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100 | Rolling Stone Brasil | rollingstone.com.br ROMáRIO Já FOI O MAIOR JOGADOR DE FUTEBOL DO MUNDO. HOJE, FORA DO HABITAT NATURAL, é UM DOS DEPUTADOS FEDERAIS DE MAIOR DESTAQUE EM BRASíLIA. QUANTOS GOLS MAIS ELE AINDA PRETENDE MARCAR? PEIXE POR CRISTIANO BASTOS FOTOS MURILLO MEIRELES

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Romário já foi o melhor jogador de futebol do mundo. Hoje, fora do habitat, é um dos deputados federais de maior destaque em Brasília. Quantos gols mais ele ainda pretende marcar na vida? POR CRISTIANO BASTOS FOTOS: MURILLO MEIRELLES

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RomáRio já foi o maioR jogadoR de futebol do mundo. Hoje, foRa do Habitat natuRal, é um dos deputados fedeRais de maioR destaque em bRasília. quantos gols mais ele ainda pRetende maRcaR?

peixePor Cristiano Bastos • fotos murillo meireles

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“Se [o remédio] fazia algum efeito era ao contrário, pois eu corria cada vez menos e fazia menos gols. Até brinquei, na época, que era o ‘doping do Paraguai’”, diz, acariciando a cabeça e esboçando um raro sorriso (na verdade, ele é “tímido”, confidencia sua assessora).

Na ocasião, Romário está trajando um bem cortado terno Armani azul-petróleo riscado com listras bran-cas. Embora tenha cursado dois períodos de Educação Física na Universidade Castelo Branco (RJ), poucos sabem que ele também estudou Fashionismo na fa-culdade Estácio de Sá, visando ser “estilista de moda masculina e feminina”. É elegante e vaidoso, mas não se considera metrossexual. E, ainda que carregue marca de furo na orelha, ao menos na vida pública dispensou o clássico brinquinho. Ligeiramente caídos e avermelhados, os olhos estão sempre atentos, como se vigilantes, e a língua, levemente presa, permanece afiada. Romário atende o celular, fala rapidamente e, após desligar, volta-se em minha direção. “O cara li-gou pra avisar que hoje vai ter uma reunião pra decidir se vai ter uma reunião amanhã. Foda, né?”

Em encontros profissionais, entretanto, Romário mantém a seriedade constante e jamais fala pala-vrões. Apesar de me deixar à vontade para chamá-lo tanto pelo nome de batismo como pelo protocolocar “deputado”, os assessores o tratam somente pela defe-rência “senhor”, como se ignorassem que, dentro das quatro linhas, aquele é o homem que fez mais de mil gols e realizou outras mil façanhas (melhor do Brasil, melhor da América, melhor do mundo). “Se for por na balança, no futebol tive muito mais coisas positivas do que negativas. Umas 80% positivas e 20% negativas”, ele mensura, professando a “filosofia romariana” de que ninguém vive apenas de coisas boas. Com o pai, seu Edvair – que montou um time de futebol, o Estrelinha, especialmente para Romário e o irmão Ronaldo –, ele afirma ter aprendido que tudo o que é muito bom sempre tem algo de ruim, e vice-versa. “Foram ensinamentos valiosos”, prega.

Bem ao estilo Pelé (o “poeta de boca fechada” que Romário, contudo, considera o “atleta do Século”), o deputado fala na terceira pessoa sobre como final-mente amadureceu. As pessoas, diz ele, têm reconhe-cido que o Romário de hoje, aos 46 anos, é bastante diferente daquele fanfarrão e bad boy de 20 anos atrás que só queria curtir a vida. “Mas eu sempre falei o que quis”, afirma. A diferença crucial é que agora goza de imunidade parlamentar que, teoricamente, permite-lhe falar ainda mais. De qualquer forma,

(cronologicamente: Estrelinha, Vasco da Gama, PSV Eindhoven, Barcelona, Flamengo, Valencia, Flumi-nense, Al-Sadd, Miami, Adelaide United e, realizan-do o sonho do falecido pai, o adorado América, pelo qual disputou uma única partida), instituíram, em 11 de novembro de 2011, o “Romarian Day”.

Corta para brasília, 2012. hoje fora dos gramados, palco habitado profissionalmen-te por mais de 20 anos, é no minado campo da política nacional que, até 2015, o depu-tado federal Romário disputará suas parti-das. Em uma chuvosa tarde de terça-feira de março, ele está sentado relaxadamente

em seu escritório abafado de 40 metros quadrados, no anexo da Câmara dos Deputados. O número do gabinete (411) alude ao cabalístico 11 da camisa com que inúmeras vezes se sagrou campeão. Vestindo o amarelo da Seleção, o centroavante – escudado pelo parceiro Bebeto – foi o expoente decisivo da conquista do tetra na Copa dos Estados Unidos, em 1994. Na estante no canto, descansa uma réplica da Taça FIFA que ele levantou em 17 de julho daquele ano.

Amaury Jr., veterano colunista televisivo, também está presente na sala, e quer saber de Romário se ele frequenta as baladas de Brasília. “Já tive bastantes fraquezas”, ele confidencia. Durante o expediente, de terça a quinta-feira e sem hora para terminar, o gabinete é assolado constantemente por políticos, representantes de entidades e toda sorte de pessoas busca por algum tipo de apoio. Pedem desde autógra-fos, cessão de imagem, passagens e, se for possível, até dinheiro vivo. Em cima da mesa, uma pilha de objetos (livros, fotografias, fardamentos oficiais) o aguarda para que neles Romário eternize o autógrafo. A maior parte do material é relacionado ao Vasco, flâmula com a qual os torcedores mais o identificam. O telefone toca intermitentemente. Uma das ligações, revela a secretária, é de Andrew Parsons, presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro. “Precisa urgen-temente falar com o deputado”, ela explica.

Coberta por fios prateados, a cabeça de Romário não esconde a calvície. Em 2007, quando atuava pelo Vasco, a queda de cabelo chegou a levá-lo à suspen-são de 120 dias nos jogos do Campeonato Brasileiro. Tudo por causa da loção Propécia (para o combate da queda de cabelo) que contém a substância finas-terida, proibida pelo Controle de Dopagem da CBF.

Qualquer um do auditório podia lhe perguntar: “Seu Romário, o que significa ‘zíngaro’?”

Ele concentrava-se por instantes e respondia:“Cigano, ou boêmio.”“Uma salva de palmas!”, comandava Alencar. A

claque delirava.Outro desafiante tirava um papelzinho do bolso

e investia:“Me diga o que quer dizer ‘helíaco’.”Em tom professoral, Romário respondia: “Diz-se

do nascimento ou ocaso de um astro”.Ninguém jamais embolsou o polpudo prêmio que

seria pago a quem apresentasse um vocábulo desco-nhecido para o craque das letras. Reza a história que não houve sequer uma vez em que ele tenha errado. Romário era imbatível com as palavras.

Dono de espirituosas tiradas, o jovem Edevair de Souza Farias era tão fiel ao programa radiofônico quanto ao América Futebol Clube, seu time do co-ração. Recém-casado com Manoela Ladislau Faria, a Dona Lita, ele buscava um nome importante para batizar o filho que se encaminhava. E não pensou duas vezes em batizar seu primeiro rebento com o nome do ídolo do rádio. Romário de Souza Faria foi escalado por “Papai do Céu” (como ele gosta de dizer) para entrar em campo no dia 29 de janeiro de 1966. E, tal qual seu homônimo, predestinava-se a acertar incontáveis vezes ao longo da vida. Mas, ao contrário do imbatível Homem Dicionário, a errar outras tantas também.

“Sou bem diferente do Homem Dicionário. Porque de vez em quando eu erro, né?”, assume o baixinho, do alto de seus 1,69 m. Porém, não é preciso dizer que a fama do proverbial “peixe” foi bem mais longe. Da Holanda ao longínquo Qatar, nos Emirados Árabes, o nome de Romário – e suas façanhas – correram o mundo. Apelidos não faltaram: “gênio da grande área”, “Reimário”, “Romágico”. Em 2001, sua mar-rentice foi satirizada na Escolinha do Professor Raimundo de Chico Anysio, com a paródia “Ramó-rio”. Os fãs, para recordar os feitos heróicos nos 11 clubes para os quais o jogador emprestou sua arte

Favela do jacarezinho, zona norte do rio de janeiro, meados dos anos 50. O rádio, aparelho sagrado nos lares brasileiros, está sintonizado no prefixo PRE-8, no programa César de

Alencar, o mais ouvido do Brasil. No horário das 15h, a grande atração era intelectual: o fenômeno “Romário, o Homem Dicionário”, célebre pelo vasto vocabulário, que para amplifi-car o mistério em torno de si ornava a cabeça com turbantes indianos e se fantasiava com vestes exóticas. A se-mana inteira, os ouvintes estudavam palavras difíceis para desafiá-lo.

“RetiRo o que falei: o bRasil não Vai fazeR a maioR copa de todos os tempos. Vamos passaR VeRgonHa”

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BOLA DA VEZ

1. Com a filha caçula, Ivy; 2. Ao lado de Bebeto e Ricardo Teixeira, na cerimônia de divulgação do logotipo da Copa do Mundo 2014, em julho do ano passado; 3. Nos Estados Unidos, na campanha do tetracampeonato mundial, em 1994. No torneio, Romário fez cinco gols e foi eleito o melhor jogador; 4. Como deputado federal, pelo PSB do Rio de Janeiro, eleito em 2010 com mais de 146 mil votos

mesmo quando não a possuía, sempre falou o que bem entendeu. “Eu ainda digo o que quero e continuarei falando sempre”, repete. Romário crê que as quase 150 mil pessoas que votaram nele em 2010 esperam atitudes semelhantes às que tinha quando era joga-dor. “Muitos colegas dessa Casa talvez não gostem de ouvir o que eu digo, mas são pessoas que não têm seriedade. Aqui tem muito mau-caráter. Gente que, definitivamente, não é do bem.”

O Romário político, que diz não ter amigos no futebol, move-se sobre os gramados da Câmara com uma desenvoltura que jamais sonhou ter, destoando de outros parlamentares egressos do meio esportivo cujo pecado mais grave é a falta de conteúdo político. Jogo de cintura, predicado essencial para as disputas travadas em Brasília, todavia, não é seu forte maior. Ainda mais para quem nunca teve papas na língua. Em seu primeiro ano de mandato, já se pode dizer que Romário não é um estranho nesse ninho de velhas raposas, caciques e cobras da política nacional.

O espinhoso tema Copa do Mundo 2014 parece ser o favorito de Romário. De cara, ele observa que não há sequer um ex-jogador ocupando cargos diretivos

da Confederação Brasileira de Futebol. “Tem gente ali que nunca jogou uma partida de futebol na vida”, detona. Sobra até para Ronaldo “Fenômeno”. “Ele diz que quer ser presidente da CBF, mas só depois que passar a confusão da Copa. Assim é fácil.”

Ele também lamenta o fato de que apenas 20% do público dos estádios será formado por brasileiros. O restante, alega, serão torcedores de outros países “acostumados a beber”, e por isso prevê problemas caso a cerveja não seja liberada durante os jogos. “É só a FIFA pôr maior números de seguranças”, opina. O debate em torno da liberação da venda de bebidas al-coólicas é apenas a ponta do iceberg no mar de críticas que Romário faz sobre a realização do evento no país.

“Não foi a FIFA que pediu que a Copa fosse aqui”, ele recomeça. “Todas as exigências que a foram feitas no protocolo de intenções assinado em 2008, como a questão da mobilidade urbana, o Brasil já sabia de antemão. Agora, já não dá mais tempo!”. Ele também crê que muitas das solicitações impostas pela fede-ração estão acima da soberania nacional. “A FIFA é uma empresa e, sendo uma empresa, não pode ‘apitar’ no nosso poder Judiciário. Quem são eles para ter

esse poder?”, reclama. “Não podemos permitir que, durante seis meses, a FIFA monte um Estado dentro de nosso Estado.”

Há quatro anos, ele continua, a Copa foi orçada em R$ 52 bilhões, valor anunciado por Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil. A cifra, porém, já está na casa dos R$ 80 bilhões. “E você pode escrever, o valor vai bater os R$ 200 bilhões”, diz, citando o dia em que Joseph Blatter, presidente da FIFA, quis saber de Romário se o Brasil teria condições de fazer a maior Copa de todos os tempos. Ele, que naquele tempo ainda não atuava na política, respondeu: “Não só tem condições como fará a maior Copa da história”. Hoje, diz se arrepender das palavras. “Retiro o que eu afirmei na época: o Brasil não vai fazer a maior Copa de todos os tempos. E não adianta ficar pirando! Vamos passar vergonha”. A “maior Copa de todos os tempos”, para o eterno camisa 11, será exclusiva das classes A e B, que circularão em jatinhos particulares, ficarão em hotéis cinco estrelas e assistirão aos jogos de camarote.

“Será a Copa da mentira, onde tudo será tudo ma-quiado”, sentencia. “No Brasil, infelizmente é assim.”

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do celular, em que ele próprio (na maioria das vezes) escreve e posta os textos, cuidadoso para preservar as peculiaridades de sua linguagem.

“Quando entrei na política, tinha cerca de 200 mil seguidores [no Twitter]. Hoje estou com mais de 430 mil e, com certeza, muitos desses novos pertencem à classe ‘top’ do Brasil”, Romário comemora. “Nas ruas, vejo que 80% dos que votaram em mim são da classe C, D e E. Atualmente, muitas pessoas da classe A cumprimentam-me e dizem que me darão voto nas próximas eleições. Ganhei credibilidade de quem achou que eu seria mais um bobalhão que entrou na política para defender causas perdidas ou roubar. Pô, tem deputado que tem 16 anos de Câmara e nunca fez porra nenhuma! Eu boto a minha cabecinha no travesseiro e durmo.”

O dia seguinte é especial para romário. Na solenidade do Dia Internacional da Sín-drome de Down, o deputado está abanca-do ao lado do presidente do Senado, José Sarney, e da senadora Marta Suplicy, em cerimônia acompanhada pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Sarney

cochicha ao pé do ouvido de Romário, que sorri. Mostrando intimidade, o senador e ex-cara pinta-da Lindbergh Faria faz um cafuné na cabeça do ex--craque. Estão todos harmoniosamente comunga-

dos, em uma cena até estranha de ser presenciada. Em reconhecimento à sua dedicação à causa dos deficientes, Romário é presenteado com um sin-gelo quadro cuja pintura não poderia deixar e ser outra: um peixe. Assim como o Homem Dicionário, Romário demonstra uma intimidade nata com as palavras. Despreza por completo o discurso que, na noite anterior, havia escrito de próprio punho con-forme manda o idioma “romariano”. As frases saem certeiras como um de seus 1003 gols: “Papai do Céu pôs um anjo no meu colo”, repete o bordão tantas vezes dito. Ele se refere à Ivy, 7 anos, a filha excep-cional que tem com Isabelle Bittencourt, a atual es-posa. Romário é aplaudido

Das suas “bandeiras brancas”, o combate ao cra-ck é uma das que hasteia com mais insistência. O esporte – não apenas o futebol – seria, para ele, a melhor arma contra as drogas e o caminho ideal para a juventude, principalmente no momento em que o Brasil está prestes receber a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e as Paraolimpíadas. Romário

rio sobre a “fase negativa do caralho, em que nada dava certo”. Mas Romário admite que, na relação de marido e mulher, sempre foi “meio difícil de con-viver”.

“Eu era muito difícil de conviver”, ele corrige. “Tenho melhorado muito. O tempo vai passando e a gente vai melhorando”.

A entrevista precisa ser interrompida para que Romário vá a uma reunião externa. Embarcamos no automóvel oficial, de chapa branca, estacionado na vaga 411 da garagem da Câmara. O destino é o Setor de Autarquias, conjunto arquitetônico onde enfileiram-se edifícios de órgãos do Governo Fede-ral. É hora do rush na chuvosa e engarrafada capital federal, cidade pela qual Romário se diz apaixonado e onde às vezes sai a esmo em busca de lugares para “dançar funk e hip-hop com os amigos”. Em terra firme, andar pelas entrequadras de Brasília ao lado de um astro do futebol da estatura de Romário é presenciar o tamanho de sua popularidade. Ele ten-ta ser discreto, mas passar incólume é impossível. Em uma reunião a portas fechadas no Instituto Na-cional do Seguro Social (INSS), Romário conversa com o presidente da instituição, Mauro Hauschild. O tema é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), para o qual o parlamentar apresentou duas emendas que beneficiariam pessoas com deficiência. Uma delas garante que o deficiente, contratado como

aprendiz, acumule salário por até dois anos. No en-contro, Romário revela-se expert na seara “doenças raras”, citando, com admirável facilidade, nomes de enfermidades como autismo, hanseníase e esclerose lateral amiotrófica. Na verdade, ele quer saber quanto custaria aos cofres públicos elevar o BPC, hoje corres-pondente a um quarto de salário mínimo, para um salário integral. “Em torno de R$ 50 bilhões anuais”, responde Hauschild. Romário chuta de bico: “Se gastam R$ 1 bilhão em um estádio de futebol, não é tão caro assim”.

De volta à Câmara, mais compromissos esperam o deputado, entre eles uma votação nominal sobre a aguardada Lei Geral da Copa. No caminho, Romário encontra a deputada Luiza Erundina, companheira de PSB, com a qual mantém uma relação quase ma-ternal. Romário é fã de Erundina, de quem recebe conselhos políticos. Na mão inversa, provavelmente ela seja uma das únicas parlamentares para quem o ex-atleta oferece qualquer abertura. De volta ao gabi-nete, ele aproveita para checar as redes sociais através

Não raro, os correligionários de Romário o advertem quanto à língua ferina: “Cuidado, você tá falando mui-to”. Ele se defende. “Não estou chamando ninguém de ladrão, só estou dizendo que vão roubar. Isso é claro e já estou prevendo.” Muito dinheiro investido na Copa, na concepção do deputado, é gasto à toa. Apenas no Maracanã – cujas obras chama de “imbecilidade” – mais de R$ 1 bi serão investidos. Sobre Ricardo Teixeira, desmente que tenha sido amigo do homem que comandou o futebol brasileiro por 23 anos, mas confirma que, quando vestiu a camisa da Seleção, tiveram boa convivência. A relação começou a ruir em 2002, pouco antes da conquista do pentacampeonato mundial. “Um dia, ele apertou minha mão e, olhando nos meus olhos, prometeu que eu iria para a Copa. Disse: ‘O Felipão [Scolari] é o treinador, mas quem manda de verdade sou eu”. No dia da convocação, Romário descobriu que seu nome não estava entre os escolhidos. De lá para cá, a relação desmoronou. O deputado mantém, inclusive, a polêmica frase “extir-pamos um câncer”, dita quando Teixeira renunciou ao cargo, na CBF, em 12 de março. “Estava mais do que na hora dele pedir pra sair. Saiu da CBF, do COL [Comitê Organizador Local] e agora da FIFA. Fez certo. É muito melhor sair do que ser expulso”.

“Muito ruim” é a opinião de Romário sobre o atual desempenho da Seleção Brasileira, mas afirma que o fraco desempenho apresentado pelo time não é motivo para mudar de treinador (“só quando a coisa ficar feia”). Questionado sobre Neymar – para quem Romário pretende “dar uns conselhos sobre pensão alimentícia” –, diz que apesar de já ser uma realidade do futebol, é um profissional que recém está come-çando, que não teve a oportunidade de mostrar na Seleção tudo que sabe. “Isso acontece com o tempo. Eu acredito que Neymar será uma de nossas grades esperanças para conseguirmos o hexa”. Já com o ar-gentino Messi, Romário não é condescendente, apesar de considerá-lo o melhor do mundo na atualidade. “É um atleta diferenciado, que evolui a cada ano. Mas, para estar entre os cinco maiores do mundo, ainda necessita ganhar um mundial. Precisa de uma Copa no currículo dele”, alfineta.

Mas nem só de glórias é feita a vida de um Romário. Fama e dinheiro em demasia também atraem confusões e problemas. A maior delas, certamente, aconteceu às vésperas da Copa de 1994, quando Edvair Farias foi sequestrado no Rio de Janeiro. Os criminosos, que ter-

minaram presos, exigiram US$ 7 milhões para li-bertar o pai de Romário, solto do cativeiro sete dias depois. Em 2003, agrediu um torcedor do Flumi-nense que arremessou galinhas vivas no campo de treinamento, em protesto pela péssima campanha do time. Acabou processado. E em 2009, foi parar na delegacia, acusado pela ex-mulher, a modelo Mô-nica Santoro, de não pagar a pensão alimentícia dos filhos Romarinho, 18, também jogador de futebol, e Moniquinha. O juiz que ordenou a prisão enten-deu que o ex-jogador do Vasco devia à esposa dois meses de pensão alimentícia, soma que totalizava R$ 50 mil. “Na verdade, já tive a oportunidade de dormir numa delegacia duas vezes”, lembra Romá-

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se declara favorável à internação compulsória de dependentes (“O governo tem que pegar essas pes-soas e tratar, independentemente delas quererem ou não. É uma forma de mostrar à sociedade que está fazendo algo”) e compara o atual apelo do crack ao do futebol (“Ainda é o esporte que se joga em qualquer lugar, mas infelizmente eu tenho que te afirmar: o crack pegou de tal forma que até mesmo o futebol está perdendo pra ele”).

Mas nem só de causas óbvias vive Romário. Ele também é radicalmente contra um projeto em tra-mitação no Senado que, caso seja aprovado, redis-tribuirá os lucros de extração de petróleo com outros Estados e subtrairá, até 2020, cerca de R$ 9 bilhões dos cofres do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Foi, também, contrário à já aprovada “PEC da Música”, votando “em favor da Amazônia”. “Tiramos da Ama-zônia [com a PEC] cerca de 80 mil empregos que eram das pessoas que trabalhavam na Zona Franca de Manaus. E o que essas pessoas vão fazer daqui pra frente? Vão desmatar a Amazônia.” Ele não se furta de falar nem mesmo sobre casamento homossexual. “Eu sou a favor de que as pessoas sejam felizes. Se um homem encontrar em outro homem a felicidade, que sejam felizes para sempre. Eu não quero isso pra mim e, sinceramente, não gostaria pro meu filho. Em outras palavras: cada um dá o que é seu. Vou eu me meter no que é dos outros?”. Ambivalente, diz

entender e respeitar 100% a posição do polêmico deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), radicalmente contra a união gay: “Eu não sou igual a ele, mas se ele está onde está, é porque existem pessoas que votam nele. Não vou dizer que sou contra o Bolsonaro. Eu respeito ele pra caralho”.

Quando menciono as estripulias dos tempos de jogador, como as célebres fugas de concentrações, Romário quer saber: “Qual delas? Já fugi várias vezes de concentração. Sempre disseram que eu fugia das concentrações. Mas, na realidade, sempre sai pela porta da frente”. Os responsáveis, afirma, faziam vista grossa ou fingiam não ver. E aproveita para desmentir os recentes comentários de Ronaldo sobre a famosa escapada que deram em 1997, durante a Copa Amé-rica disputada na Bolívia: o Fenômeno disse que, na ocasião, fugiu a convite de Romário.

“Ele saiu porque que quis, não foi culpa minha”, Ro-mário entrega. “Fomos a uma festa que estava rolando na casa de um pessoal de faculdade. Ficamos mais ou menos três ou quatro horas trocando ideia e ouvindo música. Eu nunca fui de beber e Ronaldo, ao menos naquela época, não bebia. Tinha umas mulheres bo-nitas lá e, infelizmente, não aconteceu nada de mais. E não foi por falta de querer. Eu até queria, mas elas que não quiseram.” E confessa, exibindo a marra de costume: “Sempre que eu transava antes do jogo, me sentia mais leve”.

No livro futebol ao sol e à sombra, o es-critor uruguaio Eduardo Galeano cantou em prosa e versos as façanhas de Romário e de outras lendas do futebol. “Um jogador”, escreveu, “que nasceu na miséria, mas desde menino ensaiava a assinatura para os mui-tos autógrafos que iria assinar na vida. Um

apreciador da noite, farrista, que sempre disse o que pensava sem pensar no que dizia. Vindo sabe-se de que região do ar, o tigre aparece, dá o seu bote e se esfuma. O goleiro, preso na sua jaula, não tem tempo nem de piscar. Num lampejo, Romário mete seus gols de meia volta, de bicicleta, de voleio, de trivela, de calcanhar, de ponta ou de perfil”. São palavras de indiscutível beleza. Mas ninguém melhor do que o próprio Romário para capturar a si mesmo com a precisão com a qual assinalou seus gols.

“Uma pessoa do bem, antes de mais nada”, ele se define. “Amigo dos amigos e que continua gostando das mesmas coisas de quando tinha 20 anos. Um cara com defeitos e virtudes, que vê a vida diferente de al-guns anos atrás e que não cometeria hoje alguns erros do passado. Discreto e sempre na dele, que ama seus filhos. Sobretudo, que está amarradão com a política. Consciente de que a cada dia pode fazer mais e mais.” O peixe, que ao longo de sua vida fez dos gramados do mundo a sua água, já sabe nadar com desenvoltura no aquário de tubarões que é Brasília.

RomáRio

MARRA “Eu ainda digo o que quero e continuarei

falando sempre”