pedro fiori arantes - o lugar da arquitetura num planeta de favelas

16
7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 1/16  Pedro Fiori Arantes dane editora opúsculo 11 —  Pequenas Construções Literárias sobre Arquitectura — o lugar da arquitectura num «planeta de avelas»

Upload: icaro-vilaca

Post on 05-Apr-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 1/16

 Pedro Fiori Arantes

dane editora

opúsculo 11—  Pequenas Construções Literárias sobre Arquitectura — 

o lugar da arquitecturanum «planeta de avelas»

Page 2: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 2/16

opúsculo 11 * dane editora,  Porto, Março 2008 * edição  André Tavares * otograa

 André Cypriano (p. 6), Arquivo Cohab– sp (p. 81 ), Gal Oppido (p. 5, 82 ), Nelson Kon e Usina (p. 10–13)

& Usina (p. 14) * design Gr anja * issn 1646–5253 * d.l. 246357/06 * www.dafne.com.pt 

Page 3: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 3/16

 3

o lugar da arquitectura num «planeta de avelas»

Quem se aproxima das grandes cidades do hemisério sul, debruçadona janela de um avião, pode vislumbrar um panorama estarrecedor:planaltos e colinas tomados por casinhas apinhadas, entremeadas por

traçados viários estreitos e irregulares, que à noite se tornam quaseinvisíveis dada a precária iluminação. Nas cidades um pouco maisricas, cortando esse tecido urbano como lâminas, vêem-se grandesestruturas de betão — vias-rápidas, viadutos, errovias — que permitemo tráego rápido, além de coberturas metálicas de armazéns que abri-gam hipermercados e centros de compras para um público sem muitodinheiro, mas que precisa de sobreviver. Do caminho do aeroporto aocentro da cidade, avelas tangenciam avenidas e pontes, quando muito

escondidas por árvores, muros ou outdoors. Diante dessa expansãodescontrolada da pobreza urbana, a tradicional política de remoções,ainda persistente, parece azer cada vez menos sentido: no lugar daavela que sai, em dias orma-se outra. As iniciativas para tornar invizí-vel a pobreza são, hoje, tecnicamente inócuas. Sem ter como varrê-ladenitivamente para longe, mesmo os políticos conservadores perce- beram que não se pode mais ignorá-la.

Enquanto a população urbana nos países desenvolvidos está relativa-mente estabilizada, nos demais países do globo ocorre uma vertiginosae perversa urbanização. Vertiginosa porque a taxas anuais de 4%, oualgo como 80 milhões de novos moradores nas cidades do TerceiroMundo a cada ano que passa. Perversa porque, dierentemente da

Page 4: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 4/16

4

o p ú s c u l o 1 1

viragem do século xix para o xx, a urbanização actual não está apoiadana expansão da indústria e do emprego — com excepção da econo-mia exportadora chinesa e poucas outras (perversas à sua maneira).

Trata-se, em geral, do paradoxo de uma «urbanização sem crescimento»económico, ou de uma urbanização da pobreza. O resultado são assen-tamentos humanos que não se estabelecem segundo a «orma-cidade»,pelo menos no seu sentido ocidental. Uma urbanização que se expandecomo verdadeira desurbanização, sobre territórios delapidados porpopulações empobrecidas.

Pode-se armar que o «lugar comum» das cidades do hemisério sulé a generalização do loteamento clandestino, da ocupação irregular, da

avela, do slum como orma (des)urbana. São espaços que representamde 40% a 70% do território das grandes cidades do Terceiro Mundo eque, muitas vezes, nem sequer são representados nos mapas. Nelesmora mais de um bilhão de pessoas, quase o dobro da população euro-peia, sobre áreas geologicamente rágeis, encostas, alagados, manan-ciais urbanos, áreas de preservação ambiental, forestas, desertos oumesmo em barcos e palatas nos rios e mares. Nessas ocupações, as

taxas de saneamento e drenagem tendem a zero, o abastecimento deágua e luz, quando existe, é precário e irregular. Crescem a violência,o tráco, a desnutrição, além de doenças que já sabem tratar há maisde um século.

Essa população, que vive no limite mais cru da sobrevivência nãoestá, contudo, à margem do mundo mercantil. Ela constitui uma espé-cie de neo-proletariado inormal, sempre pronto a vender a sua orçade trabalho em situações precárias, ilegais, temporárias e violentas,

muitas vezes sob esquemas criminosos de contratação. Do vendedorambulante ao produtor de atacadores para sapatilhas de marca, dopedreiro imigrante ao motoboy arriscando a vida entre carros, orma-seuma imensa rede de valorização semi-clandestina do capital. Não hácontratos que regulem essas relações, leis, direitos, instituições. Trata-seda troca mercantil mais pura, desregulada e naturalizada, na qual nãohá espaço para sindicatos, partidos, organizações, enm, onde não hámais lugar para a própria política.

O mesmo se passa na produção do ambiente construído, por meio daacção de loteadores clandestinos, grileiros, invasores e, posteriormente,com a ormação de mercados imobiliários inormais, onde se negociam,compram e vendem todos os tipos de construções irregulares, sem

Page 5: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 5/16

o lugar da arquitectura num «planeta de avelas»

 5

— Viaduto sobre o rio Tiête, São Paulo — 

registros ociais ou recolha de impostos. No lote ilegal, a casa é constru-ída pelo esorço dos moradores que, nos seus dias de olga, ou mesmoà noite, erguem o abrigo que o seu pequeno salário não lhes permitecomprar. A técnica é a mais rudimentar, os materiais, os mais baratos.O que é para ele a produção de um valor de uso, entretanto, representasocialmente uma economia para o capital. A uga ao aluguer reduz ocusto de reprodução da orça de trabalho e a sua pressão pelo aumentode salários. Nas avelas, ironicamente, quase todos são «proprietários».

Enquanto os urbanistas modernos consideravam essas maniesta-ções do atraso, do irregular, do improviso, como «excepções» a seremsuplantadas pelo progresso, o que se viu oi o contrário. A cidade pla-neada e a habitação regularmente projectada são minoria. Há umaexpansão do ilegal sobre o legal, do inormal sobre o ormal, da excep-ção sobre a regra. Na urbanização desurbanizada, a excepção é acidade, a norma é a emergência de um «planeta de avelas».

Page 6: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 6/16

— Pai e lho, avela da Rocinha, Rio de Janeiro — 

Page 7: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 7/16

o lugar da arquitectura num «planeta de avelas»

7

Como pensar a noção de projecto nesses «lugares comuns»? As acções públicas oscilaram entre dois paradigmas: um moderni-

zador e outro mais liberal. Num prevalece a orma-conjunto (habita-

cional), ainda seguindo preceitos modernistas, do plano e do projecto.Noutro, prevalece a aceitação da orma-avela, da autoconstruçãocomo regra, da inormalidade como norma. Em ambos os casos, ca-mos distantes da orma-cidade.

Nas políticas urbanas modernizadoras, as iniciativas eram orientadaspara a remoção de avelas, a produção de grandes inra-estruturas e deimensos conjuntos habitacionais periéricos, mobilizando construtoras,empresas de projecto, especuladores imobiliários e sistemas nacionais

de crédito. Tratava-se de uma reprodução mimética e piorada da políticade reconstrução europeia no pós-guerra. O resultado oi o aumento dasegregação social e espacial e a produção de bairros-dormitório homo-géneos e ragmentados, desprovidos de qualquer qualidade urbana. Essemodelo produtivista, no qual se misturam interesses públicos e priva-dos, só oi possível nos países semi-periéricos mais ricos, que passavamigualmente por processos de industrialização — apoiados, por sua vez,

na imensa extracção de mais-valia em estaleiros de obra araónicos.O paradigma liberal, por sua vez, teve origens distintas que aca- baram a convergir em programas e iniciativas similares. A primeiraestava associada aos movimentos de moradores de bairro (chamadosno restante da América Latina de  pobladores) e seus apoiantes, quelutavam pela sobrevivência e melhoria progressiva das suas comuni-dades, contra acções violentas de remoção e segregação. A segundasurgiu nas agendas dos organismos multilaterais, como a onu, o

Banco Mundial e, na América Latina, o bid (Banco Interamericano deDesenvolvimento) — que passaram a deender, a partir dos anos setenta,a manutenção das avelas e a execução de programas habitacionais baseados no esorço próprio dos moradores. Na primeira vertente, aluta tinha um sentido mais «autonomista», com objectivo de ortaleceras comunidades em relação aos desmandos do Estado. Na segunda,tratava-se de uma verdadeira redução da acção pública, transeridogrande parte do ónus habitacional para os próprios demandatários — o que, armava-se, era a única alternativa para países mais pobresou em crise, como a América Latina dos anos oitenta. O resultadooi o aparecimento de políticas públicas com participação (em geralcosmética) dos usuários, muitas vezes actuando como trabalhadores

Page 8: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 8/16

8

o p ú s c u l o 1 1

gratuitos na melhoria dos seus bairros e casas, dentro de programasde urbanização de avelas, de regularização undiária e de produçãode lotes urbanizados com habitações evolutivas (pequenas «casas-embrião», para serem ampliadas uturamente). Alguns dos resultadosrevelavam os limites dessa alternativa de baixo custo: as moradias pro-duzidas chegavam a ter menor área por habitante do que celas prisio-nais e, para ser admissível, os códigos de obra e de urbanização tiveramde ser «fexibilizados».

 Ao contrário do paradigma modernizante, a vertente liberal, comoum todo, reconhecia que a urbanização inormal era a regra e não aexcepção, procurando institucionalizar, como política pública, acçõesde consolidação das práticas de produção das moradias e inra-estrutu-ras pelos próprios usuários. Essa política tomava partido da urbanizaçãodesurbanizada no sentido de a reconhecer e a potenciar. O morador daavela passava de «problema a solução» — tornava-se empreendedor desi mesmo, responsável por uma espécie de salvamento do aogado porsi próprio, como se segurasse nos seus cabelos. O lema do Banco Mun-dial, por exemplo, era «ajudar os pobres a se ajudarem a si mesmos».

Modernizantes ou liberais, ambas as políticas, mesmo orientadas porpressupostos espaciais dierentes (a orma-conjunto ou a orma-avela),

 — Maniestações da orma-conjunto:Casas-embrião evolutivas & Cidade Tiradentes, São Paulo— 

Page 9: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 9/16

o lugar da arquitectura num «planeta de avelas»

9

alcançavam resultados parecidos: a manutenção e mesmo o aproun-damento de situações de desigualdade, a produção de assentamentoshumanos em áreas impróprias, a ausência de qualidade urbanística (or-

ma-cidade), a denição de cidadãos e territórios de primeira e segundaclasse — por vezes mascarados por slogans como «a avela virou bairro».

Foram raras as iniciativas que ugiram a essa dinâmica — e quandoemergiram, acabaram por ser combatidas e ragilizadas. Na AméricaLatina, as acções mais interessantes surgiram no contexto de políti-cas públicas desenhadas para serem planeadas e implementadas pelaspróprias organizações dos trabalhadores. São exemplos disso as coope-rativas habitacionais de ajuda-mútua do Uruguai e os mutirões autoge-

ridos brasileiros, concentrados sobretudo em São Paulo. Em ambos oscasos, oram estabelecidos programas e linhas de nanciamento paraa produção habitacional nos quais os trabalhadores deniam terrenos,parâmetros de urbanização, projectos, tecnologias e materiais, além decoordenarem a obra e ormarem colectivos de geração de renda.

 Apesar de integradas nas políticas públicas e por isso mesmo, taispráticas tinham como ponto de partida a enunciação de um confito

e uma ruptura: a ocupação de terras e imóveis urbanos expectantes,com a ormação de acampamentos — não de avelas — para a negocia-ção por recursos públicos e a execução de projectos. A organizaçãopopular contratava os seus próprios assessores técnicos para os estudosde viabilidade e projectos de arquitectura e urbanismo — que, desen-volvidos de orma participativa em assembleias e reuniões com asamílias, resultaram em dierentes tipologias, sempre maiores do queas oerecidas pelo poder público, além de articuladas com espaços de

uso colectivo, creches e salões para actividades de ormação e trabalho,ausentes na orma-conjunto.

No caso uruguaio, a cultura política anarquista, de herança espa-nhola, e a liação a sindicatos, deniu uma dinâmica organizacionalmais próxima da classe trabalhadora industrial (e masculina) — pormeio da ormação de cooperativas de produção em cada sindicato. A central de cooperativas (a Fucvam) surgiu ainda na década de 1960,antes da ditadura uruguaia, e oi uma das suas principais adversárias. A experiência brasileira é cronologicamente posterior e herdeira dauruguaia, tendo nascido no início da década de oitenta, na distensão daditadura militar. No Brasil, o agente mobilizador inicial oi a igreja pro-gressista de base, por meio das suas pastorais e comunidades (as Cebs),

Page 10: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 10/16

— Construção do mutirão União de Juta,com a adoção de torres de escada metálicas, São Paulo — 

Page 11: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 11/16

o lugar da arquitectura num «planeta de avelas»

11

originando movimentos populares de luta por moradia que passarama reunir, na sua maioria, trabalhadores não sindicalizados, inormais,desempregados e donas-de-casa — constituindo uma organização pre-

dominantemente lumpen-eminina, na qual as principais liderançassão mulheres.

 As novidades apresentadas por estas experiências de produção doespaço por organizações populares são visíveis justamente na trans-

versalidade de escalas que envolvem. Vejamos do macro ao micro, num breve percurso escalar.

Na grande escala, vê-se que a luta dos movimentos populares edas suas cooperativas, que estão organizados nacionalmente e esta-

 belecem coalizões internacionais, dene uma disputa pelo sentido daacção pública e do próprio desenvolvimento regional e urbano, numcontexto de embate em relação a estados autoritários e a grandes inte-resses privados. Trata-se de uma luta com uma dimensão quantitativa,pela apropriação de undos públicos por organizações autónomas dostrabalhadores, assim como qualitativa, pelo estabelecimento de polí-ticas sociais pensadas «de baixo para cima», pelos próprios cidadãos.

 As organizações populares levantam a bandeira da Reorma Urbana,pelo direito à cidade e pela repartição da riqueza, com a utilização deimóveis e terras que não cumpram sua unção social — o imenso decithabitacional no sul e sudeste do Brasil, por exemplo, quase equivale aonúmero de imóveis vazios nas mesmas regiões.

 Aproximando a escala, vê-se que tais organizações oram capazesde obter linhas subsidiadas de nanciamento e ormular leis e progra-mas de acção pública de novo tipo, nos níveis municipais, estaduais

e ederais. Em cada cidade, sobretudo em Montevideo e São Paulo,ocuparam grandes parcelas de terra por toda a cidade e imóveis vaziosnas áreas centrais, desenvolvendo projectos para cada situação espe-cíca com alguma autonomia. Associados a núcleos universitáriosou assessorias técnicas independentes, os movimentos e cooperativasconstituíram um modo próprio de produzir a cidade que não recaiunem na orma-conjunto tradicional e, muito menos, na orma-avela.No Uruguai, as experiências de ocupação de uso misto, congregandoespaços de trabalho, lazer, educação e moradia oram notavelmente bem sucedidas, passando a servir de padrão urbanístico e reerênciapara o restante da cidade.

Page 12: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 12/16

12

o p ú s c u l o 1 1

Em novo  zoom, vamos encontrar as associações e cooperativas deconstrução debatendo no seu dia-a-dia com arquitectos e engenhei-ros cada um dos seus projectos e obras, em assembleias e reuniõessucessivas com as amílias interessadas. Por meio de várias dinâmicasque socializam o conhecimento dos técnicos e os abrem para compre-ender as necessidades e anseios da população, nasce um projecto quevai sendo apresentado através de maquetes, desenhos e protótipos. A gestão da obra é denida em grandes linhas, por meio de um regu-

lamento interno, no qual os construtores deliberam as regras que irãoorientar o seu trabalho. Entre elas estão: a equivalência entre traba-lhos, a igualdade de obrigações, a rotação de tareas e a aprendizagemde todas as etapas de produção da obra. Seja na cooperativa uruguaia,mais politizada, ou na associação de construção brasileira, mais cristã-solidária, compreende-se que o momento de trabalho está organizadopor regras e escalas dierentes das da empresa capitalista.

Em mais uma última aproximação de escala, vemos que em cadadetalhe de projecto e obra a produção daqueles espaços procura die-renciar-se das práticas hegemónicas. Os desenhos são eitos para a lei-tura dos produtores, segundo cada etapa de execução, evidenciandoa lógica dos materiais, que se apresentam quase sempre aparentes,

 — União de Juta: torre da escada é incorporada no corpo do ediício — 

Page 13: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 13/16

o lugar da arquitectura num «planeta de avelas»

13

como índice do trabalho realizado. A modulação é estrita em respeitoao produtor, evitando cortes e retrabalhos. As instalações permeiamas alvenarias com o mínimo de intererência, articulando as dierentesequipas num único ritmo. Em alguns projetos de São Paulo, oi adop-tado um sistema construtivo próprio para a produção de edicaçõesverticais: alvenarias auto-portantes em blocos cerâmicos estruturais,que dispensam o complexo e penoso serviço de montagem de ormas,armaduras e betonagens de vigas e pilares; e a implantação de torres de

escada metálicas logo após a undação, de modo a garantir o transporteseguro de pessoas e materiais, além de ornecer prumo e nível para aconstrução. Nessas obras há quase uma reconciliação entre desenho eestaleiro, entre o produtor e a sua obra, uma orma de construir queoi negada e quebrada pela produção capitalista — não custa lembrarque a construção civil hoje, entre os diversos ramos industriais, con-centra os mais baixos salários, as jornadas mais longas, o menor nívelde sindicalização e o maior número de acidentes.

 As experiências que aqui brevemente apresentamos não são nenhumapanaceia, oram, inclusive, combatidas e muitas vezes derrotadas, nãoestabelecendo a continuidade necessária ao seu amadurecimento.Estiveram cercadas por contradições e impossibilidades do contexto

 — União de Juta: blocos cerâmicos aparentes revelam o índice do trabalho — 

Page 14: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 14/16

14

o p ú s c u l o 1 1

histórico em que se realizaram. Mas tiveram o mérito de indicar alter-nativas, de experimentar possibilidades, de recusar o inaceitável.Não vivemos mais na era das revoluções salvadoras (que, na prática,

não o oram) — por isso o novo deve nascer da lenta e constante práticaquotidiana dos que não se conormam com a ordem dos acontecimen-tos. Projectar e construir em situações adversas, em áreas empobrecidase tomadas por um «planeta de avelas», exige a capacidade simultâneada indignação e da ousadia. Algum dia chegaremos lá.

 — Centro comunitário do Mutirão 26 de Julho, São Paulo — 

Este texto oi escrito no âmbito do evento Arquitectura em Lugares Comuns organi-

zado pela Dane Editora e pelo Departamento Autónomo de Arquitectura da Univer-

sidade do Minho, para ser apresentado no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães,nos dias 3 e 4 de Abril de 2008.

Page 15: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 15/16

bibliograa

Pedro arantes, Arquitetura Nova, São Paulo, Editora 34, 2002.

Pedro arantes, O ajuste urbano: as políticas do Banco Mundial e do BID para as cidades

latino-americanas, Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, 2004.Mike davis, Planeta Favela, São Paulo, Boitempo, 2006. (1.ª ed. Planet of Slums, 2004).Sérgio erro, Arquitetura e trabalho livre, São Paulo, Cosac Naiy, 2006.

Ermínia maricato, Otília arantes, Carlos vainer , A cidade do pensamento único, Petró-

polis, Vozes, 1999.

Francisco de oliveira, «O Estado e a exceção: ou o Estado de exceção?» in Revista Bra-

sileira de Estudos Urbanos e Regionais, vol. 5, n.º 1, pp. 9 – 14, Belo Horizonte, 2003.

Pedro Fiori Arantes, ormado na Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Univer-

sidade de São Paulo, produziu investigação sobre as políticas urbanas do Banco Mun-

dial e do Banco Interamericano para a América Latina. É autor do livro Arquitetura

 Nova (Editora 34, 2002) e organizou a colectânea de ensaios críticos do arquitecto Sér-

gio Ferro, Arquitetura e trabalho livre (CosacNaiy, 2006). É coordenador da organização

não-governamental usina que presta assessoria técnica em projectos de habitação.

Page 16: Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

7/31/2019 Pedro Fiori Arantes - O lugar da Arquitetura num planeta de favelas

http://slidepdf.com/reader/full/pedro-fiori-arantes-o-lugar-da-arquitetura-num-planeta-de-favelas 16/16

i s s n   1 6 4 6 – 5 2 5 3

 José Capela

 Pedro Gadanho

Godofredo Pereira

 André Tavares

 Rui Ramos

 Luis Urbano

Inês Moreira

Susana Ventura

Guilherme Wisnik

 Miguel Figueira

 Pedro Fiori Arantes

 João Soares

1

2

3

4

 5

6

7

89

10

11

12

utilidade da arquitectura: 0+6 possibilidades

para que serve a arquitectura?

delírios de poder 

as pernas não servem só para andar 

elenco para uma arquitectura doméstica

dupli — 

cidade e a fânerie contemporânea

petit cabanon

o ovo e a galinhaniemeyer: leveza não tectónica

a minha casa em montemor 

o lugar da arquitectura num «planeta de avelas»

o suporte da moral diusa

opúsculos—  Pequenas Construções Literárias sobre Arquitectura —