quem entendeu tem o dever de mostrar como tudo

funciona àqueles que podem e querem compreender. Com es-

tes apontamentos, buscamos preencher o vácuo de conheci-

mento que se verifica nas diretivas fundamentais de nossa

vida, em nosso pensamento e nossos atos. Antigamente isso

era deixado aos instintos, aos impulsos do subconsciente. Es-

te era um terreno inexplorado, e a psicanálise era inexisten-

te. As motivações eram secretas. O indivíduo não as estudava

nem as dirigia, lançando assim ao acaso a semente do futuro

desenvolvimento de seu destino. Os jovens enfrentavam a vi-

da, tomando as mais graves decisões, em estado de completa

ignorância dos problemas que deviam enfrentar e das suas

soluções. Procedia-se por tentativas, ao acaso, seguindo mi-

ragens. Nada de planificações racionais da vida e nenhum

conhecimento das consequências. Disso pode-se deduzir

quão despreparado estava o indivíduo para resolver os seus

problemas com inteligência.

Aquilo que buscamos adquirir neste livro é a consciência

de nós mesmos, o conhecimento do significado, do valor e das

consequências de cada ato nosso, a fim de que tudo se desen-

volva beneficamente, de maneira satisfatória para o indiví-

duo. Desejamos ensiná-lo a ser forte, resistente, positivo e

construtivo. Chegou a hora de dar um salto à frente, em dire-

ção a um novo tipo de seleção biológica, não mais aquela fe-

roz do passado, que exaltava como campeão o vencedor vio-

lento e assaltante, hoje tornado um perigo social. Trata-se de

um tipo de seleção mais aperfeiçoado, que deseja produzir o

homem inteligente, trabalhador, espiritualmente forte e cole-

tivamente organizado. Trata-se de construir o homem consci-

ente, que sabe pensar por si mesmo, independente do juízo

alheio, e que assume sua responsabilidade, porque conhece a

lei de Deus e sabe viver segundo ela.

Tal conhecimento e o fato de saber viver de tal modo, cons-

ciente de estar dentro da Lei e em harmonia com ela, devem

dar a esse homem resistência na adversidade, que só pode pos-

suir quem sabe encontrar-se de acordo com a Lei e, portanto,

na posição de justo equilíbrio no seio da ordem universal. Que

podem fazer as acusações alheias, quando o indivíduo é hones-

to e pode, conscientemente, proclamar perante Deus a sua ho-

nestidade? A verdadeira força não está nos poderes humanos,

mas sim no estado de retidão.

Quem compreendeu como tudo isso funciona, sabe que não

se trata apenas de palavras. Ele sabe que a Lei não é uma abs-

tração, mas uma força viva, operante, inflexível, positiva, sa-

neadora e honesta; sabe que a sua justiça termina por vencer

todas as injustiças humanas e que, portanto, o vencedor final é

o justo, e não o prepotente sobre a Terra. A Lei, imparcial e

universal, paga a cada um o que for merecido.

Neste trabalho, não apresentamos produtos emocionais ou

fideístas. Através da observação e da experimentação, chega-

mos à conclusão que existem, no campo moral e espiritual, leis

inderrogáveis como as existentes no campo da matéria e da

energia. Todos os fenômenos, de cada tipo, são regidos por

leis exatas, que não são senão ramificações de uma lei central,

na qual estão contidos os princípios que regulam o funciona-

mento de todo o universo.

Buscaremos, a seguir, mostrar quais as mais altas e pre-

ciosas metas que pode ter a vida, as quais lhe dão um signi-

ficado novo e vão além daquelas comuns do sucesso materi-

al. Procuraremos mostrar que, para conquistar, também se

pode lutar e vencer com outros valores. E o faremos com ba-

se não em abstrações filosóficas ou misticismos, mas no real

funcionamento da vida.

Com estes esclarecimentos, fechamos estas notas prelimi-

nares de orientação geral, com as quais quisemos definir o

presente trabalho e as suas bases.

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 3

I. O PRINCÍPIO DE RETIDÃO

Veremos que justiça e senso de retidão emanam das leis da

vida, a ponto de se reconhecer nelas qualidades de alta morali-

dade. Como é possível isso no plano biológico? Que significa is-

so e como se explica? Moralidade significa um estado de ordem

no nível espiritual. Mas este estado de ordem é o mesmo que a

ciência encontra no plano da matéria e da energia, tanto que o

codificou, expressando-o com leis exatas, positivamente contro-

ladas. Então essa moralidade biológica que encontramos nas leis

da vida não é senão uma expressão, relativa a esse nível, da or-

dem universal da Lei. Trata-se da mesma disciplina vista pela

ciência no campo físico e dinâmico, a qual se verifica também

no campo, ainda mais avançado, da conduta do homem e da mo-

ral que a dirige. Trata-se do mesmo princípio de ordem inserido

na Lei e atuante em níveis evolutivos diversos. É assim que se

explica como a conduta humana está sujeita a normas éticas.

Assim podemos dizer que a vida, ainda que em proporção

e em forma adaptada ao seu grau de evolução, é fundamen-

talmente honesta. Até no seu nível mais alto, constituído pela

psique e pela consciência, tal condição é dada por um estado

de equilíbrio, de correspondência entre causa e efeito, entre

ação e reação etc., que encontramos no mundo da matéria e da

energia. Trata-se do mesmo princípio de ordem que, no nível

superior da psique e da conduta, toma a forma de retidão e

justiça. Essa equivalência de valores, em forma diversa nos

vários planos evolutivos, é possível porque o Todo, devido à

sua unidade fundamental, é regido por uma única lei. Trata-se

do mesmo princípio de harmonia que rege todo o universo. É

assim que, no fundo, tudo, porquanto é um momento da Lei,

moraliza-se em qualquer nível.

Desse modo então, daquilo que se verifica nos fenômenos da

matéria e da energia, quando violamos as leis de seu funciona-

mento, podemos deduzir as consequências de nossas atitudes,

quando fazemos a mesma coisa no campo moral. Há uma equi-

valência básica entre as leis dos vários planos, pelo fato de não

serem elas senão aspectos da mesma e única Lei, vista em mo-

mentos evolutivos diversos. Assim, aos efeitos de uma violação

em um plano, correspondem os efeitos que se verificam em ou-

tro plano. É importante compreender esses conceitos, por causa

das consequências práticas que daí derivam. Acontece, então,

que uma violação da retidão no campo moral pode levar a con-

sequências danosas, correspondentes às de uma violação do pa-

ralelo princípio de equilíbrio presente, por exemplo, na lei de

gravitação. Isso porque, em ambos os casos, verifica-se a mesma

violação do princípio universal de ordem, do qual é feito a Lei.

Segue-se que a falta de retidão é um fenômeno analisável,

como o é a falta de equilíbrio, porque, em ambos os casos,

temos efeitos calculáveis, proporcionais à quantidade de afas-

tamento da posição de equilíbrio na ordem da Lei, isto é, à

quantidade de violação efetuada. Em suma, o desacordo com

ordens similares, das quais é feita a Lei, paga-se com conse-

quências negativas tanto no plano matéria-energia como no

moral. Assim a posição certa ou errada, com referência ao

primeiro plano mencionado, encontra no segundo plano, dado

pelo nível biológico, o seu equivalente nos conceitos de moral

ou imoral, honesto ou desonesto. Então o erro de direção que,

em sua conduta, o indivíduo comete perante a ética em seu

campo, produz os mesmos efeitos negativos que produz o erro

de direção que o motorista ou o astronauta cometem em suas

funções. Tratando-se de um mesmo fenômeno de desequilí-

brio, é lógico que ele deva ser estudado nos dois campos di-

versos segundo os mesmos princípios.

É este fato que nos permite afirmar a possibilidade da

construção de uma ética de tipo positivo, baseada em princí-

pios científicos. Isso significa que os movimentos da conduta

humana deverão, no futuro, ser estudados e executados de

modo semelhante às normas exatas vigentes nos outros cam-

pos já de domínio da ciência. Hoje, a ética é um campo ainda

inexplorado, constituindo um fenômeno que vivemos frequen-

temente com resultados desastrosos, porque lhe ignoramos o

funcionamento e, daí, cometemos erros contínuos. Mas, no fu-

turo, será possível planificar a viagem da vida, percorrendo-a

com olhos abertos, e não mais às cegas, num completo caos,

como ainda hoje se costuma fazer.

Mesmo nestas condições, viver é lógico e justo segundo a

Lei, porque são proporcionais à atual involução humana. E a

vida adianta-se por tentativas, através de uma série de erros e

pagamentos correspondentes, de sonhos e desilusões, com

dores corretivas. Isso acontece porque a direção está errada.

Aponta-se para fora do centro. A vida não é feita para gozar,

mas para aprender. Compreendido isto, logicamente se vê

que tudo está em seu justo lugar e funciona como deve. Mas

é necessário ter compreendido que a vida é uma escola, um

laboratório experimental. É lógico e útil que, quando as expe-

riências estão erradas, fique-se queimado pelas consequên-

cias do erro cometido, porque isso serve para aprender e, as-

sim, a finalidade é atingida.

Eis para que serve a dor. Eis quanto é útil o que, por não se

lhe compreender a função, parece danoso. Eis como o que é ne-

cessário para eliminar o erro, a fim de se evoluir em direção ao

melhor, é julgado um mal. Muitas coisas nos parecem erradas

porque as vemos fora de seu devido lugar e, portanto, não com-

preendemos a sua posição nem a função exercida por elas. Mas,

se observarmos bem, veremos que tudo, segundo sua natureza,

cumpre a finalidade para a qual existe. A força do homem do

futuro não consistirá em superar o próximo, subjugando-o se-

gundo a lei do nível animal, mas sim em mover-se consciente

da ordem, segundo a lei de Deus.

Tratemos agora de analisar o fenômeno. Como calcular os

efeitos maléficos de uma nossa ação contra a retidão, isto é,

realizada no sentido anti-Lei? É preciso primeiro definir o que

entendemos por retidão. Para isto é necessário concebê-la em

termos gerais, referindo-nos não só ao fator moral, mas também

ao dualismo universal de positividade e negatividade, contido

na Lei. Esse é um princípio verdadeiro em todos os planos da

existência, abrangendo os valores da matéria, da energia e do

espírito. No plano moral, positividade e negatividade tornam-se

bem e mal, virtude e culpa, retidão e desonestidade etc.

Eis então que, por retidão, entendemos a qualidade positiva

contida em um dado ato. Logo positividade é o poder benéfico

daquele ato, observado em suas consequências, e negatividade

é o seu poder maléfico. É, portanto, a favor da moral um ato

benéfico, e contra a moral um ato maléfico, sendo que em am-

bos os casos têm-se como referência tanto o indivíduo isolado

como a coletividade.

O ato benéfico produz vantagem, e o maléfico, desvantagem.

Mais exatamente, podemos definir como moral tudo que é

benéfico ou pseudomaléfico perante a Lei – ponto de referência

que estabelece os verdadeiros fins da vida – e como imoral tudo

que é maléfico ou pseudobenéfico, porque segue fins falsos e

ilusórios. Assim pode ser benéfico o que nos faz sofrer e malé-

fico o que nos causa prazer.

No campo moral, positividade e negatividade tomam a

forma adequada para satisfazer os fins que a vida se propõe re-

alizar, segundo o plano de evolução no qual ela se encontra e

trabalha naquele momento. Assim, no plano animal, nível no

qual o fim da vida consiste na seleção individual do mais forte,

é positivo e moral o tipo guerreiro e conquistador, que lança o

novo, vencendo e eliminando o débil inepto. Mas, em um nível

mais alto, tudo aquilo resulta negativo, porque a seleção toma

outra forma, para produzir outro tipo, intelectualmente forte

segundo a retidão, dirigida à conquista da ordem, mais do que

ao próprio domínio sobre os outros.

4 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

Eis então que uma moral justa em um nível de evolução, não

o é em outro nível mais adiantado. Assim, evoluindo, pode tor-

nar-se imoral e desonesto o que anteriormente era lícito e julga-

do honesto. Desse modo, assim como acontece com a verdade,

também temos morais relativas e progressivas em evolução.

Estabelecido tudo isso, pode-se proceder ao cálculo de mo-

ralidade ou imoralidade de cada ato nosso. Se ele é, por exem-

plo, 10% positivo e 90% negativo, isso levará a resultados com

a mesma percentagem. E vice-versa também, em todas as con-

dições possíveis, sempre mantendo a proporção das percenta-

gens, a mais ou a menos, entre cada ato e as suas consequên-

cias. Eis os primeiros elementos para estabelecer um cálculo.

Mas quando que uma conduta é verdadeiramente moral?

Quando ela corresponde totalmente à retidão, isto é, à positivi-

dade, sendo toda ela benéfica, porquanto possui 100% de valor

evolutivo, seja para si ou para os outros. Pode-se assim medir o

grau de moralidade ou de imoralidade de um ato, observando

que percentagem ele possui desta ou daquela qualidade oposta.

Essa posição nos faz conhecer o tipo e a quantidade das

causas boas ou más postas em movimento, dando-nos, portanto,

também a medida das qualidades e volume dos efeitos que, ine-

xoravelmente, acontecerão.

Dessa forma, pode-se prever os efeitos, quando são conheci-

das as causas que os determinam, das quais eles são as conse-

quências. E as causas são dadas pelos elementos aqui tomados

para exame. O segredo para conhecer aquilo que nos acontecerá

na fase de efeito reside em nosso conhecimento do que somos e,

portanto, fazemos na fase de causa. Compreendida a técnica do

fenômeno, pode-se prever o seu futuro desenvolvimento. É lógi-

co que seja assim, porque o efeito está contido na causa, sendo a

continuação de um desenvolvimento que se pode conhecer antes

da sua manifestação, prolongando a linha por ele já traçada, co-

mo continuação do caminho na direção em que ele foi iniciado.

Pode-se, portanto, praticar uma pequena futurologia, aplicada

aos casos da própria conduta e suas consequências.

II. A LEI DO RETORNO

Continuemos a observar. Dissemos que, dada a premissa

colocada por nós, o fenômeno tende a se concluir segundo a

direção que lhe foi dada no início. Estudemos agora como pre-

ver, em unidades de tempo, a velocidade com que o fenômeno

chega à sua conclusão na fase dos efeitos. Nem todos os casos

são simples, derivados de uma conduta exclusivamente positi-

va ou negativa. O decurso do fenômeno é tanto mais linear e a

solução tanto mais rápida e fácil, quanto mais monocromática

é a sua composição, isto é, quanto mais decisivamente preva-

lecer uma das duas características, seja de positividade ou de

negatividade. Um caso construído por um só destes elementos,

ou seja, com 100% de uma só destas duas qualidades, é de rá-

pida solução. Isso acontece porque, nesta condição, todas as

forças em ação são orientadas e dirigidas para uma mesma

conclusão, seguindo em uma única direção e, portanto, ten-

dendo todas a convergir para um único fim.

As complicações e os atrasos da conclusão se verificam

quando o caso é composto de qualidades positivas e negativas

ao mesmo tempo, porque então elas resultam contrastantes e

divergentes, em vez de concordantes e convergentes na direção

de uma única solução. Nessas condições, o desenvolvimento do

fenômeno prolonga-se até que se estabeleça uma prevalência na

direção das forças em um dado sentido. Assim é necessário es-

perar que se esgote o impulso das forças do tipo que está em

percentagem menor, porque só então o tipo oposto pode se

afirmar e vencer, prevalecendo em uma única direção. Nesse

ínterim, pode-se chegar a resultados temporários, sem uma ex-

pectativa definida ainda, em razão de terem sido determinados

por impulsos positivos e negativos não delineados.

Estes são casos mais complicados, nos quais é mais difícil

ver o funcionamento da Lei. Mas comecemos com a descrição

de um tipo de caso simples, de modelo monocromático no ne-

gativo, com resultado rápido e evidente, pela presença exclusi-

va de forças de uma dada qualidade, e ausência daquelas de

qualidades opostas. Em nossas experiências no laboratório da

vida, pudemos assistir à operação cirúrgica da punição por falta

de retidão, presenciando a solução de um caso de negatividade.

A operação nos impressionou pelas seguintes qualidades: 1)

A exatidão com que o efeito correspondeu à causa, conservan-

do-se do mesmo tipo de forças postas em ação, mas retornando

ao emitente em vez de atingir o indivíduo ao qual elas se desti-

navam; 2) A precisão com a qual foi centralizado o escopo, sem

atingir quem quer que estivesse próximo do alvo; 3) A rapidez

do desenvolvimento e da conclusão do fenômeno; 4) A conver-

gência dos impulsos em direção àquele resultado final; 5) A

significativa massa dos resultados obtidos em relação aos mí-

nimos meios usados, isto é, o rendimento com eles obtido du-

rante o trabalho realizado.

Perante tal espetáculo tem-se a sensação de ver a face da

Lei, não sendo possível conter, ao fim da experiência, um grito

de maravilha, quando se observa o seu perfeito funcionamento.

Não se trata de sonhos. Qualquer pessoa pode verificar a exis-

tência de um caso semelhante a esse, controlando as suas con-

clusões. Mas tudo isso corresponde a uma lógica que nos auto-

riza a admiti-la, mesmo porque, confirmando a nossa tese, exis-

te a visão da unidade fundamental da Lei.

Observemos agora outro caso, que podemos chamar poli-

cromático, onde fica diminuída a velocidade com a qual o fe-

nômeno chega à sua conclusão. Tratemo-lo com análise precisa.

Tudo depende das forças existentes no campo em que o ca-

so se desenvolve. Temos o indivíduo que age em sentido nega-

tivo, para obter vantagem em prejuízo de um terceiro. Isso é

contra a Lei. Esta negatividade e o dano correspondente deveri-

am agora recair sobre o promotor, com isso resolvendo o que é

um simples caso de falta de retidão, como o precedente. Mas,

pelo contrário, esse homem continua sem ser perturbado em sua

violação. A sanção de sua culpa permanece suspensa. Por quê?

Aqui o caso se complica, porque as forças postas em movimen-

to por ele estão no mesmo campo e combinam-se com as forças

movidas pelo ofendido, que se encontra em fase de pagamento

do seu débito para com a Lei e, por isso, necessita da experiên-

cia corretiva do seu erro passado.

Então a ação punitiva da Lei contra o opressor, por causa

do mal praticado, é freada pelo bem que ele faz, tornando-se

útil ao executar, segundo a Lei, a função de seu instrumento

na imposição de uma lição corretiva ao oprimido. Eis aí, em

favor do opressor, o impulso positivo, que interrompe mo-

mentaneamente o impulso negativo contra ele, pelo mal que

fez. Combinam-se assim dois valores opostos: a injustiça por

parte do opressor (negatividade anti-Lei) e a justiça por parte

do oprimido que paga seu débito (positividade segundo a

Lei). Esta é a razão pela qual o primeiro, que faz sofrer o se-

gundo, pode continuar a fazer o mal, não obstante seja justo

ele passar dessa posição àquela do próprio pagamento, como

de fato acontecerá mais tarde.

Assim, tão logo o opressor tenha cumprido sua função de

instrumento punitivo segundo a Lei, o fenômeno chegará à

fase de pagamento também para ele, que terá de efetuá-lo, so-

frendo a lição corretiva que o espera. É natural que, quando a

opressão feita por esse homem tiver purificado e redimido o

seu oprimido de toda a negatividade que o agravava, o opres-

sor seja então abandonado a seu destino, pois a sua missão

foi cumprida. Naquele momento, não havendo mais razão pa-

ra esperar, a Lei passa a exigir o seu pagamento. Finda a fácil

vitória do mal, cai a ilusão de ter sabido evadir-se às sanções

da Lei, sem prestar contas.

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 5

Pode-se encontrar muitos casos assim, mas sempre em

função do mesmo princípio básico, aplicado em posições di-

versas. Então, uma vez compreendida a técnica de seu funcio-

namento, cada um poderá traçar o esquema do fenômeno até à

sua conclusão final.

É necessário, porém, ter em conta que, na realidade, não en-

contramos casos isolados, mas sim uma concatenação de casos,

razão pela qual os efeitos de um se encravam nas causas de ou-

tro, como fios entrelaçados que afundam suas raízes no passa-

do. Isso porque, em vez de pagar e liquidar o débito, procura-se

fugir dele, criando-se assim novos débitos. Assim a semeadura

de causas negativas não termina nunca, e o imenso fardo de do-

res que pesa sobre a humanidade não se esgota, tornando-se seu

patrimônio natural e constante.

Com esta técnica, podemos conhecer qual será o nosso fu-

turo, observando as forças que pusemos em movimento, pelas

quais o nosso destino é construído. É necessário ter compreen-

dido que os efeitos têm natureza do mesmo tipo das causas que

pusemos em movimento, como determinante deles, conservan-

do assim as qualidades positivas ou negativas de que foram sa-

turados ao nascerem. Portanto, quando as causas que lança-

mos, visando algo útil para nós, são contra a Lei, elas se vol-

tam contra nós em posição invertida, para prejuízo nosso.

Quando, porém, elas são segundo a Lei, então se voltam a nos-

so favor. Existe assim a lei do retorno, segundo a qual recebe-

mos, em forma negativa, aquilo que lançamos negativamente

e, em forma positiva, aquilo que lançamos positivamente. Eis

então a que resultados leva a tentativa de querer ser astuto para

fraudar a Lei em vantagem própria.

A Lei, em si mesma, é invisível como um espelho. Este,

por si, permanece vazio, pois nele nada se vê senão uma ima-

gem refletida. Mas, tão logo nos colocamos em sua frente, eis

que ele nos reflete tal como somos, restituindo-nos a nossa

imagem igual ao modelo, com as mesmas qualidades, mas em

posição invertida de retorno.

Estejamos atentos, portanto, para cada ação nossa, porque

as nossas obras nos seguem e recaem sobre nós. É necessário

compreender que o mundo, em substância, é regido por um

princípio de ordem, razão pela qual o segredo do verdadeiro su-

cesso não está em tentar modificar este princípio para vantagem

nossa, mas sim em segui-lo, enquadrando-se nele. O caos se

encontra somente no exterior, na superfície, e está sempre, não

obstante a nossa resistência, sendo corrigido e recolocado na

ordem da Lei, que é a força íntima pela qual tudo é dirigido.

Assim, querer ser forte para se impor não serve senão para lan-

çar sobre nós a reação da Lei, que não admite ser violada.

Conforme o seu volume e a simplicidade de sua estrutura, o

fenômeno de retorno pode ter maturação mais ou menos rápida.

Quando as causas são poucas e lineares, tratando-se de um só

indivíduo, chega-se logo à conclusão. Mas, quando se trata de

muitas causas conexas e complexas, como no caso de nações e

povos, a conclusão é mais laboriosa e lenta.

É necessário compreender que cada defeito é uma disso-

nância pela qual nos afastamos da Lei, um ponto débil perante

ela e, portanto, um erro a ser corrigido, que, por isso, volta-se

sobre nós em forma de débito a ser pago. A causa de tudo isso

somos nós, porquanto nos colocamos em posição de desordem

dentro da ordem, lançando-nos contra ela, em nosso próprio

prejuízo. Ora, se não sabemos nos enquadrar, a Lei, em vez de

uma casa, será para nós uma prisão. E a Lei pode ser uma casa

bastante cômoda para se morar, contudo não sabemos nos

mover dentro dela, porque somos feitos de desordem. O so-

frimento que se segue, quando nos lançamos contra suas pare-

des, serve para nos ensinar a viver na ordem e, assim, trans-

formar o cárcere em uma ótima casa.

O homem invoca a liberdade. Mas de que tipo? Trata-se de

uma liberdade da desordem, aquela que o leva a chocar-se con-

tra as paredes da Lei. Buscando tal liberdade, o homem lança as

causas de uma autopunição corretiva, que terminará por forçá-

lo a se enquadrar dentro da ordem. Nas revoluções aflora sem-

pre a escumalha, justamente aqueles que mais clamam por li-

berdade, com lutas e destruições. Diz-se então que as revolu-

ções devoram seus filhos. Por quê? Porque este é o efeito que

lhes recai em cima, imposto pela causa por eles mesmos posta

em movimento, a qual tem de ser do mesmo tipo, de modo que

eles, por terem matado, são agora mortos.

Trata-se de receberem como restituição o mesmo impulso

que eles próprios colocaram em movimento. Dadas estas leis,

não deveriam tremer aqueles jovens que hoje vemos entrega-

rem-se aos vícios, ao ócio, aos estupefacientes etc., se compre-

endessem de que efeitos estão semeando as causas? É certo

que nas revoluções são necessários também os destruidores.

Mas que fim têm eles? Uma vez que executaram sua função, a

Lei os destrói e deixa vencer os construtores, que lhe servem

para avançar. O que é negativo não tem direito à vida e, por-

tanto, logo acaba sendo morto.

Eis que cada um pode estabelecer uma contabilidade própria

de débito e crédito em sua conta corrente pessoal, posta perante

a justiça da Lei. Esses débitos e créditos não são constituídos de

valores econômicos, mas sim dos superiores valores morais,

dotados de mais vasta capacidade do que os materiais, que,

frente a eles, encontram-se em posição subordinada. Pode as-

sim ser paupérrimo o mais rico e poderoso homem da Terra, se

ele tem débitos a pagar para com a Lei. E ao contrário. Essa é a

contabilidade que realmente vale, aquela na qual está a base da

vida, sendo decisiva para ela, porque não permanece limitada

apenas ao campo dos bens e do dinheiro, mas abrange todas as

expressões da vida, em cada um de seus aspectos, como saúde,

afetos, felicidade ou dores. O bem ou o mal que recai sobre nós

dependem da dose de positividade ou negatividade que colo-

camos em nossas contas, com nossos atos.

III. UM NOVO ESTILO DE VIDA.

O MÉTODO DO RESPEITO RECÍPROCO

Nos vinte e dois volumes que precedem o presente, procu-

ramos compreender o nosso mundo, orientando-nos, pelo menos

em linhas gerais, com referência ao problema do conhecimento.

Ao mesmo tempo, quisemos comunicar aos outros os resultados

deste trabalho. No presente livro, a fim de que todos possam au-

ferir vantagens, procuramos disponibilizar estes resultados, ex-

plicando como aplicá-los na vida prática. Para que o consumidor

de um remédio possa encontrá-lo pronto para o uso na farmácia,

é necessário que, ao produzi-lo, o técnico o tenha primeiro estu-

dado longamente em seu laboratório. Agora, com este livro, es-

tamos na fase final daquele trabalho, aquela na qual o produto é

oferecido ao publico, para que este se sirva dele.

Tal produto não teria sido solicitado no passado, quando

pouco se pensava, porque a vida se havia estabilizado numa po-

sição estática ou de movimentos extremamente lentos. Mas ele

é solicitado hoje, quando a humanidade se pôs a pensar, presa

de uma febre de renovação. Assim, temos motivos para crer

que a nossa oferta corresponde a uma demanda nascida do atual

momento histórico. É por isto que fazemos tal oferta, buscando

preencher um vazio e satisfazer uma necessidade.

Não pretendemos ser infalíveis nem oferecer um produto de-

finitivo, que valha para sempre. Mas acreditamos que ele, hoje,

sirva mais do que os produtos usados no passado. Estes eram

adaptados à época, mas não ao momento atual, que é de grandes

mudanças. Sabemos que a verdade é relativa e evolui. Existe uma

verdade absoluta e definitiva, mas ela constitui o ponto de chega-

da de quem está a caminho. Portanto, ao longo desse caminho,

não pode haver senão verdades relativas à posição e ao nível evo-

lutivo atingido pelo ser, um após outro, progressivamente.

6 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

Sempre para respeitar o fato positivo dessa relatividade, pro-

pomos as nossas conclusões como hipóteses de trabalho, cuja va-

lidade o leitor pode ele mesmo depois controlar experimental-

mente, aplicando-as à sua vida. Desejamos que ele se convença

por si, e não que creia em nós segundo o velho sistema do princí-

pio de autoridade. Não assumimos nenhuma posição de mestre

que, colocando-se na cátedra, despeja sapiência. Não buscamos

seguidores. Quem nos lê deverá fazer o esforço de compreender,

sem pretender que outros o façam em seu lugar e lhe forneçam os

resultados, para adquiri-los sem fadiga. O leitor indolente, que

aceita por fé, deixando-se arrastar assim, sem fazer ele mesmo o

esforço de compreender a vida, permanecerá estacionário e não

atingirá a finalidade, que é amadurecer e evoluir.

Isso não impede que exponhamos as nossas conclusões em

forma definitiva, porque o caminho para chegar até lá, através

de uma demonstração detalhada, já foi percorrido em nossos ou-

tros volumes, não sendo possível repeti-lo aqui. Não nos encon-

tramos mais na fase precedente e preparatória, de indagação,

mas sim na de exposição e aplicação dos resultados obtidos.

Ao assumirmos agora a nossa posição, queremos em pri-

meiro lugar nos colocar de acordo com as leis da vida. E pode-

mos fazê-lo, porque as observamos e vimos então que é uma

grande vantagem pôr-se em sua corrente, concordando e cola-

borando com elas, em vez de opor-se egoisticamente e, com is-

so, ser barrado e posto de lado. Colocar-se na corrente da Lei

confere uma grande força, razão pela qual procuramos que

também o leitor a conquiste por si, colocando-se ele próprio

dentro desta corrente.

Este fato nos oferece um primeiro ensinamento. Para se ter

sucesso na vida é necessário fazer ou produzir qualquer coisa

que verdadeiramente seja um bom produto, útil para os outros.

Se isso agrada à vida, esta, que é uma força inteligente e utilitá-

ria, irá protegê-lo e impulsioná-lo para frente. Mas se aquele

produto for feito somente em benefício de quem o faz, com fins

egoístas e a exploração dos outros, a vida então se rebelará e

buscará destruir tudo, negando qualquer sucesso.

Então surge na Lei um princípio que diz: “A afirmação de

qualquer produto ou instituição, assim como o favor que eles

encontram e a duração de seu sucesso, são proporcionais ao grau

de positividade – ou seja, de utilidade para o bem de todos – que

eles possuem. E ao contrário, a caducidade, o descrédito que os

elimina e a rapidez de sua liquidação, são proporcionais ao grau

de negatividade que, em prejuízo de todos, eles possuem”.

Eis que já aparece um novo estilo de vida, enquadrado em

um regime de retidão. Isso, porém, não por princípios abstratos,

sentidos e aplicados muito pouco na realidade da vida, mas sim

por um cálculo utilitário, para uma vantagem concreta, que to-

dos compreendem e está no instinto, método aplicado por to-

dos, porque concorda com aquilo que a luta pela sobrevivência

exige. É certo que, neste caso, as motivações são diversas. En-

tão não se é honesto por amor a Deus ou para alcançar o paraí-

so, coisas que frequentemente nos deixam indiferentes, mas sim

por razões concretas e com resultados controláveis. Neste novo

estilo de vida, não se fala de sacrifícios com recompensas nebu-

losas e longínquas, mas de uma vantagem imediata, calculável,

previsível e, portanto, bem mais convincente, porque aderente à

realidade. O ganho obtido assim é substituir a dúvida pela con-

vicção e o fingimento pela ação.

Será moral esse novo método de vida? Ainda que sejam di-

versas as motivações pelas quais se fazem as mesmas coisas,

não há dúvida que as normas de conduta são sempre as da reti-

dão. Chega-se ao mesmo resultado prático, mas passando-se

por outras vias. Enquanto no passado se usavam as sugestões

ou imposições por parte de uma autoridade, agora se utiliza a

demonstração racional, levando à convicção e, assim, à livre

adesão de quem compreendeu e reconhece que é vantajoso ser

honesto. Muito embora tudo isso tenha um mesmo objetivo,

faz-se no segundo caso as coisas mais a sério, porque se co-

nhece a estrutura do fenômeno, trabalhando-se, portanto, não

por obediência, mas por convicção, livres e esclarecidos, com

consciência e responsabilidade.

Eis que a nossa moral, na forma, coincide com aquela tradi-

cional, mas apoia-se em bases mais sólidas, fundando-se numa

técnica da qual se pode estudar o funcionamento. Ela é, portan-

to, o modelo de moral adaptada ao novo tipo de forma mental

que o homem novo de nossos tempos está construindo, analítica

e crítica, em vez de instintiva, emotiva e fideística. Esta é a ra-

zão pela qual acreditamos que o atual momento histórico seja

adequado para se propor tal tipo de moral, da qual se pode tirar

vantagem segundo os novos tempos.

Aqui oferecemos esta interpretação da vida, não como uma

conclusão obrigatória, emanada “ex-cathedra”, mas como um

método para ver com os próprios olhos e, assim, estudar a reali-

dade dos fatos. São estes que falam, e não alguém que deseja

impor a sua doutrina. Simplesmente dizemos: “Observai, é a

realidade que fala. Eu só vos coloco a par da minha experiência,

que adquiri no laboratório da vida, observando, pensando, com-

preendendo e controlando. Quem deve pensar, compreender e

amadurecer agora sois vós. Estamos aqui para vos ajudar nisto”.

Já terminou o tempo no qual se pensava por uma procuração

delegada pela autoridade, que se encarregava disso, estabele-

cendo em que coisa se devia crer. Admitimos tão somente que

o leitor, tendo compreendido o problema, possa, continuando a

indagação com o mesmo método, desenvolver por sua conta es-

ta pesquisa, conduzindo-a para conclusões mais avançadas. So-

licitamos este auxílio a todos os estudiosos inteligentes. Por is-

so dissemos acima que a verdade é relativa e progressiva. Aqui-

lo que, para quem escreve aqui, é uma conclusão, pode ser para

outros um início. Esta é a razão pela qual buscamos pensar este

livro junto com o leitor.

Eis que nos encontramos diante de uma revolução substan-

cial, consistente com a renovação de valores sobre os quais se

baseia a vida e adaptada aos pontos de referência em função

dos quais se executa a nossa conduta. Hoje, o valor ainda con-

siste em riquezas, poderes, honras etc., quando, na verdade, ele

está nas qualidades morais. Crê-se na força, em vez da justiça;

na astúcia enganadora, em vez da retidão etc. Mas assim, a ca-

da passo, desembocamos numa estrada errada, que nos leva a

bater contra o muro. O alvo está sempre em um ponto diferente

daquele que visamos. Porém, se apontarmos corretamente, nós

o atingiremos precisamente. Então veremos que tudo está no

seu devido lugar, para executar a sua respectiva função, e

compreenderemos que a vida não é uma ilusão, mas sim um

meio para construir a nossa felicidade e grandeza. Não se trata

das revoluções usuais, que se reduzem à substituição de pesso-

as e de classes sociais nas velhas posições favorecidas, para

depois se comportar do mesmo modo. Trata-se, pelo contrário,

de uma revolução que a maturidade mental torna possível, ba-

seada na compreensão do imenso rendimento utilitário de se

saber viver dentro da ordem, com retidão, em vez de se viver

no caos e assaltando-se uns aos outros.

Acreditamos neste novo tipo de revolução, não porque nos

sintamos capazes de iniciar uma mudança de tal grandeza, o

que é absurdo, mas sim porque vemos que os tempos estão

amadurecendo e que o novo milênio nos encaminha por essa

estrada. O conceito de retidão como valor moral já existia no

mundo antigo, mas não podia agir porque era baseado somente

em abstrações ideais e afirmações morais gratuitas, que não

convenciam a ninguém. A força capaz de impulsionar a mu-

dança é devida à possibilidade hoje existente de se compreen-

der o rendimento positivo e imediato deste novo estilo de vida

e, portanto, a vantagem de realizá-lo com seriedade.

Uma das bases deste novo estilo é a eliminação do absolu-

tismo e de sua imobilidade em relação à verdade, para substituí-

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 7

los pelo conceito de verdade relativa, em movimento de trans-

formação evolutiva. De fato, cada período histórico possui a

sua própria verdade, aquela da qual ele tem necessidade para

executar seu trabalho de construção da vida. Então, sendo este

trabalho diferente de um período para outro, porque o trajeto

evolutivo a percorrer é diferente, eis que a verdade dominante

em função dele deve também ser diferente. Isso significa não

somente que uma verdade é verdadeira na fase de desenvolvi-

mento na qual ela deve funcionar, porque naquele momento

corresponde a uma determinada necessidade da vida, mas tam-

bém que ela não é mais verdadeira em outro momento, no qual

se torna verdadeira outra verdade, sendo esta então, e não mais

aquela, que deve funcionar, porque corresponde às novas e di-

ferentes necessidades da vida.

Para a vida, a verdade não é uma abstração, mas sim uma

realidade em funcionamento. Assim, os velhos conservam as

suas ideias, que foram úteis a seu tempo, enquanto os jovens

buscam outras, novas. Gostaríamos de permanecer imóveis,

mas a vida caminha porque é vida e, se não caminhasse, seria

morte. Eis então que a verdade dos velhos não é um erro, como

agradaria aos jovens que fosse, para combatê-lo e destruí-lo.

Trata-se, ao contrário, de uma verdade que cumpriu sua missão

e que, por tê-la cumprido, merece todo o respeito. Merece-o

porque ela foi útil ao homem de seu tempo e porque, graças a

seu trabalho, os jovens podem hoje encontrar-se mais avança-

dos. O progresso é uma escada que se sobe por degraus, não

sendo possível passar ao sucessivo sem escalar o precedente.

Disso resulta que o passado está superado, mas como inte-

gração que o leva avante, e não como destruição que o elimina.

Atentemos, pois, para saber, nos acontecimentos renovadores,

conservar os velhos valores ainda utilizáveis pela vida. Eis os

perigos de uma contestação geral e indiscriminada, que pode

levar a perdas gravíssimas.

Mas observemos ainda outro aspecto do novo estilo de

vida. O conceito de relatividade do verdadeiro elimina o an-

tagonismo não apenas entre o velho e o novo, mas também

entre as verdades individuais. Ora, toda supressão de formas

de luta é progresso que facilita a solução do problema da

convivência pacífica.

Segundo a forma mental do passado, cada indivíduo acredi-

tava que seu modo de ver era a verdade. Então, ele pensava as-

sim perante os outros: “Se eu vejo a verdade e esta é uma só,

então eu a tenho e tu estás em erro, razão pela qual estou auto-

rizado a te corrigir”. Quando a verdade era de grupo, então, se

este fosse forte, adquiria o direito de impor-se aos estranhos,

que se tornavam um terreno a ser invadido. O resultado era a

luta pela conquista de seguidores. Eis o proselitismo. Quem

aderia estava certo, mas quem não aderia estava errado e, por-

tanto, era combatido. E uma verdade tanto mais valia e podia

impor-se como tal, quanto mais forte ela fosse, porque maior

era o número de seus seguidores. Quando passavam à minoria,

a sua verdade tornava-se erro e, como tal, era condenada. Isso

até ao ponto em que, então, as partes se invertiam, tornando-se

perseguidos aqueles que antes eram os árbitros do juízo.

Com tal método, acontece que os inovadores, considerados

rebeldes, porque faziam parte do grupo minoritário, contrário à

ordem estabelecida pela maioria, eram depois julgados heróis e

mestres, quando o seu grupo, tornando-se maioria, conseguia

impor-se. Eis que o conceito de culpa e da correspondente pu-

nição, de legalidade ou ilegalidade, é relativo aos princípios vi-

gentes e muda com a mudança da verdade dominante.

Eis a importância vital do proselitismo, uma vez que o nú-

mero dá força para a sobrevivência, seja de uma religião, de

uma ideologia política etc. No entanto o proselitismo é um sis-

tema que invade outras áreas, atingindo o campo espiritual,

conceptual, moral etc., de modo similar àquele que, pelo mes-

mo motivo, é praticado na invasão do território alheio, escravi-

zando os seus habitantes. O novo estilo de vida, no seu modo

de conceber as relações sociais, considerará o proselitismo co-

mo uma falta de respeito para com o próximo, considerando-o

um atentado contra a liberdade de consciência.

Ainda assim, o proselitismo pode ser um meio útil para di-

fundir uma ideia, funcionando como um sistema de irradiação

mental necessário à evolução. Então onde começa o dever de

respeitar a consciência alheia e termina o de instruir o ignorante?

Se a vida usou o método do proselitismo, é porque ele cum-

pre uma função. Para cada nível de evolução há um sistema

proporcional de difusão das ideias. O proselitismo é adaptado

ao estado infantil da humanidade, presumindo o ignorante que

se torna discípulo, para crer no mestre e repetir suas palavras.

Por isto tal método foi justo e necessário no passado. Mas o

proselitismo torna-se invasão da casa alheia em uma fase de de-

senvolvimento mental mais avançado, quando o indivíduo já

construiu a sua verdade e tem, por isso, direito a vê-la respeita-

da. Trata-se, no primeiro caso, de um vazio a preencher e, no

segundo, de um patrimônio alheio no qual não se deve pôr a

mão. Somente quando há uma consciência, ou seja, uma casa

espiritual alheia, pode-se falar de invasão. Mas, quando tudo is-

so não existe, tem-se o dever de entrar para ensinar.

É assim que a difusão das ideias deve ser realizada por dois

modos diversos, segundo o nível evolutivo no qual o fenômeno

ocorre. Para o primitivo, a simples oferta de uma verdade não

serve para nada. Caso se explique, ele não entende, e quando se

oferece, ele não aceita, porque segue somente seus instintos.

Não resta senão persuadir com os elementares argumentos utili-

tários da ameaça (inferno e prisão) ou do prêmio (paraíso e go-

zos). Para quem tem uma consciência, tal método torna-se re-

pugnante e é repelido. O medo obriga e o desejo seduz, mas ne-

nhum dos dois convence. Este método é aceito porque coincide

com o utilitarismo fundamental da vida, mas não convence, por-

que seus resultados são incontroláveis e estão situados no im-

ponderável. Explica-se assim como, no passado, a ignorância e o

método de prêmio ou castigo produziram uma obediência passi-

va, sem convicção, feita, portanto, de evasões e hipocrisias.

Quem é mais evoluído deseja, pelo contrário, ver, compre-

ender e ficar convencido. A sua aceitação é condicionada a

outros fatores. Então pode bastar o sistema da oferta, sem a

necessidade de levar em conta o cálculo do dano ou vanta-

gem. É assim que hoje, frente à forma mental mais adiantada,

o proselitismo é substituído pelo diálogo. Então uma verdade

não é imposta, mas sim exposta e, dessa forma, em vez de se

condenar o erro, apenas demonstra-se que ele é de fato um er-

ro. O fim a que se tende é a aceitação por convicção, e não pe-

la constrição. O método é mais sutil e profundo, e o resultado

mais íntimo e completo.

Eis a transformação a que assistimos em nosso tempo. Esta

é a razão pela qual nasceu a ideia do diálogo. Trata-se de um

fenômeno universal, porque é efeito de deslocamentos evoluti-

vos. O uso desse estilo novo é fatal hoje, porque faz parte de

um amadurecimento biológico. Explica-se assim o fato do ho-

dierno surgimento de uma nova autonomia mental, que destrói

o velho sistema ético fideístico, colocando-o sob um processo

de secularização e dessacralização, que o despoja de sua fisio-

nomia tradicional. Para os conservadores, agarrados à forma,

isso parece o fim. Então, não vendo que se trata de uma des-

truição necessária para a renovação, eles se desesperam.

Desesperam-se porque cada um está convencido de possu-

ir a verdade absoluta, de modo que a dos outros é considerada

um erro. Então é doloroso não conseguir destruí-la, como se

desejaria. Nasce, deste modo, uma oposição entre termos que

são apenas aspectos complementares de uma verdade única.

Complementaridade pela qual um é necessário ao outro, como

o são luz e sombra, que, isoladas do seu termo oposto, não são

percebidas. Assim se opõem erro e verdade, que são simples-

8 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

mente as duas partes, positiva e negativa, de uma única e

permanente unidade, ainda que em todos os lugares a vejamos

cindida no dualismo universal.

O novo Evangelho dirá: “Respeita o teu próximo como que-

res que teu próximo respeite a ti mesmo”. Do velho “método do

assalto” ao novo “método do respeito”, passar-se-á por evolu-

ção. Chegaremos a isso quando a inteligência estiver desenvol-

vida o bastante para compreender a relatividade das nossas ver-

dades, todas elas corretas em função do ponto de referência,

dado pelo grau de desenvolvimento mental e moral alcançado

pelo indivíduo que a possui. Todos estamos a caminho, ocu-

pando diferentes posições evolutivas. É natural, portanto, que

tipos com personalidade e com olhos diversos vejam aspectos

diferentes da realidade. É por isso que cada um tem o direito de

possuir a sua verdade e de exigir respeito por ela, assim como

tem o dever de respeitar a dos outros.

IV. UM NOVO TIPO DE MORAL

Observemos sob outros aspectos o tema que estamos de-

senvolvendo, referindo-nos agora às diretivas que, segundo a

nova moral, pode-se dar à orientação da própria vida. Veja-

mos então quais são os direitos recíprocos dos indivíduos pe-

rante a aquisição e a posse dos meios econômicos, sobre os

quais se baseia a vida. O problema era simples nos baixos ní-

veis evolutivos do passado, quando tudo pertencia, por direi-

to, ao primeiro ocupante, bastando que ele fosse forte para sa-

ber defender sua posse. Com a vida do homem atingindo o ní-

vel social, o problema tornou-se mais complexo na definição

dos direitos e deveres recíprocos.

Neste ambiente, pode ser justificado o assalto do tipo primi-

tivo, quando o indivíduo se encontra em condições de desespe-

rada necessidade, por lhe ser negado qualquer meio de sobrevi-

vência. Justifica-se também o desejo natural de crescer, enri-

quecer e dominar, quando isso é um meio para civilizar-se, o

que constitui uma evolução e está nas finalidades da vida. Isso,

porém, deve ser feito honestamente, segundo a justiça, sem

aproveitar-se de ninguém, caso contrário viola-se a Lei, pois ela

exige que tudo seja merecido. Buscar a felicidade não é culpa,

se ela não for tirada da infelicidade dos outros, caso no qual o

ganho mal realizado, com prejuízo de outros, não poderá deixar

de resultar em dano para si próprio.

Eis então que, quando este crescimento quer se realizar por

vias torcidas, com violência ou astúcia, o resultado, obtido ili-

citamente, fica impregnado de negatividade, qualidade que

tende a destruí-lo. Neste caso, o indivíduo que pensa ganhar,

na realidade perde. É importante compreender essa técnica,

porque é fácil cair vítima de miragens e, assim, obter um resul-

tado oposto àquele desejado. Quando se quer obter algo sem

merecê-lo, contrai-se um débito que depois é preciso pagar,

terminando-se por receber somente o que se merece. Assim,

em vez de riqueza, obtém-se miséria.

Cálculos semelhantes eram desconhecidos na economia

do passado. Bastava realizar o fruto da própria rapina para

que isso se considerasse legítimo, tanto que constituía um di-

reito fixado por herança, no qual não se levava em conta a

negatividade que podia estar contida nele perante a justiça da

lei de Deus. Diante da nova moral, porém, aquela era uma

economia de aventureiros. Mesmo assim, tratava-se de uma

consequência lógica do sistema de luta pela vida então vigen-

te. Tudo era proporcionado. O que importava era saber ven-

cer, e não o mérito ou a justiça.

Isso não impediu que o sistema de luta pudesse ser supera-

do por evolução, para dar lugar ao sistema de retidão, de modo

que, atingido certo nível de desenvolvimento, esta pudesse tor-

nar-se uma arma de defesa para a sobrevivência. Pela velha

forma mental, isso é inconcebível. Mas hoje, quando ela está

superada, a retidão torna-se um elemento básico para a com-

plexa estrutura social de uma humanidade que atinge o estado

orgânico. Hoje, que alcançamos a fase cerebral e científica,

compreende-se que a negatividade do estado de luta é destruti-

va e que somente a positividade da retidão é construtiva. É

uma questão de compreender.

Eis então que, no estado orgânico, próprio dos povos mais

civilizados, o egoísta desonesto representa o elemento antisso-

cial a ser expulso. Assim, quanto mais primitivo é o indivíduo,

tanto mais lhe convém ser aventureiro, e quanto mais evoluído

ele é, tanto mais lhe convém ser honesto, porque esta é a con-

duta mais vantajosa para quem vive no estado orgânico. Trata-

se de um desenvolvimento biológico, que tem fatalmente de

atingir esta nova fase, quando chega a hora da maturação. A

evolução é também um processo de progressiva moralização.

A nova moral não cai no defeito da negatividade e não lhe

sofre os danos, enquanto goza das vantagens da positividade.

Chega-se a compreender que, agindo contra a justiça, obtém-

se uma vantagem negativa, ou seja, um dano. O segredo do

verdadeiro sucesso, então, está em agir segundo a Lei. Eis que

o nosso desejo de enriquecer deve ser satisfeito, mas segundo

a justiça, se não quisermos permanecer iludidos, alcançando o

resultado oposto.

Para compreender como isso acontece, é necessário conhe-

cer a estrutura de nosso mundo. Analisamo-la a fundo em vá-

rios de nossos volumes, porém neste só é possível um resumo.

Vivemos na superfície das coisas, onde reina o egocentrismo,

o separatismo, a luta, a desordem, a ilusão, a negatividade. A

presença universal do dualismo faz presumir, como termo

complementar à nossa negatividade, a existência do termo

oposto positivo, com qualidades contrárias, cuja função cons-

trutiva é dirigir, corrigir e sanar o nosso mundo, feito de nega-

tividade destrutiva, levando-o assim, passo a passo e a cada

momento, da desordem à ordem, da doença à saúde, do mal ao

bem, da posição errada à justa.

No fundo do caos, injustiça e desonestidade que estão na

superfície de nosso mundo, há dentro dele, como uma alma que

o sustenta, ordem, justiça e retidão. A ascensão evolutiva nos

leva em direção a esse mundo interior, cujos princípios, quanto

mais evoluímos, mais entendemos e vivemos. Sendo ele de tipo

positivo, a evolução tende a nos levar não em direção ao erro e

à correspondente dor, mas, pelo contrário, ao enquadramento na

ordem, dentro da qual desaparecem o erro e a dor. A nova mo-

ral utilitária nos ensina a ser honestos, a fim de evitarmos a ne-

gatividade, que se paga com a própria dor, e conquistarmos a

positividade, que é premiada com a própria alegria.

Chega-se assim a compreender que a astúcia para enganar é

contraproducente, constituindo-se num meio para vencer super-

ficialmente, de forma temporária e aleatória, enquanto a reti-

dão, pelo contrário, é uma força para vencer em profundidade,

de forma estável. Cada um trabalha em seu próprio nível.

Quanto mais se é evoluído, tanto mais se trabalha em profundi-

dade, alcançando proporcionalmente resultados do tipo utilitá-

rio. E quanto mais efeitos vantajosos se deseja obter, tanto mais

profundamente é necessário trabalhar.

Esta é a mecânica do fenômeno. Não se pode obter efeitos

vantajosos ou danosos, senão dispondo as causas adequadas. O

resultado, portanto, depende de nós. Os animais no mato, por-

que são animais, não podem agir senão como tais e, portanto,

devem viver como animais. O homem civilizado, como tal, po-

de agir de outro modo, colocando em ação outras forças, para

viver melhor. A realidade profunda é que a retidão atrai rique-

za, enquanto a desonestidade atrai pobreza. Tanto mais se com-

preende isto, quanto mais desenvolvido se é, seja pelas vanta-

gens que derivam deste fato, seja pela experiência vivida e pelo

conhecimento adquirido, pagando os débitos contraídos para

com a Lei devido aos erros cometidos.

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 9

Todavia, é possível se objetar que mesmo a riqueza deso-

nesta às vezes se sustém. Pode-se então chegar a crer que não

existe justiça, considerando-se a retidão uma ingenuidade e de-

bilidade, como coisa perigosa a ser evitada, porque o método

rendoso é aquele do tipo oposto. Mas o resultado imediato en-

gana e não subsiste. O jogo tem suas regras e, caso se queira

vencer, é necessário conhecê-lo e respeitá-lo. Antes de tudo,

aquelas riquezas subsistem apenas enquanto podem ser susten-

tadas com novas desonestidades, que depois devem ser pagas.

Além disso, se observarmos os casos em que, em vez de conse-

guir fraudar a justiça da Lei, paga-se o erro, vemos que eles são

maioria, sendo esta a regra. E ainda que não se veja como nem

quando se paga em alguns casos, estes constituem uma minoria,

tratando-se de uma exceção que confirma a regra.

Pode levar-nos a um engano o fato de que a certo ponto,

com a morte do indivíduo, o fenômeno parece interromper-se

em seu desenvolvimento, porque não se vê mais a sua continu-

ação. Julgando com tal critério, cremos então que tudo esteja

terminado. Mas a continuação está na lógica do fenômeno, e

ninguém pode interromper seu prosseguimento, violando aque-

la lógica. Se tudo desaparece a nossos olhos, isso não é porque

cesse de existir, mas sim porque se esconde no imponderável,

fugindo assim à nossa percepção.

Na própria lógica de cada fenômeno está a sua continuação.

Uma vez iniciado, ele não pode ser anulado, devendo cumprir

todo o seu desenvolvimento, até à exaustão dos impulsos que o

constituem. Se esta é a regra, devemos admitir que ela perma-

nece verdadeira também para os casos interrompidos pela mor-

te, dos quais não se vê a conclusão. O fato é que, se uma força é

lançada, os seus impulsos não podem ser anulados. A existência

de uma lei pela qual o desenvolvimento de um fenômeno não

pode parar até que ele, depois de ter percorrido todo o seu de-

senvolvimento lógico, atinja a sua conclusão, pode constituir

mais uma prova a favor da tese da sobrevivência depois da

morte. Quando um equilíbrio é rompido, ele deve ser restabele-

cido. Quando um erro é cometido, ele deve ser pago, mesmo

que esse pagamento ocorra depois da morte. Ela não pode inter-

romper o curso fatal da ação da Lei e, por isso, não pode ser

capaz de anular os efeitos das causas dispostas por nós em vida.

Ter compreendido o funcionamento da Lei e, com isso,

adquirido consciência das consequências fatais dos erros que

a violam, leva-nos a viver segundo outro tipo de moral, diver-

so daquele praticado no passado. Isso não quer dizer que nos-

sos progenitores fossem imorais. Eles eram simplesmente

amorais, mas no sentido de que ainda não podiam entender o

mais alto nível de moralidade alcançada pelo homem ao atin-

gir essa forma de consciência da Lei, a qual estamos aqui

examinando. O homem é moral com respeito ao seu nível de

evolução, mas torna-se imoral em relação a um nível mais al-

to. Com a evolução, ele vai-se moralizando sempre com maior

exatidão e perfeição, porque a evolução é um avanço em dire-

ção ao alto, ou seja, em direção a Deus e à sua lei. Assim, tu-

do se torna sempre mais definido, e o que era lícito em um ní-

vel não o é mais no superior. Com o progresso, as malhas da

ética se fazem cada vez mais estreitas, de modo que tudo

quanto por ela passava numa fase de desenvolvimento do ser,

não passa mais na fase sucessiva.

Nossos antepassados, pelo seu modo frequentemente feroz

de agir, podem nos parecer imorais. Mas eles o eram apenas em

relação aos mais avançados, e não perante si próprios. Pela

mesma razão, nós também podemos parecer imorais a nossos

descendentes, mais evoluídos do que nós. É por isso que não se

pode culpar nossos ancestrais, se eles, por serem menos evoluí-

dos, seguiam de fato um tipo de moral mais primitiva. A sua

involução os justifica. Não é admissível que se possa condenar

a vida por ter cometido um erro. Se ela usou no passado tais

métodos, é porque eles, sendo então proporcionais ao grau de

evolução atingido, eram adaptados ao cumprimento da função

que, segundo as leis da vida, deviam cumprir.

Segundo a forma psicológica do passado, era possível pen-

sar que se pudesse enganar um Deus antropomórfico, imagina-

do pelo indivíduo como um amo que comandava arbitrariamen-

te a seu bel-prazer e de quem se era servo pela força. Era, por-

tanto, natural a busca de escapatórias com astúcias, para evadir-

se de tal domínio. Hoje, quem compreendeu o funcionamento

da Lei sabe que Deus é algo completamente diferente e que,

portanto, o uso de astúcia em busca de escapatórias para fugir

de uma lei justa e inviolável é um absurdo.

Quem compreendeu não pode ser tão ingênuo a ponto de se

meter por esse caminho, pois ele sabe que o mesmo não o leva

a ganhar, mas sim a perder, resultando em seu dano, e não em

sua vantagem. A conta é clara, sincera e utilitária, de modo que

o julgamento da conduta do indivíduo se inverte e aquele com-

portamento, antigamente considerado uma sagacidade do inte-

ligente, passa agora a ser julgado uma ingenuidade do ignoran-

te, como de fato é assim quem, porque não compreendeu como

funciona a vida, provoca seu próprio dano com suas mãos.

O homem pode afrontar hoje grandes mudanças, porque se

está tornando mais maduro, autocrítico e inteligente. É natural e

fatal, portanto, ele entrar nessa nova fase da moral, que o levará

a um novo modo de agir, com as respectivas consequências.

Neste livro, estamos mostrando a técnica de funcionamento da

Lei. Isso não serve para a criança e, no passado, seria trabalho

desperdiçado. Mas o cálculo, porque dá evidência de um racio-

cínio utilitário, é o melhor meio para convencer o adulto, que

sabe ver com olhos críticos e analíticos.

A ética torna-se então outra coisa. A mudança é profunda e

tem efeitos decisivos. À incerteza da fé substitui-se a previsão

dos resultados a serem alcançados, com a certeza de que, segun-

do a lógica dos fatos observados, eles acontecerão. Se as religi-

ões, no passado, usaram o método do mistério e da fé, é porque

ele era inevitável, uma vez que as massas eram totalmente inca-

pazes de raciocinar e compreender. Mas hoje, que elas começam

a pensar, eis que o método mistério-fé é abandonado e se come-

ça, ao contrário, a observar, para compreender e resolver.

Para bem compreender a passagem que se está efetuando

hoje da velha para a nova moral, com a difusão, em todos os

campos, do pensamento humano positivo e científico, devemos

colocar estas duas formas mentais uma ao lado da outra. O

homem comum do passado não sabia entender nada que esti-

vesse além de seu estado emotivo. Assim, ele não era guiado

pelo raciocínio, mas sim pelos instintos e impulsos do sub-

consciente, que o faziam mover-se em uma ou outra direção. A

maior preocupação do indivíduo era satisfazê-los. Seu maior

trabalho consistia em superar os obstáculos que, sobrepondo-

se, impediam aquela satisfação. Na simples psicologia do ho-

mem das massas, não havia lugar para uma moral mais eleva-

da. Naquele sentido desenvolvia-se a sua inteligência, e era es-

te o tipo da sua norma de vida. Ele não via a razão pela qual

não devesse viver a seu modo, satisfazendo seus desejos,

quando não lhe advinha dano. Tudo aquilo que este homem

podia fazer era aprender a arte de encontrar os meios para se

satisfazer. A vantagem imediata que ele obtinha deste método

o convencia do valor do mesmo. Além disso, tudo aquilo que o

preceituário daqueles tempos não tinha previsto era considera-

do lícito. Triunfava plenamente o maquiavelismo, segundo o

qual a habilidade consistia em saber se evadir dessa moral

mais elevada, porque este era o método que o levava à vitória.

Havia, porém, a presença dos princípios morais, altamente

proclamados. O problema então era somente fugir deles, satis-

fazendo-se sem incorrer em suas sanções. Como resultado, ti-

nha-se uma sociedade bem acomodada e coberta de boas inten-

ções, onde cada um, recitando a sua parte, fazia uma bela fi-

gura, bastando para isso que seguisse algumas regras exteriores

10 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

convencionais. Tratava-se de um método, também este, para re-

solver o problema da convivência.

Tal sistema não podia durar senão na fase evolutiva em que

podia ser utilizado pela vida. Superada aquela fase e alcançada

uma compreensão mais avançada, aquele sistema não é mais

aceitável. Isso é o que está acontecendo hoje, quando se com-

preende que, com tal método, não se resolve os problemas. Por

isso mudou-se de sistema e aqueles problemas são postos a nu,

enfrentados com sinceridade e sem escapatórias emotivas, por

meio de uma mentalidade científica e positiva, que penetra em

todos os campos. Essa é o modo pelo qual se alcança a nova

moral, baseada no estudo da Lei e de sua técnica funcional,

que estamos expondo aqui.

O extraordinário resultado destes fatos, colocados perante

uma moral demonstrada e convincente, conduzirá o indivíduo a

um método diferente de pensar e de viver. Assim, do sistema de

hipocrisia e escapatórias para desviar-se do próprio dever, com

uma moral pregada, mas não praticada, passar-se-á ao sistema

da moral sincera e vivida, como é tudo aquilo que depende de

fatos positivamente controlados, e não da fé. Trata-se de uma

verdadeira revolução, que tende a varrer fora os métodos tradi-

cionais de pensar e agir. Nascerá assim um novo tipo de vida,

por meio do qual o homem adulto poderá autodirigir-se com

conhecimento e consciência perante a lei de Deus.

V. AS POSIÇÕES DO INDIVÍDUO PERANTE A LEI

Falamos no primeiro capítulo do princípio de retidão, sobre

o qual se baseia a Lei. Ele corresponde a um princípio de equilí-

brio e justiça, o qual faz parte da ordem de que é feita a Lei.

Vimos, então, que existe este outro método de conceber e con-

duzir a vida. Podemos agora perguntar-nos se, para vencer, ter

sucesso e resolver o problema da sobrevivência, há somente o

método vigente em nosso mundo, pelo qual se deve ser o mais

forte e hábil para triunfar na vida, ou existe de fato outro método

também? Qual é então a sua técnica e a que resultados ele nos

leva? Aquilo que dissemos até aqui sobre a Lei e a sua retidão

pode levar-nos à dúvida de que o outro método possa ser mais

lucrativo e superar o sistema honesto e meritório, no qual se

possui um valor real, mais útil do que impor-se à força. Seria re-

volucionário admitir que o sistema da justiça, com a consequen-

te defesa automática do indivíduo por parte da Lei, possa substi-

tuir com vantagem a justiça feita com os próprios meios, como é

o método vigente no plano animal. Isto seria uma reviravolta,

pois o justo, mesmo sendo fraco, tornar-se-ia um vencedor, por-

que está protegido pela Lei, enquanto o homem injusto, que, por

ser forte, impõe sua própria lei, tornar-se-ia um vencido, porque,

sendo um rebelde, teria a Lei contra ele.

Tal estranha afirmação da superioridade de tal método, com

a vitória segundo a justiça, como quer a Lei, não é infundada,

mas baseia-se em vários fatos: 1) É evidente que o velho sistema

não resolveu o problema da convivência social pacífica; 2)

Aquele sistema não é mais válido, porque se tornou contrapro-

ducente e, portanto, deve ser eliminado, quando se passa do ve-

lho estado social caótico ao orgânico; 3) Esta afirmação é corro-

borada pelo fato de podermos controlar a sua veracidade, porque

hoje se está iniciando a passagem para o estado orgânico, em ra-

zão da qual assistimos a um deslocamento na avaliação dos va-

lores humanos. O vencedor egoísta e violento, antes honrado

porque forte e vencedor, começa a ser considerado atualmente

um criminoso, inimigo da coletividade. Hoje o herói de guerra, o

amo prepotente dominador e o hipócrita astuto que sabe enga-

nar, ao invés de incutirem respeito, provocam revolta e são iso-

lados como elementos antissociais, para serem eliminados.

Nesta nossa época de transição para um novo tipo de civili-

zação, tudo isso começa a se verificar de forma visível, pois já

podemos verificar o início da inversão dos velhos valores. A

razão desta mudança não é de caráter ético, mas sim biológico.

Trata-se de uma questão de evolução. É pelo fato de passarmos

ao estado orgânico que adquire valor o fator retidão, o qual

serve nesta hora à vida. E também é por isso que se desvalori-

zam o fator força e o domínio para impor-se, coisas que, pelo

contrário, servem ao estado caótico. O problema é utilitário. A

retidão é aceita pela vida não por ideologias morais, mas por

razões práticas de rendimento.

Tudo é relativo e evolui. Acontecerá então que o princípio

de retidão e justiça, próprio da Lei, superará o sistema vigente

da luta. Isso não significa que ela será abolida, mas sim que

mudará de forma. Pelo fato de estarmos passando hoje ao esta-

do orgânico da sociedade, o separatismo individualista torna-se

contraproducente para a vida, que, por isso, deixa-o de lado,

como fase superada.

Assim a luta terminará na sua forma atual de seleção do mais

forte ou ardiloso no baixo nível evolutivo, para continuar em

uma forma mais aperfeiçoada, como luta inteligente, competin-

do na conquista do desconhecido. Ela se estenderá a grupos cada

vez maiores, nos quais serão coordenadas as funções sociais e se

organizará a coletividade ( A Grande Síntese: “Lei das Unidades

Coletivas”). Deverá assim desaparecer a luta individual e violen-

ta, que será relegada ao submundo social. Sobre esta prevalecerá

um tipo de luta mais inteligente, realizada em nível mental, que

não se rebaixa às pueris rivalidades do orgulho humano.

Já vemos o trabalho de equipe entre especialistas que

unem seus esforços para um fim comum, a coordenação das

funções nas grandes organizações industriais e a universalida-

de da ciência, que não admite barreiras. Assim a seleção, co-

mo é lógico, será realizada em outro sentido, direcionada para

produzir um indivíduo não mais forte e isolado, mas sim inte-

ligente e social, com maior aptidão para viver na coletividade

e cumprir nela a sua função específica. Isso não nos surpreen-

de, porque já vemos tudo isso realizado na sociedade orgânica

de células que é o corpo humano.

Para viver de tal forma, é necessário conquistar qualidades

diversas daquelas valorizadas no passado, quando a vida se en-

contrava na fase precedente de evolução e o sistema de retidão e

justiça da Lei era próprio de uma fase mais avançada, ainda a ser

realizada. Ora, a evolução não pode ser detida, por isso ninguém

pode evitar os deslocamentos que ela produz. Portanto a passa-

gem para esse novo modo de conceber e conduzir a vida não é

uma utopia, mas sim uma realidade já em ação, pois constitui

um fenômeno que é natural e fatal consequência da evolução.

Resolvido este problema, tratemos agora de conhecer mais

a fundo a técnica deste novo método de vida, para poder fazê-

lo funcionar com nossas mãos. Ao falar de retidão, tínhamos

dito que o homem justo, colocando-se na corrente da Lei, é por

ela protegido e auxiliado. Isso seria uma bela solução para re-

solver o problema da vida, sendo honestos e colocando-nos

dentro da Lei, para nos deixarmos assim ser levados por ela.

Mas será possível usar esse sistema para alcançar tal finalida-

de? Para fazer funcionar a Lei em nossa vantagem bastará a re-

tidão ou, por outro lado, precisamos também de outros fatores?

Qual é a estrutura deste fenômeno? Dentro de que mecanismos

deve encontrar-se o indivíduo para sua vantagem, e não para

seu prejuízo? Como e em função de que elementos ele deve

conduzir-se para conseguir isso?

Tudo se baseia na Lei. Porém ela não é apenas um princípio

de retidão e justiça, mas também uma vontade de torná-lo atu-

ante, formando uma corrente de seres vivos que a fazem reali-

zar-se. Podemos representar o fenômeno com a imagem da cor-

renteza de um rio sobre o qual o indivíduo se desloca com seu

barco. Se ele rema de acordo com a Lei, isto é, no sentido da

corrente, ela o ajudará. Então ele avançará e seus esforços obte-

rão o máximo de rendimento para o bem. Se, pelo contrário, o

indivíduo rema contra a Lei, isto é, no sentido oposto à corren-

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 11

te, ela não poderá ajudá-lo, levando-o para frente. Então ele re-

trocederá e seus esforços só obterão rendimento para o mal.

No entanto o fenômeno não se exaure aí. Pode haver outras

posições, que devemos examinar para resolver o problema

apresentado acima, como a questão de ser honesto e deixar-se

levar. Se o fato de agir segundo a justiça nos coloca na corrente

da Lei, então nada impede que, uma vez colocado o barco na

corrente, seja possível avançar sem remar. E esta seria uma bela

solução: evoluir sem fadiga. Mas por que isso não é possível?

Chegando a este ponto, é necessário, para compreender o

fenômeno, levar em conta que influenciam como elementos

fundamentais da Lei não só o princípio de retidão e justiça, mas

também o princípio de evolução e, portanto, qualquer movi-

mento com essa finalidade. Assim, a Lei exige também o cum-

primento deste dever por parte do indivíduo, além daquele ou-

tro. Então vai contra a corrente da Lei não só aquele que não

cumpre o dever de retidão e justiça, mas também quem não

cumpre o igualmente importante dever de evolução, deixando

de realizar o movimento para realizá-la. Em suma, o homem,

embora justo, se não trabalha para evoluir, também é um viola-

dor da Lei, como o é quem trabalha contra ela.

Compreendido isso, vejamos quais são as outras posições,

além dos dois casos extremos já examinados, que o indivíduo

pode assumir perante a Lei. Nos dois casos precedentes, ele se

move: 1) Segundo a Lei e seguindo-lhe a corrente; 2) Contra a

Lei e movendo-se em direção oposta à sua corrente. Temos de-

pois outros dois casos, relacionados não ao movimento, mas sim

à inércia: 3) O homem justo que se recusa a trabalhar para evo-

luir; 4) O homem injusto que igualmente se recusa àquele traba-

lho. Estes dois tipos são ambos culpados, pois, dado que a Lei é

movimento, ficar parado é um atentado contra ela, constituindo

uma revolta contra o princípio de evolução, fundamental na Lei.

Quais são então as consequências de se cometer o erro de não

trabalhar para avançar, seguindo o movimento evolutivo?

Para melhor nos exprimirmos, representamos o fenômeno

com a imagem de um grupo de seres percorrendo um caminho.

Poder-se-ia traçar em um desenho a estrada sobre a qual avança

o movimento dessa massa, relativamente àquele percurso, ao

deslocamento e às várias posições do indivíduo. Para nos facili-

tar a compreensão, também introduziremos no fenômeno os

conceitos de positivo e negativo. Assim, qualificaremos com

um sinal positivo tudo aquilo que está de acordo com a Lei e,

portanto, progride com o próprio esforço, seguindo a corrente

da evolução, e qualificaremos com um sinal negativo tudo aqui-

lo que é anti-Lei e, portanto, tende a retroceder, seguindo na di-

reção contrária àquela corrente.

Examinemos agora os vários casos expostos acima. No pri-

meiro caso, o indivíduo encontra-se de pleno acordo com a Lei,

porque é um justo que se colocou e se move na corrente da evo-

lução. Uma vez que aplica os princípios fundamentais da Lei,

ele progride em positividade, acumulando a seu favor sempre

mais valores daquele tipo.

No segundo caso, o indivíduo encontra-se em plena opo-

sição contra a Lei, porque, além de injusto e situado fora da

Lei, move-se contra a corrente da evolução. Uma vez que vi-

ola os princípios fundamentais da Lei, ele regride no sentido

da negatividade, acumulando em seu prejuízo sempre mais

valores deste tipo.

No terceiro caso, o indivíduo está, por um lado, de acordo

com a Lei, porquanto é um justo, mas, por outro lado, está con-

tra ela, porque, recusando-se a avançar, isto é, a trabalhar para

evoluir, senta-se à margem da estrada, fora da corrente evoluti-

va, que avança. Então, neste caso, temos duas forças opostas.

Uma é dirigida em sentido positivo, porque funciona segundo o

princípio da retidão da Lei e tende, portanto, a acumular valores

positivos a favor do indivíduo. A outra, pelo contrário, é dirigi-

da em sentido negativo, porque funciona opondo-se ao princí-

pio evolutivo da Lei e tende, portanto, a acumular valores nega-

tivos em prejuízo do indivíduo.

Então a posição de justiça, favorável a esse homem, segun-

do a Lei, é neutralizada por sua posição oposta de inércia antie-

volutiva, contra a Lei, em prejuízo dele. Assim, a negatividade

da inércia, que recusa a evolução, anula a positividade da reti-

dão, levando o indivíduo a uma estagnação na qual a vida para.

O resultado é que ele, permanecendo estacionário em um mun-

do de movimento, acaba sendo superado pela massa em mar-

cha, resultando disso um retrocesso, porque o movimento des-

loca tudo para diante, ao longo do caminho da evolução.

Para compreender isso, é necessário levar em conta que o

fluxo da corrente evolutiva avança continuamente e, portanto,

está ligado ao tempo como uma função dele. De fato, definimos

o tempo como o ritmo que regula e mede o desenvolvimento do

transformismo fenomênico. Ora, esta transformação se verifica

em sentido evolutivo, de modo que o fluxo da corrente evoluti-

va está ligado ao fluxo da corrente do tempo e, assim como ele,

não pode parar. Quem se isola dessa corrente fica estacionado

dentro dela, mas ela não pode ser interrompida e continua a

avançar. Desse modo, quem para é ultrapassado e deixado para

trás, com um movimento equivalente a um retrocesso involuti-

vo, semelhante àquele realizado no segundo caso pelo indiví-

duo que se move contra a Lei, retrocedendo. Eis como a inér-

cia, pelo fato de, também no homem justo, transformar-se em

involução, pode constituir um grave prejuízo para ele.

No quarto caso, tal como no terceiro, o indivíduo se coloca

contra a Lei, porque se recusa a trabalhar para evoluir, colocan-

do-se fora da corrente que avança. Porém essa sua negatividade,

ao invés de ser compensada com a positividade do homem justo,

como se dá com o tipo do terceiro caso, é, pelo contrário, agra-

vada pela sua negatividade de homem injusto. Segue-se que os

dois impulsos, não sendo opostos um ao outro como no terceiro

caso, não se neutralizam, mas somam-se, e isso no negativo. En-

tão, por falta de trabalho evolutivo, o retrocesso involutivo do

terceiro caso, próprio do inerte que para, não só se verifica neste

caso, mas também é maior, uma vez que o seu ponto de partida,

sendo o do injusto, e não o do justo, está mais embaixo.

O indivíduo do quarto caso se encontra em vantagem sobre

aquele do segundo, porque, enquanto este é ativo de forma anti-

Lei, trabalhando para involuir, aquele, com a sua inércia, para-

lisa esse movimento em sentido negativo, pernicioso para ele.

Assim a sua inércia freia o seu retrocesso, deixando-o um ponto

acima do qual chegaria, se fosse ativo como homem injusto, no

sentido anti-Lei. Eis que, no quarto caso, a inércia, como sus-

pensão de uma atividade negativa, pode representar uma vanta-

gem, porque é um mal menor. Se, para quem avança pelo ca-

minho do bem, parar é um mal, para quem avança pelo cami-

nho do mal, parar é um bem. Em outras palavras, se, para quem

trabalha positivamente, parar é negativo, para quem trabalha

negativamente, parar é positivo.

Cada indivíduo se situa numa dessas quatro posições, se-

gundo sua natureza e seus impulsos correspondentes, aos quais

a Lei responde adequadamente. Isso coincide com o que ele

merece, porque a estrutura de sua personalidade é obra sua.

Com essa técnica automática, cada um recebe a lição a ele

adaptada. A lei quer a correção do erro para a salvação do ser, e

a evolução é o meio pelo qual isto tem de se realizar. A função

da evolução é transformar o negativo em positivo, assim como

a função da involução é emborcar o positivo em negativo. A

evolução é uma corrente em movimento, dentro da qual a Lei

quer que tudo avance. Está implícito, portanto, que ela faça essa

corrente levar avante quem nela se coloca e, no caso contrário,

faça o oposto. Assim podemos compreender por que isso acon-

tece. E de fato, a Lei ajuda ao máximo o indivíduo do primeiro

caso, resiste ao do segundo caso, colocando-lhe obstáculos, e

deixa entregue a si mesmos os do terceiro e quarto casos.

12 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

Há, porém, um fato fundamental, que não admite exceções.

A Lei atinge fatalmente a sua finalidade, que é fazer a evolução

funcionar e, por meio dela, levar todos à salvação. Qualquer

que seja a posição escolhida pelo indivíduo, as reações da Lei

acabarão sempre por corrigi-lo do erro e fazê-lo avançar, seja

porque ele é atraído pelo bem que conquista, seja porque ele

procura salvar-se do mal que lhe cai em cima. Muitos procuram

retroceder e muitos se põem de lado para fugir à fadiga de evo-

luir, mas a grande corrente da Lei irá persegui-los, agitá-los e

desentocá-los, até levá-los à salvação. Não se pode deixar de

nascer e viver, como não se pode deixar de aprender e evoluir.

É fatal, portanto, o retorno final a Deus.

VI. ANÁLISE DAS FORÇAS DA PERSONALIDADE E

O CONHECIMENTO DO FUTURO.

O FIM DAS GUERRAS.

Ao tratar no capítulo precedente das posições justas ou er-

radas que o indivíduo pode assumir, falamos de bem ou mal em

termos gerais, como valor positivo ou negativo, sem especifi-

car-lhes o conteúdo. Nossa finalidade é compreender o fenô-

meno, e não fazer preceituário. Esse trabalho o leitor, se lhe

agradar, poderá fazê-lo, tendo em conta a natureza do erro to-

mado para exame. Queremos então mostrar como proceder pa-

ra, a partir do geral, inferir o particular, quando se quiser foca-

lizar um caso específico. Entramos assim no terreno das aplica-

ções dos princípios expostos acima.

Para fazer isso, é necessário definir a natureza e a quanti-

dade dos valores dos quais é constituído o fenômeno a ser es-

tudado. Estabelecida uma unidade de medida, pode-se deter-

minar, no caso observado, o posterior desenvolvimento e a ve-

locidade da progressão de sua evolução, assim como a dimen-

são do deslocamento do indivíduo no sentido positivo segun-

do a Lei, ou negativo anti-Lei, ao longo do seu caminho evo-

lutivo. Pode-se também determinar o grau de afastamento al-

cançado pelo indivíduo em relação à linha da Lei, em sentido

negativo (por falta de retidão), e o grau de proximidade desse

homem em relação a ela, em sentido positivo (como retidão).

Assim, naquele segundo caso já estudado, pode-se observar o

movimento de retrocesso involutivo realizado pelo indivíduo,

não só em relação à força exercida por ele contra a corrente,

mas também em relação à força exercida pela corrente a favor

da evolução, e assim por diante.

É possível, então, chegar à determinação qualitativa e

quantitativa desses valores, porque se trata de forças. Elas

são postas em movimento numa dada direção, sendo lançadas

ao longo de uma trajetória que, pelo fato de estar sujeita a

uma lei de desenvolvimento, como acontece com todos os fe-

nômenos, pode ser determinada e traçada. O princípio de

causa-efeito liga em uma concatenação lógica os sucessivos

momentos desse desenvolvimento, fazendo-o avançar sobre

um trilho definido e a uma dada velocidade. Isso permite es-

tabelecer, com antecedência, onde, quando e de que forma o

fenômeno vai terminar.

Estas são apenas indicações gerais sobre a questão. Aqui só

podemos expor o problema sumariamente, oferecendo ao leitor

a chave para que ele possa aprofundar-se e analisar por si mes-

mo, resolvendo os casos que surgirem. Quem desejar conhecer

como se chega a essas conclusões, pode encontrar orientações

no volume: Princípios de Uma Nova Ética.

Tudo isso que expusemos é possível. Presume-se, porém,

uma definição da natureza e da quantidade de movimento das

forças que constituem o caso em exame. Elas são do tipo men-

tal. É necessário ter compreendido que o nosso universo é cons-

tituído não somente de matéria e energia, mas também de psi-

quismo. Trata-se de uma onipresente substância psíquica, com

caracteres de inteligência, ligada à direção dos movimentos que

estabelecem o funcionamento orgânico executado pela matéria

e pela energia. Sem tal essência, ao invés da ordem existente,

feita de movimentos coordenados em direção a um fim deter-

minado, segundo um processo construtivo de evolução, tería-

mos o caos total, no qual tudo ficaria disperso.

O campo no qual agem essas forças de natureza psíquica,

diretoras de nossa vida, é a nossa personalidade, em cuja estru-

tura deveremos, portanto, descobrir a existência delas e, com

isso, a origem primeira do lançamento da trajetória de seu de-

senvolvimento. Para conhecer tudo isso, devemos então olhar

para dentro de nós, porque é de nossas qualidades e das ações

que lhes seguem que depende, por dedução lógica de causa-

efeito, o nosso destino.

Eis então que, para conduzir o exame mencionado acima, é

necessário conhecer-se a si mesmo, porque aí se encontra a ori-

gem do primeiro impulso, que estabelece o ponto de partida pa-

ra todo o movimento. São as qualidades de que somos feitos

que estabelecem a posição inicial do lançamento, da qual de-

pende a forma da trajetória, a sua direção, o seu desenvolvi-

mento e, por fim, o seu ponto de chegada. É necessário então

um exame de consciência profundo, severo e sincero, realizan-

do-se um trabalho de introspecção e autopsicanálise que ponha

às claras as características das forças positivas (segundo a Lei)

ou negativas (anti-Lei) que constituem a nossa personalidade.

Voltaremos a este conceito no fim do volume.

O resultado da análise do caso, como conhecimento do seu

desenvolvimento e previsão de sua conclusão, depende da exa-

tidão de tal exame de consciência. Este desenvolvimento é jus-

tamente aquilo que chamamos de destino, o qual, pelo fato de

nos faltar o conhecimento necessário para poder conduzir tal

análise, é considerado como uma fatalidade cega. No entanto

trata-se, pelo contrário, de um fenômeno analisável em suas

causas, corrigível em seu desenvolvimento e controlável em

seus movimentos. E é desse modo que ele será entendido, im-

plantado e dirigido futuramente na vida, quando o indivíduo

for consciente da Lei.

Para chegar a isso, é necessário compreender que o futuro já

está contido em suas causas, que temos sob os olhos no presen-

te. Eis então que o futuro é analisável em sua origem, fonte dos

primeiros movimentos, de que depende todo o resto. O proble-

ma está em saber compreender o conteúdo daqueles germes e a

sua lei de desenvolvimento, para determinar sua direção e, as-

sim, o ponto para o qual tende. Isso é possível, porque todas es-

sas coisas estão contidas naqueles germes. Se soubermos exa-

minar e compreender tudo, eis que, depois do presente, pode-

remos ver o seu futuro correspondente.

Pelos princípios segundo os quais a Lei atua, poderemos

saber que forma tomará em cada caso o efeito das causas dis-

postas por nós, para o bem ou para o mal. Pode-se assim co-

nhecê-lo como um complemento lógico daquela causa, especi-

almente na reação corretiva por parte da Lei. Ela, de fato, por

princípio de ordem e equilíbrio, põe ao lado de cada movimen-

to, à guisa de anticorpo, o correspondente fator compensador,

que age como termo complementar. Desse modo, pode-se co-

nhecer o valor desta incógnita, pois sabe-se que, para usufruir

uma vantagem, é necessário ter-se fatigado para merecê-la, ra-

zão pela qual quem, para usufruir, faz o mal, termina por dever

pagar, sofrendo. Como se vê, não se trata de um trabalho de

profeta, com base numa incontrolável intuição ou inspiração,

acessível somente a poucos e em condições excepcionais, mas

sim de um trabalho à base de lógica, acessível a todos, em

condições normais e em termos positivos. Assim, começa-se a

entrar, com o método racional, no campo até agora reservado à

ética e às religiões, resolvendo os problemas que elas pro-

põem, mas não resolvem. E isso sem basear-se em afirmações

gratuitas, não controláveis, mas sim usando uma técnica racio-

nal e uma forma mental científica. Até agora, a ciência e a fé

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 13

partiram de pontos e usaram métodos muito diversos para po-

der estabelecer um diálogo e uma compreensão. Hoje, porém,

o homem está se transformando de criança em adulto e, por is-

so, enfrenta tais problemas com outra forma mental. A ciência

avança sobre todos os campos, de modo que invade também os

mais longínquos, preparando-se para enfrentar neles problemas

que têm até agora, com os velhos métodos, permanecido inso-

lúveis. Trata-se do encaminhamento em direção à religião ci-

entífica da nova civilização do Terceiro Milênio.

Uma diferente aplicação de tais conceitos, prática e imedia-

ta, podemos encontrar em outro campo. Podendo-se prever em

suas primeiras causas quais serão os acontecimentos de nossa

vida, será possível preparar uma defesa contra aqueles doloro-

sos. E isso poderá acontecer através do uso de uma técnica dife-

rente daquela comumente adotada, intervindo de forma preven-

tiva e agindo sobre as causas, de modo a suprimir-lhes ou cor-

rigir-lhes os efeitos. Trata-se de um novo método de defesa da

vida, mais inteligente e decisivo.

A vida, então, irá se tornar completamente planificada, e o

homem será o senhor do seu próprio destino, em vez de supor-

tá-lo como um escravo, sem entendê-lo. O jogo é claro.

Quando sabemos que as causas de nossas dores são os nossos

defeitos, podemos eliminar as dores, eliminando os defeitos.

Isso porque está na lógica da Lei que, onde não temos defei-

tos, ela não tem razão para impor lições corretivas. Será pos-

sível assim, fazendo um exame de consciência, até mesmo

prever quais provas nos esperam, porque elas são uma conse-

quência lógica de nosso passado. Mas é evidente que, para

nos libertarmos, é necessário agir sobre as causas e, se não for

possível, procurar pelo menos aliviar o peso das provas a en-

frentar, colaborando com a Lei, aceitando e compreendendo a

sua lição. De fato, a finalidade da Lei é ensinar, a fim de que

não se repita o erro e, assim, não se tenha de suportar a dor

correspondente. Certamente, quando o aluno aprende por

meio da inteligência e da boa vontade, não há razão que justi-

fique o método do chicote, porque dele não se tem mais ne-

cessidade para atingir aquele fim. Eis então, como aspecto uti-

litário do presente estudo, um método inteligente para evitar a

dor. No final deste volume, aprofundaremos também este

conceito. Isso poderia ser chamado de um novo tipo de seguro

contra os males que nos ameaçam. Tal seguro, porém, só é ob-

tido individualmente, com um trabalho consciente e inteligen-

te. Estes conceitos são suscetíveis de vários desenvolvimen-

tos, razão pela qual tudo que, aqui, é agora um ponto de che-

gada, poderá ser para outros um ponto de partida.

Mas, também no plano coletivo, a ascensão do homem pa-

ra um mais alto nível de inteligência e consciência levará a

grandes mudanças. Sabemos que a evolução tende a levar para

uma diminuição progressiva da dor, reduzindo-a tanto mais,

quanto maior for o grau de compreensão da Lei e, portanto, de

harmonização com ela, o que significa evitar o erro e o cor-

respondente sofrimento corretivo a ele ligado. O objetivo de

tais esforços é sempre evitar a dor. E um dos efeitos do de-

senvolvimento da inteligência humana será a eliminação das

guerras. Esta será uma das grandes transformações que se ve-

rificarão no atual momento histórico, no qual termina um ci-

clo de civilização e inicia-se outro. A vida está empenhada a

fundo neste trabalho.

A abolição das guerras será o resultado da nova moral utili-

tária, baseada na inteligência. Isso não acontecerá por mérito de

teorias pacifistas. Elas nunca serviram para nada. A vida não é

feita de palavras, mas sim de fatos, baseando-se sobre um posi-

tivo cálculo utilitário. A moral que eliminará as guerras não se-

rá filosófica ou religiosa, mas sim racional e positiva, conforme

a nova forma mental que o homem está assumindo hoje, ao

atingir um novo nível de evolução. Este é um dos muitos resul-

tados da atual crise de crescimento.

Então, como se comporta a Lei neste momento, em relação

ao homem, que ela deixa livre para construir seu destino con-

forme ele quiser? A Lei exige que seja atingida a sua finalida-

de, que é fazer a vida entrar em sua nova fase de desenvolvi-

mento, na qual o método da violência bélica estará superado. O

homem é livre, mas, não importa o que ele faça, a Lei está de-

cidida a realizar sua vontade sobre a dele.

O resultado do sistema é sempre o mesmo: 1) Ou o homem,

porque a compreendeu, obedece à Lei, colaborando com ela no

cumprimento de sua vontade; 2) Ou o homem desobedece à

Lei, sendo forçado assim a cumprir a vontade dela. No primeiro

caso, a abolição das guerras é conseguida pacificamente, sem

dores, só por meio da inteligência. No segundo caso, o mesmo

resultado é atingido à força, por meio de uma ação constritiva,

realizada por meio de uma prova dolorosa. Este é o meio que a

Lei usa com quem não compreende outra linguagem. Trata-se

de um método seguro, uma vez que, independente do caso, a

Lei acaba sendo obedecida, seja porque foi compreendida, seja

porque foram sofridas as consequências de não compreendê-la.

Vejamos o primeiro caso. A Lei oferece motivos utilitários

positivos a quem é capaz de avaliá-los, para que sejam acei-

tos. Os armamentos atômicos custam muito, porque envelhe-

cem rapidamente e são continuamente renovados pelo inces-

sante progresso científico. A primeira vantagem, portanto, em

prol da paz, é a supressão do custo de produção. Há depois o

fato de que é difícil obter uma superioridade atômica absoluta

e definitiva, que assegure a defesa, porque sempre se pode ser

superado por outro país. A preparação com meios atômicos

não admite mais possibilidade de vitória, porque o atacante

seria aniquilado juntamente com o atacado, de modo que uma

guerra produziria somente destruição para todos. E isso se

torna sempre mais verdadeiro, porque os meios atômicos fa-

zem-se mais mortíferos a cada ano.

Vejamos o segundo caso. Se o homem quiser colocar-se em

uma linha anti-Lei, insistindo em usar a sua inteligência no

sentido de determinar uma guerra atômica, ela será igualmente

a última, porque constituirá tal prova e lição, que todos perde-

rão a vontade de repetir a experiência. Assim, com o sistema

do chicote, a Lei saberá fazer-se compreendida, alcançando a

sua finalidade da mesma forma, ainda que o homem não queira

compreender o absurdo de seu comportamento. E a culpa será

dele, que pagará um alto preço, pois a sua liberdade não pode

impedir que a Lei se realize.

Mas por que ela quer hoje a abolição das guerras? A Lei o

quer porque não há mais necessidade delas para atingir seus

fins. Se no passado a vida as aceitava, é porque tinham uma fi-

nalidade, que era misturar os povos, difundir as ideias e ex-

pandir a civilização dos conquistadores nos países conquista-

dos. As grandes marchas dos exércitos no passado eram meios

de comunicação através de massas inertes. O invasor vencedor

era um fecundador não só de mulheres, mas também de cére-

bros, instituições e costumes.

Hoje, a vida não tem mais necessidade das guerras com essa

função, porque a ciência abriu grandes vias, antes desconheci-

das. Os meios de comunicação fizeram-se hoje tão rápidos e fá-

ceis, que se atingiu automaticamente um estado de fusão perma-

nente, sem necessidade de invasões com exércitos vencedores.

Tudo isso amalgama, unifica e suprime as diferenças de língua,

ideias e raça, em razão do que ruem as barreiras étnicas, econô-

micas, políticas e religiosas, levando em direção ao futuro esta-

do orgânico, ao qual, por lei de evolução, tende a humanidade.

É com esta finalidade que a vida abandona o sistema de

guerras. A Lei quer a unificação, e hoje surgiu um fato decisivo

neste sentido. A evolução levou a humanidade a alcançar os

umbrais de uma nova fase de desenvolvimento, forçando-a ago-

ra a entrar nela. Como aconteceu isso? O progresso da ciên-

cia levou à descoberta de armas bélicas de tal potência, que não

14 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

podem ser usadas sem provocar uma catástrofe universal. O fa-

to é que elas são mortíferas demais para poderem ser usadas

com a velha finalidade de vencer um inimigo. Hoje as duas

maiores nações que disputam a supremacia mundial atingiram

uma tão grande potência atômica, que cada uma delas pode des-

truir a outra, e cada uma sozinha pode destruir o mundo.

Chegamos ao ponto de ruptura com a velha lei da luta, que

deve ser abolida, porque, em vez de atingir o fim evolutivo de

seleção do mais forte, leva, pelo contrário, a uma destruição

universal, fato contra o qual a vida se rebela. Essa é a forma pe-

la qual a Lei elimina as guerras, que não servem mais aos fins

dela, pois não termina com o triunfo do vencedor selecionado

(fato de utilidade biológica em sentido evolutivo), mas sim com

a destruição de todos. A revolução é profunda, porque leva a

um estado de unificação mundial, abolindo o velho método de

vida egocêntrica e separatista, para adotar o método coletivista

e colaboracionista. Isto significa passar do estado caótico ao

orgânico. Trata-se de um grande salto avante em direção ao re-

gime de ordem, para o qual tende a evolução.

Vemos, de fato, que tudo isso hoje começa a se realizar, tanto

no campo político como no religioso. Vem acontecendo entre os

filhos separados do cristianismo e acontecerá para todas as reli-

giões, cujas bases positivas serão dadas pela ciência, único co-

nhecimento de tipo universal. No campo político, a mesma ten-

dência à unificação levou à ideia nova dos Estados Unidos da

Europa, reduzindo as três ou quatro potências mundiais a um

número sempre menor, até que se atinja uma sociedade mundial

de nações, com um governo único, que assumirá funções de polí-

cia e impedirá as guerras, resolvendo os casos de países menores.

Estes são os novos conceitos que a Lei colocará em prática.

Os destruidores do velho já estão trabalhando. Mas não se trata

de destruição, e sim de renovação. A Lei nos mostra o gesto de

Deus, continuamente criador, impulsionando o homem novo

em direção a uma posição biológica mais adiantada, envolven-

do todas as suas manifestações. Na superfície vê-se a tempesta-

de gerada pelo vórtice do grande deslocamento. Mas nas pro-

fundezas está a ordem da lei de Deus, que guia o desenvolvi-

mento do fenômeno e garante seu bom êxito. O tempo bate fa-

talmente o ritmo do transformismo evolutivo, que a cada mo-

mento, sem jamais cessar, demole o negativo, para reconstruí-lo

positivamente. Vemos a trajetória do fenômeno lançada do mal

para o bem, cujo completo e definitivo triunfo deverá ser assim

fatalmente alcançado no retorno final do ser a Deus.

VII. O FUTURO ESTADO ORGÂNICO

UNITÁRIO DA HUMANIDADE

Observamos no capítulo anterior o fenômeno do fim das

guerras e a tendência à unificação política mundial. Em outros

pontos, já afirmamos que a humanidade se encaminha para o

estado orgânico. Olhemos agora para o futuro, a fim de com-

preender o que ele nos prepara neste terreno.

Comprovamos nos fatos que o homem, quanto mais é primi-

tivo, tanto mais é individualista, egocêntrico, separatista e iso-

lado, vivendo num estado caótico, e quanto mais é evoluído,

tanto mais é coletivista, interdependente com seus semelhantes

e integrado ao todo, vivendo num estado orgânico.

A passagem de um tipo ao outro ocorre por evolução. Não

há dúvida que esta marcha é orientada e que sua direção vai da

desordem para a ordem na lógica de seu desenvolvimento. De-

sordem significa uma posição de elementos rivais em luta entre

si, cada um afirmando-se em si mesmo contra o outro. Ordem

significa uma posição de relações recíprocas de tipo diferente,

tendo como base a vida em sociedade, segundo o princípio da

unificação, colaboração e organicidade.

Queremos observar aqui como a vida passa do primeiro

estado ao segundo, ou seja, como do individualismo até agora

vigente, baseado na luta pela seleção do mais forte para exer-

cer o comando, passa-se ao colaboracionismo, baseado no mé-

todo da cooperação pacífica para o interesse comum. Esta se-

gunda posição está nos antípodas da primeira. Como é possível

então, num ambiente onde domina o regime de caos, transfor-

mar a luta em colaboração? Como conseguir implantar aí um

método de vida unificado e orgânico?

Não é sem razão que o homem é por instinto proselitista,

expansionista e imperialista. Veremos agora como a vida utili-

za essas qualidades. É certo que elas são contraproducentes em

uma sociedade que atingiu o estado orgânico, onde é funda-

mental o dever do respeito ao espaço vital alheio (material e

espiritual), porque tudo está disciplinado na ordem, não sendo

lícitas transgressões de normas e violações de limites. Mas

aquelas qualidades, em uma sociedade no estado caótico, ser-

vem à vida, que, graças a elas, pode realizar, sob o domínio do

vencedor na luta, os primeiros reagrupamentos, os quais, sem

tais condições para lhes impor e manter a união pela força, não

se formariam nem resistiriam.

É com este sistema que a vida começa a impor gradualmen-

te o novo regime de tipo orgânico no lugar do caótico. Ela utili-

za o vencedor na luta, que, por isso mesmo, mostra-se mais ap-

to para as funções de organizador, servindo justamente para es-

ta finalidade, de amalgamar e unificar sob seu comando os ego-

centrismos rivais que constituem o regime de caos. Como se vê,

esta é uma fase de transição, na qual se utiliza o melhor fruto

do método mais involuído para passar à posição mais evoluída.

O indivíduo da fase caótica jamais se adaptaria a viver no regi-

me de ordem, a não ser forçado por um chefe construído se-

gundo seu mesmo velho tipo, capaz de tratá-lo com o método

da força, o único compreensível para ele. Desse modo, a vida

fornece os meios necessários para induzi-lo a evoluir.

Obrigado assim a viver dessa outra maneira, o indivíduo

egocêntrico e separatista começa a avizinhar-se e a fundir-se

com o seu rival, encaminhando-se para um estado unitário.

Mas, dado seu tipo, era-lhe necessária uma educação imposta à

força, para que assim, habituando-se, ele assimilasse e apren-

desse a viver o novo modelo. Era necessária uma educação im-

posta por um amo vindo de fora, para que, depois, ela descesse

do exterior para o interior, a fim de ser assimilada através de

longa repetição, até se tornar um automatismo ou novo instinto.

Esta é, na verdade, a técnica que a vida adota para a formação

de novas qualidades na personalidade.

É fato que o ponto de partida do atual salto à frente é o ho-

mem do velho tipo, construído no passado, e também é fato que

a vida não dispõe de outro. Esse homem não é racional, inteli-

gente e planejador, como o futuro tipo, mas um ser movido

apenas por seus instintos. Dado tudo isso, não resta à vida, para

dar aquele salto, a não ser utilizar, tal qual ele é, o único mate-

rial de que ela dispõe, aplicando os seus métodos para modifi-

cá-lo. Tratando-se de instruir indivíduos do tipo rebelde, é lógi-

co que esse trabalho não pudesse ser feito senão por férrea im-

posição. O raciocínio e a persuasão não servem para esse nível.

É assim que as formas de organização que se verificam em

nossa sociedade são caracterizadas pela imposição, e não por

uma unificação espontânea e convicta, na qual cada um, cons-

ciente de sua função na coletividade, toma a posição que o es-

pera. É assim que a organização na Terra é do tipo imperialis-

ta, tomando a forma hierárquica, numa estrutura em que a or-

dem desce de apenas um que comanda a muitos que obede-

cem. Segue-se que estes, naturalmente rebeldes, têm seu indi-

vidualismo egocêntrico encerrado na ordem imposta pelo che-

fe. E assim começa a realizar-se o principio orgânico. Estes

são seus primeiros passos.

Estamos aqui explicando por que tudo isso acontece assim e

qual a razão para a vida se comportar desta maneira. Tal estru-

tura, assumida pelo princípio orgânico em suas primeiras for-

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 15

mações, para chegar depois a se realizar plenamente, nós a en-

contramos em todos os campos, seja político, religioso, bélico,

industrial etc. Qualquer que seja o tipo de governo, religião,

exército ou atividade econômica, termina-se sempre no sistema

piramidal, composto por chefes e dependentes, com o poder

tanto mais centralizado, quanto mais se dirige para o alto.

Tudo isso é perfeitamente coerente com as qualidades do

biótipo humano em seu nível evolutivo atual, seja pelo instinto

de egocentrismo separatista que o faz rebelde e, portanto, ne-

cessitado de uma ordem imposta para sair do caos, seja pelo

instinto de domínio sobre seu semelhante para submetê-lo. A

técnica usada pela vida combina e utiliza essas qualidades para

alcançar seu objetivo, que é passar à organicidade.

Eis por que a estrutura das organizações humanas atuais é

do tipo comando-obediência. Trata-se de uma razão psicoló-

gica estrutural, ligada à realidade e proporcionada aos fins,

segundo o comportamento normal da vida, que sabe tirar o

melhor partido dos elementos disponíveis. Assim, utiliza-se o

individualismo para cumprir a função de chefe, a seleção do

mais forte para escolhê-lo e a prepotência do dominador para

subjugar e enquadrar os rebeldes na ordem, aproveitando-se

assim as próprias qualidades do caos para construir o estado

orgânico. Essa condição pode surgir, mas apenas na depen-

dência de um chefe, vencedor por eleição ou por revolução.

No fundo, trata-se sempre de um ato de conquista, com o

qual, para satisfazer seu instinto de domínio, o chefe começa

a organizar os seus dependentes. É natural que do velho mé-

todo de vida nasça esse novo, levando consigo as qualidades

dele, para depois libertar-se delas gradativamente. É assim

que, em nossa sociedade, podemos encontrar casos de orga-

nicidade já distanciados daquela posição original impositiva,

que forma o esqueleto do fenômeno.

Inicialmente, a organicidade existe como um produto da

potência dominadora do chefe, estendendo-se em profundi-

dade e amplitude proporcionais a essa potência. Assim, de

Roma a Carlos Magno, a Napoleão etc., nasceram e desapa-

receram os grandes impérios da história. Sobre o mesmo

princípio baseia-se a solidez do grupo familiar e de outros, de

dimensões sempre maiores, como instituições, associações,

partidos, religiões, nações etc. Como se vê, existe uma gra-

duação unificadora sempre mais vasta, que tende a se desen-

volver, admitindo um número sempre maior de elementos.

Notamos então que o princípio de unificação é um fato posi-

tivo que se está realizando. Trata-se de um fenômeno que

funciona e vai-se impondo. E unificação sempre mais vasta

implica em organicidade cada vez mais complexa e completa.

Assim avança-se também neste sentido.

Deste modo, os elementos dispersos no caos começam a co-

nhecer o novo estado de ordem que os aguarda, habituam-se a

viver nele, veem-lhe as vantagens, assimilam-lhe as qualidades,

aprendem a arte da convivência e da colaboração, encaminhan-

do-se gradualmente para a coletivização. É assim que, pouco a

pouco, o indivíduo, de egocêntrico separatista, vai-se fazendo

orgânico unitário, assimilando as qualidades necessárias para

isso. Eis a técnica do fenômeno. Esta é uma das vias pela qual a

Lei se manifesta, realizando a evolução. O resultado final que

nos espera no futuro é o estado orgânico unitário.

Resumindo tudo o que dissemos neste capítulo e no prece-

dente, temos as seguintes conclusões: 1) O homem no futuro te-

rá uma vida inteligentemente planificada, na qual muitas dores

poderão ser previstas e evitadas, eliminando-lhes as causas; 2)

O mundo caminha para a abolição das guerras; 3) O futuro nos

reserva o estado orgânico-unitário da humanidade.

Eis alguns aspectos da imensa revolução que se realizará no

Terceiro Milênio e que levará a humanidade a viver em um ní-

vel evolutivo mais avançado, inteligentemente orientada segun-

do o funcionamento da lei de Deus.

VIII. POR QUE SE VIVE.

AS TRAJETÓRIAS ERRADAS E

A TÉCNICA DE SUA CORREÇÃO

No presente trabalho, a finalidade pela qual estamos estu-

dando a estrutura e a técnica do funcionamento da Lei é evitar o

mal e a dor. Tratando-se de resolver um problema, é lógico que

a primeira coisa a fazer é compreendê-lo, analisando-o com

mentalidade positiva. Por isso evitamos atitudes idealistas, não

baseadas na realidade dos fatos.

A vida dá provas de uma tão grande sapiência ao construir

seus organismos, dirigir os seus fenômenos, resolver os seus

problemas e atingir os seus fins, que não podemos deixar de

considerá-la um centro psíquico inteligente. Este fato nos auto-

riza a estudar-lhe o pensamento para conhecê-lo.

Perguntamo-nos, então, por que a vida, que soube criar as

maiores maravilhas, resolvendo problemas dificílimos em suas

construções, deixa frequentemente suas criaturas indefesas, à

mercê de mil perigos e sofrimentos? Como se explica tamanha

indiferença por tal sorte, ao lado de tanta sabedoria e previdên-

cia? Como se justifica tanta negatividade destrutiva, ao lado de

tanta positividade construtiva? Quando o indivíduo vem ao

mundo, frequentemente espera-lhe a miséria, as doenças, o cár-

cere e muitos outros tipos de sofrimentos materiais e espiritu-

ais. Há gente condenada desde o nascimento a uma vida de do-

res. Todavia as coisas estão combinadas de tal modo, que nas-

cer é algo fatal, porque depende de instintos irrefreáveis. Além

disso, a vida é imensamente pródiga de meios para tornar o fato

do nascimento inevitável. Ela, que é avaríssima e utilitária,

desperdiça uma abundância incrível de germes, destinados em

grande parte a perecer. Por exemplo, dos duzentos e cinquenta

milhões de espermatozoides que conseguem contato com o

óvulo, somente um está destinado a operar a fecundação.

Se a vida deseja tanto que o ser nasça, ainda que seja para

deixá-lo depois submetido a todos os tipos de condições, exce-

to um estado de felicidade garantida, então deve haver uma

forte razão para isso. Somente tal fato pode explicar a contra-

dição existente nas manifestações da vida, que é tão benéfica

de um lado e, depois, tão maléfica de outro. E, nisto, ela dá

também provas de saber perfeitamente fazer-se obedecer, ade-

quando-se exatamente ao caso de indivíduos cujo primeiro im-

pulso é a desobediência à Lei.

Para os subdesenvolvidos, o jogo da vida se reduz a buscar

o prazer e a fugir da dor. Mas a coisa não é tão simples, e ne-

nhuma uma explicação nos é oferecida. Encontramo-nos pe-

rante um funcionamento que cabe a nós mesmos descobrir e

compreender. Trata-se de algo que simplesmente funciona,

como acontece com todas as leis do universo, sem nos dizer

nada a seu respeito. Tratemos então de compreender qual é,

neste caso, a regra do jogo.

A finalidade da vida não pode ser gozar, ainda que os ingê-

nuos possam crer nisso. Isto pode acontecer na juventude,

quando o indivíduo baseia-se em seu desejo, e não em sua ex-

periência. Mas não há velho que, tendo vivido, conserve tal

ilusão. Então devemos admitir que a finalidade da vida não é o

gozo, pois, se fosse, impor o nascimento de uma criatura desti-

nada a sofrer seria uma traição. Ora, a vida demonstra ser tão

benéfica, que não se pode admitir nela tal impulso maléfico.

Em todas as suas manifestações, ela se demonstra tão carrega-

da de positividade, que a negatividade contida nela deve existir

por outra razão.

A realidade é que o verdadeiro objetivo da vida é outro. Uma

vez entendido qual é ele, tudo encontra sua explicação. Assim, é

necessário primeiro ter compreendido o fenômeno vida em seu

desenvolvimento e finalidade. O fim supremo que ela quer al-

cançar a todo custo, de acordo com seu caráter de positividade

construtiva, é a salvação do ser, conseguida através da evolução.

16 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

Salvação significa atingir a felicidade, que é o grande desejo a

fremir no fundo de cada coração humano e a impulsionar o indi-

víduo à ação. Este desejo está escrito na lei de Deus e está desti-

nado a se realizar. Ele deverá ser um dia satisfeito. Se assim não

fosse, tal anseio não teria sentido nem finalidade, constituindo

uma zombaria atroz. Quem sabe como funciona a vida não pode

admitir que ela trabalhe com tal sistema.

Compreendido que esta é a sua finalidade, as condições que

ela nos oferece de fato não são mais uma contradição, porque

assumem outro significado. Não se vive para gozar, mas sim

para se chegar à felicidade, que é o ponto final no topo da esca-

la evolutiva. O instinto não nos engana e é um motor utilíssimo

da ação. Ele cumpre sua função, que é nos impulsionar na bus-

ca da felicidade. Assim corre-se a fazer esforços em todos os

sentidos para subir, enfrentando e tentando vencer todos os obs-

táculos. Com isso, experimenta-se, seguindo o curso da escola

da vida, cujos métodos didáticos (erro-dor etc.) já vimos. E para

que não se tente fugir de tudo isso, há o instinto de apego à vi-

da, o qual nos faz suportar as provas necessárias para evoluir.

Todavia pode acontecer que se tente a fuga com o suicídio.

Mas, por que é ele um mal? Mais exatamente, porque é uma re-

cusa em afrontar as provas que precisamos atravessar para con-

seguir a evolução, que, ainda que não se compreenda, é a fina-

lidade da vida. Evoluir para salvar-se é o dever que a vida nos

impõe. Suicidar-se é dizer não a este dever, que, em substância,

não é senão o de construir o nosso bem. Mas isso deve aconte-

cer cumprindo a fadiga para ganhá-lo, o que está de acordo com

a justiça da Lei. Então o suicida, que deseja fugir disso, termina

por pagá-lo, no sentido de que a prova não aceita recai sobre ele

com a fatalidade de um destino e agravada pela recusa.

É necessário compreender que as provas, sendo meios para

aprender a subir, constituem instrumentos de evolução e, por-

tanto, de salvação. Embora reconhecendo nelas um aspecto ne-

gativo, a vida assume um valor positivo. Assim, o mal e a dor,

que são destrutivos em si, adquirem um significado e um poder

construtivo, que dão um sentido elevado e benéfico àquilo que

antes parecia uma condenação.

Eis por que a vida pode – sendo benéfica, e não maléfica –

impor o nascimento, mesmo se este leva a provas dolorosas.

Estas então não são negativas e destrutivas, mas sim positivas e

construtivas, porque, se forem compreendidas, podem tornar-se

um instrumento de evolução, constituindo um meio para subir

em direção à felicidade. Eis por que se deve nascer. Esta é a ra-

zão pela qual a vida é sempre uma bênção de Deus, mesmo

quando ligada a um destino doloroso. Tais afirmações são o re-

sultado não de uma fé, mas sim de um raciocínio baseado na

realidade e na lógica vivenciadas.

Já explicamos que a dor tem a finalidade de eliminar o erro,

que é a sua causa. A dor existe para eliminar a si mesma. O fato

de ser ela um meio para chegar à felicidade, justifica-a perante

a Lei. Em suma, reconhecemos na vida uma larga zona de ne-

gatividade, mas compensada e corrigida, fechada e enquadrada

para o bem, na positividade fundamental do Todo.

Compreendido esse mecanismo, tratemos de utilizar o seu

conhecimento para orientar sabiamente a nossa vida e, com is-

so, evitar o doloroso efeito do erro.

Um sistema bastante difundido para satisfazer o desejo de

felicidade é tentar procurá-la pelo caminho mais fácil, de me-

nor resistência, através de atalhos. Com isso, procura-se che-

gar rapidamente, por qualquer meio, sem importar-se com as

consequências. Quem compreendeu o mecanismo da vida sa-

be que isso é um erro pelo qual ele será conduzido à dor. Esse

tipo de felicidade é roubada à justiça da Lei e, como furto, de-

ve ser-lhe pago. A alegria que não corresponde a um mérito e

a um valor verdadeiro é falsa, transformando-se assim em um

engano. Trata-se de uma trajetória lançada na direção errada,

que exige, portanto, uma correção. Ela é lançada para baixo,

em sentido involutivo, quando deveria ser dirigida para o alto,

em sentido evolutivo. Assim, apesar de querer dirigir-se à

alegria, ela caminha para a dor, porque segue no sentido invo-

lutivo. Para evitar essa trajetória e colocá-la realmente na di-

reção da alegria, a vida deve reorientá-la com golpes doloro-

sos. Trata-se de uma desordem, que é uma doença da ordem.

E é neste ponto que dói. A dor aparece quando a ordem é alte-

rada, e deste fato somos advertidos por aquela sensação que

chamamos dor. Isto, em todos os campos, é a expressão sen-

sorial de uma violação da ordem da Lei.

Desejamos a felicidade, e isto é justo. Mas o caminho para

chegar lá é regulado por normas. Se não as seguirmos, chega-

remos, pelo contrário, à dor. Insistimos nisso porque este é o

sistema mais usado, embora seja uma grande ilusão, uma vez

que leva, ao invés, à operação cirúrgica da reorientação. É duro

então ter de retornar à Lei pelo lado negativo, em posição cor-

retiva. Só quem não compreendeu o funcionamento do fenôme-

no não vê o absurdo de pretender que a desordem e a violação

possam levar à felicidade, porquanto esta é, pelo contrário, um

estado de harmonia, feito de disciplina na ordem.

O conhecimento de tal mecanismo pode ser útil, sobretudo

aos jovens, que, ingênuos e carregados de desejos, encontram-se

na hora do lançamento da trajetória de sua vida, quando realizam

a implantação de seu destino. Eles creem ter nascido para gozar.

Mas nasceram, em vez disso, para experimentar e aprender, a fim

de evoluir, o que significa elevar e melhorar as condições de vi-

da. Programa saudável e construtivo. Quem tem a mente lúcida

compreende que isso é lógico e corresponde à verdade.

Mas é frequente o caso em que se busca a felicidade, des-

cendo negativamente, isto é, endividando-se com a Lei. Trata-

se de um regime de perda contínua, porque, não sendo ganho

com o próprio esforço e valor, não é reabastecido de positivi-

dade, de modo que para continuar a gozar, usufruindo da posi-

tividade, é necessário um endividamento cada vez maior. As-

sim a negatividade aumenta, sendo isso inevitável, pois o mo-

vimento, uma vez lançado em descida, adquire sempre mais

velocidade, até atingir o ponto de saturação, no qual a reação

da Lei amadurece, interrompendo subitamente o desequilíbrio

e restabelecendo a ordem à força.

Como se vê, o fenômeno se baseia num jogo de equilíbrio

entre duas forças contrárias, uma positiva e outra negativa em

relação ao princípio de justiça próprio da Lei. É um processo

similar ao verificado no uso de drogas, que criam um paraíso

fictício de tipo negativo, pois artificialmente roubado às leis da

vida, o qual tende assim a exaurir-se, de modo que, para se con-

tinuar a gozá-lo, torna-se necessário um aumento contínuo da

dose de negatividade pela qual ele é gerado. Isso significa que,

para se conseguir um bem sempre menor, é necessário buscar

um mal sempre maior. Mas é justo e lógico que assim seja,

porque a trajetória do fenômeno está em posição inversa, no

sentido anti-Lei, razão pela qual não se pode obter senão resul-

tados opostos, no sentido antivida. Assim, tudo tende a se re-

solver em envenenamento e morte. É nesta direção que o de-

senvolvimento do fenômeno se precipita, até o baque final, com

o qual a Lei restabelece o equilíbrio segundo a justiça. Atente-

mos para não nos enveredarmos por essa estrada, da qual de-

pois não se sai mais, enquanto não se chega ao fundo.

A vida pode fazer convites desse tipo em qualquer campo,

do poder político e econômico ao prazer dos sentidos etc. Em

nosso tempo, caracterizado pela adoração do sucesso, é fácil

cair na armadilha. E os ingênuos, atraídos, abocanham o anzol.

Não seria uma traição da vida fazer semelhantes ofertas? Então

por que ela as faz? Onde está a justiça da Lei?

É necessário não esquecer que a vida é uma escola, e uma es-

cola é feita de contínuas provas a serem superadas. Tais ofertas

são um teste para aqueles que, tendo experimentado e aprendido,

dão provas de saber resistir ao convite, não caindo mais na arma-

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 17

dilha. De tal exame aqueles saem vencedores e são promovidos à

classe superior. Os maduros conhecem o jogo da armadilha e, por

isso, não caem nele, vitória que lhes serve para avançar.

Mas os imaturos não entendem o jogo, e é exatamente para

chegarem a compreendê-lo que eles têm necessidade de expe-

rimentá-lo. Como podem aprender, se não sentirem na própria

pele quais são as consequências do erro? É necessário que

eles aprendam e, portanto, vivam todo o desenvolvimento do

fenômeno da queda, como descrito acima. Isso até o baque fi-

nal, que é o golpe necessário, sendo a única coisa que pode ter

a força para abrir e penetrar sua mente, ainda dura para enten-

der. Nela, então, faz-se a luz, e estes homens amadurecem, de

modo que, quando receberem o próximo convite do mundo,

não cairão na armadilha. Então, eles superarão tal exame e

poderão subir para uma classe superior. Esta é a mecânica do

fenômeno. O caminho é livre, sendo necessário, portanto,

muita atenção para escolhê-lo.

Cuidado, portanto, para não se deixar seduzir, aceitando ce-

gamente ofertas gratuitas para triunfar facilmente. Façamos en-

tão um exame de consciência e, se virmos que tais triunfos não

são merecidos, por não corresponderem a um valor real nosso,

não os aceitemos. Devemos dar provas de sermos conscientes

do que valemos e merecemos. Se somos orgulhosos, vaidosos,

ávidos, ignorantes, descuidados ou irresponsáveis, é justo que

caiamos e paguemos.

O banquete está pronto, e somos convidados. Mas devemos

compreender o significado do convite, porque, se não o com-

preendermos antes, compreenderemos depois, como acontece

com o peixe que abocanha o anzol. O ávido, ansioso de ganhos

gratuitos, crendo ser esperto e vencedor, abocanha-o. Mas por

quê? Porque estas são as qualidades de seu temperamento, exa-

tamente aquelas que devem ser corrigidas pela experiência. É

justo que a prova o espere, até que ele aprenda e com isso evo-

lua. Ele compreenderá depois. Mas como se poderia isentá-lo

da prova, se ele antes não compreendia? A desilusão tem uma

salutar função educadora, e é por isto que, para seu bem, a vida

o faz suportá-la. A finalidade disto é fazer ele chegar a compre-

ender que, com aquele método, ao invés de se vencer, perde-se.

A desilusão serve para atingir a compreensão, que é a primeira

condição para avançar. Trata-se de um sofrimento justificado,

salutar e construtivo. Se ele houvesse sido maduro, não teria

abocanhado e não teria sofrido, porque sofrer é justo, útil e ne-

cessário somente para quem não aprendeu.

IX. O PROBLEMA DA DELINQUÊNCIA

Neste livro, foi nosso propósito basearmo-nos sobre o que a

vida nos mostra através dos fatos, observando seu pensamento.

Por isso não nos referimos a nenhum escritor. Além disso, im-

pusemo-nos ser breves e sintéticos, fazendo uma recapitulação

de todo o trabalho de preparação que nos trouxe até este ponto.

Tal trabalho está aqui subentendido, embora não muito eviden-

te. Este é um livro de aplicações e conclusões, que representa a

fase final. O período de pesquisas e maturação está nos vinte e

dois volumes precedentes e nos quarenta anos percorridos por

vários caminhos, para chegar à maturação atual.

Ao fim deste trabalho, implantamos algo que outros po-

derão desenvolver, aplicando através de novas pesquisas os

princípios expostos. Com isso, depois de ter percorrido a fa-

se conclusiva do velho mundo, colocamo-nos agora às portas

do novo, que hoje não só pertence aos jovens, mas também

será deles amanhã.

Fizemos algumas aplicações das teorias aqui expostas.

Mas, uma vez que nos tenhamos orientado e, assim, compre-

endido a técnica do fenômeno, dela se poderá fazer muitas ou-

tras aplicações. Ainda citaremos algumas, mas escolhidas ape-

nas como exemplo, só para mostrar como e quando muitos ca-

sos podem ser resolvidos, se bem orientados. Oferecemos uma

chave com a qual poderão ser abertas muitas portas ainda fe-

chadas, se soubermos onde está a fechadura correspondente.

Não nos podemos enveredar pelo caminho da casuística, por-

que, sendo os detalhes intermináveis, isso nos levaria muito

longe. Seguem-se então alguns outros capítulos, mas sem ne-

nhuma pretensão de exaurir o argumento.

Estamos numa época de grandes mudanças, na qual se pes-

quisam métodos novos, destinados não a encobrir os proble-

mas, para salvar as aparências, mas sim a resolvê-los. Esta é a

diferença entre o presente e o passado. Antigamente, o proble-

ma da pobreza era enfrentado com o paliativo das esmolas e

com a promessa de uma felicidade futura no céu, a qual era en-

carregada de compensar o mal e, assim, realizar a justiça de

Deus. Hoje, em vez de fazer da pobreza um problema espiritual

e deixar de resolvê-lo, procura-se suprimi-la com os meios po-

sitivos da técnica produtiva e da organização econômica coleti-

va. Diz um provérbio chinês: “Se quiseres ajudar um pobre, não

lhe dês um peixe, mas ensina-o a pescar”.

Nota-se a mesma mudança de métodos com relação ao pro-

blema da delinquência. No passado, a justiça se encarniçava con-

tra aquele condenado como culpado. Isso constituía um enfure-

cimento estéril, porque se limitava aos efeitos do mal e às suas

origens mais próximas. A finalidade não era eliminar as causas e,

com isso, a delinquência, mas sim defender-se e vingar-se. Hoje,

em vez disso, tende-se a fazer a psicanálise do criminoso, para

atingir as causas remotas e organizar uma ação preventiva em

profundidade, para impedir, na sua origem, a formação do mal.

Trata-se de enfrentar o problema com métodos diferentes.

Observemos quais são eles e qual é o mais útil à vida. Trata-se

de dois sistemas de vida, que pertencem a dois níveis diferentes

de evolução, sendo que hoje está ocorrendo a passagem do infe-

rior para o superior. O primeiro é baseado na luta, o segundo é

baseado na compreensão. O primeiro foi usado no passado, o

segundo começa a ser utilizado hoje, para continuar a se desen-

volver sempre mais no futuro. Ele depende da afirmação da in-

teligência, posição nova que a humanidade agora alcança, por

lei da evolução, entrando numa sua fase mais avançada.

O criminoso é tanto mais notado e expulso da coletividade,

quanto mais próxima ela se encontra de um regime de ordem.

Em um regime de desordem, quanto mais o caos domina, tanto

menos se nota a presença do criminoso, porque, num ambiente

caótico, onde reina um sistema de luta, ele constitui a regra, e

não a exceção. O fato é que, quanto mais involuída é uma so-

ciedade, tanto mais ela se encontra afastada da justiça e tanto

mais a vida se reduz à autodefesa na luta pela sobrevivência,

na qual o mais forte vence.

Esta era a substância da justiça penal no passado. Mais do

que numa compreensão inteligente do fenômeno, ela se baseava

em reações instintivas do subconsciente, para se defender con-

tra um ataque à própria pessoa ou aos próprios bens. A lei de

Deus não podia funcionar senão de acordo com o baixo nível

evolutivo então atingido, baseado na luta pela sobrevivência. A

justiça consistia em uma reação de defesa e vingança, que sal-

dava as contas, mas não restabelecia a ordem, deixando intacto

o estado de guerra entre juízes (a parte lesada) e violadores (o

assaltante). Embora houvesse a punição, permanecia como um

mal social o hábito do delito, que não era erradicado.

No passado dava-se exemplo público da justiça, adminis-

trando-a em praça pública, onde o povo podia gozar o saboroso

espetáculo de ver os malfeitores serem torturados e mortos. Es-

te era o lugar para onde todos corriam, e pode-se imaginar com

que resultados morais e educativos. Acreditava-se, com isso,

combater o delito, enquanto na realidade, o povo aprendia a

cometê-lo melhor ainda, instruído por aquele espetáculo feroz.

Tais efeitos, no entanto, constituíam sutilezas psicológicas que

eram ainda desapercebidas.

18 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

Tratava-se de um mundo ainda involuído, ou seja, carregado

de negatividade. Assim, à negatividade do criminoso somava-se

a da sociedade julgadora e à negatividade da culpa somava-se a

da punição, de modo que o ódio e a vingança aumentavam a

negatividade em vez de absorvê-la, para eliminá-la. Não é pos-

sível combater a negatividade senão com a positividade, que a

corrige, agindo em sentido oposto. Tal sistema não é seguido

porque o indivíduo, no seu egoísmo, preocupa-se tão-somente

em resolver o seu problema, que é defender o seu próprio inte-

resse. Cada um dos dois termos lança sobre o outro sua própria

negatividade, que, na falta da ação de uma força corretiva, per-

manece intacta. Desse modo, o mal não é curado, pois não se

pode eliminá-lo com outro mal, e reaparece sempre.

Deveríamos ir então de braços abertos ao encontro do de-

linquente? Isso é possível para uma sociedade que já atingiu a

fase de compreensão, mas não para aquelas ainda situadas na

fase de luta. Tudo isso, então, era justificado no passado, por-

que se utilizava o sistema de imposição e os homens se acha-

vam na fase de luta.

Há, porém, outro fato: a humanidade está passando hoje à

fase da compreensão, e isso acontece primeiramente com as

classes dominantes, que representam a posição evolutiva mais

avançada. É destes que se espera, frente ao criminoso, a inicia-

tiva de se passar do regime de luta ao da compreensão. Trata-se

de um momento propício para iniciar e, depois, realizar a pas-

sagem para uma posição de positividade, a fim de sanar o mal,

corrigindo a negatividade do elemento antissocial, oposto à so-

ciedade: o criminoso.

É pela maturidade das massas que o indivíduo antiordem

deve ficar como que estrangulado por uma reação psicológica

coletiva, pela qual seu campo de ação é fechado. Este homem

deve ser julgado pela opinião pública como criminoso, mesmo

quando, ao prejudicar o próximo, dá provas de saber vencer pe-

lo valor da força ou da astúcia. No passado ele podia, caso ven-

cesse, tornar-se um herói admirado, porque era julgado com

uma psicologia individualista, pela qual só à parte lesada inte-

ressava reclamar, não à coletividade. Aos outros, porquanto ile-

sos, não importavam os danos, que não lhes diziam respeito. A

vitória, sendo à custa de um terceiro, dava-lhes um senso de va-

lor e poder, incutindo, portanto, respeito. Ainda hoje, o delin-

quente astuto bem sucedido provoca uma dose de admiração

por parte dos que não foram lesados.

Tudo isso está implícito no sistema da luta e dele surge como

consequência. Este sistema é uma qualidade ligada à involução,

de modo que, quanto mais involuído é o indivíduo, tanto mais

valor ele tem como criminoso, e ao contrário. Acontece que a

evolução tende a eliminar tal tipo. É assim que a delinquência

começa a ser julgada como tal, quando o mundo se civiliza, en-

quanto antes constituía um método normal de defesa e um meio

necessário à vida. Esta, quando se encontra em tal nível, aceita a

delinquência, porque só quem sabe roubar e matar sobrevive ne-

le. O criminoso, de fato, acha-se à vontade e vive bem num am-

biente caótico, que é feito sob medida para ele. Mas acontece o

contrário num regime de ordem, ao qual somente o evoluído se

adapta. Assim pode-se considerar o criminoso como uma sobre-

vivência atávica do passado, destinada a desaparecer com o

tempo, por lei de evolução, pois, quanto mais a sociedade se ci-

viliza, tanto menos adaptado a tal ambiente ele se torna e tanto

mais difícil é para ele viver nestas condições.

Em um momento de transformação como o atual, estão apa-

recendo novos critérios, antes inconcebíveis. Condena-se, por

exemplo, o culto da personalidade, que representa a apoteose do

vencedor, segundo o velho sistema. Apareceu depois o conceito

de criminoso de guerra. Para ser completo, porém, tal conceito

deverá ser aplicado não só aos vencidos, como imposição dos

vencedores, mas a quem quer que faça uma guerra, violando a

ordem internacional. Encaminhamo-nos para a formação de uma

política mundial, pela qual o guerreiro assaltante de outra nação

não será mais um herói glorioso, mas sim um criminoso, da

mesma forma como hoje, dentro do próprio país, é criminoso

qualquer indivíduo que assalte o próximo. Já se reconhece o di-

reito de se recusar à guerra por objeção de consciência.

O princípio já existe, mas ainda é limitado somente a cada

nação. Trata-se apenas de uma questão de amplitude na exten-

são de sua aplicação, a qual, no entanto, está sempre crescen-

do. Pela lei de evolução, que leva à formação de unidades co-

letivas sempre maiores, não é possível se chegar a outro resul-

tado senão a unificação mundial, em que todo e qualquer ato

bélico será uma violação da ordem, passível de punição pela

polícia, como ato criminoso.

Antigamente, estas extensões na aplicação de tais princípios

não eram realizáveis. Procurava-se então resolver o problema da

criminalidade de outro modo, lançando-se furiosamente sobre o

condenado, acreditando-se que, quanto mais cruel fosse a pena,

mais difícil tornar-se-ia a ocorrência do delito. Hoje, quando se

passa do método da luta ao da compreensão, vê-se a estrutura do

fenômeno, e a solução é dada de maneira diversa. O homem ra-

cional moderno analisa o caso, questionando. Quais são os resul-

tados do sistema punitivo? Considerado do ponto de vista utilitá-

rio, qual é o seu rendimento para o bem da coletividade? Tal sis-

tema melhora ou piora o criminoso? E uma vez que o piora, para

que serve então puni-lo, se isso se reduz a uma fábrica de maior

delinquência? A solução está em empregar um método feito de

positividade, que assim corrige e diminui o mal e a negativida-

de, ao invés de agravá-la, como se fazia anteriormente contra a

criminalidade, utilizando-se um método de negatividade.

Como se vê, o novo estilo de enfrentar o problema consiste

em se propor a melhorar o delinquente, porque este é o caminho

que leva à diminuição da criminalidade, sendo, portanto do inte-

resse coletivo. O velho estilo não tinha esses fins corretivos, con-

sistindo apenas na reação de defesa individual do ofendido contra

o ofensor. Ora, o novo estilo, sendo produto de uma fase evoluti-

va mais avançada e inteligente, compreendeu que o sistema de

investir contra o condenado é contraproducente e deve, portanto,

por uma questão utilitária de rendimento, ser eliminado.

Começa-se então a estudar a psique do delinquente, procu-

rando-se penetrá-la com a pesquisa, para descobrir onde está o

terreno das motivações e a origem primária das ações. Procura-

se, assim, penetrar todo o mecanismo cerebral determinante do

ato criminoso, que é sua última consequência. Com a psicanáli-

se do delito, pode-se determinar quais as condições hereditá-

rias, mentais e ambientais dentro das quais ele nasce. Torna-se

possível, assim, desinfetar esse terreno, a fim de impedir o nas-

cimento do criminoso, ou, caso este já se tenha formado, estu-

dar métodos de como reeducá-lo, para reabilitar esse elemento

antagônico e, depois, inseri-lo na vida coletiva. Isso faz parte

daquele trabalho de formação do estado orgânico da sociedade,

já explicado nos capítulos precedentes.

Essa recuperação já está sendo feita, de modo que os fatos es-

tão de acordo com as nossas explicações. Busca-se pôr em ação

melhoramentos carcerários no sentido educativo, para reconstruir

o indivíduo estragado. Para não provocar a reação involutiva do

condenado, busca-se evitar o embrutecimento, procurando-se ir

ao seu encontro, não com o sentido de vingança, mas de compre-

ensão do seu caso. Busca-se reatar as relações de boa vizinhança

na convivência social, rompidas por várias causas, que se procu-

ram eliminar. É verdade que a sociedade quer antes de tudo se

defender, sendo isto seu pleno direito. Mas ela deve agora apren-

der a se defender mais profundamente, suprimindo a causa do

mal, e não o agravando com o acréscimo de outro mal. Também

neste setor, vemos a passagem para a fase de colaboração, que

constitui o novo estilo de vida em todos os campos.

Antigamente, a ação punitiva se dirigia contra o indivíduo

que tinha agido mal. Mas ele não era senão o último efeito de

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 19

uma cadeia de fatos ignorados pela justiça, os quais tinham, to-

davia, valor determinante. Tais fatos eram desconhecidos porque

a penetração psicológica do homem não era capaz de observá-

los. Via-se o fenômeno com outra forma mental. A aplicação da

justiça tinha frequentemente o sabor de uma luta entre crimino-

sos. De fato, quem ditava e aplicava a lei era aquele que, por ser

o vencedor, havia-se tornado senhor, cuja vontade o vencido de-

via suportar. As classes ricas e dominadoras constituíam os ven-

cedores, enquanto as pobres e subjugadas constituíam os venci-

dos. As primeiras faziam a lei a seu favor, condenando, caso não

obedecessem, aqueles que tinham interesses contrários. Assim o

delito, para indivíduos da classe dominada, era um ato de legí-

tima defesa. Porém, mesmo assim, eles eram punidos, porque,

em um regime de justiça, baseado na força, o fato de serem fra-

cos e não saberem vencer tornava isto merecido. Ora, se estes

homens se tornassem fortes e vencessem, não seriam mais cri-

minosos, e sim legisladores, admirados e obedecidos.

Em tal mundo, o culpado, que acabava punido segundo a

justiça de então, era quem perdia a batalha, por não ter sido sufi-

cientemente forte ou astuto para saber vencê-la. Neste tempo, a

reação punitiva se dava através da luta, método correspondente

ao primeiro tipo de vida. Hoje a justiça procura também os cul-

pados colaterais, precedentes e longínquos, de modo que a rea-

ção ao mal se dá através da compreensão, método corresponden-

te ao segundo tipo de vida. Atualmente são chamados a debate

elementos antes nunca vistos, que podiam antigamente fazer o

mal impunemente, pois ninguém os via. Culpava-se assim aque-

le envolvido mais próximo, apanhado em falta, desconsideran-

do-se desse modo o fator remoto, que pode ser determinante.

Vem à minha mente um exemplo típico, no caso histórico

da Monja de Monza1. Ela foi presa durante toda sua vida em

uma cela, por ter seguido os instintos do sexo, a cuja satisfação

tinha direito, deixando-se levar pelos delitos decorrentes de sua

ligação com um delinquente, que, por sua audácia, tinha conse-

guido fazê-la sentir nele o macho protetor. No entanto, ela pro-

cedera segundo os elementares e sadios impulsos da vida. Neste

caso, a justiça não viu seus genitores, que, sem aparecer, havi-

am-na indiretamente constrangido a declarar uma vocação ine-

xistente; não viu o pobre, simples e velho padre, escolhido pro-

positadamente para aceitar tais declarações; não viu, se bem me

lembro, uma tia que queria apoderar-se do feudo, cuja posse a

monja herdaria, caso não fosse fechada em um convento. Quem

era então o culpado? Mas a punição foi aplicada somente a ela.

Quantos outros puderam cometer a metade do delito impune-

mente, porque a justiça não os viu, fixando-se somente na mon-

ja. Tais casos não autorizam a exigir uma justiça perfeita, im-

possível na Terra, mas autorizam a contar com outra justiça,

que retifica a humana, quando esta não consegue funcionar.

Hoje se estuda o criminoso e procura-se entender o delito.

Às vezes, mais do que um culpado, encontra-se um doente. A

perseguição está sendo superada. Perante um acusado, busca-

se saber por que esse homem é culpado, procurando determi-

nar quem e que fato o levou a esse ponto. Agora vemos que a

justiça, para ser feita, deveria golpear outros pontos, situados

distantes. Pode assim, atrás da culpa incriminada, aparecer um

mundo de outras culpas individuais e coletivas, das quais aque-

la do condenado não é senão a última consequência. Revelam-

se então estados de injustiça social, pelos quais cada um é res-

ponsável, mesmo quando dispensa o dever da reparação. En-

tão, uma sentença penal pode constituir um convite a se fazer

um exame de consciência, para ver a parcela com a qual cada

um concorre na determinação daqueles efeitos. Às vezes,

quando acontece um fato triste, em vez de se investir contra

quem se deixou apanhar em falta, poderia ser até mesmo o ca-

so de nos perguntarmos quem é o verdadeiro culpado.

1 V. romance histórico: I Promessi Sposi, de A. Manzoni. (N. do A.)

X. A FABRICAÇÃO DO TÉCNICO,

DO PRODUTO E DO CONSUMIDOR

É próprio do estado orgânico, para o qual a humanidade se

encaminha, a formação de problemas interdependentes, ligados

em cadeia. Aqui, apresentamos agora alguns deles, inerentes à

industrialização moderna, mostrando como se pode resolvê-los

de um modo mais lucrativo, quando se usa o sistema de retidão,

que nos é proposto pela Lei.

No passado, a produção era reduzida e o trabalho era um ar-

tesanato destinado a poucos consumidores. O estado primitivo

da técnica não permitia a grande organização industrial com

produção em série, que implica não só num suprimento de téc-

nicos aptos à execução daquele trabalho, mas também no for-

necimento de uma massa de consumidores preparados para ab-

sorver aquela produção. A indústria torna-se assim um fenôme-

no complexo, no qual, como rodas dentadas, devem-se engre-

nar, um exigindo a presença do outro, os elementos sucessivos

de um ciclo preestabelecido. O problema da fabricação do pro-

duto no estabelecimento industrial encontra-se espremido entre

dois fatores: a formação do técnico nas escolas, para fornecer o

trabalhador que produz, e a preparação do consumidor, para as-

segurar o mercado. Por sua vez, esses problemas se encaixam

em outros, mas examiná-los nos levaria longe demais. Limitar-

nos-emos, então, a observar os três problemas básicos: o do

técnico, o do produto e o do consumidor, aos quais correspon-

dem outros três: o da escola, o da indústria e o do comércio.

Comecemos pelo primeiro. Antigamente a instrução tinha

características diferentes da atual. Era reservada a poucos, diri-

gindo-se a uma elite que podia permitir-se tal luxo. Frequente-

mente, tinha somente a finalidade de formação cultural, para

embelezar com um título uma posição econômica privilegiada.

Tratando-se de pessoas que não tinham necessidade de traba-

lhar para viver e não sendo a instrução adquirida frequentemen-

te com essa finalidade, desejava-se estudar o menos possível

para receber o famoso pergaminho, como era chamado então o

diploma, do qual se dizia que não servia para nada na vida. O

estudante, portanto, não se preocupava, como o faz hoje, se o

mestre tinha ou não conhecimento do que ensinava.

Hoje, a instrução é sobretudo técnica, destinada não para en-

sinar a dissertar como um intelectual, mas sim para adquirir um

conhecimento que deverá depois ser aplicado em uma posição de

ganho e responsabilidade. Como se vê, pelas condições alteradas,

o problema do ensino hoje é apresentado de maneira diversa. Ele

não é mais do tipo acadêmico como era antes, mas sim prático,

positivo e realizador. Não constitui mais o monopólio de uns

poucos eleitos, bradando em nome de sua sapiência às massas

ignorantes, estupefatas ao ouvi-los. Estas se fizeram mais cultas e

inteligentes, mobilizando-se como um imenso material humano

que, antes abandonado a si mesmo, tornou-se agora produtivo

com o adestramento mental. É, portanto, de seu próprio interesse

aprender, e o indivíduo vai à escola para isto, motivo pelo qual

ele quer uma escola bem feita, para aprender, porque sabe que

disso dependem seus futuros ganhos e posição social.

Encontramo-nos hoje perante o fato de que a instrução não

só está dirigida para as massas, mas também serve, ao mesmo

tempo, como um meio para o indivíduo se tornar produtivo, tra-

zendo assim vantagem tanto individual e como coletiva. Isto se

deve ao desenvolvimento técnico, efeito do progresso científico.

Outro fator contribuinte é o novo impulso de laboriosidade, que

se compreende ser o único meio, porquanto intensifica a produ-

ção, para alcançar o bem-estar, ao qual quem trabalha sente ter

direito. Descobriu-se assim o método para nos tornarmos ricos.

Aqui pode surgir uma objeção. Sem dúvida, assim se eleva

o nível de vida. Mas consistirá nisso a finalidade da instrução,

ou será ela a formação espiritual? Com o método de mecaniza-

ção da instrução, não se arrisca a atentar contra a integridade da

20 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

personalidade humana, construindo um robô tecnicamente per-

feito no exercício de suas funções, mas desprovido da orienta-

ção ainda necessária em outros campos? Não se arrisca a dimi-

nuir a dignidade do homem, quando o tornamos apenas um téc-

nico especializado, para ser colocado na máquina da produção

industrial, como uma peça feita sob medida?

Pode-se responder que este tipo de instrução é útil para o

mecanismo da produção e, portanto, como esta a base do bem-

estar, deve ser aceito. Tal aceitação é válida, mas sem maiores

pretensões, admitindo-se que aquele sistema só se aplica no seu

respectivo setor e que, portanto, deve ser completado no que

diz respeito à formação da personalidade. Com aquele sistema,

não se pretende construir todo o homem, mas somente o técnico

perito em seu setor, para executar seu trabalho. Espera-se que

ele se complete, e a industrialização, ao invés de impedi-lo,

tende sempre mais a permiti-lo, como nos indicam a semana

inglesa, o trabalho cada vez mais executado pela máquina, os

meios técnicos de difusão do saber etc.

Há, depois, o fato de que uma instrução de massa não pode

ser realizada sem perder em altura o que ganha em extensão. O

desenvolvimento hodierno em sentido horizontal não pode ser

obtido senão renunciando-se ao desenvolvimento vertical, que

só uma elite de poucos pode atingir. Antigamente, o saber po-

dia ser profundo, mas era concentrado em uns poucos. Hoje ele

é mais superficial, mas difuso entre muitos. Trata-se de com-

pensações das quais não se pode fugir. A difusão da cultura é

paga com seu nivelamento.

Antigamente, os governos preferiam deixar os povos em es-

tado de ignorância, porque assim era mais fácil dominá-los. Ho-

je, a instrução torna-se um direito. As próprias indústrias come-

çam a construir escolas por sua conta, a fim de preparar seus

técnicos especializados para trabalharem em suas oficinas. As-

sistimos à democratização do ensino, ministrado com meios

técnicos que o multiplicam ao infinito. As “teaching machi-

nes”2 representam uma revolução nos métodos didáticos.

Assim, a instrução vem construir a parte introdutória da

vida, realizando o adestramento para o trabalho, do mais sim-

ples ao mais complexo. O período escolástico, então, torna-se

a primeira fase do trabalho do homem, como preparação para

outro, que virá depois, na fábrica. A instrução torna-se a fase

de construção do técnico e encaixa-se na engrenagem da or-

ganização industrial. Com isto, a grande produção em série

pode ser precedida e alimentada por uma produção paralela de

um grande número de trabalhadores preparados tecnicamente.

A escola começa a fazer parte, portanto, do moderno tecni-

cismo. Assim, a instrução se liga à produção, como fase pre-

paratória desta, e a indústria, porque é condicionada pela ins-

trução, faz dela um problema seu.

É certo que tudo isso é coerente perante o fim a que se pro-

põe a sociedade. Mas para onde nos poderá levar a lógica do

aproveitamento racional em busca de rendimento econômico?

Que perigos pode esconder essa industrialização da vida? O

método da linha de montagem, para produzir tantas unidades

por hora, adapta-se à estrutura espiritual do homem, ou pode

ser um suicídio para ele? O fim de grande parte da instrução

tende hoje a ser não a formação do indivíduo maduro e comple-

to, mas sim um investimento de capital. Calcula-se quanto custa

a instrução em relação ao rendimento que depois se pode obter

do indivíduo em quem ela foi aplicada. O problema não é mais

a construção espiritual do homem, mas sim o bem-estar. Che-

gando-se à abundância, que outros problemas poderão surgir?

◘ ◘ ◘

Compreendido o problema da formação do técnico que

produz, observemos o problema conexo da fabricação do pro-

duto. Quais são nas organizações industriais as relações entre

2 Máquinas de ensino. (N. da E.)

dirigentes e operários? Na realidade, trata-se da divisão de um

mesmo trabalho, com funções complementares, uma necessá-

ria à outra. Ora, cada atrito que houver é prejudicial a todos,

de modo que o método da colaboração representa aquele de

maior rendimento. É aí que se vê a lógica da aplicação do

princípio de retidão da Lei, em obediência aos princípios utili-

tários, segundo os quais funciona a vida.

Neste campo, podemos ver como a evolução muda a forma

das relações sociais. Antigamente, o rendimento do trabalho,

em vez de resultar na produção, era anulado pela fadiga da lu-

ta. À custa de uma menor produção, era necessário pagar o

dispêndio de energia utilizada para manter em pé a atividade

contraproducente da luta, equivalente ao fator que, na mecâni-

ca, chamamos de atrito, o qual funciona como resistência, ab-

sorvendo energia. Os dois elementos da relação trabalhista

eram o patrão e o servo. O primeiro dizia ao segundo: “Eu sou

o patrão, porque venci. Por isso deves me obedecer. A lei, a

verdade e a justiça são definidas pelo que eu quero, como me

agrada e como me serve”. O servo, de sua parte, reagia com a

resistência passiva, negando-se ao trabalho, que ficava então

reduzido a um rendimento mínimo. Grande parte da fadiga era

desperdiçada com esses atritos.

O novo método, para o qual a vida avança, consiste em ter

compreendido a utilidade que há para ambas as partes em evitar

essa dispersão. Os dois elementos da relação de trabalho avizi-

nham-se para usufruir das vantagens que advém da compreen-

são recíproca. O primeiro diz ao segundo: “Nós fazemos parte

do mesmo organismo. Portanto é nosso interesse colaborar,

eliminando a fadiga louca e estúpida da luta, que não é útil a

ninguém. Procuremos ser mais inteligentes, evitando-a. Eu, na

função de comando, faço uma parte do trabalho, a qual tu não

sabes fazer. Tu, na função de obediência, fazes a outra do

mesmo trabalho, a qual eu não posso fazer. Temos necessidade

um do outro, portanto convém a ambos a colaboração”.

O método de patrão e servo é uma concepção infantil, que

ainda sobrevive nos países subdesenvolvidos. Mas a evolução le-

va fatalmente ao outro sistema, que passa a ser praticado tão logo

a inteligência se desenvolve o suficiente para chegar a compre-

ender sua utilidade. Não é um problema de bondade ou amor,

mas sim de produtividade do próprio esforço de trabalho. Não se

trata de pregar ideais, mas de gozar uma vantagem e eliminar um

prejuízo. Pode-se calcular a perda de rendimento a que leva o li-

tígio. Nos países mais civilizados, os industriais mais inteligentes

antecipam espontaneamente aqueles melhoramentos que se im-

porão por si mesmos, dentro em pouco, e que terão inevitavel-

mente de ser concedidos. O cálculo deve ter-lhes demonstrado a

maior conveniência de escolher esse caminho, que elimina gre-

ves, sabotagens, debates e atividades similares, que são dispendi-

osas e dispersivas e devem ser pagas pelo industrial.

Tudo isso corresponde à lógica da evolução. Ela leva do

separatismo à unificação, do caos ao estado orgânico. Vemos

aqui, uma vez mais, aplicados pela vida, estes seus princípios,

os quais já ilustramos acima. A evolução aproxima os elemen-

tos que a involução mantinha afastados e inimigos, levando-

nos, assim, em direção a um rendimento sempre maior de nos-

so esforço, com a eliminação das dispersões. Dessa forma, as-

sistimos a um contínuo processo de restrição da negatividade e

de dilatação da positividade, o que significa um melhoramento

das condições de vida.

◘ ◘ ◘

Formando-se o técnico para produzir e depois se fabricando

o produto a ser consumido, é necessário estabelecer o consu-

midor para absorver a produção. Chegamos assim ao terceiro

termo conclusivo do ciclo: escola, indústria e comércio. Este

problema de vender o produto também pode ser resolvido de

duas formas: empregando o método da imposição, segundo o

baixo nível evolutivo do passado, feito de luta, ou utilizando o

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 21

método da compreensão e da colaboração, segundo o nível

evolutivo superior. Observemos agora, também na moderna

organização comercial, o maior rendimento que se pode alcan-

çar com o método da retidão, para constatar, assim, o valor

dessa qualidade mesmo neste campo.

Diz-se que a propaganda é a alma do negócio. No seu esta-

do genuíno, a propaganda deveria constituir-se na oferta de um

produto útil ao consumidor, dado que ele paga, e dirigir-se ho-

nestamente ao encontro dele, para satisfazê-lo. Em um regime

de retidão e colaboração, deveria ser esse o dever do produtor.

Em vez disso, no velho regime do tipo egoísta separatista, a fi-

nalidade é outra, constituindo-se em ser capaz de obter a maior

quantidade possível de dinheiro. O comprador é um material a

conquistar, de interesse do próprio produtor. O intercâmbio se

implanta sobre um regime de luta. O produto não é oferecido

no interesse do consumidor, mas sim no do produtor.

É natural então que ao egoísmo de um lado se contraponha

o egoísmo do outro lado, estabelecendo entre os dois um estado

de inimizade. O comprador, perante o produtor que finge servi-

lo, mas tem como única finalidade o lucro, reage com a descon-

fiança. Este estado de ânimo, por sua vez, interfere no comér-

cio. Reaparece assim o regime de atritos, que absorve parte do

rendimento, como já se viu nas outras fases do ciclo.

Quando a produção é abundante, o consumidor encontra sua

defesa no sistema de concorrência, que, levando à seleção do

melhor produtor, permite ao consumidor uma possibilidade de

escolha. A eliminação da negatividade daquele produtor que só

vê seu próprio lucro é, então, imposta à força, enquanto lhe cus-

taria menor dispêndio de energia um regime consciente e es-

pontâneo de positividade, devido ao seu maior rendimento. Es-

tamos em uma ordem de expedientes de caráter contraprodu-

cente para ambos os lados.

A propaganda segue estes impulsos. Ela deveria ser do tipo

informativo, a serviço de quem busca notícias dos produtos. Em

vez disso, ela é do tipo assaltante, para impor o produto, e isso

de uma forma que, nos centros urbanos, pode tornar-se obce-

cante. O público, sabendo que isso se faz no interesse do produ-

tor, defende-se, habituando-se a não assisti-las, para sentir o

menor aborrecimento possível. Eis que o resultado em parte é

negativo, tornando contraproducente a despesa da propaganda.

O resultado da propaganda invasiva é a formação de uma atitu-

de especial de rejeição automática, para se livrar de tal agressão

psicológica. Contra as tentativas de forçar uma ideia a penetrar

por sugestão no organismo mental, surge neste uma reação si-

milar à formação de anticorpos, com função defensiva. O qua-

dro propagandístico, exatamente por ser propaganda, é repelido

de forma automática pelo subconsciente, tão logo a mente se

apercebe dele. Apenas ele aparece, o efeito que produz é, sobre-

tudo, provocar uma cadeia de ideias, ligando propaganda a es-

torvo e aborrecimento, pelo que surge a rejeição. Assim a vida,

neste caso, arranja a legítima defesa.

Perguntamo-nos por que a vida, que é inteligente e utilitá-

ria, adota esse sistema tão contraproducente? Para que serve

isso? Será ele produtivo em outro sentido? Isso pode aconte-

cer, à medida que a vida dirige o fenômeno para outra estrada.

Então o intercâmbio comercial não serve como tal, mas sim

para tornar os compradores mais inteligentes, ensinando-lhes a

desconfiar e a não se deixar enganar. A sua fadiga também

produz seu rendimento, e este não se exaure aqui. De fato, o

comprador, tornando-se mais inteligente, pode, com a recusa

da mercadoria, obrigar o produtor a passar ao método da ho-

nestidade, o que constitui progresso e vantagem para todos.

Assim, também o produtor se torna mais inteligente, conse-

guindo, à sua própria custa, entender o maior rendimento do

sistema da retidão. Com este jogo, eliminam-se sempre mais

os prejuízos da negatividade da luta e se obtém sempre mais as

vantagens da positividade da colaboração.

Então se compreenderá que, no comércio, não se pode tirar

vantagem do prejuízo alheio, mas somente dano para si, enten-

dendo que o público não é um terreno a ser desfrutado. Com-

preender-se-á que um produto inferior, lançado com grande

rumor propagandístico, apesar de dar um rendimento imediato,

trará perda no futuro, de modo que, no fim das contas, as des-

pesas com essa propaganda serão dinheiro jogado fora. Méto-

dos falsos produzem resultados falsos. Eis que o sistema co-

mercial mais lucrativo, de fato, é tornar o produto bom e útil,

conquistando a confiança do consumidor para formar a cliente-

la, e não a fazendo fugir com a imposição do produto através de

uma propaganda desonesta. Em suma, também neste caso, o

sistema da retidão é o mais lucrativo.

O problema do consumidor pode ser visto também sob ou-

tro aspecto, colocado perante a moderna economia do consu-

mo. O progresso técnico levou hoje a uma produção intensiva

e mecanizada. A indústria organizada lança um rio de produ-

tos, num grande número de unidades por minuto. Sem dúvida,

trata-se de abundância, mas, com isso, o homem se tornou es-

cravo da máquina, que o liga a um ciclo intenso e obrigatório

de produção e de consumo. Tal ciclo não pode ser interrompi-

do, porque dele vivem milhares de operários. É necessário en-

tão achar o mercado para dar saída a tanta mercadoria. Uma

vez fabricado o produto, é necessário produzir o consumidor e

o seu hábito de consumo.

Disso nasce um regime de vida carregado da ânsia do reno-

vamento contínuo, com a obrigação de adquirir e consumir. En-

tão os produtos devem ser construídos para não durar. Chega-se

a criar necessidades artificiais, com a finalidade de satisfazê-

las, mesmo se inúteis à vida. Assim também o consumidor é

mecanizado, sendo reduzido a um consumidor submetido a co-

ações contínuas. Ele vê tudo envelhecer rapidamente em suas

mãos, porque os produtos mudam de tipo ou de modelo e, por

fim, têm de ser jogados fora, porque não se encontra mais peças

de reposição. Assim a máquina terminou por impor seu ritmo

de consumo, como tinha imposto o da produção. Alcança-se en-

tão uma riqueza apoiada na pobreza, porque não se pode possu-

ir senão uma quantidade de coisas impostas pela grande produ-

ção, sempre em curso de renovação. Com isso, forma-se tam-

bém um novo problema: encontrar um meio de se livrar do pro-

duto de refugo, que aumenta continuamente.

O remédio está em não se deixar dominar pela máquina,

não se submetendo ao seu ritmo; está em produzir e consumir

somente aquilo que tem serventia, simplificando a vida, ao in-

vés de complicá-la com uma infraestrutura custosa e inútil. É

necessário refrear a ilimitada voracidade consumista que se

levanta nos países mais ricos. Nestes, tende-se a um padrão de

vida sempre mais elevado. Mas é preciso compreender que is-

to não pode ser um fim em si mesmo, com um crescimento até

o infinito, mas somente um meio para realizar um desenvol-

vimento mais para o alto. Também neste caso devemos retor-

nar ao conceito de retidão.

◘ ◘ ◘

Concluamos então este argumento. Observamos neste capí-

tulo, em relação ao ciclo produtivo, os seus três elementos

componentes: escola-técnico, indústria-produto e comércio-

consumidor. Verificamos então que, quando eles funcionam se-

gundo a Lei, ou seja, conforme a positividade da retidão, temos

boa qualidade de sangue e de circulação, resultando num orga-

nismo social saudável. E vimos também que, quando os três

elementos funcionam de maneira anti-Lei, ou seja, contra a re-

tidão e negativamente, temos má qualidade de sangue e de cir-

culação, resultando num organismo social doente.

Neste segundo caso, isso acontece quando: 1) O trabalhador

não trabalha; 2) O produto é mal feito; 3) O consumidor não pa-

ga. Pode-se ter assim uma indústria que serve apenas de fachada

para esconder a vontade de furtar, buscando impingir um mau

22 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

produto ao consumidor, com a finalidade única de arrecadar di-

nheiro. Então temos o organismo daquela indústria doente de

um câncer que tende a matá-la. Este câncer é a desonestidade.

Isso nos faz ver que, mesmo neste campo, a Lei funciona, e

que, também nele, a positividade da retidão significa vida, assim

como a negatividade, que exclui a positividade, significa morte.

CONCLUSÃO

Resumindo, podemos concluir que a visão aqui apresenta-

da é otimista, mesmo revelando uma dura realidade. Seu oti-

mismo está no fato de nos mostrar que a salvação final está

assegurada, ainda que seja necessário ganhá-la com o próprio

esforço e frequentemente através da dor. A ideia base é de

evolução, de ascensão, de conquista da felicidade. O método

proposto para realizar tudo isso é um princípio de ordem: a re-

tidão. Por isso temos insistido em tal conceito e é neste senti-

do que acreditamos na vida de hoje, dando um passo à frente.

Antigamente, a retidão era somente uma questão moral, mas

hoje se tornou biológica. Ela é ligada ao fenômeno da evolu-

ção e aparece agora porque se passa a uma nova fase, na qual

se passa do nível evolutivo do passado a um superior. Este fa-

to está conexo com uma abertura da inteligência humana, sig-

nificando a adesão à realidade anteriormente não compreendi-

da, com um novo estilo de vida, em relação a novos pontos de

referência. A mudança já se iniciou e, para quem tem olhos de

ver, já se revela em seus primeiros movimentos. Vamos con-

cluir este volume observando em que consiste essa mudança.

Poderemos vê-la, assim, sob dois aspectos: como fenômeno

coletivo e como fenômeno individual.

Há períodos nos quais a evolução caminha tão lentamente,

que parece estática, chegando ao ponto de fazer crer na imobi-

lidade dos sistemas de vida. Nestes períodos, ela corre subter-

rânea e invisível, amadurecendo novas transformações. Mas,

uma vez cumprido esse trabalho preparatório, eis que seu resul-

tado explode e se manifesta. Esta é a hora da transposição, em

que se passa a um nível evolutivo mais alto. Esta passagem é de

intenso movimento e de mudanças radicais, tomando aspecto

revolucionário. O mundo se encontra hoje executando um des-

ses saltos à frente. Estamos então em um movimento de revolu-

ção. Tratemos de compreender o que está sucedendo.

A técnica das revoluções é conhecida, o que nos permite

analisar o desenvolvimento do fenômeno em cada uma de suas

fases. As revoluções nascem como uma reação contra o velho

regime, e a primeira coisa que elas se propõem a fazer é des-

truí-lo. É necessário, portanto, mobilizar a seção dos destruido-

res. Então o submundo da sociedade, até então amordaçado,

vem à tona para executar a devida função, segundo sua especia-

lização, que é destruir. Isso aconteceu na revolução francesa e

na russa, como é frequente nestes casos. As revoluções tendem

para o novo, e sua primeira operação é limpar o terreno.

Quais são esses elementos? São aqueles negativos, anár-

quicos, caóticos, rebeldes, assaltantes etc. Sua trajetória é

descendente. A vida chama, e eles respondem ao apelo, que

concorda com sua própria natureza negativa. Os elementos

positivos, que tem natureza de caráter construtivo, não res-

pondem a nenhum apelo destruidor. O resultado é que os pri-

meiros, os negativos, desejosos de se realizarem, seguindo sua

própria negatividade, executam exatamente a função destrui-

dora para a qual foram chamados.

Terminado esse trabalho, que é feito deles? Eles satisfize-

ram seu negativismo, alimentaram-no e aumentaram-no, tor-

nando-se ainda mais negativos, o que significa permanecer do-

minados pela negatividade. Então, completada a sua função,

eles são rejeitados pela vida, ou melhor, são liquidados por seu

próprio negativismo, que se volta contra eles. Este é de fato o

fim dos iniciadores das revoluções.

Ora, a fase atual é a de limpeza do terreno. E depois? Supe-

rada essa fase, a vida segue em frente. Sua finalidade é positiva

e, portanto, sempre construtiva. Então a vida mobiliza a seção

dos construtores, colocando em ação a onda dos elementos po-

sitivos, adaptados à construção. Isso não pode acontecer senão

em um segundo tempo, quando os destruidores, depois de lim-

par o terreno, já se afastaram. Hoje estamos na primeira fase,

mas a lógica do fenômeno nos indica qual será a sucessiva.

Não se iludam, portanto, os atuais destruidores. Terminada

a sua função, eles terão de ir embora. Sua natureza e sua ação

direcionam-se no sentido da descida, portanto não podem pro-

duzir senão frutos negativos, destrutivos para todos, inclusive

para eles. Como pode um câncer, mesmo vencendo, ter vida

longa? É assim que deverá passar a moda atual dos jovens con-

testadores. Eles se desafogam e se satisfazem, cumprindo sua

função, mas não compreendem que seu destino é a liquidação.

Contudo, se compreendessem, não executariam sua função.

Eles acorrem porque se sentem atraídos pela oportunidade,

que se lhes apresenta, de satisfazer os próprios instintos. Esta é

a sua hora. Mas há períodos nos quais a vida valoriza, prepara e

faz funcionar outro tipo de indivíduo, que antes não se podia

manifestar, devido aos obstáculos colocados pelas condições

que o mundo atravessa. Enquanto isso não ocorre, pode-se fa-

lar: “Não estão na moda”. E por que não estão na moda? Por-

que não servem. Mas quando servem, ficam na moda.

Assim a atual destruição está na moda hoje, porque serve

aos fins da vida. Mas ela passará e dará lugar a um trabalho di-

ferente, para o qual serão chamados indivíduos de outro tipo.

São as condições do ambiente que atraem ora um, ora outro. E

quais são essas condições no início das revoluções? São uma

repugnância dos abusos do velho regime e uma vontade decidi-

da de acabar com eles. Quando o sistema causa danos não mais

suportáveis e o ambiente está saturado, supera-se o limite da

paciência e explode a reação corretiva do erro, que reorienta pa-

ra o positivo a trajetória lançada em erro para o negativo.

Isto é o que está acontecendo hoje. A atual revolução repre-

senta a reação corretiva dos erros do passado. A posição de cada

momento da história é um anel de uma cadeia de momentos su-

cessivos, ligados em desenvolvimento lógico, em função das me-

tas que a vida quer alcançar. Cada salto avante é uma revolução.

Em um regime de superação contínua, isso é inevitável. Cada sis-

tema tem seus defeitos, e a evolução quer eliminá-los. Vivemos

constantemente perseguindo uma posição mais avançada.

Antigamente, a autoridade era representada por um homem

com um cetro, sentado em um trono. Hoje, esta figura deve ser

substituída por um homem que trabalha a serviço da coletivida-

de. É necessário retificar. Eis os contestadores globais contra

toda forma de autoridade. Não se trata, de fato, da costumeira

revolta de grupo ou partido em um determinado país. A revolu-

ção hoje é universal, acontecendo em todos os campos. Trata-se

de uma revolta de filhos contra pais, de estudantes contra pro-

fessores, de pobres contra ricos, de operários contra patrões, en-

fim de dependentes contra todo tipo de comando. Uma revolta

global contra os princípios do velho regime. Não é a usual re-

volta dos famintos, pois empolga também os filhos de boas fa-

mílias, aqueles a quem nunca falta nada.

Aqueles que choram por tudo isso se perguntam qual é a

causa remota? De quem é a culpa desta contestação? Se ela é

global, então constitui crise de sistema de vida. E se a contesta-

ção nasceu, é porque a velha geração, que agora se lamenta,

lançou as suas causas. Mas estas, por sua vez, são consequên-

cias de causas mais longínquas e dos erros de outras gerações,

que as precederam. Mas, então, de quem é a culpa?

Se o progresso é uma série de passos à frente, aquelas gera-

ções também deram o passo que as esperava naquele ponto e

momento, tendo realizado a sua parte da fadiga para percorrer a

estrada da evolução até aqui. O regime do passado não foi inven-

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 23

tado pelos nossos pais, mas é o produto de todas as gerações que

viveram sobre a Terra. Assim o novo regime, que, a seu tempo,

nossos pais também queriam, era uma revolução para seus ances-

trais, como o regime que agora querem os jovens é uma revolu-

ção para os conservadores de hoje. O princípio seguido pela vida

ao avançar é sempre o mesmo, ainda que, em tempos mais estáti-

cos como no passado, o impulso à frente e o esforço para realizá-

lo fossem menores. Os nossos velhos, agora conservadores, fo-

ram tão revolucionários como os jovens de hoje, e estes, por sua

vez, serão conservadores para os jovens de amanhã.

Qual será então a verdadeira razão pela qual os velhos de to-

dos os tempos reclamam contra os jovens? É certo que, ao longo

das gerações, as novas perturbem as velhas com suas inovações,

pois, no fundo, estas consistem na substituição dos velhos, que

conquistaram e ocupam e as posições mais elevadas, pelos jo-

vens. Assim os jovens são condenados como violadores da or-

dem. Trata-se de um problema de luta pela sobrevivência. Pro-

cura-se, então, justificar essa condenação com os métodos do

velho sistema, para que ela fique vestida com os mais nobres

princípios. Será isto hipocrisia? Mas os velhos também têm di-

reito de viver sem serem perturbados, portanto não se pode con-

dená-los, se eles, para se defenderem, são obrigados a recorrer à

hipocrisia, já que o seu direito não é reconhecido.

Então uma das inovações do novo regime poderia ser a sin-

ceridade e a clareza, seguindo, por isso, uma lógica mais inteli-

gente. E os velhos diriam aos jovens: “É justo e reconhecemos

o seu direito de renovar, mas este deve respeitar nos velhos o

direito de viver a sua vida. Vocês estão errados porque não res-

peitam esse direito”.

Concluindo este argumento, eis que a atual revolução, não

obstante o seu aspecto inicial destrutivo, é construtiva, consti-

tuindo um produto da positividade da vida. A revolução pressi-

ona, e os jovens atuais não são todos destruidores. Há também

os construtores, que ainda não estão atuando, porque a sua hora,

enquanto não estiver completa a destruição do passado, não po-

de chegar. Olhemos a trajetória do fenômeno. Ele aponta para o

alto. Hoje, os adultos e velhos continuam com os métodos de

seu tempo, procurando salvá-los e chorando pelo seu desapare-

cimento. Dos jovens, uma parte está pronta a destruir e a outra

parte espera para começar a obra de reconstrução.

◘ ◘ ◘

Já vimos a mudança atual em seu aspecto coletivo. Vamos

observá-la agora como fenômeno individual. Também neste

caso, encontramo-nos perante uma revolução, porque se trata

de passar a um método de vida dirigido por uma lógica diver-

sa da atual. Trata-se de uma mudança de base substancial,

que muda a técnica da defesa para a sobrevivência, como

consequência da mudança do método de vida. No passado,

como já dissemos, o método empregado era do tipo individu-

alista egocêntrico. O novo método será do tipo coletivista e

colaboracionista. Por conseguinte o sistema de defesa para a

sobrevivência não será mais a força e a astúcia, em que se

emprega uma técnica de assalto e usurpação, adaptada a um

regime de desordem, mas sim a retidão, cuja utilidade é mui-

to maior em um regime de ordem.

Muda, portanto, o modelo que a vida propõe como melhor.

O clássico tipo do assaltante forte torna-se simplesmente um

perigo social a ser isolado, enquanto o homem honesto torna-se

um elemento de ordem, bem aceito porque enquadrado e útil à

sociedade. No futuro, a vida será baseada num princípio sempre

mais altruísta coletivista e sempre menos egocêntrico separatis-

ta. Assumirá, portanto, extrema importância a sadia estrutura

moral do indivíduo, porque dela dependerá o seu comportamen-

to, que, conforme seja útil ou danoso para a sociedade da qual

ele faz parte, determinará a sua aceitação e o respectivo trata-

mento por parte dela. O valor do indivíduo não consistirá mais

em saber se impor para dominar, mas sim em saber coordenar-

se com os outros. E de fato, como já dissemos, a humanidade se

encaminha em direção ao estado orgânico unitário.

Acontece, então, que a seleção toma outra direção. Chegan-

do a outra fase, a evolução se propõe a construir no homem no-

vas qualidades, impulsionando-o para frente, neste novo senti-

do. Com isso, a base da aceitação do indivíduo pela coletivida-

de passa a ser a sua capacidade de se tornar uma célula do or-

ganismo social, condição para a qual são necessárias qualidades

benéficas (positivas), que o fazem útil, e não maléficas (negati-

vas), que o tornam prejudicial. Isso porque quem é positivo es-

palha positividade, melhorando tudo a seu redor, e quem é ne-

gativo espalha negatividade, piorando tudo ao seu redor. Eis

por que a retidão representa um princípio de valor fundamental

na nova civilização do Terceiro Milênio.

O fundamento da revolução consiste no fato de que a força e

a astúcia – as armas de ataque e defesa do passado para vencer na

vida – são substituídas pela retidão. Então o valor está na ordem,

e não na revolta egoísta; está em saber viver segundo a Lei, e não

contra ela. É lógico que a evolução avance dessa forma e que a

seleção, tão logo o ser maduro esteja, tenda a produzir tal biótipo.

A trajetória da vida está agora tomando esta nova direção.

Mudam assim as apreciações. O homem honesto não é mais um

tolo, pois se torna pioneiro do novo mundo da justiça, embora

seja um vencido no reino da prepotência. Ele não é mais um fra-

co a ser sobrepujado, como era no velho mundo, ainda involuí-

do, mas sim um forte, apto ao comando no novo mundo, já evo-

luído. É assim que o atual modo de viver deverá ser deixado de

lado no submundo da evolução, para ser substituído pelo método

da retidão. Dada a nova unidade de medida para fins coletivis-

tas, o que serve à vida não é a força, mas sim a positividade.

Em suma, poderemos defender nossa vida com métodos to-

talmente diversos daqueles do passado, com uma atuação mais

íntima e profunda, dirigindo as nossas ações no sentido positi-

vo e benéfico, em vez de negativo e maléfico. Trata-se de uma

estratégia mais poderosa, porque, sendo mais sutil, penetra e

age sobre as causas. De resto, é lógico que a lei de quem vive

como elemento componente de um organismo coletivo deva

ser diferente da lei do indivíduo que vive de interesses isola-

dos, limitados a si mesmo.

O problema da defesa se torna um problema de estrutura da

personalidade do indivíduo e de suas qualidades positivas ou

negativas. A nova arma não consistirá em adicionar ao organis-

mo físico instrumentos exteriores de luta, mas sim em enrique-

cê-lo interiormente de qualidades positivas. A vida é natural-

mente cheia de assaltos e perigos, e não é seu propósito criar pa-

ra si um ambiente imunizado. Ela quer construir o indivíduo ca-

paz, por si mesmo, de resistir, seguindo uma nova técnica defen-

siva. A solução não pode ser obtida com a esterilização artificial

do ambiente, mas apenas purificando, enriquecendo e fortale-

cendo o indivíduo com forças positivas, que repelem a negativi-

dade assaltante, ao contrário das negativas, que a atraem, abrin-

do-lhe as portas. Observemos agora como tudo isso funciona.

Vemos primeiramente que a vida, enquanto deixa à mercê

da reação corretiva da Lei o indivíduo negativo, ajuda o positi-

vo a subir. Porém, na realidade, não encontramos indivíduos to-

talmente negativos ou totalmente positivos. Acontece então que

tais indivíduos são atingidos pela reação corretiva da Lei em

suas zonas de negatividade, mas ajudados por ela nas de positi-

vidade. Isso corresponde ao sistema utilitário adotado pela vida

e à sua finalidade salvadora. Assim, não se desperdiça nada,

porque são estimulados a se desenvolver para o bem todos os

valores utilizáveis para essa finalidade.

Desse modo, o mesmo indivíduo, segundo suas diferentes

qualidades, pode encontrar-se submetido a tratamentos diferen-

tes, um de reação corretiva, para eliminar o que nele é negativi-

dade, e outro de auxílio protetor, para desenvolver o que nele é

positividade. De fato, somente no caso de trajetórias negativas,

24 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

é necessário o doloroso trabalho de sua correção, o que não

acontece para aquelas positivas. Assim a dor aparece apenas no

primeiro caso, enquanto, no segundo, acontece o contrário.

Então a Lei se manifesta de duas formas opostas: como pro-

va dolorosa no caso da negatividade, e de forma contrária no

caso oposto. Existindo no indivíduo as qualidades positivas da

retidão, vemos funcionar a ajuda amiga e encorajadora da Lei.

Eis de que modo e dentro de quais limites, a retidão (positivi-

dade) pode ter uma função de defesa.

Estes conceitos nos fazem compreender qual é o método pa-

ra ter sucesso na vida. Ele consiste em trabalhar no sentido da

corrente positiva da Lei, porque, neste caso, ela nos impulsiona-

rá (cf. Cap. V). De outro modo, se fizermos o contrário, colo-

cando-nos na corrente negativa, contra a Lei, ela nos dificultará.

Observemos agora a estrutura do fenômeno da técnica de-

fensiva. O homem é feito de um organismo físico ligado a um

organismo espiritual, governado pelas mesmas leis de saúde ou

doença. Para o organismo espiritual, a saúde resulta do fato de

ser ele constituído de forças positivas, assim como, para o or-

ganismo material, ela resulta do fato de ser ele constituído de

material são. Ora, o ataque se verifica em ambos os organis-

mos, seja ele sadio ou doente, porém somente no primeiro caso

o indivíduo resiste. Se o organismo físico é sadio, o micróbio

não se desenvolve, assim como, se o organismo espiritual é

constituído de forças positivas, as negativas não entram, sendo

a recíproca verdadeira, no caso contrário. Não se resolve o pro-

blema esterilizando o ambiente, mas sim fortificando o orga-

nismo. No caso do físico, se esterilizamos o ambiente, perde-

mos a capacidade de resistência e nos tornamos sempre mais

vulneráveis. O mesmo acontece com o organismo espiritual,

quando, para salvá-lo dos ataques, isolamo-nos do mundo.

Eis então que, neste novo regime, a arma de defesa da vida

consistirá na própria positividade. Isso porque sermos positi-

vos significa sermos sadios e fortes, portanto aptos para ven-

cer. Ao contrário, sermos negativos significa sermos doentes e

fracos, portanto destinados a perder. Assim vence-se ou per-

de-se em função das qualidades íntimas, tal como a vida nos

mostra na sua defesa contra o assalto das doenças. A defesa se

baseia sobre a saúde celular e na consequente potência de re-

sistência. Ninguém pensa em apanhar uma faca ou um revól-

ver para se defender de uma doença.

Com a positividade espiritual, mantendo nossa conduta e es-

trutura segundo a Lei, podemos defender-nos contra toda espé-

cie de males. A negatividade pode chegar ao ponto de nos ma-

tar, porque ela deixa que nos penetrem as forças negativas, das

quais o mundo está cheio. A sua tempestade investe e arrasta os

elementos negativos, enquanto não toca e vai-se embora, sem

molestar, no caso da personalidade positiva.

Acontece então que, quanto mais involuído é o ser, tanto

menos ele é purificado da negatividade, ressentindo-se, portanto,

dos assaltos, perigos e dores. Por outro lado, quanto mais evolu-

ído é o ser, tanto mais ele é saturado de positividade e, portanto,

defendido contra o mal. O papel da evolução é nos redimir da

negatividade, eliminando-a pouco a pouco, até transformá-la to-

da em positividade. O longo percurso evolutivo nos leva assim a

libertarmo-nos do mal e a conquistarmos o bem. Então, quanto

mais aperfeiçoado é o ser, tanto mais protegida é a sua vida.

É necessário compreender que, quanto mais nos chega o mal,

mais a causa está em nossa negatividade. Portanto é possível

eliminar ou impedir que isso aconteça, eliminando ou impedin-

do que se forme essa negatividade. Dela depende a nossa vulne-

rabilidade e, consequentemente, o fato de sermos atingidos. O

segredo do bem-estar está em ser constituído de forças positivas.

A superioridade do homem evoluído está em sua positividade.

Esta é sua arma para vencer na vida. Não se trata de abstrações

ideais ou dissertações moralistas, mas de um método cujas van-

tagens se pode experimentar, quando corretamente usado.

Mas o que, exatamente, significam positividade e negativida-

de? A primeira quer dizer retidão em todas as qualidades consti-

tuintes da personalidade, e a segunda significa o abuso ou mau

uso daquelas qualidades. Qualquer das forças ou impulsos com-

ponentes da personalidade podem ser dirigidos no sentido da Lei

ou em sentido anti-Lei, e isso para cada tipo de pensamento, mo-

tivação ou atividade. Assim, a condição de estar a favor ou contra

Lei corresponde ao conceito de virtude e pecado. Penitência é a

correção no sentido positivo de uma trajetória na direção negati-

va. Tal correção é necessária, porque um estado permanente de

negatividade constitui também um estado permanente de vulne-

rabilidade. Como se vê, trata-se de um conceito básico para a de-

fesa da vida. Daí a sua importância. Tudo isso corresponde ao tí-

tulo desta obra: Como Orientar a Própria Vida.

Eis que o conceito de retidão tem um conteúdo complexo,

que deve ser analisado qualidade por qualidade, fazendo-se a

anatomia de nosso organismo espiritual, impulso por impulso

do subconsciente, em relação ao comportamento do indivíduo

em todos os seus deveres, tanto no fazer como do não fazer. A

negatividade pode corromper qualquer ponto, que se torna en-

tão o calcanhar de Aquiles, vulnerável a todos os ataques.

Dante, no seu “Inferno”, estudou a ação específica para a

correção das trajetórias erradas, caso por caso, opondo a elas o

caminho reverso, para realizar a correção da posição negativa

ocasionada pela culpa. Cada pecado constitui um caso de nega-

tividade, que é eliminada pela reabsorção na positividade, con-

quistada por meio da dor. Por isso a dor é um instrumento de

redenção, constituindo o método utilizado pela Lei para fazer o

pecador compreender o seu erro, a fim de que ele não o repita.

Isso é necessário porque o indivíduo, pelo fato de estar na

posição negativa, não se apercebe disso, pois somente vê com

sua forma mental negativa, o que lhe impede uma correta visão

das coisas. Ele mesmo é o seu próprio ponto de referência. As-

sim, baseando-se na correspondente visão distorcida, acredita

estar com a verdade e ter direito a se satisfazer a seu modo, ne-

gativamente. Então, choca-se contra a Lei, provocando sua rea-

ção, cuja finalidade é eliminar a negatividade, operação na qual

está inserida a dor. Assim, quem é negativo fatalmente provoca,

por si mesmo, a reação corretiva da sua negatividade, de modo

que o processo de sua redenção funciona automaticamente.

Compreendido esse mecanismo, dentro do qual funciona a

vida do indivíduo, que conduta deverá ele ter para alcançar, com

o menor dano e maior vantagem possível, o caminho da evolução

redentora, para sua salvação, imposta pela vida? Dado que nin-

guém pode fugir a esse dever, porquanto é para seu próprio bem,

é natural que o indivíduo inteligente procure cumpri-lo pelo mo-

do mais conveniente e lucrativo. Isto é o que queremos explicar.

Trata-se de saber executar este trabalho, reduzindo ao mí-

nimo a dor e aumentando ao máximo a felicidade. A dor cum-

pre uma função importantíssima em nossa evolução. Ela é a

campainha de alarme para nos advertir onde está o erro, indi-

cando-nos assim a negatividade que é necessário corrigir. A

dor tem finalidade defensiva, sendo, portanto, salutar, porque

toda negatividade é uma ameaça contra a vida. Mesmo quan-

do nos faz sofrer, ela nos protege, e é para nos proteger que

nos faz sofrer. Se o fogo não chamuscasse, não seria evitado,

mesmo quando nos matasse.

Dessa forma, a vida consegue nos manter na ordem, fixando

os limites para o gozo que provém do uso das coisas. Quando

nos excedemos, acreditando que, aumentando a dose, obtere-

mos o aumento de prazer, encontramos, pelo contrário, a sua

diminuição, até que ele se torne sofrimento. Com isto, a vida

nos avisa do erro e, assim, nos força a corrigi-lo. Então a dor

representa um sistema defensivo que a vida usa para nos prote-

ger contra o mal, pelo qual somos prejudicados. Ela constitui

mais um aspecto da sabedoria e da bondade da vida, exatamen-

te lá onde parece mais difícil vê-las.

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 25

Este é o rendimento útil da dor. Mas de onde deriva a sen-

sação dolorosa? Que fato a produz? Ela decorre do fato de

constituir uma operação cirúrgica, pela qual se faz a necessária

correção de uma trajetória na direção errada, lançada por um

feixe de forças que não tencionam ceder a qualquer desvio. A

negatividade, lançada como tal, quer permanecer como é, con-

tinuando a se desenvolver, à semelhança de um câncer. A sua

diminuição ou eliminação é um ataque à sua vitalidade, que pa-

ra ela, ainda que negativa, significa andar em direção à morte.

A dor se origina da asfixia provocada pelo tipo errado de

vida. De fato, a negatividade busca o prazer no aumento de si

mesma, ou seja, do erro e do vício. Mas trata-se de uma vitali-

dade invertida, que leva à morte; de um prazer doentio, que le-

va à dor. Então a vida deve corrigir com a dor este prazer doen-

tio, para salvar o indivíduo, levando-o ao gozo verdadeiro, que

somente pode ser positivo, segundo a ordem da Lei. Eis como

os dois elementos do dualismo universal se entrelaçam em um

jogo de compensação.

Em vista disso, vejamos então como o indivíduo deve com-

portar-se dentro desse mecanismo, a fim de, tanto quanto possí-

vel, evitar a dor e obter felicidade. Eis como poderemos com-

portar-nos logicamente. O primeiro passo consiste em individu-

alizar, com um severo exame de autopsicanálise, os pontos de

negatividade da própria personalidade. Isso sem se deixar en-

ganar pelo astuto subconsciente, que procura escondê-los. Nes-

sa operação, é necessário procurar ver e julgar com a visão cor-

reta da positividade, e não com a distorcida da negatividade. In-

felizmente, fazer esse exame não é coisa fácil, porque pressu-

põe qualidades introspectivas e certa maturidade psicológica. É

assim que, frequentemente, o movimento de correção e salva-

mento não pode ter início. Então a vida, não podendo, por ima-

turidade do indivíduo, usar o método inteligente da compreen-

são, e também não podendo renunciar à salvação do ser, é obri-

gada a usar, com esta finalidade, o método duro da provação,

que, por esta a razão, tem sua existência justificada.

O segundo passo consiste em preparar-se para executar es-

pontaneamente a operação dolorosa da correção da trajetória

errada, sem esperar a intervenção forçosa por parte da Lei,

operação tanto mais dolorosa quanto mais forçosamente, de-

vido à rebeldia do indivíduo, tiver de ser imposta. Trata-se de

trabalhar de acordo com a Lei, secundando-lhe a ação correti-

va, em vez de resistir-lhe. É necessário compreender que a Lei

nos protege e que é de nosso interesse segui-la, sendo nosso

prejuízo resistir-lhe, porque, neste caso, ela nos constrange a

fazer à força aquilo que poderíamos fazer pacificamente, obe-

decendo-lhe. É necessário compreender que, se não a segui-

mos, arruinamo-nos. É justamente para não deixar isso acon-

tecer que ela nos constringe.

Nesse processo, uma mente negativa, exatamente por ser

deste tipo, pode ver maldade e vingança. Perguntamos, no en-

tanto, se é mau o cirurgião que nos opera para nos salvar, dan-

do-nos vida e saúde? É exatamente pelo fato de estar doente de

negatividade que o indivíduo não compreende a bondade da

ação e, por isso, resiste-lhe. Porém, sabendo que a operação é

necessária para salvar o doente, o cirurgião o amarra ao leito,

deixando-o gritar, e o opera à força, para salvá-lo. Se a Lei tem

que salvar o ser, mas este não quer se salvar, o que pode fazer

ela senão salvá-lo à força?

Com o sistema de compreensão do problema e espontânea

adesão à Lei, consegue-se o resultado de correção com muito

menos trabalho. O esforço evolutivo, assim, dá muito maior

rendimento. Então não somos mais penitentes encarcerados,

mas seres livres e conscientes, que colaboram com a Lei. Este

sistema de autodirigir-se com conhecimento, vivendo por si

mesmo uma vida planificada segundo a Lei, método pelo qual

se percorre com menos fadiga o caminho da evolução, será o

sistema inteligente que o homem evoluído do porvir seguirá.

SEGUNDA PARTE

ANÁLISE DE CASOS VERÍDICOS

INTRODUÇÃO – ORIENTAÇÃO

O presente volume confirma e desenvolve o precedente:

Como Orientar a Própria Vida. O objetivo de ambos é mostrar,

racionalmente, sem qualquer premissa gratuita, com base apenas

na lógica e nos fatos, a utilidade de se seguir uma conduta moral

reta. A novidade contida nestes livros, a qual poderá parecer re-

volucionária, está no fato de que eles nos mostram qual deve ser

o comportamento correto, baseando-se sobre um princípio dire-

tivo completamente diverso daquele vigente no passado.

Trata-se de uma transformação hoje em ação, de caráter não

superficial e formal, como geralmente costumava acontecer no

passado, mas substancial e de base, porque modifica o tipo bio-

lógico, de modo que cobre toda a personalidade humana. A mu-

dança é substancial porque não se verifica apoiando-se no mes-

mo nível evolutivo, mas transportando-se a um nível superior.

Este fato deriva de uma transformação da forma mental, isto

é, do instrumento psíquico pelo qual o homem concebe seu

mundo. É natural, então, que um ser evolutivamente mais ma-

duro possa viver aplicando princípios que, inicialmente, não era

capaz de conceber e que somente agora pode compreender e

seguir. Portanto a base do fenômeno ético que estudamos aqui é

positiva e biológica. Tal mudança é um fato que se está verifi-

cando e que não pode deixar de ser admitido por qualquer um

que tenha olhos para ver. Procuremos entendê-lo.

Inicialmente havia “a luta pela vida”. Deste ponto de par-

tida, que levava a uma necessidade de contatos, desenvolveu-

se, através de distinções e complicações progressivas, a técni-

ca das relações sociais. Originalmente, o modelo daquelas re-

lações era agressivo-defensivo, com base no tipo guerreiro.

Disso derivava que o valor individual era dado pela força. As-

sim, a ética do primitivo baseava-se no princípio da força,

sendo este tão fundamental, que ainda sobrevive até hoje.

Neste sistema, um direito não tem valor, se não se fizer valer

por uma força. De fato, somente hoje as massas adquiriram

direitos, porque aprenderam a se fazer valer pela força do nú-

mero e da inteligência organizadora.

Observemos o desenvolvimento do fenômeno. O mais forte

impunha respeito, uma vez que sabia realizar o difícil trabalho

de vencer tudo e todos. A vitória, então, autorizava-o a co-

mandar, pois ela, mesmo realizando-se naquele nível, repre-

sentava um valor. Naquele grau de evolução, isso também era

justo, porque o mais forte, sendo o mais apto para sobreviver,

representava o melhor e, portanto, tinha o direito de ser chefe,

arrastando os outros, de menor força e menos capazes, que por

isto mesmo deviam obedecer-lhe como escravos. É lógico, en-

tão, que o chefe fosse egoísta e comandasse apenas para si, po-

rém, mesmo nesta forma tão primitiva, ele já começava a fixar

o conceito de autoridade, do qual dependia a manutenção de

uma ordem necessária à convivência. Assim, embora à base do

desfrute do escravismo, começou-se a trabalhar para a constru-

ção do edifício social em todos os seus aspectos, até se atingir

a sua complexidade atual.

Deixando os pormenores, esta foi a estrada pela qual che-

gamos até ao presente. Hoje, porém, verificam-se fatos novos,

que levam a um ponto de ruptura do velho ponto de equilíbrio.

A organização coletiva está tomando proporções sempre mais

gigantescas. A ciência e a técnica colocaram nas mãos do ho-

mem meios complexos e poderosos demais para que possam

ser usados com a velha forma mental. Dessa forma, se não se

quiser terminar no caos e na destruição recíproca, é necessário

atingir um estado de consciência até agora desconhecido. Nes-

te momento não há outra escolha: ou compreender e aprender a

26 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

comportar-se, ou desorganizar-se e destruir-se. Para não che-

gar ao desastre, urge então compreender. O chefe não pode

mais ser do tipo antigo, que detém o poder como um conquis-

tador, para dominar seus dependentes. Aparece a necessidade

de um novo método de comando, de poder e de autoridade, não

mais para imposição do domínio por parte do mais forte, que

foi o vencedor, mas sim para o cumprimento de funções soci-

ais a serviço da coletividade. Eis porque, hoje, os velhos con-

ceitos vigentes no passado estão em crise e vão sendo rapida-

mente liquidados pelos jovens.

Tudo isso não nos autoriza a condenar o passado. Tal método,

em relação ao seu tempo, não foi um erro, mas sim uma fase ne-

cessária para o desenvolvimento, como o é a infância para o ho-

mem adulto. A seu tempo, aquele sistema funcionava bem, por-

que era proporcional ao estado infantil da humanidade. Hoje, po-

rém, em uma fase mais desenvolvida, não é possível mais ser as-

sim, e não há conservadorismo que possa fazer valer aquilo que

não tem mais serventia para a vida. É inútil chorar e resistir. Isto

é o que fatalmente deve acontecer e que já está acontecendo.

Consideremos como funciona a vida. Com relação à evolu-

ção, frequentemente o homem se satisfaz e se limita apenas a

pensar e falar, em vez de agir. A vida, ao contrário, não se ex-

pressa com palavras, mas sim com fatos. Seu pensamento está

escondido, e não podemos vê-lo senão quando este se manifesta

pela ação. A vida não faz a teoria da revolução, ela faz a revolu-

ção. A vida não fala de mudanças, ela as realiza. Para suprimir a

ideia, ela suprime a pessoa que a sustém, e assim por diante. Ho-

je, quando a vida se move sobre este caminho de realizações, ela

está decidida a levá-las a cabo sem dar explicações. Seu pensa-

mento, se o quisermos ver, encontrá-lo-emos escrito nos fatos.

Confrontemos agora a velha fase evolutiva com a nova, para

vermos em que consiste a passagem de uma para outra. Antes

de tudo, podemos dizer que não existe oposição real entre a ve-

lha situação e a nova. A vida, em sua evolução, não toma hoje

uma direção diversa daquela do passado, apenas mudou a ma-

neira de proceder, tornando-se diferente. A estrada que a vida

percorre é uma só, mas agora atingiu um ponto em que se apre-

senta mais ampla, diversamente situada, aberta em direção a

outros horizontes. Na atual revolução, não acontece senão uma

passagem para uma zona mais avançada.

Como era feito o velho sistema diretor da conduta humana?

Ele havia tomado as duas formas que a vida possui: a do macho,

através da força, e a da fêmea, através da astúcia. No sistema de

luta do mundo animal, encontramos o germe deste fenômeno.

Surge assim o poder civil e o religioso, ambos presentes desde o

início da humanidade. Mas, como já dissemos, um direito não

tem valor, se não se fizer valer por uma força, portanto, se um

poder não está armado para impor-se, não tem valor. Eis porque

cada um dos dois devia possuir uma arma. Qual era ela?

Conforme dissemos acima, os vencedores submetiam e es-

cravizavam os povos, criando e mantendo assim a ordem sob

seu domínio. As relações sociais eram, portanto, do tipo amo-

servo. O rei era o chefe, que comandava todos. Este era o mode-

lo macho de domínio, baseado na força. Mas a vida oferecia

também outro modelo, aquele do tipo feminino, baseado na as-

túcia, que já cumpria sua função, porquanto representava os

primeiros degraus do desenvolvimento da inteligência. Formou-

se assim, em nome do invisível, do mistério e do além, outro ti-

po de chefe, que criava e mantinha a ordem sob seu domínio.

A princípio, as duas funções podiam estar unidas na mesma

pessoa, de modo que o feiticeiro era um chefe e o rei era um

deus. Mas, em cada caso, suas relações com as massas eram do

tipo amo-servo, por que aquele era o único modelo que conhe-

ciam. Foi assim que este, encontrando-se já existente e pronto

para o uso, foi facilmente transplantado para o campo espiritu-

al. Ora, tal poder também tinha necessidade de uma força para

se manter, a qual ele encontrou neste outro campo, conseguindo

assim, frequentemente, sobrepor-se naquele terreno. Como a

Terra tinha seus reis, imaginou-se um rei dos reis, que fosse su-

perior a eles e, espiritualmente, mais elevado. Assim a autori-

dade espiritual enalteceu os reis e dominou os povos, fazendo-

se representante de Deus e governando em seu nome.

Eis o velho sistema. Naturalmente, este segundo poder tam-

bém tinha suas armas, que eram somente do tipo psicológico e

serviram bem por milênios. Hoje, porém, a mudança da forma

mental modifica tudo. A potência daquelas armas baseava-se

em ameaças incontroláveis e no medo que estas incutiam. Elas

necessitavam da sugestionabilidade das massas e, portanto, de

sua fé, que desmorona tão logo o espírito crítico se desenvolva

e permita, assim, ver as coisas mais profundamente, com outros

olhos. As novas gerações não conseguem nem ao menos con-

ceber como possa existir e ser feito o inferno!

Mas o que desmorona? Na realidade, cai somente o velho

modo de pensar e de fazer as coisas, porque permanece invari-

ável o mesmo ponto supremo a ser atingido pela evolução. É

assim que, se hoje tanto se fala da “morte de Deus”, isso signi-

fica tão-somente a morte do velho conceito comum de Deus,

para atingir outro tipo, de mais alto valor. Trata-se de um Deus

visto de uma posição evolutiva mais avançada, ainda maior e

mais belo. É a evolução que nos está construindo os novos

olhos para vê-Lo. Então não se trata apenas da morte de um

método superado, para continuar a fazer, de outro modo, a

mesma coisa e com o mesmo fim, mas sim do nascimento de

um sistema mais adequado, porque responde melhor às trans-

formações realizadas nos tempos novos.

É para se adequar a esta necessidade que abandonamos nes-

te livro a velha forma mental e, embora visando o mesmo fim,

usamos outra, melhor compreendida hoje pelos jovens, a qual

serve para avançar ainda mais em direção aos mesmos nobres

ideais buscados no passado. Por isso não nos servimos da su-

gestionabilidade, medo, credulidade etc., meios adaptados ao

subdesenvolvimento, mas preferimos o método da lógica, da

razão, da compreensão e do conhecimento, que nos avizinha do

mesmo Deus das religiões, levando-nos a entender a beleza da

finalidade e a lógica do Seu trabalho. Falar a linguagem do pas-

sado torna-se, a cada momento, sempre mais anacrônico. É inú-

til resistir à corrente da vida, que avança. Por isso procuramos

segui-la, seguros de que ela, também sob esta nova forma, ex-

pressa o pensamento de Deus, assim como a Sua vontade.

Trata-se de modificações biológicas fundamentais, de natu-

reza evolutiva, que dizem respeito a uma crise não apenas de

religião, mas de diretrizes éticas universais. É por isto que nes-

te livro apresentamos um modelo biológico e um tipo de vida

diferentes daqueles seguidos no passado, demonstrando que o

homem reto e justo vale mais do que o homem forte e vence-

dor. Como se vê, a substância da velha moral não desaparece,

mas adquire bases sólidas, de tipo científico. Apela-se para a

inteligência, que sabe compreender, e não para a obediência e

a passividade do ignorante. Utilizam-se as qualidades do ho-

mem novo, não mais entendido como um súdito a ser domina-

do, mas como um interlocutor, com o qual se deve dialogar,

deixando-o livre em sua consciência, mas convencendo-o,

porque hoje, além de haver argumentos para convencê-lo, ele

tem capacidade para ser convencido. Explicamos que a vida –

exceto para os subdesenvolvidos, incapazes de compreendê-la

– não se baseia na força, mas sim sobre o mérito, que é, segun-

do a justiça, direito perante a lei de Deus.

Trata-se de um direito sagrado, não só garantido por Deus,

mas também reconhecido pelo homem novo, que adquire neste

nível consciência do bem e do mal, compreendendo seus deve-

res e direitos. Finalmente, o conceito de bem e de valores posi-

tivos destaca-se daquele do mais forte – no qual se tem o direito

a qualquer abuso – para se tornar princípio de retidão e de justi-

ça, baseado sobre a realidade do funcionamento das leis da vi-

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 27

da, deixando de ser apenas uma afirmação teórica. É para apoi-

ar nossas afirmações em bases positivas, que nos baseamos

aqui sobre a observação objetiva do modo pelo qual a lei de

Deus age naqueles pontos passíveis de controle.

Estes são os objetivos do presente livro. Tratemos de com-

preender-lhe todo o significado. Quis ele nascer em um mo-

mento histórico gravíssimo, de cuja importância poucos se dão

conta. Mas o fenômeno já está funcionando, e nós estamos den-

tro dele. Portanto não é mais hora de discutir se a revolução

existe ou não, mas de observar como ela está se desenvolvendo.

Ocorre hoje um fato novo na história. Trata-se da queda do

princípio religioso, e não apenas de uma religião. Tal conflito

já surgiu em outros tempos, mas em torno dos mesmos concei-

tos básicos, pelos quais as duas partes continuavam a se enten-

der, porque a sua linguagem permanecia a mesma. Hoje a dife-

rença no modo de pensar é tão grande, que as duas partes não

se entendem mais, pois foi mudado o pensamento e a lingua-

gem que o expressa. O novo simplesmente suprime o velho,

porque não mais o toma em consideração. Então se procede

dessa forma, até se chegar ao ponto de uma dessacralização e

de uma desmistificação global, que fazem desaparecer os ve-

lhos conceitos, postos fora de uso. Isso é alarmante, porque,

sendo o problema ético monopólio das religiões, vêm a faltar,

com a queda destas, as diretivas da conduta humana, o que le-

va à anarquia, mal social gravíssimo.

Vemos cair assim todo o instrumental dos velhos expedien-

tes psicológicos coativos, necessários para induzir o homem a

se comportar bem, e não se sabe com o que substituí-los, para

não terminar no caos. Não se pode impedir que eles caiam, por-

que não mais aprisionam a mente moderna, saída da menorida-

de. Aumenta a sensação de vácuo diante de nós, apavorante

porque perigosa. É inútil insistir com o velho sistema. A orien-

tação moral deve agora ser conseguida por outro caminho e

funcionar com métodos diferentes daqueles do passado, que

eram ótimos e funcionavam bem para o homem da época, mas

não servem para o homem moderno.

Para compreender o significado deste livro, devemos com-

preender o significado da atual revolução espiritual, porque foi

em função dela que nasceu o presente volume. Não se trata de

uma cisão de doutrina, mas de um fenômeno da evolução, por-

que se tende não a formar um novo grupo dissidente ao lado do

velho, permanecendo no mesmo nível, mas sim a deslocar todo

o grupo para outro nível. Na verdade, hoje o antagonismo é en-

tre progressistas e conservadores, ocorrendo dentro de todas as

doutrinas. A dissensão não acontece entre dois partidos desti-

nados a sobreviver, fixando a cisão, mas em todos os campos,

entre a parte que deseja avançar e a parte que, desejando manter

sua posição, será automaticamente liquidada por velhice.

Trata-se de um fenômeno evolutivo, e podemos dizer que

ele consiste em uma superação para avizinhar-se sempre mais

de Deus. Neste caso, não temos uma cisão em partes, mas um

salto avante, o que significa uma continuação no caminho da

evolução. O caminho não é no sentido de destruir o velho,

mas sim de construir o novo. A destruição do velho é apenas

um fato implícito na construção do novo e necessário para a

realização deste.

Basicamente, como já dissemos, trata-se de um fenômeno

de evolução, sadio e vital, segundo a lei de Deus. Por isso o

seu esquema é diverso daquele dos cismas do passado, que re-

presentavam uma moléstia do grupo e produziam seu debilita-

mento. Naquelas dissidências, a mudança se dava no sentido

horizontal, ficando na superfície e levando à divisão. No caso

atual, a mudança é evolutiva, dando-se no sentido vertical as-

cendente (entre o passado e o futuro), com tendência para uni-

ficar-se em um plano mais alto. A tônica é diversa. Hoje não se

trata de conquistar espaço vital com proselitismo, mas sim de

transformar-se por evolução.

O fenômeno já está se realizando. A vida se lançou nesta

direção, e isso, para o homem, significa ter de cumprir um

imenso trabalho de construção. Se a velha ética cai, é preciso

encontrar uma nova, porque uma ordem é necessária. A busca

de um novo caminho que garanta a manutenção da disciplina

faz-se urgente, porque, com o crescimento do poder humano,

podem-se cometer erros proporcionalmente maiores, tanto que

hoje se pode chegar a desastres sem precedentes. As regras de

orientação mudam, quando a gente, em vez de uma carroça,

dirige um automóvel em alta velocidade. Antigamente, éra-

mos protegidos pelas limitações impostas por nossa ignorân-

cia, que não permitia pôr as mãos sobre as grandes forças da

vida. Pensemos, porém, quão diferente mentalidade é necessá-

ria hoje para dirigir-se, quando basta apertar um botão para

que estoure uma guerra atômica capaz de destruir a humani-

dade. E o aumento de tal potência humana, atualmente, ocorre

e difunde-se com um crescimento impressionante e irresistí-

vel, de modo que o perigo de arruinar-se por inconsciência

torna-se sempre maior. Pode a ciência, então, tornar-se loucu-

ra? Devemos sustar seu progresso? Não. Devemos somente

desenvolver, paralelamente, uma consciência ética para saber

fazer bom uso daquele progresso.

Antigamente, em um regime de inconsciência e de irrespon-

sabilidade, era possível sobreviver brincando impunemente,

tomando-se algumas liberdades que só uma ética aproximativa,

simplista, formal, preceituada, com base mística e emotiva po-

dia permitir. Hoje a ciência, mostrando-nos que tudo é regido

por leis exatas, acordou-nos de um sonho e colocou-nos perante

uma dura e complexa realidade, que não perdoa. Pagam-se to-

dos os erros com justiça, e paga-se tudo com exatidão matemá-

tica, fatalmente, sem possibilidade de fuga, não havendo aquela

elasticidade de soluções que o problema elementar, formulado a

grosso modo, permite.

Pelo contrário, com o progresso, os problemas se fazem cada

vez mais numerosos e difíceis. Não é mais válido o velho méto-

do de legar a sabedoria dos avós de pai para filho. Não cremos

mais nas fábulas infantis, que outrora nos mantinham encanta-

dos. Na falta de outras diretrizes, há quem as peça ainda às ve-

lhas mitologias religiosas, como a criança que busca refúgio en-

tre as saias da mamãe. Mas ela está envelhecida e não pode mais

ajudar, mesmo porque nos tornamos muito grandes para que ela

o possa fazer. Desejaríamos continuar a brincar e a sonhar, mas

estamos crescidos, e uma vastidão ilimitada, inexplorada e eri-

çada de problemas novos, todos a serem resolvidos, assalta-nos

de golpe a visão. Saberemos construir-nos espiritualmente à al-

tura necessária para cumprir este imenso trabalho?

Esta é a angústia do homem atual. E nós a tornamos nossa

neste livro, colocando-nos frente àquela dura realidade, para

procurar cumprir uma primeira tentativa de orientação séria,

com razões visíveis, assumindo como base sólida as leis da vi-

da. Temos consciência de que nos encontramos na hora crítica

da passagem de uma era para outra. Devemos então sentir e as-

sumir a responsabilidade que os novos tempos, cada dia mais,

impõem a cada um e a todos.

I. DIÁLOGO COM AS LEIS DA VIDA

Observando o mundo que nos circunda, é fácil constatar que

não há fenômeno cujo desenvolvimento não seja dirigido por

uma lei própria, como um trilho já feito, sobre o qual ele cami-

nha. Este caminho não se traça ao acaso, mas é orientado em

direção a uma dada finalidade, seguindo uma técnica de desen-

volvimento que constitui a lei do fenômeno. Tudo isto é mais

evidente no plano físico e dinâmico, domínio da ciência. Assim

os fenômenos se movem em um regime de planificação prees-

tabelecida, que os enquadra dentro de uma ordem, necessária

para que não se desmorone tudo no caos.

28 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

Ora, a lógica dessa estrutura orgânica nos faz supor que, ao

mesmo regime de ordem, estejam sujeitos também os fenôme-

nos que se processam no plano mental e moral. Tanto mais que

eles são de natureza biologicamente mais evoluída do que a

dos fenômenos da matéria e da energia, sendo mais importan-

tes do que estes, por dizerem respeito à diretriz de nossa con-

duta e, portanto, à nossa evolução. E, neste caso, trata-se do

elemento humano, que é mais avançado na escala evolutiva.

Seria um absurdo, constituindo frontal contradição com tudo

aquilo que a ciência nos mostra acontecer nos campos de seu

domínio, se a mesma coisa não acontecesse também na zona

do ápice da vida, situada à frente na evolução, no ponto de sua

mais intensa atividade de conquista. A razão nos diz que, além

do universo da matéria e da energia, deve haver também um

universo do espírito, constituído pelos imponderáveis valores

morais e ideais, com base numa outra ordem de fenômenos,

regulados, como acontece com todos os outros, por leis que

lhes disciplinam o funcionamento.

Até aqui estamos no terreno da lógica, identificando um

campo que, segundo o raciocínio nos indica, deve existir. Ora,

esta premissa nos autoriza a admitir, como hipótese de trabalho,

a existência de leis que regulam tais fenômenos, permitindo nos

lançarmos à pesquisa delas, para conhecer a técnica de seu fun-

cionamento. Isto é o que neste livro nos propomos fazer. Po-

nhamo-nos então num terreno prático, positivo, analítico e ex-

perimental. Já realizamos o início desta pesquisa e, aqui, ofere-

cemos seus primeiros resultados, para que possam ser utilizados

e também desenvolvidos posteriormente, após esta fase inicial.

Não procuraremos persuadir o leitor com dissertações teóri-

cas, mas colocaremos sob seus olhos, sobretudo os fatos e os

resultados da análise dos mesmos. Se o leitor quiser, poderá ele

mesmo repetir a experiência, com outros fatos tomados para

exame, para controlar a validade das conclusões tiradas de nos-

so trabalho. A nova pesquisa é possível e pode tornar-se tanto

mais profunda, quanto mais longamente ela for executada. Nós,

aqui, estamos apenas debruçados sobre os umbrais de um novo

mundo, do qual só nos aparece uma primeira revelação. Basta

isto, porém, para nos fazer pressentir que a estrada a percorrer

neste sentido é longa e vai muito mais longe. Não porque po-

semos de descobridores, mas porque há fatos que provam a pre-

sença de leis neste campo, podendo ser verificados por todos,

em todos lugares e a todo o momento, sempre prontos a revelar

a qualquer um que os observe como é regulado seu funciona-

mento. Tais fatos, nos quais se manifestam aquelas leis, já

acontecem em todos os lugares, de modo que a descoberta deles

pode ser feita por qualquer um.

Conhecer estas leis para depois se adequar a elas significa

possuir a arte da conduta certa e, portanto, poder gozar de todas

as vantagens decorrentes dela, evitando todos os danos que de-

rivam, como consequência fatal, de qualquer erro cometido

contra aquelas leis. Estamos fazendo um discurso utilitário, co-

erente com a realidade da vida, que é utilitária, e o fazemos

num momento em que o homem passa da fase infantil à de

adulto, razão pela qual ele é capaz de compreendê-lo.

A vida parece ter aberto um concurso entre aqueles que pro-

curam oferecer-lhe a ideia da qual ela precisa hoje para cumprir

a tarefa de reconstrução, necessária depois da atual tarefa de

destruição. É evidente que, presentemente, vive-se em um ritmo

de transformismo evolutivo acelerado em todos os campos.

Procuramos então formular e oferecer uma nova ideia, conven-

cidos de que a vida, atualmente, vai aceitá-la, porquanto esta

serve aos seus desígnios.

A vida sabe o que faz. Quem observa seu funcionamento,

desde suas primeiras tentativas elementares e formas menos

evoluídas até suas construções mais complexas e evoluídas, não

pode deixar de encontrar nela uma inteligência superior. Ainda

que contenha males e imperfeições, a vida sempre vence e avan-

ça. Se ela, além de suas formas, é constituída também de uma

inteligente diretriz de funcionamento, é inegável, então, que de-

ve ser possível comunicar-se com essa inteligência, para se

compreender qual é o seu pensamento e a sua vontade. Ora, co-

municar-se significa estabelecer um diálogo no qual se propõe

questões e se obtêm respostas. Isto é exatamente o que procura-

mos fazer, baseando-nos na lógica indicada, dado que esta era a

estrutura do fenômeno, onde o diálogo deveria ser possível.

Chegando a este ponto, trata-se de resolver o problema de

como conseguir estabelecer esse diálogo. É certo que a vida

pensa. E vemos seus efeitos, que nos revelam uma extraordiná-

ria sabedoria. Mas a vida não formula seu pensamento com pa-

lavras, como nós o fazemos. Ela não fala, simplesmente age.

Sua linguagem é concreta, manifestando-se materializada nos

fatos. Então, para entender tal linguagem, é necessário observar

os fatos. Trata-se de descobrir neles aquele pensamento subter-

râneo, que se esconde sepulto no íntimo da realidade. Mas, se

ele foge a nosso exame, como apreendê-lo então?

Há momentos, como o atual, de trabalho febril por parte

das forças da vida. São momentos de revolução, de realizações

urgentes, de explosões decisivas, nos quais a pressa e o ímpeto

das realizações fazem que se rasgue o véu atrás do qual a vida

se protege, como costuma fazê-lo, nos pontos mais nevrálgicos

e preciosos de sua organização, principalmente no tocante à

sua direção. Na série de fatos que exporemos, anotamos exa-

tamente os casos e momentos mais evidentes, nos quais nossa

análise pôde colher, mais a descoberto, o pensamento da vida.

Esperamo-lo no caminho, o que possibilitou ver assim a sua

técnica funcional, observando a estrutura e o conteúdo das leis

que regem o seu funcionamento.

No seu plano teórico, este trabalho já foi por nós realizado

em outros livros. Eis aqui estas leis, que, depois de tê-las visto e

mostrado, colocamos a nu, deixando a palavra com elas. Neste

livro, em vez de expormos as ideias, deixaremos que o leitor es-

cute nos fatos aquilo que a vida diz, para ver com seus próprios

olhos qual é o pensamento dela, observando o seu comporta-

mento em determinados casos. Assim, este livro, em vez de uma

dissertação genérica sobre as leis da vida, deseja ser vivo e cons-

tituir um trabalho de aplicação em detalhes, apoiado sobre uma

série de casos típicos, tomados para exame. Isso porque o nosso

objetivo não é dissertar, mas sim mostrar, no plano prático,

quais os danos que nos ameaçam, quando violamos estas leis, e

quais as vantagens que podemos gozar, quando as seguimos.

Como se pode esperar que de premissas negativas derivem

resultados positivos? É preciso aprender a se comportar, esco-

lhendo a solução justa para os nossos problemas. Se colocarmos

uma premissa positiva, podemos contar com tais leis, porque

elas “devem” levar-nos a resultados positivos. Em suma, trata-se

de conquistar uma consciência da vida e um senso de responsa-

bilidade novos, como consequência de um conhecimento anteri-

ormente não possuído. Trata-se de passar do estado de incerteza

do primitivo imprevidente a um novo modo de viver, regido por

uma planificação inteligente, para possuir, em vez de uma vida

incerta e perigosa, uma vida garantida e protegida. No entanto,

para atingir tal planificação e gozar as suas vantagens, é indis-

pensável conhecer e, portanto, seguir as leis da vida. Sem isto,

bate-se a cada passo a cabeça contra estas leis, que reagem a ca-

da violação, comportando-se conosco do modo como nos com-

portamos com elas. É, portanto, de supremo interesse conhecê-

las, tanto para evitar danos como para ganhar vantagens.

Se, em outros livros, tratamos dos problemas espirituais

com sentido de fuga do mundo, agora, para acompanhar o es-

forço da vida no momento atual, estamos seguindo a orientação

positiva prevalecente, à qual adere a nova cultura da tecnologia

contemporânea. Justamente por visarmos resultados reais é que

deixamos falar a vida com sua linguagem de fatos, controlá-

veis por todos, para concluir com uma ética racional e científica,

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 29

universal como a ciência e, assim, independente de posições fi-

deísticas. Mais do que de elucubrações filosóficas, hoje há ne-

cessidade de um conhecimento capaz de resolver favoravel-

mente os problemas, dando uma resposta adequada à questão, a

fim de se obter um guia prático sobre como se comportar, para

evitar o próprio dano.

II. A NOVA ÉTICA

Antes de examinar a casuística, devemos orientar este traba-

lho, reassumindo vários conceitos já desenvolvidos, que o leitor

necessita ter em mente. A nossa vida é composta de uma série

de atos que podemos observar em sua origem, desenvolvimento

e conclusão. Eles se unem entre si ao longo da linha causa-

efeito, constituindo ciclos cada vez maiores, até formarem o ci-

clo de desenvolvimento de uma vida e comporem, todos juntos,

o ciclo máximo da ascensão evolutiva. Em cada caso, o movi-

mento começa com o lançamento de uma trajetória e é constitu-

ído pelo percurso estabelecido, que se desenvolve como um ar-

co, subindo em uma dada direção e, depois, descendo até um

ponto no qual, exaurindo-se, aquele movimento se conclui, ini-

ciando-se outro. O que estabelece o percurso da trajetória e o

seu ponto de chegada é a natureza das forças lançadas na parti-

da. Sabendo escolhê-las e colocá-las em movimento, podemos

estabelecer, nós mesmos, qual será o seu desenvolvimento e a

sua conclusão. Portanto tudo depende de nós, que podemos as-

sim atingir os resultados desejados. Isso significa que é possível

sermos donos do êxito de nossas ações bem como do nosso des-

tino, que as envolve, se soubermos cumprir o trabalho do lan-

çamento correto de sua trajetória ou corrigir-lhe o percurso,

quando esse resulta em erro.

Ora, se o percurso da trajetória e seu ponto de chegada de-

pendem da natureza das forças lançadas, esta natureza depende

por sua vez da estrutura de nossa personalidade, cujos compo-

nentes são aquelas forças. Se esta estrutura é a causa de nosso

futuro, ela é, por sua vez, a consequência de nosso passado, pe-

ríodo no qual a construímos do modo como é no presente. Na

sua fase de percurso, o feixe de forças constituintes da persona-

lidade pode sofrer deslocamentos de sua órbita por atração de

forças afins, de modo que as boas se somam também às forças

boas do indivíduo, reforçando a positividade dele, e as más fa-

zem o mesmo às negativas, reforçando a negatividade dele. O

indivíduo, portanto, pode não só modificar sua trajetória, enca-

minhando-se em uma direção ou outra, mas também, com isso,

melhorar ou piorar a sua posição.

Também aqui, segundo o dualismo universal, o campo é di-

vidido em duas partes: uma positiva e outra negativa, que são o

bem e o mal, ou seja, aquilo que é útil ao indivíduo e aquilo que

o prejudica. Eis que a ética, pelo fato de querer o nosso bem,

exige uma conduta do tipo positivo, pois a positividade na ação

conclui a nosso favor, enquanto a negatividade resulta em nos-

so dano. Disso deriva a importância da retidão, pois a conclu-

são é que ela coincide com o sucesso do indivíduo, enquanto a

desonestidade coincide com o fracasso dele. Consequentemen-

te, tanto quem faz o bem como quem faz o mal o faz antes de

tudo a si mesmo. De resto, seria absurdo que a vida, com sua

sabedoria e inteligência, violasse a lei de causa-efeito, pois so-

mente se pode colher aquilo que se semeia.

Seria absurdo também que a vida, para atender o seu retilíneo

utilitarismo e o seu impulso ascensional, propusesse qualquer

coisa de negativo. O mal, mais do que uma culpa, é um erro. Se a

vida se rebela contra ele, ferindo-nos com a dor, isso acontece

com uma finalidade educativa e defensiva, a favor de quem co-

mete aquele erro, porque, assim, ela constringe aquele indivíduo

a voltar à via correta, que o leva ao seu bem. Por outro lado, se a

vida rejeita aquilo que é o mal, ela aceita e sustém aquilo que é o

bem. Isso porque ela é feita de positividade, de modo que o nega-

tivo é por ela sufocado e expulso, enquanto o positivo é por ela

atraído e, como coisa sua, canalizado em sua corrente.

Portanto, para quem quiser saber por que a vida é positiva,

ou seja, benéfica, construtiva e salvadora, podemos acrescen-

tar – referindo-nos ao nosso livro O Sistema – que o pensa-

mento contido atrás cada fenômeno em nosso universo é de-

vido à presença nele do aspecto imanente da divindade, para-

lelamente àquele transcendente. Em outros termos, trata-se

dos princípios remanescentes do Sistema, com funções direti-

vas no Anti-Sistema, que, embora decaído na forma ou maté-

ria, ainda assim ficou saturado do pensamento do Sistema.

De tudo isso pode-se concluir que o método pelo qual ver-

dadeiramente somos levados à vitória não é, como se costuma

crer, o da força ou o da astúcia, mas sim o da justiça. Os que

ousam violá-lo, porque são fortes ou astutos, na realidade traba-

lham pela sua própria ruína, agindo não a favor de si mesmo,

mas em seu próprio prejuízo. Quando eles obtêm algumas van-

tagens, estas são apenas imediatas e aparentes, que deverão ser

pagas depois, às próprias custas. A nova ética que propomos,

explicando o mal que se pode fazer a si mesmo com tal condu-

ta, poderia transformar a nossa psicologia e com isso a diretriz

do comportamento, evitando-nos imensos danos. É loucura pre-

tender que, adotando uma conduta feita de negatividade, seja

possível lançar trajetórias de tipo positivo, para concluir numa

posição do mesmo sinal. Como se pode pretender que o efeito

seja diverso da causa que o determinou?

Pode-se objetar que se encontram casos nos quais o bem é

vencido e o mal triunfa, contradizendo esta nossa afirmação.

Mas como podemos ter certeza de que aqueles casos são con-

cluídos com a morte? Não seria lícito admitir que deve haver

uma continuação da vida, na qual o fenômeno se completa?

Nada nos autoriza a afirmar que ele em vida tenha atingido a

sua conclusão. Na morte, ele pode ter permanecido em suspen-

so, de modo que o cumprimento da Lei é adiado, escondendo-

se no invisível. Esta percepção é corroborada pelo fato de que,

na Terra, encontramo-nos perante um fenômeno que, como tal,

não pode ser anulado antes que o percurso de sua trajetória se

acabe completamente, após as forças lançadas terem atingido a

sua meta e a causa ter-se extinguido no seu efeito. Isso acontece

com todo e qualquer fenômeno.

Uma importante aplicação destes conceitos pode ser feita no

campo da futurologia. Temos, antes de tudo, uma unidade de

medida para avaliar na partida – o momento inicial do lança-

mento da trajetória – que é a dose de positividade ou negativi-

dade contida no fenômeno, dada pelas forças constituintes da

personalidade. Sabemos também que as características de posi-

tividade destas forças levam o fenômeno a desembocar na afir-

mação do indivíduo, para o sucesso e a vantagem dele, com o

bom êxito de seu plano. Além disso, sabemos que as caracterís-

ticas de negatividade terminam por levá-lo à falência de seu

plano, em seu prejuízo. Então, das premissas iniciais, podemos

deduzir o que delas poderá derivar.

Uma vez que o fenômeno entrou em órbita, estabelecendo a

premissa, podemos prever os seus deslocamentos, que, assim

como o efeito depende da causa, constituem a consequência.

Como era de se esperar, quando o campo de forças do fenôme-

no é do tipo negativo, ele atrairá as forças de mesmo sinal que

encontrar no seu desenvolvimento, absorvendo-as e somando-

as a si mesmo. Isto se aplica igualmente para as forças de tipo

positivo. Se, do exame da qualidade da personalidade, conclui-

se que ela, estando em um campo de forças negativas, possui

também forças de tipo positivo, podemos prever a possibilidade

de que estas funcionem como impulsos corretivos da negativi-

dade do fenômeno, enquanto ele se encontrar na fase de trans-

formismo, dada pelo seu desenvolvimento. De forma recípro-

ca, também pode acontecer que as forças de tipo negativo en-

contradas na personalidade, ao longo do percurso e do relativo

30 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

transformismo do fenômeno, corrompam as forças de tipo posi-

tivo, deslocando a trajetória para o negativo.

Tal futurologia, neste caso, baseia-se num atento exame psi-

canalítico do sujeito, sobretudo para pôr a nu as zonas do sub-

consciente. Por fenômeno entendemos qualquer acontecimento

de nossa vida, desde aqueles mínimos, individuais, até aos

grandes fenômenos históricos. Ele toma forma concreta em

nossos atos, que constituem somente a aparência exterior, na

qual se esconde este dinamismo interior, revelado pela análise

do fenômeno. Os resultados dos acontecimentos dependem de

nossa conduta, e esta depende de nossos pensamentos, que por

sua vez dependem de nossa forma mental, ou seja, de nossas

qualidades individuais. Percorrendo esta cadeia de derivações,

podemos seguir o desenvolvimento lógico do acontecimento e

reunir, através do seu desenvolvimento, seus dois extremos: o

lançamento da trajetória e a conclusão de seu percurso no resul-

tado obtido. O trabalho de futurologia se baseia na análise das

forças que constituem a personalidade, porque elas representam

a natureza e a direção dos impulsos postos em movimento.

Para poder prever o desenvolvimento de um acontecimento,

é necessário outro conhecimento, que se refere às leis da vida e

de seu modo de funcionar. Quando elas reagem contra o erro,

seu propósito é ensinar, e não se vingar, esmagando. Podemos

saber assim, com antecedência, de qual tipo, se física ou moral,

será a sua intervenção, que é sempre salutar, mesmo sendo do-

lorosa. As leis da vida fundamentam-se sobre um princípio de

justiça, tanto que, perante elas, o mérito constitui um direito.

Elas “devem” compensar aquilo que foi honestamente ganho.

Neste regime, a ideia de alguma coisa abandonada ao acaso é

inadmissível, como é também qualquer desordem em um regi-

me de disciplina. Cai assim o conceito de concessão gratuita de

favores ou graças, bem como o de qualquer ato arbitrário. As

relações entre o indivíduo e as leis da vida são de direitos e de-

veres entre ambas as partes, pesados a cada momento na balan-

ça da justiça. Então o sujeito pode exigir daquelas leis que seja

recompensado por aquilo que mereceu, e a vida tem o dever de

recompensá-lo. Tudo isto simplesmente para obedecer ao prin-

cípio de justiça, que é a base destas leis e que, em nenhum caso,

pode ser violado por elas. A vida, assim como deve castigar pa-

ra corrigir o erro do indivíduo, também não lhe pode negar as

vantagens do que ele tenha merecido.

As relações do indivíduo com a vida não são aquelas de su-

jeição entre servo e amo, mas sim de justiça. Por isso podemos

saber como, em cada caso, a vida irá comportar-se com o indi-

víduo. Isso pode ser previsto, porque o cálculo se baseia sobre

o mérito, que é um fator analisável. É esta exatidão na avalia-

ção dos valores e esta rigidez de justiça com a qual eles são

pesados e permutados, que nos permitem prever a consequên-

cia de nossas ações. Isto é possível porque, assim, cada uma

delas é avaliada exatamente, como acontece somente em um

regime de disciplina exata.

Aqui, analisamos o funcionamento da Lei. Ela funciona

também para mim, enquanto escrevo, e para o leitor, enquanto

ele lê. Segundo aquilo que colocamos em um prato da balança,

encontramos depois o peso correspondente no outro prato.

Mostramos aqui como fazer o exame dos elementos presentes

no fenômeno e das leis que dirigem seus movimentos. Com este

material em mãos, podemos seguir o desenvolvimento do fe-

nômeno e prever qual será a sua conclusão.

Estamos no plano positivo experimental da ciência. Trata-se

de leis exatas, como são aquelas da matéria e da energia. Não

há mais, então, aquisições que não sejam justificada pelo méri-

to, estando superada a psicologia do servo que implora favori-

tismos. A Lei de um lado e o homem do outro, ambos estão su-

jeitos à mesma ordem, de modo que, se o homem cumpriu seu

dever para com a Lei, então, com isso, ele adquire perante ela o

correspondente direito a um bom tratamento, cujo cumprimento

compete à Lei o dever de assegurar. De um lado, trabalha o in-

divíduo, do outro, responde-lhe a vida com suas normas de jus-

tiça. Esta será a nova ética positiva do futuro.

No passado, o homem vivia perdido no caos, isolado por

seu egoísmo, tendo como defesa somente a sua capacidade de

lutar contra todos para vencê-los. Com a nova ética, ele tem

consciência de fazer parte de um organismo com o qual coor-

dena a sua conduta. Então entre o homem e a vida formam-se

relações de direitos e deveres recíprocos. Para o homem, o de-

ver de viver em disciplina lhe dá o direito aos meios para viver.

Para a vida, o direito de ser obedecida lhe impõe o dever de

procurá-los. Se o homem não cumpre seu dever, a vida também

não cumpre o seu para com ele.

Verifica-se um intercâmbio sem enganos. Se o indivíduo

apresenta à vida uma conduta negativa, recebe tratamento nega-

tivo, mas, se ele apresenta uma conduta positiva, a vida deve

conceder-lhe um tratamento positivo. É assim que, para quem o

pratica, fazer o bem resulta no bem e fazer o mal resulta no mal.

Como se vê, trata-se de uma ética baseada sobre um princípio

totalmente diferente daquele vigente no passado, não mais de

egocentrismo, mas sim de colaboração; não de força, mas de jus-

tiça; não de separatismo, mas de reciprocidade, na qual cada um

faz sua parte. Isso se deve ao fato de que esta nova ética, perante

a antiga, representa a passagem para uma fase mais evoluída e

aperfeiçoada, condição que implica um enquadramento na or-

dem, com uma tomada de consciência mais exata e um senso de

responsabilidade anteriormente desconhecidos. Tudo isso corres-

ponde a um processo de cerebração, devido à evolução, que ago-

ra quer transportar o homem do plano instintivo emotivo ao pla-

no diretivo, racionalmente controlado. Portanto não se trata da

destruição do velho, mas sim da sua continuação e ascensão, le-

vando não à sua substituição, mas sim ao seu aperfeiçoamento.

Estas duas fases obedecem a dois diferentes princípios: o do

caos para o primitivo e o da ordem para o evoluído. No caos, a

atividade fundamental é a luta, de modo que, se o indivíduo não

se defende, ninguém mais o defende. Na ordem, a base é a dis-

ciplina, de modo que, quando o indivíduo cumpre o seu dever,

isso é o suficiente para colocar em movimento as forças que,

naquele regime, são encarregadas da proteção dele. Tal condi-

ção já começa a se realizar na parte civilizada de nossa huma-

nidade, mais próxima do estado orgânico. No caos, é lícito

agredir, mas nele sobrevive somente quem sabe lutar e vencer.

Na ordem, não se pode agredir, mas quem faz um trabalho útil

à coletividade deve ser protegido por ela, para que ele possa

continuar trabalhando. Então ele não deve perder seu tempo lu-

tando, dado que é mais útil produzir segundo sua especializa-

ção. Somente nesta fase mais avançada isto é possível, quando

já se alcançou o senso social da coletividade, o que falta na fase

precedente, na qual os indivíduos não sabem o valor da ordem

coletiva, porque estão exauridos pelos atritos causados por seu

separatismo. É tudo uma questão de divisão de trabalho, utili-

zando a forma de maior rendimento utilitário, porque assim a

energia que se gasta na luta é encaminhada para uma maior

produção. Hoje já se procura evitar tal desperdício, porque se

começa a compreender quão contraproducente é o método da

luta. Assim, a função do guerreiro, outrora fundamental, desva-

loriza-se sempre mais diante da função do trabalhador.

Ora, quando sabemos que as premissas de um fato (lança-

mento de trajetória) estão em nossas mãos e que as consequên-

cias estão nas mãos das leis da vida, então, se conhecermos a

técnica funcional destas leis, eis que será possível orientarmos

nossa conduta para o nosso bem, ao invés de para o nosso mal.

Isso leva a uma grande modificação na própria vida, semeando

as causas dos acontecimentos e colhendo seus efeitos. Porém

não é a vida que muda, e sim o homem, porque, passando a um

nível evolutivo mais elevado, ele entende mais e se comporta

diferentemente, em seu próprio interesse. A vida tem funciona-

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 31

do e continua a funcionar sempre com os mesmos princípios. É

o homem que evolui e, assim, vê aquilo que antes não via, evi-

tando desse modo os erros e as dores que deles derivam.

A conclusão dessa nossa dissertação é que nossa maior pre-

ocupação deve ser o cumprimento de nosso dever, cabendo a

cada um determinar em que ele consiste. Isto é o suficiente para

pôr uma premissa positiva no movimento que dela deverá de-

senvolver-se como consequência. Feito isso, sabemos que seu

desenvolvimento se dará em sentido favorável a nós, porque as

leis da vida providenciarão para que assim aconteça. Atenção,

porém, porque com a vida não se brinca. Se apenas pretende-

mos fingir que fazemos nosso dever, procurando dar a entender

isto aos outros e também a nós mesmos, a vida não se deixará

enganar e nos pagará com um desastre.

É incrível a que elevação evolutiva, com suas respectivas

consequências, pode levar a aplicação de tais princípios. Quan-

do se sobe até este plano, cai a lei da luta pela seleção do mais

forte, porque, biologicamente, o modelo do melhor, definindo o

novo tipo que a evolução quer produzir, é, ao contrário, o mais

inteligente, o mais poderoso mentalmente, e não fisicamente.

Então o maior problema da vida, a sobrevivência, será resolvi-

do com estes meios, que muito melhor saberão ser bem sucedi-

dos. Entramos assim no regime de ordem, próprio de um nível

evolutivo mais avançado, regime no qual a retidão atinge o va-

lor de técnica aperfeiçoada para a defesa da vida. Tivemos que

explicar estes princípios diretores porque era necessário antepor

esta orientação geral, antes de passarmos à sua aplicação nos

casos que examinaremos nos capítulos seguintes.

III. A TÉCNICA DO FENÔMENO

A posição do homem é a seguinte: ele vive no seio do gran-

de organismo do todo, cujo funcionamento é dirigido pelo pen-

samento da Lei, que representa a presença de Deus (Sistema)

imanente em nosso universo (Anti-Sistema). É esta presença

que, no seio da desordem transitória e superficial, mantém na

sua profundidade uma ordem eterna e inviolável. A isto deve-

mos o fato de que tudo, ao invés de se desmoronar no caos, vai

sendo levado, pelo contrário, a uma contínua evolução em dire-

ção ao melhor. Ora, cada erro contra aquela ordem produz dor.

O homem, porque não conhece a Lei, comete erros contínuos.

Seu maior trabalho consiste na contínua fabricação de suas pró-

prias dores. Dessa forma, tudo parece construído de modo a re-

sultar na geração de sofrimento para o próprio homem.

Mas o fenômeno não se interrompe ao chegar a conclusões

tão tristes. Tal fato é justificado porque, naquela dor, está a sal-

vação. A dor é uma escola de aprendizagem, portanto um ins-

trumento benéfico, pois quem aprendeu não repete o erro e,

com isso, elimina a dor. Assim tudo está construído de forma a

ser destinado à autorreparação. Não se sofre, portanto, em vão,

mas sim para aprender, a fim de não errar e, assim, não sofrer.

Eis, em síntese, o mecanismo da existência, o jogo dentro do

qual existimos e do qual fazemos parte. É esta ordem interna

que buscamos descobrir aqui.

Orientados por este quadro de fundo, tratemos, então, de

continuar o nosso trabalho de indagação, que nos leva a desco-

brir aquela ordem. Fazemos isso porque é o conhecimento que

nos salva. Ele é o mais ativo agente destruidor da dor, já que,

uma vez alcançado, ela não tem mais razão de existir, porque

não há mais nada a corrigir e ensinar. Portanto o modo certo pa-

ra eliminar a dor nós o encontramos. Quem compreendeu evita

fazer o mal, porque sabe que o faz em seu prejuízo. É duro so-

frer, mas a própria vida contém um grande remédio para isso.

Para destruir a dor, existe uma grande força: a evolução, porque

ela destrói a ignorância. Portanto é sagrado, em cada campo, o

trabalho de conquista do conhecimento. Continuemos então,

sobre esta estrada, o nosso trabalho de análise.

Nos capítulos seguintes, faremos uma breve casuística, com

a exposição de uma série de fatos observados por nós, enquanto

eles aconteciam, seguindo-os desde seu início até a sua conclu-

são. Faremos esta análise para compreender a técnica de seu

funcionamento e para nos apossarmos dela, com a finalidade de

podermos dirigir novos casos que queiramos iniciar, para levá-

los a bom êxito, como desejamos.

Para atingir este escopo, consideramos cada ato iniciado

por nós para chegar a um dado fim, ou seja, cada evento em

que tomamos parte ativa, como um fenômeno em movimento,

cuja trajetória se desloca de um ponto de partida a um ponto

de chegada. Observaremos o trajeto deste movimento nos se-

guintes aspectos: 1) As causas que precedem seu lançamento;

2) Os seus elementos constituintes; 3) O desenvolvimento do

transformismo pelo qual, ao longo de seu caminho, ele passa,

em função das forças que o determinam e daquelas que encon-

tra no ambiente; 4) As conclusões às quais ele, deixado a si

mesmo, poderá chegar ou às quais, devido à nossa interven-

ção, poderemos fazê-lo chegar. Aplicaremos estes conceitos,

penetrando nos detalhes da casuística, para compreender o

significado recôndito dos fatos.

A moral que deriva do conhecimento das leis da vida e de

seu funcionamento não é aproximativa e elástica, nem permite

acomodações ou escapatória, mas é exata e rígida, não admitin-

do ajustes ou evasões. Passa-se de um regime de baixa veloci-

dade para outro de alta, que exige uma precisão maior de mo-

vimentos, porque a uma mesma mudança direcional correspon-

dem efeitos maiores.

Eis então que é necessário primeiramente pensar no lan-

çamento da trajetória. É imprescindível que esta não se com-

ponha de forças negativas, porque elas representam um erro

na partida, que é introduzido dentro do desenvolvimento do

fenômeno e que, portanto, nele se manifestará, levando-o a

um resultado negativo.

O primeiro ponto de partida é a própria personalidade e as

forças das quais ela se compõe. Eis que, no início de um dado

acontecimento, quando começamos a agir para colocá-lo em

movimento, a fim de que ele se realize, deveremos fazer um

exame de consciência ou uma autopsicanálise, para nos aperce-

bermos de quais forças dispomos, dadas pelas qualidades que

possuímos e que constituem a nossa personalidade.

De como fazer o exame de consciência trataremos a fundo

no fim deste volume. Aqui somente mencionamos que esta es-

trutura da personalidade é um fato estabelecido, o qual preexis-

te à análise e do qual depende o tipo de força que poremos em

órbita no momento do lançamento da trajetória. É evidente que,

de uma personalidade com estrutura predominante de tipo ne-

gativo, não poderá ser obtido senão o lançamento de uma traje-

tória composta de forças negativas. É evidente também a recí-

proca, de modo que, de uma personalidade com estrutura pre-

dominante de tipo positivo, será obtido o lançamento de uma

trajetória feita de forças positivas.

Disto segue-se que, automaticamente, os temperamentos

honestos são levados a lançar trajetórias positivas e, com isto, a

obter resultados positivos, valendo também a recíproca. Parece

ventura ou má sorte, mas trata-se, na verdade, de uma conse-

quência do funcionamento da lei que rege o fenômeno. Além

disso, há também o fato de que o exame de consciência, no qual

se faz o juízo das qualidades boas ou más, é feito pelo próprio

indivíduo que inicia o movimento, não lhe restando nada mais a

fazer, senão usar sua forma mental, a única que ele possui.

Ora, o instrumento de ajuizamento pode ser ele mesmo po-

sitivo ou negativo, ou seja, justo, direito e segundo as leis da

vida, ou arbitrário, errado e distorcido pela negatividade da per-

sonalidade. Neste segundo caso, o lançamento da trajetória em

direção errada, contraproducente e tendente a resultados nega-

tivos, é fatal. Mas é necessário reconhecer que isso também é

32 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

justo, porque se trata de uma consequência direta do fato de ser

aquela personalidade composta de forças negativas.

Na execução do exame de consciência, é necessário estar

prevenido também da possibilidade de haver, sobre a função de

julgar, a influência do subconsciente, que está sempre pronto,

no âmago, a fazer aflorar seus próprios impulsos. Ele é astuto e

aproveita qualquer oportunidade para fazer apreciações distor-

cidas a seu modo, a fim de satisfazer sua vontade. Também fa-

laremos melhor disto mais adiante (Cap. IX). O subconsciente

quer sobreviver tal como é, afirmando-se à sua maneira. Assim,

luta para se impor e, a fim de conseguir isso, disfarça-se com

argumentos que lhe dão razão, envergando uma auréola de vir-

tude para esconder suas qualidades negativas. É a besta origi-

nal, ainda não eliminada, que emerge. Então, por meio de um

exame de consciência assim viciado desde o início, não pode-

mos obter senão um resultado falsificado.

Que se deve fazer então para obter bons resultados? A con-

dição imprescindível é ter uma personalidade de tipo positivo.

Se, porém, ela é negativa, torna-se necessário procurar antes de

tudo corrigir a sua negatividade, reduzindo esta ao mínimo, pa-

ra que na estrutura da personalidade possa prevalecer a positi-

vidade, com tudo aquilo que se segue. Mas o que é necessário

fazer quando, como consequência da estrutura negativa da per-

sonalidade, já foi completado o lançamento de uma trajetória

deste tipo? Neste caso, não há mais nada a fazer senão procurar

corrigi-la. Vejamos como.

No caso de trajetórias totalmente negativas, não há nada a

fazer. O desastre final é fatal. Seria necessário que a personali-

dade negativa que realizou o lançamento seguisse a longa esco-

la da própria correção, à custa de inúmeras provas, até se tornar

positiva. Observemos, porém, o caso mais frequente, represen-

tado pela trajetória mista. A personalidade pode possuir um

fundo de positividade com zonas de negatividade. Estas, então,

constituem na trajetória o que poderíamos chamar de nós de re-

sistência. É preciso descobri-los e desfazê-los, pois eles são er-

ros contra a lei da vida. Trata-se de desvios cuja direção é ne-

cessário endireitar ao longo do caminho.

Isso se pode fazer esperando que aqueles impulsos negati-

vos se esgotem, para deixá-los consumirem sua energia inicial.

Mas é possível ainda intervir de outra maneira, colocando vo-

luntariamente em movimento impulsos positivos que se opo-

nham aos negativos em sentido contrário, para neutralizá-los.

Com isso, pode-se combater também a tendência dos impulsos

negativos de atraírem para seu campo outros impulsos negati-

vos, a fim de reforçarem-se. A presença da negatividade, ten-

dendo a desviar do sentido positivo o percurso da trajetória, não

nos deve alarmar. O fenômeno se desenvolve como uma luta

entre a positividade e a negatividade. Cada erro pode ser corri-

gido, e aqui explicamos como. Se o erro aparece, ele deve ser

corrigido, sendo que, ao corrigi-lo, aprende-se a não repeti-lo

mais. Tudo, até mesmo o mal, pode ter uma função construtiva.

O problema é neutralizar a negatividade presente no fenôme-

no, porque ela o polui, levando-o a resultados negativos. Estes,

porém, podem ser calculados, porque são proporcionais à dose de

negatividade contida no fenômeno. Daí serem eles previsíveis e

evitáveis. É necessário compreender que os resultados finais de-

pendem desta dose e que esta dosagem depende de nós. Somos

donos dos resultados, porque, se preenchermos todas as condi-

ções necessárias para atingi-los, podemos obter aqueles que dese-

jamos. E agora já sabemos quais são elas. Mas, quando os resul-

tados não são obtidos, sabemos também a razão pela qual isso

acontece e o que é necessário fazer para evitar este prejuízo. A

análise do fenômeno nos mostra tudo. Não podemos, portanto,

culpar ninguém, nem nos embalarmos com esperanças ilusórias.

É necessário analisar e saber dirigir os elementos determinantes

do fenômeno, e isto significa observar a estrutura da personalida-

de, examinar com exatidão as forças que a constituem, estabele-

cer a colocação destas forças em órbita através de um lançamento

correto da trajetória e, por fim, efetuar posteriormente eventuais

correções da mesma durante o seu percurso, processo este possí-

vel de ser realizado, pois se trata de um fenômeno em movimen-

to, no qual é possível assim inserir novos impulsos.

Isso significa acompanhar todo o desenvolvimento do fe-

nômeno que movimentamos, desde suas primeiras causas até à

sua conclusão. Temos falado de positividade e negatividade. O

leitor pode indagar-se que significam na prática estes dois con-

ceitos. Positividade significa retidão, honestidade, sinceridade,

justiça, responsabilidade etc., qualidades que o indivíduo posi-

tivo utiliza no lançamento da sua trajetória. Negatividade signi-

fica o contrário. Podemos afirmar que os resultados são positi-

vos no primeiro caso e negativos no segundo, pois temos reali-

zado verdadeiros controles experimentais, com os quais obti-

vemos confirmação desta correspondência de fatos. Na casuís-

tica que exporemos nos capítulos seguintes, veremos aplicados

estes conceitos, observando a técnica segundo a qual se desen-

volvem os atos que iniciamos para alcançar um dado objetivo.

Porém, antes de procedermos à casuística, temos de explicar

como tudo isso acontece. Veremos que cada ato nosso é um fe-

nômeno regido por normas definidas do princípio ao fim. Che-

gou a hora de enfrentar com espírito analítico e métodos positi-

vos o caso de nossa conduta, até agora deixado inexplorado, à

mercê de normas empíricas. O sistema de construir uma ordem

apoiada no comando e na obediência, em vez de se basear na

compreensão e na convicção, pertence à era infantil da humani-

dade e desaparece agora, quando ela entra em uma fase mais

madura. A disciplina, porém, continua necessária. Se o homem

novo, que é crítico e racional, não a aceita mais por imposição

de autoridade, não lhe resta senão aceitá-la por livre vontade,

como fruto do entendimento. Caso ele não queira compreender,

aprenderá duramente à própria custa, caindo no caos.

A nova moral irá se impor por si mesma, sendo seguida não

porque a autoridade mandou, mas porque ela é útil no interesse

de quem a aplica. Moral clara, controlável por fatos e vantajosa,

o que torna aceitáveis os seus princípios de honestidade e justi-

ça. A mente moderna não se sujeita mais passivamente a uma

moral somente normativa e preceituada, exigindo em seu lugar

uma moral livre e consciente, mas responsável, regida por sua

lógica, que lhe justifica as normas, e controlável em seu valor

pelos seus resultados. A mente moderna não aceita uma moral

coagida, à base de ameaças e condenações. Tal sistema leva à

evasão, e não à aceitação por convicção, que se atinge quando

se compreende seu funcionamento e vantagens. A nova moral

está na lei da vida e diz: “Posso pegar aquilo que quiser, con-

tanto que eu pague por isto, pois só é verdadeiramente meu o

que eu tiver merecido. Posso agir livremente, mas as conse-

quências são minhas. Cumpre a mim compreender o que posso

e o que não posso fazer. A veracidade e a utilidade desta lei eu

posso verificar por mim mesmo, convencendo-me desse modo

que me convém segui-la”. É por isso que mostramos seu funci-

onamento. Dele ninguém pode fugir. Passar para outra fé ou

tornar-se ateu não muda nada. A lei da vida é igual para todos.

Conclui-se que, conhecendo a técnica de seu funcionamen-

to, podemos dominar os acontecimentos, porque, quando colo-

camos em movimento os elementos exigidos, sabemos quais

são os resultados que eles devem atingir. Tudo isso acontece no

terreno da positividade e do raciocínio, e não do fideísmo e da

emotividade, de modo que pode ser apresentado na forma men-

tal mais compreensível para o homem moderno e para o do fu-

turo. Tais conclusões têm, pois, características universais. A

técnica do fenômeno é sempre a mesma e funciona não somen-

te para o indivíduo, mas também para os grupos, tais como: a

família, as instituições, os partidos, os povos e a humanidade.

Mesmos nestes casos, trata-se ainda de uma unidade, porém

não mais individual, e sim coletiva.

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 33

O ponto de partida permanece sempre o mesmo, sendo defi-

nido pelas qualidades constituintes daquele tipo de unidade. De-

las depende o gênero de trajetória que eventualmente será lança-

da, assim como o seu percurso e a sua conclusão. Eis que a mes-

ma técnica do exame inicial da consciência, para prever o êxito

de um acontecimento e influir sobre ele, é usada também no caso

de unidades coletivas. Nesta dimensão maior pode-se igualmente

prever onde irá terminar o percurso da trajetória. É possível as-

sim realizar uma espécie de futurologia histórica, incumbida do

trabalho de fazer previsão neste imenso campo das unidades co-

letivas. Também neste caso pode-se intervir no fenômeno, guian-

do-o com inteligência em direção à melhor conclusão, seja inici-

ando-o sabiamente, com um lançamento positivo, seja corrigindo

seu caminho, quando ele tende para o negativo.

Tudo isso é hoje atualidade. No passado, a humanidade, em

sua ignorância das consequências, lançou muitos impulsos com

base no egoísmo e na injustiça, o que explica a colheita dos re-

sultados obtidos, segundo a técnica que temos visto. A razão de

tantas dificuldades que afligem a humanidade reside no fato de

seus lançamentos serem realizados segundo uma trajetória em

grande parte negativa. Assim a história avança, carregando

atrás este peso. Não há outro remédio, então, senão aplicar o

método da correção das trajetórias erradas.

Ora, nos grandes fenômenos coletivos, tal como no caso in-

dividual, o ponto de partida também é um exame de consciên-

cia, que neste caso, porém, é realizado em massa, processo no

qual cada povo deve se autoavaliar honestamente, colocando-se

diante das leis da vida. Com base nos resultados deste exame, a

coletividade deve lançar novas forças, porém de tipo positivo,

introduzindo-as na própria trajetória histórica, com a finalidade

de corrigir o desvio precedente ora em ação. Quanto à positivi-

dade, temos visto o que ela significa. Somente assim será pos-

sível corrigir a trajetória anterior, guiando-a em direção a resul-

tados benéficos, e não maléficos.

Neste trabalho, a própria vida ajudará quem se preparar para

cumpri-lo, porque isso corresponde ao objetivo dela. O sistema

de luta, à base de ação e reação – naturalmente separador – é

involuído, antiorgânico e antiunitário, indo contra a formação

das grandes unificações sociais, finalidade que a vida quer al-

cançar no momento atual e no futuro próximo.

Falamos disto porque o momento é grave. Os meios de ação

se tornaram hoje muito mais potentes com a ciência, de modo

que, se não quisermos terminar em um desastre, é imprescindí-

vel e urgente uma capacidade diretiva mais inteligente. A velha

psicologia agressiva era limitada na proporção dos prejuízos

que ela podia causar. É urgente um progresso moral, paralelo

ao científico, que coordene sabiamente esta hipertrofia de pode-

res em todos os campos. O avanço tecnológico constitui uma

vitória, mas torna-se também um grave perigo, se não souber-

mos guiá-lo. É igualmente urgente corrigir as velhas trajetórias

carregadas de negatividade, se não quisermos que elas nos le-

vem a resultados do mesmo tipo. Elas estão em movimento e

avançam fatalmente em direção à sua conclusão. Tudo isto é

analisável e evitável. Estamos na encruzilhada. As velhas nor-

mas estão atualmente superadas. É necessário substituí-las por

normas sólidas, mais adaptadas ao novo homem que se está

formando e à sua nova posição na vida.

Mas que entendemos por normas mais sólidas? Como é

esse novo homem que se está formando? Que a velha moral

se torna cada vez mais inadequada aos novos tempos, prova-

nos o fato de haver sido formado um movimento revolucio-

nário inovador que não é obra apenas de um grupo particular,

mas sim de uma corrente mundial. Encontramo-nos diante de

um fenômeno novo para nós, dado pelo fim de uma civiliza-

ção e o início de outra, de tipo diferente. A velha ordem está

caindo, porém uma nova e melhor, capaz de substituí-la, de-

verá necessariamente nascer.

Isso é possível hoje, porque o homem está atingindo uma

maturidade psicológica que lhe permite ver a vida com espírito

crítico adulto, apoiado no método analítico e positivo. Pode-se

assim enfrentar e resolver problemas que antes permaneciam

sepultos no mistério, porque eram vistos somente com uma

psicologia infantil, de tipo empírico. Cai a veste legendária e

mitológica, para deixar aparecer a realidade nua, que se torna

assim compreensível, mostrando-nos as normas mais sólidas a

que nos referíamos.

Ao homem novo que se está formando é necessário fornecer

um alimento diferente daquele que o satisfazia no passado, mas

que não o satisfaz mais agora, um alimento mais nutritivo, feito

de um sistema persuasivo, capaz de levá-lo com clareza à con-

vicção, porque mostra a realidade da vida. Onde encontrar então

este material? Só a ciência nos apresenta características de posi-

tividade, objetividade e imparcialidade, elementos capazes de

alcançar uma verdade biológica universal, que não seja só de um

grupo e não esteja em luta contra a verdade de outros grupos.

Até agora, a ciência não entrou no campo da ética do com-

portamento correto. Mas é exatamente a maturidade evolutiva

do homem, acima mencionada, o fator que pode permitir a ci-

ência penetrar neste terreno. Tudo está pronto para que isso se

verifique: o grau de evolução alcançado; o desenvolvimento da

ciência; a necessidade de resolver novos e mais complexos pro-

blemas, incluindo os de natureza espiritual, insolúveis pelos ve-

lhos métodos; e a necessidade de definir as diversas verdades

deixadas em suspenso. As contínuas mudanças nas relações so-

ciais vão criando situações imprevistas, que exigem uma regu-

lamentação nova, com base em outros princípios, porque os ve-

lhos se tornam inadequados. É assim que se faz sempre mais

necessário desenvolver uma ciência da conduta humana no

mesmo nível já alcançado pela ciência em outros campos.

Hoje se corre e, portanto, é necessário ver bem a estrada.

Urge entender o significado da vida e as consequências de nos-

sas ações, para nos dirigirmos inteligentemente. Com o aumen-

to dos poderes do homem, aumenta a periculosidade de seus

movimentos errados, e há cada vez menos margem para eles.

Por isso é necessário uma ética de tipo científico, que nos mos-

tre a técnica do funcionamento das leis da vida. É preciso fazer

o homem compreender que ele não está sozinho na estrada,

abandonado à mercê da própria sorte e distante de qualquer for-

ça para auxiliá-lo, mostrando-lhe que, pelo contrário, elas estão

próximas e que a sua ajuda funciona realmente, desde que ele o

mereça, por ter cumprido com o seu dever.

Em um momento de tantas reivindicações sociais, deve-se

fazer valer também os direitos do homem justo perante as leis

da vida. Em um mundo onde ele é esmagado pelo mais forte,

torna-se necessário provar, experimentalmente, que este ho-

mem é defendido pelas leis da vida, porque ele é útil a ela, que

se mostra sua amiga e o defende, para seus objetivos. Com a fi-

nalidade de construir um futuro cada vez mais realizador do es-

tado orgânico unitário, a vida tem sempre menos necessidade

do biótipo prepotente vencedor, cujo valor é adequado em ou-

tras condições, inerentes a outras fases de evolução, e tem sem-

pre mais necessidade, como modelo para a massa, do homem

justo, que saiba ordenadamente funcionar em seu posto na cole-

tividade, segundo suas qualidades e especialização de trabalho.

IV. PRIMEIRO CASO

Vamos retomar agora, na análise dos casos que passamos a

examinar, o raciocínio que fizemos como ponto de partida des-

te livro. Trata-se de uma ideia segundo a qual, se existem leis

que regulam o funcionamento dos fenômenos no plano físico e

dinâmico, devem existir paralelamente leis que regulam o fun-

cionamento dos fenômenos no plano ético e espiritual. Pelo

fato de todos os fenômenos se encontrarem no mesmo organis-

34 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

mo do todo, é lógico que, no funcionamento deste organismo,

devem tomar parte também os fenômenos do plano ético e es-

piritual, em paralelo e engrenados com aqueles outros, cujo

comportamento a ciência nos demonstra.

Dessa forma, podemos observar o comportamento dos fe-

nômenos do plano ético e espiritual. Quanto mais nos avizinha-

mos da compreensão de seu funcionamento, mais vemos a sua

utilidade prática. Faz parte dos princípios diretivos da vida obter

o maior rendimento com o mínimo de meios. Então, quando

somos utilitários, aderimos a estes princípios. Não é pecado bus-

car a própria vantagem, quando esta é sabiamente entendida.

Com isso, seguimos a vida, que deseja o nosso bem. Mesmo

quando nos golpeia com a dor, ela ainda assim é benéfica, pois

nos quer advertir do erro, a fim de que não o cometamos mais. A

vida é sempre positiva, construtiva e saneadora. Somos nós que

tomamos o caminho negativo. Ela vem ao nosso encontro para

nos salvar, empurrando-nos do caminho errado para o certo.

Se observarmos as obras executadas pela vida, não pode-

mos deixar de admitir que ela é muito inteligente. Busquemos

então compreender o seu pensamento. O nosso raciocínio é

simples. Se o mal e a dor não são obra da vida, mas fruto de

nosso fracasso, então, aprendendo a não errar, vamos eliminar

o erro – causa da dor – e os seus tristes efeitos. O caminho jus-

to é assinalado pelas leis da vida. Basta segui-lo. Por isto pro-

curamos conhecer essas leis, para depois segui-las e, assim, li-

vrarmo-nos do mal que nos aflige. Basta que funcionemos dis-

ciplinadamente na ordem estabelecida, em vez de procurarmos

violá-las. Quando nos afastamos do caminho, verifica-se a se-

quência encadeada das seguintes posições: ordem, violação,

desordem, erro e dor. Assim, a liberdade é benéfica, mas so-

mente quando é compreendida como disciplina naquela ordem,

e não como revolta contra ela.

A dor é filha do erro. Quando saímos da pista, vamos bater

contra um muro. Mas a pista sobre a qual a vida corre é bem fei-

ta. Somos nós que não sabemos guiar. E não sabemos guiar por-

que não conhecemos as leis. Estamos precisando então de aulas

de direção. O grande erro é acreditar que as coisas acontecem

por acaso. Basta desembaraçar e penetrar além da confusão das

aparências, para nos convencermos do oposto. Sem nem mesmo

suspeitá-lo, vivemos, pelo contrário, dentro de uma ordem ma-

ravilhosa. Cremos no acaso porque semeamos desordem e, por

isso, perdemo-nos no caos, que é a sua consequência.

Tudo isso se explica pelo fato de, neste campo, o homem

não ter ainda atingido o conhecimento, encontrando-se, por-

tanto, na fase de aprendizagem, na qual o aluno não pode dei-

xar de cometer erros, através dos quais ele aprende. Mas a fa-

se que o espera a seguir não pode ser outra senão a de quem,

por ter aprendido, não erra mais. O resultado de nossa desor-

dem atual não pode ser mais do que um mundo de dificulda-

des, aquele no qual vivemos. Mas isso também é lógico e está

no seu justo lugar, pois, ainda que através do sofrimento, tra-

ta-se de uma fase necessária para aprender e, assim, elevar-se

em direção a uma condição melhor.

Grandes são as vantagens do conhecimento que buscamos

alcançar aqui, se o utilizarmos como diretriz de um comporta-

mento sábio de nossa parte. Quando se conhece a técnica funci-

onal do fenômeno, pode-se prever quais serão as consequências

de nossas ações. Lançando a trajetória de desenvolvimento cor-

retamente, segundo a ordem das leis da vida, podemos garantir-

nos o bom êxito do acontecimento iniciado. Mesmo se errarmos

o movimento de lançamento, ainda podemos depois corrigi-lo,

para levá-lo a um bom termo. Trata-se de um trabalho não so-

mente de previsão (futurologia), mas também de intervenção, a

fim de cuidarmos do desenvolvimento do fenômeno, se quiser-

mos que aconteça o melhor para o nosso bem. Está em nossas

mãos estabelecer a solução mais vantajosa para nós. Então,

sabendo quais premissas devemos colocar em movimento para

obter um determinado resultado, podemos dominar o fenôme-

no, dirigindo-o até à conclusão desejada.

A cada momento e lugar verificam-se acontecimentos de to-

das as grandezas, mas sem qualquer controle nosso, não haven-

do, assim, previsão do seus desenvolvimentos nem controle para

guiá-los. Nesta confusão, não somos na verdade donos da situa-

ção, pois, em vez de fazer uma escolha racional e muito menos

prever as consequências da própria conduta, comportamo-nos

empiricamente, seguindo cada um suas próprias miragens. Exis-

te somente uma vaga intuição da presença de uma lei diretriz, já

que se crê em uma divina providência. Admite-se que ela funci-

one de fato para os bons, condição correspondente ao lançamen-

to em órbita de forças do tipo positivo, e que não funcione para

os maus, condição correspondente ao lançamento em órbita de

forças do tipo negativo. Mas estamos longe de um exame analí-

tico do fenômeno e do controle de seu funcionamento.

Para cumprir este trabalho, não estabelecemos aqui discus-

sões com as velhas filosofias, destinadas a resolver o proble-

ma ético, mas simplesmente constatamos a existência dos fa-

tos sobre os quais se baseiam as nossas afirmações. Esta fase

do conhecimento é a nova fase evolutiva na qual o homem

prepara-se para entrar. No nível animal, as leis da vida funci-

onam deterministicamente, de modo que os seres obedecem

cegamente ao instinto, manifestando com isso o comando da-

quelas leis. No nível humano, o ser tem a liberdade de obede-

cer ou desobedecer, mas, devido à sua ignorância da técnica

de desenvolvimento do fenômeno, deve aprendê-la à sua cus-

ta, sofrendo as consequências de seus erros. Na fase evolutiva

subsequente, que nos espera, o ser, pelo fato de já conhecer

aquela técnica e suas consequências, sabe prever e prover ra-

cionalmente o desenvolvimento fenômeno, dominando-o, para

dirigi-lo na direção da conclusão desejada.

Esta última fase, constitui uma posição de grande vantagem

sobre a precedente, porque nos permite avançar não mais ao

acaso, ferindo-nos continuamente, por inconsciência, com as do-

lorosas consequências dos nossos fracassos, mas sim através de

uma orientação inteligente, em direção ao que nos é verdadei-

ramente útil. Trata-se de uma ciência nova, sobre a qual se pode-

rá estabelecer, para nossa vantagem, um novo código de vida.

◘ ◘ ◘

Depois destas premissas orientadoras, iniciamos a casuísti-

ca. Observemos o primeiro caso. Dois jovens, um rapaz e uma

moça, enamoram-se enquanto frequentam o ginásio. Ele é po-

bre e não tem meios para frequentar uma universidade. Ela tem

posses e lhe oferece esta oportunidade, levando-o à sua família,

que provê os recursos necessários, até ele completar o curso su-

perior. Nesse período, ela também continua seus estudos e os

dois se casam pouco depois de se formarem. Nasce uma meni-

na, com tudo se passando sempre na casa da esposa. A família

dela reside numa cidadezinha que oferece poucos recursos de

trabalho para os dois jovens. O desejo deles é então se transferi-

rem para a capital vizinha.

Aqui começa a nossa história em suas linhas externas. Ob-

servemos agora quais eram as forças que se moviam atrás des-

te esquema. Quem, em substância, era ele e quem era ela? De

que tipo eram as forças constituintes da personalidade de cada

um, segundo a natureza da qual elas acabavam de ser lançadas

em órbita por eles, para se tornarem depois a trajetória de seus

destinos? Qual era, enfim, a direção assumida pelo desenvol-

vimento do fenômeno, estabelecida pelas qualidades individu-

ais de cada personalidade?

Observemos primeiramente a personalidade dele. Tratava-se

de um jovem dinâmico, mas no sentido de agitação irrequieta, e

não de laboriosidade produtiva. Assim, a sua atividade era em

grande parte um desperdício de meios e energia, ainda que à cus-

ta de quantos lhe eram vizinhos. De engenho ágil, mas extrema-

mente desordenado, ele representava um alto custo de manuten-

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 35

ção. Este peso foi suportado pela família dela, até que ele, depois

de se formar, mudou-se para a capital vizinha, para trabalhar.

Neste momento, ele começou a colher os frutos daquilo que se-

meava, tendo de viver à sua própria custa e pagar ele mesmo o

desperdício de sua própria desordem. A partir de então, ele se en-

controu sozinho, na dependência de suas qualidades.

Mas que qualidades eram estas? O seu instinto fundamental

era o do lutador que quer subir a qualquer custo, pisando os ou-

tros. E assim ele tinha agido até então. Depois de escolher a

moça, o seu movimento constante foi do tipo egoísta, invasor e

devorador. Ele tinha como justificativa o fato de estar esfaima-

do, mas isso não o autorizava a se tornar um perigo social. Em

primeiro lugar, ele se alojou na casa dela, obtendo assim ali-

mentação e moradia. A grande pressa de se casar e ter um filho

decorria do seu intuito de consolidar sempre mais a sua tomada

de posse na casa da mulher, conquistando uma posição cada

vez mais cômoda. Mas agora, que havia chegado o momento de

assumir a devida responsabilidade de marido, para prover a

manutenção da própria família (trajetória de forças positivas,

segundo as leis da vida), eis que ele busca evadir-se de seus

próprios deveres, gastando seus ganhos em amores extraconju-

gais (trajetória de forças negativas, contra as leis da vida). Este

homem egoísta continuava assim a desenvolver suas qualidades

de egoísmo predador, coroando seu trabalho com a conquista

da liberdade conjugal e eximindo-se dos deveres familiares.

Assim, o caminho seguido pelo jovem desde o princípio,

segundo suas qualidades, foi-se tornando cada vez mais decisi-

vo e evidente, com seu movimento no sentido de desfrutar o es-

forço dos outros, jogando sobre os ombros da esposa seus pró-

prios deveres. Formou-se então uma corrente negativa pronta

para se voltar contra ele. Foi assim que os impulsos neste senti-

do se acumularam gradativamente, até alcançar o momento crí-

tico da explosão. Vejamos como isso aconteceu.

O jovem avançava triunfante, acreditando que vencia facil-

mente, quando, na verdade, engolfava-se em uma negatividade

sempre maior, aumentando a velocidade de sua descida. A vida

é utilitária e evita o desperdício, fazendo de tudo para salvar o

que há de bom em um indivíduo. Portanto ela o ajuda e o favo-

rece na medida em que haja nele um mérito a compensar ou um

real valor a pôr em funcionamento. Mas, quando o indivíduo

está nos antípodas desta posição, pretendendo usurpar com sua

negatividade aquilo que não mereceu, a vida então toma uma

das seguintes ações: 1) Se o caso é perdido, ela favorece o indi-

víduo na via descendente, para que ele a percorra mais rapida-

mente e tudo se resolva com o desastre final; 2) Se há alguma

coisa para salvar, ela submete o indivíduo a uma prova neste

campo particular, de modo que, pelo menos dentro daqueles li-

mites, ele aprenda, corrija-se e salve-se. No primeiro caso, a vi-

da o favorece; no segundo, ela o para. Mas o favorecimento é

para acelerar o desmoronamento e a obstrução é para realizar

uma experiência. Trata-se em ambos os casos de provas desti-

nadas a salvar. Assim a vida resolve os dois casos.

Observemos o fenômeno. Temos dois campos de forças. O

primeiro é o campo do predador, com sua posição negativa con-

tra a justiça, mas justificada pela pobreza dele e pelo seu legí-

timo desejo de crescer, que representa, ao mesmo tempo, certa

positividade, porque é efeito de sua inteligência, prova de valor

e mérito individual. O segundo é o campo da família da esposa,

que ajuda um jovem a conseguir uma posição e faz isto por um

impulso benéfico, fazendo-se instrumento da vida, ao oferecer a

um indivíduo nascido pobre uma oportunidade de melhorar,

como é seu direito, suas condições de vida.

O problema surge com o tipo de uso que ele faz desta oferta.

A vida lhe dá essa oportunidade porque aquele jovem possui al-

gumas qualidades para subir. Mas ele não compreende o signifi-

cado dela. Não se trata de gozar a vida sem se importar com os

meios, por ter saído de um destino de pobreza, nem de fazer jus

a um prêmio pela astúcia em prejuízo de outros. Ele não entende

que, ao contrário, trata-se de um exame para medir sua maturi-

dade, o qual lhe permitirá, se ele souber superá-lo, passar a um

nível evolutivo superior. Neste exame, ele teria que dar prova de

ordem e autodisciplina, não abusando de uma oportunidade fa-

vorável, mas sim procurando, em vez disso, conquistar aquelas

qualidades que são indispensáveis para poder gozar definitiva-

mente das vantagens oferecidas por uma posição mais avançada.

Mas, em vez disso, que fez aquele jovem? Adquirindo velo-

cidade na via de ascensão gratuita que se lhe abria em frente, a

facilidade de percorrê-la, oferecida a ele como um convite a

aproveitar-se ilimitadamente, levou-o, por insuficiência de au-

tocontrole, a uma explosão do instinto de crescimento. No en-

tanto o exame consistia exatamente num teste de autocontrole.

É assim que este jovem, no momento do maior triunfo, quando

acreditava ter alcançado o ápice, constatou ter falhado na prova

e, na qualidade de aluno reprovado, foi obrigado a recomeçar

desde o início, com um novo exame.

Que acontece a ele então a partir deste momento? Vemos

que a vida lhe retira todos os favores, deixando-o à mercê de

seus próprios instintos. Por que isto? Porque ela não executa o

trabalho de corrigir as nossas trajetórias erradas, tarefa que cabe

a nós, mas somente nos oferece os meios para corrigi-las. Ora,

aquele jovem havia recebido estes meios e, em vez de se dar ao

trabalho de utilizá-los bem, terminou por desperdiçá-los. Esta

era a sua culpa. Todavia ele tinha algumas qualidades, que

constituíam matéria prima para chegar a um melhoramento. En-

tão não se podia desprezar aqueles valores, somente porque este

jovem, na primeira vez, não passou no exame. Bastava mandá-

lo de volta à escola, para que ele se preparasse de novo e, repe-

tindo a experiência, aprendesse a lição não compreendida.

Foi assim que terminou a fase de benefícios, e a vida se

preparou para fornecer um curso diferente de ensinamentos,

desta vez com outros meios, mais persuasivos, porque se tra-

tava de um aluno “difícil de aprender”. Assim se explica por

que a vida passou a usar o método do constrangimento, e não

mais o da oferta. Ela devia fazê-lo experimentar em primeiro

lugar os efeitos dos erros cometidos, para eliminar nele a von-

tade de repeti-los. Eis por que vemos agora aquele jovem ser

atingido por uma série de golpes adversos, que o param na es-

trada dos triunfos fáceis, obrigando-o a refletir e a aprender a

lição. Chega-se assim a uma nova fase do desenvolvimento do

fenômeno. Trata-se de um trabalho de outro tipo, não mais li-

vre, e sim coativo, não mais oferecido, e sim imposto pela vi-

da, a fim de que o sujeito não fuja mais ao dever de se corri-

gir. Depois de uma vitória não merecida, chega a penitência e,

com ela, a compreensão e a redenção.

A história dele já chegou a este ponto, bastante significati-

vo. Enquanto escrevemos, estamos observando seu desenvol-

vimento. No outro campo de forças, formado pela família de-

la, que, mesmo não sendo seu dever, tem querido ser útil, não

há desapontamento, porque seus cuidados para com ele não

foram desperdiçados, ainda que o resultado fosse negativo. Is-

to aconteceu por culpa dele, que então sofria o dano, e não por

culpa da família, que havia querido somente fazer o bem e,

por isso, recebia o benefício correspondente. Não importa se a

positividade do auxílio acabou neutralizada pela negatividade

das qualidades do indivíduo que o recebeu. As contas com as

leis da vida são individuais.

A história daquele jovem passou de uma fase que parecia

afortunada a uma de infortúnio. Isso é o que aconteceu de fato, e

demos aqui a explicação. Assim compreende-se não só o signifi-

cado e o escopo da onda inicialmente favorável, mas também da-

quela posteriormente desfavorável. A vida volta a investir, quan-

do o indivíduo possui qualidades positivas, que ela não quer dei-

xar inutilizadas e que o tornam educável. A potência usada na

ação corretiva por parte da vida é proporcional à quantidade de

36 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

negatividade que ela deve vencer, para realizar a correção da tra-

jetória errada, de modo a poder sempre triunfar, endireitando-a.

Eis que o reinicio salvador, constituído de novas provas, autori-

za-nos a pensar que, no caso agora tomado para exame, assim

como em todos os casos nos quais aquele reinício ocorre, o defei-

to é sanável, sendo possível então, depois de um novo período de

ensino e do correspondente exame, prever o bom resultado de to-

do este trabalho. Mas estas previsões somente são possíveis

quando se conhece a técnica funcional do fenômeno.

◘ ◘ ◘

Depois de termos visto o caso dele, observemos agora quem

era ela e qual era seu comportamento. Inteligente, trabalhadora,

correta e autossuficiente, ela concebia o matrimônio como uma

união com direitos e deveres iguais para ambas as partes. O velho

sistema ditatorial, do machão e da mulher sujeita a ele por direi-

to, justamente pela própria inferiorização da mulher, era para ela

inconcebível. Neste ponto, sendo ele, para sua própria comodi-

dade, seguidor dos velhos métodos de vida, nasceu o dissídio.

Ele entendia o matrimônio de outro modo. Assim, transferindo-se

para a capital, começou a gozar a vida, gastando consigo mesmo

os seus ganhos e deixando a mulher com a família dela, a quem

ele reservava apenas as sobras de seu tempo. Porém ele não havia

entendido que a capacidade de resignação de uma mulher que

trabalha e ganha não é a mesma da mulher submissa de outrora.

Mas ela teve paciência. Enquanto o marido, bem seguro de

si, usava o velho método, decidido a praticá-lo definitivamente,

ela observava e esperava. Avisou-o, acenando com a separação.

Ele arrependeu-se, fez promessas e recomeçou tudo de novo.

Ela queria evitar um rompimento e não o aceitaria senão cons-

trangida. Por isso evitava provocá-lo. Enquanto isso, ela proje-

tava montar a casa própria para viver em família. O marido fin-

gia consentir, mas nada fazia depois. A mulher começou a per-

ceber o entrave que representaria para a sua sistematização ter

consigo um indivíduo que se propunha a outros fins. Ele come-

çava a se tornar um empecilho do qual era urgente se livrar. En-

tretanto o tempo passava, perdido nestas tergiversações, em

prejuízo dela, que queria trabalhar e construir para si uma posi-

ção. O momento era crítico e impunha-se uma solução. Mas ela

desejava ser honesta e não provocá-la. Como resolver o pro-

blema? O jovem estava decidido a continuar seu caminho, ilu-

dindo a mulher com promessas não mantidas. Ela, porém, não

tinha o dever de se sacrificar somente para prolongar um estado

de fato que, se era cômodo para um, prejudicava o outro. Neste

momento, a Lei, por seu princípio de ordem, foi obrigada a in-

tervir, resolvendo o caso. Observemos como ela funcionou.

Narremos primeiro o fato, para depois explicarmos a técnica.

Por um senso de dever que a levava a não provocar uma se-

paração, ela adiava sua decisão, procurando evitar uma solução

neste sentido. Mas as leis da vida sabiam que ela não merecia

ser sacrificada. Quem havia falhado no exame e tinha necessi-

dade de experimentar uma prova corretiva não era ela, mas sim

ele. Então era necessário isolar os dois destinos, para que cada

um, obtendo o tratamento merecido, andasse pelo seu caminho,

os quais eram neste momento diferentes demais um do outro

para poderem coincidir. A vida seria contraditória, se houvesse

favorecido a negatividade em prejuízo da positividade.

Vejamos o que aconteceu.

Numa tarde, ela, guiando seu automóvel, ia de sua pequena

cidade à capital vizinha. Chegando a um primeiro subúrbio, o

automóvel parou. Devia haver um defeito. Isso aconteceu exa-

tamente próximo de um posto onde ela costumava reabastecer o

carro. O carro foi então empurrado e colocado num estaciona-

mento. Mas, agora, como ela iria à cidade, estando assim dis-

tante, na periferia? Era noite avançada. Ela pensou: “Táxi é di-

fícil, e onde poderia encontrar um?”. Mas, quando olhou, viu a

poucos passos um táxi vazio. O motorista estava no bar vizi-

nho, e ela o chamou. Tudo ficou pronto e partiram.

Assim, ela chegou à pensão do marido, onde, de outro mo-

do, não teria ido, se o seu carro não tivesse quebrado. Este era o

fato que a obrigava a pedir emprestado o carro dele, para voltar

para casa. O marido chegou logo depois, acompanhado de sua

amante. A separação foi então decidida. Mas ele devia acompa-

nhar a mulher até à casa dela, porque ela estava a pé. Chegaram

à garagem na periferia, onde ela havia deixado o carro defeituo-

so. Então ela simplesmente ligou o motor e o carro funcionou!

Não havia nenhum defeito. Ela voltou para casa com o seu pró-

prio carro, que funcionava perfeitamente, enquanto ele voltou à

pensão com o dele. Assim, silenciosamente e fatal como um

destino, com meios mínimos, mas bem coordenados em direção

a um mesmo fim, tudo se encaminhou para realizar a separação.

Quem combinou com exatidão cronométrica todos os pequenos

acontecimentos, para levá-los a este resultado?

Uma primeira observação. A Lei funciona por pequenos

movimentos, exatos e oportunos, sem nenhum desperdício de

tempo e trabalho, sempre com o máximo rendimento para atin-

gir o fim desejado. Por exemplo: para fazer andar um trem de

Roma para o Norte ou para o Sul, basta estabelecer-se, na esta-

ção de partida, um movimento de poucos centímetros na dire-

ção dos trilhos. Isso é suficiente para definir a rota que o com-

boio depois seguirá. Aquele movimento mínimo é decisivo, to-

davia, no momento em que ele acontece, ninguém se dá conta.

Mas o chefe da estação, tendo sob os olhos o mapa de todas as

linhas ferroviárias e conhecendo os efeitos daquele movimento,

pode percebê-lo. Assim também faz a Lei, que sabe o que fazer

e por que fazer, para realizar seus fins, segundo seus planos.

Então ela os desenvolve com movimentos simples, mas não di-

vergentes, e sim convergentes em direção ao ponto desejado,

sem erros e sem desperdícios, movidos no mesmo sentido, com

uma direção única e decisiva. Estamos nos antípodas do siste-

ma humano das tentativas, feito de incertezas, com enorme

desperdício de meios, porque não se sabe usá-los como se deve.

Continuemos a analisar o caso aqui em exame. Narramos os

fatos como eles aconteceram. Resta agora compreender por que

eles ocorreram assim. A primeira coisa que salta à vista é a esco-

lha de elementos de natureza variada, mas cada qual colocado em

seu devido lugar, com referência ao fim a ser atingido, manifes-

tando uma cooperação de movimentos que cumprem cada um a

sua função no momento devido, tendo sempre em vista aquele

fim. Para se realizarem oportunamente, eles acontecem em uma

dada ordem e velocidade, razão pela qual somos levados a pensar

que o seu desenvolvimento seja dirigido por uma mente que quer

executá-lo segundo um plano preestabelecido. O fenômeno se

manifesta decisivamente construído deste modo, fato cuja expli-

cação não pode ser atribuída ao acaso. O cálculo das probabilida-

des não permite senão uma possibilidade ínfima de que todos

aqueles elementos tão díspares se combinem ao mesmo tempo,

ligando-se como componentes de um mesmo fenômeno, para

convergir em direção à mesma solução. O fim a ser alcançado,

em função do qual o fenômeno se move, é tipicamente positivo,

correspondendo aos princípios de lógica, retidão e bondade, so-

bre os quais se baseia a lei que rege as construções realizadas pe-

la vida. A mente diretriz sabe o que faz e sabe como fazê-lo. Isto

não só prova a sua presença, mas também a sua superioridade,

inteligência e capacidade de realização. Assim, se quisermos ex-

plicar os fatos que temos constatado, não nos resta alternativa,

senão admitir tudo isto. Devemos reconhecer então que tais fe-

nômenos não somente são dirigidos por uma inteligência que sa-

be os objetivos antepostos aos fatos, mas também estão submeti-

dos a uma vontade que busca atingir estes fins, sendo preparados

para isso segundo uma técnica funcional apropriada.

A sabedoria desta mente é demonstrada pelo rendimento de

tal técnica, que permite obter, com os mínimos meios, o máxi-

mo resultado, alcançando o produto máximo utilitário do esfor-

ço. Isso corresponde a um inteligente princípio de economia, no

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 37

qual é suprimido o gasto inútil de energias, que, ao invés de se

dispersarem na desordem, são mantidas dentro da ordem, para

convergirem em direção ao fim devido.

Do exame destas constatações derivam importantes conse-

quências práticas. Se cada acontecimento ocorre segundo um

desenvolvimento lógico, planejado com antecedência, e é orien-

tado em direção a um determinado fim, eis que, conhecendo a

técnica do fenômeno, é possível prever o seu resultado. O pro-

blema é compreender qual é o tipo das forças em movimento e

a conclusão para a qual, por conseguinte, a inteligência da vida

deseja levá-las, dados os antecedentes que esta encontra à sua

disposição como material de construção do acontecimento. Eis

que possuímos os elementos para tentar uma futurologia racio-

nal e entender a vida de outra maneira.

Outra consequência está no fato de que, sendo possível pre-

ver os efeitos das próprias ações, pode-se viver um tipo de vida

planificado, e não mais ao acaso. Pode nascer assim um novo

modelo de ética, baseado sobre outros princípios. Então o pro-

blema da luta pela sobrevivência pode ser enfrentado de três

formas: 1) A primeira, a mais antiga e involuída, representada

pela ética da força, com base no direito do vencedor através da

violência (guerra e assalto – nível material); 2) A segunda, me-

nos antiga e mais evoluída, é representada pela ética da astúcia,

com base no direito do vencedor através do logro (força da

mente – nível intelectual); 3) A terceira, cujo uso ainda não é

comum, pois é mais evoluída, pertence ao futuro e é represen-

tada pela ética da retidão, com base no direito do melhor como

valor social, enquadrado na ordem coletiva (estado de vida or-

gânico, segundo a Lei – nível espiritual).

É nesta terceira fase de seu desenvolvimento moral que a

humanidade hoje, fatalmente, prepara-se para entrar, levada até

este ponto pela evolução. A violência é o desencadeamento es-

túpido e cego do ignorante primitivo. A astúcia já é um funcio-

namento da inteligência, mas, em sua fase elementar, impregna-

da ainda da negatividade do involuído. A retidão significa a

compreensão das leis da vida, sendo esta a fase do homem ilu-

minado, em que ele, pelo fato de ter compreendido, colocou-se

na ordem e, funcionando com ela, funde-se na organicidade, pe-

la qual se torna mais protegido na sua luta pela sobrevivência. É

assim que o conhecimento pode produzir consequências hoje in-

críveis, pois, induzindo-nos a viver de forma diferente, correta-

mente orientados em relação ao funcionamento do todo, ele nos

permite obter todas as vantagens que tal condição nos oferece. A

vida nos dará tudo, desde que nós mereçamos, dando garantia de

sabermos usá-lo para o nosso bem, e não para o nosso mal.

É necessário compreender que, nesta nova ordem, a força

do indivíduo está em coordenar seus movimentos com os de um

grande organismo, e não em contrariá-los com o seu individua-

lismo. Será a força da união que estabelecerá o poder dos novos

regimes, pelos quais serão superados os antigos, exaustos pelos

atritos oriundos dos contrastes entre aqueles que não sabem co-

ordenar-se para cooperar. Então nos moveremos de acordo com

a Lei e, assim, em vez do dano de sua resistência, teremos a

vantagem de seu apoio.

No caso agora observado, a Lei é a favor da esposa, ajudan-

do-a por esse motivo, mas é contra o esposo, razão pela qual

lhe coloca obstáculos. Aqui podemos assistir à vitória do méto-

do defensivo com base na retidão sobre aquele apoiado na força

e na astúcia, que se mostra menos potente, pois, dada a sua in-

volução, é de qualidade inferior. Assim se explica como foi

que, em vez do jovem explorador e provido de astúcia, pôde

vencer a jovem, que era movida pelos princípios da retidão e

não contava com outro recurso além desta. A revolução hodier-

na consiste nesta troca do método de luta pela sobrevivência,

para alcançar um sistema com base num princípio mais evoluí-

do e, portanto, mais vantajoso, que fatalmente prevalecerá.

◘ ◘ ◘

Fechemos o exame deste caso com algumas observações.

Em nossa vida quotidiana, estamos imersos nestas combinações

de fatos, porém não os analisamos nem levamos em conta sua

estrutura íntima e seu funcionamento. Paramos na superfície,

deixando de ver o pensamento que, escondido no interior, dirige

estes fatos com uma técnica sutil. Cada elemento é avaliado,

controlado e coordenado com os outros elementos do fenômeno,

de modo que todos juntos cooperam para alcançar o mesmo fim.

Trata-se de fatos simples, desprovidos de aparato dramáti-

co e de importância histórica. Tais acontecimentos, por serem

mais comuns em vez de grandes e excepcionais, estão próxi-

mos de nós, razão pela qual os escolhemos para examinar

aqui, pois, apesar de corriqueiros e variados, adquirem, se

compreendidos na sua substância, o significado de momentos

do desenvolvimento lógico de um destino. Vemos desse modo

que as grandes leis da vida se manifestam também nas coisas

mínimas, às quais não damos importância. O que decide o êxi-

to não é o volume das forças colocadas em movimento, mas

sim a sua qualidade, segundo a qual se forma a corrente posi-

tiva e favorável ou, no caso oposto, negativa e desfavorável.

As leis da vida são universais e, por isso, permanecem verda-

deiras e operantes em todas as dimensões.

Outra observação. Vimos que, sabendo-se qual o tipo das

forças em ação, pode-se conhecer a direção que elas tomam e a

conclusão à qual devem chegar. Mas isto não basta. Pergunta-

mos, agora, quando e como acontece o estabelecimento do im-

pulso resolutivo do acontecimento? Qual é o fato que determina

o movimento catalisador, encarregado de cumprir a função de

fechar o percurso da trajetória? Ao longo de seu desenvolvi-

mento, nota-se uma tendência de concentração crescente da

convergência dos movimentos das forças em ação, até elas al-

cançarem uma posição conclusiva, não mais de causa, e sim de

efeito. Este ponto de chegada representa o ponto de partida para

o lançamento de uma nova trajetória, e assim por diante. O tra-

jeto de cada acontecimento representa, portanto, apenas uma

fase do fenômeno maior, que se percorre por concatenação cau-

sa-efeito, dando origem ao desenvolvimento de um destino ou a

uma série deles, que formam a história do mundo.

No caso exposto, vimos os elementos em jogo predisporem-

se na ordem necessária para concluir cada um segundo suas

qualidades, isto é, de negatividade para o jovem e de positivi-

dade para a jovem. Mas, enquanto não se verificar uma preva-

lência, o tipo do caso não é passível de definição, não sendo

possível saber em que posição ele se resolverá. Certamente, o

fenômeno não pode permanecer para sempre num ponto inter-

mediário, no qual a positividade e a negatividade se equilibram

em medidas iguais. Ele deverá, portanto, chegar a uma preva-

lência num sentido ou noutro. Neste ponto, o movimento catali-

sador atinge o momento crítico de saturação, resultante da pre-

valência dos elementos de um tipo ou de outro, como vimos no

caso dos dois jovens. Isso significa que o fenômeno, quando se

forma uma prevalência de elementos positivos, fica saturado de

positividade e, então, resolve-se neste sentido, com todas as

consequências relativas. Quando, porém, acontece o contrário,

o fenômeno fica saturado de negatividade e, então, resolve-se

neste outro sentido. Observamos aqui o caso de uma saturação

no sentido negativo, porque o fenômeno se torna mais evidente.

Mas como é possível estabelecer mais exatamente o mo-

mento crítico no qual o fenômeno se precipita para a sua con-

clusão? Quando uma torre, por defeito de fabricação, pende

além de um dado limite, ela, pela lei da gravidade, tomba. As-

sim, quando o resultado das forças que compõem um aconteci-

mento é uma impregnação de negatividade além de uma dada

medida, então ele, por um princípio de ordem, resolve-se pelo

negativo. O desequilíbrio somente é tolerado dentro dos limites

estabelecidos por aquela ordem, levando à ruptura tão logo a

negatividade, isto é, a posição contrária às leis do equilíbrio,

38 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

prevaleça. Assim como se pode calcular antecipadamente em

que momento a torre desmoronará, também é possível, conhe-

cendo-se os elementos do fenômeno, estabelecer como e quan-

do o caso se resolverá. Se não estiver impregnado e corroído

pela negatividade, então, assim como a torre não desmorona, o

acontecimento não se precipita.

O acúmulo dos impulsos negativos, contrários à estabilidade

e causadores de desequilíbrio, é lento. Forma-se com o abuso, o

assalto, o desfrute e toda forma de injustiça. No caso de nosso

jovem, o movimento catalisador do fenômeno verificou-se

quando ele, com a sua conduta, saturou-o de negatividade além

dos limites suportáveis, rompendo o equilíbrio estabelecido pe-

las leis da vida. Assim, aquele jovem avançava triunfante à cus-

ta da família da esposa, sem compreender que estava contrain-

do débito com a justiça (lei de equilíbrio) e que, quanto mais

aquela família o ajudava por bondade dela, tanto mais crescia o

crédito adquirido por ela perante aquela mesma justiça. Quanto

mais se estica o elástico no sentido da injustiça, tanto mais ele

tende a voltar atrás no sentido da justiça. Isso porque, quanto

mais um indivíduo se expande à custa dos outros, tanto mais es-

tes são lesados em seu direito à vida.

Assim, o desequilíbrio foi aumentado, até ocasionar um

acerto de contas, com o retorno à posição de equilíbrio, imposto

pela justiça. A violação do jovem não podia deixar de chegar a

um ponto de ruptura, no qual a Lei restabelecia sua ordem, sen-

do a injustiça do violador vencida pela justiça da Lei. Isso signi-

fica que o mal feito devia recair sobre os ombros de quem o ha-

via feito, e não sobre o de terceiros inocentes. Isto prova que

somos livres para praticar o mal, mas somente enquanto a Lei o

permite, não nos sendo possível praticá-lo até subverter a ordem,

que retoma a superioridade, tão logo sejam superados os seus

limites de tolerância. Assim, em cada acontecimento, é sempre

necessário fazer as contas não apenas com a nossa vontade e

atos mas também com a Lei, que é a força diretriz do fenômeno.

Cabe a ela a última e resolutiva palavra, não sendo possível ja-

mais a vontade de desordem vencer definitivamente, o que ame-

açaria o êxito da obra e a consecução dos fins da vida. Portanto

tem necessariamente de chegar o momento no qual o violador

deve pagar seu débito para com a justiça e a vítima deve receber

o seu crédito. No caso agora examinado, esta é a razão pela qual

isto aconteceu. De fato, no momento resolutivo narrado acima, a

vida tornou-se para ele uma série de provas e dificuldades, en-

quanto para ela aconteceu o contrário. Esta mudança de rumo

não se explica senão pela intervenção por parte da Lei.

Tudo isso nos faz ver quão importante é conhecer a Lei e tê-

la em conta na própria conduta, porque é a sua vontade, e não

somente a nossa, que pesa na solução do acontecimento. O re-

sultado depende de ambos os impulsos, que estão ativamente

empenhados. Para facilitar a compreensão, explicamos o fenô-

meno através de uma comparação simples. A vida, para atingir

seus fins, costuma seguir um esquema próprio, assim como o

desenho feito por um tapeceiro. Mas, para fazê-lo, ela dispõe

apenas de alguns fios, com formas e cores diferentes, que o in-

divíduo, seu operário, quer trançar a seu modo, para formar o

desenho. Cada um destes fios representa uma das qualidades do

sujeito, com as quais ele construirá o acontecimento, assim co-

mo se constrói uma tapeçaria. O desenvolvimento de cada linha

corresponde a uma força que avança no feixe a que pertence,

combinando-se com todos os outros fios, para construir o tecido

da tapeçaria ou o desenho do acontecimento.

Também escolhemos o caso apresentado aqui, feito de ne-

gatividade e situado em posição de conflito com a Lei, porque

este contraste o torna mais evidente e facilmente analisável,

quando comparado à condição na qual o indivíduo vive segun-

do as leis da vida e faz sua vontade coincidir com a dela. Qual é

então a técnica do fenômeno, quando há oposição entre as duas

vontades, cada uma querendo executar um esquema diferente?

A mente diretriz do tecelão (a Lei) deixa que o operário traba-

lhe negativamente, a seu modo, mas reservando-se o direito de

destruir o trabalho realizado, para obrigar o indivíduo a refazê-

lo corretamente, tudo de novo. Isso para o bem do aluno que,

por sua ignorância, foi levado a errar.

Mas por que este sistema? Porque aqui se trata de uma esco-

la onde, conforme a analogia feita, deve-se aprender a tecer ta-

peçarias bem feitas, com um desenho correto. É necessário,

portanto, permitir ao aluno a possibilidade de errar, mas para

ensiná-lo a não errar mais, deixando-lhe a liberdade de lançar

trajetórias erradas, para ele endireitá-las depois, aprendendo as-

sim a corrigi-las e a lançar corretamente as novas trajetórias. Se

os fios de que o aluno dispõe representam as qualidades de sua

personalidade e se o desenho da tapeçaria, resultado da combi-

nação deles, expressa a construção da sua personalidade, reali-

zada até aquele momento, eis que o trabalho atual de aprendi-

zagem serve para a construção de novas e sempre melhores

qualidades, com a técnica realizada pela transmissão ao sub-

consciente ou assimilação das provas.

Que acontece, então, quando a iniciativa do operário preva-

lece, levando a uma construção errada, que necessita de corre-

ção? A Lei toma aquele feixe de forças indisciplinadas e as re-

põe em ordem. Expressando-nos segundo os termos da analogia

aqui apresentada, a vida não deixa mais os fios livres para se

entrelaçarem a seu modo, mas faz cada um deles passar e avan-

çar aprisionado entre dois dentes de um pente, segundo o qual

deve seguir sem escapatória um percurso obrigatório, corres-

pondente ao desenho correto. Assim, seja qual for o caso, o re-

sultado finalmente obtido é aquele desejado pela Lei.

Uma primeira observação se refere a conhecer a realidade

que há por trás desta imagem de fios espremidos entre os den-

tes de um pente. Surge o problema de saber como a mente di-

retriz da vida pode levar o indivíduo a agir do modo que ela

deseja. Pode-se pensar em uma influência por parte da mente e

da vontade da Lei sobre a mente e a vontade do indivíduo, de

modo a induzi-lo a um dado comportamento, realizando de-

terminadas ações, das quais deriva a construção de aconteci-

mentos específicos. Mas aqui podemos somente expor o pro-

blema, porque nossas indagações ainda não nos oferecem os

elementos para resolvê-lo, de vez que se trata de um campo

novo e imenso, ainda a ser explorado.

Outra observação se refere ao fato de que, para facilitar a

compreensão do caso tomado para exame, imaginamos a Lei

numa forma antropomórfica, como um indivíduo que pensa,

age e, consequentemente, é capaz de intervir no fenômeno, tudo

isso, porém, apenas como uma concepção ideológica. Certa-

mente a Lei afirma, mas somente enquanto estabelece aquilo

que o homem deve fazer e este a nega, querendo agir a seu mo-

do. Quem de fato inicia e realiza o movimento é somente o in-

divíduo, uma vez que a Lei não se move, mas apenas mantém o

ser ligado às consequências de suas ações. Trata-se, portanto,

de uma colaboração entre duas posições contrárias, opostas e

complementares. O indivíduo lança uma trajetória, e a Lei esta-

belece os resultados do percurso. O ser, porque é ignorante, de-

ve aprender, movendo-se por tentativas. A Lei, porque sabe e

quer fixar as normas segundo as quais o homem deve movi-

mentar-se, permanece imóvel.

Façamos uma comparação. A Lei é a estrada que estabelece

o percurso, e o homem é o automóvel que a percorre. Este pode

lançar-se na direção que desejar, mas, se não seguir o percurso

que a estrada lhe traçou, acabará batendo quem sabe onde. A es-

trada não se move nem faz nada, somente define o caminho.

Mas, se o carro comete um erro, é a estrada que estabelece qual

o erro cometido, que, segundo a natureza deste, o carro deve pa-

gar. Trata-se de duas vontades bem definidas, das quais uma se

expressa de forma passiva e a outra de forma ativa. A primeira

não faz nada, mas apenas afirma: “Eu sou a estrada”. O homem

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 39

move-se nela, encontrando as normas que devem regular seus

movimentos. Vemos o primeiro elemento representado pelos

mandamentos de Moisés e o segundo, pelo povo dos crentes.

Ora, quando o indivíduo se move de acordo com a estrada,

seguindo-a, tudo vai bem. Quando, porém, ele faz o contrário,

então sai fora dela e se arrebenta. Não é a estrada que o arre-

benta, mas é ele que se arrebenta ao sair fora dela. Não se trata

de punição ou vingança por parte da Lei, mas sim de uma con-

sequência da própria má conduta. A Lei não julga, ela sim-

plesmente estabelece. Quem a viola fica automaticamente con-

denado aos tristes efeitos de sua violação, assim como quem a

segue fica ligado aos efeitos benéficos de sua obediência.

Movemo-nos em um mar de leis e, se não as observamos,

o prejuízo é nosso. Quando perdemos o equilíbrio e caímos,

ninguém pensa que isso seja devido a uma punição. No entan-

to somos levados a imaginar o fenômeno sob esta forma, por-

que ela corresponde aos nossos hábitos mentais. Tende-se a

atribuir à Lei qualidades humanas, semelhantes às nossas pai-

xões e estados emotivos, enquanto ela, em substância, é abs-

trata e impessoal. Nas páginas precedentes, para facilitar a

compreensão, usamos a forma humanizada. Mas agora, para

evitar mal-entendidos, devemos colocar em foco aqueles con-

ceitos com mais exatidão.

Agora, podemos compreender melhor aquilo que aconteceu

ao jovem no caso aqui tratado. Ele simplesmente saiu da estra-

da, tendo sido o resultado uma salutar lição para voltar a ela. O

movimento catalisador do fenômeno foi uma mudança de dire-

ção forte demais. Deste momento em diante, ele não permane-

ceu mais livre, de modo que seus movimentos indisciplinados

foram obrigados a se desenvolver ordenadamente, engrenados

na disciplina da Lei. A jovem, pelo contrário, uma vez que

permaneceu na estrada, não foi obrigada a voltar a ela. Eis em

que consiste a intervenção da Lei nos acontecimentos humanos.

Foi assim que o rapaz usou e abusou da liberdade, subvertendo-

a. Agindo contra a Lei, sua liberdade foi substituída pela força

de coação, através do que ele redimiu-se, assumindo os encar-

gos da família. Para a jovem, ao contrário, pelo fato de não se

ter desviado, não lhe foi exigida qualquer correção, tendo ela

permanecido livre, como era desde o início.

V. SEGUNDO CASO

Observamos agora um caso no qual se pode depreender que

o mal recai sobre quem o faz. Trata-se de um episódio comum

da vida, tão simples, que pode parecer banal. Porém é exata-

mente esta sua simplicidade a razão pela qual o escolhemos,

pois, despojado de acessórios que complicam e distraem, per-

mite-nos ver com maior evidência não só a sua estrutura e sig-

nificado, mas também o funcionamento da Lei.

A Lei funciona em todos os lugares e dimensões, tanto nas

grandes como nas pequenas coisas, desde o campo moral até

ao físico e dinâmico. E é exatamente esta sua potência de pe-

netração até nas mínimas coisas que demonstra a sua univer-

salidade. A Lei não nos aparece como um Deus sentado sobre

o trono com cetro e coroa, segundo a representação que se fa-

zia do poder na Idade Média. Também esta imagem se demo-

cratizou hoje, despindo-se de seu grandioso aparato, mas mos-

trando-nos em compensação um Deus intensamente vivo, pre-

sente e operante também nos mais simples e mínimos detalhes

de nossa vida. Portanto, ao invés de abandonarmos os peque-

nos casos, crendo que eles não possam revelar a Lei, como se

fossem separados do funcionamento do todo, buscamos neles

exemplos de sua atuação.

Eis o fato. Uma pessoa costumava passar algumas semanas

de férias hospedada numa casinha de um seu amigo. Pagava o

favor, executando alguns trabalhos. Para ele, obrigado a viver

sempre recluso na cidade, eram muito agradáveis estes perío-

dos de repouso na paz dos campos. Quando se ausentava, este

seu amigo o deixava como dono da casa e com meios para vi-

ver, não obstante encontrar-se em um momento de grandes

preocupações financeiras.

Em uma destas ausências, verificou-se um defeito na insta-

lação hidráulica, coisa facilmente sanável, especialmente para

um mecânico como era aquela pessoa. Paremos um momento

para observar a posição dos vários elementos que constituíam

aquele caso. Havia surgido um problema. Aquele indivíduo de-

via resolvê-lo e, para isto, tinha de escolher entre as duas estra-

das possíveis. Por um lado, ele podia se propor a atingir um re-

sultado próximo e com um fim egoístico, preocupando-se so-

mente com a sua vantagem imediata. Por outro lado, ele podia

resolver o caso, visando um resultado longínquo, para vanta-

gem não apenas exclusivamente de si mesmo, mas também do

amigo que o hospedava. Em outras palavras, ele podia sim-

plesmente ir embora, deixando o defeito intacto, abandonado a

si próprio, de modo que o amigo, quando chegasse cansado do

trabalho, encontraria a bela surpresa de ter de se submeter à fa-

diga de consertar tudo, ou então, em vez de não se importar

com a sorte do amigo, ele mesmo podia fazer este trabalho, que

o dever de piedade e também de gratidão lhe impunha, porque

estava descansado e com tempo à disposição, tratando-se, por-

tanto, de trabalho pouco penoso.

Esta escolha devia acontecer no momento em que, aconte-

cendo o defeito, surgia o problema de consertá-lo. Porém tal

decisão dependia de um fato precedente a ela, cujos efeitos le-

vavam a desenvolvê-la em suas consequências. O fato prece-

dente era a forma mental que aquela pessoa possuía, tal qual ela

se tinha construído em seu passado, estabelecendo seu tipo de

personalidade e qualidades relativas. Os efeitos eram conse-

quência de seu comportamento, dado por esta forma mental.

Os dois caminhos andavam em duas direções, levando a

dois pontos diversos, que assinalavam o ponto de chegada em

direção ao qual se movia aquele desenvolvimento de forças.

Nesta concatenação de fases no desenvolvimento do fenômeno,

as primeiras causas ligavam-se aos últimos resultados.

Que aconteceu então? Aquela pessoa, segundo a sua nature-

za egoísta, pensou somente em si mesma e em sua própria van-

tagem imediata, buscando não ter aborrecimentos e desinteres-

sando-se das consequências. Assim a trajetória daquele indiví-

duo, naquele momento decisivo, no qual podia realizar uma

correção em vantagem própria, iniciou, pelo contrário, um novo

impulso negativo na trajetória em que se encontrava, que foi

lançada avante. Deste momento em diante, as consequências ao

longo desta linha se desenvolveram fatalmente.

Se aquela pessoa fosse de outro tipo, ela teria consertado o

defeito e o amigo não se teria assustado com tal hóspede, que,

vendo as coisas erradas, abandonou a casa sem preocupar-se

com elas e retornou tranquilamente à cidade, pensando somente

em si mesmo. Assim, alguns dias depois, o amigo voltou ao

campo, encontrando a casa vazia e com os utensílios de uso do-

méstico mais urgente não funcionando. Ele havia chegado com a

família à tardinha, já anoitecendo, cansado do trabalho de toda a

semana. E não havia àquela hora, com facilidade, operários para

consertar o defeito, sendo preciso procurá-los. Em vez de cear e

repousar, era necessário pôr-se a trabalhar sozinho e naquelas

condições. Pesava assim mais uma fadiga, quando já estava can-

sado de outra tarefa. Além disso, ainda havia o temor de que

houvesse despesas a serem feitas, trazendo assim novas preocu-

pações naquele momento de dificuldades financeiras.

Aquele era o presente que, por fazer da casa do amigo sua

própria comodidade, a pessoa generosamente hospedada lhe

havia deixado, sem nem ao menos pensar, depois de haver pro-

vocado aquele defeito, em fazer qualquer tentativa de consertá-

lo. Assim formou-se fatalmente, no ânimo do amigo benfeitor,

em relação a esta pessoa, a imagem de um indivíduo perigoso e,

40 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

com isto, um impulso de legítima defesa, levando a uma neces-

sidade urgente de se livrar dele. A ação não podia produzir se-

não uma reação do mesmo tipo. Os efeitos foram da mesma na-

tureza das causas que os puseram em movimento. Isto significa

que, se ele tivesse se comportado de maneira oposta, também

opostos teriam sido os resultados. Assim ele foi rapidamente li-

quidado, perdendo a amizade e os descansos campestres. Caí-

ram-lhe sobre os ombros todas as desvantagens. Se este homem

fosse diferente e tivesse escolhido a outra estrada, teria aconte-

cido o contrário, tudo em sua vantagem. A contração egocêntri-

ca não se teria produzido na mente do benfeitor, se o beneficia-

do não a tivesse provocado com uma correspondente contração

egocêntrica em sua própria mente. Se, em vez de pensar somen-

te em si mesmo, ele tivesse pensado também no seu amigo, este

teria de igual modo pensado nele e não teria sido induzido a se

tornar egoísta. Assim o impulso retornou intacto ao emitente.

Isto é o que acontece tanto no bem como no mal. Então, a um

mesmo estímulo cada um responde do seu próprio modo e co-

lhe as consequências do seu tipo de resposta.

Se atentarmos somente ao fato, veremos que não há propor-

ções entre aquele incidente tão pouco importante e o efeito re-

sultante do seu desfecho. Mas o que vale neste caso não é o fato

em si mesmo, e sim o mecanismo da Lei, que ele nos faz ver

funcionar, mostrando-nos como ela realiza os seus princípios

também nas pequenas coisas, fato pelo qual se comprova a sua

presença universal. O que levou ao rompimento entre os dois

não foi o defeito, caso banal e comuníssimo na vida, mas sim o

tipo de conduta com a qual aquela pessoa resolveu o problema

proposto a ela pela vida. Ora, esse tipo de atitude, tão prejudici-

al para quem assim procede, foi justa naquele momento, porque

se tratava de uma consequência do que aquele indivíduo havia

feito no passado, construindo o seu próprio futuro. É necessário

ter em mente que a vida é uma escola na qual quem ignora a

Lei deve, à sua custa, aprender como ela funciona. Então a ino-

cência do ignorante não é uma virtude, e sim um vazio a ser

preenchido com a experiência, até se alcançar o conhecimento

de quem aprendeu e finalmente sabe.

Ora, aquela pessoa era inocente e havia cometido aquele er-

ro porque ignorava os efeitos que decorreriam dele, pois jamais

os havia experimentado contra si mesmo. Portanto não era cul-

pado, como também não o é a criança que ainda não sabe. Mas

não saber não significa que não se deva aprender. E é isso exa-

tamente o que se faz, experimentando-se à própria custa. A

aprendizagem, mesmo que seja forçosa e penosa, não é uma

punição que se aplica contra o aluno por causa de sua ignorân-

cia, mas sim a necessária fadiga para ele sair desse estado. Por

isso a vida não nos poupa esta fadiga, ensinando-nos a lição e

fazendo-nos repeti-la, quando não conseguimos compreendê-la.

É assim que a inocência é um defeito do qual devemos nos cor-

rigir, pois ela significa a ignorância do inexperiente, estado que

implica em outros tantos erros e nas respectivas dores correti-

vas e instrutivas. A ignorância tem seu lugar apenas como qua-

lidade do primitivo, pois a evolução, quanto mais se avança,

tanto mais exige conhecimento.

A vida quer que construamos uma consciência. Quem não a

possui avança por tentativas, experimentando nas zonas inex-

ploradas os efeitos de seus erros e, depois, pagando por eles,

para aprender assim a não mais cometê-los. Esta consciência se

adquire depois de termos recebido o golpe, que representa a li-

ção para nos ensinar a não mais repetir o erro. Também neste

campo moral verifica-se aquilo que acontece nas leis da matéria

e da energia. Elas simplesmente funcionam para todos. O fato

de ignorá-las não altera o seu funcionamento. Se o indivíduo er-

ra porque não as conhece, elas continuam a funcionar, indepen-

dentemente do que lhe acontece. Ele paga o erro e assim apren-

de a se mover a favor daquelas leis, e não contra elas. Se ele

não sabe caminhar, nem por isso elas se modificam, mas o dei-

xarão cair tantas vezes quantas forem necessárias para ele

aprender sozinho. Neste caso, inocência significa somente igno-

rância, com todas as suas consequências.

Assim se explica por que a nossa vida é uma série de pro-

vas. A razão para isto é que ela é uma série de coisas a apren-

der. O fato de não sabermos é exatamente o que nos leva à ne-

cessidade de aprender, para chegar a conhecer. E, se não sabe-

mos, deveremos continuar a pagar por nossos erros, até não er-

rarmos mais. Assim, se alguém faz o mal, é porque não com-

preende que, com isso, está simplesmente atirando sobre si

mesmo o mal praticado, que depois o atingirá. Se compreendes-

se isto, não o faria. A eliminação do mal, então, não se pode

conseguir senão através do conhecimento, cuja conquista cons-

titui assim trabalho fundamental da vida.

Concluímos aqui, recapitulando a série das fases interiores

do fenômeno em seu desenvolvimento. Aquela pessoa era

constituída por um tipo próprio de personalidade, que, dadas

as suas qualidades, não podia funcionar senão como de fato

funcionou. Ao aparecer um problema, esta pessoa o resolveu

pela única maneira que lhe era possível, segundo sua própria

natureza. Representando esta uma construção não aderente

aos princípios da Lei, os efeitos alcançados então, em vez de

benéficos, foram maléficos, recaindo sobre o autor daquele

mal. A corrente de forças negativas de um indivíduo é canali-

zada apenas dentro de seus limites, não podendo mudar a cor-

rente de forças positivas do outro, que, se não semeou o mal,

não pode ser prejudicado. Enquanto o defeito é rapidamente

sanado para um, cabe ao outro, por sua vez, uma reparação

definitiva. Assim o incidente encerra-se de duas maneiras

opostas, mas recebendo cada um igualmente aquilo que mere-

ceu. Eis que o mesmo fato pode produzir efeitos diferentes,

segundo o comportamento de cada um diante dele.

Esta concatenação de passado, presente e futuro estabelece

e nos mostra qual é a linha de desenvolvimento de um desti-

no, entendido como um futuro preestabelecido. As qualidades

do indivíduo determinam o seu modo de resolver os proble-

mas e, portanto, as consequências que receberá disso. No pas-

sado estão as causas determinantes do presente, onde pode-

mos ler qual é o futuro que ele nos prepara. Esta é a razão pe-

la qual se pode prever o desenvolvimento de um destino, pois

ele nada mais é senão o desenvolvimento da semente que car-

regamos conosco. Nada nasce do nada. Qualquer fortuna ou

infortúnio nos vem do exterior, e de cada coisa não saberemos

fazer outro uso senão o estabelecido pela nossa natureza. As-

sim, um destruidor, seja qual for a fortuna que tenha, fatal-

mente a destruirá. Por outro lado, um construtor, seja qual for

o infortúnio que tenha, saberá superá-lo. Vimos então, tam-

bém num caso comuníssimo da vida, como funciona a Lei e

qual a técnica do fenômeno em relação a ela.

VI. TERCEIRO CASO

Observemos agora um caso do mesmo tipo do precedente,

mas com tintas mais fortes, definido por uma carga de forças

mais potentes. Também aqui, os elementos constituintes do fe-

nômeno são dois, dados por dois tipos de personalidade opos-

tos: um construtivo, que não produz senão o bem a seu redor, e

outro destrutivo, que não produz senão o mal. Eles são marido

e mulher, ambos vivendo na mesma casa, sob as mesmas con-

dições. Porém, sendo de naturezas diferentes, cada um segue

uma conduta diversa, alcançando resultados finais opostos, que

se resumem, para a mulher, numa vida familiar tranquila e, pa-

ra ele, na morte. Observemos como se desenvolve este caso, o

qual tivemos sob os olhos, para ver sempre melhor como fun-

ciona o mecanismo da Lei.

O desenvolvimento do fato nos faz pensar que, para cada

um dos dois tipos, já estivesse assinalado na partida um destino

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 41

com caracteres de fatalidade, ao qual era impossível fugir. Mas,

como já vimos, estes caracteres de fatalidade dependem da es-

trutura da própria personalidade, que não sabe e não pode mani-

festar-se senão de acordo com sua natureza, a qual impõe uma

conduta que, depois, leva àquelas determinadas consequências.

A premissa à qual cada um dos dois estava inexoravelmente li-

gado era a sua própria natureza, que definia a trajetória de sua

vida, já lançada em uma determinada direção, portanto com

tendência fatal a continuar avançando naquele sentido. A fatali-

dade de um destino no desenvolvimento de uma vida é estabe-

lecida pelo fato de que o indivíduo, seja qual for o problema a

ser enfrentado por ele, não sabe ver senão com os seus olhos,

não pode obedecer senão aos seus impulsos e não sabe compor-

tar-se senão seguindo a sua forma mental. É isso o que aconte-

ce, mesmo quando, tomando a direção errada, porque contra a

Lei, o indivíduo é levado a se chocar de encontro à resistência

dela, que não admite ser violada.

Este é o ponto que desejamos colocar em foco. A vontade

da Lei é que ajamos a seu modo. Assim, quando o homem sai

da estrada, a Lei o obriga a retornar a ela. Se ele erra, porque

não tem consciência da presença dela, a Lei o obriga, à força

de provações, a adquirir aquela consciência. As provações que

se devem superar no processo evolutivo têm exatamente esta

finalidade. A técnica do fenômeno é automática. Quando se

comete a violação, chega a correção. A não verificação deste

fato significaria paralisar a evolução, o que seria a falência da

vida diante de seu fim maior. A Lei sustenta quem concorda

com ela, mas resiste a quem pretende seguir uma vontade con-

trária à dela. É inútil procurar impor-se. A quantas leis tiveram

que obedecer os astronautas que foram à Lua! E se uma delas

não tivesse sido obedecida, isto poderia significar a morte. É

por esta mesma razão que o indivíduo, quando quer fazer o

mal, indo contra a Lei, expõe-se a toda espécie de dificuldades,

não tendo outra saída senão suportá-las.

É esta inexorabilidade e potência da Lei, ao impor sua fér-

rea disciplina, o que mais impressiona quem chega a compre-

endê-la. Tal indivíduo, porém, conforta-se, constatando que se

trata de um poder segundo a justiça, razão pela qual, para o

homem justo, ela não representa qualquer ameaça, mas sim,

pelo contrário, o conforto de uma proteção. Em suma, a Lei é

uma máquina cheia de engrenagens. Se nós nos colocarmos

no lugar devido, elas nos levarão adiante, para nossa vanta-

gem, mas, se nos colocarmos em posição contrária ao seu mo-

vimento, elas nos destruirão.

Foi isto que aconteceu no caso agora tomado para exame.

A garantia de segurança nos é dada pelo fato de que, se pu-

sermos os precedentes no sentido do mal, esse será por nós

colhido, mas, se pusermos aqueles precedentes no sentido do

bem, as consequências para nós somente poderão ser boas.

Compreendido o funcionamento da Lei, podemos levá-la a

nos dar aquilo que desejamos e que nos pertence, por o termos

merecido. Ter conseguido provar experimentalmente a verda-

de deste fato, entendendo-o racionalmente, é suficiente para

dar à conduta humana algumas diretrizes novas, com resulta-

dos favoráveis sem precedentes.

Mas voltemos ao caso aqui em exame. Se este difere do

precedente pelas dimensões do fato, permanece, porém, imu-

tável o princípio pelo qual tudo corresponde ao mérito, esta-

belecendo-se consequências proporcionais às causas postas

em movimento pelo indivíduo. Ele, o marido, não era nada de

bom. Possuía uma loja que bastava para viver, mas que, devi-

do à negligência e aos erros, ele teve de abandonar. Então se

meteu a ser barbeiro, enquanto ela trabalhava como emprega-

da doméstica. Mas ele era dado ao álcool, desperdiçando o

pouco que ganhava, enquanto ela trabalhava duro e economi-

zava. Assim, com suas economias, ela conseguiu comprar um

terreno e construir uma casinha. Além disso, tinha a seu cargo

duas filhas para criar e mais um filho doente para manter. O

marido não dava nenhuma ajuda. Aparecia em casa, à noite,

bêbado, para gritar e maltratar a mulher.

Chegaram assim à separação legal. Ele tomou o seu cami-

nho, para levar a vida a seu modo. Mas, sendo o marido, pre-

tendia o valor da metade da casa. Isto significava vendê-la, para

que ele pudesse desperdiçar em farras metade do dinheiro que

fosse obtido, deixando que a família fosse lançada à rua.

Observemos a linha diferente de conduta das duas partes,

constituindo este o precedente que justifica, segundo a lei de

justiça e do mérito, as consequências atingidas depois. A mu-

lher lutou, resistiu e salvou a casa. Nesta fase preparatória e

determinante da conclusão, que veremos a seguir, cada um

dos dois andava acumulando os respectivos impulsos. Estes,

ao chegarem num determinado ponto de saturação, tornaram-

se decisivos e explodiram, resolvendo o caso. Ele, descendo,

percorria decididamente o caminho do mal, que era o de sua

perdição. Ela, subindo com fadiga, percorria o caminho do

bem, que era o do seu bem.

O fenômeno caminhou assim, amadurecendo sempre mais

na direção própria de cada um dos dois indivíduos, até que a

última gota fez transbordar o copo. Isso foi devido a um inci-

dente banal, mas que funcionou exatamente como catalisador

resolutivo do caso. Ele, para viver ainda mais a seu modo, ti-

nha ido morar numa vila vizinha, perto dos pais, e continuava

a beber, piorando sempre. Andava assim perdendo cada vez

mais o controle de si mesmo. Uma noite, dominado pelo álco-

ol, saiu de casa, cometendo loucuras ofensivas à ordem públi-

ca. Chamaram a polícia, e os pais o entregaram a uma ambu-

lância do pronto-socorro. Então ele foi levado ao hospital e,

depois de duas horas, estava morto. Assim o caso foi resolvi-

do de modo rápido e definitivo.

É certo que ele não queria ir ao encontro da morte, mas sim

de seus prazeres. Para fazer isto, ele não tinha levado em conta

o mal que fazia aos outros. Então, em um dado momento, en-

trou em função a Lei com sua justiça. A culpa deste homem era

ignorar que, com seu egoísmo, ele arruinava uma família. Tal-

vez ele não tivesse consciência de tanto mal. Porém, mesmo

que ele fosse inocente por ignorância, nem por isso a Lei pode-

ria deixar de funcionar, omitindo-se de ensinar-lhe a lição ne-

cessária, para que, com esta experiência, ele eliminasse a sua

ignorância e se tornasse, assim, consciente. Exatamente porque

ele ignorava as consequências de suas obras, é que ele devia

aprender a conhecê-las. Exatamente porque a criança não sabe

caminhar, é que ela deve cair, para aprender a andar. E não se

pode pretender que as leis de equilíbrio cessem de funcionar,

para impedir que a criança caia. A Lei é justa, respeitando o fa-

to provocado pelo indivíduo e as consequências que dele deri-

vam. Se a ele adveio o mal, isto aconteceu porque ele se pusera

em uma posição errada, na qual deve aprender a não se colocar

mais. Quando ele vier a escolher o bem em lugar do mal, nada

mais lhe poderá advir senão o bem.

Aqui, podemos acrescentar que a Lei, para obrigar a apren-

der, não apenas submete à prova o inocente, que é assim por ser

ignorante, mas também quer que o indivíduo seja bom, pelo fa-

to de saber fazer bom uso de sua força, e não porque é um fra-

co. Então a virtude não consiste em não possuir armas, mas em

tê-las e saber operá-las com uma finalidade de bem. Frequen-

temente se considera bom quem é apenas inócuo, quando se tra-

ta de alguém que somente é assim por ser inepto. A Lei quer o

homem forte que faz bom uso da sua força. Não vale a bondade

dada pela impotência de ser mau, nem o pacifismo de quem não

sabe lutar. Não é virtude não fazer o mal somente por falta da

força necessária para fazê-lo.

O que é admirável no caso que agora examinamos é ver

como, num átimo e com um só movimento, a Lei desatou defi-

nitivamente todos os nós do problema, segundo a justiça. A Lei,

42 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

sem coagir aquele indivíduo, deixou-o andar por si mesmo em

direção à própria liquidação. Guiou assim os dois elementos

opostos – de um lado o marido, de outro lado a mulher e a famí-

lia dele – cada um em direção à solução que os esperava, segun-

do a justiça. Desse modo, a Lei eliminou a presença do indiví-

duo negativo e o dano que dele derivava, suprimindo este ho-

mem, que não tinha direito à vida, e libertou daquele mal a parte

boa, constituída pela mulher e pela família, salvando quem tinha

direito à vida. Desse modo, tudo foi sistematizado e a mulher

pôde continuar em sua casa, para criar a sua família. Foi assim

que, atingido este seu escopo benéfico, a Lei resolveu o proble-

ma, dando a cada um segundo seu mérito, como quer a justiça.

Estes exemplos nos mostram um ponto de fundamental im-

portância, dado pelo fato de que a Lei funciona obedecendo a

um princípio de justiça. É assim que, embora os casos narrados

aqui por nós sejam diferentes, encontramos constantemente este

fator, tanto na técnica resolutiva do fenômeno, como na espinha

dorsal ou fio condutor de seu desenvolvimento. Este fato se ex-

plica, porque faz parte da lógica da Lei, estando implícito, co-

mo um seu momento, no princípio de ordem que tudo rege.

Sem tal princípio, tudo seria caos. É exatamente por causa deste

princípio de justiça que o indivíduo, quando tiver cumprido

seus deveres perante a Lei, poderá exigir dela os seus próprios

direitos, porque sabe que ela é justa e os respeita.

Ainda que vagamente, o homem já percebeu a necessidade

de uma justiça verdadeira e completa, que, suprindo as defici-

ências em relação à justiça humana, represente a última e re-

solutiva fase de cada vicissitude. A mente sente instintiva-

mente que, se a injustiça devesse triunfar definitivamente, a

vida seria um fruto do mal e, por isso, invoca a mão de Deus.

Assim, imagina outros códigos, outras injustiças e outros tri-

bunais espirituais, apoiando-se na concepção apocalíptica de

um juízo final. Mas ficamos no incerto terreno da fé das reli-

giões. Teve-se assim a intuição da presença de outra justiça,

de natureza super-humana, mas não se soube analisá-la positi-

vamente, nem se descobriu a chave para fazê-la funcionar. A

maior revolução de nosso século é que a moral sai do campo

religioso e da incerteza que a caracteriza, para se tornar uma

técnica racional da ética, na qual a formação do mal é diag-

nosticada, prevista e estudada, permitindo evitar suas conse-

quências, desde que as causas também sejam afastadas. Será

descoberto então que, em nosso mundo, existe igualmente

uma justiça verdadeira e completa, devida à presença da lei de

Deus. Mas, para chegar a isto, é necessário ter compreendido

seu funcionamento, colocando cada coisa no seu lugar.

VII. QUARTO CASO

Vejamos agora como funcionou a Lei em outro caso. Des-

ta vez, não temos dois elementos opostos, onde um segue o

caminho do bem, conseguindo um resultado para ele positivo,

e outro segue o caminho do mal, conseguindo um resultado

para ele negativo. O caso agora é mais simples, pois temos

somente o primeiro elemento, aquele que termina bem, tor-

nando-se secundário o outro.

Trata-se de um jovem de cerca de 35 anos, que vivia só

com a mãe idosa, a quem era muito afeiçoado. Era trabalha-

dor, fiel e honesto, mas não sabia ser egoísta no sentido de

pensar somente em si. Não se pode considerá-lo um fraco,

apenas porque, em sua generosidade, corria primeiramente a

favor dos outros, antes de cuidar de si mesmo. Como resulta-

do disso, qualquer um que se avizinhasse dele aproveitava-se

de sua bondade, utilizando-a em vantagem própria. Ele não

fazia mal a ninguém, os outros é que faziam mal a ele. Não

fazia vítimas, pois a vítima era ele mesmo.

Encontrava-se assim perfeitamente colocado perante a Lei,

razão pela qual, neste caso, ela devia intervir em sentido benéfico

para ele. Isso nos explica como foi exatamente que se deu o

acontecimento. Em sua idade, era necessário que ele tomasse

uma decisão. Permanecer naquelas condições significava piorar

cada vez mais, até atingir a velhice sozinho, abandonado e pobre.

Se a Lei desejava salvá-lo, deveria fazê-lo imediatamente. A mãe

envelhecia e, nas suas condições de saúde, em vez de ser um au-

xílio, tornava-se um peso sempre maior. Os indivíduos de seu

ambiente, aproveitando-se de sua bondade, tornavam-se cada vez

mais audaciosos e maléficos em prejuízo dele, que, assim, encon-

trava-se continuamente atacado por eles. Havia neste caso, como

nos outros também, o setor das forças do mal, mas composto de

grãos de poeira de elementos negativos, cada um de per si de

pouca importância, mas danosos em seu conjunto. Nestas condi-

ções, o caso se tornava cada vez mais grave para o jovem.

Observemos agora como funciona a Lei. Ela resolveu o

problema no sentido completamente positivo, benéfico para o

jovem, salvando cada coisa e satisfazendo de um golpe todas

as exigências, de forma adequada e em perfeita ligação com a

natureza do caso. Aquele indivíduo carecia de uma defesa que

o protegesse na luta pela vida. Este era o ponto a ser defendi-

do, e a Lei demonstrou conhecê-lo. Quando moço, ele ficou

noivo de uma moça conterrânea, parente sua, mas depois a

coisa, por circunstâncias várias, parou, como se quisesse ficar

guardada para este momento, quando o noivado se reavivou e

se concluiu. Então eles se casaram.

Ela parecia feita sob medida para cumprir a tarefa para a

qual a Lei a chamava. Inteligente, trabalhadora e honesta, de

temperamento prático e bastante ativa, juntava-se no sentido do

bem às qualidades dele, enquanto as completava nos seus pon-

tos fracos. Assim, os dois elementos foram unidos por uma per-

feita complementação, convergente em cada ponto no sentido

positivo. Dissemos que o elemento negativo não tinha tomado

um corpo definido em um só indivíduo, mas se encontrava em

estado indefinido, disperso em vários elementos mínimos sepa-

rados, condição que facilitou sua liquidação. Eles, de fato, fare-

jando o novo ambiente, desapareceram por si mesmos, pouco a

pouco. Assim, o procedimento foi automaticamente levado

avante em pequenas doses, o que tornou desnecessário um pro-

vimento explícito por parte da Lei.

Permaneceu visível em campo a vitória do bem. Sob a nova

direção, entregue à mulher, organizou-se a nova família. Ela

juntou seu salário ao do marido com cuidadosa economia, e

ambos conseguiram comprar uma casinha, elevando seu nível

social. Tudo mudou do mal para o bem. A Lei havia consegui-

do, com uma pequena combinação de elementos preexistentes,

salvar uma posição que ameaçava atingir um final desastroso.

Porque a Lei quis salvar a situação com este seu movimento?

Certamente não é possível atribuir ao acaso uma coisa assim

tão bem feita, segundo a bondade e a sabedoria da Lei.

A primeira razão que levou a Lei a operar este salvamento

foi o mérito do indivíduo. Se ele tivesse merecido o contrário,

ela teria feito o oposto. Neste caso, então, vemos a aplicação do

princípio do mérito. É verdade que aquele indivíduo era fraco e

devia ser corrigido neste ponto. Mas a sua fraqueza era só em

favor dos outros, por excesso de bondade e altruísmo. Este seu

defeito, então, continha o germe de uma grande virtude, muito

pouco comum, mas cuja aquisição será indispensável a todos no

futuro estado de coletividade orgânica, do qual a humanidade

está sempre mais se avizinhando. Então, se este era seu defeito,

ele já lhe havia sofrido bastante as consequências. Mas, neste

caso, mais do que um defeito a ser eliminado, tratava-se de uma

virtude a ser desenvolvida. Foi assim que a Lei, em vez de re-

primi-la, ajudou-a, procedendo ao salvamento do jovem. Ela fez

todos os seus cálculos na avaliação das forças que se moviam no

fenômeno e, se funcionou da maneira que o fez, isto significa

que, neste caso, existiam impulsos positivos, dados por valores

com este sinal, que impunham uma intervenção neste sentido.

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 43

Neste ponto, vemos na Lei a presença de outro princípio apli-

cado por ela em sua economia: o princípio de retidão e justiça,

pelo qual são protegidos e ajudados os valores que devem ser

respeitados, para produzirem o seu maior rendimento. O elemen-

to bom é um valor positivo, feito para frutificar, e não para ser

desperdiçado. E a Lei, por coerência, não pode deixar de aplicar

este seu princípio. Ela não pode contradizer a si mesma e, por is-

so, quando contém uma norma, é a primeira a lhe ficar sujeita. Se

assim não fosse, ela não representaria um princípio de ordem,

mas sim de desordem, que, em vez de manter tudo organizado

dentro de uma disciplina, terminaria por desintegrá-lo no caos.

Isto é o que o homem desejaria fazer com seu egocentrismo. Mas

ele, quando viola a Lei, tem o poder de arruinar somente a si

mesmo, e não de interromper o funcionamento dela.

A Lei é a primeira serva dos princípios sobre os quais se ba-

seia. Ela é a primeira a pô-los em ação, porque não pratica de

modo diferente aquilo que prega. É justamente pelo fato de ser

lei que ela se sente autorizada a exigir observância dos outros,

porquanto primeiramente a exige de si mesma. Cai assim com-

pletamente o conceito humano de autoridade usada em vanta-

gem de quem comanda para impor-se aos próprios dependentes,

sendo substituído por outro método, no qual comandar é fazer

primeiro o que se exige dos outros. Este é o novo conceito de

autoridade que a Lei nos ensina.

Esta é uma das coisas que nos diz a análise dos casos obser-

vados aqui. Estamos desmontando o mecanismo da Lei para ver

como ele é feito. A diversidade dos casos nos mostra a diversi-

dade dos modos pelos quais a Lei pode proceder. Porém o leitor

deve ter notado que seu funcionamento nestas diversas posições

repete-se de acordo com um mesmo princípio, segundo o qual,

o bem é ajudado a vencer, o mal leva à ruína, os valores positi-

vos se lançam em direção oposta àquela dos negativos etc. É

natural que, apesar dos casos serem tantos, os princípios sejam

poucos e fundidos em unidade, repetindo-se em cada caso.

Esta é a razão pela qual, tantas vezes, pode parecer que nos

repetimos nesta obra. Estamos fazendo um trabalho de análise em

que a observação é tanto mais comprovada, quanto mais numero-

sos são os casos com os quais os princípios são postos em contato

e confirmados pelos fatos. Eis a necessidade de repetir a observa-

ção. E a cada uma delas, perguntamo-nos: mas é mesmo verdade?

A exposição que fazemos aqui não é de teorias filosóficas

ou religiosas, mas sim de princípios que envolvem a realidade.

O escopo desta obra é didático, e não literário. Então fazemos o

leitor assistir ao nosso trabalho de pesquisa, que necessita ser

bem controlado antes de poder ser definitivamente afirmado.

Em primeiro lugar, procuramos persuadir a nós mesmos e, co-

nosco, os leitores, porque as conclusões, além de serem graves,

também mudam, se forem verdadeiras, o fundamento de tudo.

Por isso, a cada passo, voltamos a olhar sob um ponto de vista

diferente, a fim de nos assegurarmos de sua veracidade.

Esta repetição corresponde a movimentos de sentido único

nos vários casos. Tal fato nos revela a presença de um ponto

comum, estabelecendo uma “constante” que exprime os princí-

pios diretivos da Lei. A repetição se deve à contínua presença

desta “constante”. A observação de uma casuística pode permi-

tir-nos chegar ao conhecimento do pensamento que aparece na-

quela constante. É assim que, conhecendo aquele pensamento,

poderemos saber qual será o funcionamento da Lei para nós no

futuro, prevendo os acontecimentos que virão ao nosso encon-

tro, segundo a premissa que propusermos com nossa conduta.

Estes conceitos nos colocam diante da vida em uma posição

diferente daquela assumida pelo homem no passado. Isto não

significa que a substância da verdade possa ser mudada. Esta

permaneceu a mesma de antes. O que muda hoje é o modo de

vê-la, resultando numa forma diferente de enfrentar e resolver a

mesma questão. Frente ao problema do funcionamento da vida,

a humanidade do passado, dado o seu estado infantil, não podia

concebê-lo nem compreendê-lo senão ao nível de sua forma

mental emotiva, ligando-o ao prodígio e a construções mitológi-

cas, que eram consideradas como realidade. Aqui enfrentamos o

mesmo problema, mas com outra forma mental, para chegar a

resultados positivos e adquirir uma certeza que a fé, sozinha,

não pode dar. Não queremos negar, mas sim aperfeiçoar. Substi-

tuir o sonho por um conhecimento objetivo, apoiado sobre fatos,

é sem dúvida um progresso. Respeita-se o coração, mas contro-

la-se a mente. Elimina-se a elasticidade que o sistema da fé

permite, suprimindo assim a possibilidade de acomodações, que

já não são mais admissíveis em um regime mental de positivida-

de. Isto não significa negar, mas sim acrescentar e aprofundar, a

fim de apoiar-se em bases mais sólidas e seguras.

A vantagem que se obtém de tudo isso é descobrir algo situ-

ado acima de todos os valores humanos. Antigamente, a ques-

tão fundamental era crer, problema que cada um resolvia a seu

modo, podendo afirmar aquilo que quisesse, porquanto não

existia nenhum controle positivo. Este fato explica a diferença

entre as opiniões, cada uma se proclamando como a única ver-

dade e condenando como erro as outras. O terreno religioso é

um campo minado de exclusivismos e antagonismos. É por isso

que a visão da verdade, quanto mais se tornar objetiva, ligando-

se à realidade como faz a ciência, tanto mais poderá tornar-se

única e igual para todos. Esta realidade é dirigida pelo pensa-

mento divino, que organiza o funcionamento dela em cada

tempo e lugar. Trata-se, portanto, não de um produto desta ou

daquela mente humana, mas sim de uma verdade objetivamente

verdadeira e universal, porque está escrita nos fatos, nos quais

ela pode ser lida. É a verdade da qual o homem novo tem ne-

cessidade e que ele está procurando desesperadamente. O vácuo

espiritual no qual ele está sendo lançado pelo desmoronamento

do velho mundo é um abismo que faz medo. Todavia é necessá-

rio ir em frente, porque se torna cada vez mais inaceitável o fa-

to de ter que viver com a psicologia adotada no passado.

Alcançando-se o conhecimento da Lei, sabe-se que há um

plano e uma meta tanto para a vida individual como para o todo;

sabe-se que há uma ordem, uma salvação e meios para atingi-la;

sabe-se que se pode contar com a Lei; sabe-se tudo isso não por

uma fé que oscila sempre na dúvida, mas pela segurança que de-

corre da análise do problema e do conhecimento da técnica fun-

damental do fenômeno. Trata-se de uma religião que não se pode

mais acusar de ser o ópio dos povos, pois constitui, ao contrário,

um despertar da consciência, baseado no conhecimento. Não se

trata então de uma heterodoxia, porque aqui, pelo contrário, pro-

curamos abrir sempre mais os caminhos do espírito, buscando fa-

zê-lo tornar-se a grande força que nos levará a vencer na vida.

Uma demonstração clara é o único meio para evitar a descrença.

Uma coisa é crer, outra é saber; uma coisa é a dúvida de quem

não tem certeza, outra é a segurança de quem está convencido

porque observou e compreendeu. Finalmente, uma contabilidade

clara com Deus, dotada de uma providência cujo modo de funci-

onar já se conhece e na qual se pode logicamente confiar, permi-

tindo-nos provocar resultados com os quais se pode contar, por-

que nos pertencem por direito, segundo a justiça da Lei.

Como dissemos, foi modificada não a realidade dos fatos, a

qual é sempre a mesma, mas sim a mente, que a vê e é capaz

de compreendê-la. A lei sempre funcionou como agora a ve-

mos, porém não se tinha consciência deste seu funcionamento.

Sempre estivemos todos imersos na ordem universal, mas nun-

ca a analisamos para nos tornarmos conscientes de sua estrutu-

ra e sabermos nos mover nela. O que mais impressionará o

homem novo será descobrir esta presença universal de um

pensamento diretivo, tocando com as mãos esta realidade, até

chegar ao diálogo e obter resposta, para adquirir enfim consci-

ência de que não está, como pode parecer, perdido em um uni-

verso indiferente a ele, mas que é cidadão dele, estando fundi-

do e funcionando em sua organicidade.

44 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

VIII. QUINTO, SEXTO E SÉTIMO CASO

Até aqui temos visto apenas alguns casos escolhidos entre os

muitos que observamos de perto. Veremos ainda outros. Entre

estes, o leitor poderá encontrar elementos que se referem a ele,

por serem afins com sua posição. Como os casos são muitos, não

podemos relatar aqui todos os que examinamos. No entanto veri-

ficamos que eles também confirmam os princípios aqui expostos

na interpretação da Lei. Observamos que, na técnica de seu de-

senvolvimento, há algumas características constantes. Cada caso

assume um significado determinado, caminhando direto na dire-

ção de nosso bem ou de nosso mal, segundo as premissas que

propusemos no seu início. Quando se trata de ascensão, ele se

conclui com uma experiência completa no final da prova reden-

tora, resultando numa conquista espiritual que nos leva mais para

o alto. Depois da fadiga, este é o momento radioso da iluminação

e da festa de libertação de uma dose de mal que nos mantinha em

baixo. Neste instante, o sofrimento é premiado com alegria.

Temos sob observação alguns casos nos quais constatamos

que o desenvolvimento dos mesmos vai-se verificando na

forma prevista. É impressionante ver a confirmação nos fatos,

quando, conhecendo a técnica da Lei, verifica-se de perto que

o desenvolvimento do caso confirma as previsões deduzidas

com antecedência, por um cálculo completo e exato. Mais in-

teressante ainda para cada um é a observação dos casos que

lhe dizem respeito, em sua vantagem ou em seu prejuízo.

Quando atingimos a maturidade necessária para chegar a

isto, sentimos que fazemos parte de uma grande engrenagem,

dirigida pelo pensamento de Deus; sentimos estar realmente

em suas mãos, mas vendo aquilo que elas fazem e porque o fa-

zem. O isolamento não está na ordem das coisas, mas no ego-

centrismo humano, que leva ao separatismo. E é belo constatar

como tudo é útil e justo para cumprir uma função, quando está

colocado em seu lugar. Abre-se assim a visão de um caminho

imenso, já percorrido e ainda a percorrer. Então Deus não é

mais um mito longínquo, relegado aos céus, mas é a certeza de

quem o sente presente e operante entre nós.

Neste ponto, em que se chega à sensação da Sua presença

e à constatação da Sua atividade, é possível então, como já foi

mencionado (Cap. 1), estabelecer um diálogo. Cada um, po-

rém, somente sabe compreendê-lo a seu nível. O primitivo,

através da lenda e da fé; o mais desenvolvido, através do inte-

lecto. Ninguém pode usar outra linguagem senão a do seu

plano de evolução. Mas, qualquer que seja a altura na qual o

ser se encontra, restará sempre uma diferença imensa em rela-

ção à altura do outro termo, que é Deus. A linguagem se regu-

lará pela altura do interlocutor, permanecendo sempre ele-

mentar. Assim o diálogo será aproximativo, mas poderá efetu-

ar-se, porque em Deus estão todos os níveis de evolução e,

portanto, a possibilidade de responder na linguagem de cada

um. Se o menos não contém o mais e, por isso, não pode atin-

gi-lo em sua plenitude, o mais contém o menos e sabe expres-

sar-se e funcionar também nas dimensões deste.

De um lado, temos o absoluto, onde está a verdade com-

pleta e perfeita. De outro lado, temos a aproximação das infi-

nitas verdades do relativo no caminho da ascensão, em dire-

ção àquele absoluto, sua meta final. O absoluto está imóvel na

plenitude de todos os seus atributos, enquanto o relativo se

transforma continuamente, porque está caminhando para che-

gar àquela plenitude. A verdade humana é relativa e progres-

siva e, à força de subir, busca alcançar o absoluto, que está à

espera de ser por ela atingido. Dado tudo isto, eis que, com

cada um falando de sua posição a linguagem de seu nível, é

possível o diálogo, cujo valor e perfeição dependem, logica-

mente, do plano evolutivo atingido pelo indivíduo.

Na forma mental explicada aqui, o diálogo não é só mani-

festação de sentimento e prece invocativa, mas também um lam-

pejo do intelecto, que tende a compreender como Deus desen-

volve Sua obra. Estamos observando aqui o pensamento de

Deus, o qual se expressa para nós através do funcionamento da

Lei, na medida em que ele nos é acessível, conforme a altura de

nosso nível mental. Isso implica que o indivíduo mais evoluído

poderá ler naquele pensamento muito mais coisas. E isso acon-

tecerá no futuro, sem dúvida.

As experiências que executamos aqui, analisando vários ca-

sos, são questões que propomos àquele pensamento, cuja res-

posta nos é dada através dos fatos verificados. O acontecimento

final nos expressa a conclusão de um raciocínio que, seguindo o

desenvolvimento do caso, podemos conhecer, observando-o em

suas diversas fases. É assim que, por via experimental, apoia-

dos na robustez da casuística, podemos estudar o comportamen-

to seguido por este pensamento em diversas posições diferen-

tes, até descobrir o seu fio condutor, identificando os princípios

e os métodos seguidos por ele. É desta forma que procuramos

executar aqui o nosso diálogo.

Na realidade, ainda que de uma forma tanto mais rudimen-

tar, quanto mais se retrocede na evolução, o diálogo sempre

existiu, expressando os inevitáveis contatos com a Lei, que fa-

lava com os fatos, mesmo se os homens não os compreendiam.

As ações e reações recíprocas eram as ideias trocadas naquele

diálogo. Somente quando nos tornamos adultos e adquirimos

olhos para ver, é que chegamos a perceber que Deus existe de

verdade e está realmente trabalhando ao nosso lado.

Para tornar compreensível este fenômeno, expomos no pre-

sente livro uma progressão de casos nos quais a percepção des-

ta presença e a nossa coparticipação em seu trabalho se faz

sempre mais evidente. No tipo dos casos observados até aqui, o

sujeito simplesmente se submete à Lei, pois ele apenas provoca

o funcionamento dela através das causas geradas pela sua pró-

pria conduta. Então é passiva a atitude do sujeito, que tem de

aceitar o fato inevitavelmente, sem perceber a razão de tudo is-

so. Mas, em um nível mais avançado, o comportamento do in-

divíduo pode tornar-se de coparticipação ativa com a Lei, em

proporção à sua capacidade, conforme o grau de evolução atin-

gido. Podemos assim estabelecer uma graduação ascendente de

casos, cujos tipos mais simples são representados pelos que ob-

servamos até aqui. Mas, em todos eles, a Lei permanece sempre

a mesma, funcionando tal qual ela é. O que muda é a conquista

progressiva de consciência por parte do indivíduo, com a qual

ele conquista autonomia e poder diretivo, uma vez que muda a

sua posição diante da Lei. Eis a graduação.

Primeiro tipo de casos – A Lei funciona, mas o indivíduo a

ignora. Ele se põe no caminho do bem ou do mal e sofre cega-

mente as consequências, dando para isso a explicação que melhor

lhe agrada imaginar. Ele não assume qualquer direção do fenô-

meno, que permanece totalmente confiado à Lei. Assim, nas dire-

tivas de sua vida, o indivíduo não alcança nenhuma coparticipa-

ção consciente no funcionamento da Lei, que lhe é imposta com o

método da atração-repulsão, baseado em gozo-dor, prêmio-

punição, paraíso-inferno etc. O conteúdo do fenômeno se reduz,

então, a uma simples contraposição entre o elemento positivo do

bem e o negativo do mal, sendo submetido à intervenção final da

Lei, que conclui com justiça, segundo o que foi merecido.

Esta posição representa a fase mais elementar do fenômeno,

aquela que podemos chamar de ignorância e passividade. Os

quatro casos até aqui observados são deste primeiro tipo.

Segundo tipo de casos – A Lei funciona, mas o indivíduo a

conhece e, por conhecê-la, não se submete mais cegamente, em-

bora ainda o faça passivamente. Isto quer dizer que ele a com-

preende, vê o funcionamento, tem uma explicação para o acon-

tecimento e pode até mesmo chegar a prever seu desenvolvi-

mento, mas ainda não sabe intervir nele. Este indivíduo já tem

consciência da Lei, mas ainda não chegou ao ponto de poder as-

sumir ao lado dela uma coparticipação na direção do fenômeno.

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 45

Esta posição representa uma fase superior à precedente,

sendo própria daqueles indivíduos mentalmente mais desenvol-

vidos. Podemos chamá-la de fase do conhecimento e previsão.

Terceiro tipo de casos – Este representa uma posição ainda

mais avançada de compreensão por parte do indivíduo diante da

Lei, correspondendo a um grau mais elevado de consciência. O

resultado lógico da evolução é, efetivamente, conquistar a ver-

dade representada pela Lei. É assim que se avança gradativa-

mente, dando neste caso ainda um passo à frente.

No primeiro tipo de casos, a técnica da Lei existe e funcio-

na, mas o indivíduo não a conhece, e só lhe resta a alternativa

de segui-la. É a fase da ignorância.

No segundo tipo de casos, o funcionamento da Lei é conhe-

cido e o seu desenvolvimento é previsto, mas não há qualquer

intervenção do indivíduo na direção daquele desenvolvimento.

É a fase do conhecimento e previsão.

No terceiro tipo de casos o indivíduo, conhece a Lei, prevê

como ela funciona e sabe autodirigir-se dentro deste funcio-

namento. Então, ele não somente a conhece e prevê o seu de-

senvolvimento, mas também provoca os resultados desejados.

Ele pode intervir no funcionamento da Lei, mas não no senti-

do de modificá-la, e sim de comportar-se de acordo com ela,

de modo a atingir, seguindo-lhe os princípios, os resultados

que deseja. Assim, estes podem ser determinados pelo próprio

indivíduo, que, já conhecendo os métodos de trabalho da Lei,

coloca diante dela, com a própria conduta, as premissas cau-

sais necessárias para, segundo as regras estabelecidas, aqueles

efeitos terem de se verificar. Não basta saber como funciona a

Lei, é necessário segui-la passo a passo, fornecendo-lhe todos

os elementos, para alcançar o que se deseja.

Não se trata, portanto, de assaltar a Lei para curvá-la, mas

sim de secundar-lhe a corrente, conduzindo-nos habilmente, ao

nos colocarmos nas condições exigidas pela Lei para que sejam

atingidos os resultados desejados por nós. E fazer-se valer, con-

cordando com ela, é obter o comando através da obediência, por-

que a Lei o concede a quem a obedece e o nega a quem a deso-

bedece. Trata-se de uma coparticipação consciente e sempre

maior no trabalho da Lei, para o qual é necessário um desenvol-

vimento mental correspondente, pois tal coparticipação se baseia

numa compreensão e num espírito de colaboração de que somen-

te o indivíduo evoluído é capaz. A evolução, de fato, consiste em

um processo gradual de entrosamento do indivíduo com a Lei.

Estes conceitos serão esclarecidos pelos três exemplos que

apresentaremos agora, um para cada caso. O primeiro nos mos-

trará o indivíduo em posição de inconsciência e passividade, o

segundo, em posição mentalmente ativa, mas somente como

previsão do futuro, e o terceiro, em posição de intervenção na

direção do desenvolvimento do fenômeno.

Exemplo do primeiro caso. Num trabalho de construção es-

piritual, em sentido positivo, segundo a Lei, havia-se infiltrado

um indivíduo de tipo negativo, com o propósito de desfrutar da

situação em sua vantagem, para lucro pessoal. Naturalmente,

esta pessoa tinha o cuidado de esconder a sua verdadeira finali-

dade. Mostrava-se muito ativa no seio do grupo de promotores,

conquistando a confiança de alguns deles e assumindo, por ini-

ciativa própria, uma diretiva imperiosa. A coisa prosseguia às

escondidas, preparada por ele, sem o conhecimento dos dirigen-

tes, trazendo complicações e prejuízos para os demais.

Como os outros eram inocentes, a Lei, por seu princípio de

mérito e justiça, não podia permitir que o mal vencesse o bem.

Portanto, para se manter coerente, deveria intervir, se não qui-

sesse ir contra si mesma. E interveio de fato. Isto se verificou

com um movimento mínimo, que bastou para inverter o curso

dos acontecimentos. Uma grande tempestade estava se avizi-

nhando, e a Lei a interrompeu com apenas um sopro.

Um dos dirigentes, representante da parte positiva, foi à ca-

sa de um amigo que, em sua boa fé, confiava no assaltante, ig-

norando o golpe preparado. O plano não fora levado ao conhe-

cimento dos dirigentes e, por isso, sua realização seria fatal. En-

tão, como resolver o caso para o bem de todos, se, do lado ne-

gativo, estava tudo organizado e pronto para ser cumprido?

Eis o que aconteceu. O visitante foi introduzido no escritó-

rio do amigo. Enquanto aguardava, seus olhos recaíram sobre

uma carta deixada em cima da mesa. Seu olhar fora atraído pelo

selo postal, que o interessava, porque era colecionador. Mas ao

tocar aquela carta, observou o cabeçalho do envelope, que mos-

trava a origem da mesma, indicando que ela se originava de um

dos elementos do grupo.

Então o visitante, visto que o assunto lhe dizia respeito, leu

a carta e encontrou descrito o plano de assalto daquele indiví-

duo. A campainha de alarme havia soado. A Lei intervinha no

momento preciso, para fazer tudo convergir em outra direção.

O visitante levou a carta e imediatamente tomou suas providên-

cias, interrompendo o desenvolvimento, exatamente na sua ori-

gem, daquela posição assumida negativamente.

Para chegar a este resultado, a Lei havia executado somente

alguns movimentos, mas todos eles coordenados. Era necessário

que o visitante visse a carta. Esse era o ponto central do jogo,

razão pela qual a Lei favoreceu uma providencial visita àquela

casa num dia em que a carta, recém-chegada, ainda estava sobre

a mesa. Era preciso também que o amigo, depois de lê-la, não a

tivesse tirado dali, deixando-a sem querer à vista, e que o selo

chamasse a atenção do visitante. Além disso, era necessário que

esta pessoa ficasse sozinha no escritório, diante daquela mesa.

Todas estas coisas deviam acontecer, cada uma exatamente sin-

cronizada com a outra, fato que não se explica com o acaso, mas

somente com a presença de uma mente diretriz.

Neste exemplo, trata-se de uma simples contraposição entre

bem e mal, com a intervenção automática da Lei para salvar o

primeiro. Aqui, a intervenção que se verifica é totalmente des-

conhecida pelos elementos a favor dos quais ela acontecia. Nes-

te caso, como nos quatro anteriormente examinados, o indiví-

duo em defesa do qual a Lei se move permanece em estado de

ignorância e passividade.

Exemplo do segundo caso. Um indivíduo de idade avançada

adoeceu. O prolongamento da doença o enfraqueceu, até pro-

vocar-lhe um colapso cardíaco. O estado de abatimento e seu

aspecto cinéreo tornaram necessário um exame de laboratório,

para verificar se havia câncer.

O doente estava na sala de estar, à tarde, com amigos que

tinham ido visitá-lo. O exame devia estar pronto dentro em

pouco, e um dos seus amigos se prontificara para apanhá-lo no

instituto de análises, próximo da residência. Ele assistia o doen-

te e se interessava por sua sorte. Estava observando e refletin-

do. Conhecia a teoria da Lei e seus métodos de trabalho. Entre

os amigos reunidos havia também um médico, que o chamou à

parte, para infundir-lhe coragem, prevenindo-o contra o choque

que poderia receber ao ler o resultado positivo do exame. Os

outros visitantes procuravam esconder suas apreensões.

Então o amigo enfermeiro, antes de sair, falou reservada-

mente com o doente, dizendo-lhe: “Eu vou ao laboratório pegar

o resultado do exame, mas lembre-se, seja lá o que estiver es-

crito nele, você não morrerá; já fiz meus cálculos”.

E de fato, contra todas as previsões, o doente melhorou, en-

contrando-se vivo até agora. A análise havia dado resultado ne-

gativo. Ora, quais cálculos havia feito o enfermeiro, para che-

gar a estas conclusões? Ele raciocinava assim: “A Lei funciona

seguindo um princípio de mérito e justiça. Como se encontra o

doente sob este ponto de vista? Ao seu destino está ligado o de

sua família, que ficaria ao abandono, se ele morresse. Sabendo

disto, seria para ele muito triste morrer antes de uma sistemati-

zação que se encontrava em curso. Ele não merecia esta dor, e a

família também não merecia o dano irreparável de ficar aban-

donada. Ora, se a Lei permitisse isso, ela violaria os princípios

46 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

fundamentais sobre os quais se baseia, porque aquela morte e

aquele dano não eram merecidos e o caso se encerraria contra a

justiça. A Lei, então, se não quisesse renegar-se a si mesma, te-

ria que intervir, para impedir que adviesse o mal”.

Este foi o raciocínio, que teve como base uma necessidade

de coerência por parte da Lei, cuja intervenção em tal sentido se

fazia necessária. Aquela família já havia sofrido bastante, e não

havia culpas que justificassem um prolongamento da dor. Em

razão dos componentes desta lógica, aquela desgraça não pode-

ria acontecer sem violar os princípios da Lei, o que não era pos-

sível. Assim, dados os elementos do caso, devia haver absoluta

obrigatoriedade de uma intervenção favorável por parte da Lei.

Foi o conhecimento deste fato que havia dado ao enfermeiro

tanta segurança contra todas as prováveis previsões, contrarian-

do até mesmo a advertência de um médico que, competente na

matéria, observava os sintomas anunciadores do mal. Mas o en-

fermeiro, em vez de olhar as aparências exteriores, havia visto

mais profundamente, observando a realidade interior do caso e

os princípios da Lei. O seu diagnóstico tinha sido um diagnósti-

co espiritual, no qual entram em jogo todas as forças da vida, e

não só um diagnóstico clínico, que não vai além do estado do

organismo físico. Foi assim que, assumindo uma base diferente

de juízo, chegou-se a conclusões opostas.

Assim como no exemplo precedente, também neste caso, o

provimento por parte da Lei se torna automático, a favor de um

indivíduo passivo. Aqui, porém, o mecanismo da Lei não ficou

oculto. O enfermeiro se apercebeu disto, porque, conhecendo o

jogo da Lei, sabia como ela trabalha e assim podia prever seu

desenvolvimento. Trata-se de um exemplo representativo de

uma fase mais completa do que aquela precedente. Neste se-

gundo caso desaparece de fato a ignorância do primeiro, assim

como no terceiro veremos desaparecer a passividade do primei-

ro e do segundo caso.

Exemplo do terceiro caso. Uma senhora, por cumprir seus

deveres familiares, chegara a uma idade avançada sem ter criado

uma posição que lhe desse meios de subsistência. Havia sempre

pensado nos outros em vez de em si mesma, trabalhando de gra-

ça, por senso de dever, sem nenhuma perspectiva econômica.

Procedera assim, mas sabia o que fazia e conhecia o princípio de

justiça da Lei. Havendo sido fiel a este princípio e estando segu-

ra de haver cumprido fielmente seus deveres, tinha certeza de

que a Lei não a desampararia. Porém, segundo o critério co-

mum, isto parecia quase impossível, porque era um problema

muito difícil encontrar uma posição econômica para uma mulher

de 50 anos e não diplomada, em terra estrangeira. Havia, porém,

um fato decisivo. Esta mulher tinha colocado, por sua vontade, e

com plena consciência de seu empenho, os precedentes necessá-

rios para compelir a Lei, por seu princípio de justiça, a corres-

ponder a este mérito com os provimentos necessários.

Eis o que aconteceu. Contra todas as probabilidades huma-

nas, apareceu a solução, e na forma mais adequada possível!

Surgiu um trabalho que agradava muito à interessada, pois ela

o fazia como se fosse um “hobby”, satisfazendo assim um de-

sejo que jamais teria alcançado de outra forma. Todas as faci-

lidades que se verificaram neste sentido confirmaram as previ-

sões dela, que tinha preparado tudo isto com sua conduta pe-

rante a Lei. Admitida como aprendiz em um instituto técnico,

em poucos meses aprendeu o ofício que a apaixonava, chegan-

do a ser diretora daquela organização.

Observemos sua atitude no trabalho, enquanto ela aplica-

va o seu método, consciente da presença da Lei e de seu fun-

cionamento. Faziam parte daquela organização também ou-

tros elementos, que se propunham igualmente a atingir igual

sucesso, mas utilizando métodos opostos, negativos, ao invés

de positivos. As duas partes estavam uma ao lado da outra,

no mesmo ambiente, mas comportavam-se diferentemente,

encontrando-se diante do mesmo problema, mas resolvendo-

o de dois modos diversos. Vejamos aonde cada uma delas,

seguindo seu caminho, chegou.

A diferença entre as duas partes estava no fato de colocarem

o mesmo problema sob perspectiva diversa, seguindo métodos

opostos para resolvê-lo. A primeira parte conhecia a técnica

fundamental da Lei, sabendo lançar os precedentes causais do

próprio triunfo, aos quais ela, por coerência consigo mesma,

devia corresponder, seguindo-os. A outra parte, ignorando este

mecanismo, debatia-se dentro dele, cometendo erros que lhe re-

caiam sobre os ombros, porque é inevitável pagá-los mais tarde.

Se o primeiro caminho leva ao triunfo, o segundo leva à falên-

cia. Cada parte não poderia afastar-se de sua rota, que fora de-

finida em função de sua forma mental. Assim, o fenômeno de-

senvolveu-se com exatidão e fatalidade.

Passaram-se os dias, e cada um continuava a trabalhar a seu

modo, avançando na respectiva direção. O primeiro elemento ia

regularmente ao trabalho, cumprindo-o honestamente e fazendo

seu dever com superioridade da quantidade e qualidade da pro-

dução. Estas eram as forças do tipo positivo que ele lançava, os

valores construtivos que ele punha perante a Lei, constituindo a

premissa que ela devia responder em sintonia. O segundo ele-

mento, pelo contrário, tentava avançar pelas vias oblíquas da as-

túcia, do engano e da preguiça, procurando desfrutar em vez de

produzir, prejudicando a quantidade e a qualidade do produto.

Estas eram as forças de tipo negativo, e a estes valores destruti-

vos a Lei não poderia dar resposta igual à do primeiro elemento.

Passaram-se os dias, e o fenômeno bifronte continuava a

desenvolver-se em ambos os aspectos. Com o próprio compor-

tamento, o primeiro elemento continuava a colocar no compu-

tador eletrônico da Lei seus cartões brancos, enquanto o outro

fazia o mesmo, mas com seus cartões negros. Estes impulsos

quotidianos iam-se assim somando, uma série deles em sentido

positivo e a outra em sentido negativo, aumentando a carga de

cada uma das partes. Chegaria fatalmente o momento do com-

putador disparar, o que aconteceu na forma de desmoronamen-

to da construção feita pelas forças negativas e da consolidação

da construção feita de forças positivas. Este foi, de fato, o re-

sultado final de toda a operação.

Formara-se um desequilíbrio sempre maior diante do prin-

cípio de justiça da Lei, de modo que esta, cada vez menos, po-

dia tolerá-lo, até chegar ao ponto no qual ela, para retificar o

erro, interveio e a parte negativa foi liquidada como merecia.

Quem havia dado devia receber a justa recompensa, mas o

usurpador devia ser despojado, como realmente o foi. Cada

movimento na conduta dos dois elementos era uma frase do

diálogo conduzido por eles com a Lei, que o concluiu com a

sua sentença final e definitiva.

A diferença entre os dois elementos consistia no fato de que

o primeiro sabia que era loucura pretender enganar a Lei, por-

que, cedo ou tarde, as contas são ajustadas e cada um recebe o

que mereceu, seja de bem ou de mal. O primeiro elemento se

manteve sempre no ambiente da Lei. Antes de encontrar traba-

lho, ele tinha-se comportado corretamente, por senso de dever.

Depois, na segunda parte de seu caso, quis fazer mais, tomando

a direção do fenômeno, para estabelecer causas e provocar as

consequências previstas, fazendo isto com o seu conhecimento

da técnica funcional da Lei, por meio de um método experi-

mental e racionalmente controlado. Nesta segunda fase não se

tratava mais, como na primeira, apenas de uma previsão genéri-

ca, e sim de um cálculo de previsões, para estabelecer as causas

específicas de determinadas consequências. É esta segunda par-

te que expressa com mais evidência o 3o caso.

O fato cujo significado desejamos focalizar melhor agora,

de um modo como ainda não pudemos fazer até aqui, é tão no-

vo e extraordinário, que parece inadmissível. Como é possível

não só prever o futuro desenvolvimento de um caso, quando

se lhe conhecem todos os elementos, mas também determinar,

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 47

ainda com antecedência, a conclusão preestabelecida que este

seu desenvolvimento irá atingir?

A primeira razão pela qual isto é possível está no fato de

podermos contar, com absoluta segurança, com a estabilidade

da Lei. Esta é feita de ordem, isto é, de disciplina, fato que é

indispensável em qualquer organismo e que o abrange desde a

inviolabilidade de seus princípios diretivos até ao comporta-

mento de cada um de seus elementos componentes. É com este

estado de disciplina universal que podemos ter a certeza de es-

tarmos na direção da Lei. A obrigação de cumprir o nosso de-

ver para com a Lei, obriga também a Lei a cumprir seu dever

para conosco. O problema, então, é manter-se nas condições

desejadas por ela, para que se possa chegar a consequências fe-

lizes. Pode-se obter da Lei todo o bem ou o mal que se queira,

tudo em nossa vantagem ou em nosso prejuízo, porque sabemos

quais são as regras que precisamos obedecer para obtê-lo.

Quem conhece como funciona a Lei sabe o efeito correspon-

dente a cada ato de seu comportamento.

Esta fatalidade na relação entre o efeito e a causa se deve ao

fato de que, entre as leis morais, físicas e dinâmicas, há uma di-

ferença apenas de grau (nível evolutivo), e não de ordem (natu-

reza). Elas estão todas em funcionamento determinístico, ao

qual estão indissoluvelmente ligadas, de modo que se sabe, com

antecedência, quais efeitos devem inevitavelmente correspon-

der a determinadas condições. Os fenômenos do campo moral

são determinados com a mesma fatal exatidão que se verifica

nos movimentos do campo astronômico. Em ambos os casos,

temos um organismo funcionando. O desastre que aconteceria

no universo físico, se a disciplina que o rege fosse violada,

aconteceria igualmente no universo moral.

IX. O NOVO TIPO DE EXAME DE CONSCIÊNCIA

O exemplo proposto representa a posição mais avançada

que o homem pode tomar diante da Lei, condição na qual o in-

divíduo conhece a técnica dela e traça, a partir daí, as diretivas

da própria vida, para guiar-lhe o desenvolvimento, com plena

consciência e autonomia. Isto é o que queremos ensinar neste

livro. Não se trata de elucubrações teóricas, mas sim de alcan-

çar fins práticos utilitários, no interesse de quem quiser apro-

veitá-los. Acreditamos que planejar inteligentemente a direção

da viagem da própria vida, em vez de andar ao acaso, como fo-

lhas à mercê do vento, significa um grande progresso, represen-

tando algo de novo e mais completo, que ainda não foi pratica-

do no passado. Quanto mais evolui o homem e mais complexa

se faz a organização de sua vida individual e social, tanto mais

aumenta para ele a necessidade de prever mais longe e planifi-

car tudo com maior exatidão. A imprevidência é uma qualidade

do primitivo. A visão longínqua do próprio futuro é uma quali-

dade própria do evoluído. Antigamente, o escopo da vida era

viver. Hoje, isto já não satisfaz mais. Deseja-se saber seriamen-

te por que se vive e como atingir fins distantes. Chegando a cer-

to grau de desenvolvimento mental, isto se torna não só uma

necessidade psicológica da consciência mais desenvolvida, mas

também uma necessidade prática imposta por um modo de vi-

ver muito mais complexo. Eis porque as pesquisas que efetua-

mos aqui respondem às exigências do momento histórico.

Trata-se de começar a viver em outra dimensão, conscien-

tes do significado da vida. Chegando a este nível, observa-se

tudo aquilo que nos sucede em redor, ao longo do caminho, es-

tudando-se as razões pelas quais determinados fatos ocorrem

naquele momento e prevendo-se o desenvolvimento deles em

suas fases sucessivas. Quando se chega a esta nova compreen-

são da realidade, vê-se o quanto ela é diversa daquele enten-

dimento do velho tipo, tão ineficiente e elástica. Em seu lugar

aparece, ao contrário, uma realidade mais profunda, mais exa-

tamente definida, em funcionamento constante e com movi-

mentos calculáveis. Vive-se de outra maneira, não sendo levado

por impulsos desconhecidos, mas tendo-se em mãos as rédeas

do próprio destino e construindo-o com conhecimento, por ter

calculado e introduzido nos fatos os necessários impulsos de-

terminantes. Se o homem conseguir compreender e utilizar tudo

isto, ele fará uma das maiores revoluções da história, represen-

tada por um golpe antecipado e jamais realizado.

Trata-se de passar das religiões do passado, do tipo emotivo-

fideísta, para uma do tipo racional-positivo. É claro que isto

constitui um crescimento, e não uma supressão, porque a evolu-

ção quer avançar, e não destruir. Isso fatalmente deverá levar, no

campo do espírito, da religião e da moral, à posse de verdades

científicas demonstradas, que tomarão o lugar daquelas baseadas

no mito, substituindo as criações legendárias com as quais o

homem, ansioso por saber, imaginou uma explicação para a

existência, a fim de tentar suprir sua falta de conhecimento.

Deverá acontecer aquilo que estamos tentando fazer, ou se-

ja, diante das mesmas verdades, passar de um estado de incer-

teza e nebulosidade para um de certeza e exatidão, de modo a

nos movermos no seio do fenômeno de nossa vida com plena

consciência da técnica de seu funcionamento e desenvolvimen-

to. Hoje, os conceitos de Deus e de sua Lei são ainda vagos e

distantes, de modo que o homem, porque ainda não sabe, deve

crer neles. Mas, para sua comodidade, procura evadir-se com

uma moral que, por ainda não ser definida analiticamente, é

cheia de escapatórias. Assim ele abusa, mas espera o perdão;

comete erros, mas invoca a divina providência, para que ela re-

solva tudo. O homem ainda se move apenas por tentativas, pois

desconhece a estrutura e o funcionamento da máquina dentro da

qual ele vive, ignorando como fazer os movimentos adequados

para fazê-la funcionar em sua própria vantagem. É fatigante

andar assim às cegas, com este sistema de erro e pagamento,

tendo de fazer e refazer. Não é possível que não haja outro mo-

do de viver, mais inteligente e mais útil.

Aqui não procuramos abolir os velhos princípios ainda vi-

gentes, os quais respeitamos, mas nos quais reconhecemos um

estado ainda infantil, sendo nossa vontade levá-los mais à

frente, para uma fase mais amadurecida. Deste modo, em vez

de ser cancelado, o passado clarifica-se, atualiza-se e confir-

ma-se, tornando-se reforçado por um controle racional e analí-

tico. Os conceitos básicos permanecem, mas compreendidos

em profundidade. Continuamos a falar com Deus, mas em um

nível de consciência mais alto, com maior segurança da reali-

dade, mais iluminados na capacidade de prever e mais ativos

no trabalho de planificar.

Então chega-se a sentir a presença de Deus. Geralmente

somos levados a vê-la não próxima de nós, nas pequenas vicis-

situdes de nossa vida cotidiana, mas somente nos grandes fatos

heroicos e excepcionais, que não acontecem aos homens co-

muns. Mas o leitor pôde ver que, ao contrário, os exemplos de

casuística aqui relatados são acontecimentos simples e ao al-

cance de todos. Através deles, pudemos ver a presença de Deus,

operando com a sua Lei. Quando vistos com estes novos olhos,

os fatos nos mostram como os maiores problemas da vida são

resolvidos. Esta nova visão das coisas nos faz ver como tudo é

conexo, revelando-nos a complexidade dos fenômenos que se

escondem num acontecimento de aparência banal. Não levamos

em conta tais fatores, porque não os vemos. Sem nos aperce-

bemos, vivemos a todo instante, mesmo nos menores aconteci-

mentos, em contato com Deus, que trabalha ao nosso lado em

todos os fenômenos, porquanto a nossa existência se desenvol-

ve dentro do funcionamento da Lei. Desejamos transmitir aqui

ao leitor a sensação desta presença de Deus, percepção esta que

não resulta somente da conclusão lógica de um raciocínio.

É assim que, neste livro, apoiando-nos sobre teorias maio-

res, pudemos com elas ligar os pequenos fatos da experiência

comum e ver o quanto eles, não obstante sua modesta aparên-

48 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

cia, eram ricos de conteúdo. Escolhemos alguns exemplos sim-

ples e comuns, porque mais vizinhos de nós e, assim, mais sus-

cetíveis de análise, para fazer o leitor ver em que imenso mun-

do qualquer um vive a sua vida de cada dia.

Encerramos aqui a casuística. Quem quiser poderá procedê-

la por si mesmo, pois encontrará exemplos em sua própria casa

no dia a dia, analisando seus casos pessoais, que, por isto mes-

mo, são mais interessantes para si. Uma vez que se tenha com-

preendido a técnica explicada, pode-se aplicá-la por conta pró-

pria, sendo possível também, depois de se ter aprendido a ver as

coisas em profundidade, descobrir nelas um significado e valo-

res antes desconhecidos, capazes de dar uma orientação total-

mente diferente à própria vida.

◘ ◘ ◘

O sucesso do trabalho de previsão e direção no desenvolvi-

mento dos casos, que nos interessa examinar, depende do co-

nhecimento e uso da técnica que já mencionamos. Tentemos

então aprofundar este conhecimento, focalizando melhor alguns

pontos fundamentais.

No capítulo precedente, orientamos a pesquisa, aplicando-a

a três tipos de casos:

1) O caso de desconhecimento e passividade, no qual o su-

jeito somente sofre a ação da Lei, sem nenhuma consciência do

fenômeno.

2) O caso consciente e ativo, no qual o raciocínio é usado

somente para a previsão do futuro, que, embora conhecido, é

aceito conforme as regras da Lei, sem nenhuma intervenção pa-

ra determiná-lo.

3) O caso no qual o sujeito não somente sabe e prevê o de-

senvolvimento do fenômeno, mas também chega ao ponto de

intervir e tomar a direção dele.

Poderíamos dizer então que a interação entre indivíduo e

fenômeno atravessa três fases de aperfeiçoamento progressivo,

que leva a uma coparticipação crescente do sujeito no domínio

do acontecimento. Estas fases são: 1) Ignorância; 2) Previsão;

3) Direção. Com isto, a evolução eleva o indivíduo desde a po-

sição de ignorante e inconsciente da presença da Lei até ao ní-

vel de colaborador consciente do funcionamento dela. Tudo isto

fica contido na lógica do plano da existência.

É evidente que, em sua terceira fase, o fenômeno atinge a

posição mais avançada e que, portanto, a sua técnica alcança o

mais alto nível de complexidade e exatidão. Além disso, esta

terceira posição é aquela que mais nos interessa, porque nos

ensina a assumirmos realmente a direção do desenvolvimento

dos acontecimentos de nossa vida e do nosso próprio destino,

permitindo-nos atingir a posição que quisermos. Analisaremos

mais de perto a técnica deste tipo de casos do terceiro grau –

onde se atinge a fase de intervenção no fenômeno – porque

ela representa a arte máxima da ética do comportamento, que

consiste na sabedoria de nos dirigirmos conscientes dos pla-

nos da Lei, colaborando com eles, para atingir seus objetivos,

em nosso próprio benefício.

Devemos então começar daquilo que, sendo seu ponto de

partida e de referência, é a base desta técnica. Antes de observar

o fenômeno em seu desenvolvimento, devemos conhecê-lo em

seu momento inicial. Isto é fundamental, porque é esta primeira

avaliação que nos indica qual será o tipo dos movimentos suces-

sivos, segundo os quais o fenômeno se dirigirá. É esta primeira

posição que orienta as subsequentes. Se errarmos no momento

do lançamento do míssil, toda sua rota seguirá errada, a menos

que saibamos corrigi-la, depois de havê-lo posto em órbita.

O ponto de partida é o indivíduo. Isso porque o míssil que

entra em órbita é o próprio eu com as suas qualidades, constitu-

ídas pelas forças que, ao longo do caminho e segundo sua natu-

reza, irão atrair e anexar outras forças de tipo semelhante, repe-

lindo aquelas de tipo diferente. Uma vez que o estabelecimento

da técnica funcional do fenômeno se faz desde a partida, o co-

nhecimento do tipo do próprio eu é fundamental para o domínio

do desenvolvimento do fenômeno.

A primeira coisa a fazer é perguntar-se: “Quem sou eu?”.

Só depois de ter tudo bem assegurado, o indivíduo poderá pôr-

se em viagem. O problema básico é um severo exame de cons-

ciência. O desenvolvimento de um evento, assim como de um

destino, baseia-se sobre a relação entre dois elementos: a per-

sonalidade do sujeito e a Lei. Cada um deles representa um or-

ganismo de forças em ação, dirigido para uma determinada

meta, em direção à qual aquelas forças querem avançar. Quan-

do se conhece o indivíduo e a Lei, conhece-se também o con-

teúdo destes dois campos de forças. O êxito do desenvolvi-

mento das forças da personalidade é condicionado pelas forças

da Lei. Quanto mais as forças da personalidade estiverem ade-

ridas às da Lei, porque afins com elas, maior será o êxito. E é

pelo cálculo desta aderência por afinidade que se pode deduzir

se o evento terá ou não sucesso.

Ora, no caso da intervenção, este bom êxito será tanto mais

fácil, quanto mais a estrutura da personalidade permitir a intro-

dução de novos impulsos segundo a Lei. O caso de máximo su-

cesso neste trabalho se dá quando a adesão do sujeito à Lei é

completa, tornando-se ele um colaborador dela. O caso de má-

ximo insucesso se dá quando a adesão do sujeito é nula, tornan-

do-se ele inimigo dela. Eis porque é necessário conhecer-se a si

mesmo, uma vez que a solução do caso, no fenômeno da inter-

venção, depende da estrutura da personalidade do sujeito. Este

autoconhecimento é o primeiro fato que se deve ter em conta.

O desenvolvimento completo do fenômeno resulta então de

dois momentos: 1) O referido exame de consciência, que consis-

te numa autopsicanálise, através de um ato individual de intros-

pecção, com o qual se obtém o diagnóstico do próprio caso; 2)

A intervenção que, segundo os resultados obtidos de tudo isto, é

possível realizar, para dirigir o desenvolvimento do fenômeno.

A chave para efetuar esta intervenção tem como premissa

indispensável o exame de consciência. Aqui estamos no depar-

tamento de análises, de cuja exatidão depende o valor do diag-

nóstico, como acontece para o médico com os exames de urina,

sangue etc. É do diagnóstico, portanto, que depende toda a cu-

ra. Uma autopsicanálise errada conduz a profundos erros de

avaliação, estragando todo o processo e impossibilitando o bom

êxito do caso avaliado. Dessa maneira, em vez de resolver o

problema, submete o sujeito à longa técnica de correção dos er-

ros, a qual já conhecemos.

Portanto, se a avaliação de si mesmo não estiver correta, to-

mando como unidade de medida a Lei, teremos como base do

julgamento uma análise errada. Desta premissa não pode derivar

senão um diagnóstico falso, que representará uma colocação

também falsa para a intervenção diretiva no desenvolvimento do

fenômeno, comprometendo todo o processo já na partida. As vá-

rias fases são ligadas, porque derivam uma das outras. Da exati-

dão e veracidade da psicanálise com que se faz o correspondente

diagnóstico depende o valor da atitude psíquica que estabelece

as normas a serem seguidas para dirigir o fenômeno.

◘ ◘ ◘

Resta-nos agora examinar como executar o exame de

consciência ou autopsicanálise, ponto de partida da técnica da

intervenção.

Trata-se de observar e medir a si mesmo. Isso não se pode

fazer senão estabelecendo um confronto com o único termo de

comparação e unidade de medida que possuímos: a Lei. Trata-

se então de pôr o próprio eu diante dela, analisando-o em rela-

ção ao pensamento que expressa suas normas, para estabelecer

qual deve ser a nossa conduta.

Esta ideia do exame de consciência não é nova. Para con-

firmar isso, remetemos o leitor agora para a menção feita no

princípio do Capítulo III. Vemos que tal ideia já existe nas reli-

giões. Fala-se então em “colocar a própria alma na presença de

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 49

Deus”. Mas como cada um dos termos julga, quando os dois se

encaram? Quando o julgamento provém da Lei, ele se manifes-

ta fazendo o sujeito em questão sofrer as consequências de seus

atos. Quando, ao contrário, o julgamento é feito pelo sujeito,

então acontece que o indivíduo julga a seu modo, porque olha

com seus olhos e está interessado no julgamento. Isto leva a

uma distorção do mesmo, o que é perigoso, pois o erro de diag-

nóstico produz o lançamento da trajetória daquele caso em di-

reção errada, levando-o a colocar-se numa posição contra a Lei,

erro que deve ser pago depois.

No passado, para as massas ainda em estado infantil, incapa-

zes de uma penetração psicanalítica, o problema foi solucionado

com um código que estabelecia as regras da conduta humana,

determinando uma lista do que fazer e do que não fazer. Os

Mandamentos de Moisés, com toda a encenação do Sinai, são

um primeiro exemplo. Tudo isso andou bem no passado, quando

bastava uma definição aproximativa, formando uma rede de ma-

lhas largas, para impedir os erros mais graves. Porém isso se

torna cada vez menos adequado para a formação analítica e crí-

tica do homem moderno, que tem necessidade de penetrar mais

a fundo na substância das coisas, com uma avaliação mais exata.

Este aprofundamento se faz necessário, sobretudo quando

se quer usar a técnica da intervenção que propomos aqui para

proceder à planificação racional dos próprios casos ou até da

própria vida. Não se trata de sujeitar-se à Lei, mas sim de ad-

quirir uma autonomia diretiva individual no seio de seu funci-

onamento. Para isto, é necessário um trabalho de autopsicaná-

lise exato e profundo, anteposto à ação. Trata-se de um traba-

lho executado de modo consciente e responsável, por um indi-

víduo provido de um senso moral mais agudo. Tudo isto prin-

cipalmente porque ele, dada sua evolução, deve ser livre e,

portanto, capaz de fazer tudo por si. Em tal caso, o termo de

comparação, base da análise, não é uma simples lista de atos

impostos ou proibidos, mas sim o pensamento que está contido

na Lei e que dirige o seu funcionamento.

Neste caso, o indivíduo não se encontra mais diante da Lei

na condição de criança, que, sendo ignorante e irresponsável,

deve ser guiada pela mão e tem como único dever a obediência.

Pelo contrário, o ser assumiu a posição de adulto, que, pelo fato

de compreender, estar livre para agir e ser responsável por suas

ações, deve saber dirigir-se. Ele tem de estar consciente da Lei,

para estabelecer diálogo com ela. É livre para errar, mas conhe-

ce as consequências do erro pelo qual é responsável. Sua posi-

ção, portanto, é completamente diversa. Isso não significa que a

preceituação geral esteja errada, mas sim que ela consiste ape-

nas uma fase de aproximação, já superada pelo homem moder-

no maduro, condição que o torna capaz de usar a técnica da in-

tervenção, manejando conscientemente as forças da vida.

Temos então frente a frente os dois termos: a alma e Deus,

ou seja, o eu e a Lei. O exame introspectivo é feito não de mo-

do isolado, mas sim confrontando a si mesmo com os princípios

que regem o funcionamento da Lei. O indivíduo põe-se nu pe-

rante aquele quadro e nele se espelha. Assim, ele pode ver quais

são os pontos de coincidência com as linhas da Lei e quais os

pontos de divergência. Positivos para ele serão os pontos de

acordo, e negativos os de desacordo. Quanto mais exato, obje-

tivo e correspondente à verdade for o exame, tanto maior será o

seu valor para dirigir a técnica da intervenção.

Observemos agora as dificuldades que devem ser superadas,

para se conseguir um bom exame de consciência. A principal

consiste no fato de que o órgão de juízo de si mesmo é o pró-

prio eu. Sendo ele parte envolvida, são fáceis os erros de avali-

ação na análise. O perigo se deve, sobretudo, ao fato de que a

introspecção decorrente do exame de consciência representa

uma descida no abismo do inconsciente inferior ou subconsci-

ente, havendo a partir daí, vindo das suas profundezas, uma

emersão dele no consciente, para se fazer valer com a afirma-

ção das próprias vontades e razões, distorcendo o julgamento

segundo o próprio egoístico ponto de vista (v. Cap. III).

O subconsciente representa então um perigo do qual deve-

mos nos resguardar. Vejamos mais exatamente em que consiste

este problema. Para fazer isso, devemos basear-nos em afirma-

ções já demonstradas, que para nós são problemas resolvidos,

aos quais não podemos retornar. Quem quiser conhecer as res-

pectivas teorias e suas conclusões, poderá encontrá-las desen-

volvidas nos livros: O Sistema, Queda e Salvação e Princípios

de Uma Nova Ética. Aqui bastará o seguinte esquema funda-

mental, para recapitular tudo.

A psique humana pode se dividir em três zonas: subconsci-

ente, consciente e superconsciente, que representam seus três

níveis de evolução. A existência não é estática, mas sim um

contínuo tornar-se. Este transformismo percorre o ciclo invo-

lução-evolução, o qual, partindo de um ponto que chamamos

de Sistema, desce pelo caminho da involução até ao ponto

oposto, que chamamos de Anti-Sistema, para depois, a partir

deste ponto, elevar-se novamente pelo caminho da evolução,

até ao Sistema, retornando assim ao ponto de partida. Temos,

dessa forma, um dualismo de termos opostos: positivo e nega-

tivo, Sistema e Anti-Sistema. A unidade do todo, porém, não

fica quebrada por esta estrutura bipolar, que o caminho evolu-

tivo, fazendo tudo retornar ao ponto de partida, tende a reunifi-

car. Basta isso para nos orientar.

Então o subconsciente, que aparece na avaliação efetuada

na autopsicanálise, representa a parte mais involuída da psique,

apresentando como maior perigo a sua própria involução, por-

que ela significa ignorância e impulsos inferiores, transbordan-

tes de animalidade em nível baixo e maléfico. Além disso, esta

posição involuída representa uma posição situada mais próxima

do polo negativo do ser, razão pela qual tende a se realizar na-

quela direção, seguindo para o negativo, segundo o modelo de

tipo anti-Lei, que representa a queda espiritual, enquanto a re-

denção consiste em seguir a Lei.

O subconsciente representa não apenas uma contribuição à

psicanálise, feita de impulsos involuídos, nocivos e tenebrosos,

mas também uma força para nos afastar do caminho reto, traça-

do pela Lei, e nos levar na via oposta, fornecendo-nos análises

e diagnósticos realmente invertidos, que levam ao lançamento

de trajetórias no sentido negativo, anti-Lei. É esta tendência an-

tagônica diante da Lei que constitui o segundo ponto de pericu-

losidade do subconsciente. Trata-se realmente de um retroces-

so, porque, em vez de apontar na direção da Lei, que representa

o vértice da evolução, o subconsciente aponta para o polo opos-

to, pelo qual, justamente devido à proximidade, é mais atraído.

Restam ainda outras considerações. O subconsciente, gravi-

tando pela sua qualidade de involuído em direção ao polo nega-

tivo, desejaria a vitória deste sobre o polo positivo, fato pelo

qual expressa a sua vontade de, com sua própria lei, substituir-se

à lei de Deus. O subconsciente tem a sua própria psicologia, que

nos revela a sua estrutura, quando a observamos. Ela exprime a

forma mental própria da zona mais involuída do ser, lançada em

descida, na direção do Anti-Sistema. Resumindo, trata-se da zo-

na de retrocesso, onde se busca a substituição do próprio eu ao

Deus-Lei, para, no lugar daquilo que está no polo positivo, colo-

car como senhor o que está no polo negativo, fazendo de um

elemento que deve funcionar disciplinadamente dentro da Lei,

um centro emborcado, independente e dominador.

Eis por que o subconsciente representa um obstáculo a ven-

cer, quando se busca compreender a si mesmo diante da Lei. Is-

to não significa que ele procure impedir-nos de vê-la. Em sua

involução, ele simplesmente não a vê e, por isso, não pode in-

dicá-la. Assim, coloca-nos perante os olhos aquilo que ele acre-

dita ser a verdade, enquanto não passa de uma ilusão de quem

ignora o funcionamento da Lei. Esta miragem nos precipita no

engano, porque temos depois de ajustar contas com ela e pagar

50 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

tudo. Trata-se de uma experiência comum a psicologia da ten-

tação que, para induzir ao mal, promete alegrias, mas depois

não dá senão desilusões e dores. Guardemo-nos então do sub-

consciente. Quanto mais o indivíduo cai vítima dele, mais ele é

involuído, e este fato denota a medida da sua involução. Mas

cada ser só pode fazer o exame de consciência ao nível ético

condicionado pelo seu grau de evolução. Pode-se então imagi-

nar que tipo de exame, devido à sua ignorância, possam fazer,

ainda que de boa fé, o involuído e o subdesenvolvido, que pen-

sam ao nível do subconsciente.

Ora, se do tipo de exame de consciência depende o funcio-

namento da técnica da intervenção e se esta representa uma

técnica de alto nível, é lógico que se devam exigir qualidades

de evolução proporcionais nos indivíduos que pretendem usá-

la. Isto significa o domínio da parte mais evoluída do eu sobre

o subconsciente, exercendo um firme controle sobre ele, para

não deixá-lo dominar. Quem não sabe fazer isto, que permane-

ça no nível preceptivo e não se arrisque na livre iniciativa,

pois, como ainda não sabe usá-la, pode terminar no erro. Trata-

se de dois tipos de ética em dois diversos níveis de evolução.

A preceptiva é adaptada tanto ao indivíduo ignorante, que ne-

cessita de orientação, como ao recalcitrante, que precisa ser

corrigido à força. Já o método de intervenção pressupõe o in-

divíduo consciente, que sabe não apenas analisar-se a si mes-

mo e se autodirigir sem cometer erros diante da Lei, mas tam-

bém corrigi-los, quando vêm a cometê-los.

◘ ◘ ◘

Passemos da teoria à prática. Para melhor compreender es-

tes princípios, apliquemo-los a um exemplo concreto. Uma pes-

soa observada por nós, tendo conseguido, à custa de operações

realizadas pelo método anti-Lei, uma posição inteiramente sa-

tisfatória, comunica-nos estar contente com sua obra, estando

convencida de ter obtido tão bom êxito pelo fato de haver apli-

cado as normas aqui expostas, que lhe foram aconselhadas co-

mo método de executar um correto exame de consciência, a fim

de atingir bons resultados na direção de sua vida.

Aqui nos encontramos diante de um juízo emitido pelo sub-

consciente, cujo modo de julgar se revela, de fato, caracterizado

pelas três qualidades já vistas: 1) Involução; 2) Inversão; 3)

Substituição.

1) A presença do subconsciente se revela no fato de de-

senvolver-se o caso num baixo nível ético, em posição invo-

luída, anti-Lei. Disto o subconsciente naturalmente não se

apercebe, provando, desse modo, que não conhece a Lei. Seu

único interesse é satisfazer sua vontade, razão pela qual per-

manece no nível da astúcia, indiferente ao problema da moral

e do conhecimento.

2) O caso está invertido, pois é vivido às avessas, sendo

apresentado como virtude, enquanto, perante a Lei, é errado e

defeituoso. Em suma, ele é utilizado como um disfarce para es-

conder a realidade diferente que há embaixo, a qual o subcons-

ciente procura camuflar, pois sabe que é condenada. Mas ele

não vê a própria imoralidade, que só é percebida pelos que

atingiram um nível ético mais alto. Temos assim um subconsci-

ente anti-Lei, apresentado como vitória da Lei.

3) O subconsciente, com seus métodos invertidos – do tipo an-

ti-Lei, mas apresentados como segundo a Lei – substituiu-se à Lei.

Tal caso exprime estes três conceitos:

1) Involução. O sujeito declara a sua própria satisfação, na

qual mostra o subconsciente egoísta, que se preocupa em pri-

meiro lugar consigo mesmo, não levando em consideração as

dores que o seu bem-estar pode ter custado ao próximo.

2) Inversão. O sujeito diz querer tirar deste fenômeno uma

lição, estudando-lhe o mecanismo e corrigindo-lhe os erros.

Neste caso, uma ação que nada tem de correta vem apresenta-

da como um fenômeno a ser estudado, para se extrair dele

uma lição edificante.

3) Substituição. A atividade apresentada como benéfica cor-

responde a uma planificação do tipo subconsciente, significan-

do o uso da ética deste no lugar daquela da Lei.

De tudo isso não se pode culpar o sujeito, porque ele, em

seu nível evolutivo, não pode aperceber-se quão imoral é a sua

conduta, se vista de um nível evolutivo superior. Esta fase do

subconsciente é uma etapa do desenvolvimento psíquico huma-

no, na qual o indivíduo pode cometer graves erros sem se aper-

ceber, permanecendo tranquilo e inocente, devido à sua igno-

rância. Mas este fato não o exime das consequências de seus

atos. É fácil imaginar onde irá terminar uma trajetória iniciada a

partir de um exame de consciência como aquele agora observa-

do. Não se pode impedir que a vida, neste nível, seja uma dura

escola para aquele indivíduo, sempre com o saudável objetivo

de ensinar. Enquanto este homem tirava sua vantagem em pre-

juízo dos outros, gozando os benefícios que isto lhe trazia, nin-

guém pôde convencê-lo do contrário. Acreditando que Deus es-

tivesse do seu lado, ele Lhe agradecia a ajuda, cheio de convic-

ção. Assim, a seu modo e no seu nível, pode ser grato a Deus

quem, tendo sabido roubar, acaba gozando de uma boa vida.

Isso em nosso mundo não é excepcional, fato que nos leva

a considerar qual seja a substância das relações sociais, quando

o órgão de julgamento da conduta é do tipo subconsciente,

como observamos aqui. Então não se julga imparcialmente,

com base na Lei, mas o próprio eu é que faz a lei, como se ele

fosse centro e juiz do universo. Que acontece então? O sujeito,

ao invés de se referir à lei de Deus, situada acima dos indiví-

duos, para aceitar-lhe os juízos imparciais, formulados por ela

segundo seus princípios, toma o lugar da Lei e substituiu seu

próprio julgamento ao dela.

É fácil, portanto, imaginar as consequências, quando isso

ocorre em uma multidão de indivíduos deste tipo, com juízos

relativos e pessoais, cada um fazendo-se lei em substituição à

grande Lei e julgando com o próprio eu. Então não somente eu

julgo o outro e o outro me julga, mas também, assim como eu

faço de mim mesmo centro de meu julgamento, o outro também

faz de si mesmo centro de seu julgamento. Nasce desse modo

um regime de guerra, tornando-se necessários o escudo e a es-

pada. Isso significa forjar para si próprio um escudo-cobertura,

feito de virtudes postas à vista, e valer-se, em relação aos ou-

tros, de uma espada para abater-lhes o escudo-cobertura simi-

lar, buscando descobrir seus defeitos.

Suponhamos um encontro entre um avarento e um sensual.

O avarento tomará a atitude de um santo casto, para esconder

sua avareza, acusando o outro de erotismo. Este, por sua vez,

fingirá generosidade, para esconder os seus excessos eróticos,

acusando o outro de avareza. Assim cada um recebe, recipro-

camente, a lição dada pelo outro. Todos se escondem e enga-

nam uns aos outros. “Veja de que o outro não o acusa e saberá

qual é o defeito dele”. Por tudo isso vê-se quanto é difícil fazer

um verdadeiro exame de consciência, no qual aos impulsos ins-

tintivos do subconsciente se sobreponha a orientação iluminada

da mente que conhece a Lei.

X. COMO FAZER UM NOVO

EXAME DE CONSCIÊNCIA

O exame de consciência é uma constatação daquilo que so-

mos de fato, consistindo numa análise inicial, para tomar co-

nhecimento das nossas qualidades. A finalidade é prever as

consequências que derivarão daí, a direção em que lançaremos

as forças de um acontecimento, a trajetória que essas forças se-

guirão e o ponto ao qual elas devem chegar. Trata-se de um

exame preventivo, para tomar conhecimento das causas que,

segundo sua natureza, o nosso eu nos leva a movimentar na fa-

se inicial do fenômeno, permitindo a previsão de seu desenvol-

vimento como consequência daquelas causas, até ao resultado

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 51

final com o qual aquele fenômeno se conclui. A finalidade des-

te exame, portanto, é saber, dado aquilo que colocamos em ór-

bita, como dirigir e corrigir o fenômeno na fase de desenvolvi-

mento, para levá-lo a bom termo.

De forma diferente do exame de consciência comum, neste

não interessam as apreciações sobre o valor das próprias quali-

dades, em que se é levado a estabelecer uma comparação com

os outros indivíduos, tomando-se a si mesmo como modelo. Pa-

ra quem usa a técnica da intervenção, julgar não serve. É neces-

sário, ao contrário do que se crê, olhar somente para si mesmo,

porque é só o próprio eu que entra em órbita durante o desen-

volvimento do caso. O objetivo do exame é estabelecer uma

trajetória justa, e não vencer o próximo no cômputo de virtudes.

Pode-se dizer: “Todavia devemos examinar também as nos-

sas qualidades boas”. Sim, porém, com este exame de consci-

ência, não procuramos as virtudes, mas sim os defeitos, porque

são eles que nos levam a cometer erros, originando o sofrimen-

to com o qual devemos pagá-los. E o trabalho que queremos fa-

zer aqui é, sobretudo, explicar como evitar aqueles erros e os

consequentes sofrimentos. Daí se conclui que julgar os outros

nos leva para fora da estrada.

Se possuímos boas qualidades, ninguém pode impedir que

elas produzam seus bons frutos. Mas não temos de lutar por is-

to, pois acontecerá automaticamente. Nossa luta deve deslocar-

se para o lado defeituoso, onde nasce o erro, que é a causa de

nossas dores. A finalidade da técnica da intervenção é exata-

mente evitar estas dores. Este é o problema que nos interessa e

que estamos examinando aqui.

Pode-se dizer ainda: “Mas deve haver um julgamento para

si mesmo, e cada um tem de enfrentá-lo”. Então quem o faz? É

a Lei que o faz, e o homem o vê escrito no resultado obtido por

ele. O exame é o ponto inicial, o julgamento é o ponto final. A

lei fala com fatos. O julgamento da Lei será a posição boa ou

má na qual o indivíduo se encontrará no final da experiência.

Tomemos um exemplo. Os cálculos que os técnicos em as-

tronáutica fazem antes de lançar um foguete para a Lua são a fase

inicial, representando o exame de consciência. O que mais im-

porta é não cometer erros, porque, depois, eles se transformam

em desastre. A fase conclusiva é o julgamento por parte da Lei,

que, fazendo um sucesso da experiência, nos diz que os cálculos

ou exame de consciência foram exatos ou, por outro lado, fazen-

do falhar a experiência com um desastre, nos diz que os cálculos

ou exame de consciência estavam errados. O julgamento é evi-

dente e se processa segundo os métodos da Lei, pelos quais cada

erro é pago com o próprio dano. No campo moral, a Lei age do

mesmo modo, porque ela é a mesma em todos os campos.

Assim como o técnico da astronáutica deve temer, sobretu-

do, os erros de cálculo, que o levam a estabelecer uma órbita

errada, quem se prepara para fazer o exame de consciência

também deve temer, sobretudo, os seus defeitos, que levam ao

mesmo resultado, trazendo erros e dores. Poder-se-ia objetar

então que o exame de consciência é feito em sentido negativo,

mas isto é lógico, uma vez que o ponto tomado como alvo é

exatamente o erro e o objetivo é evitá-lo.

Findo o exame de consciência, ponto por ponto, veremos que

entre todos os defeitos há um dominante, o qual define o tipo de

cada indivíduo. Ele pode ser o avarento, o sensual, o egoísta, o

dilapidador, o violento, o hipócrita etc. Cada um destes tipos é

exposto aos perigos ligados ao seu defeito. Daí a necessidade de

se pôr em guarda, colocando bem em foco e vigiando seu defeito,

para que ele não o leve a cometer os respectivos erros. Dado o

seu tipo, é natural que cada um tenda a lançar a trajetória de sua

vida ao longo de uma rota assinalada por excessos naquela dire-

ção, sendo, portanto, natural que cometa erros daquele gênero.

Entende-se assim por que os indivíduos têm necessidade de

se controlar, especialmente naqueles pontos fracos, perigosos

para eles. Compreende-se a necessidade de não entrar naqueles

caminhos, abstendo-se de se lançar por aquelas rotas, mesmo

que, para aqueles tipos, elas sejam as mais atrativas. Não é ne-

cessário experimentar pessoalmente o desastre no qual elas

terminam, porque se pode constatá-lo nos outros a cada dia, ob-

servando quais são para eles as consequências dos atos positi-

vos e negativos. Então é necessário, sobretudo, controlar-se,

não se expondo naquele ponto, no qual se é mais vulnerável. É

algo semelhante a um calcanhar de Aquiles, que atrai as maio-

res dificuldades. Mas por que exatamente naquele ponto? Por-

que é ali que, levados pelo impulso imoderado, o ser se excede

e vai contra a Lei, errando e, por isso, devendo pagar. Trata-se

de um desequilíbrio que atrai, como força corretiva, a dor.

Se naquele ponto se localiza o maior perigo, é necessário

toda a atenção para contê-lo, dominá-lo e, enfim, submetê-lo à

disciplina da razão. Daí a necessidade do violento se controlar,

do sensual se conter, do avarento ser generoso etc., reduzindo

os próprios impulsos aos limites do normal, porque, tão logo

ele se exceda, o golpe corretivo está pronto a cair-lhe em cima.

O exame de consciência se prolonga por toda a vida, sendo

necessário observar de frente toda e qualquer circunstância. A

cada ato deve-se perguntar: “Por que agi assim?”, para examinar

qual é a verdadeira natureza dos impulsos que nos moveram. É

necessário buscar pôr a nu o subconsciente, que se esconde, en-

ganando-nos para satisfazer-se. Estamos em um campo de for-

ças negativas, feitas de traição. É delas que nos devemos defen-

der, e não daquelas positivas. Assim, se alguém não é ladrão, is-

so não merece sua atenção, porque ele sabe que não o é, e isso

basta. A oportunidade de sê-lo não lhe é perigosa e nem o atin-

ge. Pode ser, porém, muito perigoso para ele um defeito que ele

tenha. É o vício que nos dá o golpe contrário, não a virtude. Um

homem pode ter mil virtudes, mas, se tiver um só vício, receberá

o golpe daquele vício. Ele pode triunfar no terreno de suas mil

virtudes, mas nada poderá impedir aquele golpe. O ponto do ví-

cio é o espaço doente. Se dos meus dez dedos só tenho um doen-

te, devo ocupar-me deste, e não dos nove sãos.

Por isso é necessário uma auto análise, a fim de corrigir si

mesmo, endireitando-se. Procurar esconder-se e arranjar pre-

textos para justificar-se é um método desastroso, porque au-

menta a culpa e a pena final, da qual não se escapa jamais. To-

davia este método maquiavélico foi o mais usado no passado,

tendo sido considerado, talvez por quem o inventou, como

uma descoberta útil e engenhosa.

É preciso entender que o exame de consciência feito diante

da lei de Deus é completamente diferente daquele que se faz

diante das leis humanas. Estas golpeiam o indivíduo, quando

ele comete um delito. A Lei também o golpeia, porém o faz

mesmo quando sua ação errada não tenha passado de pensa-

mento ou desejo, porque, com isso, ainda que, por ter sido im-

pedido pelas circunstâncias, não a tenha realizado, ele se de-

monstrou capaz de praticá-la.

O exame de consciência é um autoexame, ou seja, um exa-

me de si mesmo, feito por si mesmo, sozinho e consigo mesmo.

Não devemos olhar os defeitos dos outros, mas apenas os nos-

sos, um a um, porque somente estes é que nos cabe corrigir.

Podemos, porém, utilizar o julgamento de outros, pelo fato de

ser ele o mais apto a nos mostrar quais são os nossos defeitos, a

fim de conhecermos melhor a nós mesmos. Os olhos alheios,

sendo feitos de rivalidade, são mais agudos do que os nossos,

que, pelo contrário, são levados a ver as nossas virtudes e a es-

conder os nossos defeitos.

O tipo contrário indica o nosso defeito porque ele não o

tem, de modo que isto não o atinge, pois vive em outra dimen-

são, não sendo nosso rival. É por isso que, para nós, ele serve

como exemplo de um indivíduo íntegro. O tipo similar a nós,

encontrando-se no mesmo nível de comportamento e cometen-

do os mesmos erros, não nos indica o nosso defeito, porque ele

também o tem e, se nos acusasse, estaria acusando a si mesmo.

52 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

O termo de comparação com que nos medimos a nós mes-

mos no exame de consciência não é dado por uma lista de man-

damentos ou um código de leis, mas sim pelo resultado de nos-

so comportamento, ou seja, por um fato concreto, que, para

quem conhece a técnica funcional da Lei, é previsível ainda an-

tes do lançamento, conforme o tipo da trajetória que for esco-

lhida. Mas este conhecimento, além de ser obtido por um cálcu-

lo teórico, pode nos vir, como já foi mencionado, pela observa-

ção de como a Lei, em dadas circunstâncias, tem funcionado

em relação ao comportamento de outros. Muita gente viveu an-

tes de nós, então basta observar como a Lei funcionou para

eles. Todos nós sabemos mais ou menos como vão terminar

certas atitudes. Devemos, então, evitar assumi-las, se não qui-

sermos que a mesma coisa aconteça conosco, porque sabemos

que naquelas condições isto acontece.

Este exame preventivo de consciência não é, portanto, um

quebra-cabeça inútil. Nós não somos moralistas. Falamos em

termos utilitários. Quando soubermos, com base em um correto

exame de consciência, lançar a trajetória de um caso ou de uma

vida, tomando uma rota positiva, ao invés de uma rota negativa,

que nos obrigará a sofrer as consequências danosas, a vantagem

será toda nossa. Poderemos então ter uma vida planificada, sem

golpes ou dores, porque nos moveremos na direção correta.

Além disso, se as coisas andarem mal ao longo do caminho,

será possível, com o nosso conhecimento do mecanismo da Lei

e da técnica da intervenção, fazer a cada passo um exame de

consciência, o qual nos permitirá perceber os erros cometidos

no lançamento da trajetória e nos indicará os meios para corri-

gir a mesma. Logicamente, se conseguirmos endireitar assim a

rota errada, muitas das dificuldades que lhe são consequentes

deverão desaparecer. Tudo isso conduz a um modo de viver

menos doloroso do que aquele do passado. Esta correção da ro-

ta errada é como uma redenção dos males que nos agravavam.

Se aquilo que nos desviava era um defeito, uma vez libertados

dele, ficamos livres também das suas consequências.

Certamente, este é um modo de viver mais difícil, que per-

mite menos loucuras. Quando o aluno passa para a universida-

de, deve saber estudar por si mesmo, sem a orientação do mes-

tre, encontrando um ambiente mais intelectual. Também acon-

tece assim com o exame de consciência, que dá mais liberdade

e mais responsabilidade. Encontrar-se sozinho perante a própria

consciência é diferente de encontrar-se perante um juiz humano

ou um código de leis. Com isso, passa-se de uma disciplina ex-

terior a outra, mais exata e completa, que penetra fundo até às

raízes do fenômeno, alcançando o nível da motivação. Chega-

se assim a uma disciplina que, pelo fato de estar dentro de nós,

ligando-nos ao nosso íntimo, não podemos enganar.

Esta interioridade da disciplina, que chega até à substância

de nossa conduta, corta pela raiz o sistema de escapatórias, com

o qual se procura burlar a Lei. Colocamo-nos então diante dela,

em posição de retidão, e não de fuga, direcionados no sentido

positivo, e não às avessas, no sentido negativo. Isso significa

afinidade para ser ajudado, e não confronto para ser golpeado.

Vê-se como é loucura seguir este segundo método, tão desvan-

tajoso. Por isso explicamos aqui a função do exame de consci-

ência, através do qual nos podemos mover segundo a Lei.

É evidente que a finalidade deste exame é evitar a lição

dolorosa que se segue ao erro. Trata-se de uma aprendizagem

para alunos inteligentes, que sabem raciocinar e entender, e

não para alunos que procedem como asnos, aprendendo só à

força de chicotadas. O fato é que todos temos de aprender, e

disto ninguém pode escapar. As evasões de nada adiantam.

Assim, se não aprendermos de um modo, aprenderemos de

outro, o que se torna tanto mais inaceitável, quanto mais o

homem evolui e compreende.

O exame de consciência se torna o passo inicial e decisivo

na aplicação do sistema positivo da retidão, segundo a Lei, para

receber dela um tratamento favorável. A inconveniência do sis-

tema oposto salta aos olhos, tão logo se consegue compreender.

De fato, dado que a Lei não permite a violação da justiça, quem

tenta evadir-se dela acaba tendo de fazer, não espontaneamente,

mas à força de golpes dolorosos, tudo aquilo que o aguarda.

Com o sistema da honestidade, faz-se o devido trabalho somen-

te uma vez. Com o sistema do engano, tem-se primeiro a fadiga

de realizar a construção errada, para assistir depois o seu des-

moronamento, porque ela não se sustém, tendo-se ao fim de re-

fazer tudo de novo, no sentido oposto e à força.

O exame de consciência serve para adquirir conhecimento

dos erros e das futuras consequências. Então, perguntando-nos

o que estamos fazendo a cada momento, devemos examinar

ato por ato, verificando, assim, se ele corresponde à retidão. O

exame nos põe na presença da Lei, permitindo-nos ver se o tri-

lho sobre o qual nos colocamos nos leva para o bem ou nos le-

va para o mal. No passado, vivia-se na ilusão de que, à força

de astúcia, era possível, depois de se ter cometido o erro, esca-

par-se às lições da dor. Acreditava-se que fosse possível esca-

par sem pagar. Isso, sem dúvida, era muito cômodo. Mas,

quando se conhece a Lei, vê-se que tal injustiça só é possível

no cérebro de quem não compreende. Isto não significa que

não se saiba fazer aquele jogo, mas sim que se procura evitá-

lo, porque se vê que ele não convém.

Para melhor nos convencermos disso, condição fundamental

para o nosso bem, devemos observar como este problema foi

resolvido no passado. Tentou-se fazê-lo de uma forma diferente

daquela apresentada aqui, fato que se explica, quando analisa-

mos a razão de sua gênese. Naquela época, o homem estava

preso a seus instintos, e o que mais o premia era satisfazê-los.

Ele não levava em conta as consequências, porque ignorava a

técnica usada pela Lei ao ensinar. Então continuava impassível

a errar e a pagar, jogo este que, para muitos, ainda continua.

É certo que o homem tentava resolver o problema, mas, em

sua imaturidade, não o conseguia. Desta tentativa falida nasceu

a filosofia da aceitação resignada. Podemos, dessa forma, ex-

plicar a presença de uma psicologia tão antivital, na qual o pro-

blema, em vez de ser resolvido, complica-se com um terceiro

termo, que se acrescenta aos outros dois já mencionados, de

modo que, em vez do binômio erro-dor, chega-se ao trinômio

erro-dor-resignação.

É interessante analisar este processo psicológico. A dor exis-

tia, e não se sabia como eliminá-la. Então, não se sabendo como

resolver o problema, procurou-se fugir dele, tomando-se uma via

lateral, que é uma tentativa de evasão não bem sucedida, na qual

a dor permanece, mas o indivíduo adapta-se a ela, estabelecendo

um regime de convivência pacífica. No fundo, ela é aceita, do-

mesticada e justificada pelas filosofias sobrepostas, que procu-

ram transfigurá-la, em vista da finalidade a ser alcançada por

meio dela mesma. Chega-se então quase a santificá-la, elevando-

a a virtude. Assim, submetendo a dor a um processo de super-

humanização e idealização, procura-se destruir-lhe a virulência.

O resultado disso é um compromisso, um acordo tácito entre

o homem e a dor, pelo qual o primeiro diz à segunda: “Aceito-te

e chego mesmo a te abraçar, porque tu me purificas e me salvas,

mas enquanto te deixo nascer e crescer como queres, eu conti-

nuo a satisfazer meus desejos. Este acordo é conveniente tanto

para mim, que quero viver a meu modo, como para a Lei, que

quer ensinar-me a viver de outro”. O resultado deste sistema é

que o homem tende a tornar sempre mais teórica a segunda parte

do compromisso, para viver de fato a primeira. Em suma, ele

continua a aplicar seu sistema de astúcia também diante da Lei.

Mas, como pode ele agir de outra maneira, se, naquele nível

evolutivo, este é o seu tipo de vida? Deste modo, tudo se explica

e tem sua razão de ser. Justifica-se, assim, a razão pela qual, na

Terra, o elevado ideal serve frequentemente de cobertura para

esconder outra realidade, que é a realmente vivida.

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 53

Construiu-se assim toda uma filosofia religiosa, que che-

gou ao ponto de considerar a vida terrena como uma pena a

suportar, em vista da vida verdadeira no além. A primeira não

seria então mais do que uma prova temporária, um teste para

decidir a segunda, eterna e definitiva. Agora, porém, devemos

admitir que, se Deus criou a vida terrena, ela deve ter uma fun-

ção e um desenvolvimento próprios, não sendo razoável en-

tendê-la somente como condicionamento para uma única vida

real depois da morte. Sua função é ser uma escola, portanto

aqueles que se retiravam para o deserto eram alunos que fugi-

am da escola e perdiam a ocasião de aprender.

Trata-se, todavia, de distorções mentais que não podem ser

condenadas, quando se pensa que foram geradas num estado

de desesperação, ao qual estava reduzida a vida na Idade Mé-

dia. E não se pode culpar as religiões de terem criado esta psi-

cologia, porque elas apenas a secundaram, para servir de con-

forto. É necessário também distinguir os tipos de dor. Para

aquela dor merecida e recebida, tratando-se, portanto, de um

mal agora inevitável, a filosofia da aceitação e da dor-virtude

é ótima coisa. Então a dor é aceita porque é benéfica, consis-

tindo num pagamento de débitos já contraídos, fazendo o pa-

pel do hospital para os doentes. Mas tal sistema se torna ab-

surdo para os masoquistas saudáveis, que devem trabalhar. É

antivital procurar a dor sem uma razão, é loucura sustentar

que o sofrimento, assim compreendido, seja virtude.

Em outros livros temos sustentado o valor da dor e a sua po-

tência para libertar do mal. Embora, aqui, pareça que dizemos o

contrário, podemos confirmar que a dor é um meio de reden-

ção, porque ela é a chibata que nos ensina a não cometer mais o

erro. É certo que, neste caso, a dor é benéfica e positiva, porque

nos salva. Mas, na escola da vida, ela representa o método duro

e o caminho longo. Ora, queremos ressaltar que há também o

caminho curto, através do método da compreensão, no qual se

aprende sem chicotadas. Então, em vez de sofrer, chega-se à

compreensão refletindo, o que é muito mais conveniente.

Vamos insistir, agora, nesta senda. No caso do método duro

e do caminho longo, a filosofia da resignação pode ser útil,

porque então o mal já está feito e a dor é inevitável. Tal filoso-

fia é sempre um conforto e uma esperança. Isso significa que é

muito mais fácil ter de suportar a dor, quando sabemos que nós

lhe semeamos as causas. Esta é a tese que o presente livro de-

seja demonstrar. De outra maneira, continuaremos a nos con-

fortar com a esperança de outra vida e a sofrer as consequên-

cias do mal realizado, justificando-as com o argumento de que

a vida é feita para sofrer.

Hoje a febre de criação motivada pelo momento histórico

não tolera mais aquelas posições de resignação preguiçosa, pos-

síveis apenas em períodos de inércia. Vive-se atualmente na

expectativa do trabalho da evolução. A humanidade deve cons-

truir agora um mundo novo, e as virtudes do passado se fazem

cada vez mais anacrônicas. Estão surgindo novas virtudes, de

outro tipo. Hoje não se permanece na periferia dos problemas,

mas procura-se resolvê-los. Compreende-se quanto custa fazer

o mal e que loucura é fazê-lo. Entendemos quão sutis e podero-

sas são as forças que colocamos em movimento com nossa

conduta, e quão necessário é saber manejá-las de acordo com a

Lei. Por isso explicamos as vantagens do método da retidão e

os danos do método do engano. Dissemos acima que aceitar

uma disciplina segundo a Lei é menos fatigante do que pagar

depois à Lei a desordem efetuada contra ela. É questão de con-

veniência, tratando-se de um cálculo utilitário. Para quem co-

nhece a Lei e, portanto, as consequências da sua conduta, dá

medo ser desonesto. É preciso uma boa dose de inconsciência

para se fazer o mal e permanecer tranquilo.

Em suas vicissitudes, o homem intuiu a presença da Lei,

mas, não sabendo decifrá-la, chamou-a de imponderável, dei-

xando-a no estado de incógnita. Trata-se de uma força sutil, ade-

rente às raízes das coisas, que se esconde e foge às pesquisas.

Silenciosa e invisível, ela penetra tudo e dirige tudo de dentro,

estabelecendo nosso êxito ou nossos fracassos. Tê-la a nosso fa-

vor significa ser o mais poderoso entre os poderosos da Terra.

Quem a tem contra si, mesmo que seja o rei do mundo, está per-

dido. Quem compreendeu a Lei, descobriu e adquiriu uma po-

tência nova, que o mundo não conhece. É no funcionamento da

Lei que se encontra a explicação e a justificação de todos even-

tos humanos. Quantos colossos desmoronaram, cegados pelo

próprio orgulho, porque acreditavam saber e poder tudo! E

quantos, em sua inconsciência, ainda brincam com estas forças

tremendas, sem compreender para onde elas os arrastarão!

Estamos chegando ao término deste livro, e o leitor poderá

nos perguntar qual a finalidade que tínhamos prefixado para ele.

Nós não imitamos aquelas potências que, para seu próprio ex-

pansionismo, tentam impor a sua ordem, tornando-se o centro

dela e preparando-se para colidir com outros centros, a fim de

vencê-los. Se assim fosse, seria necessário estar armado, porque

se trata de egocentrismos rivais, cada um dos quais quer domi-

nar os outros. Na Terra, ainda se vive num regime de luta, e o

método aí vigente para estabelecer uma ordem é o do vencedor.

Nossa posição é completamente diversa. Não queremos im-

por coisa alguma, nem conquistar ninguém. Fazemos apenas

uma constatação e a apresentamos ao leitor, de onde se conclui

que as qualidades atuantes em nosso caso divergem profunda-

mente das citadas acima. Nós simplesmente constatamos que há

uma ordem divina universal, à qual ninguém pode escapar.

Descrevemos seus princípios diretivos, seu funcionamento e

sua férrea disciplina, explicando que eles não violentam aquelas

ordens humanas, respeitando e deixando o homem livre para

desobedecer conforme desejar.

Afirmamos, porém, que os fatos nos autorizam a crer que

hoje estamos nos aproximando de um momento crítico de satu-

ração, no qual seremos obrigados a fazer uma opção, de modo

que ou o homem compreende esta ordem e consegue enqua-

drar-se nela, ou ele acabará se matando com suas próprias

mãos. É isto o que vemos escrito somente na lógica dos fatos.

CONCLUSÃO

O problema com o qual nos defrontamos neste livro foi o de

provar a importância de sabermos dirigir-nos dentro do funcio-

namento da Lei, sem bater a cada passo a cabeça contra ela, pro-

longando o sofrimento. Não há razão para que o problema da

dor, quando se detectam as causas e se compreende a técnica das

suas origens, seja insolúvel. Agora sabemos que há uma ordem,

à qual chamamos Lei, e que, quando a violamos, geramos com

isso a dor. Então basta não violarmos aquela ordem, para que a

dor não surja. A civilização e a ciência vão eliminando cada vez

mais as causas próximas, mas ainda não penetraram até às cau-

sas profundas, que permanecem. E vemos de fato que o homem,

com seus loucos métodos de vida, é ativíssimo em semeá-las.

Ora, tudo isso está claro, e qualquer um poderá utilizar este

conhecimento. O problema que nos propomos aqui é outro, e con-

siste em encontrar o homem psicologicamente maduro para saber

autodirigir-se como aqui explicamos. Este livro seria uma vã dis-

sertação filosófica, se não fosse feito para ser vivido. Mas viver

essa nova proposta pressupõe uma consciência e um senso de res-

ponsabilidade não comum à massa. Assim foi no passado. Porém

já vislumbramos hoje um fato novo, que se faz cada dia mais evi-

dente. Tudo está transformando-se rapidamente, com um progres-

so sem precedentes em todos os campos. O atual momento histó-

rico representa um salto à frente ao longo da linha da evolução,

transformando a nossa vida, que é elevada a um nível biológico

mais avançado. Com isso, o homem está rapidamente amadure-

cendo para chegar a compreender e se preparar para assumir uma

nova forma mental, a fim de conceber e agir diferentemente.

54 PENSAMENTOS Pietro Ubaldi

Estamos convictos de que, em 1971, estaremos entrando

num período febril de três décadas, que desembocará no Tercei-

ro Milênio, tendo amadurecido e fazendo entrar nele um ho-

mem diferente. Certamente existe e existirá ainda uma parte

atrasada, que não pode compreender, mas torna-se cada vez

maior a parte que o pode. E é a esta parte, formada sobretudo

pela nova geração, que nos dirigimos. Pelo modo como ela en-

frenta os novos problemas, já se vê que os quer resolver. Ela

representa uma corrente da vida, e nós nos inserimos nela. Nes-

te momento, é claro que o velho passado não satisfaz. Há uma

necessidade de renovação e uma procura de orientação, e aqui

está uma oferta. Os dois termos não podem deixar de se encon-

trar. Se a vida faz nascer neste momento esta ideia, isso signifi-

ca que ela deverá servir para alguma coisa.

Como se realiza este amadurecimento? O universo é dirigi-

do por muitas leis. O homem vê apenas aquilo que seus olhos,

definidos por um determinado grau de evolução, são capazes de

ver. Ora, os olhos do homem do passado não estavam bastante

desenvolvidos para ver a ordem com a qual aquelas leis regem

tudo. Imaginaram-na, intuíram-na, mas não a viram e não a

analisaram. Então a verdadeira convicção que dirigia a conduta

daquele homem era de que se vivia no caos. Ele acreditava que

não havia ordem alguma, a não ser aquela imposta ao indivíduo

com as próprias forças, em um mundo feito de lutas. Que esta

era a verdadeira convicção provava-o seu modo de comportar-

se. As solenes afirmações morais das filosofias e das teologias

eram postas bem à mostra, no posto de honra, mas não eram

aplicadas à realidade cotidiana. A filosofia verdadeiramente vi-

vida era a da força para dominar e da astúcia para enganar. Isto,

de fato, era o que realmente acontecia. Com as aparências, pro-

curava-se esconder esta realidade, na qual verdadeiramente se

acreditava. E era natural que assim fosse, pois aquela era a rea-

lidade que o homem via com seus próprios olhos.

Acontece, porém, pelas leis da vida, que ele, chegando a um

determinado grau de evolução, constrói outro tipo de olhos, que

veem mais profundamente. Isto significa que se desenvolve no

homem um grau de inteligência mais avançado, capaz de en-

tender aquilo que ele não compreendia antes. É assim que lhe

aparece na mente a visão da ordem estabelecida pela Lei, a qual

certamente já existia e funcionava, mas não era percebida, por-

que no homem ainda não se havia formado a visão intelectual

necessária para enxergá-la.

Hoje isto começa a ser possível, e os sintomas são evidentes.

É difícil fazer-se uma ideia da grandeza de tal revolução em fun-

ção de suas consequências. Há uma total mudança dos funda-

mentos, com uma nova filosofia diretora da própria conduta. Eis

então o que acontece. O homem passa a ver a realidade mais pro-

funda, que antes lhe escapava, e assim compreende que vive em

um regime de ordem, e não de caos. Então este homem compre-

ende o que é errado e não comete mais o erro, porque faz o se-

guinte raciocínio: “Se vivemos em um regime de ordem, e não de

caos, e se quem dirige os eventos não sou eu, impondo-me à for-

ça, mas sim uma Lei inteligente e justa, então o meu sistema de

querer eu mesmo dominar serve para violar esta ordem, e não pa-

ra me fazer vencer, de modo que, sendo ela é muito mais podero-

sa do que eu, em vez de vencê-la, sou vencido por ela. Então o

único resultado que atingirei será ter de suportar em forma de dor

os efeitos das ofensas que provoquei naquela ordem”.

Olhando-se bem, este raciocínio não é infundado, porque a

permanência da dor na vida é um fato de fácil constatação, que

não se pode explicar racionalmente, senão como o efeito de

uma contínua repetição de erros, que representam sua causa. Se

não se admitisse isso, seria necessário admitir um Deus malva-

do, que criou os seres para fazê-los sofrer.

E o raciocínio continua. Vencer quando se é forte e astuto,

indo contra a Lei, que por sua vez é justiça, não é vencer, mas

sim perder, porque significa atrair sobre si as dificuldades ine-

rentes à própria posição de violador da ordem. E vimos como

isto acontece. Tal sistema é um dano, e não uma vantagem,

consistindo num método de tolos, que se autoflagelam com

uma fábrica de sofrimentos, para cuja produção trabalham sem

descanso. É difícil imaginar tamanha loucura!

A transformação que se verifica hoje se deve ao fato de se

ter compreendido que se comportar de tal modo é loucura. An-

tes não se era maduro para se ver isto, nem para se reagir. Uma

inteligência e sensibilidade menos desenvolvidas nos permitiam

jazer em um estado de inércia e resignação. Hoje, porém, che-

gamos num ponto em que o peso das consequências dos erros

tornou-se maior, e não só a paciência, mas também a margem

para suportá-lo, tornaram-se menores. Chegamos assim a um

grau de saturação tal, que o sistema do passado não é mais tole-

rável, fazendo o copo transbordar. O mundo está cansado de so-

frer e busca um sistema mais inteligente, no qual a dor possa

ser evitada, procurando qualquer coisa de claro, de limpo, que

não o leve a tantas dificuldades. O homem começa a se aperce-

ber que, se os seus resultados dos velhos métodos são assim tão

desastrosos, deve haver neles algo de errado. Ele quer descobrir

o erro e corrigi-lo. Trata-se então de localizá-los, para encontrar

o modo de não mais cometê-los e, assim, não ter de arcar com o

pagamento dos prejuízos correspondentes.

Ora, para não cometer erros, é necessário permanecer na or-

dem, e isto exige disciplina. Hoje, no entanto, arrisca-se pelo

contrário cometer um erro ainda mais grave, entendendo que a

libertação do passado significa ficar livre de qualquer disciplina.

Busca-se assim uma liberdade que leva ao caos. Mas uma liber-

dade entendida no sentido de poder fazer aquilo que eu quiser,

até mesmo cometer abusos em prejuízo de outros, significa em

contrapartida uma liberdade na qual todos podem fazer aquilo

que quiserem, até mesmo cometerem abusos em meu prejuízo.

Então se acaba toda a garantia de segurança e a vida torna-se um

estado de guerra contínua, de todos contra todos. É certo que a

disciplina me pesa, mas, se eu me liberto deste peso, libertam-se

dele também os outros, pois, se me permito todas as liberdades

em minha vantagem e dano para os outros, todos procedem de

igual modo em meu prejuízo. A disciplina que parece sufocar a

minha expansão vital é justamente minha única defesa contra o

assalto da expansão vital dos outros. A disciplina me tolhe dian-

te dos outros, mas também tolhe os outros diante de mim.

Na Lei, o princípio de disciplina é tão rígido, que chega ao

ponto de não poder perdoar a minha culpa em relação aos ou-

tros, porque, se o fizesse, ela, por justiça, deveria perdoar tam-

bém a culpa dos outros em relação a mim. Isso formaria um re-

gime de desordem sem qualquer segurança, no qual o abuso não

seria corrigido e a impunidade tornaria a vida uma escola do

mal. A Lei nos mostra que a desordem é o maior mal possível.

Conclui-se então que, na compreensão deste fenômeno, está o

ponto para o qual deve tender a atual experiência de liberdade,

como se fosse o remédio do passado e o novo método a seguir.

É certo, porém, que a evolução quer avançar em direção à

liberdade, mas isso em outro sentido. Tal liberdade deve signi-

ficar a abolição da servidão à autoridade, que os interessados

em sua própria vantagem impões sobre seus respectivos depen-

dentes. Mas, paralelamente, deve significar também a formação

de um senso de responsabilidade, pelo qual o homem se sujeita

livremente a uma disciplina interior própria, que ele impões a si

mesmo, fazendo-se, assim, o construtor e o senhor daquela or-

dem que, antes, ele devia acatar pela vontade de outros. Só as-

sim é possível obter a tão cobiçada liberdade em nossos dias,

sem cair no caos, sendo este o maior perigo que ameaça quem

impensadamente procura hoje a liberdade de abusar, em vez de

uma liberdade feita de disciplina e responsabilidade.

Infelizmente, porém, ainda domina hoje o velho conceito de

liberdade, entendida como libertação de um estado de servidão,

não estando consolidado ainda o novo conceito, de liberdade

Pietro Ubaldi PENSAMENTOS 55

como autodisciplina segundo a Lei. Isso se deve ao fato de que

o primeiro modo de entender a vida é próprio do nível evoluti-

vo inferior, no qual vigora o princípio da luta pela vida, sendo

este o nível em que o homem ainda está em parte situado, en-

quanto o segundo modo é próprio do nível evolutivo mais alto,

no qual vigora o princípio da ordem da Lei, sendo este o nível

que somente hoje o homem está prestes a atingir. Não se pode

realmente chegar à liberdade senão quando o indivíduo, em

substituição à disciplina que lhe é imposta por um amo, conse-

gue seguir a disciplina que lhe é imposta por si mesmo. Quem

não sabe fazer isto cai fatalmente no caos, condição suficiente

para atrair outro senhor que o domine e, assim, restabeleça a

ordem. A liberdade em demasia leva à perda da mesma, conse-

quência de uma lei fatal da vida.

A humanidade já tende a se constituir em um estado orgâni-

co de cooperação. Em tal regime social, que se dirige cada vez

mais para a coletivização das funções, o separatismo e a falta de

disciplina se tornam contraproducentes, devendo-se eliminá-los

como um mal social. Hoje a evolução pressiona, forçando o

homem a entrar neste novo regime de vida. Então a psicologia

de luta, com base no individualismo egoísta, é substituída pela

psicologia de disciplina, para viver segundo a Lei. Tal trans-

formação atinge as raízes do problema biológico fundamental:

a sobrevivência. E este é de fato o problema mais importante a

resolver, sendo que, para atingir essa finalidade, é preciso pos-

suir uma arma de defesa. Como já dissemos, estas armas eram

no passado a força e a astúcia. O homem tem medo de abando-

ná-las, sentindo-se inseguro em fazê-lo, pois sabe que vive em

um regime de luta, razão pela qual ele também demora em ado-

tar o método da retidão. Os dois termos do problema, relativos

às duas posições, estão frente a frente: ou assumir como base a

própria força para impor-se e dominar no caos, ou basear-se,

pelo contrário, na retidão, vivendo na ordem, segundo a Lei. O

homem tarda em compreender que a segunda arma é mais po-

tente e segura. Mas trata-se de uma técnica muito diferente da

outra, para que possa ser compreendida e aplicada de súbito.

Não mais força e astúcia, mas retidão. Tudo muda então. A

própria posição de segurança não é mais encontrada no poder

individual, mas sim na Lei. Eis aí o fato novo. Parece incrível

que a retidão possa ser uma força defensiva que assegura a so-

brevivência. É assim que o homem justo se torna invulnerável

aos ataques inimigos, porque não pode ser ferido, se não o me-

recer. Vive-se então uma vida baseada sobre outros princípios.

Compreende-se quanto era errado o método do passado. Mas

como poderia compreender isso quem estava naquele nível e

não tinha olhos para ver mais além? Arruinava-se, mas não via.

Procedeu-se sempre assim, e a dor permaneceu fiel companhei-

ra do homem, até que ele terminou por considerá-la um mal ne-

cessário, desenvolvendo a virtude da resignação, para se adap-

tar a ela, em vez de descobrir-lhe a causa, para suprimi-la.

Hoje o mundo se acha carregado de dificuldades, sendo es-

tas a consequência daquilo que, com tais métodos, foi semea-

do no passado. A realidade é dura, por causa dos efeitos dolo-

rosos, mas é fatal, pois, quando semeamos as causas, a Lei

não admite escapatória

Então, se falamos tudo isso aqui, é porque nos dirigimos à

nova geração, para que ela, observando os fatos e compreen-

dendo a lição, não caia no mesmo erro. Os jovens se encontram

em fase de semeadura, estando, portanto, em condições de evi-

tar os precedentes com os quais nós, os mais velhos, geramos

os efeitos que devemos suportar hoje, como consequência do

passado. A eles explicamos neste livro o problema, porque es-

tão em condição de compreender. Trata-se de implantar a vida

sobre um regime novo. Em relação ao passado, o que foi feito,

está feito. Aqui se trata do futuro. Se os jovens souberem plan-

tar uma boa árvore, a humanidade futura não se encontrará do-

minada por ervas daninhas como a atual. Porém, se eles come-

terem novos erros, terão de pagá-los. A seu tempo, a velha ge-

ração fez o seu trabalho, pertencendo agora à nova a oportuni-

dade de construir um mundo novo.

Cabe à geração atual dar o salto à frente. Trata-se de um

momento crítico, de grande importância, mas perigoso. Até

agora, a disciplina tem sido imposta por uma autoridade, e te-

mos visto o quanto procuramos desvencilhar-nos de ambos.

Ver-se-á que há uma disciplina férrea em todas as coisas, por-

que elas estão contidas na Lei, que dirige o movimento de tudo.

Antigamente, para persuadir, bastavam as lendas. As afirma-

ções não comprovadas eram aceitas por sugestão. Hoje o jogo

psicológico do subconsciente, ao qual se obedecia, foi desmon-

tado. Tudo é submetido a controle racional, distinguindo-se o

que se conhece do que se desconhece, pois, quando se sabe, sa-

be-se de verdade, sem ficar mais no mundo da fantasia.

O amadurecimento é vertiginoso, e o salto é arriscado. Tra-

ta-se de uma mudança evolutiva para uma civilização mais ele-

vada. Porém somos otimistas. O movimento é revolucionário,

mas, se a vida o lança, isso é porque ele é destinado a se reali-

zar. Se ela propôs este trabalho hoje, e não antes, isso significa

que ele lhe serve e que é possível executá-lo. A vida é uma sé-

rie de provas, feitas para serem superadas. Isso é demonstrado

pelo nível de evolução já atingido. É certo que o homem deverá

sofrer a sua fadiga, mas a vida colabora com ele, como em um

trabalho de equipe, porque ela quer sobretudo vencer, realizan-

do seus planos por meio dele. Uma vez, porém, que a vida é

econômica e utilitária, ela orienta o processo, para que não haja

desperdício inútil do trabalho. E há neste caso uma fadiga ainda

maior, que não pode ser desperdiçada. Trata-se do esforço rea-

lizado pelo homem para chegar a produzir o precioso fruto que

é o seu atual nível evolutivo. Ora, ainda que a experiência atual

pareça colocar em perigo uma tão grande construção, se hoje a

vida propôs esta experiência, isso quer dizer que o momento é

apropriado e que há uma boa probabilidade de sucesso. Tais

movimentos não são obra do acaso, nem uma improvisação,

mas sim movimentos preparados há séculos, através do amadu-

recimento de todos os elementos necessários, com um trabalho

proporcional à importância do acontecimento.

Com este livro, aproximamo-nos de um mundo novo, que

está à nossa espera. Olhando esse mundo, temos a impressão de

avançar sobre um continente inexplorado, descobrindo vales,

rios e montes. Ainda estamos apenas na costa. Que haverá mais

longe, no seu interior? Temos percorrido muitos caminhos atra-

vés de outras terras, a fim de podermos empreender agora a ex-

ploração desta nova terra, que se apresenta tão vasta. Não pre-

tendemos ter visto senão uma pequena orla, buscando mostrá-la

a quem ainda queira avançar por caminhos inexplorados, sob

orientação da Lei, para aprofundar seu conhecimento.

FIM

O HOMEM

Pietro Ubaldi, filho de Sante Ubaldi e Lavínia Alleori Ubaldi, nasceu em 18 de agosto de 1886, às 20:30 horas (local). Ele escolheu os pais e a cidade

onde iria nascer, Foligno, Província de Perúgia (capital da Úmbria). Foligno fi-

ca situada a 18 km de Assis, cidade natal de São Francisco de Assis. Até hoje, as cidades franciscanas guardam o mesmo misticismo legado à Terra pelo

grande poverelo de Assis, que viveu para Cristo, renunciando os bens materiais

e os prazeres deste mundo.

Pietro Ubaldi sentiu desde a sua infância uma poderosa inclinação pelo

franciscanismo e pela Boa Nova de Cristo. Não foi compreendido, nem poderia

sê-lo, porque seus pais viviam felizes com a riqueza e com o conforto proporci-onado por ela. A Sra. Lavínia era descendente da nobreza italiana, única herdei-

ra do título e de uma enorme fortuna, inclusive do Palácio Alleori Ubaldi. As-

sim, Pietro Alleori Ubaldi foi educado com os rigores de uma vida palaciana.

Não pode ser fácil a um legítimo franciscano viver num palácio. Naturalmen-

te, ele sentiu-se deslocado naquele ambiente, expatriado de seu mundo espiritual.

A disciplina no palácio, ele aceitou-a facilmente. Todos deveriam seguir a orien-tação dos pais e obedecer-lhes em tudo, até na religião. Tinham de ser católicos

praticantes dos atos religiosos, realizados na capela da Imaculada Conceição, no

interior do palácio. Pietro Ubaldi foi sempre obediente aos pais, aos professores, à família e, em sua vida missionária, a Cristo. Nem todas as obrigações palacianas

lhe agradavam, mas ele as cumpriu até à sua total libertação. A primeira liberdade

se deu aos cinco anos, quando solicitou de sua mãe que o mandasse à escola, e aquela bondosa senhora atendeu o pedido do filho. A segunda liberdade, verdadei-

ro desabrochamento espiritual, aconteceu no ginásio, ao ouvir do professor de ci-

ência a palavra “evolução”. Outra grande liberdade para o seu espírito foi com a leitura de livros sobre a imortalidade da alma e reencarnação, tornando-se reen-

carnacionista aos vinte e seis anos. Daí por diante, os dois mundos, material e es-

piritual, começaram a fundir-se num só. A vida na Terra não poderia ter outra fi-nalidade, além daquelas de servir a Cristo e ser útil aos homens.

Pietro Ubaldi formou-se em Direito (profissão escolhida pelos pais, mas ja-

mais exercida por ele) e Música (oferecimento, também, de seus genitores), fez-se poliglota, autodidata, falando fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, por-

tuguês e conhecendo bem o latim; mergulhou nas diferentes correntes filosóficas e

religiosas, destacando-se como um grande pensador cristão em pleno Século XX. Ele era um homem de uma cultura invejável, o que muito lhe facilitou o cumpri-

mento da missão. A sua tese de formatura na Universidade de Roma foi sobre A Emigração Transatlântica, Especialmente para o Brasil, muito elogiada pela ban-

ca examinadora e publicada num volume de 266 páginas pela Editora Ermano

Loescher Cia. Logo após a defesa dessa tese, o Sr. Sante Ubaldi lhe deu como prêmio uma viagem aos Estados Unidos, durante seis meses.

Pietro Ubaldi casou-se com vinte e cinco anos, a conselho dos pais, que es-

colheram para ele uma jovem rica e bonita, possuidora de muitas virtudes e fina educação. Como recompensa pela aceitação da escolha, seu pai transferiu para

o casal um patrimônio igual àquele trazido pela Senhora Maria Antonieta Sol-

fanelli Ubaldi. Este era, agora, o nome da jovem esposa. O casamento não esta-va nos planos de Ubaldi, somente justificável porque fazia parte de seu destino.

Ele girava em torno de outros objetivos: o Evangelho e os ideais franciscanos.

Mesmo assim, do casal Maria Antonieta e Pietro Ubaldi nasceram três filhos: Vicenzina (desencarnada aos dois anos de idade, em 1919), Franco (morto em

1942, na Segunda Guerra Mundial) e Agnese (falecida em S. Paulo - 1975).

Aos poucos, Pietro Ubaldi foi abandonando a riqueza, deixando-a por con-ta do administrador de confiança da família. Após dezesseis anos de enlace ma-

trimonial, em 1927, por ocasião da desencarnação de seu pai, ele fez o voto de

pobreza, transferindo à família a parte dos bens que lhe pertencia. Aprovando aquele gesto de amor ao Evangelho, Cristo lhe apareceu. Isso para ele foi a

maior confirmação à atitude tão acertada. Em 1931, com 45 anos, Pietro Ubaldi

assumiu uma nova postura, estarrecedora para seus familiares: a renúncia fran-ciscana. Daquele ano em diante, iria viver com o suor do seu rosto e renunciava

todo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material existente.

Fez concurso para professor de inglês, foi aprovado e nomeado para o Liceu Tomaso Campailla, em Módica, Sicilia – região situada no extremo sul da Itália

– onde trabalhou somente um ano letivo. Em 1932 fez outro concurso e foi

transferido para a Escola Média Estadual Otaviano Nelli, em Gúbio, ao norte da Itália, mais próximo da família. Nessa urbe, também franciscana, ele trabalhou

durante vinte anos e fez dela a sua segunda cidade natal, vivendo num quarto

humilde de uma casa pequena e pobre (pensão do casal Norina-Alfredo Pagani – Rua del Flurne, 4), situada na encosta da montanha.

A vida de Pietro teve quatro períodos distintos (v. livro Profecias – “Gêne-

se da II Obra”): dos 5 aos 25 anos formação; 25 aos 45 anos maturação in-

terior, espiritual, na dor; dos 45 aos 65 anos Obra Italiana (produção concep-

tual); dos 65 aos 85 anos Obra Brasileira (realização concreta da missão).

O MISSIONÁRIO

Na primeira semana de setembro de 1931, depois da grande decisão fran-ciscana, Cristo novamente lhe apareceu e, desta vez, acompanhado de São

Francisco de Assis. Um à direita e outro à esquerda, fizeram companhia a Pie-

tro Ubaldi durante vinte minutos, em sua caminhada matinal, na estrada de Colle Umberto. Estava, portanto, confirmada sua posição.

Em 25 de dezembro de 1931, chegou-lhe de improviso a primeira mensa-gem, a Mensagem de Natal. Por intuição ele sentiu: estava aí o início de sua

missão. Outras Mensagens surgiram em novas oportunidades. Todas com a

mesma linguagem e conteúdo divino.

No verão de 1932, começou a escrever A Grande Síntese, a qual só termi-

nou em 23 de agosto de 1935, às 23h00min horas (local). Esse livro, com cem capítulos, escrito em quatro verões sucessivos, foi traduzido para vários idio-

mas. Somente no Brasil, já alcançou quinze edições. Grandes escritores do

mundo inteiro opinaram favoravelmente sobre A Grande Síntese. Ainda outros compêndios, verdadeiros mananciais de sabedoria cristã, surgiram nos anos se-

guintes, completando os dez volumes escritos na Itália:

01) Grandes Mensagens

02) A Grande Síntese - Síntese e Solução dos Problemas da Ciência e do Espírito

03) As Noúres - Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento

04) Ascese Mística

05) História de Um Homem

06) Fragmentos de Pensamento e de Paixão

07) A Nova Civilização do Terceiro Milênio

08) Problemas do Futuro

09) Ascensões Humanas

10) Deus e Universo

Com este último livro, Pietro Ubaldi completou sua visão teológica, além

de profundos ensinamentos no campo da ciência e da filosofia. A Grande Sínte-

se e Deus e Universo formam um tratado teológico completo, que se encontra ampliado, esclarecido mais pormenorizadamente, em outros volumes escritos

na Itália e no Brasil, a segunda pátria de Ubaldi.

O Brasil é a terra escolhida para ser o berço espiritual da nova civiliza-

ção do Terceiro Milênio. Aqui vivem diferentes povos, irmanados, indepen-

dentes de raças ou religiões que professem. Ora, Pietro Ubaldi exerceu um ministério imparcial e universal, e nenhum país seria tão adaptado à sua mis-

são quanto a nossa pátria. Por isso o destino quis trazê-lo para cá e aqui com-

pletar sua tarefa missionária.

Nesta terra do Cruzeiro do Sul, ele esteve em 1951 e realizou dezenas de

conferências de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Em oito de dezembro do ano se-guinte, desembarcaram, no porto de Santos, Pietro Ubaldi acompanhado da es-

posa, filha e duas netas (Maria Antonieta e Maria Adelaide), atendendo a um

convite de amigos de São Paulo para vir morar neste imenso país. É oportuno lembrar que Ubaldi renunciou aos bens materiais, mas não aos deveres para

com a família, que se tornou pobre porque o administrador, primo de sua espo-

sa, dilapidou toda a riqueza entregue a ele para gerencia-la.

Em 1953, Pietro Ubaldi retornou à sua missão apostolar, continuou a re-

cepção dos livros e recebeu a última Mensagem, Mensagem da Nova Era, em São Vicente, no edifício “Iguaçu”, na Av. Manoel de Nóbrega, 686 – apto. 92.

Dois anos depois, transferiu-se com a família para o Edifício “Nova Era” (coin-

cidência, nada tem haver com a Mensagem escrita no edifício anterior), Praça 22 de janeiro, 531 – apto. 90. Em seu quarto, naquele apartamento, ele comple-

tou a sua missão. Escreveu em São Vicente a segunda parte da Obra, chamada

brasileira, porque escrita no Brasil, composta por:

11) Profecias

12) Comentários

13) Problemas Atuais

14) O Sistema - Gênese e Estrutura do Universo

15) A Grande Batalha

16 ) Evolução e Evangelho

17) A Lei de Deus

18) A Técnica Funcional da Lei de Deus

19) Queda e Salvação

20) Princípios de Uma Nova Ética

21) A Descida dos Ideais

22) Um Destino Seguindo Cristo

23) Pensamentos

24) Cristo

São Vicente (SP), célula mater. do Brasil, foi a terceira cidade natal de Pie-

tro Ubaldi. Aquela cidade praiana tem um longo passado na história de nossa pátria, desde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega até o autor de A Grande

Síntese, que viveu ali o seu último período de vinte anos. Pietro Ubaldi, o Men-

sageiro de Cristo, previu o dia e o ano do término de sua Obra, Natal de 1971,

com dezesseis anos de antecedência. Ainda profetizou que sua morte acontece-

ria logo depois dessa data. Tudo confirmado. Ele desencarnou no hospital São

José, quarto No 5, às 00h30min horas, em 29 de fevereiro de 1972. Saber quan-do vai morrer e esperar com alegria a chegada da irmã morte, é privilégio de

poucos... O arauto da nova civilização do espírito foi um homem privilegiado.

A leitura das obras de Pietro Ubaldi descortina outros horizontes para uma

nova concepção de vida.

Vida e Obra de

Pietro Ubaldi

(Sinopse)