pedro costa sobrinho. meios alternativos de comunicaÇÃo e movimentos sociais na amazÔnia...

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PEDRO VICENTE COSTA SOBRINHO MEIOS ALTERNATIVOS DE COMUNICAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMAZÔNIA OCIDENTAL (ACRE: 197181) Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São PauloUSP, como exigência parcial para a obtenção do grau de Doutor em Ciên cias da Comunicação. Orientador: Prof. Dr. CELSO FREDERICO São Paulo, 2000

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Page 1: Pedro Costa Sobrinho. MEIOS ALTERNATIVOS DE COMUNICAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMAZÔNIA OCIDENTAL (ACRE: 197181)

PEDRO VICENTE COSTA SOBRINHO

MEIOS ALTERNATIVOS DE COMUNICAÇÃO

E MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMAZÔNIA OCIDENTAL

(ACRE: 1971­81)

Tese apresentada ao Programa de Pós­

Graduação da Escola de Comunicações e Artes da

Universidade de São Paulo­USP, como exigência

parcial para a obtenção do grau de Doutor em Ciên­

cias da Comunicação.

Orientador:

Prof. Dr. CELSO FREDERICO

São Paulo, 2000

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BANCA EXAMINADORA

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Dedico esse trabalho:

Ao jornalista Elson Martins da Silveira, referência de dignida­ de humana e de responsabilidade profissional.

Ao bispo Dom Moacyr Gre­ chi, meu santo e ídolo, cuja pre­ sença foi sempre inspiradora para cada linha disposta nesse trabalho.

A Mariana, minha filha, pe­ las travessuras e observações inte­ ligentes que fez durante a elabora­ ção desse trabalho.

À memória do jornalista Marcos Faerman, que com certeza está no paraíso.

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Agradecimentos

Ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Celso Frederico, pela constância, seguran­ ça, competência e estímulo durante o longo e sinuoso curso desse trabalho; cuja orienta­ ção (teórica e metodológica) foi decisiva em todas as fases de sua elaboração, sem que isso venha a responsabilizá­lo por qualquer imprecisão e tropeços do autor.

A minha esposa, Maria do Socorro Araújo Costa, pelo apoio permanente e até compartilhando comigo os muitos momentos de ansiedade; as minhas filhas Tatiana e Mariana pela paciência com que suportaram os meus achaques de tesista retardatário. A Dina, minha mãe, que com seu imenso amor, sempre me deixou em estado de graça.

A Sandra Teresa Cadiolli Basílio, pelo valioso apoio que me prestou na coleta de materiais para esse trabalho, além da amizade e incentivo sempre presentes.

Aos meus colegas e professores Almir Bueno, José Antonio Spinelli, Guilherme Cavalheiro, Homero de Oliveira Costa, João Emanuel Evangelista, Hermano Machado, Willington Germano, Vânia Gico, Antonio Joaquim, Geraldo Margela e Antonio Ribei­ ro pelo incentivo, apoio e amizade demonstrados, contribuindo com suas atitudes para que esse trabalho fosse concluído.

Aos amigos Enid Iatsuda e Nelson Patriota, incentivadores natos.

Para Ana Maria de Almeida Costa, de quem nunca deixei de receber palavras de estímulo e incentivo.

Aos professores Elder Andrade de Paula, pela cessão de documentos e entrevis­ tas valiosos; e Marcos Inácio Fernandes, pela cessão da coleção do jornal Varadouro.

Aos colegas e professores do Programa de Pós­Graduação em História da Uni­ versidade Federal de Pernambuco; e também aos colegas e professores da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com os quais convivi durante os cursos, num ambiente favorável a permuta de experiência e da busca de novos saberes.

A Gilvaneide, que como bolsista participou em projeto de pesquisa sob minha coordenação, e que auxiliou bastante no tratamento do material coletado para esse traba­ lho.

Á CAPES pela bolsa de doutorado, que seguramente amenizou os custos com deslocamento e com a coleta de materiais para essa pesquisa.

A todos que de modo direto ou indireto contribuíram para esse trabalho e tive­ ram, por lapso de memória ou injustiça, seus nomes não mencionados.

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RESUMO

Este trabalho se constitui um registro e análise da importante contribuição dada

pelos meios alternativos de comunicação, que circularam no Acre durante o período de

1971 a 1981, aos movimentos sociais, sobretudo aos que organizaram a luta de resistên­

cia contra o processo de ocupação predatório das áreas de fronteira, desencadeado na

década de 70 pela nova frente de expansão agropastoril. Essa frente de expansão fora

decorrente natural da nova estratégia de ocupação da Amazônia, de forte conteúdo geo­

político, elaborada nos anos 60 pela ditadura militar, que viera a ser conhecida como

“Operação Amazônia”. Nesse processo, iniciado na década de 70, milhares de trabalha­

dores foram expulsos de áreas que ocupavam nas florestas, para isso, empregando os

fazendeiros as mais variadas formas da violência. A imprensa local fez vistas grossas

aos conflitos, muitas vezes publicando versões simpáticas aos supostos donos da terra.

A resistência de posseiros, seringueiros e índios, de início, individualizado ou em pe­

quenos grupos, fora crescendo à medida que os sindicatos foram surgindo e organizando

a luta contra seus opressores. Esses movimentos sociais de resistência vieram a contar

com o apoio decisivo, para divulgar suas ações, dos periódicos alternativos: o boletim

diocesano Nós Irmãos e o jornal Varadouro.

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ABSTRACT

This work makes up, at the same time, a register and an analysis of the role the

independent press played in Acre, during the 1971­1981 period, towards social changes,

above all those papers that were responsible for the resistance fight against the process

of predatory occupation of border areas, set out in the 70s by the new front of

landowners. This process came about as a natural result of the expanding occupation

policy envisaged to Brazil's Amazon. It was motivated by strong geopolitical interests

worked out by the military dictatorship established in power in 1964, and became

known as "Operação Amazônia" ("The Amazon Operation"). In this process, started out

in the 70s, thousands of workers got to be expelled from their lands in the forests. To

get it done, landowners would not mind using any form of violence. The so­called

quality press pretended nothing was happening; and when it treated this subject, its

reports were often sympathetic to the powerful farmers. At first unobserved, the

resistance fight of natives, indigenous groups, rubber gatherers, and so on, grew strong

as soon as unions were created and organized to see them through in this conflict. To

propagate their information and massages, these unions were backed by two

independent vehicles: the diocesan bulletin Nós Irmãos (We, brothers) and the paper Varadouro.

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SUMÁRIO

Resumo

Abstract

Introdução /9

Capítulo 1 ­ A Reconquista da Amazônia Ocidental /26 1.1 Amazônia: trajetória de uma economia em crise /27

1.2 A geopolítica da ocupação /31

1.3 Acre: a nova Canaã dos “paulistas” /33

Capítulo 2 – A Igreja do Acre e Purus Elege o Povo de Deus /44 2.1 A Igreja católica brasileira: novos caminhos /45

2.2 A Igreja do Acre e Purus opta pelos pobres /48

Capítulo 3 – A Imprensa Nacional e os Conflitos na Fronteira /48 3.1 O Acre em compasso de espera /57

3.2 O Acre entrou na pauta /59

3.3 O Acre em tempo de abertura 70

Capítulo 4 ­ Nós Irmãos: Tribuna do Povo de Deus /73 4.1 Nós Irmãos: A Igreja quer se comunicar /74

4.2 Nós Irmãos: A Igreja quer libertar /75

4.3 Nós Irmãos: os movimentos sociais na luta pela terra /84

4.4 Nós Irmãos e a questão indígena /112

4.5 Nós Irmãos: sindicatos e movimentos populares urbanos /119

4.6 Nós Irmãos e a cobertura dos movimentos de bairro e a luta dos sem­ teto /125

4.7 Nós Irmãos: comunicação alternativa para os deserdados 134

Capítulo 5 – Varadouro: um Jornal das Selvas /137 5.1 Súmulas de uma realidade e a guisa de contextualização /138

5.1.1 Economia e sociedade /138

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5.1.2 A reorganização do estado /141

5.1.3 Os movimentos sociais /142

5.1.4 A vida cultural /143

5.1.5 O ambientalismo e os ambientalistas /146

5.1.6 A política: a esquerda e a oposição /149

5.2 Varadouro: mais uma alternativa nas selvas /154 5.2.1 O projeto /154

5.2.2 A equipe de redação /156

5.2.3 O público /159

5.2.4 Como fazer e onde fazer o jornal /161

5.3 A saga do jornal das selvas /162

5.3.1 As edições do Varadouro /162 5.3.2 A publicidade /166

5.3.3 A pauta do Varadouro /167 5.3.4 Varadouro e a questão indígena /168 5.3.5 Varadouro e a luta pela terra /180 5.3.6 Varadouro e a questão ambiental /189 5.3.7 Varadouro e os movimentos sociais urbanos 194

Conclusões /199

Notas /204

Fontes /213

Anexos

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Introdução

Após o golpe militar de 1964, os novos donos do poder adotaram um elenco de

medidas descricionários contra todos que pudessem se opor aos seus desígnios. Nesse

sentido, políticos de oposição tiveram seus mandatos cassados e direitos políticos sus­

pensos. A esquerda, que atuava com certa liberdade junto aos sindicatos e demais mo­

vimentos sociais, fora colocada no gueto da ilegalidade, sendo muitos dos seus militan­

tes trabalhadores, estudantes, intelectuais e até simpatizantes perseguidos, presos, mor­

tos, exilados ou vivendo na clandestinidade. A sociedade brasileira passara a conviver

com uma nova ordem institucional, na qual o alegado combate a subversão justificava

os atos de violência contra a liberdade e os direitos humanos: a tortura, portanto, torna­

ra­se prática institucionalizada no país.

É praxe dos governos autoritários e ditatoriais investirem de imediato contra a

liberdade de imprensa. Nessa saga, o estado militar pós­64 tratou mais que depressa de

ocupar e fechar todos os jornais e revistas nacionalistas e de esquerda que ainda tiveram

suas redações destruídas e oficinas empasteladas. Dentre eles enumeramos: Novos Ru­

mos, Classe Operária, Terra Livre, Liga, O Semanário e tantos outros por todo o país. A

grande imprensa também passara a sofrer restrições, tendo vários dos seus jornalistas

presos de modo arbitrário; suas redações ameaçadas; pressões para que demitissem re­

pórteres e redatores, e também para que adotassem a prática da auto censura, evitando

veicular matéria contrária ao regime. Não faltaram ainda os atentados a bomba, fato

acontecido no edifício sede do jornal O Estado de S. Paulo. Dois jornais importantes: Última Hora e Correio da Manhã vieram a desaparecer, vitiminados por interferência

direta da ditadura militar.

A violência contra a liberdade de imprensa pouco a pouco fora ganhando estatu­

to legal através dos sucessivos decretos e leis de teor restritivo, que visavam regulamen­

tar para controlar e tornar dócil os meios de comunicação. Como se não bastasse, no ano

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de 1970 o Decreto­lei 1.077 instituíra a censura prévia; daí por diante, parte da grande

imprensa tivera a redação ocupada por uma malta de censores: Jornal do Brasil, Jornal

da Tarde, O Estado de S. Paulo, Tribuna da Imprensa etc. Na imprensa alternativa en­

tão, a tesoura fora ainda mais afiada.

Nesse contexto, segundo Ortiz, com o advento do estado militar dois aspectos

devem ser realçados: na dimensão política, preponderando a repressão, a censura, pri­

sões, exílio e tortura; do lado da economia transformações profundas, inclusive a cria­

ção de um mercado de bens culturais. Ao analisar exaustivamente esse período, tendo

como móvel central a expansão do mercado dos bens simbólicos no país, Ortiz afirmara

que a partir de 1964 fora dado o grande salto na direção do advento e consolidação da

indústria cultural no Brasil (1).

É nesses anos de chumbo, marcados pela repressão política e a censura, e ainda

pela expansão vertiginosa dos meios de comunicação de massa no país, que vai surgir,

como se fora a lendária fênix, uma forte imprensa alternativa, chegando no caso do se­

manário de humor e oposição: Pasquim, a tiragens de até 200 mil exemplares.

Num cenário com duração de pouco mais de 10 anos, fora marcante a presença

de cerca de 160 jornais da imprensa alternativa; muitos de sobrevida curta; outros mais

longevos, com destaque: Pasquim, Opinião, Movimento, Em Tempo, Versus, Coojor­

nal, Repórter etc., que conseguiram de certo modo ter uma circulação nacional, com

tiragens variáveis de 10 a 200 mil exemplares.

Além desse universo de jornais da imprensa alternativa, mais de 100 boletins

diocesanos surgidos no pós­Medellin, circularam nos anos 70 no país, com tiragem total

de mais de 100 mil exemplares e um público com certeza muitas vezes superior, pois

lidos e divulgados nas paróquias e Comunidades Eclesiais de Base (CEBs); e se consti­

tuindo na sua maioria em espaço alternativo para o trato das questões sociais, oposição

ao regime militar, defesa dos direitos humanos e, fundamentalmente, dando espaço para

que a voz das classes subalternas pudesse ser ouvida.

Durante o governo do general­presidente Garrastazu Médice, um dos períodos

mais duros da repressão política no país, no qual a esquerda armada de oposição a dita­

dura fora destroçada e seus militantes encarcerados, torturados, exilados e muitos mor­

tos; no Acre, o cenário também fora marcado pela violência, que viera no bojo da recen­

te ocupação das áreas de fronteira pela frente de expansão agropastoril.

As políticas públicas definidas à época para a Amazônia tinham por objetivo a

rápida incorporação dessa imensa área ao conjunto da economia nacional. A chamada

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“Operação Amazônia”, de forte conteúdo geopolítico, elaborara uma estratégia de ocu­

pação do espaço amazônico, e para sua implementação destinara recursos através do

crédito fácil e barato nos bancos públicos e dos incentivos fiscais, com vistas a promo­

ver o deslocamento de migrantes, capitalistas nacionais e estrangeiros dispostos a parti­

cipar do grande projeto da ditadura para integração nacional. Nesse projeto, naturalmen­

te, as atividades econômicas tradicionais da região não eram parte considerada; portan­

to, no caso do Acre, o velho extrativismo gomífero e da castanha estavam fadados ao

desaparecimento.

A marcha em direção ao Acre fora arrasadora. A compra de seringais, cuja ex­

tensão nunca havia sido definida, permitira o uso e abuso pelos novos proprietários do

conhecido método de esticamento da terra, incorporando então aos seus domínios gran­

des áreas devolutas, com ou sem possuidor identificado. Para ocupação dessas áreas foi

dado início uma operação de destruição sem controle e indiscriminado da floresta, com

o objetivo de instalar fazendas e implantar a pecuária extensiva de corte. No lugar de

uma floresta exuberante, estava fadada a surgir uma paisagem de extensos campos com

pastagens artificiais, cuja monotonia seria quebrada pelas patas do boi. O lema era criar

boi, abater e exportar a carne pelo Pacífico.

A violência no interior da floresta se instaurara em níveis nunca antes vistos.

Limpar ou clarear as terras de índios, posseiros e seringueiros passara a ser a ordem do

dia; para isso foram mobilizados advogados, oficiais de justiça, promotores, juizes poli­

ciais, jagunços e pistoleiros. E nessa paisagem de temor e tremor que entra cena a im­

prensa alternativa no Acre: o boletim diocesano Nós Irmãos, no ano de 1971; e o Vara­ douro, em 1977.

O referente empírico da pesquisa

a) Nós Irmãos

As informações sobre conflitos de terra e a violência dos fazendeiros era melhor

registrada pela imprensa do Sul do país, a exemplo: Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo, cuja circulação regular de poucos exemplares em Rio Branco só viera acontecer em 1978. Os meios de comunicação locais, até os anos de 1976, pouca atenção deram

ao problema, evitando divulgar os conflitos, a ação de pistoleiros e jagunços contra se­

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ringueiros, as denúncias da existência de relações de escravidão nas fazendas etc.; e

quando davam acabavam distorcendo os fatos. Uma verdadeira conspiração do silêncio,

mais pela colaboração servil do que pela censura possível. Nós Irmãos começara a ser editado pela Igreja do Acre e Purus em dezembro de

1971. O boletim nascera com as CEBs e para servir como veículo de informação das

atividades pastorais da Igreja acreana, que pouco a pouco fora assumindo uma linha

pastoral de opção preferencial pelos pobres.

A leitura e análise que fizemos desse boletim, durante o percurso de 10 anos

(1971 a 1981), levaram­nos a demonstrar que sua ação fora fundamental como veículo

alternativo de comunicação a serviço dos marginalizados, abrindo suas páginas para

denunciar a violência; para orientar as lideranças da resistência dos trabalhadores; para

apoiar o trabalho educativo das CEBs, e até mesmo influenciando na organização dos

movimentos sociais; quanto a isso, estamos de acordo com Mourão: “Revendo os arqui­

vos do boletim Nós Irmãos pode­se observar que os principais temas da conjunturana­ cional e local foram noticiados; há um relativo balanceamento entre os temas sociais e

os temas próprios das CEBs e da problemática religiosa. Seu conteúdo básico procura

criar uma consciência crítica e transformadora da sociedade; os temas religiosos são

tratados numa linha libertadora” (2). E que torna­se difícil, portanto, compreender a

história das lutas sociais no Acre, sem uma avaliação do papel que esses alternativos

tiveram durante esse período.

b) Varadouro

A primeira edição do Varadouro acontecera em maio de 1977. O jornal das sel­ vas fora fruto de quase um ano de reuniões e discussões de setores da Igreja com o jor­

nalista Elson Martins da Silveira, correspondente no Acre do jornal “O Estado de S. Paulo”; dessas reuniões participara inclusive o bispo Dom Moacyr Grechi. A Igreja

estava interessada em outro veículo de comunicação que, diferentemente do boletim

Nós Irmãos, pudesse circular para o público regional, noticiando os fatos que vinham acontecendo no Acre, e apoiando efetivamente a resistência dos trabalhadores acreanos:

um espaço privilegiado para os movimentos sociais.

Sob a liderança do jornalista Elson Martins da Silveira, profissional de renome

local e já conceituado nacionalmente, formara­se um grupo de pessoas com posição

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política de esquerda, mas sem qualquer filiação a partidos, para tocar o projeto do jor­

nal. E assim, em maio de 1977, surgira mais um alternativo no país: o jornal Varadouro. As dificuldades para impressão do Varadouro em Rio Branco foram muitas. O

parque gráfico local era precário; além das limitações que eram impostas para impedir a

circulação de um veículo de comunicação independente das classes dominantes locais.

O jornal das selvas peregrinou por várias cidades do país: Belém, Manaus, São Paulo,

Porto Velho, para assegurar a regularidade de suas edições; quando impresso em Rio

Branco, teve que superar os obstáculos técnicos para garantir tiragens de 5 a 7 mil e­

xemplares por edição.

A aceitação do Varadouro pelo público superara todas as expectativas de sua equipe de redação. Suas edições eram vendidas em bancas, sindicatos, escolas, univer­

sidade, nas paróquias e comunidades; contando para isso com um mutirão de colabora­

dores, inclusive da Igreja e dos movimentos sociais.

A linha editorial era meridiana e cristalina: só havia uma versão para o Varadou­ ro, a dos trabalhadores; a outra ficava para ser veiculada pelos outros jornais. Pela força de suas tiragens e em decorrência das contradições naturais entre as elites da região,

nunca faltou, em suas edições, uma quota de publicidade para amenizar seus custos de

produção.

O estudo que fizemos de todo o período de sua existência, quatro anos efetivos,

pois tivera entre 1977 a 1981 uma parada de quase um ano, analisando seus 24 números

editados, pudemos constatar, de modo cabal, que esse alternativo fora da maior impor­

tância para os movimentos sociais. Nas suas páginas, a questão indígena, a luta pela

terra, a defesa do meio ambiente, os direitos humanos, as associações de bairros, os sin­

dicatos tiveram um espaço privilegiado para veicular suas lutas e reivindicações.

O Varadouro deixou de existir quase simultaneamente a morte de um outro al­ ternativo: o jornal Movimento. Em momento algum sofrera a ação repressiva da censu­

ra; porém, muitas foram as ameaças contra seus editores e repórteres. A democracia

interna fora além da equipe de redação, incorporando na discussão de sua pauta externos

como: índios, estudantes, intelectuais, trabalhadores ou qualquer outra pessoa que se

dispusesse a participar das reuniões para esse fim. Apenas um repórter recebia salário,

os outros, se muito, eram beneficiados pelas sobras. O jornal era profissional no cum­

primento do papel do jornalista, mas amador com relação a sua atividade como empre­

sa. As causas do seu desaparecimento não diferem das muitas apresentadas para igual

morte dos outros alternativos, todavia, sem as apreensões e os atentados às bancas.

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Revendo a literatura sobre a imprensa alternativa

A literatura que tem como objeto de estudo a imprensa alternativa no Brasil am­

pliou­se substancialmente nos últimos anos. Kucinscki, em importante trabalho desen­

volvido sobre o tema, inclusive o mais abrangente, arrolou nada menos de trinta títulos,

constituindo uma já considerável bibliografia de teses, dissertações, artigos e ensaios,

destacando­se nesse material cerca de vinte estudos de caso sobre jornais alternativos

que circularam nas décadas de 60 e 70 (3).

Nesses quase dez anos passados da defesa da tese de doutorado de Kucinski jun­

to à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, muitos outros tra­

balhos foram realizados sobre o mesmo tema, até mesmo numa angulação conceitual

mais abrangente que permitiu a abordagem dos diversos projetos alternativos nos meios

de comunicação de massa: rádio, televisão, jornais, revistas, cinema etc.

A imprensa de oposição que surgiu durante o período da ditadura militar no Bra­

sil recebeu várias denominações: nanica, independente, política e depois consagrou­se

como alternativa. Uma rápida porém consistente avaliação dessas denominações fora

feita por Caparelli, que realçou as impropriedades de algumas delas para tentar captar a

essência desse movimento em toda sua plenitude (4).

O conceito de imprensa alternativa foi considerado por Caparelli mais apropria­

do, por expressar uma relação de complementariedade de interesses entre os dois pólos

da ação comunicativa, o emissor e o receptor, situados no processo de produção enquan­

to produtor e consumidor. Do ponto de vista do produtor (jornalista): “... não contente

com a imprensa tradicional se propõe elaborar ele mesmo seu produto”. E do ponto de

vista do consumidor (leitor): “... que no mercado capitalista das idéias, tem opção a uma

maior diversidade de conteúdos, fugindo ao monopólio dos grandes grupos que refor­

çam o status quo” (5). Se do ponto de vista do produtor sua exposição durante o texto demonstrou con­

sistência satisfatória, no que diz respeito ao outro pólo, o leitor, pareceu­me superficial e

inadequada, restringindo­se apenas a fazer referência de que a classe média fora o único

receptor da informação da imprensa alternativa, já que considerava os canais de comu­

nicação com o trabalhador interrompidos. Assim sendo, o conceito de alternativo consi­ derado mais apropriado pelo citado autor ficara lacunar, pois no seu texto não apareceu

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nenhuma informação relevante que sustentasse o outro componente analítico do enunci­

ado.

Algumas considerações de Caparelli que ampliam o conceito podem ser tomadas

como consensuais: que a imprensa alternativa é um fenômeno mundial, cabendo todavia

a ressalva de que no Brasil ela assumiu uma tal dimensão que deve merecer um olhar

todo especial; que no conceito a imprensa alternativa não pode ser tomada como bloco

monolítico, mas como leque de posições; de que ela é produto da indústria cultural, só

que essa premissa não pode ser reduzida ao simples fato da ociosidade dos equipamen­

tos na grande imprensa gráfica; de que tanto a imprensa alternativa quanto à grande im­

prensa têm preocupações ideológicas, bem como no que se relaciona ao conteúdo dife­

renciado das duas propostas, e também no que diz respeito as formas de gestão da em­

presa etc.

O jornalismo de oposição no pós­68, mereceu por parte de Afonso Júnior, um

estudo dos mais consistentes do ponto de vista de sua construção teórica. Ao resgatar as

discussões que foram feitas nos anos entre 1968­78, sobre os jornais políticos­culturais

surgidos no pós­64, Afonso Júnior afirmou que o fenômeno não merecera o tratamento

adequado, portanto persistia a indagação sobre o que é realmente imprensa alternativa.

E daí o autor procurou rastrear os questionamentos dos jornalistas e não jornalistas en­

volvidos nos diversos projetos de jornais ditos alternativos; com base nessas considera­

ções e no fato de que as várias tentativas internas de resolver os obstáculos não tiveram

êxito, caberia então pensar a idéia de “uma imprensa alternativa sob o prisma da forma

jornalística e da redefinição das relações entre forma e conteúdo” (6).

Com base nas reflexões de Lefebvre sobre a questão das formas, Afonso Júnior

estruturou seu arcabouço teórico para responder e caracterizar sua concepção de im­

prensa alternativa na relação entre forma e conteúdo. Antes de tudo vale destacar o que

o autor entende por forma alternativa: “...deve ler­se novas relações entre jornalistas e

leitores. Os homens de imprensa, querendo fugir dos “formalismos”, acabaram reali­

zando uma crítica insuficiente da forma jornalística. Trata­se, portanto, de saber que

outro tipo de arranjo a imprensa político­cultural do pós­68 implementara e estabelecera

entre os produtores, os consumidores e o circuito que, estruturando o consumo e a pro­

dução jornalística, os mediatiza” (7). E ainda: “Ao jornal cabe, na perspectiva da forma

alternativa de imprensa, redimensionar os padrões dominantes de emissão e recepção.

Creio que essa imprensa alternativa deve estar preocupada em destacar da situação coti­

diana a margem de manobra e iniciativa que os grupos e indivíduos podem ter, superan­

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do assim a concepção de política em termos estritamente político partidário” (8). Adian­

te: “E quanto ao conteúdo? Trata­se de ampliar a ficção social que conhecemos como

opinião pública, e até mesmo superá­la, estabelecendo outro tipo de confrontação entre

jornalistas e leitores. Nesse caso os termos da relação permutam seus papéis na medida

em que os públicos estão refazendo o trabalho jornalístico com os jornalistas. Nessa

nova confrontação, revela­se a possibilidade de viabilizar a diversidade de circuitos de

produção, distribuição, circulação e consumo de informações a partir da diversidade de

públicos. Os públicos refazendo o jornalismo – esse enunciado por si só já é suficiente

para que se levantem uma série de questões fundamentais, questões do tipo: quem irá

produzir? O que produzir? Como produzir?” (9). Segundo o autor: “A idéia de que re­

ceptores comunicam­se com os emissores e de que os públicos intercomunicam­se re­

mete a uma outra questão. A produção de informações, na perspectiva da forma alterna­

tiva de imprensa, não é o resultado de uma decisão unilateral dos jornalistas. (...) Qual­

quer emissão tem que levar em consideração a especificidade do seu público (...). Esta­

belecido o princípio da diversidade de públicos importa relacioná­lo imediatamente com

a idéia da liberdade de informação. A defesa da pluralidade de fontes de informação –

uma das vias seguras para o estabelecimento de uma sociedade onde dominação e re­

pressão sejam eliminadas, é indissociável do reconhecimento de idiomas menores no

vasto campo do discurso social. (...) As formas alternativas não podem deixar de estar

atentas às formas e linguagens pré­existentes no cotidiano. Descentralizar a produção

nesse sentido, é deixar o terreno do utópico e assumir a possibilidade de que, além de

uma descrição de realidade como uma totalidade de estruturas objetivas e enrijecidas,

exista o domínio do imaginário social...” (10).

A longa citação fora necessária para acompanhar a complexidade do conceito de

imprensa alternativa elaborado por Afonso Júnior, e atendeu a uma exigência elementar

da lógica formal, pois, naturalmente, a maior extensão do termo está em relação inversa

a sua compreensão.

Com base no conceito de imprensa alternativa que estruturou, em primeiro lugar,

Afonso Júnior procurou caracterizar os jornais que denominou de político­culturais,

estabelecendo comparação com a imprensa político­partidária do pré­64, para evidenci­

ar analogias e diferenças. O resultado da comparação levou Afonso Júnior a descartar a

hipótese de que os jornais político­culturais do pós­68 reproduziram os fundamentos do

jornalismo político partidário pré­64. Em segundo lugar, constatou que não existiu um

projeto único de imprensa alternativa entre os jornais estudados, entendendo que as prá­

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ticas de imprensa implementadas podem ser entendidas no âmbito de uma luta mais

ampla contra a ditadura, mas não se estabeleceram de modo coerente e unidirecionado.

Em terceiro lugar, caracterizou a imprensa político­cultural por uma abordagem combi­

nada da vida política e cultural brasileira no período, tendo por seu horizonte a prefigu­

ração do jornalismo político­partidário. E por último, a questão do público da imprensa

político­cultural não fora resolvido, persistindo ambigüidades: imprensa para intelectu­

ais ou uma imprensa comprometida com as classes trabalhadoras.

Delineadas essas evidências, Afonso Júnior concluira que não se configurou um

projeto de imprensa alternativa que possibilitasse uma crítica estrutural da forma jorna­

lística, instaurando novas relações e a prefiguração de uma política de comunicação.

Com o objetivo de esclarecer a situação da chamada imprensa alternativa duran­

te o período do regime militar, Pereira vai polemizar com alguns acadêmicos e jornalis­

tas que trataram do assunto, do ponto de vista da conceituação desse movimento no jor­

nalismo brasileiro (11).

Pereira considerara que as definições, principalmente de Caparelli, só fazem

sentido se tomadas de modo isolado do contexto político concreto do regime militar

mais amplo, pois a imprensa alternativa não se opôs somente a forma de ditadura militar

mas “ao seu conteúdo antinacional e antipopular, opôs­se a monopolização da economi­

a, à sua integração com os grandes trustes financeiros internacionais”. O golpe de 64,

para Pereira, aclarou a fronteira entre uma imprensa democrática, popular e alternativa e

a grande imprensa capitalista. Adiante, Pereira, ao conceituar a imprensa do pré­64 de

oposição ao modelo capitalista de “imprensa popular”, parte do pressuposto de que essa

imprensa recebeu o apelido no pós­68 de alternativa, e que de certo modo houve uma

reação negativa ao rótulo por parte da esquerda tradicional, pois essa imprensa insistiu

na sua característica de ser política (12).

O texto de Pereira do ponto de vista conceitual não é esclarecedor, pois os ter­

mos imprensa popular, democrático­popular e alternativa atravessam o seu discurso sem

que se estabeleçam fronteiras entre um e outro. Em que pese algumas diferenças entre a

imprensa de oposição do pré­64, de 64 a 68, no pós­68 e a imprensa partidária dos anos

pós­abertura, nos pareceu que os componentes de semelhanças para Pereira são prepon­

derantes; levando­nos a concluir que as formas que essa imprensa assumiu no decorrer

desses anos, para ele, têm uma relação de continuidade, determinada pela sua variável

política.

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18

Marcondes Filho parte da análise da experiência do movimento surgido na Eu­

ropa no pós­68, que denominou de imprensa não­alinhada, para extrair dela teses de

como pode ser um outro jornal, ou seja, uma alternativa real de imprensa com relação

aos modelos tradicionalmente vigentes. Sua principal intenção fora contribuir para o

debate, que havia sido desencadeado no seio da intelectualidade brasileira interessada

sobre o assunto, com respeito aos impasses que a imprensa alternativa vivenciava após a

abertura política do regime militar, nos governos Geisel e Figueiredo (13).

Marcondes Filho destacara que a característica principal dessa nova imprensa

fora a proposta de desvinculação das correntes políticas, dando espaço e publicidade aos

grupos postos a margem dos processos políticos, econômicos e sociais, decorrendo daí a

mudança dessa nova imprensa para a condição de jornais­instrumento invés de jornais­

ideologia, assumindo o papel de porta­vozes e não de condutores dos movimentos

sociais.

Do texto de Marcondes Filho podemos inferir que imprensa alternativa não era

um dado acabado, situada nos limites do jornalismo pós­68 de oposição à ditadura mili­

tar, mas deveria se configurar com maior amplitude, a partir da incorporação de novas experiências expostas nas teses e além delas, criando condições para, diante da nova

realidade da “abertura política”, criar condições para a sua sobrevivência e mesmo con­

solidação. Fora expressiva nesse sentido a conclusão de Marcondes Filho: “O Pasquim, como os demais, não entrou em declínio por causa da censura, mas pelo desaparecimen­

to desta. Estruturalmente muito mais decisivo do que as bombas, os cortes de materiais,

o censor na redação foi a incapacidade de se transformar (em termos de linguagem e

política) e continuar a “militar” nos novos tempos de abertura” (14).

Imprensa alternativa, para Marcondes Filho, pareceu­me um conceito ainda a ser

construído, pois os existentes não davam conta do fenômeno em toda a sua complexida­

de e extensão.

No seu trabalho sobre o Pasquim, o jornal de maior circulação entre os chama­ dos alternativos e até de muitos jornais e revistas da grande imprensa, Luís Braga sugere

duas hipóteses para que se possa a partir delas compreender a imprensa alternativa e,

naturalmente, empreender daí a elaboração conceitual que dê conta do fenômeno: “Em

uma primeira perspectiva, ela não é mais que um sobressalto de adaptação, uma espécie

de febre durante a passagem da imprensa­liberal patriarcal do pré­64 a uma imprensa

capitalista moderna de grande empresa (indústria cultural). Nesse sentido, (...) ofereceu

um campo de trabalho para os jornalistas beletristas que demoraram a aceitar as injun­

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ções da produção assalariada capitalista. E também um espaço, controlado, dando a pa­

lavra aos que perderam, sob o regime autoritário, os seus meios de expressão (...). E

adiante: “Em outra perspectiva a imprensa alternativa, mesmo em seus limites, se pro­

põe como uma crítica (por sua prática mais do que por suas análises ) da indústria cultu­

ral. Um desses limites é justamente a solicitação da conjuntura política que a faz con­

centrar esforços de análise sobretudo nas questões de poder político e de repressão”

(15).

Infere­se das hipóteses de Luís Braga, que o conceito de imprensa alternativa no

Brasil pode ser formulado, grosso modo, como meio de produção jornalístico situado à

margem, e como crítica ao processo tardio de industrialização da cultura que o país vi­

venciou durante as décadas de 60 e 70.

O já referido trabalho de Kucinski, logo na abertura de sua apresentação descarta

a denominação do conceito de nanica para o fenômeno do jornalismo de oposição à di­

tadura militar no período de 1964 a 1980, e procura construir o conceito de imprensa

alternativa a partir de quatro significados que considerou essenciais: “... o de algo que

não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção entre duas coisas reciprocamen­

te excludentes; o de única saída para a situação difícil e, finalmente, o do desejo das

gerações dos anos 60 e 70, de protagonizar as transformações sociais que pregavam”

(16).

Definindo o conceito de imprensa alternativa que vai nortear o seu trabalho, Ku­

cinski procurou classificar esse jornalismo de oposição em duas grandes classes:“...

predominantemente políticos tinham raízes nos ideais de valorização do nacional e do

popular dos anos 50 e no marxismo vulgarizado dos meios estudantis dos anos 60. (...)

A outra classe de jornais foi criada por jornalistas que passaram a rejeitar a primazia do

discurso ideológico. Mais voltados à crítica dos costumes e à ruptura cultural, tinham

suas raízes nos movimentos de contra­cultura norte­americanos e, através deles, no ori­

entalismo, no anarquismo e no existencialismo de Jean Paul Sartre” (17).

O trabalho de Kucinski rastreia grande parte da imprensa alternativa, inclusive o

jornal Varadouro, no distante Acre, objeto de nossa pesquisa, e concentra sua atenção em alguns jornais considerados as articulações predominantemente de jornalistas, como

exemplos maiores o Pasquim, Versus, o Coojornal e Repórter. E os mais representati­ vos jornais considerados de articulações predominantemente políticas, tais como Opi­ nião, Movimento e Em Tempo.

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Em outro texto, no qual procurou atualizar algumas questões colocadas no seu

referido livro “Jornalistas e Revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa”, Ku­

cinski explicitou melhor os atores sociais que articulados deram origem à imprensa al­

ternativa no Brasil: as esquerdas, jornalistas e intelectuais, sobretudo universitários;

realçando nesse tripé a figura do jornalista líder, pois segundo Kucinski, sem ela o pro­

jeto alternativo não vingava. Além disso, destacou no projeto alternativo o seu espírito

anticapitalista; as estruturas de poder com propósitos democráticos e participativos que

não raras vezes sucumbiram ao centralismo de cariz leninista; e por último, a imprensa

alternativa como espaço de afetividade (18). E concluíra: “... ao se tornarem aglutinado­

res espirituais e agregadores dos trabalhadores intelectuais, os jornais alternativos cria­

ram um espaço público alternativo, virtual, afetivo e contra­hegemônico” (19).

Regina Festa, em seu ensaio: “Movimentos sociais, comunicação popular e al­

ternativa, procurou diferenciar o que ela denominou de comunicação popular, que loca­

lizara como fenômeno da comunicação situado no nível das bases sociais; da comunica­

ção alternativa, situada no nível médio da sociedade civil. Ao se referir de modo concre­

to ao termo imprensa alternativa, Regina Festa elencou alguns indicadores que histori­

camente a definiram: jornal tablóide ou revista de oposição; datado dos anos 70; venda

em bancas ou de mão em mão; de caráter cultural ou político; expressão dos interesses

da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia; espaços nos quais gru­

pos de oposição ou frentes políticas se opunham ao regime militar. Até ai, a autora com­

siderou esse termo de domínio comum na sociedade, apenas cabendo a ela do mesmo se

apropriar para sua exposição (20).

Adiante, no mesmo texto, Regina Festa acrescentara dois elementos de funda­

mental importância para uma melhor aproximação do fenômeno: a democracia interna e

a formação dos conselhos editoriais com a participação de representantes dos movimen­

tos sociais. Para ela, essa fora a tônica das experiências alternativas, portanto, esses e­

lementos aceitos como diferenciadores do projeto alternativo, ampliaram e tornaram

mais preciso o conceito (21).

Regina Festa, em sua dissertação de mestrado, fizera uma discussão a respeito

dos conceitos de comunicação popular e comunicação alternativa. Para a autora, essa

última apresenta­se ambiguamente formulada, a partir mesmo do próprio significado do

termo alternativo, que literalmente quer dizer “outro”; portanto, estabelecendo uma dife­

rença com relação à outra forma de comunicação, sem que isso naturalmente fique ex­

plicitado (22).

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A busca para amenizar essa ambigüidade, segundo a autora, levando a uma defi­

nição mais precisa, capaz de melhor aproximar­se da essência do fenômeno, passava

pela reconectação das formas comunicativas com a vivência de suas lutas. Para isso, a

autora toma como exemplo a experiência brasileira: “foi a partir da marginalidade –

inclusive comunicacional – aos grandes meios – é que surgiu e se desenvolveu uma

“outra” comunicação, alternativa, no sentido de reorientar as forças sociais”. Adiante, a

autora tipifica essa forma alternativa: “como “outra”, de oposição não à comunicação de

massa, mas a estrutura do sistema político dominante. Não se pautou pela busca de um

novo modo de comunicação, mas por instâncias de alternativa de político­cultural à

classe dominante, de onde gerou significados completamente novos” (23).

As limitações do projeto de comunicação alternativa, pelo menos o que até agora

vivenciamos no país, segundo a autora, está naturalmente relacionado a falta de configu­

ração de um outro modelo de comunicação, em oposição reversiva ao contexto ideoló­

gico das mensagens dos meios de comunicação de massa e suas relações com o capital

multinacional associado. Para ela, o alcance das propostas até agora nessa direção não

passam do terreno da idealização; sendo assim, levou­nos a concluir que, apesar da ri­

quíssima experiência da imprensa alternativa dos anos 70, o projeto alternativo de longe

não fora posto a termo (24).

Soares, em seu artigo A comunicação dos Bispos, abriu pistas para a pesquisa sobre imprensa alternativa que fizemos no Acre, e, incluindo nela o boletim eclesial Nós Irmãos e também de modo ancilar o programa radiofônico Somos Todos Irmãos, ambos

de responsabilidade da Prelazia do Acre e Purus (25). Diz Soares: “...a partir de 1968

que se implementou no seio da Igreja Católica, uma nova forma de comunicação, os

boletins diocesanos, que em muitas dioceses se transformaram em autênticos veículos

alternativos, trabalhando a serviço dos grupos que lutam contra as estruturas injustas das

sociedades brasileiras” (26).

A classificação por amostragem dos boletins diocesanos feita por Soares revela­

ra que os boletins que apresentavam a questão social como conteúdo prioritário e os que

destacavam a questão social como conteúdo relevante, chegando a ocupar de 100% ao

mínimo de 20% do seu conteúdo informativo, constituíram parcela representativa dos

boletins diocesanos, passando segundo o autor: “(...) a marcar um novo estilo de se fa­

zer jornalismo religioso, numa época em que pesa sobre as instituições uma generaliza­

da desconfiança por parte dos setores mais ativos das lideranças populares”. O estudo

desses boletins nesse ensaio de Soares, mesmo não sendo uma reflexão sobre a natureza

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do fenômeno da imprensa alternativa, dera pistas para uma abertura, no sentido mais

amplo, capaz de permitir a inclusão dessa forma de comunicação eclesial, no âmbito dos

veículos conceituados como alternativos.

A bibliografia sobre imprensa alternativa já é bastante extensa, como já assina­

lamos no início dessa revisão bibliográfica; adotamos, todavia, como procedimento me­

todológico para a avaliação desse material, o critério de relevância no que diz respeito

restritamente ao âmbito da discussão teórica que buscou a conceituação do fenômeno,

pois, a partir daí, fora possível eleger referências que orientassem a análise e a interpre­

tação do objeto de estudo.

Procedimentos metodológicos

Os procedimentos metodológicos escolhidos para conduzir a investigação que

ora realizamos, compreendendo a escolha do assunto; a definição e delimitação do obje­

to de estudo; a pesquisa bibliográfica; as técnicas de observação; o tratamento do mate­

rial coletado; a descrição, análise e interpretação dos resultados, têm como referencial

teórico o marxismo e o seu método dialético materialista formulado nas obras de Marx,

Engels, Lenin, Gramsci, Lukács, Baktin e outros autores inseridos na tradição marxista,

cujos textos utilizados se encontram listados na bibliografia.

As categorias e os conceitos considerados fundamentais do materialismo históri­

co, tais como trabalho, processo de produção, valor, forças produtivas, relações sociais

de produção, capital, lutas de classes, classes sociais, dominação, exploração, ideologia,

aparelhos ideológicos, Estado, hegemonia e outros estarão incorporados ao contexto da

exposição.

Cabe realçar todavia que longe estivemos de considerar a teoria marxista e o seu

método dialético materialista impermeáveis e fechados a outras contribuições teóricas e

metodológicas, portanto fizemos uso de muitos conceitos que consideramos consagra­

dos e pertencentes ao mundo da linguagem das ciências sociais, sem que isso venha a

constituir­se em contraditório. Além disso, cabe ainda esclarecer que o termo imprensa

alternativa, largamente usado nesse trabalho, deve ser entendido conforme o conceito

dicionarizado por Rabaça e Barbosa; sem que isso, contudo, viesse a significar o aban­

dono das contribuições dos autores que trataram do assunto, e que estão arrolados na

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literatura revisada, pois, sempre que se fez necessário, essas contribuições foram incor­

poradas ao texto (27).

Em que pese a possível acusação de ecletismo que possa advir da posição meto­

dológica assumida, preferimos aceitar a formulação expressa por Wesley Salmon ao

tomar como exemplo a excepcional habilidade de chegar a conclusões de Sherlock

Holmes, personagem de ficção construída pelo escritor inglês Conan Doyle, afirmara

ele: “(...) As habilidades de Holmes defluem de fatores como a sua aguda curiosidade, a

sua grande inteligência, a sua fértil imaginação, seus poderes de percepção, a grande

massa de informações acumuladas e a sua sagacidade. Nenhum conjunto de regras pode

substituir essas capacidades” (28).

Com esse espírito, assumimos um enfoque metodológico interdisciplinar e aber­

to, comungando com Dênis de Moraes, quando diz que: “na contemporaneidade o cam­

po de comunicação se articula com outras áreas do conhecimento, numa interação de

saberes que, ultrapassando a impotência hermenêutica de antigos modelos, delineia um

rico horizonte de diálogos epistemológicos, de interinfluências e de novas visões analí­

ticas” (29).

Os passos iniciais da pesquisa foram na direção do levantamento do acervo bi­

bliográfico relacionado com o objeto de estudo, com a teoria e a metodologia de pesqui­

sa e sobre o contexto histórico da Amazônia nos anos 70 e 80, e dos dados empíricos

propriamente ditos.

Vários arquivos foram consultados para levantamento de documentos e dos pe­

riódicos necessários à pesquisa, estando, portanto, todos listados no final desse trabalho.

Para coleta de informações dos envolvidos com o objeto de estudo foram utili­

zadas várias técnicas de investigação, tais como: entrevistas gravadas e anotadas, com

roteiro ou sem roteiro prévio, questionários, e até conversas anotadas sem identificação

da sua utilidade. Foram também reutilizadas duas entrevistas gravadas e transcritas que

foram cedidas por terceiros, e também duas entrevistas publicadas em jornais.

No que diz respeito ao material empírico propriamente dito: os periódicos Nós Irmãos e Varadouro; do primeiro, foram levantados todos os números disponíveis no período delimitado para pesquisa: 1971­1981, cerca de 108 edições, com periodicidade,

salvo alguns contratempos, mensal, totalizando um pouco mais de 2000 páginas, forma­

to A4 impressas. Dele foram lidas, destacadas e analisadas as matérias que estavam re­

lacionadas com a questão da terra; a questão indígena; aos sindicatos e os movimentos

populares urbanos; e também aos movimentos nos bairros e dos sem­teto. Quanto ao

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Varadouro, foram levantados todos os números editados: 24 edições. O período delimi­ tado para pesquisa fora de 1977 a 1981, cobrindo todo o tempo de existência do perió­

dico, pois não houve regularidade nas suas edições; cerca de 540 páginas impressas no

formato tablóide. Dele foram lidas, destacadas e analisadas todas as matérias referentes

a luta pela terra, a questão indígena; a defesa do meio ambiente; aos sindicatos e outros

movimentos sociais.

A estrutura interna da tese

O trabalho se encontra assim estruturado: Introdução; cinco capítulos e conclu­

sões.

Na introdução, procurou­se apresentar de modo contextualizado o objeto da in­

vestigação; fez­se também uma leitura da literatura que se considerou mais representati­

va sobre o assunto, e descreveu­se os procedimentos metodológicos adotados.

No primeiro capítulo: “A reconquista da Amazônia Ocidental; procurou­se re­

constituir com base na literatura existente, o processo recente da ocupação das terras do

Acre por capitalistas do centro­sul, e suas conseqüências de ordem social, econômica e

ecológica para a região.

No segundo capítulo: “A Igreja do Acre e Purus elege o povo de Deus”; buscou­

se resgatar o papel desempenhado pela Igreja Católica na defesa dos seringueiros, índios

e posseiros na luta pela terra.

No terceiro capítulo: “A imprensa nacional e os conflitos na fronteira”; procu­

rou­se recuperar o papel de jornais do centro­sul ao noticiar a bovinização das terras do

Acre, e os conflitos pela terra na fronteira envolvendo fazendeiros e seringueiros.

No capítulo quarto: “Nós Irmãos: Tribuna do povo de Deus”; analisamos o ma­ terial veiculado por esse boletim católico, procurando destacar o seu importante papel

como espaço privilegiado, onde os vários movimentos sociais puderam expressar as

suas reivindicações e divulgar para o público as suas lutas.

No capítulo quinto: “Varadouro: um jornal das selvas”; analisamos o contexto do seu surgimento; o projeto do jornal; sua organização interna; o perfil rápido dos seus

fundadores; a recepção do público; a natureza do material veiculado: questão indígena,

luta pela terra, defesa do meio ambiente, movimentos populares e sindicatos, o seu pa­

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pel no apoio aos movimentos sociais e na organização da resistência contra os capitalis­

tas do centro­sul.

Nas conclusões faremos um balanço resumido das questões essenciais que foram

tratadas, procurando realçar o papel que esses meios alternativos de comunicação tive­

ram com relação aos movimentos sociais no Acre.

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Capitulo 1

A Reconquista da Amazônia Ocidental

Bandeira preta e vermelha Bandeira das treze listas São treze lanças de guerra Que cercam o chão dos paulistas.

Guilherme de Almeida (Bandeira Paulista)

De circunlóquio nada sei. O caso conto como o caso foi, na minha frase de constante lei patife é patife, boi é boi.

Cônego Batista Campos (líder da Rebelião Cabana).

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1.1 Amazônia: trajetória de uma economia em crise

O estado de colapso da economia extrativista da borracha silvestre da Amazônia

passa a ter seus sintomas melhor postos em evidência com a entrada, com peso signifi­

cativo no mercado mundial de elastômeros, da goma elástica produzida nos seringais de

cultivo do continente asiático, principalmente nas colônias inglesas. A Ásia, que produ­

zira no ano de 1900 apenas 3 toneladas de borracha, ampliou sua produção para um

pouco mais de 47 mil toneladas no ano de 1913; naquele ano, já ultrapassara a produção

brasileira de 1912: 43 mil toneladas; ano em que se registrara a maior safra gumífera no

Brasil (1).

Daí por diante o produto asiático cresceu de modo vertiginoso chegando em

1920 a mais de 300 mil toneladas. Nesse contexto, a produção brasileira foi se tornando

marginal, e consequentemente a sobrevida da empresa extrativista amazônica só foi

possível na condição de atividade produtiva complementar às necessidades do mercado

mundial, com preços que apenas asseguravam um pequeno diferencial com relação aos

custos de produção.

A grande ruína causada pela concorrência da borracha asiática tornara o empre­

endimento gumífero na Amazônia pouco lucrativo, levando a que grande parte dos se­

ringais da região fossem desativados ou abandonados pelos seus donos. Apesar do co­

lapso permaneceu ainda no interior da floresta alguns arrendatários e muitos seringuei­

ros; essa população remanescente por não dispor de outra saída buscou formas alternati­

vas que assegurassem sua subsistência, tais como: cultivo da terra, caça, coleta da casta­

nha, comércio de peles e madeira; sem que no entanto a extração do látex fosse abando­

nada, como bem demonstraram as estatísticas nacionais de produção e exportação da

borracha silvestre. Além disso, a falência da empresa seringalista também acarretou

uma substancial perda de população no Acre, no período 1920­1940. No ano de 1920, o

território tinha uma população da ordem de 92.379 habitantes; no ano de 1940 o conti­

gente populacional era da ordem 79.768 pessoas, significando, portanto, que sua popu­

lação fora reduzida em aproximadamente 13 mil pessoas. O despovoamento dos seus

seringais por conseqüência direta da perda de população afetara naturalmente a produ­

ção da borracha silvestre, diminuindo ainda mais a participação acreana na economia

nacional (2).

A eclosão da segunda grande guerra e a conseqüente ocupação pelos japoneses

das áreas produtoras de borracha natural localizadas na Ásia levou os EUA a adotar

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medidas e providências drásticas, pois a falta de abastecimento dessa matéria­prima

com certeza iria acarretar sérios problemas a qualquer esforço de guerra. Diante da gra­

vidade da situação tornou­se urgente a busca de fontes alternativas para o fornecimento

de borracha.

A Amazônia por ser o maior depósito de borracha silvestre disponível foi incor­

porada ao esforço de guerra, daí decorrendo os acordos de Washington, assinados pelos

governos brasileiro e americano em 1942, que paralisou, temporariamente, o lento ritual

de agonia e morte do seringal nativo, assegurando a economia extrativista da borracha

mais alguns anos de sobrevida.

Durante a vigência dos acordos com os EUA e como parte deles fora instaurado,

por decreto, o monopólio estatal das operações finais de compra e venda da borracha

amazônica. Ao terminar a guerra, o complexo industrial já existente no país criara con­

dições para que a borracha silvestre fosse internamente beneficiada e transformada. A

indústria nacional de derivados da borracha por sua vez passou a consumir grande parte

da produção gumífera, ensejando ao governo, em coerência com a sua política de substi­

tuição de importados, alongar a validade da referida legislação protecionissta para a

borracha. Para os excedentes produzidos, ainda sem consumo pela indústria nacional,

mecanismos de financiamento foram criados para assegurar a regularidade dos volumes

de produção anuais já alcançados, com preços compensadores e reserva de mercado

para os empresários dos seringais.

No ano de 1950, o Banco de Crédito da Borracha S.A. foi transformado no Ban­

co de Crédito da Amazônia S.A. (BCA), e a essa instituição de crédito oficial delegou­

se poder para administrar o monopólio estatal da produção gumífera, abrangendo a ex­

clusividade das operações finais da compra e venda da borracha silvestre brasileira, e do

produto importado de outras fontes externas de abastecimento. Já a partir desse ano de

1950, a borracha natural produzida internamente não atendia as necessidades de consu­

mo da indústria nacional de elastômeros.

A manutenção da política protecionista, com certeza, decorrera das pressões dos

grupos da Amazônia ligados aos interesses do extrativismo gumífero. Segundo Alves

Pinto: “os argumentos centrais desse clamor apelavam para o sentido “social” de tal

medida (manutenção do emprego) além da economia de divisas que a produção de bor­

racha nacional significava. E, a despeito da ampla evidência contrária ao extrativismo

amazônico – tanto social quanto econômico – prevaleceram, mais uma vez (3).

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O absurdo da política de reserva de mercado era de fácil constatação, pois o pre­

ço pago ao produtor da borracha amazônica era da ordem de 18 cruzeiros por quilogra­

ma; enquanto isso, a média vigente no mercado internacional, durante os últimos seis

meses de 1948, não passara de 7 cruzeiros o quilograma.

À medida que a indústria de artefatos de borracha voltada para o mercado inter­

no consolidava­se economicamente, passara a exercer pressões políticas para romper a

reserva de mercado. Durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, através do

decreto 44.728 de outubro de 1958, fora revogado o monopólio da comercialização da

borracha importada administrado pelo Banco de Crédito da Amazônia S. A. Com essa

medida, facultou­se aos fabricantes de derivados da borracha a importação do volume

complementar às suas necessidades do produto, desde que respeitada a proporcionalida­

de de consumo da borracha vegetal produzida internamente (4).

A supressão do monopólio das importações da borracha vegetal não só acarretou

sérios golpes no extrativismo da goma elástica mas em outras atividades agrícolas extra­

tivistas e de cultivo na Amazônia, pois as mudanças realizadas afetaram os recursos do

BCA destinados ao financiamento das atividades empresariais na região.

As perdas na renda anual do BCA foram estimadas entre 400 a 600 milhões de

cruzeiros. Esses recursos que asseguravam operações de créditos subsidiados para ex­

tração, comércio e transporte da borracha vegetal, também se destinavam a financiar

com juros abaixo do mercado, a produção e comércio da juta, castanha, malva, pimenta,

dendê, babaçu, arroz, madeira etc. O corte abrupto no volume dos recursos suscitara o

clamor público dos amazonenses, pois a quebra do monopólio na importação da borra­

cha vegetal, além das citadas tivera outras conseqüências daninhas. Segundo Meira: “a

indústria de artefatos de borracha, freqüentemente, importava quantidade muito acima

de suas necessidades passando a manter estoques. Com essa prática, forçava o Banco de

Crédito da Amazônia a dispender vultosas quantias com a compra da borracha silvestre,

acarretando, ainda, despesas de armazenagem na praça de São Paulo. Só adquiriam bor­

racha nacional quando lhes faltava o produto similar. (...) como conseqüência disto, as

vendas da borracha nacional à indústria leve e pesada, apesar do notório aumento do

consumo interno do produto, caíram de 23.011 toneladas, em 1958, para 18.557 tonela­

das em 1959, donde uma desvantajosa variação de 4.454 toneladas, correspondente a

19%” (5). Com mais um agravante, a produção de borracha vegetal no Brasil em 1958

totalizou 21.135 toneladas; enquanto isso, o seu consumo pela indústria nacional de

elastômeros aproximava­se das 43 mil toneladas.

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O clamor dos setores vinculados ao extrativismo sensibilizou o governo Jânio

Quadros, que não só reformulou o decreto anterior mantendo o monopólio das opera­

ções de compra e venda da borracha nativa, indo além: aumentou o controle nas opera­

ções de importação, passando ainda a cobrar uma taxa de 10%; os recursos daí proveni­

entes foram destinados ao estímulo das atividades do extrativismo gumífero e da hevei­

cultura.

Sustentada por uma política protecionista, cujos alicerces vinham paulatinamen­

te sendo minados, a economia extrativista da borracha silvestre continuava sobreviven­

do sem alterar as suas relações de produção anacrônicas, no interior dos seringais, com

base no velho e caduco sistema de aviamento. Se o presente ainda se apresentava, em

termos, favorável, o futuro todavia não era nada promissor para o extrativismo e seus

beneficiados.

Com a instalação da indústria de borracha sintética no país, através da FABOR

(PETROBRÁS) e da COPERBO (companhia estatal do estado de Pernambuco), para

essas empresas fora dada a autonomia para comercializar de modo direto os seus produ­

tos, eximindo­as portanto do controle e tutela da agência executora do monopólio esta­

tal; a partir daí se passara a estimular o consumo da borracha sintética como substituto

da borracha natural.

O golpe total na política protecionista, até então vigente, se fizera antever no

relatório elaborado pelo grupo de trabalho encarregado de examinar e avaliar a política

nacional para a borracha. No relatório o extrativismo foi considerado impotente para se

ajustar ao mercado com preços competitivos; o anacronismo de suas estruturas foi posto

a nú, e sua invibilidade enquanto atividade econômica fora enfatizada.

As conclusões do grupo de trabalho foram incorporadas pela lei 5.227 de janeiro

de 1967; que veio a ser alterada pelo decreto­lei 164 de 13 de fevereiro de 1967, cujo

principal dispositivo extinguia o monopólio estatal das operações finais de compra e

venda da borracha, instituindo, todavia, um preço de garantia ao produtor que viesse a

entregar sua produção de borracha vegetal ao novo órgão responsável pela política para

o setor, a SUDHEVEA ou seus representantes. A execução rigorosa da referida lei teria

como conseqüência inevitável o aniquilamento do extrativismo gumífero e da produção

nacional de borracha vegetal (6).

O trágico cenário no entanto fora de certo modo aliviado pela lei 5.459, de 21 de

julho de 1968; essa lei estabeleceu a equiparação de preços da borracha vegetal impor­

tada aos preços pagos a matéria­prima nacional. O diferencial entre os preços foi trans­

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ferido para SUDHEVEA, cujos recursos destinavam­se a viabilizar a política do país

para borracha natural.

Apesar da manutenção de dispositivos na lei vigente que garantiam uma certa

proteção ao extrativismo, a sobrevida do sistema estava se exaurindo. Os proprietários

de seringais estavam fortemente individados com o BCA, e agora com o seu sucessor o

Banco da Amazônia S.A. (BASA), por isso freqüentemente sofriam eles pressões contra

suas atividades, pois consideradas parasitárias; ainda restrições ao crédito, custo elevado

do dinheiro e insegurança nos preços do seu produto. Desse modo, foram os seringalis­

tas compelidos a dispor seus latifúndios à venda para potenciais compradores do centro­

sul do país que, movidos por incentivos fiscais e créditos com juros subsidiados, esti­

vessem dispostos a investir na região ou especular com terras.

1.2 A geopolítica da ocupação

As novas estratégias para ocupação dos vazios territórios e demográficos da

Amazônia e sua efetiva integração ao conjunto da economia brasileira passaram a ser

delineadas logo após o golpe militar de abril de 64. Coube ao primeiro governo militar,

o marechal Castelo Branco, elaborar as diretrizes e dotar a região de organismos macro­

regionais capazes de implementar as políticas de desenvolvimento que viessem a ser

propostas.

Os órgãos gestores para o novo projeto de reocupação econômica da região a­

mazônica foram criados pelo marechal Castelo Branco nos últimos seis meses do seu

governo: o Banco da Amazônia S/A (BASA), em substituição ao Banco de Crédito da

Amazônia (BCA) através da lei 5.122 de 28/09/66; Superintendência do Desenvolvi­

mento da Amazônia (SUDAM) através da lei 5.173 de 27/10/66 que também extinguira

a velha SPVEA; e, por fim, a Zona Franca de Manaus, através do decreto­lei de

28/02/67, com sua respectiva superintendência: a SUFRAMA. Além desses órgãos,

através da lei 5.174 de 27/10/66, foram consolidados e criados novos incentivos, isen­

ções e deduções tributárias para investimentos na região.

As estratégias que deram origem ao conjunto das novas políticas para o desen­

volvimento da Amazônia e a conseqüente criação dos seus organismos gestores tiveram,

com certeza, um forte componente geopolítico. No que diz respeito a Zona Franca de

Manaus observou Benchimol: “o grande argumento para sua institucionalização foi de

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caráter geopolítico, dentro de uma estratégia de segurança e desenvolvimento: criar no

centro da Amazônia um polo dinâmico comercial, industrial, agrícola e de serviços para

servir de apoio logístico à ocupação do mediterrâneo e do grande arco da fronteira ci­

sandina e subguina, em equivalência à ação observada nas outras amazônias não brasi­

leiras (...) Essa estratégia geopolítica que motivou a criação da Zona Franca de Manaus

esta bem evidenciada na exposição de motivos enviada ao presidente Castelo Branco,

datada de 27/02/67, e assinada pelos ministros...” (7).

Com relação a SUDAM, na justificativa ao anteprojeto de lei que a criou, as

indicações de cunho geopolítico são transparentes ao se fazer referência a região como:

“... um imenso vazio demográfico que se oferece à atenção mundial como possível área

de reserva”; e ainda: “... uma extensa área de fronteira, virtualmente desabitada, confi­

nando com cinco países estrangeiros e dois territórios coloniais”. Nos objetivos ao ante­

projeto, alguns aspectos de cunho geopolítico são reenfatizados, principalmente ao dis­

correr e orientar as formas de ocupação dos vazios demográficos: “e) adoção de política

imigratória para a região, com aproveitamento de excedentes populacionais internos e

contingentes selecionados externos; f) fixação de populações regionais, especialmente

no que concerne as áreas de fronteira” (8).

A economia extrativista, por sua vez, também fora contemplada no texto da lei,

mas de modo secundário, condicionada a necessidade de elevação de sua produtividade

sempre que não possa ser substituída por atividade mais rentável.

As fontes e recursos para viabilizar o desenvolvimento preconizado seriam atra­

ídas pela adoção de políticas de estímulos fiscais, creditícios e outros. Os capitalistas

nacionais e estrangeiros foram convocados para participar do grande empreendimento e

esforço nacional.

Com as estratégias e os seus instrumentos de política bem delineados, o governo

militar convocou ministros, governadores de estados e territórios federais da Amazônia

Legal, dirigentes dos órgãos de desenvolvimento e financiamento da região, grande nú­

mero de empresários, dirigentes de associações empresariais e investidores para partici­

parem da I Reunião de Incentivos ao Desenvolvimento da Amazônia.

A reunião realizou­se a bordo do navio Rosa da Fonseca, durante nove dias, no­

vembro/dezembro de 1966, no trajeto Manaus/Belém pelo rio Amazonas. Os resultados

da reunião e suas recomendações deram origem ao documento intitulado “Declaração

da Amazônia”, datado de 11 de dezembro de 1966 (9).

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Fora desfechada a notória e famigerada “Operação Amazônia”, de forte conteú­

do geopolítico, cujos fins e meios se justificavam no documento lançador: “3. sua con­

vicção de que a “Operação Amazônia ora iniciada prosseguirá no tempo e com meios

necessários até atingir a completa consecução dos objetivos que a inspiram”; e adiante:

“4. seu compromisso de mobilizar todas as forças vivas da Nação visando a atrair para a

Amazônia empreendimentos de qualquer natureza indispensáveis ao seu desenvolvi­

mento”. A partir daí, a ferro e fogo, a Amazônia foi sendo penetrada e devastada com

requintes de crueldade. Segundo Oliveira: “... nessa estratégia geopolítica, o Estado au­

toritário fazia duas soldagens sociais fundamentais para compreensão da Amazônia e do

próprio Brasil pós­64: ­ a primeira soldava a nível interno os “aparentes” interesses con­

traditórios entre a burguesia nacional nascente e o capital estrangeiro; aliás, esta contra­

dição era o móvel dos movimentos nacionalistas na América Latina; ­ a segunda solda­

va a nível nacional os “aparentes” interesses contraditórios entre a burguesia industrial e

a burguesia agrária, tornando latifundiários os “jovens empresários industriais” e o em­

presariado estrangeiro. (...) Entretanto, o móvel ideológico do governo militar seria as­

sentado sobre o falso nacionalismo da ocupação da Amazônia; na realidade estavam

assentando­se as bases das alianças que marcaram esta etapa recente do desenvolvimen­

to capitalista no Brasil (10).

1.1 Acre: a nova Canaã dos “paulistas”

No Acre, a corrida pela incorporação de suas áreas de floresta, e portanto, a reo­

cupação de suas terras pela nova frente agropastoril, com o conseqüente deslocamento e

substituição da anacrônica economia extrativa viera a ocorrer no início dos anos 70. O

movimento de transferência de seringais para novos donos com certeza já vinha aconte­

cendo em anos anteriores, mas a fase aguda do processo de alienação desses latifúndios

verificou­se em 1971, quando o BASA suspendeu todas as linhas de crédito e financia­

mento aos seringalistas endividados, pois foram considerados incapazes de saldar seus

compromissos junto ao banco oficial.

Os fatos acima referidos demonstraram o interesse de certo modo tardio dos in­

vestidores forâneos pelo Acre. Isto era inteiramente plausível, pois a região não dispu­

nha de infra­estrutura adequada para o escoamento das atividades produtivas que vies­

sem nela se instalarem. O grosso de suas estradas não permitia o tráfego de cargas pesa­

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das durante a maior parte do ano; a BR­364, rodovia de ligação com o centro­sul era

precária na estação seca e no inverno intransitável; o sistema de transportes fluviais su­

cateado desde a grande crise do extrativismo da borracha silvestre; seus rios de pouca

profundidade e sinuosos, só navegáveis no inverno, com o agravante do Acre não dispor

de portos para embarque e desembarque de mercadorias. Esses, além de outros fatores

funcionaram como inibidores para expansão, de imediato, dos capitais na direção das

terras acreanas, em que pese o tratamento especial dado pela lei n.º 291/67, que instituiu

e delimitou a área da Amazônia Ocidental e estabeleceu outros incentivos para as faixas

de fronteiras.

No restante da Amazônia, o movimento de compra de terras que já vinha ocor­

rendo logo após o golpe­64 acelerou­se com as novas políticas adotadas para a área,

sendo inclusive motivo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, instituída pelo

Congresso Nacional, para apurar denúncias veiculadas pela imprensa sobre o escândalo

das transações fraudulentas de terras no país. As conclusões preliminares dessa CPI

ficaram conhecidas no relatório Veloso. O deputado Haroldo Veloso era da Arena e

brigadeiro aposentado da Força Aérea Brasileira. Segundo informação de Oliveira:

“conforme pode­se observar pelo que foi possível apurar pela CPI, cerca de 200.000

km² de terras brasileiras, a maioria na Amazônia (mais de 150.000 km²), foram negoci­

adas e transferidas para grupos estrangeiros”(11). Desse modo um Acre (152 mil km²)

inteirinho já havia sido abocanhado por estrangeiros, grileiros ou especuladores na regi­

ão, antes que a nova horda civilizatória viesse na direção da para Amazônia Ocidental.

Para governar o Acre, no período de março de 1971 a março de 1975, fora indi­

cado Wanderley Dantas, político afinado com as diretrizes de modernização autoritária

do Governo Federal, e adepto inconteste da política do “Brasil grande potência”. Viera

para o Acre com um projeto de transformação da economia que não incorporava o ex­

trativismo. Esse projeto, todavia, só se tornava viável com os investimentos maciços de

recursos públicos oriundos dos cofres federais. E por meio de mecanismos adicionais

que tornassem o Acre atrativo para investidores do centro­sul que, alforjados pelos in­

centivos fiscais e créditos subsidiados, estivessem dispostos a implantar projetos agro­

pecuários, cujo destino final do produto era a exportação pelo oceano Pacífico.

Por iniciativa do Governador Dantas, desfechou­se uma ampla campanha publi­

citária no Sul do País, com vistas a divulgar para os empresários as vantagens em inves­

tir seus capitais no Acre. O slogan da campanha era bem sugestivo: “Acre a nova Cana­

ã./ Um Nordeste sem seca./Um Sul sem geadas./ Invista no Acre e exporte pelo Pacífi­

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co” (12). O clima e a fertilidade do solo foram decantados em prosa e verso. Outras van­

tagens foram arroladas, tais como: os incentivos fiscais e créditos oferecidos pelos go­

vernos federal e estadual; as facilidades de acesso a terra pelo baixo preço de aquisição,

com um diferencial de valor entre o Sul e mesmo internamente na região bastante con­

siderável, e ainda: os estoques disponíveis de terras livres e supostamente regularizadas.

Eram bastante conhecidas as limitações dos governos estaduais no que concerne

a oferta de vantagens diferenciais aos investidores, mas, especialmente, em se tratando

de um estado pobre como o Acre, cuja dependência de recursos federais transferidos

beiravam os 80% da composição do seu orçamento anual, a coisa se tornava ainda mais

difícil. No entanto, segundo Santana: “A ascensão de Dantas significa um reforço adi­

cional aos muitos atrativos aos empresários. Entre as facilidades anunciadas pelo gover­

nador em sua cruzada mercadológica, constaria (...) a garantia de maior flexibilidade no

trato de problemas fundiários, resistindo o governador à instalação da superintendência

do INCRA no Acre. Empresários estabelecidos em Rondônia, em conflito com o IN­

CRA, teriam preferido dirigir­se ao Acre, onde uma política mais complacente não lhes

tolhia as iniciativas”(13).

Essa forma de apoio do governador Dantas aos empresários se punha a desco­

berto quando se constatava de público a sua oposição para que o INCRA viesse real­

mente a se instalar no Acre. O órgão federal responsável pela política de terras apesar de

estar no Acre desde 1972, não passava todavia de uma simples representação, totalmen­

te desaparelhada para cumprir suas atribuições. Até 1974 essa situação perdurara, pois

alegava Dantas, fazendo coro com os empresários rurais, que a efetiva instalação do

INCRA criava dificuldades e consequentemente prejudicava o desenvolvimento da re­

gião.

O movimento migratório em direção ao Acre mobilizou grandes, médios e até

pequenos proprietários do centro­sul. Os pequenos e médios proprietários foram atraí­

dos pela possibilidade de se tornarem fazendeiros prósperos e bem sucedidos no novo

eldorado, pois a venda de suas propriedades de dimensões menores no lugar de origem

permitira a aquisição de glebas de terras que variavam de 100, 500 até 1.000 hectares.

Os grandes empresários, por sua vez, não vieram tão­somente interessados na implanta­

ção de grandes projetos para explorar a pecuária extensiva de corte, motivados pelos

incentivos fiscais e crédito barato e fácil, mas para utilizar a terra também como “reser­

va de valor”, com fins meramente especulativos. Dessa maneira entraram em cena e

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integraram­se a verde paisagem acreana novos personagens, que passaram a ser identifi­

cados pela população local de um modo genérico com o nome de “paulistas”.

Ao fazer alusão aos forâneos nomeando­os de “paulistas”, sem considerar o es­

tado de origem dos indivíduos, os acreanos que sofreram a violência da ocupação da

terra se serviram dessa expressão para identificar seus algozes, diferenciando o “nós”

(acreanos) e o “Êles” (os de fora) (14). O Acre estava de rápido se transformando no

“novo chão dos paulistas”, pois segundo Santana: “Ao homogeneizar os ádvenas bem­

sucedidos (porque despossuídos também os há aos milhares) em negócio ligados à terra

com o epíteto de “paulistas”, a sabedoria popular intui desde cedo quem seriam os no­

vos senhores do Acre e os beneficiários do desenvolvimento local. De fato, a investida

dos “paulistas” não apenas realiza a latifundiarização capitalista do estado, como tam­

bém marca as iniciativas empresariais que se desenvolvem na agropecuária, exploração

madeireira e atividades correlatas”(15).

Para melhor comprovar o bom senso da percepção do acreano mais simples com

relação aos novos senhores de botas de cano alto, baraço e cutelo, basta verificar os da­

dos levantados pelo próprio Santana. Nas empresas agropecuárias S/As instaladas no

Acre, 45,4% dos seus acionistas eram naturais de São Paulo; no que diz respeito a ad­

ministração dessas empresas, 47,5% de paulistas participavam de alguma forma dela.

Nas empresas por quotas limitadas os paulistas detinham 22,4% do seu universo. Suas

atividades não se restringiam a agricultura e a pecuária, constituíram­se também nos

maiores grupos madeireiros (14,9%), superando em percentual até mesmo aos acreanos,

que tradicionalmente dominavam essa atividade predatória (16).

Em que pese a devassa que o INCRA realizara no escandaloso negócio com ter­

ras no Acre a partir de 1974, declarando nulos de direito numerosos títulos de proprie­

dade por sua origem delituosa; em 1978, as estatísticas do órgão federal demostravam

que proprietários residentes em São Paulo ainda tinham, legalmente cadastrados, 212

imóveis com cerca de 2,239 milhões de hectares; essas propriedades correspondiam a

18% de toda área de terras cadastradas no estado do Acre. Os dados revelados foram,

com certeza, testemunhos incontestáveis dessa ostensiva presença dos “paulistas” na

região.

A alienação de grandes áreas de terra, que vinham ocorrendo com a venda dos

seringais nos últimos anos da década de 1960 e começo dos anos 70 foi fortemente ace­

lerada a partir de 1972, evoluindo sem maiores obstáculos até o ano de 1976. Nesse

contexto, o tradicional extrativismo da borracha e secundariamente também o extrati­

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vismo da castanha estavam em avançado processo de desarticulação, portanto fadados a

desaparecer de modo rápido e definitivamente pela ação das motosserras e das grandes

queimadas. No lugar de uma floresta exuberante, o destino reservava uma paisagem de

extensos campos com pastagens artificiais, cuja monotonia só seria quebrada pelas patas

do boi.

A marcha para o oeste parecia irreversível. O processo civilizatório desencadea­

do na fronteira tinha como demiurgos ilustres empresários do centro­sul, que na cobiça

pela terra se confundiam com grileiros, especuladores, carrascos, fraudadores, chefes de

jagunços e pistoleiros. Em exposição feita no dia 6/10/77 à Comissão de Agricultura e

Política Rural da Câmara dos Deputados, o governador do Acre, professor Geraldo

Mesquita assim se expressou: “Dos levantamentos realizados pelo INCRA, pelo IBDF e

outros órgãos do Estado de atuação na área verificou­se que, entre 1970 e 1974, tinham

sido vendidos seringais que somavam 4.280.930 hectares a 284 proprietários, todos re­

sidentes fora do Estado. Como a média das propriedades alienadas, segundo tais levan­

tamentos, é de 15.073 hectares, poderia parecer que tais alienações estariam contribuin­

do para diminuir o grau de concentração das propriedades no Estado. No entanto, 32%

dessa área, ou seja, o total de 1.438.450 hectares pertencem a apenas 4 proprietários. A

área comercializada, de escrituras levantadas pelo INCRA, para proprietários residentes

fora do Estado, representa quase 30% da área total do Estado” (17).

A natureza especulativa e fraudulenta dessas transações com a terra também fora

denunciada na exposição do governador à Comissão da Agricultura e Política Rural da

Câmara dos Deputados, declarando que: “Dados de algumas dessas escrituras evidenci­

am o caráter especulativo das transações. Os instrumentos constantes das fls. 143 a 265

do livro 981 do 15º cartório de notas da capital de São Paulo revelam por exemplo, que

alienações feitas por compromisso particular em outubro de 1972 atingiram o preço de

Cr$ 12,00 (doze cruzeiros) por hectare. No instrumento público que oficializou essas

vendas, parte das terras alienadas já aparecem transferidas a outros compradores que

não os originais, por Cr$ 20,00 (vinte cruzeiros) o hectare, proporcionando ao interme­

diário o lucro de Cr$ 8,00 (oito cruzeiros) por hectare. Ou seja, o intermediário ganhou

numa transação feita poucos dias após a venda original 75% do valor da alienação pri­

mitiva” (18).

Na região do Vale do rio Juruá, no município de Feijó, com uma área aproxima­

da de 1 milhão e 900 mil hectares, dois grandes grupos se diziam possuidores de 1 mi­

lhão e 100 mil hectares. Em outro município, Tarauacá, com uma área aproximada de 2

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milhões e 400 mil hectares, um grande proprietário jactava­se de ter só ele vendido 2

milhões e 200 mil hectares(19).

Na região dos vales dos rios Purus e Acre a compra de terras fora ainda mais

intensa. No município de Sena Madureira, só o grupo COLOAMA apoderou­se de 1

milhão e 400 mil hectares. No município de Rio Branco foram vendidos 85 seringais

com áreas indefinidas; nos municípios de Xapuri e Brasiléia, principalmente as áreas

que margeavam a BR 317 foram alienadas e ocupadas por diversos grupos de fora do

estado. De 1971 a 1975 só em Xapuri foram vendidos mais de 50 seringais para com­

pradores de fora do estado, na sua maioria de residentes em São Paulo (20).

A prática da grilagem de terras deixou de ser ato marginal e passou a ser pratica­

da por austeros e respeitosos homens de negócios do centro­sul, muitos deles habituais

freqüentadores das colunas sociais e de listas de filantropos nos seus locais de origem.

Indagado pelo deputado Jorge Arbage, durante a sessão da CPI da terra, sobre

como os grileiros procediam para esticar as terras adquiridas, o jornalista Elson Martins

da Silveira assim respondeu: “O que me consta é que ocorreu exatamente esse estica­

mento. Alguns grupos, inclusive, como se diz de boa fé, adquiriram terras. Geralmente

há uma dificuldade de se encontrar títulos definitivos no Acre; quando existem é de uma

pequena área, mas o seringalista utiliza uma área bem maior ao longo desses anos 40,

20 anos. Se ele tinha o título (...) era de 20, 10 mil hectares. Mas realmente ocupava

uma área bem maior com o seringal e não havia (...) a medida em hectares, existia a

medida em estradas de seringa e os limites naturais. O seringal tal limita com o seringal

tal pelo igarapé tal, rio tal. E quando o comprador adquiria esse contrato, essa preocupa­

ção para formalizar a compra do seringal ele ia medir. Armava uma estrutura de medi­

ção do seringal, levava o topógrafo, e como Pedro Aparecido Dolto me explicou (...)

eles partiam do rio, da margem do seringal (...) e diziam: “Bom, vamos caminhando

aonde a gente puder ir, até encontrar alguém que diga: aqui é nosso. A gente para e to­

ma outro rumo”. E assim iam formando os latifúndios. Depois que faziam o mapeamen­

to, levavam ao cartório e registravam a área segundo essa medida. Adiante acrescentou

o depoente: “Eu gostaria de citar um fato que existe em Boca do Acre: no livro de imó­

veis em Boca do Acre do começo do século consta registro de terras feito a caneta esfe­

rográfica em 1905” (21).

A prática da fraude generalizou­se: os grileiros esticavam as áreas e ainda tenta­

vam passar o mico nos órgãos oficiais. Ao apreciar um processo de uma colonizadora, o

então advogado do INCRA, depois relator da CPI que levou a cassação do presidente

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Fernando Collor e hoje senador por Rondônia, Francisco Amir Lando assim se manifes­

tou: “Chega­nos para apreciação uma transcrição consumada a 18/01/74, que se propõe

a toda cadeia anterior do seringal Vale do Chandless, num grotesco desrespeito ao sis­

tema de Registro Imobiliário que prospera, somente, graças ao comportamento irres­

ponsável de um senhor que lhe atribui poderes para exercer um papel de controle de

transcrições de propriedade imóvel mas que age de forma a penetrar os umbrais do cri­

me clamando cominações, (...) é evidente, cristalino e óbvio que transcrição assim pro­

cedida, bem como as anteriores, estão contaminadas de vício insanável”(22). Inclusive,

casos havia de pessoas já falecidas, um ano atrás, assinando escrituras de compra e ven­

da diante do escrivão.

A marcha para o oeste tivera como presa fácil as terras habitadas pelos índios,

pois esses até 1975, oficialmente pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), não ti­

nham ainda sua existência reconhecida no Acre.

No alto rio Iaco empresários instalaram fazendas em áreas habitadas secular­

mente pelos índios Kulinas e Machineris. O órgão nacional de proteção aos índios certa

vez fora pego em flagrante delito, pois o General Bandeira de Melo, ex­presidente da

FUNAI, havia conseguido do órgão uma certidão negativa dando conta da não existên­

cia de índios em áreas ocupadas pelo projeto Novo­Oeste, na região do rio Juruá. O em­

preendimento agropecuário pertencia ao grupo BRADESCO – Atlântica Boa Vista de

Seguros. No alto Envira, onde se localizara a fazenda, a população era quase toda indí­

gena. No alto Purus, os Kulinas, Jaminauás, e Kaxinauás também não escaparam da

sanha expansionista de outra empresa a: COLOAMA.

Após legalizar a ocupação da terra pela compra, esticamento da propriedade e o

registro fraudulento dos títulos em cartório, a preocupação da horda civilizatória se vol­

tou para expulsão dos que se encontravam no seu interior. A operação de limpeza e cla­

reamento das terras contra índios, posseiros e seringueiros passou a ordem do dia. Para

que essa ação prosperasse foram mobilizados advogados, oficiais de justiça, promoto­

res, juizes, policiais, jagunços e pistoleiros.

Os métodos de expulsão em uso foram os mais diversos. Iam desde a compra da

posse e benfeitorias por preços irrisórios ou troca por lotes de área inferior ao módulo

oficial à destruição das plantações; invasão de posses; proibição de desmates para o

plantio do roçado; obstrução de caminhos e varadouros, inclusive de rios e igarapés.

Além disso outras formas de violência foram empregadas: espancamentos, prisões e

assassinatos.

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Como agravante de que o emprego da violência não se constituira em fato isola­

do, pois a truculência dos fazendeiros contra posseiros e seringueiros se tornara genera­

lizada, sendo contumazes usuários dela os Barbieri, Carvalho, Meneses, Bonalume,

Lemos, Luchesi, Tavares, Vilela, Junqueira, Atalla, Bordon, Arantes, Link, Valle, Dotto

etc., que trouxeram consigo a “lei” que a selva até então desconhecera.

Desses personagens ilustres se podia colher facilmente depoimentos de profundo

respeito aos direitos humanos, dignos dos carrascos nazistas. O jornalista Elson Martins

da Silveira documenta um deles: “... parece curioso e ilustrativo o depoimento de um

outro industrial paulista, Arquimedes Barbieri, (...) dono de uma gleba no seringal Nova

Empresa. Numa entrevista que fiz com o mesmo e que tenho gravada em fita, podendo

mostrá­la aos senhores deputados, Barbieri, depois de apresentar­se como um espiritua­

lista, declarou­se contra a generalização dos direitos humanos e sugeriu o que fazer com

ladrão, vagabundo, malandro, cafajeste ou “sujeito que não trabalha”: temos que elimi­

ná­los como eliminamos as pragas da agricultura. Não mataríamos, mas os combatería­

mos biologicamente” (22).

O bispo D. Moacyr Grechi ao depor na CPI da terra descreveu de modo contun­

dente os métodos de expulsão postos em prática pelos “paulistas”: “(...) a terra geral­

mente é ocupada por famílias de seringueiros e agricultores, um dos primeiros objetivos

dos fazendeiros é o de “limpar a área”, isto é, tirar das terras os moradores que nela tra­

balham há 5, 10, 20 ou 40 anos, sem o menor respeito pelos direitos dessa gente. Apro­

veitando­se do fato de os seringueiros e colonos não conhecerem as leis agrárias e os

direitos que elas lhes garantem ou por não ter como fazê­los respeitar, é comum a práti­

ca de expulsar posseiros através de métodos como: a) não fornecimento de mercadorias

para os seringueiros, obstrução de varadouros, proibição de desmatar e fazer roçados; b)

destruição de plantação, invasão de posses, derrubada até de perto das casas dos possei­

ros, deixando­os sem terra para trabalhar; c) compra da posse e benfeitorias por preços

irrisórios ou, quando muito, em troca de uma área muito inferior ao módulo, que não

permitirá ao posseiro trabalhar e progredir; d) atuação de pistoleiros que amedrontam os

posseiros numa guerra psicológica através de ameaças ou mesmo espancamentos e ou­

tras violências; e) ameaças feitas por policiais a serviço de proprietários, prisões de pos­

seiros por questões de terra sem ordem judicial ou por ordem judicial sem que se tenha

movido a ação competente” (23).

Para executar as ações de expulsão, a exemplo do oeste americano tão bem ilus­

trado no filme Shane (Os brutos também amam) do diretor George Stevens, levas de

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jagunços e pistoleiros vieram ao Acre ao soldo dos fazendeiros. Um deles Benedito Ta­

vares Couto, proprietário da fazenda São José, na região do Riozinho do Rola, municí­

pio de Rio Branco, capital do estado, foi acusado de ser o pioneiro na contratação desses

facínoras. Benedito era preposto ou associado do seu irmão José Tavares Couto, rico

proprietário de terras no Mato Grosso do Sul, juntos eram possuidores de nada menos

de 161 mil hectares no Acre. Essa primeira leva de bandidos foi trazida com a finalidade

de confinar peões contratados por “gatos” para derrubada da floresta e formação de

campos artificiais (24).

A fama de violento de Benedito Tavares Couto era notória, inclusive fora de­

nunciado junto ao Ministério do Exército, Comando Militar da Amazônia, 12º Região

Militar, Comando da Fronteira do Acre – Rondônia 6º Cia Fron., sobre o regime de es­

cravidão que mantinha na fazenda São José, de sua propriedade. Essa denúncia foi en­

caminhada como confidencial e sigilosa para DPF/RO, SSP­RO e SSP­AC, codificada

como informação n.º 161/52/1973. Alguns depoimentos deram conta da existência de

cárcere privado, prática de torturas, confinamento, roubo e até mesmo assassinatos. Um

dos fugitivos chegou a afirmar que: “seus colegas viram várias ossadas humanas naque­

la região e que certa vez um pescador encontrou três corpos dentro do rio e apresentan­

do o corpo todo furado a faca e bala”. Era de um cinismo absurdo a informação dada

pelos prepostos do fazendeiro quanto ao destino dos peões desaparecidos: a onça havia

comido (25).

Esses e outros supostos fatos reforçavam a denúncia do diretor da Delegacia

Regional do Trabalho no Acre, Sr. Humberto Brasiliense. Em palestra na Assembléia

Legislativa, o delegado do trabalho alertou sobre a gravidade do clima de tensão no

meio rural, e “admitiu inclusive a existência de cemitérios particulares numa fazenda,

onde enterravam trabalhadores sem identidade” (26).

Ainda contra Benedito Tavares pesava a acusação de corruptor. Segundo docu­

mento confidencial da CONTAG, em depoimento gravado ao Subgrupo Volante de Ins­

peção do Trabalho do Grupo Tarefa da Amazônia (GTA), o fazendeiro revelou a cor­

rupção ativa que exercia sobre os policiais de Rio Branco; disse textualmente que “se

der 50 cruzeiros a um policial este vai prender o peão que ele (Benedito) quiser” (27). A

certeza da impunidade fazia com que esses fazendeiros não tivessem o menor escrúpulo

e cuidado para ocultar suas práticas criminosas.

Não havia motivo para ser diferente o comportamento desses tomadores de ter­

ras, pois suas ações delituosas contavam com o apoio tácito de órgãos públicos e a

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cumplicidade aberta da polícia. O diretor da Polícia Judiciária, o paulista João Bernardi­

no, segundo o jornalista Elson Martins da Silveira: “era acusado de ordenar policiais do

seu departamento para defender os interesses dos proprietários”. O órgão que João Ber­

nadino dirigia tomava para si atribuições além da sua competência: “impondo acordos

ou expulsão dos trabalhadores da área” (...); inclusive, teve o cinismo de fazer constar o

seu nome numa chapa que concorria as eleições para diretoria do Sindicato Rural de Rio

Branco; daí concluindo­se que: (...) o diretor era ao mesmo tempo policial e proprietá­

rio” (28).

A relação promíscua entre funcionários públicos de órgãos federais e os proprie­

tários de terras fora notória na cidade de Rio Branco. No INCRA, segundo Elson Mar­

tins da Silveira: “algumas providências drásticas foram tomadas em Rio Branco pelo

diretor Hélio Palma Arruda. De fato, em meados de julho passado Arruda, alta hora da

noite, meia noite, demitiu funcionários, assessores jurídicos, por atitudes inconvenientes

que comprometiam a autarquia” (29).

Numa conjuntura favorável aos seus projetos, os fazendeiros intensificaram a

contratação de pistoleiros para fazer o serviço sujo e mais arriscado. Daí por diante, os

chamados “carrascos” de Benedito Tavares se multiplicaram, sendo que muitos deles

vieram travestidos de capatazes. Alguns desses facínoras tornaram­se famosos, com

seus nomes cravados na memória popular, tais como: Carlos Sérgio, Olímpio, Osvaldo

Gondim, Mato Grosso, Sidney, Gaúcho, Paraguaio, Pedro Celestino, Edson, Zé Gordo,

Andirá, Piauí, Filemon, Valdivino, Negão, Mineirinho, Zé Marroque, Ozório, Alexan­

dre, Zarico, Alvarino, Darli e outros; a maioria deles ainda impunes pelos crimes de

espancamentos, torturas e assassinatos de trabalhadores e líderes sindicais, entre eles

Ivair, Wilson Pinheiro e Chico Mendes; esse último de renome internacional.

Tudo fazia crer que a bovinização do Acre tornara­se irreversível. As licenças

para realizar derrubadas na floresta e grandes queimadas eram solicitadas freqüentemen­

te ao IBDF; quando raramente não autorizadas os fazendeiros faziam o desmate e a

queima ilegalmente, assumindo as multas irrisórias que lhes eram aplicadas pelo órgão

de defesa florestal, e das quais tinham certeza que mais tarde ou mais cedo seriam anis­

tiados. Havia grupos, a exemplo da agropecuária Novo ­ Oeste (Bradesco/Atlântica Boa

Vista) que pretendia desmatar cerca de 4 mil hectares por ano, com outros projetos de

derrubada da floresta ainda mais ambiciosos.

Em Xapuri foram destruídas pelo fogo e pelas motosserras aproximadamente

180 mil árvores de seringueiras, 80 mil árvores de castanheiras e mais de 1 milhão e 200

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mil árvores de outras espécies, dentre elas muita madeira de lei e plantas medicinais.

Esses desmates e queimadas ocasionaram também a morte de muitos animais, levando a

extinção uma fauna riquíssima que habitava essas florestas. A qualquer iniciativa que se

movesse contra seus desígnios sinistros, os fazendeiros reagiam acoimando­a de injusta

e eivada de incompreensões quanto ao papel civilizador que vinham realizando. Segun­

do Elson Martins Silveira: “num memorial entregue ao Presidente Geisel, o agropecua­

rista Osvaldo Menezes expressou que, além das dificuldades inerentes da região, que

são superadas paulatinamente pela nossa experiência e pela nossa índole de pioneiros,

achamos principalmente que o Acre tem sido objeto de incompreensões; algumas delas

maldosamente divulgadas pela imprensa e outras até criadas por autarquias (leia­se IN­

CRA) que deveriam, ao invés de criá­las, resolvê­las” (30).

A pecuária extensiva de corte no processo de sua implantação de certo modo

desorganizou a produção nos seringais. À medida que devastava de rápido as florestas

através das grandes derrubadas e da queima de árvores castanheiras e seringueiras, dera

a entender que em pouco tempo a produção de carne assumiria na economia acreana o

lugar da atividade extrativista da borracha natural. Depois de decorridos pouco mais de

10 anos de implantação da pecuária, levando­se em conta o tempo gasto com a forma­

ção dos pastos e dos rebanhos, o criatório de bovinos já ultrapassava 500 mil cabeças. A

produção de madeiras em toras, como conseqüência direta do aproveitamento das árvo­

res derrubadas, e até mesmo como atividade extrativista subsidiária a bovinicultura

crescera de 51 mil e 200 metros cúbicos em 1975, para 94 mil e 274 metros cúbicos em

1980; e daí para 231 mil e 853 metros cúbicos em 1985. Ficou demonstrado que mesmo

com os obstáculos que foram criados a pecuarização do Acre e ao uso predatório dos

recursos florestais, a partir da segunda metade da década de 70, a escalada não fora con­

tida. Os anos 80 foram marcados por ações permanentes de resistência dos trabalhado­

res acreanos, denúncias de ecologistas e pressões de organismos internacionais como o

Banco Mundial, BID e outras agências européias e norte­americanas.

E assim marcharam os “paulistas” que muito próximos das “bestas do apocali­

pse” espalharam na sua saga o fogo, o medo, o terror e a morte nos quatro cantos do

Acre.

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Capitulo 2

A Igreja do Acre e Purus Elege o Povo de Deus

Tudo isso aconteceu enquanto os justos consultavam “O Eclesiástico” para dividir o castigo em partes iguais.

Alberto da Cunha Melo (Condições nem tanto objetivas)

Nenhum servo pode servir dois se­ nhores; porque, ou há de aborrecer um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.

Lucas, (cap. 16, vers. 13).

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2.1 A Igreja Católica brasileira: novos caminhos

Fatos importantes ocorridos durante a década de 60 no âmbito da sociedade, da

política, da cultura e da religião tiveram, com certeza, um papel decisivo para que a I­

greja católica buscasse reavaliar as suas ações e práticas tradicionais, abrindo o debate

interno amplo sobre os vários caminhos que poderiam ser seguidos e quanto as novas

responsabilidades sociais a serem assumidas num mundo em crise.

Dentre o conjunto de fatos importantes ocorridos nos anos de 1960, os seguintes

devem Ter o necessário destaque: a) A intensificação da “Guerra Fria”, conflito não

declarado entre os países do leste europeu mais China Continental e, do outro lado, os

EUA e países da Europa Ocidental, criou uma situação permanente de instabilidade nas

relações internacionais com possibilidades reais para eclosão de uma terceira guerra

mundial; os conflitos armados localizados se sucederam na Ásia, África e Oriente Mé­

dio, com particular atenção para guerra do Vietnã; na América Latina, golpes militares

foram desfechados em vários países e os movimentos guerrilheiros eclodiram em quase

todas as nações do continente. b) No âmbito da realidade continental das Américas as­

sumira significado todo especial a revolução cubana, pois apontou na direção de uma

outra via de desenvolvimento, colocando como perspectiva viável a alternativa do socia­

lismo, vindo a ter profunda repercussão na sociedade e na política dos países latino­

americanos. c) Os movimentos de contracultura na Europa e nos EUA, envolvendo um

grande público de jovens e adolescentes sobretudo universitários que ensejavam novos

caminhos, tendo como práticas: o misticismo oriental; o consumo de drogas; a liberação

sexual; experiências de vida comunitária etc, inspirados em teorias sociais anarquistas.

A ação contestatória desses movimentos teve como pontos culminantes as manifesta­

ções violentas de rua, em maio de 1968 em Paris, e os megafestivais como Woodstock,

nos EUA. d) O Concílio Vaticano II, realizado de 1962 a 1965, foi considerado uma

verdadeira revolução do ponto de vista da história das religiões. Convocado pelo papa

João XXIII, figura ímpar na condução da Igreja Católica contemporânea, cujas orienta­

ções expressas em frases como estas: “é preciso sacudir o pó imperial que cobre a Igre­

ja; “é preciso abrir as janelas para que entre um ar fresco; “é preciso discernir os sinais

dos tempos”, nortearam os debates no interior do Concílio, em que pese tenha ele fale­

cido em 1963. Além das encíclicas do papa João XXIII: Mater et Magistra e Pacem in

Terris, que tratam dos problemas sociais, da paz e das relações internacionais, fora de

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particular relevância para renovação da Igreja a enclíca Populorum Progressio, do seu sucessor o papa Paulo VI. e) Para a Igreja da América Latina a II Conferência Geral do

Episcopado Latino­Americano, realizada em Medellin no ano de 1968, foi o aconteci­

mento histórico mais relevante para o redirecionamento das práticas sociais da Igreja no

continente. O diagnóstico sobre as origens da injustiça e da pobreza e a necessidade de

enfrentá­las por meios que não podiam excluir as mais variadas formas de luta, colocou

a Igreja diante de novos caminhos que exigiram também a retomada de sua dimensão

comunitária.

No Brasil, no início dos anos 60, o país vivenciou uma grave crise política­

institucional provocada pela renúncia do presidente eleito Jânio Quadros. A crise políti­

ca tivera desdobramentos perigosos com ameaça inclusive de guerra civil, em virtude

dos ministros militares da marinha, exército e aeronáutica colocarem­se contra a posse

do vice­presidente João Goulart no cargo de presidente, alegando razões de segurança

nacional. A solução encontrada para a crise fora a aprovação pelo Congresso Nacional

da emenda constitucional que instaurou o sistema parlamentar de governo, cujo objetivo

fora limitar os poderes da presidência da república.

O presidente João Goulart, líder do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e políti­

co de fortes vínculos com correntes sindicais operárias, governou o país em meio a cri­

ses nas áreas militar, política e social. Logo ao assumir o governo João Goulart colocou

em primeiro plano seu programa de reformas de base, que tinham como objetivo a supe­

ração dos entraves que impediam o país de desenvolver­se plenamente. A reforma agrá­

ria nesse contexto assumira fundamental importância, tendo, em particular, mobilizado

um considerável conjunto de forças sociais a favor e contra a sua realização.

A Igreja Católica brasileira em princípio favorável às reformas de base, tendo

como marcos orientadores as encíclicas papais Mater et Magistra e Pacem in Terris e arejada pelos novos ventos advindos do concílio Vaticano II, procurou atuar nas várias

frentes de luta, envolvendo nelas suas organizações laicas principalmente a JOC (Juven­

tude Operária Católica), a JUC (Juventude Universitária Católica) e o MEB (Movimen­

to de Educação de Base), que passaram a desempenhar tarefas organizativas nos movi­

mentos sociais.

Na disputa pela orientação dos movimentos sociais e também pela ocupação dos

espaços políticos, a Igreja Católica enfrentou a oposição das organizações de esquerda e

principalmente do Partido Comunista Brasileiro (PCB); no campo, além dos comunistas

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os católicos disputaram com as Ligas Camponesas a liderança junto aos camponeses e

trabalhadores rurais.

A hierarquia do clero brasileiro preocupada com o comunismo não se decidira

por uma linha de ação mais efetiva junto aos setores populares, chegando a criar até

mesmo obstáculos para atuação de suas organizações laicas. Esses obstáculos provoca­

ram sérias divergências e inclusive rupturas, caso da JUC, pois parte dos seus membros

para fugir do controle do clero superior criou a AP (Ação Popular). O golpe militar de

1964 que depôs o governo João Goulart recebeu o apoio de grande parte da hierarquia

católica. Em São Paulo, a expressão mais cristalina desse apoio foi a Marcha da Família

com Deus pela Liberdade, que mobilizou centenas de milhares de cristãos em caminha­

da pelas ruas da cidade.

As políticas de controle e repressão adotadas pelos militares vitoriosos em 1964,

com relação aos movimentos sociais, puseram na linha de colisão os padres e leigos

católicos que atuavam junto aos setores populares.

As divergências no interior do episcopado brasileiro entre a ala conservadora e

os progressistas tornaram­se públicas à medida que padres, frades e religiosos leigos

foram sendo impedidos de desenvolver sua missão evangelizadora junto aos mais po­

bres. As inúmeras prisões de padres e religiosos acontecidas durante à década de 60

criaram vários momentos de tensão entre a Igreja e os comandos militares.

As bases da Igreja Católica freqüentemente pressionavam a cúpula do clero bra­

sileiro para que assumisse uma posição mais clara e firme diante da brutal realidade

social que de modo mais próximo conviviam. O documento intitulado Carta aos Bispos,

de agosto de 67, assinado por 300 padres, assumira nesse contexto um papel fundamen­

tal, pois, segundo Iokoi, ampliava a ênfase na questão social, ao afirmar que “Diante dos

homens que valorizam mais o ter, o poder, o prestígio social, à custa quase sempre da

miséria, da escravidão e da humilhação de multidões, [os profetas] querem viver como o

comum do povo ...” (1).

A II Conferência Episcopal Latino­Americana realizada em Medellin, no ano de

1968, foi o marco definitivo no que concerne a abertura dos novos caminhos que a Igre­

ja passou a trilhar nos anos 70 no Brasil. Segundo Iokoi: “A necessidade de libertar os

homens da violência e injustiça institucionalizadas dava o tom central aos dezesseis

documentos produzidos nas comissões. (...) A luta pela justiça e pela paz, por meio de

greves, marchas, etc., foi considerado o caminho necessário para o encontro com o rei­

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no, e a omissão, ou mesmo a indiferença, posições insuportáveis que nesse sentido

deviam ser extirpadas” (2).

Sob o foco das disposições inovadoras de Medellin, a Igreja brasileira definira

suas estratégias de ação básica para os novos tempos, retomando e dando ênfase a sua

dimensão comunitária. A opção pelos pobres, a opção pela libertação e a opção pelas

comunidades eclesiais de base passaram a ser incorporadas ao trabalho pastoral cotidia­

no.

Daí por diante, as CEBs se multiplicaram; em pouco mais de 10 anos foram es­

timadas em 80 mil, com cerca de dois milhões de fieis envolvidos, no campo e nas ci­

dades. Personalidades importantes na hierarquia eclesial se colocaram na linha de frente

no combate ao regime militar. O trabalho pastoral da Igreja universalizou­se, cobrindo

os sindicatos, as prisões, a luta dos sem­terra, as associações de bairro, os índios etc.

Justiça, paz e defesa dos direitos humanos caminharam juntas com o seu trabalho de

semear a fé e salvar almas.

2.2 A Igreja do Acre e Purus opta pelos pobres

A presença permanente e sistemática da Igreja Católica na região dos rios Acre e

Purus acontecera de modo tardio nos anos vinte desse século (1920). Ao papa Bento XV

coube o ato de criação da prelazia do Acre e Purus em 1919, desmembrando da diocese

do Amazonas uma área de abrangência territorial com pouco mais de 100 mil quilôme­

tros, onde à época localizavam­se apenas 4 municípios: Rio Branco, Sena Madureira,

Xapuri e Boca do Acre. A população a ser assistida pela recém criada prelazia era de

aproximadamente 60 mil almas, sem incluir as nações indígenas dos catianas, machine­

ris, jaminauás, apurinãs e demais que na região habitavam. Aos Servos de Maria, ordem

religiosa de origem italiana, fora determinada a responsabilidade de governar a nova

jurisdição religiosa.

O frei Clodovis Boff demarcou as etapas do caminho da igreja acreana e puruen­

se em três períodos: o período da pastoral religiosa (1920­1950), no qual, com quase

exclusividade, a ação da Igreja voltou­se para a assistência religiosa; o período da pasto­

ral social (1950­1970), a partir daí com a Igreja passando também a se preocupar com a

situação social das populações, construindo escolas, hospitais, orfanatos, artesanatos e

realizando outras obras de natureza assistencialista; por fim, um terceiro período, deno­

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minado pastoral da libertação (1970), com o surgimento das Comunidades Eclesiais de

Base (CEBs) “... quando o povo da Igreja começou a andar com seus próprios pés, pen­

sar com sua própria cabeça e lutar pelos seus direitos, unindo­se e organizando­se” (3).

O território federal do Acre em 1962 fora elevado a categoria de estado, sendo

logo em seguida eleito para o seu governo, o político da ala esquerda do PTB José Au­

gusto de Araújo. Logo após o golpe militar que afastou o presidente José Goulart, o

governador do Acre fora obrigado pelos militares a assinar sua renúncia, sendo poste­

riormente preso, julgado e condenado pelas leis de exceção.

Durante o curto período do governo José Augusto (1963­maio­64), cujo apoio as

reformas de base e principalmente à reforma agrária era público e notório, as Ligas

Camponesas vieram a se organizar no estado; também fora instalada a delegacia da SU­

PRA (Superintendência da Reforma Agrária) e fundado o primeiro sindicato de traba­

lhadores rurais no Acre.

A Igreja Católica do Acre e Purus, a partir do ano de 1963, começara a se preo­

cupar com a organização dos movimentos sociais na sua área de jurisdição religiosa,

ficando claro que, sob a condução do bispo Dom Giocondo Grotti, sua missão pastoral

não ficaria restrita à evangelização tradicional na cidade, desobrigas no interior dos se­

ringais e obras de cunho assistencialista (4).

Durante a década de 60 a participação da Igreja ainda era bastante tímida, prin­

cipalmente porque o seu laicato estava organizado em associações religiosas natural­

mente conservadoras tais como: Filhos de Maria, Vicentinos, Cruzada Eucarística, A­

postolado da Oração, Congregações Marianas etc., não contando ainda com estruturas

leigas do tipo JOC, JEC, JUC ou CEBs que pudessem dar suporte para uma prática pas­

toral mais arejada e vigorosa junto as camadas populares.

Para fazer frente à influência das Ligas Camponesas e do sindicato do PTB no

campo a Igreja desenvolveu um trabalho de associativismo rural, resultando daí a orga­

nização da Cooperativa Nossa Senhora da Conceição. Na área urbana, passou a apoiar e

orientar a Associação dos Trabalhadores do Porto de Rio Branco, também ajudando a

criar o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil.

Com relação aos estudantes universitários e a intelectualidade jovem preocupada

com a política e as questões sociais, o próprio bispo Dom Giocondo Grotti assumiu a

responsabilidade de mobilizar e incentivar para que fosse organizado em 1968 o GES­

CA (Grupo de Elevação Social e Cultural do Acre), cujo objetivo era promover encon­

tros e palestras sobre arte, política e outras atividades sociais. O AI­5 (Ato Institucional

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n.º5) que reforçou o poder de repressão da ditadura militar, se encarregou de retirar de

cena o grupo.

No ano de 1971, a Igreja deu início ao trabalho de organização das Comunidades

Eclesiais de Base no Acre. Segundo Mourão: “As CEBs no Acre, por conseguinte, não

nasceram por iniciativa popular e a margem da Instituição Católica. Antes, elas são o

resultado da intervenção direta de uma equipe no meio popular, via Instituição Católica,

na medida em que toda equipe mantinha vínculos formais com ela (5).

O primeiro treinamento para monitores na jurisdição religiosa da Prelazia do

Acre e Purus realizou­se em 1971, e contou com a presença de 34 pessoas, a maioria

delas já participavam das recém­criadas Comunidades Eclesiais de Base. Daí por diante,

as CEBs rapidamente se multiplicaram por toda área coberta pela ação pastoral da Igre­

ja, nas cidades e no campo.

A expansão das CEBs pode ser melhor avaliada ao comparar­se os dados sobre a

situação da Igreja Acre­puruense no natal de 1972, com os dados referentes ao ano de

1981, dez anos depois de instaladas as primeiras CEBs no Acre. Em 1972 a Igreja Cató­

lica contava com 215 monitores, 123 grupos de evangelização e 6 CEBs; em 1981 a

prelazia passou a dispor de 1.200 monitores, 1.000 grupos de evangelização e mais de

mil CEBs para pôr em prática sua ação pastoral (6).

O agravamento da questão social e o clima tenso no interior dos seringais, cau­

sados pela ação dos grandes proprietários, ao desencadear o processo de expulsão dos

seringueiros das áreas que ocupavam na floresta, levaram a tomada de iniciativa, de

modo isolado, de padres que mais de perto sentiam o problema dos seus fiéis mais po­

bres; passando então eles a denunciar e orientar os trabalhadores para que não fossem

mais enganados pelos supostos novos donos da terra.

A primeira reação pública dos padres diante do problema fundiário fora divulgar

o documento que se tornou conhecido como “Catecismo da Terra”. Esse documento

tinha por objetivo orientar os trabalhadores diante da ameaça de expulsão das suas colo­

cações no interior dos seringais; de modo cauteloso tratava da questão fundiária, abor­

dando­a dentro dos limites de legislação vigente e fazendo referência ao Estatuto da

Terra (7).

Diante de uma conjuntura social desigual e conflituosa o documento fora de su­

ma importância, e por isso deve ser melhor avaliado pela transcrição integral do seu

teor: “1º) O que é o INCRA? – É o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrá­

ria; sua principal missão é proteger os trabalhadores da terra (colonos, posseiros, serin­

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gueiros etc.). O principal interesse deste órgão é a fixação do homem à terra. 2º) Qual é

a lei que garante a fixação do homem à terra? – A lei que garante a fixação do homem a

terra, é a lei 4504 de 1964, assinada pelo presidente Castelo Branco. 3º) Que diz a lei

4504 do Estatuto da terra? – A lei 4504 do Estatuto da terra garante o direito à posse da

terra (o módulo), a quem nela morar habitualmente depois de 1 (um) ano e 1 (um) dia,

dedicando­se a cultura efetiva da terra. 4º) Que significa o módulo da terra? – O módulo

da terra é a área que uma família pode utilizar convenientemente para o seu sustento.

Como base, o módulo parte de 50 hectares, aumentando conforme o tipo de utilização e

capacidade braçal da família. 5º) O que pode fazer para garantir seu direito à posse da

terra? – A melhor garantia do direito à posse da terra é não sair da terra onde você traba­

lha mesmo se lhe oferecerem indenização. 6º) O que fazer em casos de conflitos em

razão de vendas de terras? – Em casos de conflitos sugerimos 3 atitudes: a) conservar a

calma e não brigar com os compradores; b) não se deixar intimidar por ninguém, pois

você não pode ser jogado fora da sua terra enquanto você não quiser; c) se for necessá­

rio você deve recorrer às autoridades competentes; ao próprio INCRA, na sede, em Rio

Branco; a um Juiz Federal; à Policia Militar; à 4º Cia. de Fronteira (8). Esse documento

significou um punhado de areia nos olhos dos “paulistas”. A voracidade e arrogância

dos supostos donos da terra agora passara a ser contestada pelos padres, representantes

da Igreja, instituição de verdade e prestígio no seio dos humildes.

Apesar de não ter a chancela oficial da Igreja o “Catecismo da Terra” circulou

nas paróquias, principalmente nas de Brasiléia e Sena Madureira; nessa última mais de

400 exemplares foram enviados para os seringais (9).

Os atos até então isolados de uns poucos padres e leigos não poderiam surtir

maiores efeitos, caso não fosse convencido todo corpo eclesial da Prelazia do Acre e

Purus a que assumisse uma posição conjunta diante do problema. O bispo D. Moacyr

Grechi, em entrevista, assim se expressou: “Não tive tempo para uma escolha. Desde

que vim para o Acre, em 1972, minha condição de bispo forçava­me a conviver e a sen­

tir bem de perto os problemas da população, em sua grande maioria pobre, e, especifi­

camente, conviver com o homem da mata (seringueiro) e também com os camponeses.

No meu íntimo, porém por convicção, teria gostado da neutralidade que, naquele tempo,

não só me parecia possível mas até, dada minha missão de pastor, necessária. (...) Minha

vinda para o Acre, o contato direto, especialmente nas nascentes Comunidades Eclesiais

de Base, com povo simples, pobre, injustiçado, a ajuda dos padres amigos e muito sen­

síveis aos problemas do povo, homens lúcidos, corajosos e extremamente evangélicos; a

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confiança em mim depositada pelas vítimas dos problemas de terra que começaram em

1973, a se agudizar. Neste campo, fatos bem concretos levaram­me a tomar uma posi­

ção; ou assumia a causa dos pobres ou negava minha missão e mesmo minha própria fé”

(10).

Nos dias 17 a 21 de junho de 1974, no município de Xapuri, realizou­se o Pri­

meiro Encontro do Vicariato do Acre, com a presença do provincial da Ordem dos Ser­

vos de Maria no Brasil, padre Francisco Carmimeo. Nesse conclave foi aprovado o do­

cumento que delineou as linhas pastorais da Igreja do Acre e Purus sobre a questão fun­

diária na sua jurisdição religiosa, e no qual denunciava a violência que vinha sendo co­

metida contra os trabalhadores colonos e seringueiros. O documento também selou o

compromisso de ação conjunta dos agentes pastorais para dar enfrentamento as brutais

ocorrências no campo, e foi assinado pelo bispo, pelo provincial da Ordem dos Servos

de Maria no Brasil e mais onze padres e publicado no boletim informativo da prelazia:

“Nos Irmãos”, com o título “Orientação da Igreja do Acre e Purus sobre o problema das

terras” (11).

As orientações contidas no documento foram dirigidas a todo o povo de Deus, e

tinha por objetivo envolver na medida do possível todos os agentes pastorais, clérigos e

leigos, numa ação conjunta em face da gravidade da situação. As posições públicas que

dissessem respeito ao conjunto da Igreja foram reservadas exclusivamente à competên­

cia do bispo e do Conselho Presbiteriano. Daí então, sob o lema: “a Igreja deve encar­

nar­se na realidade do povo, como Cristo encarnou­se na realidade do seu povo”, a mo­

bilização da Igreja com jurisdição religiosa numa banda do Acre fora intensa. As CEBs

inicialmente urbanas foram multiplicadas nas áreas rurais. Através do boletim informa­

tivo Nos Irmãos, programas radiofônicos, sermões na missa, novenas, catecismo, enfim por todos os meios disponíveis fora divulgada a orientação da prelazia Acre­puruense

sobre a questão fundiária. Essa tomada de posição atraiu sobre o bispo, padres e agentes

pastorais laicos o ódio dos proprietários de terra, grileiros e especuladores, e o acompa­

nhamento sistemático dos seus passos pelos órgãos de segurança do estado (12).

A Igreja aparelhou­se melhor para desenvolver sua ação pastoral libertadora na

cidade, no campo e junto aos índios, com a instalação do Conselho Indigenista Missio­

nário (CIMI), em 1975 e, no ano seguinte (1976), com a CPT, Comissão Pastoral da

Terra e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) em 1977. Ao instalar­se a

delegacia da CONTAG (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura) em 1975, o

trabalho da Igreja voltou­se para o apoio à ação organizatória sindical empreendida pelo

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órgão. As CEBs facilitaram com sua penetração e influência o trabalho desenvolvido

pela CONTAG para organizar os sindicatos de trabalhadores rurais, que segundo Mou­

rão: “Não há dúvida que 70% desses sindicatos foram organizados, desde suas discus­

sões preliminares com o apoio das CEBs. Os mais combativos receberam sua influência

direta e a colaboração estreita” (13).

Na sua prática social em defesa dos pobres espoliados pela ação dos fazendeiros,

a Igreja não demorou muito em conflitar­se com o governo militar e sua base de apoio

local. Em 1976, o governador Geraldo Mesquita mandou suspender o contrato da Rádio

Difusora Acreana com a prelazia, impedindo com esse ato que o programa radiofônico

“Somos Todos Irmãos, fosse produzido. Apesar das alegações serem outras, certo era

que a medida fora de natureza política e ideológica. Outros fatos podem ser ainda men­

cionados tais como: presença de policiais federais disfarçados em reuniões de organiza­

ções laicas; escuta telefônica; ameaças as lideranças religiosas; obstrução ao trabalho do

CIMI junto aos grupos indígenas feita pela FUNAI, etc. Em documento pastoral, datado

de 1977, a Igreja Acre­puruense deixava clara a sua compreensão do governo militar e

marcava uma posição: “Por isso, neste momento, com clareza diante de Deus e do seu

evangelho, consideramos injusto o governo criado no Brasil depois de 1964. De fato,

para se manter no poder e aumentar a força econômica e política marginaliza o povo e

oprime com a violência, o medo e a força da polícia. Não acreditamos na propaganda

que o governo faz para iludir o povo (...), também no Acre os pobres ficam cada vez

mais pobres e não podem falar (...), por isso nossa Igreja não participará das comemora­

ções que se costuma fazer no dia 31 de março e nem outras datas cívicas rodeadas de

política que defendem o atual sistema, (...) quanto ao relacionamento de agentes de pas­

toral, especialmente dos padres e bispos, com autoridade, vamos nos manter dentro de

uma diálogo franco e sincero, evitando, porém, todo e qualquer compromisso com o

atual sistema, e qualquer forma de instrumentalização da Igreja ou de pessoas para fins

políticos (14). O comportamento neutro da Igreja em relação a política, manifesto nos

documentos oficiais da prelazia e nas declarações do bispo, não impedira que muitos

padres, líderes religiosos, monitores e agentes das CEBs de envolverem­se com os par­

tidos de oposição, sendo inclusive responsáveis pela organização da Frente Popular no

MDB; e mais adiante, fora decisivo esse envolvimento na fundação do PT (Partido dos

Trabalhadores).

Ao ser entrevistado pelo repórter Jefferson de Barros do Jornal do Brasil, o bis­ po D. Moacyr Grechi declarou que a mais importante das opções de sua Igreja Particu­

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lar fora pelos pobres; e que essa Igreja estava afinada com o pensamento político ex­

presso pelo frei Clodovis Boff no Decálogo da Pastoral Partidária, que resultara de um

curso de teologia promovido pela prelazia Acre­puruense em 1979 (15). Desse docu­

mento constava que: “a participação partidária não é simplesmente livre, mas boa e ne­

cessária para o cristão. Nota­se porém, que esta participação pode se dar em diferentes

graus: pelo voto, pela militância ou pela liderança./ Os membros das comunidades ma­

nifestam sua preferência por partidos: que sejam populares mesmos, isto é, que dêem

oportunidade ao povo de participar de forma crescente até nos postos de liderança; que

defenda o direito dos oprimidos; que visem a mudança social e não a sua própria manu­

tenção; que combatam a ditadura e todo o poder opressor; que lutem pela independência

econômica do Brasil; que tenham uma orientação socialista, isto é, que visem colocar o

poder e a economia nas mãos do povo organizado. Essas recomendações, segundo Fer­

nandes: “se encaixavam, sobremaneira, no Partido dos Trabalhadores, (...) A caminhada

das CEBs, finalmente, descobriu uma nova trilha para sua ação política no campo parti­

dário” (16).

O contraste entre a nova Igreja encarnada no povo por ser uma Igreja de pé no

chão e que participava dos problemas de sua gente; e a velha Igreja, fora de fácil per­

cepção no falar simples mas contundente do trabalhador rural José Martins de Castro,

66 anos, conhecido pelo apelido de Piauí: “Era cheia de santos. Os padres rezando a

missa em latim que ninguém entendia nada, a batina preta e sacristão. Se os padres iam

a uma desobriga dentro do seringal, os padres iam prá casa do patrão. O seringalista era

quem convidava os seringueiros, para comparecerem em sua casa, quando o padre pas­

sava. Os padres não falavam em posse da terra. Só elogiavam os patrões. Andavam e

levavam quadro de santo, prá marretar lá nos seringais (17).

Para melhor divulgar sua ação pastoral junto aos pobres a Prelazia do Acre e

Purus fez circular, no mês de dezembro de 1971, o boletim informativo mensal Nós Ir­

mãos. No dia 17 de março de 1973, foi ao ar através da Rádio Difusora do Acre, nos horários das 6:00hs da manhã e 18:00hs dos sábados, o programa radiofônico Somos Todos Irmãos. E por fim, o bispo fez vir ao Acre em 1976, o jornalista e ex­padre Sílvio Martinello, para junto com o jornalista Elson Martins da Silveira, correspondente do

jornal O Estado de S. Paulo, organizarem um tablóide alternativo. Um ano depois, saíra o jornal Varadouro, com o apoio material da Prelazia, que adiantou recursos para edição dos seis primeiros números do jornal das selvas.

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Enquanto isso, na outra banda do Acre, área de jurisdição religiosa da Prelazia

do Alto Juruá, tudo era silêncio sobre a questão da terra. O clamor dos humildes não

atingira o bispo e sacerdotes daquelas paragens, que até fizeram vistas grossas diante do

problema. Ainda bem que o próprio isolamento da região se constituiu em obstáculo

natural à penetração da frente agropastoril. Assim mesmo, fora grande o estrago causa­

do pelos “paulistas” aos trabalhadores; sua ação predatória contra o meio ambiente cau­

sara certamente danos consideráveis, contudo, até hoje carecendo de uma melhor avali­

ação.

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Capítulo 3

A Imprensa Nacional e os Conflitos na Fronteira

Tudo isso aconteceu enquanto os mansos apertavam nas mãos o cascalho de ferro para não matar os que matavam em paz.

Alberto da Cunha Melo (Con­ dições nem tanto objetivas)

“A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam,...”

Rui Barbosa (A imprensa e o deverr da verdade)

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3.1 O Acre em compasso de espera

No início dos anos 70, o Acre era habitado por 215 mil pessoas; cerca de dois

terços dessas pessoas moravam em suas áreas rurais, quase toda coberta por densas flo­

restas e tendo por ocupação econômica principal o extrativismo da borracha. Na micror­

região do Acre e Purus, compreendendo à época 4 municípios: Brasiléia, Rio Branco,

Sena Madureira e Xapuri, viviam 132 mil almas; essa população correspondia a pouco

mais de 60% de todos que habitavam o território do estado; nessa microrregião homo­

gênea está localizada a cidade de Rio Branco, capital do Acre; centro administrativo e

cultural mais importante, e sede da prelazia do Acre e Purus (1).

No município de Rio Branco cerca de 84 mil pessoas se distribuíam numa exten­

sa área de aproximadamente 15 mil km²; ainda em 1970 essa população fora predomi­

nantemente rural, pois seu sítio urbano tinha apenas 35 mil habitantes. O núcleo urbano

central da cidade se desenvolveu nas margens direita e esquerda do rio Acre. A área de

ocupação mais antiga está situada na margem direita do rio, onde outrora localizava­se o

bairro Beirute, assim conhecido pela forte presença de população de origem sírio­

libaneza, que tinha o controle do comércio local. Com a nova configuração territorial e

administrativa do município essa área recebeu a denominação de Segundo Distrito, in­

corporando­se nele os bairros: 6 de Agosto, Quinze, Cidade Nova e Triângulo. Na mar­

gem esquerda do rio situava­se o bairro de Penápolis; área nova da paisagem urbana

inicial, que se transformou no núcleo mais dinâmico da cidade, pois ali foram se locali­

zando as melhores construções; as repartições públicas municipais, estaduais e federais;

escolas, hospitais e universidade; o comércio, hotéis, cinema, bares e restaurantes; a

Igreja matriz; principais ruas, avenidas e praças etc. Essa área deu origem ao Primeiro

Distrito, sendo incorporados os novos bairros que surgiram em torno desse núcleo

inicial.

Até o ano de 1969 a ligação entre a parte antiga e a parte nova da cidade era feita

por pequenas embarcações, conhecidas regionalmente por catraias, que cruzavam de

uma margem a outra do rio Acre, transportando mercadorias e passageiros. No ano de

1969 foi construída uma ponte de estrutura metálica, que praticamente estendia a mo­

derna avenida Getúlio Vargas a parte antiga da cidade; no início dos anos setenta, outra

ponte interligou os dois distritos, dando a cidade de Rio Branco a configuração urbana

atual.

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Até a década de 1960, a ligação entre os municípios do Acre com o restante do

território nacional fora muito precária. Os rios que cortavam o estado do Acre só permi­

tiam a navegação pesada em suas águas durante o inverno; no verão, nos seus leitos

secos só trafegavam gaiolas e catraias. Mesmo locais situados não tão distantes exigiam

muita demora para serem alcançados: no percurso entre Rio Branco e Xapuri, de apenas

237 quilômetros, demorava­se mais de 30 horas. Para Taraucá, distando pelos rios quase

5 mil quilômetros de Rio Branco, levava­se 20 dias. As linhas aéreas instaladas desde a

década de 30 encurtaram as distâncias, mas estavam longe de resolver as necessidades

do transporte de cargas e passageiros de uma região pobre e isolada (2).

Em 1969 o trecho da BR ­ 364 que ligou Rio Branco a Porto Velho fora concluí­

do: Brasília e o Centro­sul via Cuiabá puderam ser alcançados pelo transporte rodoviá­

rio; no início dos anos 70; a BR ­ 317, ligando Rio Branco a Brasiléia, integrou a bacia

do rio Acre, criando as condições para que a frente agropastoril penetrasse a região

com menos obstáculos.

No início dos anos 70, circulavam dois jornais na cidade de Rio Branco: 1 sema­

nário e 1 diário. O Rio Branco, jornal diário fundado em 1969, fazia parte da rede na­ cional de empresas jornalísticas dos Diários Associados, comandada por Assis Chateau­

briand; o outro, o semanário O Acre tinha uma longa e intermitente história de existên­ cia: desde 1907 ... a 1965; na sua última e fátua aparição fora editado pelo governo do

estado, portanto a serviço de sua política. Apenas 26 números circularam.

Aos dois jornais, fora peculiar o silêncio sobre o violento processo de transfor­

mação que vinha ocorrendo no Acre a partir dos anos 70. Segundo estudo do CEDE­

PLAR: “as práticas criminosas contra pequenos ocupantes de terras foram característi­

cas marcantes do processo de transferência das terras acreanas a forâneos, desde seu

início (...) seus efeitos, no entanto, só eram levados ao conhecimento público por inter­

médio das tradicionais informações a boca pequena, pois, (...) eram acobertados por

imprensa e autoridades locais. Esta atitude de omissão da notícia só pode ser explicada

(...) como tentativa de evitar que se caracterizasse como clima de tensão social latente a

situação imperante em grande porção do território estadual (3).

O silêncio tumular da imprensa escrita acreana, sobre os fatos que vinham ocor­

rendo fora largamente constatado por pesquisadores que usaram fontes hemerográficas

para estudar a época. Enquanto isso, a imprensa escrita do Sul do país noticiava com

certa regularidade os acontecimentos na fronteira ocidental (4).

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3.2 Acre entrou na pauta

O jornal O Estado de S. Paulo, deslocou para o Acre um enviado especial para

cobrir os novos fatos que vinham ocorrendo na fronteira. O repórter Alberto Temer des­

crevera com cores vivas o frenesi do deslocamento e da ânsia pela compra de terras:

“gente indo e gente vindo, gente rica e gente pobre, investidores sérios, pecuaristas,

fazendeiros do sul e homens de negócio. Profissionais liberais, dentistas, médicos, far­

macêuticos, advogados que se reúnem em grupos para tentar o caminho da libertação

financeira. Aventureiros que nada possuem além da boa aparência do terno de casemira

inglesa comprado a prazo. Simples lavradores que vendiam tudo, tomavam um ônibus,

levando mulher e filho na busca de nova vida. Comerciantes árabes, italianos, espa­

nhóis, brasileiros, judeus. É um mosaico de tipos que se encontra a cada passo nas cida­

des do Acre, na grande luta pela compra de terra. / ­ Vá mas leve dinheiro vivo. Em

nota. Se tiver que voltar para fechar o negócio, o preço já será mais alto”.

Adiante o repórter apontara as vantagem do Acre: “1 – as terras são mais altas e

totalmente planas permitindo uma exploração pecuária racional; 2 – o Acre é estado (...)

tornando­se mais fáceis as transações; 3 – há estradas pelo menos chegando a Rio Bran­

co e quando os pastos estiverem prontos para receber o gado (...) já terá alcançado Cru­

zeiro do Sul; 4 – essas mesmas rodovias permitirão (...) ligação com portos do Pacífico,

(...) exportação de carne a um frete baixo e altamente competitivo; 5 – as terras, (...)

vendidas a preço baixo (...) 1 ou 2 cruzeiros, nas áreas mais distantes e no meio da sel­

va, com documentação incompleta e a 10 ou 15 cruzeiros o hectare perto de Rio Bran­

co”. O repórter traçou também o perfil dos novos personagens que se deslocaram para a

fronteira: “pecuaristas e fazendeiros do Rio Grande do Sul, Mato Grosso e São Paulo,

que querem comprar terras para investir realmente e criar uma pecuária racional; os

homens sem tradição na lavoura; intermediários que reúnem quatro ou cinco seringalis­

ta, fazem um acordo para venda (...) recebendo uma comissão elevada; e aventureiros,

(...) gente que não tem nada a perder, que forjam compras, vendem, revendem, agenci­

am, fazem tudo, enfim, para ganhar dinheiro”.

O repórter de modo sensível revelara as dificuldades para instalação na fronteira

desses novos pioneiros: irregularidades na documentação das terras; medidas das pro­ priedades não especificadas com limites quase sempre conflitantes; o INCRA não se

encontrava presente no estado para cuidar da regularização das áreas; ausência de pes­

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soal técnico especializado; além disso concluira: “... viver em Rio Branco, uma cidade

que, decididamente, tem tudo para não atrair ninguém”.

O repórter no fecho da matéria denunciara também a natureza predatória da ocu­

pação: “É gente destruindo, indiscriminadamente, a mata pois o IBDF ainda não chegou

no Acre. São humildes posseiros invadindo a beira das estradas, de forma desordenada,

vindo de todas as partes da Amazônia e do Nordeste, contaminando a água dos igarapés

que todos bebem, criando focos de doenças, como a hepatite; a hepatite negra, que mata

em seis dias; (...) É, enfim, toda a soma de conseqüências inevitáveis de uma invasão

abrupta, de um povoamento desordenado, de gente fugindo da solidão verde dos serin­

gais na busca de um pedaço de terra para viver melhor (5).

O Jornal do Brasil também mandara para o Acre um enviado especial para co­ brir possíveis conflitos envolvendo questões de terras. O repórter Edilson Martins na

sua matéria registrou fatos que poucos anos depois tornaram­se públicos em todo país,

através das denúncias da Igreja e do próprio governo do estado do Acre.

Os fatos denunciados por Martins foram: a venda de mais de dois terços dos

seringais acreanos; a especulação sem controle no comércio com terras; a violência dos

novos proprietários contra os posseiros; a expulsão em massa dos seringueiros; e o êxo­

do forçado de trabalhadores acreanos para a Bolívia. Ao entrevistar o padre Paulino

Baldassari da paróquia de Sena Madureira, Martins colhera esse depoimento: “nossa

gente abandona terras que ocupavam há cinco, seis e oito gerações. Uma gente humilde

e ingênua que sai desastradamente do Brasil e se dirige a Bolívia e Peru, em busca de

um pedaço de terra”. De outras fontes: “técnicos do INCRA garantem que mais de 3 mil

famílias já estão na Bolívia, enquanto o diretor da Polícia Federal no Acre Deocleciano

assegura que esse número se eleva a 6 mil”.

Quanto ao comércio de terras registrara Martins: “Empresários do Sul, já na dé­

cada de 70, chegaram e encontraram as terras a preço baixo, e compraram o que pude­

ram. (...) Se os seringalistas encontram­se em situação desesperadora, os seringueiros

empregados em regime de semi­escravidão estão até mesmo sem alternativa de sobrevi­

vência. (...) Só no município de Rio Branco existiam 85 seringais transcritos, segundo o

Sr. Amir Lando, do INCRA. Quase todos ­ com uma população de 35 mil seringueiros –

já estão vendidos”.

A violência praticada contra os seringueiros pelos novos donos do Acre fora

denunciada por Martins: “no seringal Catuaba, o seringueiro Joselito Cordeiro perdeu a

casa, derrubada pelos capatazes dos que se dizem novos proprietários. O responsável

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pela violência é o Sr. Josué de Oliveira, do Sul, contra quem o INCRA já move uma

ação judicial. O chefe do Grupamento Fundiário do INCRA, Sr. Juraci Magalhães, acha

que se não fosse a intervenção da Polícia Federal e a colaboração de oficiais do Exército

essas violências estariam num nível insuportável. / O seringueiro Manuel de Oliveira,

14 filhos e muitas queixas, diz que “o tempo agora, doutor é de horror; parece até que

Deus acabou” (6).

No dia 24 de junho de 1974, um mês depois de sua primeira cobertura sobre a

questão da terra no Acre, o Jornal do Brasil publicou extensa matéria do seu enviado especial Ribamar Fonseca, com o título: Acre muda base econômica e causa tensão nos

seringais.

Fonseca em sua reportagem dera conta do intenso movimento de pessoas em

direção a fronteira ocidental, atraídas pelas vantagens propagandeadas pelo governo:

excelência dos solos; preço da terra; e o compromisso de apoio aos investidores. E daí

então revelou Fonseca: “O Acre passou a ser o novo Eldorado, registrando­se uma ver­

dadeira corrida às suas terras. Seringais foram adquiridos e transformados aos poucos,

em imensos campos de pastagens. Gente de tipos e hábitos diferentes foi chegando ao

Estado, de avião, carro e embarcações, fazendo com que esta Capital registrasse, só no

ano passado, um movimento de 150 mil pessoas em seus poucos hotéis. Tanto com os

investidores sérios surgiram os grileiros, os aventureiros e, também, os primeiros atritos

com os nativos”.

A violência dos fazendeiros na ação para limpeza e clareamento das terras fora

colocada em evidência pelo repórter: “A primeira providência dos compradores dos

seringais foi a retirada dos posseiros de suas terras, todos seringueiros que nasceram e

se criaram ali. (...) Alguns seringueiros aceitaram indenização, embora irrisória, das

suas colocações e deixaram as terras pacificamente. (...) A grande maioria, porém, se

recusou a abandonar o lugar onde viveram seus pais e onde nasceram. Os novos donos

da terra, então passaram a usar processos violentos para expulsá­los, com a ajuda de

pistoleiros, empregados como capatazes, que começaram a promover espancamentos e

queima das colocações”.

A reação da gente do Acre aos novos donos da terra fora sentida pelo repórter:

“O paulista passou a ser a grande ameaça, principalmente depois que começaram a o­

correr as primeiras expulsões de posseiros. As histórias de violências se espalharam

rapidamente por todo o Estado, bem como a fuga de seringueiros brasileiros para a Bo­

lívia”.

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A dramática situação social dos seringueiros ocasionada pelas transformações

econômicas que a região vinha passando fora muito bem observada por Fonseca: “...

não previu o problema social que a brusca mudança de atividade provocaria. (...) ... me­

tade de sua população é seringueira. Como conseqüência, a transformação dos seringais

em campos de pastagens deixou de imediato esses homens sem emprego. (...) Iniciou­se

então a fuga em massa para a Bolívia e Rio Branco”. A violência do processo expulsó­

rio fora sentida nos flagrantes apanhados pelo repórter: “Estanislau Siqueira de Souza,

um pernambucano de 60 anos que há 30 vive no Acre, foi escorraçado da sua colocação

no seringal Belo Jardim. Só teve tempo de apanhar as roupas e fugir para Rio Branco,

onde vive de biscates depois de mandar a família para Pernambuco. Maria Cassiana dos

Santos, viúva, 90 anos, que há 58 morava no seringal Belo Jardim, também foi expulsa

com seus nove filhos, 50 netos e 38 bisnetos”.

A reação dos trabalhadores acreanos contra a violência dos “paulistas” pela pri­

meira vez ocupara espaço na imprensa nacional. Fonseca não só noticiou o fato, mas

comentou também o silêncio da imprensa local: “Raul Veras, que vivia no seringal Ca­

tuaba, deu início ao processo de reação igualmente violenta. Perseguido pelo capataz

José Alves Neto, mais conhecido por Valdivino, empregado de João Parassur Borges,

Raul pediu garantias ao INCRA e a Secretária de Segurança Pública em março deste

ano. Por três vezes voltou a Rio Branco para pedir garantias. Há duas semanas, segundo

depoimento de testemunhas colhidas pela Polícia Federal do Acre, Raul estava traba­

lhando perto de sua colocação quando surgiu Valdivino, que foi logo atirando. Raul

entrincheirou­se atrás de uma seringueira e matou Valdivino com um único tiro. /

Quando a notícia chegou a Rio Branco, João Parassur, patrão do capataz, disse: ­ Aqui

não tem homem para matar Valdivino. Só acreditou em sua morte depois que viu o ca­

dáver. O crime é comentado discretamente pelo povo – nenhum jornal da cidade noti­

ciou – e é visto como “a primeira conta do rosário de assassinatos” (7).

O fato noticiado por Fonseca através do Jornal do Brasil tivera como anteceden­ tes as primeiras iniciativas de resistência esboçados por seringueiros e posseiros do se­

ringal Catuaba contra a violência dos “paulistas”. Os posseiros do Catuaba se encontra­ vam na área com tempo que variava 5, 10 e até 40 anos. Com a abertura da rodovia BR

– 364, muitos deles deslocaram seus tapiris para a margem da estrada, facilitando assim

as relações comerciais com marreteiros que compravam os produtos dos seus roçados,

borracha e castanha. A vida desses pequenos produtores transcorria com certa tranqüili­

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dade, pois seus ganhos permitiam com folga o sustento de suas famílias, apesar dos pre­

ços baixos pagos pela seringa.

No ano de 1972, começaram a aparecer na área do seringal os “paulistas”. Pri­ meiro faziam visita a cada trabalhador em sua colocação; alegavam que haviam com­

prado a terra e que iam dar um prazo para que o ocupante abandonasse a área, pois não

estavam interessados em borracha. O trabalhador até que concordava, mas naturalmente

pedia indenização pelas benfeitorias. O “paulista” não concordava e logo dizia para o posseiro que nem pensasse em dinheiro, pois já havia pago o preço justo da terra para o

legítimo dono, o seringalista. Depois impacientes com a demora da retirada, voltavam

com ameaças; alguns deles chegaram a ludibriar o seringueiro: ofereciam um certo valor

pela colocação, pediam pra que o posseiro assinasse um recibo e não pagavam.

A resistência passiva dos posseiros não saindo da terra e descumprindo as de­

terminações dos “paulistas” para que não brocasse a mata ou plantasse roças, tornara

mais intensa a violência dos novos patrões. Para isso, foram então mobilizados os ja­

gunços com ordens para impedir o trabalho de broca; destruir os pequenos açudes; por

fogo nos roçados; matar animais e derrubar as moradias. Além disso, deviam bloquear a

coleta de borracha e castanha, e levar peões para derrubar e queimar indiscriminada­

mente as árvores da floresta.

O clima de tensão e terror já durava quase dois anos; esgotada a resistência indi­

vidual e os apelos as autoridades, os posseiros resolveram agir coletivamente. Após al­

guns encontros, nos quais definiram o que fazer, 96 homens armados com espingardas

se dirigiram ao acampamento dos peões que trabalhavam na derrubada da mata, cerca­

ram e ocuparam a área, que ficava nas proximidades da BR – 364 num local conhecido

por “quatro bocas”. O objetivo do cerco fora ajustar contas com os fulanos Valdivino e Osório e também de expulsar os peões que faziam a derrubada. Os jagunços não foram

mortos por não se encontrarem no local; mesmo assim foram destacados sete homens

armados para dar uma busca na área com ordens de liquidá­los.

Depois dessa primeira ação de resistência coletiva ficara acertado pelos possei­

ros que daí por diante não fossem mais aceitas as arbitrariedades dos “paulistas” e o descaso das autoridades, e portanto passaram a brocar a mata, botar roçados e responder

se necessário à bala. Diante do poder de fogo dos seringueiros, os “paulistas” recuaram e passaram a utilizar a estratégia da compra da área, com isso aplicando um sério golpe

no movimento: mais de 30 posseiros negociaram suas colocações, fragmentando desse

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modo o coletivo e tornando vulnerável a permanência nas posses próximas das áreas

vendidas.

O desfecho dos acontecimentos no seringal Catuaba fora o tiroteio entre o serin­

gueiro Raul e o capataz Valdivino, resultando na morte do suposto capataz e ferimentos

graves no seu comparsa, o pistoleiro Osório (8).

Fonseca também mencionara em sua matéria para o Jornal do Brasil o silêncio da imprensa local com relação aos conflitos de terra. A cortina de silêncio, na verdade,

só viera a ser rasgada dois anos depois do conflito noticiado pelo jornal carioca, pois só

em 1976, o jornal O Rio Branco passara timidamente a tratar desse assunto. É bem pro­

vável que essa mudança deveu­se ao fato do governador do Acre, Geraldo Mesquita,

haver assumido uma posição oposta aos novos donos do Acre, passando a denunciar

publicamente os atos dos “paulistas”, inclusive dando ordens expressas para que a polí­ cia civil e militar fossem afastadas da questão da terra. Nesse assunto, certamente falara

mais alto a conta publicitária do estado, pois sua perda ou restrições não podiam, com

certeza, serem compensadas a curto prazo pelo bolso dos “paulistas”. Em matéria curta, publicada no dia 29 de agosto de 1974, na página 13, o Jornal

do Brasil noticiou: “Luta pela terra no Acre se agrava”. O seu correspondente não iden­

tificado informara da ação incendiária dos “paulistas” e do clima de tensão entre eles e os posseiros: “Os constantes atritos entre posseiros e investidores com desfecho san­

grento, levaram o Juiz Federal Ilmar Galvão a pedir oficialmente ao Procurador Geral

da República no Acre providências enérgicas para solução ao menos provisória do pro­

blema, a fim de que não se repitam os lamentáveis fatos ocorridos. (...) que prepostos de

Josué Alexandre de Oliveira, que se diz dono do seringal, iniciaram a devastação das

matas, não ficando uma só árvore em pé, além da ameaça de queima do mato derrubado.

/ Na hipótese de queima, suas pequenas barracas serão fatalmente destruídas pelo fogo”.

Em 15 de novembro de 1974 o jornal O Estado de S. Paulo noticiou que os su­

postos donos do seringal Catuaba não tinham nenhum direito sobre os 87 mil hectares

da área. As terras foram reconhecidas como propriedade do poder público, pois a con­

cessão dada ao seringalista estava relacionada ao produto e não ao terreno ocupado. A

decisão do Juiz Federal Ilmar Galvão condenara os supostos donos da terra a pagar as

custas judiciais e honorários e advocatícios. Dessa forma parecia estar encerrada mais

uma pretensão usurpante dos “paulistas” em consórcio com os velhos patrões dos serin­ gais (9).

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O Jornal do Brasil publicou matéria no dia 14.09.75, do seu enviado especial Josué Marqueiz, na qual informou sobre a crise que o Acre vem passando, principal­

mente causada pela falência dos seringais. O repórter Marqueiz, ao contrário dos outros

enviados pelo JB, não revelou sensibilidade nem o bom faro jornalístico necessários

para perceber a nova realidade vivida pelo Acre; sua matéria tem como informantes

fontes oficiais e representantes das tradicionais elites acreanas, defensores abertos da

velha e anacrônica estrutura econômica do extrativismo da borracha vegetal. Pérolas

como essas podem ser colhidas nos depoimentos: “o interventor Adauto Frota não sabe

se é melhor recambiar os seringueiros e suas famílias para os locais de origem ou reme­

tê­los aos seringais ainda produtivos” (10).

A notícia tivera como mérito a constatação da fuga maciça de seringueiros para

Rio Branco tangidos dos seringais pelos bois e pastagens dos “paulistas” . A pressão demográfica fora forte; a cidade inchou com o amontoamento de pessoas em áreas inós­

pitas e sujeitas a alagações: uma paisagem de favelamento e miséria. Esse movimento

migratório rural/urbano acelerado, resultante do processo de esvaziamento dos serin­

gais, viera a ser melhor apreciado quando eram comparados os dados estatísticos dos

censos demográficos de 1970 e 1980, no que se referiam à composição da população de

Rio Branco: urbana e rural. Em 1970 a população fora 83.977 com 40% de residentes na

área urbana; em 1980 a população chegara a 117.713 habitantes, cerca de 75% de resi­

dentes na área urbana. A urbanização de Rio Branco fora um caso considerado atípico e

precoce, pois o seu núcleo urbano crescera a uma taxa geométrica anual de 9,6%, en­

quanto na Amazônia fora de 4.1%. Devendo­se considerar ainda, como agravante, o fato

de que do território de Rio Branco foram desmembradas as Vilas Quinari e Plácido, que

vieram a ser transformadas em municípios: Senador Guiomard e Plácido de Castro.

O jornal carioca O Globo de 21 de maio de 1975, circulou com suplemento de economia: Panorama Econômico. O grosso do espaço do suplemento fora ocupado por

matérias e reportagens sobre a Amazônia, especialmente enfocando sua parte ocidental,

com destaque para o Acre e Rondônia. O extenso material publicado espalhara­se por

oito páginas do suplemento, intercalando análises sobre relatórios de órgãos do governo

federal, entrevistas com empresários, advogados, padres, técnicos do INCRA, agriculto­

res e pesquisas em outras fontes.

Com relação ao Acre, O Globo destacou a natureza especulativa do comércio de terras na região; inclusive comentara ou a respeito da esperteza de seringalistas que dei­

xaram de cadastrar áreas das quais se diziam proprietários: “preferindo aguardar incau­

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tos, compradores de terras de outros recantos do país para transferi­las em transações

ilegais”. Assinalou também o fato de “que em menos de dois anos, dois terços do Esta­

do foram vendidos, revendidos e extraordinariamente valorizados”. A romaria para a

região fora enfatizada: “Rio Branco era uma balbúrdia, (...) você não tinha lugar para

comer, para se hospedar, não tinha taxi, a cidade era um formigueiro. (...) só a cidade

Rio Branco registrava entrada de hóspedes nos hotéis e pensões num total de 14.690,

18.925 e 20.549, respectivamente, para o triênio 1971/73, (...) chegaram e começaram a

comprar terras. A maioria dessas terras tem muitos vícios de origem. Ainda assim,

compraram. Acreditavam que, no final, uma solução política sanaria o problema e, ao

que parece, se deram mal. Enquanto se sentiam fortes atacavam o INCRA. Depois pas­

saram a vítimas”. O comentário de um advogado fora elucidativo: “todas as facilidades

colocadas a disposição dos empresários por órgãos como a SUDAM, SUDHEVEA e

ACAR (...) não podem ser alcançadas porque outro órgão, também federal, o INCRA,

nos põe uma pedra no caminho”.

A desativação dos seringais e a expansão das pastagens fora sentida pelo repór­

ter que cobriu a área: “A lenta e inexorável decadência do seringal se reflete em Xapuri:

nas ruas, nas pessoas, no abandono das casas. E se espalha pelos dois mil metros qua­

drados praticamente vazios, em cinco armazéns da Belchior Costa S.A., impressionan­

tes e silenciosos testemunhos de uma época de ouro (...) Existem 6.800 seringueiros

brasileiros trabalhando na Bolívia. Se levarmos em conta suas famílias, há, no mínimo,

40 mil brasileiros. Só na Província de Pando”.

Durante anos, em Rio Branco, circularam informações bastante desencontradas a

respeito do volume dessa migração para a Bolívia: departamentos do Beni e Pando. Po­

de­se afirmar com certeza que os dados que o repórter colheu do padre José de Lima,

pároco de Xapuri, continha uma certa dosagem de exagero; ressalve­se todavia que, até

agora, nenhum levantamento foi realizado para determinar o número exato dessa migra­

ção (11). Do relatório do INCRA, a equipe de reportagem de O Globo destacou essas informações: “no Acre, a pressão exercida pelos compradores de terra denominados

genericamente de “paulistas”, ao promoverem as chamadas limpezas de áreas, muitas

vezes até pelo desforço imediato tem atirado nos arrabaldes de cidades e vilas numero­

sas famílias, a maioria constituída de seringueiros pioneiros e tradicionais, que por vá­

rias dezenas de anos ocupavam tais terras, de onde tiravam o sustento. Sem dúvida al­

guma, além da evasão gerada pela expulsão do homem de seu “habitat” costumeiro,

com prejuízos para a economia básica da região, marginaliza­o dentro de uma nova es­

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trutura, que não apresenta o suporte para recebê­lo”. Acrescentou a matéria: “Até o iní­

cio deste ano, o INCRA de Rio Branco já tinha cadastrado duas mil famílias de serin­

gueiros, expulsas dos seringais pelos novos donos das terras. Outras fontes da capital,

entretanto, garantem que esse total atinge a, pelo menos, 10 mil famílias”.

O escândalo dos negócios com terras acreanas fora posto a nú pela equipe de

reportagem de O Globo, ao relatar a ação da Colonizadora Agropecuária São Paulo Amazonas S.A. (COLOAMA), cujo cancelamento do registro fora feito pelo INCRA,

sem prejuízo do processo administrativo e criminal (12).

Passados os anos de chumbo, período do governo Médici, no qual os organismos

de repressão política abusaram do emprego de torturas, sevícias e assassinatos contra

opositores da ditadura militar; ao mesmo tempo em que o ciclo do milagre econômico dava sinais visíveis do seu esgotamento, agravado ainda mais pela crise internacional do

petróleo, o país entrava numa fase de crise política do regime militar. Nessa conjuntura,

assumira então a presidência o General Ernesto Geisel, sob o lema da “distensão lenta,

gradual e segura”. Em março de 1975, a redação do jornal alternativo Pasquim recebera a comunicação pelo telefone do fim da censura prévia contra o semanário. O abranda­

mento da censura contra a grande imprensa fora ocorrendo daí por diante, e com isso

permitindo que um maior espaço fosse reservado para o noticiário sobre questões e con­

flitos de terra no país.

O Acre fora lembrado. Dois grandes jornais: O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil, ambos de circulação nacional, já haviam aberto suas páginas para noticiar os

fatos que vinham ocorrendo na fronteira ocidental. O Jornal do Brasil fora mais auda­ cioso ao noticiar já em 1974 conflitos de terra com morte na região. Agora, o espaço

cativo do regime militar, o arquiconservador jornal O Globo viera se juntar ao Estadão e ao JB, colocando no cenário nacional da notícia a dramática realidade da fronteira em

chamas.

No ano de 1975, o jornal O Estado de S. Paulo deslocou da sucursal de Belém do Pará, o jornalista Elson Martins da Silveira, para na condição de correspondente co­

brir o território do Acre. Em 23 de novembro de 1975, o jornal paulista divulgou maté­

ria com o título: “Ocupação de seringais preocupa”. A notícia deu conta do clima de

tensão entre fazendeiros e posseiros, levando a conflitos e invasões de terras. Outros

personagens também começaram aparecer no cenário: o peão de derrubada, o bóia fria e

o gato. Este último aliciador de trabalhadores de outras regiões, que contratava sob

promessa de bons salários e da possibilidade de obtenção de terras. A presença da dele­

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gacia da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) fora

registrada, sendo destacada a importância do seu papel ao representar os interesses dos

seringueiros e posseiros junto aos patrões e órgãos do governo: estadual e federal. A

CONTAG, segundo o repórter, não usara: “a expressão invasor para caracterizar o agri­

cultor que está ocupando a terra sem o título de posse. Considera que esse tratamento

apenas retardará uma solução para a crise, que só poderá ser contornada (...) através de

órgãos competentes, de maneira objetiva, após o levantamento social e humano, em

todas as áreas­problema (13).

A CONTAG instalou sua delegacia no Acre em julho de 1975. As primeiras

atividades do órgão foram marcadas por algumas ações na justiça. Logo fora percebido

que por ai o caminho era difícil, além da natureza conservadora dos juizes, havia tam­

bém a própria ineficiência do poder judiciário local. A CONTAG desenvolveu sua ação

tendo como instrumentos jurídicos o Estatuto da Terra e o Código Civil de 1917. Para o

seringueiro orientara: a permanência na terra, não aceitando qualquer indenização, pois

a lei 4504 assegurava a posse desde que nela estivesse por um ano e um dia; recomen­

dava também o plantio de fruteiras e até pastagens se não tinha benfeitorias, pois no

caso do seringueiro a madeira já estava naturalmente na floresta, podendo descaracteri­

zar a posse se não houvesse documento comprobatório; o não pagamento de qualquer

forma de renda, pois esse pagamento implicava no reconhecimento do dono da terra,

negando portanto a posse e tornando ele um arrendatário, o que certamente criava difi­

culdades a sua causa perante a justiça. Passados apenas dois anos a CONTAG consegui­

ra organizar sindicatos rurais nos sete principais municípios do Acre: Sena Madureira,

Brasiléia, Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Tarauacá, Xapuri e Feijó. O forte apelo da ação

da CONTAG; o apoio fundamental da Igreja; a receptividade dos trabalhadores, resul­

tante da experiência de luta acumulada no enfrentamento aos “paulistas”; a presença de lideranças corajosas, algumas com experiências de lutas sociais no passado recente,

foram fatores determinantes desse processo rápido e surpreendente de organização da

resistência das classes subalternas no Acre.

No dia 3 de abril de 1976, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou que: “Possei­ ros do Acre vão ao bispo denunciar violências”. Nessa matéria, do seu correspondente

em Rio Branco, noticiou­se o conflito entre o fazendeiro Rômulo Bonalume e os possei­

ros do seringal Redenção. Desse modo, o repórter narrou: “As pressões vêm de 1973,

quando Rômulo Bonalume apareceu dizendo que havia comprado o seringal Redenção e

que precisava das áreas próximas à estrada para desenvolver seus projetos. Começou

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então a luta já comum nesses casos: Rômulo se serviu de policiais de Rio Branco (Rai­

mundo Nó Cego, Chico Honorato e Artomildo), ameaçou os posseiros, destruiu planta­

ções e gado e começou a fazer piques na área, dividindo a terra em lotes e alarmando as

famílias que se reuniram e decidiram reagir contra a invasão de suas propriedades. Che­

garam a luta direta com a polícia, até que houve uma pausa, quando Rômulo tentou mu­

dar a estratégia. (...) promessa de pagar indenizações de três mil cruzeiros, para que os

colonos abandonassem as terras. / Embora preparados para recusar qualquer acordo,

pois sabem que Rômulo não tem documentos legais de posse, os camponeses temem

constantemente um dos artifícios mais freqüentes – o fogo em suas terras (14).

Essa pendência entre posseiros e grileiros na BR­317, estrada que liga Rio Bran­

co ao município amazonense de Boca do Acre, durava anos. Fora um dos muitos casos

de grilagem de terras na Amazônia, pois a área do seringal Redenção era considerada

devoluta, pertencente portanto a União. Os posseiros até 1973 recolheram seus tributos

para a prefeitura de Boca do Acre. Já impacientados com os vexames causados pelos paulistas, trabalhadores armados resolveram dar um basta na pendência. Organizaram emboscadas para liquidar com os cabeças da violência: o advogado e o gerente do fa­

zendeiro Rômulo Bonalume. Informados todavia da possível tocaia, os prepostos de

Bonalume desviaram do caminho. Não conseguindo cumprir o planejado, na volta, ao

ver passar camionete conduzindo pistoleiros e peões, o grupo disparou suas armas con­

tra os ocupantes do veículo, baleando quatro deles (15).

Em matéria assinada pelo correspondente em Rio Branco, O Estado de S. Paulo

noticiou sobre a situação tensa e violenta em que se encontrava a fronteira. O repórter

Elson Martins informara a respeito do incidente acontecido na rodovia BR–317, quando

o veículo C­10 que conduzia João Maia, delegado da CONTAG, fora interditado na

estrada pelo fazendeiro João Miranda Vilela acompanhado por três capangas. O delega­

do da CONTAG fora proibido de realizar reunião com posseiros da área, que estavam

ameaçados de expulsão pelo fazendeiro Vilela. O repórter que acompanhara João Maia

para cobrir a reunião gravara a conversa entre os dois, sendo porém impedido por Vilela

de tirar fotos.

O repórter ao cobrir a reunião com os posseiros obteve do seringueiro Cícero

Cosmo do Nascimento, há 15 anos vivendo na área, a revelação de que a reunião não se

realizava, pois o fazendeiro João Miranda Vilela já havia avisado de suas intenções:

“Ele é valente e quer ser dono de tudo. Até dessa estrada, que é federal, porque está em

suas terras. Nós sofremos muito nas mãos desse homem. Ele quer nos impedir de cole­

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tar castanhas, de fazer benfeitorias e procura entupir os nossos varadouros”. Elson Mar­

tins também colheu informações que: “entre os capangas que se encontravam embosca­

dos a mando de João Miranda Vilela, estavam João Andirá e João Cardoso – ambos

contratados fora do estado. Em Rio Branco, a fama de João Andirá é a que mata uma

pessoa por menos de 200 cruzeiros” (16).

3.3 Acre em tempo de abertura

A partir do ano de 1976, começara a aparecer regularmente nas páginas do jornal

associado, O Rio Branco, notícias sobre conflitos de terras. No decorrer do ano de 1976, o diário local ocupou várias vezes sua primeira página com notícias cobrindo o assunto.

As manchetes, manchetinhas e chamadas para páginas internas se sucederam, a exem­

plo: “Polícia prende 4 posseiros”; “Colonos dizem porque invadiram o seringal Catua­

ba”; “Posseiros de tocaia tentam matar capataz da fazenda”; “Família de seringueiro

viveu noite de terror”; “Posseiros atacam peões na defesa de suas terras”; “Polícia de

Boca do Acre continua buscando posseiros da tocaia”; “SUDAM: situação fundiária no

Estado do Acre é problemática”. De agora por diante, o público acreano passou a tomar

conhecimento através de um jornal local, de fatos que circulavam a boca pequena, e discretamente comentados pelo povo, como chamou atenção o repórter Ribamar Fonse­ ca, enviado especial do Jornal do Brasil, para cobrir o processo de ocupação da terra na

fronteira ocidental.

Cabe todavia ressaltar que o diário associado, O Rio Branco, publicara em suas páginas artigos do escritor Océlio Medeiros, nos quais a questão da terra no Acre fora

tratada. No artigo que abriu a série, no dia 28 de fevereiro de 1974, na página 3, o escri­

tor denunciou a corrida por terras na região nesses termos: “... assisto a verdadeiros sa­

fáris para a caça de títulos de propriedades, (...) testemunho a corrida latifundiária dos

novos senhores feudais do sul que com simples compromissos estão conquistando para

si próprios mais terras do que Plácido de Castro com seus batalhões guerrilheiros (...),

substituindo os agregados de seringueiros­castanheiros pelas malocas de gado, (...) sob

os estímulos dos incentivos, das possibilidades dos vantajosos financiamentos orienta­

dos para prevenir a fome mundial de carne e da rentabilidade dos investimentos em

formações de fazenda, (...) para aqui vêm, sob os estímulos daquelas outras causas entre

os bem intencionados, os novos Luís Galvez. Vêm goianizar o Acre. Vêm paranazá­lo.

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Vêm paulistá­lo. Na formação de fazendas, derrubam alqueirões, acabam seringais, plantam arroz, substituem a floresta hileana pelo jaraguá, pelo colonião, pelo anapiê. E

muito em breve, talvez não muito longe, o Acre certamente conhecerá fatos com os

quais jamais sonhou, com o seu sinistro cortejo de violências, demandas possessórias,

questões jurídicas divisórias (17). O articulista com certeza desconhecia fatos que a im­

prensa do Sul já vinha divulgando, e a de “casa” fazia vistas grossas para esconder.

Na localidade conhecida por Extrema, próxima a rodovia BR ­ 364, no seringal

Califórnia, quando o suposto dono da terra fazia derrubada e queima da floresta para

abertura e formação de pastagem, apareceu então um grupo de posseiros armados de

espingardas e atacaram peões e pistoleiros acampados na área: muitos conseguiram fu­

gir em debandada na direção da mata; outros peões juntamente com o capataz da fazen­

da foram apanhados, presos e espancados. Esse conflito, que o jornal O Rio Branco no­ ticiou, também fora notícia em O Estado de S. Paulo com o título: “Ameaças levam

colonos a prender e maltratar peões” (30 out. 76, p. 14).

“O Estado de S. Paulo”, através de matéria enviada por seu correspondente em Rio Branco, noticiou que: “Fatos graves e lamentáveis estão ocorrendo no município de

Tarauacá no Acre, onde diversas empresas agropecuárias, principalmente a Cinco Estre­

las – praticam arbitrariedades contra posseiros com a participação da polícia gerando

um clima de grande tensão. (...) Segundo a denúncia, o administrador da fazenda Cinco

Estrelas, Gil Meireles, empregou jagunços para expulsar uma família e levou a polícia a

prender um trabalhador sem culpa formada. O delegado de polícia Moacyr Prado é acu­

sado (...) de acobertar prisões irregulares”. A notícia segue nominando a fonte da de­

núncia; o depoimento dos denunciantes; as providências pedidas pelo governador e de­

clarações do Secretário de Segurança, que previamente isentava o delegado de culpa,

dizendo ainda não haver tensão social no município (18).

O Jornal do Brasil publicou matéria, em 7 de outubro de 1977, com o título:

“Governador denuncia venda de 1/3 do Acre”. A notícia tivera origem na sucursal do JB

em Brasília: cobertura do jornal ao depoimento do governador do Acre à Comissão de

Agricultura da Câmara de Deputados. A notícia informara que segundo o governador

Geraldo Mesquita: “foram vendidos em seu Estado 4 milhões 280 mil hectares de serin­

gais a apenas 294 proprietários, todos residentes fora do Acre. As terras, transformadas

em pastagens, eqüivalem a quase 30% do território estadual (152 mil km²). (...) Destaca­

ra também o grave problema social criado com a expulsão dos seringueiros, forçando

então “seu êxodo para a Bolívia e para as favelas de Rio Branco”. Acrescentou ainda

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que os empresários transformaram os seringais em pastagens ociosas. “(...) / Todas es­

sas terras adquiridas para instalação de projetos agropecuários, não tiveram a utilização

prevista, tanto assim que aquele setor da economia que contribuía com 3,7% da receita

do ICM no Acre, passou a contribuir, sete anos depois, com apenas 2,6%”. Lembrara o

governador que: “se apenas 20% da área alienada, fossem realmente destinados à pecuá­

ria, teria o Acre 820 mil hectares de pastagens, suficientes para alimentar um rebanho de

820 mil cabeças. Como o Estado possui apenas 200 mil cabeças de gado, (...) conclui

que existe uma grande área ociosa”.

Pela primeira vez, um jornal do sul colocara os índios do Acre em suas páginas.

O JB, ao lado da matéria do governador, noticiou: “Alfredo Sueiro, líder de um grupo

de 180 índios Caxinauás, que vive no seringal Fortaleza, às margens do rio Jordão, acu­

sou ontem os seringalistas de exercerem pressões para que abandonem as terras que

ocupam desde o final do século passado, quando foram integrados como mão­de­obra

nos seringais” (19).

A imprensa do Sul do país, através dos seus principais jornais, continuou a co­

brir os conflitos de terra no Acre, que foram muitos nas décadas de 70 e 80, culminando

com a morte do líder ecologista Chico Mendes pelos pistoleiros Darli e Alvarino Alves,

irmãos e filhos, todos contratados por fazendeiros para ameaçar e expulsar acreanos de

suas posses. Os tempos de abertura criaram condições para que outros jornais de circu­

lação nacional colocassem o Acre e seus conflitos em suas pautas. A Folha de S. Paulo também entrara no cenário em 1978. De agora por diante eram os quatro maiores jornais

do país com circulação nacional a noticiar: O Globo; O Estado de S. Paulo; o Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo. Nas proximidades do enclave militar, o Jornal de Brasília deixara de lado o discurso oficial de suas matérias, para noticiar o lado obscuro dos con­

flitos: “Dez dias sob miras de armas no trabalho”; “Tensão no Acre preocupa”; “A difí­

cil solução para a questão agrária”. Por outro lado, a imprensa local, através dos seus

dois jornais diários: Gazeta do Acre (a partir de 1979), e “O Rio Branco (a partir de 1976) passaram a publicar com maior regularidade notícias sobre a questão da terra.

Um fato decisivo, a partir de maio de 1977, também ocorrera no Acre: entrara

em cena o jornal das selvas, o alternativo Varadouro. Desde então posseiros, seringuei­

ros, índios, trabalhadores urbanos, moradores da periferia etc., ou seja, todos os movi­

mentos sociais passaram a contar com um espaço privilegiado para veicular suas denún­

cias, reivindicações e causas, rasgando de modo mais cabal a cortina de silêncio que

escondera os vencidos ou calados.

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Capítulo 4 Nós Irmãos: Tribuna do Povo de Deus

Tudo isso aconteceu enquanto os sóbrios chegavam cedo em casa para alcançar os filhos acordados.

Alberto da Cunha Melo (Con­ dições nem tanto objetivas)

Nós Irmãos: Quer ouvir a voz de todos... Quer dar a palavra aos calados...

Nós Irmãos (Ano V, jan., 76)

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4.1 Nós Irmãos: a Igreja quer se comunicar

Os ventos de Medellin (1968) arejaram também a Igreja do Acre e Purus. O bis­

po D. Giocondo Grotti revelou­se sensível as novas linhas pastorais emanadas do II

CELAM, e tomou iniciativas para que sua “Igreja Particular” elegesse o povo de Deus,

e fizesse sua opção preferencial pelos pobres no âmbito de sua circunscrição eclesiásti­

ca.

Desde o começo dos anos 70, o bispo D. Giocondo Grotti sentira que o processo

de pecuarização do Acre, ora iniciado com a venda dos seringais para capitalistas do

centro­sul, trazia no seu bojo conseqüências nefastas para os acreanos, principalmente

aos mais pobres, pois esses não dispunham de meios para resistir à marcha da nova hor­

da civilizatória em direção a fronteira. A preocupação do bispo ficara demonstrada no

telefonema que fez ao advogado Océlio Medeiros, pedindo­lhe que viesse ao Acre cui­

dar da defesa do seu irmão, sob ameaça de ser expulso das terras que ocupava. Uma

certa desconfiança do bispo nos meios jurídicos locais ficou também expressa, de modo

subjacente, no diálogo narrado pelo escritor Océlio Medeiros: “− mas doutor é um apelo

que lhe faço para que venha defender seu irmão. Eu disse: mas não tem advogado em

Rio Branco? Dom Giocondo: tem, mas não para esse tipo de questão. (...) E constatei,

na realidade, que não havia sequer um advogado disposto e capaz para defender os se­

ringueiros” (1).

A mudança de rumo nas práticas pastorais da Igreja Acre­puruense era irrealizá­

vel se não houvesse uma adesão dos quadros eclesiais e das organizações laicas, respon­

sáveis pela execução e apoio ao trabalho de evangelização. A superação desse desafio

levou o bispo D. Giocondo a estimular a formação de novos grupos leigos, daí o seu

apoio aos movimentos surgidos na Vila Quinari e bairro da Estação Experimental, em

Rio Branco, que deram origem as primeiras CEBs no Acre.

Os cursos de atualização de monitores se sucederam, inclusive D. Giocondo

Grotti foi responsável pela orientação do primeiro curso. Em setembro de 1971 foi rea­

lizado o primeiro encontro de monitores da prelazia do Acre e Purus. Ao encerrar­se o

encontro o bispo dirigiu aos monitores essas palavras: “Vos recebi em minha casa e

começaste o 1º encontro de monitores ouvindo palavras minhas. Agora, ao encerrar o

encontro vos quero saudar, não com palavras minhas, mas com palavras do Espírito;

desse Espírito sempre presente na vida da igreja e que no Concílio Vaticano II teve uma

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das suas mais belas manifestações. Ei­las: O homem se fortalece quando compreende as inevitáveis necessidades da vida social, assume as multiformes exigências da solidarie­ dade humana e se responsabiliza pelo serviço à comunidade humana. Por isso deve ser estimulada, a vontade de todos a participarem das iniciativas comunitárias” (2).

Poucos dias passados do primeiro encontro de monitores viera a falecer o bispo

D. Giocondo Grotti, vítima de um desastre aéreo acontecido no município de Sena Ma­

dureira. O desaparecimento prematuro do bispo, logo ao serem dados os primeiros pas­

sos na direção dos novos rumos que a Igreja Acre­puruense havia tomado para sua ação

evangelizadora, criara naturalmente um clima de expectativa e ansiedade, sem que no

entanto essa substantiva perda viesse paralisar o trabalho já iniciado pelo grupo renova­

dor: padres e leigos.

Ora, até o fim do ano de 1971 mais outras CEBs da capital e interior juntaram­se

as duas iniciais; em dezembro, desse mesmo ano, começou a circular o primeiro número

do boletim informativo da prelazia do Acre e Purus: Nós Irmãos. O editorial do boletim deu conta do ânimo dos agentes pastorais: “Alô gente. Aqui estamos fazendo de Nós Irmãos, a voz de toda a prelazia. Num momento como este em que a prelazia está emba­ lada pastoralmente, este boletim vem a ser um elo de união entre todas as comunidades.

Notícias das comunidades de Brasiléia, Sena, Quinari, Boca do Acre, Leprosário, Xapu­

ri, Experimental etc., serão conhecidas em todos os cantos. Deixaremos de viver ilha­

dos. (...) Momentos de dor como o desaparecimento do nosso saudoso D. Giocondo, e

momentos de alegria como o das novas caminhadas pastorais (3).

4.2 Nós Irmãos: a Igreja quer libertar

Em sua pesquisa para obtenção do grau de mestre em comunicação junto a ECA­

USP, Ismar de Oliveira Soares informou, segundo os dados coletados, que a maior parte

dos boletins informativos de prelazias, dioceses e arquidioceses da Igreja Católica sur­

giu no período pós­68, naturalmente muitos deles arejados pela novas diretrizes advin­

das do Concílio Vaticano II e de Medellin (4). A esses periódicos, quer sejam de prela­

zias, dioceses quer de arquidioceses, por Soares entendidas essas circunscrições eclesi­

ásticas como dioceses, o autor denominou de boletins diocesanos, com exceção daque­ les que foram identificados com as características do veículo jornal (5).

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O conceito de boletim diocesano que assumimos nesse trabalho fora enunciado por Soares nos seguintes termos: “todos os veículos editados sob a responsabilidade da

autoridade que chefia uma circunscrição eclesiástica católica impressos sob a forma de

folhetos, apostilas, tablóides ou mesma revista e que apresentam as características de

periodicidade, envolvimento com a doutrina e ação da Igreja local, prestação de serviços

a toda a comunidade diocesana e desvínculo com a publicidade comercial remunerada”

(6).

Pois então, cabe realçar que Nós Irmãos cumpria naturalmente o seu papel de boletim diocesano, como veículo divulgador da doutrina e da ação pastoral da Igreja;

mas, e além disso, coube­lhe desempenhar a função basilar de meio alternativo de co­

municação, posto que suas páginas estiveram sempre a disposição dos calados, para que

esses pudessem expressar nelas o seu humilde protesto, e denunciar a violência de que

eram vítimas no interior dos seringais, nas fazendas, nos barrancos dos rios, colonias,

vilas e cidades.

O papel assumido por esses boletins como meio de comunicação alternativo, já

fora percebido por Soares: “uma nova forma de comunicação, os boletins diocesanos,

que em muitas dioceses se transformaram em autênticos veículos alternativos, traba­

lhando a serviço dos grupos que lutam contra as estruturas injustas da sociedade brasi­

leira” (7). No caso particular do boletim informativo Nós Irmãos, os temas relacionados com os grupos e movimentos sociais ocupavam espaço privilegiado.

Ao classificar os boletins diocesanos em três grandes grupos, em função dos

percentuais de textos neles inseridos que se referiam a questão social, Soares considerou

que Nós Irmãos tratava o tema como conteúdo relevante. No exemplar submetido a aná­ lise por Soares: 49% dos seus textos eram dedicados à questão social (8).

No mês de dezembro de 1971, o boletim diocesano Nós Irmãos n.º 1, ano I, co­ meçou a circular na jurisdição religiosa da prelazia do Acre e Purus. Apareceu sob a

forma de “folheto”: formato A4 dobrado ao meio, em papel de cor branca com gramatu­

ra de 75 gramas, grampeado na sua margem esquerda, com 6 páginas afora a capa. A

impressão fora em mimeógrafo mecânico a tinta, a partir de matrizes de estencíles per­

furados à máquina datilográfica e a estilete. Os textos dispostos em colunas irregulares

que variavam de 9 a 13 centímetros de largura. Na capa, letreiros indicavam informa­

ções da publicação; para ilustrar: mapa do Acre assinalando a área de abrangência reli­

giosa da prelazia.

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O conteúdo nesse primeiro número de Nós Irmãos estava dividido em quatro partes: editorial, notícias da paróquia, seção comunidades de base e noticiário geral.

Nesse conteúdo mereceu especial destaque o editorial, pois no seu texto percebía­se,

com facilidade, o clima de otimismo e a mobilização de parte do corpo eclesiástico, em

torno das novas diretrizes que passaram a orientar as práticas pastorais da Igreja Acre­

puruense.

No texto do editorial fez­se também resenha dos principais fatos noticiados nas

páginas do boletim: o surgimento de novas CEBs; o plano de emergência dos agentes

pastorais de Rio Branco; os encontros periódicos do conselho prelatício e o novo trei­

namento para monitores.

Duas notícias são merecedoras da maior atenção: “a construção do centro de

treinamento para agentes pastorais”, pois esse fato noticiado já revelava que a prelazia

mostrava­se preocupada com a ampliação dos seus quadros laicos, principalmente de

monitores identificados com as novas linhas pastorais; a outra dava conta de que o con­

selho prelatício diante da incerteza da Nunciatura, quanto a indicação do bispo para as­

sumir o lugar do falecido D. Giocondo no comando da prelazia, resolvera enviar ao

Núncio o voto unânime dos seus membros para o padre Moacyr Grechi, à época provin­

cial da ordem dos Servos de Maria no Brasil.

O boletim Nós Irmãos não mencionara em nota ou notícia a sua periodicidade, nem a equipe responsável por sua elaboração, e também sequer referiu­se o quanto da

tiragem desse primeiro número. Os textos nele foram vazados numa escrita direta e in­

formal; o que revelara, portanto, que seu corpo de redatores se esforçara para evitar, ao

seu modo, os jargões do discurso religioso; e que procurara redigir os textos o mais pos­

sível numa linguagem de estilo coloquial, com o discernimento de facilitar a comunica­

ção com o público de fiéis.

O ano de 1972 fora de fundamental relevância para se compreender o papel que

o boletim diocesano “Nós Irmãos passara a desempenhar nos anos que se seguiram jun­ to aos movimentos sociais. É essencial mencionar que se de um lado as iniciativas to­

madas para tornar viável a nova linha pastoral eram ainda incipientes, não havendo até

então contagiado a maioria do corpo eclesial; por outro, cabe frisar o fato de que a filei­

ra dos renovadores sofrera um insólito e pesado desfalque provocado pelo trágico e

prematuro falecimento do bispo D. Giocondo Grotti. O vácuo criado com a morte do

prelado, a demora na designação pela Nunciatura do novo bispo e, sobretudo, o perfil do

novo apóstolo para condução da prelazia fora preocupante, passando vez por outra a

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aparecer nas páginas do boletim certa alusão ao fato, isso, com certeza, revelava que o

setor progressista estava inseguro quanto ao futuro do trabalho iniciado. O Nós Irmãos dois, ano I, fevereiro de 1972, apresentou­se sob a mesma forma e

igual distribuição do conteúdo, com os acréscimos: notícias da Igreja do Brasil e dos

textos para meditar nos grupos de evangelização. Esses textos cumpriam o papel peda­

gógico de educar os participantes dos recém­formados grupos de evangelização, pas­

sando­lhes uma visão da nova prática pastoral da Igreja pós­Medellin.

Mesmo não sendo a preocupação desse trabalho a análise do material pedagógi­

co veiculado pelo boletim, tornou­se conveniente sacar alguns trechos à guisa de ilus­

tração do grau de engajamento do setor progressista: “5. Quando a Igreja defendeu os

interesses e os privilégios, ela é católica, é protegida, mas quando defende a justiça, ela

então é chamada de errada, de subversiva, seus ministros chamados de comunistas e

terroristas e acusados publicamente. Que Jesus diz diante de tudo isto? Procure debater

no seu grupo”.

O noticiário sobre a Igreja no Brasil dera cobertura a fatos relacionados com a

prisão do padre Daniel da arquidiocese do Rio; expulsão do vigário de Tauá, Ceará, por

ser subversivo; e ao documento divulgado pelo bispo D. Pedro Casaldáliga, da prelazia

de São Félix do Araguaia: “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e

marginalização social”. De rápido também noticiou que continuavam as consultas se­ cretas para escolha do bispo da prelazia do Acre e Purus.

Nós Irmãos n.º 3, ano I, março de 1972, no seu editorial registrara o sucesso do

treinamento de monitores: mais de cem participantes nos dois cursos. O noticiário refle­

tia o clima de mobilização intenso voltado para o trabalho de formação de agentes pas­

torais. Uma denúncia também se destacou entre as noticias: a morte de uma militante

comunitária conhecida por Deó: “vítima das mais horrendas torturas efetuadas na Dele­

gacia da capital e com a misteriosa intoxicação que a autópsia revelou. O certo é que a

acusação primária que lhe levantaram encontrou a repulsa geral da comunidade” (9). Nós Irmãos n.º 4, ano I, abril de 1972, abandonara a forma de folheto do bole­

tim; seu editorial fora dedicado à proposta para comemoração de uma páscoa realizada

de modo diferente da tradicional. O encontro de agentes pastorais e monitores das CEBs

e das paróquias fora dado como exemplo. Os padres renovadores Pedro Martinello e

Manoel Pacífico foram encarregados pela orientação do encontro. Destaques ainda para

as notícias do surgimento de outra CEB e do treinamento de monitores da paróquia de

Sena Madureira, sob a direção eclesial do padre renovador Paulino Baldassari.

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No mês de abril de 1972, o boletim diocesano Nós Irmãos fora então alterado para o formato A4; passando a circular sob a forma de apostila, com caderno grampeado

na margem esquerda. A distribuição do conteúdo permaneceu igualmente. A notícia da

expulsão do padre Comblin, assessor do arcebispo D. Helder Câmara, pelo governo

militar, sob a acusação de ser subversivo, fora o destaque do boletim. O grosso do mate­

rial veiculado tratou da vida nas paróquias e comunidades. Nós Irmãos n.º 6, ano I, maio de 1972, circulou com o editorial cujo conteúdo

revelara a preocupação do setor progressista com a demora da escolha do novo bispo. O

editorial fora lavrado com palavras fortes e continha críticas incisivas, podendo de certo

modo ser considerado portador do desabafo, quanto ao descontentamento e apreensão

sentidos pelos progressistas: (...) cresce a expectativa em torno da nomeação do novo

bispo. Aguarda­se nesta hora tão decisiva para nossas comunidades, que os verdadeiros

interesses da igreja acreana estejam acima dos velhos interesses da política dos bastido­

res. E que o Espírito Santo não encontre obstáculos como aqueles que a história regis­

trou muitas vezes em que se deu o episcopado não a pessoas de conhecido zelo pastoral

e identificadas com a sorte do seu rebanho, e sim a elementos sem idoneidade, incapa­

zes de carregar sobre os ombros tal responsabilidade. Que Deus não permita que ho­

mens inescrupulosos desde Roma, por laços de amizade, políticos ou outros de menor

conta, venham colocar em dificuldade o futuro de nossas comunidades. (...) Por tudo o

que o Espírito Santo vem edificando no silêncio da floresta e entre os pobres do seu

Reino...”.

Nós Irmãos n.º 9, ano I, agosto de 1972, trouxe a palavra do bispo como editori­ al. O noticiário dera conta da posse do padre Moacyr Grechi como bispo prelado do

Acre e Purus; até que enfim nomeado pelo papa Paulo VI, depois de quase um ano de

ansiosa espera. Notícia extraordinária revelava que Nós Irmãos havia aumentado sua tiragem, passando de duzentos para trezentos exemplares mensais; o boletim nesse con­

texto definira sua periodicidade mensal e revelara sua tiragem anterior e daí por diante.

A tiragem de 300 exemplares de suas edições mensais demonstrara o nível da

penetração do boletim diocesano no público religioso, pois a circulação de sua mensa­

gem sem muito risco de erro podia ser multiplicada por dez. As matérias do Nós Irmãos eram lidas, estudadas e debatidas nas reuniões e encontros dos grupos de evangelização

e CEBs; além disso, muitas vezes suas mensagens foram lidas nas missas e outras sole­

nidades religiosas.

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O boletim Nós Irmãos n.º 10, ano I, setembro de 1972, noticiou que o bispo D. Moacyr Grechi organizara o corpo de assessoramento direto para o governo da prelazia:

o Conselho Presbiteral. A composição desse conselho pelos padres Pedro Martinello,

Manuel Pacífico, João Rocha, e mais dois outros membros escolhidos por indicação

desses, que vieram a ser os padres Paulino Baldassari e José Fernandes, significara, com

certeza, a consolidação da liderança do pensamento renovador no seio da Igreja Acre­

puruense.

Nesse mesmo boletim também aparecera a primeira notícia sobre a presença dos

“paulistas” no Acre. Com o título “Seringueiro não tem vez”, noticiou: “Padre Paulino

lembra a cada um de nós esta verdade sempre velha. As injustiças sociais continuam a

ser o pão amassado para o pobre seringueiro comer ainda nos dias de hoje. O caso dos

“paulistas” é apenas um sintoma dessa chaga idosa dos seringueiros acreanos.

No mês de outubro Nós Irmãos não circulou. O número do mês de novembro

noticiou o primeiro treinamento de monitores de Brasiléia. A Igreja renovada estendera

sua ação pastoral a outros municípios do Acre, além de Sena Madureira.

O boletim Nós Irmãos n.º 12, ano I, dezembro de 1972 (pp. 1­2), noticiou a reu­ nião do Conselho Presbiteral. Na notícia merescera destaque a elaboração do plano pas­

toral da prelazia referente ao ano de 1973. Esse plano fora esboçado tendo como diretri­

zes: as opções da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; as linhas pastorais defini­

das em Santarém pelos bispos da Amazônia; e a caminhada que já vinha fazendo a pre­

lazia.

Um diagnóstico da situação da Igreja do Acre e Purus fora apresentado no bole­

tim. Nele, tornara­se fácil observar a grandeza dos desafios a ser enfrentados, e também

o esforço dos renovadores para retirar a prelazia da dependência das tradicionais estru­

turas eclesiais e laicas. As CEBs já eram 6; os grupos de evangelização se multiplicaram

para 123; o número de monitores chegara a 215, mais 10 grupos juvenis. Essas novas

organizações passaram a ser a base para a ação pastoral libertadora, com a opção prefe­

rencial pelos pobres.

Daí por diante, com certeza, o boletim Nós Irmãos estava consolidado e, portan­ to, sua periodicidade, circulação e linha editorial foram assumidas pela Igreja Particular

do Acre e Purus, pois o seu bispo fizera também opção pelo Povo de Deus.

Durante o ano de 1972, o setor progressista da Igreja do Acre e Purus consolida­

ra suas posições, passando então a contar com o decisivo apoio do novo bispo para a

ação pastoral que vinham desenvolvendo. As posições conquistadas por suas lideranças

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mais expressivas no Conselho Presbiteral, o resultado das eleições para o recém­criado

Conselho Pastoral da Prelazia demonstraram que os setores progressistas haviam obtido

o reconhecimento do seu trabalho no seio da comunidade eclesial: padres, religiosos e

leigos.

Elaborado com a orientação da ala renovadora, o novo plano pastoral da prelazia

contemplara como prioridades: a formação de agentes pastorais; a descentralização das

paróquias; a criação de novas CEBs e a construção do centro de treinamento para capa­

citar quadros, naturalmente, inspiradas nas linhas pastorais advindas do Concílio Vati­

cano II e do II CELAM, em Medellin.

Nesse contexto renovador, o boletim diocesano Nós Irmãos também tivera sua permanência consolidada. O editorial do boletim n.º 2, ano II, fevereiro de 73 (p. 1),

dera conta desse fato: “Nós Irmãos continua firme repartindo com os irmãos desta Igreja Acre­puruense as alegrias e tristezas de nossas paróquias e comunidades. Nós Irmãos é

o boletim de todos nós. Ele leva todo o mês sua notícia para todo canto. Perto de 200

monitores recebem regularmente este boletim. Aqui você toma conhecimento de todo o

esforço que obedeça as diretrizes dos bispos da Amazônia e as ditadas pelo plano pasto­

ral desta prelazia”. No mês de março de 72, a palavra escrita de Nós Irmãos recebeu o

reforço necessário do programa radiofônico Somos Todos Irmãos, que aos sábados pela manhã, as 6:00 horas, e a noite as 18:00 horas, passara a transmitir através da Rádio

Difusora Acreana a fala da Igreja que fizera a opção pelos pobres.

De agora por diante, o boletim Nós Irmãos definira o seu formato: ofício – 9

(A4) com 21,5 x 31,5; com periodicidade mensal; sua tiragem fora aumentando à medi­

da que o público leitor de fiéis crescera: de inicio 200; antes do primeiro ano de circula­

ção: 300; em 1977: 700; e daí por diante cerca ou mais de 1.000 exemplares. Na sua

edição n.º 1 aparecera com 6 páginas sob a forma de folheto; pouco a pouco fora au­

mentando o número de páginas, vindo a circular até com 36 páginas no ano de 1981.

Nos dez anos das edições pesquisadas circulou, afora os três primeiros números, sob a

forma de apostila grampeada na margem esquerda: ao lado ou na lateral superior da

folha de papel. A impressão sempre fora em mimeógrafo mecânico à tinta, com matri­

zes de estenciles perfurados à máquina e estilete, e depois, gravados por meios eletrôni­

cos. A capa do Nós Irmãos quase sempre apresentou­se com ilustração e letreiros: cha­ madas para as matérias mais importantes ou apelos de cunho religioso.

No período dos dez anos pesquisados foram impressas 105 edições do boletim Nós Irmãos; nesse tempo, mais de 80 mil exemplares circularam pelas comunidades e

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paróquias: da capital e interior. A periodicidade mensal via de regra fora mantida, salvo

nos anos de 1972, 1974 e 1981; ora apareceu com preço de capa a ser cobrado do públi­

co leitor, ora sem ele; no entanto sua distribuição fora raras vezes gratuita. Os textos que

ocuparam o espaço do boletim nesse trajeto de dez anos foram de modo geral assim

distribuídos: editorial ou a fala do bispo; notícias das paróquias; notícias das comunida­

des; textos do evangelho para discussão nos grupos religiosos; cadernos de notícias,

reportagens, entrevistas, artigos, avisos, notas e cartas dos leitores; contudo, sem que

houvesse uma distribuição definida dessas matérias no corpo do periódico. Da equipe de

redação nem sempre os nomes constaram no expediente do boletim, desse modo, fican­

do difusa a responsabilidade de sua pauta e dos textos publicados.

Nos primeiros anos de circulação do boletim diocesano Nós Irmãos, mais com precisão nos anos: 1972 e 1973, grande parte do esforço de comunicação fora utilizado

com certa exclusividade para sensibilizar e mobilizar o público de fiéis: padres, religio­

sos e leigos, em torno das linhas pastorais que definiam como prioridade o trabalho jun­

to as comunidades, e também tinham os pobres como opção preferencial.

A equipe de redação de Nós Irmãos já viera imprimindo uma linha editorial en­ gajada ao boletim, contudo, a abertura mais efetiva de suas páginas para o trato e veicu­

lação de temas que diziam respeito a questão social, e mesmo o apoio explícito aos mo­

vimentos sociais ficaram ainda na dependência da posição que o novo bispo da prelazia

viesse a assumir com relação ao caminho que a Igreja Acre­puruense se dispusera a en­

veredar.

A palavra do bispo na mensagem do Natal aos fiéis, veiculada pelo Nós Irmãos n.º 12, ano III, de dezembro de 1973 (pp. 3­4), viera deixar clara e transparente a linha

traçada pelo bispo D. Moacyr Grechi; para sua orientação apostolar: “Felizes são vocês

os pobres, porque o Reino de Deus é de vocês. (...) Mas ai de vocês que agora tem tudo,

porque vão passar fome! Ai de vocês que agora estão rindo, porque vão chorar! (Lucas

6, 20­26). / Quem são estes “pobres”, (...) são os que não tem nem bens nem poder e

que por isso são vítimas da fome, de privações, de injustiças que os fazem sofrer e cho­

rar. O texto nos obriga a mudar nosso modo de pensar e nos propõe um dado fundamen­

tal da Sagrada Escritura: Deus está da parte do pobre! Estes pobres sofredores são privi­

legiados na economia da salvação, não porque sejam melhores, mais disponíveis que os

outros, mais simplesmente pelo fato de que sofrem necessitam de ajuda mais do que os

outros. O fundamento de seu privilégio não se encontra neles mas em Deus, que como

rei justo, deve necessariamente manifestar sua solicitude por esses deserdados da sorte. /

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(...) Como é difícil para os ricos entrarem no Reino de Deus! os discípulos estranharam

isto, mas Jesus continuou: “Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais

difícil o rico entrar no Reino de Deus do que um camelo passar pelo fundo de uma agu­

lha” (Marcos 10 22­25). (...) A igreja é verdadeiramente a cidade dos pobres. Os ricos,

não receio afirmá­lo, pertencendo por sua condição ao séquito do mundo, nela são ape­

nas tolerados ... Os ricos são os estrangeiros da Igreja e só o Serviço dos Pobres pode naturalizá­los” (Bossuet). (...) A pregação da Igreja de hoje, o anúncio da Boa­nova, as nossas comunidades e nossa própria vida de cristãos faz nascer nos pobres de hoje, nos

marginalizados de hoje, nos menores abandonados, nas prostitutas de todas as idades,

nos sem terra, nos homens e mulheres isolados, nos doentes, nos velhos, nos inválidos de todo gênero Uma Esperança Fundada de Dias Melhores? Sentem­se eles acolhidos e amados por nós? Sou esta esperança bem concreta, que pode significar para eles a vinda

de Cristo, o natal? (...) Ele nos acolhe, ele nos salva com sua ternura, com sua bondade,

com sua força, com seu perdão, com sua alegria e nos pede uma coisa só, uma única

coisa: que o imitemos. “Ele veio para os pobres, os famintos, os aflitos, os pecadores

(Lucas 6, 20­26) e é só com eles que entraremos no Reino dos Céus” (10). O plano pas­

toral da prelazia para o ano de 1974 fora o testemunho mais sólido do esforço da Igreja

Acre­puruense para implementar sua opção pastoral. As prioridades foram: formação de

agentes pastorais e de novas CEBs; a pastoral das estradas e rios e a promoção humana.

Contudo, um fato importante precisa ser esclarecido para que melhor se possa

compreender a realidade da Igreja do Acre e Purus. Após o falecimento do bispo D.

Giocondo Grotti, desde setembro de 1971 até o mês de julho de 1973, a prelazia ainda

não tivera um “bispo de direito” designado pelo papa para seu governo apostolar, isto é,

com a devida ordenação episcopal. A satisfação dessa exigência canônica fora possível

na data de 31 de julho de 1973, quando o papa Paulo VI designou a D. Moacyr Grechi,

bispo da Igreja do Acre e Purus; vindo então ele a receber sua sagração no dia 21 de

outubro do mesmo ano, tornando­se, portanto, o 4º bispo da Igreja Acre­puruense.

A condição nada confortável de provisoriedade tácita, que vigorara por um pou­

co mais de uma no, desde sua nomeação para administrador apostólico da prelazia com

status de bispo, cessara e, de agora por diante, Dom Moacyr Grechi tornara­se de direito

membro efetivo do episcopado brasileiro (11).

O contexto social, econômico e político do Acre da primeira metade dos anos

1970 tornara o viver muito perigoso, principalmente para os mais pobres e, nesse uni­

verso, particularmente, para os pobres confinados na floresta: índios, seringueiros, pos­

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seiros e colonos. A mudança na base econômica dera motivo para exacerbação do uso

das mais variadas formas de violência. A conivência, até por servilismo, das elites locais

com os atos dos forâneos, adequadamente chamados de “novos imperadores do Acre”,

ajudara a tecer a cortina de silêncio para ocultar o clamor dos excluídos. Por outro lado,

atravessava­se no país o período de maior repressão política de sua história: o governo

Médice. Os órgãos de segurança do estado com atuação na fronteira, não tiveram o me­

nor constrangimento em se associarem de modo inconfesso aos grupos “paramilitares”

dos fazendeiros, ou mesmo, usando a prática da omissão, deixarem o terreno livre para

o emprego da violência por parte desses grupos. A luta contra a subversão justificava

qualquer conluio.

Diante desse tempo de terror, temor e clamor a “Igreja Particular do Acre e Pu­

rus”, sob a liderança do seu bispo D. Moacyr Grechi, mobilizara sua comunidade eclesi­

al: padres, religiosos e leigos, para unidos se engajarem numa ação pastoral libertadora.

O boletim diocesano Nós Irmãos inseriu­se nessa realidade em conflito, para prestar o serviço de meio de comunicação alternativo para os excluídos sob o lema: Nós Irmãos: Quer ouvir a voz de todos ... / Quer dar a palavra aos calados... (12).

4.3 Nós Irmãos e os movimentos sociais na luta pela terra

Nós Irmãos n.º 6, ano II, junho de 1973 (p. 5), fora a primeira edição do boletim a noticiar, efetivamente, fatos sobre a movediça questão da terra no Acre. O texto da

notícia revelava que a Igreja, até pelo menos aquele momento, não dispusera ainda de

informações sobre a real gravidade do que vinha acontecendo no interior dos seringais.

A equipe de redação ficara surpresa com as denúncias do deputado do MDB, e de outras

que haviam chegado até ela, provavelmente por agentes pastorais. Assim, fora o fato

narrado: “Denúncias de que 600 famílias do interior xapuriense teriam abandonado o

território acreano em demanda da Bolívia por falta de terras para trabalhar e a denúncia

do deputado Geraldo Fleming de que 93 famílias estavam na iminência de serem expul­

sas de suas terras localizadas no seringal Catuaba vieram arrancar­nos por algumas ho­

ras do nosso pesado sono. Para lá do exagero numérico que expressa em cores bem vi­

vas a dor de muitas famílias de colonos e seringueiros certamente envolvidos neste

drama, algo deve estar acontecendo neste nosso interior acreano. O Sr. Alescandar Tris­

tão Soares, executor do Projeto Fundiário do Acre, que considera improcedentes tais

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notícias, reconhece, porém, a existência de um “pouco de inconformismo com a venda

de terras, tendo muito seringueiros nos procurado para saber suas situações perante o

novo dono das terras. Para ser franco, isso é rotina de trabalho aqui no INCRA” afirma

Sr. Alescandar. O certo é que até o momento, a comissão constituída para apurar a de­

nuncia de Xapuri nada tem feito neste sentido. Este problema é dos graves que vem

preocupando bastante nestes últimos meses os agentes da nossa Igreja Acre­puruense.

Enquanto não se faz a apuração desta e demais irregularidades nunca saberemos delimi­

tar a real extensão deste drama...”.

No boletim n.º 8, ano I, agosto de 1973 (pp. 2­3), com base em fatos veiculados

no jornal O Rio Branco, registrara que havia também problemas de terras em Boca do Acre. Segundo Nós Irmãos: “... o depoimento do peão José Olímpio Dutra, fugitivo dos maus tratos infligidos pelo capataz do seringal União, motivou diversas tomadas de po­

sição dos deputados da Assembléia. (...) Mas também no vizinho município de Boca do

Acre, em pleno estado do Amazonas, diversas famílias estão preocupadas com suas

terras.

Os boletins de números 9 e 11, ano II, setembro (p. 6) e novembro (p. 4) de

1973, veicularam informações das paróquias de Sena Madureira e Brasiléia dando conta

da gravidade da questão da terra. Nós Irmãos noticiara que: “O interior em vários pon­ tos mostra o despovoamento de áreas enormes vendidas aos “paulistas” ou à COLO­ AMA”. Em novembro fora a vez do padre Heitor Turrine, o pároco de Brasiléia consta­ tar o mesmo fato. Segundo o boletim: “Os problemas das terras cria em todas as barra­

cas um verdadeiro mal­estar, pois as terras estão sendo vendidas e a maioria dos serin­

gueiros vivem aguardando ou indenização em terra, ou indenização em dinheiro ou um

outro lugar para viver. E todos estão na incerteza, a maioria absoluta sem dinheiro, pas­

sando as maiores privações”.

Em Sena Madureira a questão da terra voltara a ocupar espaço no periódico dio­

cesano. Nós Irmãos n.º 10, ano II, outubro de 1973 (pp. 4­5), noticiou: “Queixas cada vez mais numerosas e graves chegam diariamente a sede municipal do INCRA. Alguns

compradores de terras recém­chegados do Sul ameaçam queimar as barracas de alguns

moradores que não concordam com o abandono puro e simples de suas colocações sem

nenhuma indenização ou com uma indenização tão insignificante que nada lhes garante.

Em baixo da ponte do rio Acre em Rio Branco todos poderão encontrar um tal de

“Manduca”, morador no seringal do Sr. Euripe, do km 83 da estrada de Sena Madureira,

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que acompanha de sua esposa e filhos foi expulso de sua colocação e teve sua casa

queimada”.

No mês de dezembro, de 1973, ano II, Nós Irmãos n.º 12 circulara com um texto como se fora um encarte sob o título: Catecismo da terra. Esse texto fora produto do primeiro treinamento de monitores realizado no município de Brasiléia entre os dias 10

e 15 de dezembro. A repercussão que o documento alcançara no seio da Igreja e com a

população fora bastante considerável; pois além de circular como encarte nos 400 e­

xemplares da tiragem do boletim Nós Irmãos de dezembro, fora reproduzido em cente­ nas de cópias para distribuição nos seringais.

Com o título “Mil famílias sem terras em Rio Branco”, Nós Irmãos n.º 4, ano III, abril de 1974 (p. 5), denunciou a violência contra trabalhadores que vinha ocorrendo

nos seringais: “A história dos problemas de terras no Acre começa com o fato já absur­

do de ninguém possuir título definitivo. No momento em que numerosas vendas de ter­

ras estão sendo efetuadas aos compradores do Sul, pode­se perfeitamente imaginar as

injustiças e irregularidades que vêm acontecendo, num flagrante desrespeito a Lei 4.504

do Estatuto da Terra que protege as numerosas famílias de posseiros, que moram há

anos nestas terras. (...) Umas 1.000 famílias, somente em Rio Branco, já solicitaram

terras para trabalhar, porém fora de algumas promessas, nada se conseguiu até o mo­

mento de parte do INCRA. (...) Os incidentes então mais diversos vêm se multiplicando

por todo o estado. No seringal União localizado à beira do Riozinho, de “propriedade”

do Sr. José Tavares, aconteceram fatos mesmo provocantes que foram desde as simples

arbitrariedades e violências até o “sumiço”, homens pobres que foram mortos e dados

por “desaparecidos”. Outro seringal, em manchete neste instante, é o Belo Jardim, (...)

que está na eminência de ser vendido aos “paulistas” enquanto 70 famílias, num total de

340 pessoas, que há anos moram por lá (alguns há até 30 anos e mais) correm o risco de

perderem suas terras”.

Nesse mesmo boletim, página 8, fora noticiada a ação dos monitores para escla­

recer e organizar trabalhadores para a luta de resistência pela terra. Nós Irmãos infor­ mou: “... monitor de Assis Brasil, Sr. Antonio Rodrigues dos Anjos, vulgo das onças;

três dias a pé, e chegou a Brasiléia sem um minuto de atraso. Ele contou que no seringal

São Francisco todo mundo o recebe com atenção nas suas viagens evangélicas e ficam

satisfeitos pela liberdade com que o monitor proclama a Lei de Deus e anuncia aos po­

bres seringueiros os direitos da terra (grifo nosso) segundo o que falou o Diretor do IN­

CRA no curso de monitores em Brasiléia, dezembro passado. Os monitores do seringal

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São João, Srs. Anastácio e Pedro, fizeram o elenco de 44 famílias que moram e traba­

lham no seringal: nome do chefe de família, número de pessoas integrantes, tempo de

residência no lugar. A todos recomendaram, segundo a Lei de Deus e da Pátria, calma

para que os direitos de todos e os deveres de cada fossem cumpridos”. Nós Irmãos de n.º 6, ano III, junho de 1974, ilustrou sua capa com desenho alu­

sivo a questão da terra. O periódico abriu sua primeira página com a manchete: “Orien­

tação da Igreja do Acre e Purus sobre o problema das terras”. As três primeiras páginas

(1­3) do boletim foram reservadas para divulgar na íntegra o documento da Igreja, que

marcara sua posição diante do campo minado em que viera se constituindo a questão da

terra no Acre. O já divulgado Catecismo da Terra, como avulso no boletim Nós Irmãos, recebera agora a chancela da Igreja, passando a ser documento oficial da instituição

religiosa. Segundo noticiara o boletim diocesano, os conselhos superiores da prelazia:

Presbiteral e Pastoral, reunidos no dia 3 de junho, diante da gravidade da situação das

terras, já haviam tomado a decisão unânime de se fazer um documento sobre o assunto,

que tornasse mais clara a orientação da Igreja e, consequentemente, mais eficaz sua a­

ção pastoral.

O boletim (p. 4) também noticiou o I Encontro do Vicaríato da Ordem dos Ser­

vos de Maria do Acre. O texto fez uma sinopse da agenda dos principais assuntos discu­

tidos e destacou: “Fruto desse encontro foram as linhas pastorais traçadas pela Igreja do

Acre e Purus, sobre o problema das terras. Trata­se de um corajoso documento, assinado

por todos os presentes e já divulgado pelo jornal O Rio Branco e pelas emissoras de

rádio da Capital”.

No mesmo boletim (pp. 5­6) com a manchete: “Fugas, Espancamentos e Irregu­

laridades no Seringal São Francisco do Iracema”, fora veiculada a noticia de práticas de

sevícias em cárcere privado no referido seringal. O texto dera conta que: “Neste seringal

de propriedade do Sr. João Arante, gerenciado no Acre pelo Dr. Vilela, uma série de

arbitrariedades vem acontecendo. Dom Moacyr foi obrigado por motivo pastoral e soci­

al a fazer a viagem a este seringal, uma vez que diversas famílias da capital preocupadas

com a sorte de filhos e parentes que lá trabalhavam, a ele recorreram. Muitas famílias

tinham tomado conhecimento do regime de escravidão que lá imperava, e de onde mui­

tos já fugiram; outros tiveram seus pertences tomados e escondidos para permanência

forçada, e onde outros vinham sendo intimados e até espancados. / Um dos atingidos

pela onda de arbitrariedades foi Francisco Carvalho de Lima, um homem de 23 anos,

que apesar de saldo nesse seringal foi impedido de sair do mesmo. Como se não bastas­

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se o capanga Zé Marroque armado com revólver 38 e uma faca tentou agredir e matar o

trabalhador sem defesa, tal não ocorrendo graças a interferência do empleiteiro o “Cea­

rá” que o dissuadiu (...). Mas isso não impediu Zé Marroque de conduzir o trabalhador

até o lugar chamado “pensão” e surrá­lo com um chicote chamado “umbigo de boi”,

durante 10 minutos, entrecortado de violenta discussão entre ambos, enquanto o fiscal

de serviço José Bessa vigiava na porta a entrada de estranhos (...). Parece mesmo incrí­

vel que tudo isto aconteça (...). Dom Moacyr ficou chocado com o que viu e providên­

cias serão tomadas pelas autoridades no sentido de por termo a este verdadeiro regime

de escravidão”.

Duas outras notícias curtas ainda despertara a atenção para esse número do

periódico. A primeira delas informara que o secretário geral da CNBB, Don Ivo Lors­

cheider, confirmara a vinda em outubro do episcopado da região para Rio Branco. Os

motivos alegados para a decisão estavam relacionados com os problemas da terra e o

agravamento da situação de posseiros, seringueiros e colonos. Uma outra, noticiara que

o sindicato dos seringueiros, há anos fundado no Acre, e agora desativado, estava se

reorganizando para atuar na defesa dos interesses dos trabalhadores. Nós Irmãos n.º 7, ano III, julho de 1974, repetira a mesma capa da edição an­

terior apenas alterando a legenda, e republicou nas páginas 2 e 3, sem o Catecismo da

Terra, o texto do documento de orientação da Igreja do Acre e Purus sobre o problema

da terra. O editorial do boletim diocesano desse número procurou comentar a repercus­

são do documento junto as classes subalternas e outro setores da sociedade; e também

fez uma análise da conjuntura para reafirmar a posição da Igreja. Transcrevimos o edito­

rial na íntegra: “Nós Irmãos traz novamente aos seus leitores as notícias da Igreja Acre­ puruense e o importante texto do documento sobre terras. Este documento tem desper­

tado os mais diversos comentários. A grande maioria do povo e em especial a classe

sofrida dos seringueiros, colonos e posseiros tem recebido com alegria e alívio esta to­

mada de posição da Igreja. Outros setores acharam a Igreja mal­informada e interessada

em criar um clima de agitação. Outros em sinal de desaprovação simplesmente silencia­

ram e ignoraram a orientação da Igreja. Outros acharam que a Igreja exagerou muito a

coisa. Não é tão grave assim a situação, dizem eles!!! É lamentável que ainda exista

tanta gente insensível diante desse doloroso drama de 25 mil famílias acreanas domina­

das pelo medo e pela insegurança do amanhã. Não se pode permanecer omissos quando

numerosas famílias passam a fronteira boliviana por não encontrarem nesta imensa A­

mazônia o direito sagrado a um pedaço de terra para viver. Não se pode permanecer

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omissos quando além de toda sorte de arbitrariedades como espancamentos, queima de

casas de seringueiros, indenizações absurdas, enganos e fraudes, começa se passar para

o derramamento de sangue. Isto já aconteceu no seringal Catuaba, no Km 26 da BR –

364, onde depois de violenta troca de tiros restou um morto e um ferido. Depois deste

incidente nasce o documento de Xapuri. Mal passado um mês do crime do Catuaba e já

o mês de julho com o massacre do fiscal de terras do seringal Granada por dois pistolei­

ros. É por isso que Nós Irmãos volta a apresentar o texto do documento de Xapuri sobre terras. Ninguém mesmo pode ficar de braços cruzados diante do que vem acontecendo

no interior de nossos seringais. Os religiosos que assinaram este documento nem são

compradores de terras e nem são colonos, posseiros ou seringueiros. Eles não militam

na política partidária e nem tem interesses econômicos a defender. Eles querem apenas

ser testemunhas do evangelho de Jesus numa hora em que o mundo defende outros “va­

lores” em nome do “progresso” e do “desenvolvimento econômico” do “povo”!!! No

rodapé da página em que fora publicado o texto do editorial estava escrito: “É obrigação

da Igreja, defender segundo o mandato evangélico, o direito dos fracos e oprimidos –

Documento II de Medellin, n.º 2” (13).

Adiante, na página 4, o boletim Nós Irmãos fez um balanço de como repercutira

na Amazônia, no Sul do país e no Acre, o texto da Igreja que definira sua orientação

sobre o problema das terras no estado, e que passara a ser conhecido como o documento

de Xapuri. Informava o boletim que jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Porto

Velho e outras capitais do país ou publicaram o texto de modo integral, ou ao documen­

to fizeram referências ao comentar sobre as tensões criadas com a instalação de grandes

empresas agropecuárias na Amazônia. Nós Irmãos informara ainda da reação de alguns setores do governo: “Houve também o silêncio oficial de diversos setores do adminis­

trativos do Estado e comentários velados sobre o caráter “alarmista” deste documento.

“Há um pouco de desinformação e simpatia pelo boato derrotista”, afirma um político.

(...) O vazio político do Estado que se contenta em repetir “Slogan”, já sem conteúdo e

meros lugares­comuns, sem enfrentar o problema das terras que atinge 25 mil famílias

de seringueiros e colonos, cujas única saída é deslocar­se para nossas cidades já bem

problemáticas socialmente ...” (14).

Duas outras notícias, no mesmo boletim nas páginas 4 e 5, deram conta de novas

violências praticadas contra trabalhadores. Uma delas relatou que: “... volta a se regis­

trar espancamentos de diversos homens, em seringal ligado ao Dr. Afonso Vilela. (...) O

seringal Bagaço, onde muitos seringueiros vivem sob um clima de constante intimida­

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ção, ameaçados de saírem de suas terras, sem segurança alguma, e saber onde ir”.

Adiante, outra noticia sobre assassinato em decorrência de conflito de terra: “Hermes

Batista Cavalcanti foi atraído por pistoleiros a uma cilada e abatido a tiros de espingarda

e revólver. Trata­se de mais um grave crime assalariado, onde a vida do fiscal de terras

do seringal Granada (...) foi orçada em 22 mil cruzeiros, envolvendo elementos do se­

ringal Bom Destino, pertencente a BONAL”. Nós Irmãos n.º 8, ano III, agosto de 1974, página 3, noticiou que o Jornal do

Brasil, Folha da Tarde e O Estado de S. Paulo divulgaram o documento de Xapuri; e que também o Departamento de Imprensa e Comunicação da CNBB fornecera cópias do

texto para emissoras de rádio e televisão de todo o país. Informara ainda o boletim que,

segundo o bispo D. Moacyr Grechi, o documento também circulara com repercussão na

Europa. Nós Irmãos, nesse mesmo número, páginas 3 e 4, noticiou sobre conflito de ter­

ra: “Mais um fiscal de terras assassinado”. Aconteceu esse incidente no seringal São

Francisco do Iracema, gerenciado pelo Dr. Afonso Vilela, onde constantemente diversas

irregularidades vem acontecendo. Diversos tiros cortaram a vida do fiscal de terras Ma­

nuel (Manelão), dia 2 de agosto. Desta forma constatamos como o sangue continua a ser

derramado em nossos seringais e o que chama a atenção geral é a displicência e o silên­

cio de diversos órgãos do Estado em face deste drama ...”.

O ano de 1974 fora marcado pela exacerbação dos conflitos pela terra no Acre.

Da parte dos trabalhadores, as primeiras iniciativas começaram a ser tomadas com vista

a organizar a resistência contra os desmandos dos fazendeiros. O conflito do seringal

Catuaba, envolvendo seringueiros e pistoleiros, fora um momento decisivo, pois de­

monstrara que de modo coletivo fora possível enfrentar a capangagem e defender suas

posses. O ano de 1974 também foi eleitoral, os dois partidos políticos: ARENA e MDB,

com seus candidatos disputando as eleições para o Senado, Câmara Federal e Assem­

bléia Legislativa do Estado, tiveram que se pronunciarem durante a campanha, mesmo

de modo tímido, sobre a questão da terra. Nós Irmãos n.º 9 registrara o fato político­ eleitoral e comentou: “O que surpreende é o crescimento do “clima passional” e o “va­

zio político” dos pronunciamentos, onde com raras exceções aparece alguma matéria de

conteúdo. Os grandes temas políticos do Estado como a sorte das 25 mil famílias de

seringueiros, afetada pelo processo de compra de terras, (...) são temas ignorados ou

bem pouco aprofundados” (ano III, set./out./nov. 74).

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O resultado das eleições dera a vitória para os candidatos do MDB; o partido de

oposição conseguira eleger o senador; dois deputados federais das três vagas disputadas,

e a maioria da Assembléia Legislativa. O eleitor acreano acompanhara, naquele momen­

to, a tendência de oposição da maioria do povo brasileiro ao regime militar, manifesta

nas eleições ocorridas em 1974 no país (15).

O ano de 1975 fora um marco decisivo na história dos movimentos sociais no

Acre, principalmente no que diz respeito a organização da resistência e da luta pela ter­

ra. Em junho de 1975 chegara a Rio Branco o economista João Maia, que viera como

delegado da CONTAG, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, para

o estado do Acre e território de Rondônia. A presença da CONTAG viera desencadear o

trabalho de organização de sindicatos rurais no estado. Nós Irmãos, ano IV, de julho de 1975, veiculou em nada menos de 5 de suas

páginas noticias relacionadas ao problema da terra. Logo no seu editorial, nesse número

(p. 2), aparecendo como “a palavra do bispo”, fora comentado os resultados do encontro

de padres e coordenadores de CEBs, e destacara­se como prioridade, dentre as questões

de ordem social, o problema da terra e a organização dos sindicatos, principalmente

rurais.

O encontro referido no editorial fora adiante notícia no boletim (pp. 5­6). Os

padres e coordenadores de CEBs estiveram reunidos para avaliar as linhas principais da

ação pastoral da Igreja Acre­puruense. Durante o encontro, duas palestras foram muito

importantes: A reforma agrária, proferida pelo procurador do INCRA, Amir Lando; e

sobre sindicato de responsabilidade do delegado da CONTAG, João Maia. Do conjunto

das conclusões do encontro, publicados pelo boletim Nós Irmãos merecera destaque duas linhas de ação no setor da promoção humana: “1 – Necessário se faz um treina­

mento para padres e coordenadores o mais breve possível em vista de uma pedagogia do oprimido, que nos possibilite concretamente a levar o povo a assumir suas responsa­

bilidades. 2 – Procurar­se­á dar apoio total à formação de sindicatos e líderes sindi­ cais, esclarecendo o povo quanto a sua importância” (grifos nossos).

Ainda nessa edição de Nós Irmãos, em cujo espaço o problema da terra merecera um tratamento especial, vários anúncios sobre a reforma agrária foram publicados no

rodapé do periódico. Além disso, abrira em manchete: “Bispos, padres e cristãos da

Amazônia tomam a defesa de 10 milhões de famílias sem terra”. A notícia informara do

encontro de 67 cristãos: bispos, padres, religiosos e leigos, reunidos de 16 a 22 de junho

em Goiânia, para discutir os mais cruciais problemas que afligiam à Amazônia Legal,

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tomaram a decisão de que a Igreja devia empenhar­se para que viesse acontecer a re­

forma agrária no país. E também, em vista disso, resolveram criar uma Comissão da

Terra, ligada à linha missionária da CNBB, para que justamente com outros órgãos vi­

essem a lutar em favor do homem sem terra. Ainda, fora sugerido que as Igrejas da A­

mazônia levassem em conta, de modo particular ou no conjunto, a problemática da terra

em seu planejamento pastoral. O desfecho natural dessa importante decisão fora, pouco

tempo depois, a instalação pela CNBB da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que viera

a ter o bispo Dom Moacyr Grechi como seu presidente. Nós Irmãos (pp. 3­4) publicou o documento de Goiânia na íntegra, abrindo tam­

bém na quarta página espaço para que a mensagem fosse amplamente divulgada. Em

caixa alta: LEIA E ESPALHE; daí então passando a transcrever a mensagem que fora

redigida pelos participantes do encontro: “Mensagem do povo, aos posseiros e trabalha­

dores na Agricultura”. / Os Bispos, Padres e Cristãos de toda a Amazônia, reunidos em

Goiânia, sentindo profundamente os problemas, pelos quais vocês estão passando e já

muitos passaram, sendo expulsos da terra em que trabalham, ou vivendo na maior inse­

gurança pelo que lhes reserva o dia de amanhã, ou não recebendo tratamento digno no

seu trabalho, querem lhes dizer: “A grande força que vocês têm na mão é a sua União,

um dando apoio ao outro. Todos juntos pedindo cumprimento da Lei da Terra e da Lei do Trabalhador. / Vocês devem se apegar à sua terra de onde poderão tirar o sustento e

sobrevivência de sua família. A própria lei lhes garante continuar na terra. Só o Juiz é

que pode retirá­los da terra que ocupam. Vocês não devem sair dela por qualquer pres­

são ou ameaça feita sem esta ordem. / Sem esta ordem do Juiz não saia a não ser que as

autoridades lhe dêem garantia de outra área para onde ir. Não se iludam com as indeni­

zações que são logo oferecidas. Deus, que é nosso Pai, alimente e a nossa esperança e a

certeza de que teremos a nossa herança: Agora, a terra é sempre o Céu. Goiânia, 22 de junho de 1975.

Na edição de dezembro de 1975, Nós Irmãos, ano IV, pp. 10­11, noticiou que as conclusões do Primeiro Encontro de Goiânia sobre a Terra e Migrações na Amazônia

Legal, de junho de 1975, foram assumidas pela CNBB, e que a Comissão Pastoral da

Terra passara a ser organismo oficialmente ligado à sua linha missionária. O texto das

conclusões de Goiânia na sua versão final foi republicado no boletim sobre a alegação

de que os objetivos da CPT nele estavam contidos: “Igrejas da Amazônia Legal, reuni­

das em Goiânia, em Encontro Pastoral, respondendo à dramática situação e a aspiração

do nosso povo sem terra, decide o seguinte: 1. Assumir o compromisso de empenhar­se

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no processo global de Reforma Agrária do nosso país, dando cumprimento ao espírito e

a letra do Estatuto da terra, articulando­se com todas as instituições e organismos soci­ ais que trabalham por este mesmo objetivo (todos os grifos do texto são nossos). Criar uma Comissão de Terras que, na qualidade de organismo de caráter oficioso, ligado à Linha Missionária da CNBB, possa realizar com agilidade o objetivo de interligar, as­

sessorar e dinamizar os que trabalham em favor dos homens sem terra e dos trabalhado­

res rurais, e estabelecer ligação com outros organismos afins. Cabe a esta Comissão dar

especial atenção ao Estatuto da Terra e à Legislação Trabalhista Rural, procurando di­

vulgá­los em linguagem popular. Que ela promova também campanhas de ampla e inte­

ligente conscientização em favor dos 10 milhões de famílias sem terra. 3. Que cada dio­ cese, prelazia ou conjunto de prelazias, em ligação com a Comissão de Terras se empe­

nhe no seguinte: 3.1. Criar uma equipe que a partir do conhecimento profundo da reali­ dade, possa ajudar para que se abranja vitalmente a problemática da terra e suas conse­

qüências no planejamento Pastoral. 3.2. Organizar uma assessoria jurídica para tudo que se refere aos problemas da terra e dos trabalhadores rurais. 3.3. Promover campa­ nhas de conscientização para os trabalhadores rurais e agentes de pastoral”.

No ano de 1975, a Igreja do Acre e Purus, de acordo com a linha pastoral assu­

mida pelas Igrejas da Amazônia, passou a colaborar com a CONTAG na organização

dos sindicatos de trabalhadores rurais. No curto período de setembro de 1975 a maio de

1976, três sindicatos rurais foram criados nos municípios de Sena Madureira, Brasiléia e

Rio Branco. Até o ano de 1977, mais quatro sindicatos foram criados: Cruzeiro do Sul,

Tarauacá, Feijó e Xapuri, praticamente cobrindo toda extensão rural do estado.

A Igreja do Acre e Purus, durante o ano de 1976, abrira novas frentes de trabalho

junto a comunidade. Para melhor realizar esse trabalho dentro de uma linha pastoral

libertadora, a Igreja viera a instalar três Comissões Pastorais: da Terra, Indígena e Ur­

bana. As novas frentes de atuação abertas junto a comunidade já vieram sendo objeto do

noticiário do boletim Nós Irmãos, que de modo manifesto fora ocupando o seu espaço editorial com questões sociais; portanto, muito pouco desse espaço nele sobrara para o

trato dos assuntos relacionados com a evangelização propriamente dita, ou sejam: a re­

ligião, a fé cristã, a Igreja e os sacramentos.

O bispo Dom Moacyr Grechi já percebera esse fato, e para contornar essa situa­

ção resolvera, juntamente com sua assessoria pastoral direta, pensar num outro meio de

comunicação, que viesse veicular de modo alternativo as muitas questões sociais que

afligiam o povo de Deus. Para isso, foram trazidos ao Acre religiosos com formação em

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jornalismo, com a finalidade de tornar viável o projeto. Daí então viera a surgir um ano

depois o jornal Varadouro. É bem verdade que, no ano de 1976, as questões relacionadas com os direitos

humanos, política, meio ambiente, índios, movimentos de bairros etc., com maior fre­

qüência vieram a ser noticiadas no boletim Nós Irmãos; e até mesmo, em algumas de

suas edições, passando a ocupar maior espaço que o problema da terra. Contudo, ainda

fora a questão da terra, predominante no conjunto de notícias nele veiculado. Nós Irmãos, ano V, abril de 1976, no expediente (p. 1) identificara sua equipe de

redação: D. Moacyr, Nilson Mourão, Dinah, William, José Mastrangelo, padre Destro

ainda a colaboração da paróquia de Santa. Inês e CEBs. A bem pouco tempo, passara

ele a ser impresso a partir de matrizes de esténciles gravadas por meio eletrônico. Essa

mudança técnica permitira sensível melhora nas ilustrações.

A manchete sobre a terra fora nesse boletim (pp. 9­10) de abril: “O Acre e a fuga

de capitais”. Assim segue a notícia: “multiplicam­se os casos de posseiros, colonos e

seringueiros que, de maneira violenta, vêm sendo expulsos das terras sem o menor res­

peito à sua dignidade humana e as leis vigentes. Em menos de quatro anos cerca de dois

terços dos 152 mil quilômetros quadrados do território acreano foram vendidos a grupos

econômicos do sul. Os novos donos das terras destroem seringais, proíbem os seringuei­

ros de continuarem em suas atividades e expulsam os agricultores das terras. Em conse­

qüência, centenas de famílias têm deixado o Acre, indo procurar trabalho nos seringais

bolivianos. / O INCRA tem procurado contornar o problema, evitando a compra e venda

indiscriminada das terras, que são públicas em sua quase totalidade. Contudo, os sulistas

prosseguem fazendo a derrubada, transformando extensas seringais em vastos campos

de pastagens para criação do gado. / O seringueiro é coagido a sair de sua colocação. Se

se nega a sair, desmatam as áreas adjacentes à sua barraca e em seguida tocam fogo. O

posseiro para não se ver sufocado pela fumaça ou queimado tem que sair da terra. Nas

cabeceiras do rio Purus, segundo noticiam, o capataz de um latifundiário chegou a man­

ter um cárcere privado para “dar lições” nos teimosos que não deixavam a terra. / Inqué­

rito realizado pela CONTAG, em setembro de 1975, motivado por um abaixo­assinado

firmado por 94 posseiros do seringal Porvir, próximo a Xapuri, constatou que 179 famí­

lias, num total de 1.134 pessoas, estão sendo ameaçadas de despejo pelo latifundiário

Adalcides Costa. O seringal possui mais de 50 mil hectares, está próximo a área de fron­

teiras e é ambicionado de longa data, apesar de os posseiros residirem há muito tempo

na região”.

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O apoio da Igreja na formação dos sindicatos rurais no Acre facilitara em muito

o trabalho de organização da CONTAG. Nós Irmãos, ano V, maio de 1976, pp. 11­12, publicara extensa matéria, e registou os fatos relacionados com a assembléia de funda­

ção do sindicato dos trabalhadores rurais de Rio Branco. O texto da notícia revelara um

certo constrangimento com a presença de políticos no ato, procurou reafirmar o papel da

Igreja e atribuíra ao trabalhador o efetivo mérito pela iniciativa. Eis o texto: “Finalmente

o homem do campo, o caboclo, o seringueiro, o pequeno posseiro, o cariú de Rio Bran­

co conseguiram a insofismável vitória, ao criar o Sindicato (...), dia 23 de maio de 1976,

numa cerimônia simples realizada na Catedral Nossa Senhora de Nazaré. / Não aprecia­

mos as belas palavras e estereotípicas de alguns, que procuravam ganhar as simpatias do

trabalhador até merecendo várias salvas de palma, num intuito demagogicamente políti­

co. / Ficamos apenas observando os rostos de centenas de trabalhadores, muitos deles

vindo de longe, que, embora mascarados pela amargura de tantos sofrimentos e abusos,

exprimiam sinais de alegria e satisfação, aplaudindo o ato da fundação do sindicato. /

Vimos só o trabalhador, que realmente era o único a merecer tão significativa manifes­

tação. Ele foi o artífice principal, lutando, abandonando temores, superando preconcei­

tos, desafiando incompreensões, de tal realização. / Os nossos parabéns, portanto, vão

exclusivamente a esse trabalhador, que soube conquistar o lugar no contexto social e

cultural de nossa comunidade, podendo daqui pra frente expressar a sua voz, sem medo

de “alguém”. (...) A paternidade de tal agremiação não será atribuída às forças externas,

mas, repetimos, só ao trabalhador. É verdade, nessa hora, são muitas as vozes que pre­

tendem justificar a ação pró­sindical das próprias associações etc... / Conhecendo o re­

vés da medalha, ficamos profundamente tristes e decepcionados. / Não importa ... um

dia a verdade brilhará! / A Igreja reconhecemos, sempre esteve presente no meio rural,

ao lado do pequeno posseiro, ganhando por isso, em contrapartida, desprezo e ameaças

dos “grandes”. (...) Sobretudo, no nosso ambiente e nesta época, a “mudança” está aba­

lando estruturalmente campos e consciências. Por isso a Igreja deve estar presente, a­

nunciando e denunciando, para que se restabeleça o equilíbrio na comunidade e reine

Justiça e Liberdade”.

Em junho de 1976, Nós Irmãos, ano V, pp. 9­10, noticiou: “40 posseiros defen­ dem suas terras. Durante a visita apostólica ao seringal Carmem, as Irmãs Madalena e

Patrícia, responsáveis da CEB de Brasiléia, deparam situações de injustiça, mais uma

vez oriundas da terra. / A colocação do Sr. Francisco Pacheco foi invadida por cerca de

50 peões, que mandados pelo gerente (!), começaram a brocar as terras para fazer cam­

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po de boi. O Sr. Francisco não se conformou e pediu o apoio das famílias vizinhas, co­

municando o que estava acontecendo. 40 homens responderam ao apelo e solidarizaram

com o Sr. Francisco, prontos a defendê­lo até encontrar uma solução. Por sete dias estes

homens ficaram unidos: comiam e dormiam ao redor da casa do Sr. Francisco, enfren­

tando dificuldades e toda espécie de ameaças, e impedindo que os peões continuassem a

brocar. / Entretanto, alguns foram pedir proteção ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais,

com sede em Brasiléia. O advogado aconselhou­os a recorrerem à 4ª Companhia. Ali, à

presença do gerente (!) do seringal, os corajosos manifestaram o próprio desgosto pelo

que estava acontecendo e esclareceram a atitude assumida. Não deixaram o Sr. Francis­

co sofrer, abandonado a si mesmo e expulso da terra que com tanto suor vinha traba­

lhando. Não era justo. (...) É o caminho a seguir, no momento delicado e cheio de ten­

sões que o nosso Acre está passando por causa das terras, que, graças a Deus, não fal­

tam”.

Os fatos narrados pelo boletim Nós Irmãos, acontecidos no seringal Carmem no mês de março, recebeu uma outra versão do sindicalista e líder ecologista Chico Men­

des, que na época secretariava o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia. Para

ele o movimento dos posseiros do seringal Carmem dera origem a uma das formas de

luta de resistência mais eficazes para defender a floresta, que veio a ser consagrada na­

cionalmente pelo nome de empate (16). O Nós Irmãos, ano V, julho de 1976, p. 2, em mensagem dirigida aos leitores,

transcrevera editorial do boletim da CPT cujas linhas gerais foram assumidas pela Igreja

do Acre e Purus. O texto continha a orientação que passara a nortear as atividades dos

agentes pastorais nas suas relações com o movimento de organização dos trabalhadores

do campo. Diz a mensagem: “(...) Defendemos o direito que os trabalhadores têm de se

organizarem em defesa de seus interesses sem a tutela e o controle de ninguém, tanto é

assim que não defendemos a criação de frentes “cristãs” de promoção sindical, como

algumas vezes tem feito a Igreja Católica. Defendemos isto sim, que todas as entidades

que trabalham no meio do povo provoquem os trabalhadores a se organizarem para bus­

car os seus interesses. (...) Por estas razões, nós sentimos a necessidade de que os conta­

tos que temos com os trabalhadores rurais, por meio dos trabalhos pastorais, sirvam

também para, à luz do Evangelho, animar os trabalhadores a assumir sua organização de

classe, seu sindicato, não admitindo tutelas de ninguém, para que tenham condição de

lutar em favor dos seus direitos. (...) O apoio à livre organização sindical dos trabalha­

dores rurais é indispensável se desejamos alcançar uma verdadeira e global Reforma

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Agrária. O sindicato (...) como livre organização dos trabalhadores rurais, instrumento

para garantir que essa Reforma Agrária seja feita em favor do povo e não dos grandes

proprietários, como até agora”. A Igreja do Acre e Purus reiterou a posição delineada no

documento da CPT, e encaminhou seu trabalho de apoio a livre organização dos sindi­

catos, combatendo qualquer tentativa para tutelar o movimento.

Nessa mesma edição, pp. 13­14, “Nós Irmãos transcrevera matérias sobre vio­ lências contra trabalhadores, que foram veiculadas em outros jornais: local e do sul do

país. Do jornal O Rio Branco, de 14/07/76, fora transcrito o texto que noticiara a sessão de espancamento e tortura por simulação de afogamento, que sofrera um peão na fazen­

da Ponteio, de propriedade de um tal Glauco Barroso. No fecho da noticia, comentara o

boletim: “E com essa história os acreanos aprenderiam que “rua escura” (espécie de

corredor polonês) pode não ter nada a ver com ELETROACRE, mas sim com um re­

quinte de violência importado do centro­sul do país, em nome do progresso de nosso

Estado”.

Do jornal O Estado de S. Paulo, de 15/07/76, Nós Irmãos reproduzira o texto que se segue: “Mais de 300 famílias de posseiros do seringal Empresa, que fica a 40

quilômetros de Rio Branco, (...) vivem momentos de grande agitação, (...) quando o

indivíduo Carlos César – espécie de gerente das terras adquiridas pelos paulistas – a­ companhado dos policiais Hilário e Eloi, de Rio Branco, e mais um fiscal do IBDF de

nome Enes, tocou fogo em uma dezena de barracos de colonos e saiu ameaçando as

famílias daqueles que se encontravam ausentes, preparando os seus roçados. / Em repre­

sália, os posseiros atearam fogo num acampamento do topógrafo, pago pela firma que

fazia demarcação nas terras e, armados de espingardas e facões, saíram pela mata, em

busca de Carlos César e seus acompanhantes, dispostos a enfrentá­los a bala, (...) /

Quando soube dos acontecimentos, o diretor de Polícia Judiciária do Acre, João Bernar­

dino de Souza, foi ao local, levando elementos da polícia militar fortemente armados,

para apanhar os responsáveis, a partir de um indivíduo conhecido por “Birrita”, suposto

cabeça do levante, mas os posseiros mostraram­se hostis, inclusive com Bernardino,

fazendo­o perceber que a situação era desesperadora para eles, e que a decisão por conta

própria era de todos, até as últimas conseqüências. A autoridade teria abrandado e mu­

dado de tática, convidando os posseiros para um acordo, em seu gabinete, em Rio Bran­

co, no dia seguinte”. Nós Irmãos, ano V, agosto de 1976, pp. 18­19, veiculou noticia já publicada na

imprensa do sul do país, e fez comentários de desaprovação as declarações do presiden­

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te do INCRA contidas no texto: “O INCRA já definiu junto com o Ministério da Agri­

cultura que o território de Rondônia e o estado do Acre serão áreas prioritárias para o

início do trabalho de regularização das terras adquiridas ilegalmente na Amazônia. /

Segundo o presidente do INCRA, Lourenço Vieira da Silva, a situação mais crítica é a

do Acre (...). As linhas básicas para a regularização das terras procurarão não prejudicar

os investidores que, de boa fé, adquiriram terras ilegais a região (...)”. Nós Irmãos pas­ sou então a comentar o texto e, portanto, a externar toda sua indignação e repulsa a esse

ato abusivo e cínico do governo para proteger os interesses econômicos de certa burgue­

sia agrária. Dissera o boletim: “Interessante! Muito interessante mesmo! Se o assunto

não fosse tão sério, esta notícia poderia ser a maior piada dos últimos tempos. Vejamos:

será que era preciso acontecer tanta coisa ruim para o presidente do INCRA reconhecer

que a situação do Acre é a mais crítica? Será que era precisa que centenas e centenas de

famílias de seringueiros fosse expulsos de suas terras, da maneira mais violenta e injusta

para o presidente do INCRA, (...) reconhecer somente agora que a situação do Acre e

das mais delicadas? (...) / Mas o mais interessante mesmo é ler que os investidores (“os

paulistas”) foram enganados quando compraram terras no Acre. Realmente isto é muito comovente! Coitados! É emocionante saber que os diretores de grandes empresas, como

BRADESCO, COLOAMA, etc. são analfabetos. Eles não sabiam, coitadinhos, que não

podiam adquirir mais de 2 mil hectares, já que quase todo o território do Acre é faixa de

fronteira e por isso eles compraram 500 mil hectares. Pois é. Eles não sabiam que o A­

cre faz fronteira com a Bolívia, com o Peru (...) Por isso, segundo o Ministério da Agri­

cultura e o INCRA, agora que vai haver regularização das terras, esses investidores, que

foram enganados terão preferência”. Nós Irmãos, ano V, edição de setembro (pp. 12­14), passara utilizar nova forma

de narrativa para noticiar os fatos relacionados com a questão da terra. Um caso de vio­

lência contra um posseiro da parte de um fazendeiro e do Juiz da Comarca de Xapuri

fora contado sob a forma literária da crônica. De agora por diante, as denúncias contra a

violência no campo, muitas vezes foram veiculadas no boletim sob a forma de cartas ou

crônicas.

Nessa edição, notícias curtas trataram da questão da terra: “Cerca de 16 possei­

ros no seringal Nova Empresa foram presos, no fim de agosto, porque estavam desma­

tando. Segundo o IBDF desmatar a lei n.º 4.771 do Código Florestal. Mas acontece que

o pessoal precisa desmatar a fim de plantar alguma coisa pra comer e garantir a posse da

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terra. Aí alguém perguntou: e os paulistas que já desmataram milhões de hectares não vão ser presos, heim “doutor” IBDF?”.

Nós Irmãos, ano V, de dezembro de 1976 (pp. 9­10), reservara quase duas pági­ nas de sua edição para denunciar as torturas sofridas pelo padre Florentino Maboni,

missionário na região de São Geraldo do Araguaia. O padre Maboni fora preso por mili­

tares e submetido a sessões de torturas físicas e psicológicas, sendo levado várias vezes

encapuzado para Xambioá para prestar depoimentos. Além dessa grave denúncia, o bo­

letim (p. 12) publicou alguns trechos da palestra que o delegado do INCRA para o Acre

e Rondônia fizera no auditório da Universidade Federal do Acre, sobre a questão da

terra. Segundo o boletim, Assis Canuto revelou que: (...) / 2. “O conflitos de terra surgi­

ram porque os seringalistas e os empresários do sul, desavisados ou mal­intencionados,

não consideraram os seringueiros como legítimos posseiros. 3. Ninguém pode ser des­

pejado dos seringais (pena! que, a essas alturas, um certo doutor da polícia, que costuma

“despejar” posseiros, já tivesse saído da conferência). / 4. Um grupo econômico (de

“paulistas”) “esticou”, multiplicou sua propriedade de 98 mil hectares (32 títulos) para

604 mil”.

O ano de 1977 fora marcado por importantes acontecimentos tanto na área polí­

tica quanto na área militar. A política de distensão lenta, gradual e segura do general­

presidente Ernesto Geisel tivera que superar alguns obstáculos, durante os anos de 1976

e 1977, para que viesse a ser consolidada. É bem verdade que a linha dura militar, já no

ano de 1976, sofrera pesados reveses com a exoneração do general Ednardo D’Avila

Melo do comando do 2º Exército, por sua responsabilidade e omissão nos casos de as­

sassinatos por torturas do jornalista Vladimir Herzog (25/10/75) e do operário Manoel

Fiel Filho (17/01/76), acontecidos nas dependências do DOI­CODI em São Paulo. Con­

tudo, apesar do isolamento relativo da linha dura, alguns meses depois tivera início os

atentados terroristas de direita. Alguns outros retrocessos também marcaram o ano de

1976. A exemplo: a Lei Falcão que instituíra o retrato falado dos candidatos nas elei­

ções municipais de 1976: e a chacina da Lapa, designação dada ao brutal episódio do

estouro de um aparelho do PC do B por tropas do exército. Nessa ação repressiva vie­

ram a ser mortos 3 membros do seu Comitê Central (um deles sobre torturas), e 7 outros

foram presos.

No ano de 1977, o maior retrocesso fora o fechamento do Congresso Nacional

por 14 dias com base no AI­5, e a adoção do conjunto de medidas que ficara conhecido

como o Pacote de Abril. No bojo dessas medidas vieram a suspensão das eleições dire­

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tas para governadores de estados; a criação da figura do senador biônico, ao ser imposta

a escolha indireta de 1/3 do Senado Federal; a ampliação das bancadas federais dos me­

nores estados da federação, onde a Arena, partido do governo, exercia maior controle

eleitoral. Por outro lado, na área militar, o governo Geisel conseguira controlar o último

bolsão com poder de fogo na linha dura: a exoneração do ministro­chefe do Exército

gen. Sílvio Frota (12.10.77).

O abrandamento da ação da censura, iniciado no ano de 1975 com a retirada dos

censores da redação do jornal O Estado de S. Paulo, continuara durante o ano de 1977. A abertura propiciara maior espaço para que fossem divulgados os conflitos de terra, e

também as ações dos movimentos sociais. No Acre, o jornal O Rio Branco passara a noticiar com regularidade esses fatos, e, no mês de abril, entrara em cena um novo ator:

o alternativo Varadouro. Contudo, Nós Irmãos, que já viera adotando um política edito­ ral de diversificação de assuntos a serem veiculados em suas páginas, continuou a reser­

var um bom espaço de suas edições para o problema da terra.

Cabe ainda realçar que, em 1976, precisamente no dia 17 de dezembro, o gover­

nador do Acre, Geraldo Mesquita, cancelara o programa religioso radiofônico Somos Todos Irmãos, que era levado ao ar nos sábados: as 6 horas da manhã e 18 horas. Mes­

quita rompera o contrato de irradiação do programa, que era feita através da Rádio Di­

fusora Acreana: emissora de propriedade do estado. A Igreja do Acre e Purus perdera

então um importante meio de comunicação para veicular sua política pastoral de opção

preferencial pelos pobres, pois no programa as questões sociais, e com especial atenção

o problema da terra, sempre ocupara um bom tempo do noticiário. Além disso, tivera a

Igreja de renunciar a transmissão radiofônica da missa dominical e também do progra­

ma diário da Ave­Maria, pois o bispo não aceitara as exigências feitas pelo governo, que

pedira um texto escrito. Nesses programas, o bispo D. Moacyr Grechi argumentou: “Pa­

lavra de Deus é sempre a mesma e não poderia ficar sob qualquer espécie de controle

por parte do poder civil” (Nós Irmãos, ano V, dez. 76, p. 8). Mesmo com esse espaço fechado por apenas dois meses, pois o programa

radiofônico Somos Todos Irmãos já em 29 de janeiro voltara a ser transmitido pela Rá­ dio Novo Andirá, o boletim Nós Irmãos, por conta da diversificação das frentes de tra­ balho abertas pela Igreja, passara a ser mais solicitado para veicular mensagens e notí­

cias, principalmente da parte dos agentes pastorais, pois esses se encontravam mais en­

volvidos com os movimentos sociais.

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Deve­se também levar em consideração que, se de um lado, os jornais do sul do

país abriram suas páginas para veicular regularmente um bom número de matérias sobre

o problema da terra no Acre, fato esse da maior relevância pela repercussão nacional daí

decorrente; no âmbito local, esses jornais circulavam apenas em algumas mãos em Rio

Branco. Os jornais locais tinham também alcance muito limitado, pois suas tiragens, à

época, não ultrapassavam dos 200 a 300 exemplares diários, circulando tão somente na

capital. Além do agravante de veicular uma versão dos fatos, que quase sempre contra­

riava os interesses dos mais pobres. Por outro lado, o alternativo Varadouro começara a existir em abril de 1977, portanto, ainda um projeto a se viabilizar junto aos movimen­

tos sociais, tendo, sobretudo, para isso de conquistar a natural e necessária credibilidade.

Por isso, e mais que isso Nós Irmãos continuou a cumprir o seu papel, durante muitos anos, de espaço privilegiado para que os calados fossem ouvidos.

Durante o ano de 1977 o noticiário sobre a questão da terra ocupou várias vezes

as páginas do boletim diocesano Nós Irmãos. As denúncias e as orientações que ele pu­ blicava, com certeza, tiveram maior alcance junto aos movimentos sociais, pois suas

lideranças e ativistas, na maioria de católicos, as recebiam através dos grupos de evan­

gelização, CEBs, agentes pastorais, padres, religiosos e leigos; e daí então, no âmbito de

sua circunscrição eclesiástica, alcançava melhor o povo de Deus.

Durante o ano de 1977 (ano VI), logo em janeiro (p. 6), Nós Irmãos denunciou o clima de terror em que estavam vivendo posseiros no seringal Arapixi, situado nas mar­

gens do rio Purus, quando da implantação de fazenda agropecuária com 100 mil hecta­

res de área. Segundo o boletim, muitas famílias de seringueiros já haviam sido expulsas

e as derrubadas da floresta davam idéia da extensão das pastagens. Ainda denunciou o

boletim que trabalhadores do seringal também estavam desaparecidos, provavelmente

haviam sido vítimas dos novos donos da terra. Em abril (pp. 14­15), publicou longo

depoimento de um posseiro do seringal Mercês, próximo de Sena Madureira, que fora

ameaçado pelo fazendeiro com ajuda de policiais, de ser expulso da terra sem nenhuma

indenização. Dissera ainda o suposto proprietário das terras para o seringueiro que: “es­

sa coisa de posse não existia”, apesar dos nove anos em que morava na área; e quanto as

benfeitorias que levasse consigo e desocupasse a terra.

Em maio (pp. 14­17), Nós Irmãos publicara parte do depoimento que o bispo D. Moacyr Grechi havia prestado na Comissão Parlamentar de Inquérito, que a Câmara

Federal instalara para fazer um levantamento sobre os problemas da terra em todo país.

No que diz respeito ao Acre, o bispo denunciou a grilagem, a especulação com terras, e

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as formas mais variadas da violência utilizadas por fazendeiros contra posseiros e serin­

gueiros. Além disso, D. Moacyr Grechi fez ver aos parlamentares a necessidade de: “a)

Por limite ao latifúndio, já que todo o Acre se situa em áreas reconhecidas como indis­

pensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacional; b) Definir a situação jurídica das

terras do Acre, apressando o processo de discriminação de terras, para evitar a grilagem

e a especulação com terras públicas; c) Regularização da situação dos posseiros e distri­

buição de terras às famílias de trabalhadores rurais sem terra; d) Uma política de incen­

tivo e apoio aos trabalhadores e pequenas empresas”.

Em julho (p. 15), noticiou o boletim: “Violência: arma mortal. Freqüentes são os

conflitos causados pela posse da terra em nosso estado. Muitos deles são noticiados e

divulgados pela imprensa local, porém a maioria dos fatos criminosos ficam no anoni­

mato ... nas matas, onde a violência toma conta. / Homens caem nas duas fronteiras: de

um lado, os posseiros que há anos vêm trabalhando um pedaço de terra para sobreviver,

de outro lado os grandes fazendeiros que, vindo do sul cheios de capitais, encontram

terreno “fértil” para tirar a roça a um pobre coitado e implantar “Projetos” com o objeti­

vo principal de “lucrar”. / Nasce a intriga, a revolta ... aconteceu no seringal Nova Em­

presa, Rio Branco: dois capatazes foram mortos por obra de alguns posseiros, cuja situ­

ação tornara­se insustentável. Os posseiros foram presos ... Mas: Quem culpar? ...”.

Ainda nesse ano de 1977, Nós Irmãos veiculou em suas páginas duas matérias importantes. Em setembro (p. 10), deu cobertura ao Encontro sobre as Pastorais da Ter­

ra, Indigenista e Urbana, do qual participaram padres das diversas prelazias (Acre, Ron­

dônia e Sul do Amazonas); além de religiosos e trabalhadores rurais. Algumas das saí­

das encontradas para enfrentar os grandes problemas que afligiam os trabalhadores ru­

rais foram: associarem­se ao sindicato; fazer adjuntos para desmatar e construir casas,

etc.; exigir escolas, atendimento à saúde, transportes etc. A defesa dos direitos até pelo

força foi considerada. Diante disso, a recomendação do encontro fora: “que na atuação

pastoral com os trabalhadores rurais é importante favorecer a união e organização para

que se criem condições de poder exigir seus direitos. Para isto é importante a participa­

ção ativa nos sindicatos ...”. Uma outra matéria, em dezembro (p. 16), o boletim noti­

ciou a denúncia de peões que alegavam não estarem a quatro meses recebendo seus mí­

seros salários, pelo trabalho que haviam prestado na Companhia de Desenvolvimento

Novo Oeste. Esse grupo, que estava implantando fazenda numa área de 510 mil hectares

as margens do rio Envira, pertencia ao conglomerado financeiro Bradesco­Atlântica

Boa Vista de Seguros, e tinha como executivo o gen. Oscar Bandeira de Melo, ex­

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presidente da FUNAI. Da denúncia dos peões, além dos salários não pagos constava o

emprego da violência na fazenda, como surras de cipó, levando inclusive um trabalha­

dor à loucura.

O ano de 1978 fora tempo de eleições. No Acre, tal qual no resto do país, apenas

houve disputa para uma das duas vagas ao Senado Federal; a outra, fora preenchida de

modo indireto pelo biônico gen. Guiomard Santos. Para Câmara Federal, o Acre tivera

sua bancada aumentada em dobro, passara de 3 para 6 vagas. Nessas eleições, lideranças

ligadas a Igreja foram responsáveis pela criação de um movimento com vínculos políti­

cos com o MDB: Frente Popular do Acre; e daí passaram a apoiar abertamente as can­

didaturas do advogado Aluizio Bezerra para deputado federal e Sued Chaves para As­

sembléia Legislativa. De certo modo, o distanciamento partidário, quase sempre defen­

dido pela Igreja, ficara comprometido, pois muitos dos seus mais expressivos represen­

tantes estiveram envolvidos durante a campanha.

Do lado da organização dos trabalhadores rurais, com o apoio da Igreja e a co­

bertura permanente do boletim Nós Irmãos, a CONTAG já havia realizado de modo quase completo seu trabalho de fundação de sindicatos no Acre. Em abril de 1977, no

Colégio Divina Providência fora realizada a assembléia de criação do Sindicato dos

Trabalhadores de Xapuri, faltando apenas os municípios de Plácido Castro e Senador

Guiomard, que ficaram na jurisdição do Sindicato de Rio Branco. No que diz respeito a

imprensa alternativa e popular, o jornal Varadouro vinha cumprindo muito bem o seu papel. A sua recepção junto a população fora acima das expectativas com tiragens de

milhares de exemplares por edição. Já em 1978 garantira sua circulação em vários esta­

dos do país.

No ano de 1978, ano VII, o problema da terra praticamente não mereceu desta­

que no boletim Nós Irmãos. Em junho (p. 7), públicou, sob a forma de carta, a denúncia de uma velha prática dos fazendeiros para expulsar o posseiro: a destruição da roça pela

invasão do gado. Em julho, o boletim abre sua capa com a manchete: “25 de Julho Dia

do Trabalhador Rural”. Na matéria publicada (pp. 5­6), fora reproduzido um diagnóstico

do INCRA sobre o problema da terra no Brasil, no qual ficara constado a alta concen­

tração da propriedade da terra; a expulsão de milhares de famílias das áreas rurais e a

transformação de uma população considerável de parceiros e rendeiros em bóias frias.

Durante o ano 1979, ano VIII, a questão da terra voltara a ocupar as páginas do

boletim Nós Irmãos com maior regularidade. No mês de abril, o boletim reservou três páginas de sua edição (pp. 9­11), para noticiar o julgamento dos nove posseiros envol­

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vidos no conflito de terra, ocorrido dois anos atrás no seringal Nova Empresa, e que

resultara na morte do capataz Carlos Sérgio de Siena e do pistoleiro Osvaldo Gondim. O

líder dos posseiros Antonio Caetano fora incisivo em seu depoimento: “matamos para

não morrer”, pois não suportavam mais as ameaças dos capangas do fazendeiro paulista

Arquimedes Barbieri. Informou o boletim que durante os dois anos de prisão dos nove

posseiros, os seus vizinhos em solidariedade plantaram e ajudaram a cuidar dos seus

roçados, pois muitos posseiros passaram a entender que em jogo não estava tão somente

a vida dos que estavam implicados nas mortes, mas de muitos outros colonos e serin­

gueiros ameaçados de despejo da área.

A defesa dos réus sustentou a tese de que os acusados foram compelidos a matar

os seus inimigos por “coações morais irresistíveis”: matar para não morrer. Concluira o

boletim: “a substituição do homem pelo boi, de maneira irracional, como se está que­

rendo fazer e implantar no estado, já começou a degenerar. (...) Os acusados foram ab­

solvidos por 5 votos contra 2. Os jurados parecem ter compreendido as causas que leva­

ram os posseiros a defender­se com armas. Podemos dizer que, neste processo, não fo­

ram julgados apenas 9 posseiros. Foi julgada e condenada toda uma situação injusta que

cria tantas dificuldades para aqueles que querem morar, trabalhar e fazer a terra produzir

através do trabalho de suas mãos (CPT)”.

Em junho, Nós Irmãos circulou com cerca de duas páginas (pp. 14­15), reserva­ das para a questão da terra, sob a forma de encarte com o título: Folha da CPT. Nela

foram denunciadas as ameaças que vinham sofrendo posseiros do seringal Senápolis,

em Boca do Acre, para deixarem suas posses. Os fazendeiros, que alegavam haver com­

prado a área, estavam contando com o apoio de policiais e até do Juiz da Comarca. O

grupo de posseiros ameaçados pedira que o boletim publicasse a carta, para que os seus

problemas chegassem ao conhecimento de trabalhadores de outras cidades do estado.

Mais adiante, divulgou sob a forma de nota, o ultimato do delegado de polícia de Boca

do Acre, ameaçando de prender um posseiro caso ele não abandonasse sua colocação no

seringal Juninho, no rio Purus. O delegado em sua missiva tentara também desmoralizar

a ação do sindicato.

Em julho (p. 6), Nós Irmãos voltou a tratar do assunto dos posseiros do km 38 da BR – 317. O Juiz da Comarca de Boca do Acre expedira ação de despejo contra as 20

famílias, reintegrando na posse da terra o paulista Ueze E. Zarlan. O despejo fora feito

por 22 policiais, ajudado por mais 10 jagunços do fazendeiro. Segundo o boletim: “Os

trabalhadores imediatamente comunicaram para CONTAG e também a Igreja. Os acon­

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tecimentos foram levado ao conhecimento do governador do Amazonas, ao Tribunal de

Justiça e ao Exército em Manaus. / (...) O Tribunal de Justiça deu ordem para que os

posseiros fosse reintegrados na posse. Mas quando o Juiz de Boca do Acre deu ordem a

Polícia Militar que devia dar segurança aos posseiros, esses já tinham ido embora. As­

sim, quando chegaram nas posses, encontraram com os jagunços do fazendeiro forte­

mente armados e fazendo ameaças. (...) .... se ganharem na justiça, mas vão perder na

bala”. Ainda nessa edição (p. 8), fora noticiada a assembléia do Sindicato dos Trabalha­

dores Rurais de Brasiléia, na qual 2.500 seringueiros e colonos compareceram para dis­

cutir e apresentar suas reivindicações ao governador do estado, Joaquim Macedo. Dis­

cutiu­se estradas vicinais, para escoar a produção agrícola, valorização da borracha e da

castanha e, sobretudo, a questão da insegurança causada pela ação dos fazendeiros.

O noticiado conflito no Km 38 da BR – 317 tivera desdobramentos: em setem­

bro, os trabalhadores fizeram um grande mutirão contra a jagunçada. Cerca de 300 tra­

balhadores cercaram os jagunços e peões que faziam trabalho de derrubada da mata;

desarmaram a tropa e apreenderam rifles, espingardas e revólveres para serem entregues

a Polícia Federal.

De agosto (p. 15), Nós Irmãos fez a cobertura da assembléia geral do Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Rio Branco. O assunto que mais preocupou fora a tentativa

do INCRA de Brasília de devolver uma área 317 mil hectares, já desapropriada no mu­

nicípio de Rio Branco. Dentro da área, segundo o boletim, já se encontravam 2 mil fa­

mílias, e mais outras 3 mil estavam escritas aguardando para receber seus lotes. Uma

carta para o presidente da República fora assinada pelos presentes, e a CPT e o CDDH

(Centro de Defesa dos Direitos Humanos) tinham distribuído nota de apoio ao movi­

mento. Ainda nessa edição ( p. 16), fora noticiado o conflito no seringal Bagaço, onde

os posseiros juntos puseram jagunços e peões do fazendeiro para correr. Poucos dias

depois, capangas e peões, sob o comando do gerente da fazenda, José Arian Ribeiro

Sampaio, voltaram armados e reiniciaram a derrubada da mata. O boletim advertiu

quanto a possibilidade de que viesse ocorrer, a qualquer momento, um conflito armado

entre seringueiros e jagunços, caso não houvesse providências da parte das autoridades

públicas para resolver o problema.

De novembro (p. 7), Nós Irmãos publicou a manchete: “Seringueiros prendem patrão Icuriã”. Os fatos que vinham acontecendo no seringal foram registrados através

da carta de um monitor do grupo de evangelização. Dizia a notícia: “Aqui está havendo

umas revoltas contra compradores de terras que querem se apossar aqui do seringal

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Guanabara. Agora, dia 23 deste, nós nos unimos em um grupo de 96 homens do seringal

Icuriã e Guanabara e fomos defender umas seringas. Eles já estavam dentro da broca do

Sr. Oscar Ribeiro, cujo empleitante é o Sr. Maurício Maximiano que diz não respeitar

seringa da empleita que faz. / Mas, dessa vez, a onça aprendeu a pular prá traz, pois o

proprietário viajou para Assis Brasil, junto com 60 homens nossos, para assinar um do­

cumento perante as autoridades competentes, que de agora em diante, ele não mexe com

seringa e nem agricultor situado. Estamos dispostos a qualquer assunto em defesa de

nossa terra, pois nós ama ela e não queremos vê­la dominada por pessoas que se diz

invasores”. No boletim (p. 9), ainda fora lembrado os 15 anos do Estatuto da Terra; co­

mentara que, apesar de suas lacunas e insuficiências, esse documento fora bastante útil,

e que a realização da Reforma Agrária preconizada nele, dependerá da organização de

classe dos trabalhadores rurais.

De dezembro (p. 13), Nós Irmãos publicou carta de líder da CEB da estrada de

Boca do Acre, Km 45, dando conta da reação dos trabalhadores às tentativas dos patrões

de amedrontá­los. Diz a carta: “Aqui, estamos passando algumas dificuldades. O senhor

Francisco Frota dos Santos, posseiro de uma área de terra de 400 metros por mil, está

em dificuldade para explorar 100 metros de sua área. Um dia quando estava na sua ter­

ra, sem esperar, aparece o gerente da fazenda e empatou ele trabalhar dizendo que a

terra era do fazendeiro. Mas o posseiro disse que há nove anos que ele trabalha nessa

terra. Por isso tinha direito de posse além do mais ele já tinha cadastrado sua terra no

INCRA e no Sindicato do Trabalhadores Rurais. Então o gerente disse que depois que

apareceu esse tal de sindicato só tinha aparecido era muito ladrão e invasores. Começa­

va pelo delegado do sindicato e terminava pelos sócios, (...). Por fim, ele disse que o

posseiro não brocava mais um pé de mato. Mas, nós nos juntamos, 16 homens da co­

munidade e brocamos o mato. Mas o fazendeiro continua com a questão. Porém, toda a

nossa comunidade está disposta a lutar para defender esta situação”.

Essas cartas relatando denúncias e discorrendo sobre a reação dos trabalhadores

diante das ameaças dos fazendeiros e seus capangas foram publicadas com freqüência

no boletim Nós Irmãos. Nelas ficara revelado que os posseiros e seringueiros haviam alcançado um certo nível de conscientização dos seus direitos, e de que a ação organi­

zada do grupo se tornara a única forma de defesa diante do poder de fogo dos fazendei­

ros. Nós Irmãos, desde cerca de dois anos atrás, viera então contando com um cres­

cente número de colaboradores; uma ativa equipe de correspondentes, presentes em

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todas as comunidades alcançadas pela jurisdição eclesiástica da prelazia do Acre e Pu­

rus. O seu papel era veicular esse material de denúncia para outras comunidades, e daí

atraindo a solidariedade dos comuns, bem como, ajudando a difundir as experiências e

as formas de luta de resistência dos trabalhadores. Nós Irmãos de janeiro de 1980 (p. 25), com a manchete: “Seringueiros se defen­

dem”, noticiou que: “No dia 15 de dezembro, um grupo de 25 seringueiros armados

foram até o depósito Carão, no seringal Nova Empresa (Rio Branco) para “acertar as

diferenças” com o fazendeiro Líbero Luchesi. Avisado em tempo, o paulista fugiu pelo fundo do seringal, junto com um empregado./O motivo da reação dos seringueiros são

as ameaças que as famílias vêm sofrendo para que saiam das terras. (...) Os trabalhado­

res disseram que agiram assim porque os abusos contra suas famílias já tinham passado

do limite e não havia mais condições de diálogo./No mesmo dia em Rio Branco, o ad­

vogado do fazendeiro exagerou os acontecimentos e convenceu a polícia a ir até o local.

Chegando lá, a polícia encontrou a situação tranqüila. Os seringueiros aceitaram voltar

para Rio Branco com a polícia e ficaram alguns dias detidos no quartel da Polícia Mili­

tar. Depois voltaram para suas posses. / A polícia instaurou inquérito para apurar a situ­

ação, mas o próprio Comandante da PM disse que “os trabalhadores não são crimino­

sos”. / Depois desses acontecimentos deverá ser feito um acordo entre o fazendeiro e os

posseiros que poderão receber seus lotes de terra. Este acordo será feito com a partici­

pação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais representando os trabalhadores”. Nessa

mesma edição (p. 26), o boletim noticiou que vários grupos de trabalhadores invadiram

as terras desapropriadas do Projeto Pedro Peixoto. Segundo o boletim, já se passaram

três anos desde que fora iniciado o processo de desapropriação, e até agora nada resol­

vido, havendo inclusive a ameaça de que os fazendeiros podiam recuperar a terra. Can­

sados de esperar “os sem terra” foram a luta, e começaram a ocupar a área, criando uma

situação para garantir seu direito a terra.

Na edição de março (pp. 3­21), Nós Irmãos fora todo dedicado a questão social das migrações: no Brasil, na Amazônia e, em particular, no Acre. O intenso êxodo rural

que acontecera no Acre na década de 70, fora atribuído, no artigo publicado, a entrada

de grupos econômicos do sul para implantar fazendas agropecuárias, para isso havendo

adquirido grandes extensões de terra. Conclui o artigo: “Partindo contra índios, colonos

e seringueiros (...) os paulistas foram se apoderando da terra, num processo violento que variam entre indenizações muito baixas do valor das benfeitorias até a violência física

(...). Parte desses trabalhadores, expulsos de suas terras, vai para a cidade ou ficam no

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campo atrás de um trabalho, o que se torna cada vez mais difícil devido a desativação

dos seringais e também pelo fato de que as pecuárias oferecem pouco emprego. / Nessa

situação é de esperar que o êxodo rural aumente no Acre, levando à uma inchação nas cidades que já apresentam precárias condições de habitação, saúde, iluminação, esgotos,

escolas, etc”.

Nós Irmãos de abril ( p. 18), publicou trechos do documento que fora conclusões da Assembléia Geral dos Bispos do Brasil. O boletim destacara trechos que se referiam

a questão da terra, sobretudo, o compromisso dos bispos de: “denunciar abertamente as

situações injustas e violentas e apoiar as justas iniciativas e organizações dos trabalha­

dores, colocando as suas forças e meios a serviço de sua causa”. Além disso: “Os bispos

querem ter o cuidado de não substituir as iniciativas do povo e querem estimular a parti­

cipação consciente dos trabalhadores nos Sindicatos, Associações, para que sejam real­

mente organismos autônomos e livres (...). Ainda o apoio dos bispos aos esforços do

homem do campo por uma autêntica Reforma Agrária, em vários oportunidades já defi­

nidas, que lhe possibilite o acesso à terra e condições favoráveis para seu cultivo”.

No mês de julho (p. 7), noticiara que posseiros dos seringais São João do Balan­

cei e do São Luiz, reunidos empataram o grileiro Otássio Pereira de abrir ramal, pois

alegava ele haver comprado as áreas dos referidos seringais. Numa reunião ficou acer­

tado que ele não continuava o trabalho de abertura, pois estava proibido de fazê­lo. Ou­

tra noticia, referente a um encontro de colonos em Brasiléia, fora veiculada no boletim

(p. 12). Os assuntos estudados no encontro foram: 1 – A realidade em que vivemos no

Acre e no Brasil. 2 – A distribuição da terra. 3 – Política Agrária no Brasil. 4 – Reforma

Agrária. 5 – Sindicatos outras formas de organização como cooperativas e mutirões. 6 –

Participação do trabalhador na política e outros.

No mês de agosto, entre várias notícias curtas referentes a terra, merecera desta­

que no boletim Nós Irmãos (p. 5) a violência policial em Boca do Acre. No seringal

Valparaiso, o novo dono da terra fechou as estradas de seringa; e para impedir qualquer

movimento dos seringueiros o fazendeiro contou com a colaboração de 5 policiais ar­

mados de fuzis, que efetivaram prisões e espancaram, com requintes de crueldade, os

homens aprisionados. Ainda, o boletim (p. 13) denunciou a ação da Polícia Federal, pois

seus agentes, a chamado do fazendeiro, foram ameaçar 14 famílias no município de

Feijó. Os seringueiros dias atrás haviam empatado um desmatamento numa fazenda, em legítima defesa de suas posses. Os policiais federais armados de metralhadora invadiram

as casas, espancaram seringueiros, apreenderam suas espingardas e instrumentos de

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trabalho.O bispo Dom Moacyr então fizera contato com D. Ivo Lorscheider, presidente

da CNBB, que prometera se comunicar com o Ministro da Justiça.

No mês de setembro (pp. 5­7), Nós Irmãos noticiou o assassinato de um dos maiores líderes sindicais da Amazônia, Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Brasiléia. As manchetes da capa destacaram a Morte de Wilson

Pinheiro e a decisão dos trabalhadores de não permitir derrubadas predatórias nesse ano.

A matéria publicada por Nós Irmãos lamentou a morte de Wilson, clamou por

justiça e registrou que o fato tivera ampla repercussão no Estado e fora dele. Comentou

o boletim: “Os patrões não querem, nem desejam a felicidade do trabalhador. Por isso

fazem tudo para desmoralizar o sindicato, a Igreja e todas as pessoas que querem o bem

do trabalhador. Os patrões acusam, caluniam, ameaçam, perseguem, espalham terror. Se

for preciso matar, eles matam. É por isso que tiraram covardemente, a vida de Wilson.

Eles pretendem acabar com o sindicato. Querem acabar a luta do trabalhador. Querem

continuar dominando e escravizando. / A resposta que o trabalhador está dando é a

união da classe. Fortificando o sindicato, participando, exigindo seus direitos. Os pa­

trões mataram o Wilson. No lugar dele, aparecerão 5, 10, 100 trabalhadores que irão

continuar a luta do Wilson. Os patrões matam um, mas não acabam com a classe traba­

lhadora”. Nós Irmãos (p. 9) também publicou uma longa nota da CPT, na qual expres­ sou sua solidariedade a família de Wilson, aos trabalhadores e ao sindicato; também

nela condenou a violência e atribuíra a morte aos fazendeiros.

O assassinato do sindicalista Wilson de Souza Pinheiro até hoje continua impu­

ne; criminosos e mandantes sequer foram identificados. O clima de revolta nos seringais

de Brasiléia e Assis Brasil fora muito grande. O clamor pela punição dos supostos man­

dantes levou os trabalhadores revoltados, a matar o Sr. Nilo Sérgio, gerente da fazenda

Nova Promissão. A polícia agiu com o máximo rigor da lei, aprisionando de imediato os

posseiros suspeitos do crime. Nós Irmãos publicou também nota do Centro de Defesa

dos Direitos Humanos, na qual denunciou a violência da ação policial, e as torturas que

foram praticadas contra os posseiros detidos. Nós Irmãos (p. 11), de novembro, publicou um documento sob título “Problemas

e decisões do treinamento da paróquia da Imaculada Conceição”. O destaque que o bo­

letim dera a matéria, levou­nos a supor que essa passara a ser a nova orientação da Igre­

ja acreana, mesmo não tendo caráter oficial, no que diz respeito a questão da terra. Ve­

jamos alguns trechos mais fortes do documento: Pobres sem terra prá trabalhar. Remé­

dio: Unir o povo nos grupos de evangelização, explicando o direito e o valor da terra.

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– Unir os trabalhadores no Sindicato e ocupar as terras improdutivas. 2. Desmatamento – Remédio: ­ Lutar forte. Se o fazendeiro vier com 50 peões, os trabalhadores devem ir

combater com 100 trabalhadores. (...) 6. Poder econômico capitalista. Remédio: ­ trocar

o regime capitalista. – Exigir eleições diretas. – Lutar dentro de um partido político que

seja a favor do trabalhador. Exigir Reformas Agrárias, feitas pelos trabalhadores. O teor

desse documento, com certeza, circulou em toda a área de abrangência da prelazia, pois Nós Irmãos, mais do que antes, alcançava um público cada vez maior de fiéis.

A partir do ano de 1977, o governo do Acre, Geraldo Mesquita, tomara a inicia­

tiva de denunciar a ação dos fazendeiros e grileiros, e a pedir ao Governo Federal atra­

vés do INCRA, que fossem adotadas providências urgentes para regularizar a situação

das terras no Acre; realizar desapropriações e viabilizar os projetos de colonização e de

assentamentos dirigidos. Ao mesmo tempo, Geraldo Mesquita foi afastando da direção

da polícia pessoas ligadas aos fazendeiros; ordenou que as polícias militar e civil ficas­

sem fora da questão da terra; daí então, retirando a cobertura oficial que até bem pouco

tempo contara os paulistas para espalhar o terror nos seringais. No ano de 1979, assumiu o governo do estado Joaquim Falcão Macedo, político

sem muita expressão no cenário político local. Apesar de sua reconhecida boa vontade e

honestidade, era notória a sua limitação enquanto articulador e liderança política. Com

ascensão de Macedo os fazendeiros começaram a por com certa ousadia as unhas de

fora e, de certo modo, esboçaram uma contra­ofensiva. Contudo, essa contra­ofensiva

armada pelos fazendeiros estava fadada a um relativo fracasso, pois os tempos mudara e

os obstáculos criados aos seus desígnios já contivera sua sanha mais voraz. De um lado,

os sindicatos de trabalhadores organizados em todo estado, com uma poderosa massa de

associados, não mais intimidada e disposta a reagir coletivamente, ainda mais armada,

pois o seringueiro para proteger­se na floresta, sempre tivera ao seu dispor no mínimo

um terçado e uma espingarda. Também, a Igreja colocara toda sua força moral e institu­

cional na defesa do trabalhador, denunciando os fazendeiros e atraindo a favor dos pos­

seiros a solidariedade dos cristãos. Por outro lado, o ocaso da ditadura militar, que a

olhos vistos estava definhando e, portanto, o projeto geopolítico que os militares arqui­

tetaram para ocupação da Amazônia, com a colaboração dos empresários do sul do país

dera com os “burros n’água”. Além disso, a imprensa com menos censura ficara difícil

de calar e até de subornar. O governo federal, diante do fogo das denúncias, no Brasil e

exterior, e da intensificação dos conflitos de terra, estava resolvido a militarizar a ques­

tão agrária, o que viera a fazer em decorrência dos conflitos, principalmente acontecidos

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na região denominada Bico do Papagaio, formada à epoca por áreas convergentes dos

estados do Pará, Goiás e Maranhão.

No Acre, durante os anos de 1979 e 1980 várias foram as ações de posseiros

armados para impedir o desmatamento. Em 1979, no seringal Santa Fé, em Xapuri, vie­

ra ocorrer o empate de maior repercussão, pois mais de 100 seringueiros armados de

espingardas impediram um grande desmatamento autorizado pelo IBAMA; a polícia

chegou a prender 40 posseiros, que foram postos em liberdade por ordem judicial. O

governador Macedo, pressionado pelos fatos e sentindo sua autoridade cada vez mais

ameaçada, nomeou uma comissão de alto nível para tratar da questão da terra no estado.

Participando dela representantes da Igreja, CONTAG, INCRA, patrões e governo etc.

Daí então, uma nova estratégia fora delineada para dar conta do problema da terra no

estado, tendo em vista a nova realidade em que passara a atravessar o país.

No ano de 1981, ano 10, abril (p. 7), Nós Irmãos noticiou que no seringal Novo

Oriente, o patrão estava impedindo que colonos pescassem num igapó que existia na

área, inclusive proibindo qualquer forma de reunião: quer seja do sindicato, quer seja da

comunidade. Os trabalhadores reagiram e não aceitaram as imposições do patrão e fo­

ram denunciados e intimados pela polícia, sem que em momento algum deixassem de

afirmar a disposição de continuar juntos a defender seus direitos. Nessa mesma edição

(p. 8), o boletim publicou vários depoimentos de trabalhadores rurais a respeito da par­

ticipação da mulher nas lutas do sindicato. Todos os depoimentos foram unânimes

quanto a necessidade dessa participação, pois segundo um deles: “toda luta do marido é

da mulher também, por isso é importante que a mulher participe. Se um homem sente

um problema, a mulher como companheira do homem sente também. Acho muito im­

portante e os dois juntos participarem na luta do sindicato”.

O boletim Nós Irmãos, de julho­agosto de 1991, ano 10, fez uma edição especial para comemorar o aniversário dos 10 anos de existência das Comunidades Eclesiais de

Base no Acre. Nesse número (p. 25), fora publicada uma carta de um grupo de trabalha­

dores de Xapuri, denunciando as manobras da diretoria do sindicato para permanecer a

frente do mesmo, sem que já não merecesse a confiança da maioria dos associados. Os

acontecimentos de Xapuri revelavam que o fenômeno da burocratização e pelegagem na

estrutura sindical tende a se reproduzir em qualquer situação. Ainda bem que os traba­

lhadores de Xapuri pouco tempo depois varreram essa diretoria, e colocaram na presi­

dência do sindicato Francisco Mendes (Chico Mendes); um dos maiores exemplos de

liderança da história do sindicalismo: pela sua combatividade, inteligência, honradez,

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honestidade e coragem. Nesse homem os trabalhadores do Acre e da Amazônia tiveram

um líder como poucos, pois fora ele capaz de sacrificar sua própria vida na defesa dos

interesses do seu povo e da preservação do meio ambiente. Nós Irmãos, nessa edição especial (pp. 3­18), fizera um balanço das atividades

da Igreja do Acre e Purus que, de certo modo, fora um retrato sem retoque da própria

trajetória dos 10 anos de circulação do boletim. O Nós Irmãos era a imagem e seme­ lhança das Comunidades Eclesiais de Base: surgira em função delas e para elas. Fora o

animador permanente de suas atividades, e através delas multiplicara sua área de

influência, alcançando milhares de cristãos e não cristãos. E assim, Nós Irmãos conse­

guira veicular noticias e denúncias; apoiar os movimentos sociais e os indivíduos sem

defesa; e daí então cumprir o seu papel de periódico popular e alternativo: ouvindo to­

dos e dando a palavra aos calados.

4.4 Nós Irmãos e a questão indígena

Muitos foram os grupos indígenas que habitaram o território do agora Acre, an­

tes de sua ocupação efetiva pela frente de expansão econômica extrativista. No rio Juruá

e afluentes, compreendidos neles a área do Acre e parte das terras do Amazonas e países

fronteiriços, falava­se da existência de 77 agrupamentos tribais. Mais outros tantos, com

certeza, também habitavam igualmente o rio Purus e seus afluentes. No Acre, ainda o

rio Abunã e outros. A população indígena da área apresentava uma grande homogenei­

dade cultural, pois na sua maioria provinha da fusão das famílias lingüísticas Pano, A­

ruaque e Katuquina (17).

O processo civilizatório desencadeado na região, principalmente na segunda

metade do século 19, mais intensamente nos últimos 30 anos, fora arrazador para os

grupos de aborígenes. De uma presumida população de 50 mil viventes no Acre, foram

os índios reduzidos aos atuais cerca de 10 mil. Os grupos tribais foram dizimados pelas

doenças causadas pelo contato com o civilizado; pelo trabalho escravo; e os massacres

resultantes das muitas correrias e outras expedições punitivas organizadas pelos seus

algozes: patrões, caucheiros e seringueiros. Em 1918, segundo Loureiro: “ainda resta­

vam alguns indígenas no Alto Purus, Iaco e Chandles, embora os do Aquiri já estives­

sem praticamente extintos”. Adiante, ainda informara da existência de 2 mil índios em

Sena Madureira, área maior do rio Purus no Acre (18).

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Os índios do Acre apesar de constarem em recenseamentos documentados no

antigo SPI (Serviço de Proteção aos Índios), órgão que fora extinto e substituído pela

FUNAI em 1967, não eram eles reconhecidos enquanto grupos tribais, possuidores de

uma cultura particular e diferenciada, mas com a denominação geral de caboclos acultu­

rados, quiçá já integrados a sociedade nacional. Na realidade, com exceção dos Kampas

e uns poucos grupos arredios, na sua maioria os índios do Acre viviam como agregados

ou intrusos dentro dos seringais, para cujos donos trabalhavam como extratores e cole­

tores de borracha e castanha, ou outros afazeres, submetidos a uma exploração sem li­

mites (19).

Até o ano de 1975 os índios do Acre não mereceram a menor atenção oficial. Ao

assumir o governo do Acre, naquele ano, o professor Geraldo Mesquita fizera pressões

junto ao governo federal para que fosse providenciada a presença da FUNAI no estado.

Ainda no mesmo ano, instalou­se uma ajudância do órgão, subordinada a delegacia da

FUNAI no território de Rondônia, para assistir as comunidades indígenas. A primeira

providência do chefe da Ajudância, indigenista João Porfírio Carvalho, fora fazer um

levantamento dos grupos tribais e dos indivíduos índios existentes, bem como das áreas

de presença índia mais intensa, com vistas desencadear o processo de demarcação de

reservas indígenas no Acre (20).

O levantamento que Carvalho fizera naturalmente não fora o ideal, até porque a

realidade do índio no Acre exigia pressa, pois, o quanto antes, tornara­se necessário

opor algum obstáculo para impedir que a ação dos fazendeiros pudesse causar maiores

danos a pequena e rarefeita população aborígene que ainda restara. Após alguns anos de

trabalho e convívio com os grupos tribais, as organizações não governamentais como

CEDI, CIMI, Comissão Pró­Índio, etc. e também FUNAI levantaram dados e informa­

ções mais precisas sobre essas comunidades na área do Acre, permitindo com isso um

mapeamento mais rigoroso dessas populações. Segundo as aludidas fontes a população

nos anos oitenta era de cerca de 5 mil indivíduos índios, distribuídos pelas 13 comuni­

dades indígenas: Apurinã, Araras, Iauanauá, Jaminauá, Kampa, Katuquina 1 , Katuquina 2 ,

Kaxinauá, Kulina, Machineri, Nuquiní, Poianauá e Yamináwa (21). Nós Irmãos, ano IV, de setembro de 1975, reservara 4 de suas páginas (7­10),

para publicar na íntegra as linhas de ação e programação definidas na Primeira Assem­

bléia Indigenista da Igreja Missionária. O documento levava a data de 27 de junho de

1973; dois anos antes de sua publicação nesse número do boletim. As linhas de ação

encaminharam à Igreja para um conduta pastoral bastante diferenciada de tudo que até

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então historicamente havia praticado, deixando para trás os tradicionais modos de agir

que tiveram como objetivo a catequese, a tutela e a conversão. Nessa mesma edição (p.

10), fora noticiada a denúncia feita por antropólogos de que, no Amazonas, brancos

estavam utilizando sem pagamento o trabalho índio. O relatório sobre o fato fora enca­

minhado ao presidente da FUNAI, general Ismarth Araújo.

Antes do ano de 1975, Nós Irmãos pouco noticiara sobre fatos relacionados com a questão indígena. Os índios do Acre não apareceram em suas páginas, a não ser quan­

do lembrados nas desobrigas do padre Paulino Baldassari, pároco de Sena Madureira.

Na edição de maio de 1976, ano V (p. 3), Nós Irmãos notíciou a realização para os dias

9 a 12 de agosto, da II Assembléia Regional de Pastoral Indigenista da Amazônia Oci­

dental. O encontro com sede em Rio Branco, no Centro de Treinamento da Prelazia do

Acre e Purus. Comentara o boletim: “Através desses encontros nasceu uma esperança

no coração dos vários povos indígenas, que viram muitos missionários definirem nos

últimos dois anos, posições claras e corajosas a seu favor. Mais de uma dezena de na­

ções indígenas, esmagadas durante séculos pelos brancos e reduzidas a pequenos nú­

cleos populacionais, já ergueram a cabeça e se uniram para defesa de seus direitos, a

preservação de seus valores e para o reavivar constante de sua história. / As tribos do

Acre, do sul do Amazonas e de Rondônia ainda foram pouco atingidos por essa luz, mas

há também esperança que isso aconteça em breve”. Ainda nessa edição (pp. 9­10), fora

publicado o relatório do padre Egídio Schwade sobre a situação dos índios e “caboclos”

no Alto Purus. Denunciou o relatório: “A maior fazenda de gado do Alto rio Purus, de

propriedade de Aldeziro Romão, foi formada com a mão­de­obra de índios Culina a

troco de cachaça. Na mesma região (...) o proprietário Benedito de Oliveira Filho utiliza

pelo menos 80 índios e 50 trabalhadores brancos sob a forma de trabalho semi­escravo,

para os serviços de sua fazenda. Eles trabalham sob severa vigilância dos “gatos”, espé­

cie de subempreiteiros, e só recebem uma mirrada ração de comida para se manterem

em pé, trabalhando. (...) As terras, às margens do rio Chandless, (...) que somam 975 mil

hectares, estão sendo disputados por dois latifundiários (...). Um deles ameaça, inclusi­

ve, armar os índios “caso as coisas apertem para o seu lado”. (...) Os índios Kaxinauá se

transformaram em seringueiros. (...) Com exceção do grupo Culina, a maior parte da

população indígena está destribalizada”. O boletim ainda informou que a equipe do

CIMI – OPAN, a serviço da Prelazia do Acre e Purus, já completara mais um levanta­

mento da situação das populações indígenas e de seringueiros no Alto rio Envira; esse

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era o quarto levantamento feito, e que os dados coletados forneceram material para uma

rica análise da questão índia no Acre.

Em agosto, ano V (p. 13), Nós Irmãos publicou um comunicado do bispo Dom Moacyr Grechi, denunciando a instalação de gravador, por supostos órgãos de seguran­

ça, no auditório onde se realizara as reuniões da II Assembléia Regional de Pastoral

Indígena da Amazônia Ocidental. Da nota coube destaque as palavras do bispo: “Cada

dia mais nos apercebemos como esses povos indígenas, tão ricos em valores, estão sen­

do destruídos pela ação dos seringalistas, empresários e gerentes das empresas agrope­

cuárias, que os exploram como mão­de­obra barata e ultimamente lhes tiram definiti­

vamente as terras que lhes pertencem por um direito secular”. Ainda nessa edição (p.

16), o boletim publicou as principais conclusões do encontro, e também a criação de

uma Comissão Regional de Pastoral Indígena e de equipes locais para cuidar do assun­

to. Desse modo, o boletim noticiou um fato novo: a organização de mais uma comissão

para assessorar a Igreja no seu trabalho pastoral.

Em novembro de 1976, ano V (pp. 9­11), Nós Irmãos publicou um resumo da Comunicação Pastoral ao Povo de Deus da CNBB, na qual a situação dos índios tam­

bém fora contemplada: “Os índios, especialmente na Amazônia Legal, perdem exten­

sões crescentes de suas terras para fazendeiros e posseiros. São transformados em mão­

de­obra barata, ou se dirigem para a periferia das cidades, ou ainda, famintos e doentes

vagueiam pelas estradas que rasgam suas reservas. Além disso, a demarcação de suas

terras procede lentamente”.

Em dezembro de 1976, ano V (p. 7­8), Nós Irmãos noticiou a expulsão de três agentes pastorais que, a serviço da Prelazia, atuavam junto a tribo dos Kulina. O ato de

expulsão fora atribuído na notícia a presidência da FUNAI, mas, fora, com certeza, pro­

posto pelo chefe da Ajudância do órgão no Acre, indigenista João Porfírio Carvalho,

motivado pelo simples fato de entender que a intromissão da Igreja na área só viera a­

trapalhar seu trabalho na defesa do índio.

Em março de 1977, ano VI (p. 9), Nós Irmãos publicou: “Kulinas não querem “virar FUNAI”. Segue o texto: “... chegaram a Sena Madureira Aurinã e um parente,

índios da tribo Kulina do Alto Purus, à procura do padre Paulino. / Vieram dizer que os

Kulinas não querem “virar FUNAI”. Contaram ainda que os indigenistas da FUNAI

estiveram na área oferecendo remédios, mas os Kulinas não aceitaram. Desejam saber

quando Darcy, Marta e Rosa – indigenistas da Prelazia que foram expulsos pela FUNAI

em dezembro passado – poderão voltar a viver com os Kulinas. / Quando souberam que

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uma equipe da FUNAI estava para chegar à aldeia, Aurinã e seu acompanhante volta­

ram apressados e preocupados para o Alto Purus”. A disputa entre o CIMI e a Ajudân­

cia da FUNAI do Acre demorou um pouco a cessar. Com a saída de Porfírio Carvalho, e

a vinda do seu substituto Antonio Pereira, o Toninho, as relações foram normalizadas, e,

na medida do possível, criaram­se as condições para uma colaboração entre esses orga­

nismos, que mesmo não tendo caráter oficial, ajudara em muito a causa indígena no

Acre. Nós Irmãos ano VII, março de 1978, logo na sua capa publicou a manchete: “19

de abril: dia do Índio”. A ilustração fora um boi cobrindo toda extensão do mapa geo­

gráfico do Acre, e um índio carregando sobre os ombros o mapa. Dois depoimentos de

índios foram textos no rodapé: “Deu no jornal... O índio pareci João Jesus, ou “Juan”,

como o chamavam na tribo de origem, foi encontrado com a mulher e três filhos, mo­

rando debaixo da ponte metálica sobre o Rio Acre, vivendo de biscates (...). Palavras de

um Kaxinawá: “Tenho trabalhado muito, muito tempo em seringal, nunca botei nada de

valor na minha casa. Os caboclo todo, vive nú e crú nesse seringal dos Alto. Nós vive é

na pindaiba. Nós trabaia é bem dizer de graça pros patrão. Quando nós adoece aqui,

patrão não dá valor. Patrão só dá valor na produção no trabalho de seringa”.

Nós Irmãos, ainda nessa edição divulgara texto no qual chamava atenção dos seus leitores para o dia 19 de abril: Dia do Índio. Nessa edição, o boletim reservou a

questão indígena nada menos que 3 páginas. Como destaque o texto­depoimento (p. 7),

do bispo sobre a questão indígena: (...) Há alguns anos atrás, em Manaus, houve um

encontro de Prelazias, sobre Comunidades Eclesiais de Base. Todos apresentavam suas

experiências, seus métodos, sua caminhada. Quando chegou a vez da nossa Igreja, apre­

sentei a nossa experiência, ajudado por um subsídio mimeografado muito bem feito, de

maneira atraente, sugestiva. Todos gostaram, todos elogiavam (...). / A um certo mo­

mento, o padre Egídio Schwade perguntou­me, em plena assembléia: ­ E os índios de

sua Prelazia, Dom Moacyr? Então, eu respondi: ­ Não sei nem se existem. Não damos

conta nem dos outros que já são milhares, como é que a gente vai poder se interessar

pelos índios?! Então, padre Egídio insistiu: ­ Será que os critérios pastorais de sua pre­

lazia não são demasiadamente numéricos? Será que não estão esquecendo os que são os

últimos, os mais abandonados e marginalizados e que, por isso mesmo, deveriam ser os

preferidos da Igreja, já que eles também são de Deus? / Fiquei profundamente envergo­

nhado, mas não pude responder nada. Foi o início de uma mudança de atitude diante do

índio. / Comecei ficar mais sensível às palavras e iniciativas do padre Paulino, único

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que, realmente, sempre se interessou pelos índios e que, há mais de 20 anos acompa­

nhava os índios Kulinas do Alto Purus. / A partir de então, foi feito um bom levanta­

mento, em nossa Prelazia, sobre o número de índios, de povos indígenas, como também

de sua atual situação. (...) A problemática dos índios foi assumida por nossa prelazia.

Nosso pessoal que trabalha junto aos diversos grupos indígenas é muito bem preparado

e admirável em sua encarnação concreta e decidida. São todos ligados a Operação An­

chieta e a um grupo missionário italiano”.

Mais duas outras páginas (9­10), dessa edição veicularam um artigo, cujo texto

procurava reconstituir de rápido a trajetória do índio no Acre; os contatos com os “civi­

lizados” e as conseqüências daí advindas: doenças, escravização, massacres e extermí­

nio. Grande parte do artigo discute a questão do preconceito social contra os índios,

levando esses a procurarem o “embranquecimento”, negando, portanto, a sua origem,

sua cultura e sua gente. Concluira o artigo, afirmando que, apesar de tudo, alguns gru­

pos indígenas conseguiram resistir, preservando ainda sua língua, seus costumes etc. E

que os missionários da Igreja envolvidos no trabalho pastoral tem lutado para que esses

grupos resgatem, conservem e consolidem sua cultura.

Em maio de 1978, ano VII (p.11), Nós Irmãos noticiou o assassinato de um índio

em Boca do Acre. A policia fora denunciada pelo boletim como responsável pelo crime,

além dos maus tratos a familiares do morto. Nós Irmãos alertou a comunidade sobre a onda de crimes que vem ocorrendo na cidade e a violência policial. Pedira para que es­

crevessem sobre os fatos e conclamou a tomada de uma posição concreta, a ser assumi­

da por toda a comunidade.

Em março de 1980, ano IX, Nós Irmãos circulou em edição especial sobre o tema “migração”. Nela o índio fora contemplado com um artigo (p. 14), em cujo texto

fora realçada a sua condição de migrante, tendo, ao longo da história, que fugir da per­

seguição dos “civilizados”, portanto, ainda hoje guardando na memória as lembranças

das “correrias”, que levaram muitos grupos tribais a extinção. Denunciou o boletim que:

“Mais recentemente, com a chegada dos paulistas, a situação ficou pior ainda, porque muitas fazendas foram abertas perto ou mesmo dentro de suas terras”.

Em abril de 1980, ano IX (pp. 12­13), Nós Irmãos publicou artigo com o título: Índios e colonos: o conflito pela terra. No texto fez­se o registro de conflitos entre colo­

nos e índios, e atribuíra essa rivalidade entre pobres aos fazendeiros e aos órgãos do

governo: INCRA e FUNAI. Relata o artigo: “No município de Boca do Acre (...) um

latifundiário por nome de João Sorbille, através de títulos adquiridos no cartório daquela

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cidade, grilou uma área de terra no quilometro 45 da BR – 317, onde moram os índios

Apurinãs. Parte das terras griladas foi vendida (...) a colonos vindos de outros estados

do país. Outra parte da terra foi vendida a fazendeiros. / João Sorbille chegou na área no

ano de 1972 e, há quatro anos, foi feita a referida transação. / Depois dos índios sofre­

rem com a presença desses ditos “senhores das terras”, sofrendo inclusive, destruição de

suas casas e cultivos, juntamente com os colonos. (...) No ano de 1978 foi demarcada

uma área medindo, aproximadamente, 18 mil e 700 hectares, com 5 Km de frente, na

BR – 317. / Hoje os índios chegaram à conclusão de que a FUNAI marcou mal sua área

de terra, e reclamam uma nova demarcação. Nesta nova área deve­se incluir, entre ou­

tras, a área dos colonos”. O fato noticiado pelo boletim degenerou em conflito entre

índios e colonos pouco tempo depois. Os índios, em pé de guerra, armaram­se e come­

çaram a expulsar os colonos que, por sua vez, também se organizaram para resistir. A

Igreja e os órgãos oficiais: FUNAI e INCRA evitaram que houvesse mortes. Sendo a

questão mais adiante resolvida com a ampliação da reserva, e o assentamento dos colo­

nos em outra área.

A posição autoritária da FUNAI com relação a Igreja fora denunciada pelo Nós Irmãos de novembro, ano IX, 1980 (pp. 5­6), pois a 8ª Delegacia Regional da FUNAI,

sediada em Rondônia, proibira a presença de missionários ou qualquer outro agente

pastoral ligado ao CIMI, nas áreas indígenas administradas por sua base territorial. In­

formou o boletim que pessoas ligadas ao CIMI foram expulsas da área Katuquina, onde

já vinham atuando, por funcionários da FUNAI e policiais federais. Uma nota de repú­

dio pela ação do órgão fora ainda publicada no boletim, constando a assinatura de vários

organismos como: CIMI, Comissão Pró­Índio, Movimento de Defesa do Meio Ambien­

te, etc. Na nota denunciou­se também a omissão da FUNAI em várias questões relacio­

nadas com o índio, mencionando particularmente a não retirada dos grileiros da área

Apurinã, em Boca do Acre.

Nós Irmãos (p. 9), ano X, abril de 1981, noticiara a data comemorativa do dia do índio. No texto denunciou a falsidade e hipocrisia das festividades oficiais, que tentam

folclorizar à questão indígena. Adiante fez alusão aos conflitos envolvendo posseiros e

índios, concluindo que: “Não adianta pobre brigar com pobre, pois o único que vai sair

beneficiado desta briga vai ser o latifundiário e as multinacionais que fazem esta jogada

suja e desumana. Nós Irmãos desempenhou papel importante no apoio a causa indígena, todavia, o

material que circulou em suas páginas estivera longe de revelar o real envolvimento da

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Igreja através do CIMI, para organizar o movimento índio no Acre. Se de um lado, a

relação oficial entre a Igreja e a FUNAI fora marcada por divergências e desencontros;

por outro lado, os indigenistas responsáveis pelos postos nas áreas indígenas facilitaram

a ação não só da Igreja e dos seus agentes pastorais, mas também de outras organizações

que vieram contribuir para que o movimento indígena no Acre se desenvolvesse de mo­

do rápido, e diferente dos outros movimentos similares que ocorreram no país. O Va­ radouro, funcionou para a questão indígena como espaço alternativo por excelência.

4.5 Nós Irmãos: sindicatos e movimentos populares urbanos

As sociedades de socorro mútuo e de natureza beneficente foram historicamente

as formas primárias de organização do mundo do trabalho. Para enfrentar as condições

adversas no seu cotidiano e mesmo para amenizar os efeitos das carências mais sentidas,

tais como: desemprego, doença, despesas com funeral, pensão a família etc.; e até mes­

mo para atender necessidades de natureza recreativa e cultural, muitas foram as formas

de solidarismo criadas e desenvolvidas pelo trabalhador acreano. Desde as primeiras

décadas dos anos de 1900 existiram associações como, por exemplo: Centro Operário

Beneficente do Alto Juruá; Centro Operário Tarauacaense, Círculo Regeneração e Fé de

Brasiléia; União dos Pequenos Lavradores e Homens do Povo do Juruá; União Operária

de Rio Branco; Sociedade Beneficente dos Servidores Públicos do Território Federal do

Acre etc.; e mais recentemente a Sociedade Beneficente Operária de Rio Branco e a

Caixa Auxiliadora da Polícia Militar.

Muitas dessas associações vieram a cumprir também o papel de defesa dos direi­

tos do trabalhador, e algumas delas foram inclusive porta vozes de suas reivindicações

de ordem social e política; contudo, o sindicalismo na sua forma moderna só fora surgir

no Acre na década de 1950, com as associações profissionais de comerciários e estiva­

dores. Na década de 60, mais duas associações profissionais foram organizadas: a União

dos Professores Primários do Estado do Acre e a Associação Profissional dos Pedreiros

e Auxiliar de Pedreiros de Rio Branco. Ainda nesse período fora criado o Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Rio Branco, e as Ligas Camponesas atuaram em Rio Branco e

Brasiléia; essas duas últimas organizações foram extintas com o golpe militar de 64.

Os sindicatos e os movimentos sociais: rural e urbano passaram efetivamente a

ter maior presença na vida econômica, social, política e cultural do Acre, a partir da

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década de 1970. O sindicalismo rural em pouco mais de 5 anos estava organizado em

todos os municípios do estado; outros sindicatos e associações profissionais surgiram na

área urbana, e ainda vários outros movimentos em defesa do índio, dos direitos huma­

nos, contra o custo de vida etc. De certo modo, Nós Irmãos fora também o espaço privi­ legiado para que essas vozes pudessem se expressar.

Na edição de junho de 1974, ano III (p. 6), Nós Irmãos n.º 6 noticiou a posse do novo presidente do Sindicato dos Motoristas. O sindicato havia sido organizado também

com o apoio da Igreja; o presidente era monitor da CEB do bairro da Estação Experi­

mental. Para José da Silva, que ora assumira o comando do sindicato, o boletim dese­

jou­lhe uma boa gestão e de que fosse um verdadeiro fermento entre os profissionais do

volante.

O movimento de jovens viera sendo notícia nas páginas de Nós Irmãos, contudo, essa cobertura estivera restrita as atividades de cunho religioso e cultural. No de maio

de 1977, ano VI (p.11), o boletim publicou uma coluna com o título: Diálogos e Deba­

tes com os Jovens. A coluna trouxera várias notícias sobre o movimento estudantil em

Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, transcritas dos jornais Estadão e JB. Os protestos

estudantis contra o jubilamento nas Universidades públicas e o aumento das taxas e

mensalidades na PUC­SP mobilizaram centenas de jovens. Mereceram destaque as as­

sembléias realizadas por estudantes da PUC­Rio, UNB e da Faculdade de Direito da

USP, nas quais foram aprovadas notas de protesto contra o fechamento do Congresso

Nacional, pelo general­presidente Ernesto Geisel, quando do impasse verificado na vo­

tação da reforma do Judiciário. O colunista do boletim diocesano aproveitara o momen­

to para fustigar as lideranças estudantis locais: “Aqui em Rio Branco?” Todos, muito

ocupados com os “Jogos Universitários”!!! A crítica do periódico fora dirigida ao con­

trole autoritário que a Reitoria da Universidade do Acre exercia sobre os estudantes e

seus órgãos representativos: Diretórios Acadêmicos e DCE. Ainda nesse ano de 1977,

uma chapa, integrada por lideranças jovens católicas e da esquerda, concorrera as elei­

ções para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e vencera por boa margem de vo­

tos, em que pese as pressões da Reitoria. A vitória da chapa “Seringueira” significou o

desabrochar do movimento de renovação nas práticas adotadas, até então, pelas lideran­

ças estudantis, rompendo, no dia a dia, as amarras, a dependência e o controle que vi­

nham sendo exercidos pela direção superior da UFAC.

Os movimentos decorrentes da iniciativa popular sempre foram alvo da cobertu­

ra do boletim Nós Irmãos. No mês de agosto de 1977 fora criado em São Paulo o Mo­

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vimento do Custo de Vida. O boletim (p. 20), de abril de 1978 (ano VIII), noticiou a

assembléia realizada em março com a presença de cerca de 7 mil pessoas, que dera iní­

cio as ações práticas do MCV. Relatara o boletim: “... operários, donas de casa, bancá­

rios, comerciários, funcionário público, e estudantes se reuniram para lançar a campa­

nha de assinaturas (abaixo­assinado) para um memorial que o Movimento do Custo de

Vida encaminhará ao governo protestando contra os preços altos e os salários baixos,

pedindo três medidas urgentes: 1º) o congelamento de preços dos gêneros alimentícios;

2º) um abono salarial; 3º) futuros aumentos de salários acima do custo de vida”. Nós Irmãos reservou, ainda nessa edição, quatro páginas (pp. 10­13), para divul­

gar um texto com o título: “Os preços sobem, e os salários?” Esse artigo buscou com

uma linguagem simples fazer o leitor entender o complicado mecanismo da elevação do

custo de vida. O artigo rezara pelo catecismo marxista, empregando conceitos consa­

grados, tais como: sociedade capitalista, classe capitalista, meios de produção, força de

trabalho etc. Daí por diante, o MCV, que pouco depois fora rebatizado com o nome de

Movimento Contra a Carestia, criara também um núcleo de atividades no Acre. A últi­

ma página desse número do boletim trouxera um texto que contava a história do 1º de

maio. O texto fora redigido numa forma didática e compreensível ao mais comum dos

mortais: lendo ou ouvindo. Concluindo por considerar que a data era um dia de luta e de

lutadores.

No 1º de maio, Nós Irmãos trouxera sua folha de capa ilustrada com letreiros alusivos a data. A edição de maio de 1978, ano VII (pp. 7­8), noticiou a assembléia dos

trabalhadores e publicou, na íntegra, a carta que fora endereçada ao Ministro do Traba­

lho, Arnaldo Prieto, dando conta da situação de penúria em que se encontravam os que

trabalham. Com destaque na carta a questão da carestia, e os baixos salários na cidade e

no campo.

Agosto de 1978, ano VII, Nós Irmãos (p.9) noticiou que estavam sendo dados os

primeiros passos para a fundação da Associação das Lavadeiras de Rio Branco. Vários

grupos nos bairros da Bahia, Aeroporto Velho, Abraão Alab e Palheiral já se encontra­

vam organizados para dar voz a mulher trabalhadora; essa iniciativa fora única no país

até hoje, resultando inclusive na criação do sindicato da categoria.

Maio de 1979, ano VIII (pp. 9­11), Nós Irmãos publicou uma entrevista com um trabalhador da estiva, como parte de sua atividade de divulgação do 1º de maio. O custo

de vida fora a questão central da entrevista, mas, foram também abordados problemas

relacionados com a organização da categoria e a luta contra a exploração do trabalhador.

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Ainda, nesse número (p.21) fora publicado um artigo sobre as lutas dos trabalhadores no

país, e chamava a atenção especialmente para o movimento grevista dos metalúrgicos

da região do ABC de São Paulo, e da solidariedade que essa luta motivara no Brasil

inteiro. O artigo conclui: “A verdade verdadeira é que muitos trabalhadores perderam o

medo, o cagaço e continuaram se organizando em seus sindicatos”.

Notícias sobre greves realizadas ou anunciadas ocuparam toda a última página

(p. 22), dessa edição. Paralisação de professores no Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul;

médicos que fizeram greve no Rio, Porto Alegre e Belo Horizonte; lixeiros parados na

cidade de São Paulo; 150 mil metalúrgicos, recém­saídos de uma greve, ameaçaram

retomar a paralisação do trabalho, por falta de cumprimento do acordo acertado com o

governo e patrões; também em Belo Horizonte e Porto Alegre, os metalúrgicos ameaça­

ram a paralisação nas empresas. Nós Irmãos, desde então, passara a divulgar em suas edições os movimentos grevistas de maior repercussão no país.

Nós Irmãos (pp. 9­10), de junho, 1979, ano VIII, noticiou a comemoração do 1º de maio realizada na Catedral Nossa Senhora de Nazaret, com público de mais de 2 mil

pessoas. Várias categorias profissionais de trabalhadores se fizeram representar, mere­

cendo destaque da edição o discurso da presidente da Associação das Lavadeiras, que

fora publicado na íntegra. O movimento contra a carestia ocupou duas páginas (pp. 12­

13), dessa edição do boletim, no texto aparecera como reivindicação imediata o aumen­

to do valor do salário mínimo.

Em agosto, 1979, ano VIII (p. 4), Nós Irmãos dera cobertura a assembléia co­

memorativa dos 20 anos de vida da Associação Profissional dos Estivadores de Rio

Branco. As principais reivindicações da categoria foram listadas no periódico, que a­

proveitara para realçar o trabalho da atual diretoria na defesa dos interesses da classe.

Ainda nessa edição (p. 15), o boletim noticiou a assembléia geral do Sindicato dos Tra­

balhadores Rurais, realizada na Catedral Nossa Senhora de Nazaret, com a presença de

mais de 2.500 trabalhadores. Os principais problemas da pauta foram a insegurança nas

posses, causada pelas ameaças dos fazendeiros, e a desapropriação da área de cerca de

300 mil hectares, pois até aquele momento não haviam sido distribuídos os lotes para os

sem­terra.

Em novembro, 1979, ano VIII (p. 11), Nós Irmãos publicara matéria com ilus­

tração e com a manchete: Categoria Unida Jamais Será Vencida, e o sub­título: 1.000

Professores Saem as Ruas e Exigem Salário Justo. O texto assim registrara os fatos: “O

ponto alto da semana do professor foi o ato público que aconteceu nesta capital no CE­

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SEME reunindo mais de 1.000 professores que debateram com o presidente da Confe­

deração dos Professores do Brasil, prof. Hermes Zanetti, os problemas da classe... (...)

A passeata levou a multidão de professores às ruas empunhando cartazes e faixas, can­

tando e gritando slogans que continham suas reivindicações”. No ato, os professores

também manifestaram sua solidariedade aos estudantes na luta que vinham levando pela

conquista da meia passagem no transporte coletivo. Além dos baixos salários da catego­

ria, os professores reivindicavam solução para os muitos recibados que davam aulas nas

escolas sem vínculo empregatício, na condição de horistas. O boletim não só noticiou

como também tomara a defesa dos professores, chamando a atenção para o fato de que

os acontecimentos revelara uma conscientização maior da classe, e exigira o atendimen­

to das reivindicações que considerava justas.

Em maio de 1980 (ano IX), Nós Irmãos reservara 6 páginas de sua edição para questões relacionadas com o mundo do trabalho. A fala do bispo (pp. 3­4) fora dedicada

ao 1º de maio, na qual expressou: “A sociedade brasileira de hoje – dizem os Bispos –

em termos reais, nas linhas essenciais de sua estrutura, não se distanciou muito da soci­

edade escravagista, na qual se originou ... É centrada na satisfação dos interesses dos

senhores ... É em nome desses interesses que os servos produzem milhares de automó­

veis nos quais nunca vão andar, edificam milhares de apartamentos nos quais nunca vão

morar...”. Abrindo uma página com a manchete: “1º de maio vitória dos trabalhadores”;

o boletim (pp. 5­6) divulgou texto em que relatara a história dos mártires de Chicago,

das lutas para conquistar melhorias nas condições de vida da classe operária e pela re­

dução da jornada de trabalho; da brutalidade da repressão policial, e a prisão e posterior

condenação das lideranças. O texto finalizou com vários testemunhos de trabalhadores:

rurais e urbanos, sobre as condições de trabalho no Acre e da necessidade de organiza­

ção nos sindicatos.

A greve dos professores das escolas públicas fora o assunto do momento. Nessa

edição (pp. 13­14), o boletim divulgou diversas cartas de apoio e solidariedade aos pro­

fessores em greve, acompanhadas de centenas de assinaturas.

Em outubro de 1980, ano IX, Nós Irmãos (p. 6) denunciou a prisão de liderança estudantil por apoiar os professores em greve. O boletim noticiou que o estudante fora

detido por policiais militares no portão do colégio e levado para o quartel da Polícia

Militar, e lá submetido a vexames. O estudante era vice­presidente do Centro Cívico

Escolar do CESEME e coordenador da Pastoral de Juventude. Acusado de subversivo e

agitador, o líder estudantil também fora encaminhado para prestar esclarecimentos junto

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à Polícia Federal. O boletim no texto expressou o seu protesto de modo indignado, de­

clarando não ser o papel de a polícia prender estudantes nas portas da escola.

Na mesma edição (p. 8), o boletim publicou um comunicado oficial da Prelazia,

que ocupara toda página, a respeito da greve dos professores e das ameaças contra a

Igreja. Do texto destacamos: 1 – Na linha de opção pelos pobres, a Prelazia, a pedido

dos professores achou­se no dever evangélico de ceder a Catedral para as assembléias

dos professores do 1º e 2º graus, em estado de greve, pois os mesmos não dispunham de

espaço público para tanto devido a presença intimidatória de um ostensivo aparato poli­

cial. (...) 2 – De fato, os professores realizaram duas assembléias dentro da Catedral, nos

dias 10 e 11 de setembro na maior ordem e tranqüilidade. Contudo, na primeira, nume­

roso contingente policial cercou a Catedral e, armado, penetrou no interior do recinto

sagrado criando todo um clima de insegurança e medo. Padre André Fícarelli protestou

com veemência junto ao Comando Geral da Polícia Militar contra a atitude abusiva. A

Polícia, na segunda assembléia, se limitou a cercar o prédio da Catedral. (...) 3 – (...)

Padre André Fícarelli, Vigário Geral, recebeu um telefonema de quem se identificou

como sendo a “Falange Pátria Nova”, ameaçando intervir com medidas violentas, caso

houvesse outra assembléia dos professores contando com o apoio da Igreja. (...) 4 – A

Igreja comunicou essas ameaças ao governador e as Polícias Federal e Militar. Enviou

também um comunicado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a fim de que ela,

uma vez mais, levante sua voz profética para denunciar tais ameaças, dando­lhe ampla

repercussão, em particular ao Ministro da Justiça, à Ordem dos Advogados do Brasil, a

Imprensa e os setores políticos mais conseqüentes com as idéias de justiça e liberdade”.

Em outubro de 1981 (ano 10, p. 11), Nós Irmãos noticiou a realização do I Con­ gresso das Lavadeiras, reunindo as Associações de Lavadeiras de Rio Branco, Xapuri,

Brasiléia, Sena Madureira e Boca do Acre. Segundo o boletim o encontro fora um su­

cesso: “(...) houve debates, aprovações, dramatizações, baseados nas realidades de on­

tem e hoje. (...) fizemos um balanço das atividades das Associações (...) ... estudamos

sindicalismo (...) ... estudamos a situação geral do nosso país, sobretudo a situação dos

trabalhadores e a política do governo para os trabalhadores. Estudamos também os par­

tidos políticos, seus programas e as eleições de 82”. Do encontro fora aprovado um pla­

no de Ação contemplando os seguintes pontos: 1. Fortalecer as Diretorias; 2. Conscien­

tizar quem está fora do trabalho; 3. Visitar os bairros fazendo reuniões com as lavadei­

ras; 4. Lutar para que todo mundo aceite as nossas tabelas de preços; 5. Lutar pela liber­

tação da lavadeira. A cobertura do Nós Irmãos ao movimento das lavadeiras fora bas­

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tante ampla, desde os primeiros passos dados para sua organização. Nas páginas reser­

vadas ao noticiário dos bairros e das comunidades, vez por outra, se fez referência as

iniciativas das donas de casa que tinham a lavagem de roupa enquanto atividade profis­

sional, sempre estimulando que se organizassem nos núcleos da associação já existentes

no bairro mais próximo.

O Movimento Popular de Saúde começou a se estruturar no Acre a partir do ano

de 1980. O MPS começara a se organizar com base local, apoiado no movimento dos

hansenianos, na Associação dos Servidores do INAMPS, na Associação dos Funcioná­

rios da Secretaria Estadual de Saúde e no movimento comunitário. No 3º Encontro do

Movimento Popular de Saúde (MPS), realizado em Goiânia, com a participação de 160

representantes de vários estados brasileiros, o Acre se fez presente com dois represen­

tantes. Nós Irmãos (p. 9), de novembro, 1980, ano IX, noticiou o evento e publicou suas primeiras conclusões, dando certo destaque para o fato de que o Movimento Popular de

Saúde estava encaminhando sua luta de mãos dadas com os trabalhadores e demais mo­

vimentos populares, apoiando em particular os movimentos de mulheres, negros índios,

hansenianos etc. O boletim fechou a matéria convocando as comunidades para se en­

volverem no MPS, por considerar o direito a saúde uma conquista popular.

4.6 Nós Irmãos e a cobertura dos movimentos de bairros e dos sem­teto

A partir do ano de 1972 um forte movimento migratório rural­urbano tivera iní­

cio no Acre. Esse fenômeno migratório fora essencialmente determinado pelo processo

violento de ocupação das áreas rurais pela nova frente agro­pastoril, cujo deslocamento

para as áreas da fronteira ocidental fora motivado pela existência de terras livres e bara­

tas, e também pelos incentivos públicos colocados a disposição de fazendeiros e empre­

sários do centro­sul.

O crescimento demográfico da cidade de Rio Branco, capital do Acre, fora ver­

tiginoso. Novos bairros vieram se incorporar a sua paisagem urbana, principalmente

pobres. Desses, cerca de 4 deles foram resultado da invasão direta da população, e mais

outros 4 decorrentes de loteamentos não de todo legalizados. Além disso, os bairros

pobres já existentes tiveram suas áreas ampliadas e, consequentemente, suas populações

aumentadas (22).

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A ocupação, por uma população pobre de chegantes, de muitas áreas degrada­

das, localizadas na periferia da cidade de Rio Branco, e que estavam sujeitas permanen­

temente a inundações e aterramentos por quedas de barreiras, de certo modo, fora a­

companhada desde o início pelo Nós Irmãos, quando esse dava cobertura ao trabalho pastoral de criação das CEBs. Na medida em que essas populações foram atraídas para

o trabalho de evangelização, seus problemas e carências, do dia a dia, então se trans­

formaram em questionamentos, cuja solução passava pela iniciativa coletiva e comuni­

tária.

O noticiário sobre as comunidades veiculava informações sobre o andamento do

trabalho missionário e também sobre as reivindicações apresentadas pelas populações

nos bairros. Nós Irmãos (p.8), fevereiro de 1975, ano IV, noticiou: “Floresta com as promessas de luz elétrica”. “(...) a Comunidade vai indo. O William está visitando todos

os grupos desta área, mas a prometida luz elétrica para este bairro ainda não apareceu”.

Ainda no ano de 1975 (agosto, ano IV, p. 9), duas notícias deram conta do trabalho de

mobilização dos moradores para resolver problemas que afligiam a comunidade. A pri­

meira chamara a atenção para a questão do lixo, que o serviço de limpeza da prefeitura

depositava numa área já ocupada por cerca de 130 famílias, que viera poucos anos de­

pois a ser transformada no bairro Terminal do Aeroporto Velho. Informara o boletim:

“Os cristãos dessa comunidade estão porém se unindo para tomarem uma decisão em

face da indiferença dos setores responsáveis. Esperamos que a atual administração mu­

nicipal de Rio Branco corrija mais este desmantelo herdado da administração passada”.

Uma outra notícia informara que: “Problema da água agita moradores da Experimental”.

Segundo o boletim: “Mais de 150 pessoas reuniram­se (...) no Centro Comunitário do

bairro da Estação Experimental para debater o problema da água. Além da falta de água

debateu­se o problema de um igarapé de águas poluídas que vem sendo um foco de do­

enças para uma parte significativa da população”. O pedido de providências fora enca­

minhado a SANACRE, responsável pelo serviço de águas e esgotos, através de uma

comissão de moradores que para essa finalidade fora escolhida. Com a extensão da rede

de água encanada mais de 1.300 famílias seriam atendidas. Nós Irmãos, no ano de 1976 (ano V), passara a circular com uma divisão interna

sob a forma de caderno, no qual se noticiava arte, política, educação, terra, esporte, sin­

dicato e, evidentemente, sobre a cidade e seus problemas. Em agosto (pp. 14­15), o bo­

letim publicou uma reportagem sobre o crucial problema da falta de água tratada no

bairro Estação Experimental, que há cerca de um ano atormentava mais de 1.600 famí­

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lias de residentes da área. A reportagem tivera como título: “Bairro Experimental: o

nordeste acreano”. Vários moradores foram ouvidos, inclusive os mais antigos, que a­

firmaram que antigamente havia muita água nas cacimbas. Comentou o boletim que:

“Veio porém o desmatamento, a urbanização descontrolada e até a água desapareceu”.

Ainda informou o boletim do espanto de um bispo italiano que visitara o bairro: “Tinha

ouvido falar muito de desnutrição, doenças e fome. Mas que o povo não tivesse água

para matar a sede, isso parece um absurdo”. Uma comissão formada por nove morado­

res se dirigira ao governador, que alegara não haver solução a curto prazo, e os carros­

pipa ainda por algum tempo era a única solução disponível. O boletim concluíra: “Di­

zem, particularmente aqueles que têm o privilégio de ter água encanada em sua casa,

que o povo da Estação Experimental é “mal educado e ignorante porque estão aconte­

cendo confusões, brigas ... nas enormes filas que se fazem todos os dias atrás dos car­

ros­pipa para receber a sua esmola de água”. (...) a origem destas confusões está nas

pessoas que esperam na fila por um mísero balde d’água ou está num sistema sócio­

econômico que deixa mais de 1.600 famílias, há vários meses, sem água suficiente para

viver? Como pode alguém, numa situação destas, deixar de reagir? Se para os ricos e­

xistem sempre soluções rápidas para seus problemas...”.

De novembro de 1976, ano V (pp. 5­7), Nós Irmãos publicou uma reportagem com o título: “Um bairro (de Xapuri) chamado Bolívia”. Todo o texto da matéria fora

construído a partir dos depoimentos dos moradores. Bolívia era um bairro de migrantes;

um enclave de miséria e pobreza surgido muito recentemente, localizado nas imediações

do centro da cidade, que dele se separava apenas por uma ponte sobre um igarapé. A

maioria dos moradores tinha origem nas colonias e seringais do município de Xapuri.

Doenças, estudo para os filhos e, sobretudo, por terem sido expulsos de suas colocações

foram as causas apontadas para que viessem morar na cidade. Depõe um dos entrevista­

dos: “Morávamos no seringal. Tudo ia bem. Pelo menos tinha bastante comida, enquan­

to que aqui tudo tem que ser comprado. Mas, depois, fizeram a derrubada. Invadiram a

“colocação”. Tocaram fogo em tudo e tivemos que sair para não queimar junto com a

casa. Agora ... agora não adianta mais voltar para o seringal porque lá só se ganha pon­

tapé”. Comentou o repórter: “... esta história que, no fundo, não traz novidades porque

coincide com a história de centenas e centenas de seringueiros expulsos de suas terras, a

partir de 1970, com a implantação do “Novo Acre” que, aos poucos, vai­se povoando de

bois devidamente guardados por jagunços: (...)”. Nos diversos depoimentos o repórter

se apercebera que os moradores sentiam o desejo do retorno a vida no campo, pois eram

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agricultores e extrativistas, completamente inadaptados a vida na cidade. A luta por um

pedaço de terra ainda os motivava, e a necessidade da ação coletiva se expressava na

frase síntese de um dos moradores: “A falta de união aumenta ainda mais nossos pro­

blemas”. E concluíra: “... Nós devemos nos unir para lutar contra o Dragão”.

No ano de 1977 (ano VI), Nós Irmãos criara o caderno “realidades”, espaço re­

servado para reportagens e notícias sobre os mais diversos assuntos. Em abril, o boletim

(p.11) denunciou a falta de escolas nos núcleos dos Vertentes e Canta­Galo. Os morado­

res reclamaram que mais de 40 crianças estavam sem estudar, pois o deslocamento até a

cidade distava cerca de 10 quilômetros; por não ter linha regular de transporte, as crian­

ças tinham que ir e vir a pé. Por mais de três anos os moradores se queixaram e ouviram

promessas da parte de autoridades e políticos. Sob a forma de boxe, logo abaixo da ma­

téria, duas opiniões de políticos a respeito do assunto: “1. Para se construir um Grupo

Escolar há fatores imprescindíveis, entre eles recursos orçamentários./ O Governador

está imbuído dos melhores propósitos, mas as condições econômico­financeiras são

poucas, dependentes de recursos da União, quando surgem as reivindicações, S. Excia.,

se pudesse, as atenderia imediatamente, mas nem sempre isso é possível.” “2. É preciso

acabar esta conversa de chamar o Acre de Estado pobre. Os pobres não atiram dinheiro

pela janela e aplicam melhor seus recursos; (...) Por que denominar de pobre um Estado,

quando a três diretores de uma companhia de economia mista é pago o montante quase

correspondente à manutenção de um grupo escolar”? O boletim fechara a matéria sem

comentários.

De junho, 1977, ano VI (p.11), Nós Irmãos publicou notícias sobre as reivindi­ cações dos moradores de dois bairros pobres: Bahia e Palheiral. No bairro do Bahia, a

falta de iluminação pública vinha sendo usada pelos marginais para cometer seus cri­

mes. Segundo denúncia dos moradores, uma jovem de 14 anos fora violentada e assal­

tada numa viela escura. Outra reclamação se reportava a ausência de transporte coletivo

no bairro e quanto aos preços da passagem. No Palheiral se pedira de tudo: água, ener­

gia elétrica, posto de saúde, calçamento etc., pois não existia nada. As CEBs e seus mo­

nitores se apresentavam quase sempre como porta­vozes dos moradores.

De fevereiro de 1978 (ano VII, p. 4), Nós Irmãos começara a publicar histórias breves das CEBs dos bairros pobres de Rio Branco, segundo o ponto de vista de uma

liderança local. O bairro do Palheiral tivera sua história intimamente relacionada com o

surgimento da CEB local. A comunidade completara quatro anos de existência e dera

nome ao próprio bairro. Cerca de 600 famílias habitavam a área; quase toda a população

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era de migrantes que vieram dos seringais e colônias. Uma boa parte das mulheres do

Palheiral trabalhava como lavadeiras ou empregadas domésticas no centro da cidade. Os

homens trabalhavam nas olarias, carpintarias ou na construção civil, quase todos diaris­

tas ou biscateiros. Muitos eram os desempregados. O mercado da prostituição de Rio

Branco era abastecido por muitas jovens de 13 a 15 anos que moravam no bairro. No

Palheiral existiam postes, mas não tinha luz elétrica. Não tinha água tratada, as ruas sem

calçamento e cheias de lama no inverno. Bêbados, brigas e crimes bárbaros completa­

vam o cenário miserável descrito pelo observador. A organização dos moradores come­

çara com a CEB, e após quatro anos, apesar de todas as carências, a população já se

movimentava e coletivamente procurava resolver os seus problemas. A história da co­

munidade do Bahia também fora contada nessa edição (p. 8); um pouco mais velha: 6

anos. O quadro de miséria e carências não a diferenciava de sua vizinha: Palheiral. Os

dois bairros foram celeiros de boas lideranças e ativistas dos movimentos sociais e sin­

dicais.

No ano de 1978 a Prelazia do Acre e Purus criara o Centro de Defesa dos Direi­

tos Humanos, com a finalidade de assessorar os movimentos sociais e prestar apoio aos

grupos ou indivíduos vítimas de violação dos seus direitos. Nas páginas de Nós Irmãos,

inúmeras foram as denúncias de pobres que foram vítimas da violência policial e da

capangagem a soldo dos “paulistas”, e o CDDH, portanto, viera preencher uma lacuna,

não só centralizando nele as denúncias mas orientando e prestando assistência jurídica.

O ano de 1978 também fora um ano político, e Nós Irmãos publicara algumas

matérias sobre o assunto no decorrer do ano. Em outubro, 1978, ano VII, o boletim cir­

culara com a capa ilustrada por motivo eleitoral: ARENA e MDB puxavam uma corda.

No editorial (p. 1), o bispo D. Moacyr Grechi reproduzira uma carta do D. José Maria

Pires, bispo de João Pessoa, falando das eleições, para qual dava toda a sua aprovação.

No texto, ARENA e MDB eram farinha do mesmo saco, escapando um ou outro candi­

dato merecedor de certa confiança. O fecho do texto ensejara por um partido do povo. –

“Partido Popular – só de gente do povo, para haver gente do povo no poder...” Para re­

flexão nos grupos fora redigido uma matéria que tencionava explicar as eleições, os

bastidores da política e o porquê da necessidade do voto. Vários anúncios foram veicu­

lados no pé da página dessa edição, similares a esse: “É importante que todos os traba­

lhadores se organizem em Associações de classe. São nos sindicatos, nas associações e

grupos que os trabalhadores se esclarecem, se unem e tem poder e força para exigir jun­

tos os direitos”.

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No ano de 1979, os movimentos para compras comunitárias foram também di­

vulgados nas páginas do boletim diocesano. Em vários bairros da cidade, as comissões

de moradores transformaram esses mutirões em momentos de conscientização. Era hora

também para discutir sobre o custo de vida, inflação, política, saúde e, sobretudo, orga­

nização dos moradores. Nesse ano, ainda os grupos dos sem­teto tornaram­se mais ati­

vos, e várias áreas abandonadas, públicas ou privadas, começaram a ser ocupadas (23).

Do mês de julho de 1979 (ano VIII, pp. 24­25), Nós Irmãos dera cobertura a reunião do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) com 25 representantes de

comunidades e bairros. O CDDH fizera sua apresentação às lideranças, bem como das

linhas de serviço e assessoria que estava apto a prestar às comunidades. Segundo o bole­

tim, fora demais importante o encontro pois: “estamos aprendendo, aos poucos, que

precisamos nos organizar para defender nossos direitos”. Essa conclusão do texto tinha

razões bem objetivas, pois uma avaliação da atividade pastoral urbana dera conta das

dificuldades de organização dos movimentos sociais na cidade, o que não acontecera

nas áreas rurais, onde os trabalhadores se organizaram com maior rapidez e disposição,

lutando pela terra e se defendendo dos fazendeiros.

Do mês de agosto, ano VIII, 1979 (pp. 5­7), Nós Irmãos publicou reportagem

com o título: “O povo quer terra e casa prá morar”. A primeira ocupação de áreas pelos

sem­teto, na verdade, acontecera em 1978 nas vizinhanças do bairro do Palheiral. Essas

novas áreas que motivaram a reportagem do boletim, foram também ocupadas em de­

corrência de uma ação organizada de grupos de sem­teto, caracterizando aquilo que o

periódico chamara de “invasão”, fazendo coro com as personagens do drama.

Na reportagem, Nós Irmãos descrevera com detalhes os locais da invasão e a procedência dos seus ocupantes. O boletim identificara que, tanto na invasão 1 quanto

na invasão 2, havia uma maioria de pobres, mas também muitas pessoas abastadas: do­

nas de outros terrenos, casas ou comércio. Na invasão 2, segundo o boletim, o levanta­

mento feito, 4 meses antes, registrara a presença de 83 famílias visivelmente pobres;

algumas até em estado de extrema penúria, em razão do desemprego e dos baixos salá­

rios, habitando ranchos construídos com madeira e palha de ouricuri. As duas invasões

foram feitas de modo desordenado, não havendo arruamentos. A especulação com ter­

renos ficara clara e tornara­se um fato grave, pois todos os lotes já estavam reservados,

mas só metade devidamente ocupados; alguns até com casas construídas e fechadas,

com donos esperando a valorização da terra para vender. Informara o boletim que a ori­

entação da Igreja desde o início da invasão da área fora a seguinte: “... só pode pertencer

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a um terreno destes quem tem precisão e cada família deve se contentar com um lote.

Os especuladores (e as vezes os próprios pobres se deixam contagiar) só podem prejudi­

car os necessitados que lá residem e provocar o despejo de todo mundo”. Conclui a ma­

téria: “E não se passa uma semana sem que apareçam na invasão novas famílias, amar­

gas por encontrarem tanta dificuldade para descobrir neste imenso Brasil, pátria do boi,

uns metros quadrados para morar”.

De outubro, ano VIII, 1979 (pp. 11­12), Nós Irmãos com o título: “Estamos mo­ rando no que é nosso”, publicou matéria na qual denunciava o despejo que a COHAB

estava realizando no conjunto Tangará. As famílias que habitavam na área, há mais de

10 anos, se recusaram a abandonar seus barracos para ocupar as casas populares cons­

truídas pela COHAB. Os lotes de terreno já haviam sido legalizados, segundo os mora­

dores que pagavam prestações; agora a COHAB estava querendo trocar por uma casa

que só tinha a cobertura. O boletim publicou vários depoimentos, nos quais os morado­

res expressavam sua revolta.

No mês de janeiro de 1980 (ano IX, pp. 5­7), Nós Irmãos publicou matéria sobre a concentração popular realizada no dia 9 de dezembro, em comemoração ao aniversá­

rio da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Catedral recebera nesse dia 800

pessoas aproximadamente; muitas lideranças deram depoimentos a respeito de suas ati­

vidades. A matéria publicada permitira uma visão cabal do amplo alcance da cobertura

do boletim diocesano Nós Irmãos aos movimentos sociais no Acre. O movimento para criação de associações de bairros, iniciado pela Igreja, já vie­

ra dando resultado, pois fora criada a primeira delas no bairro Estação Experimental. As

compras comunitárias, movimento já difundido em vários bairros, apresentara um ba­

lanço de suas atividades. E assim por diante: Associação de Professores, luta por melho­

res salários; Movimento Estudantil, meia­passagem e solidariedade aos professores;

Sindicatos de Trabalhadores Rurais, mutirão contra a violência no campo; Associação

de Lavadeiras, direito a contribuir para o INPS. A Frente Popular, movimento político

dentro do MDB, fora noticiada pela primeira vez no boletim Nós Irmãos. O representan­ te da Frente, o ex­padre Manoel Pacífico, denunciou as violentas repressões feitas aos

trabalhadores e organizações populares nos 15 anos de Ditadura Militar. E mencionou

também a dissolução dos partidos: ARENA e MDB. O movimento dos sem­teto tam­

bém fora noticiado. A matéria trouxera ainda o programa de palestras do metalúrgico

Aurélio Peres, para as associações e sindicatos. Aurélio era ativista de vários movimen­

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tos sociais, entre eles: Sindicato dos Metalúrgicos, Movimento do Custo de Vida, Pasto­

ral Operária; ainda estava exercendo o mandato de deputado federal.

De dezembro de 1980, ano IX (pp. 7­8), Nós Irmãos publicou reportagem sobre a ocupação de área urbana com o título: “Triângulo Novo, o povo resiste a uma ordem

de despejo”. A matéria fora longa, ocupando 2 páginas da edição do boletim. O texto

descrevera com detalhes toda a história da ocupação da área e, portanto, o surgimento

dessa nova favela. O Triângulo Novo não tinha água, nem luz e sequer arruamento; que

as casas foram construídas de madeira e palha, e ainda que a área já fora duas vezes

alagada no período das chuvas, dos anos de 78 e 79. O dono da área recorrera a justiça,

e conseguira obter o mandado de despejo. À justiça dera a polícia o prazo de dois meses

para executar a sentença e limpar a área. Os moradores organizaram a resistência para

impedir que 15 policiais fortemente armados, inclusive com metralhadoras, acompa­

nhados do oficial de justiça fizessem cumprir o mandado de despejo. Segundo os poli­

ciais, a população estava sendo removida para uma área próxima ao Quinarí, pois o go­

verno reservara esse terreno e colocava a disposição o transporte para levar o barraco, a

mobília e a família. Uns poucos foram convencidos, a maioria resolvera não sair e toma­

ra a iniciativa de barrar a abertura de uma estrada que dava acesso aos barracos. O con­

fronto entre policiais e moradores só não acontecera porque o comandante da ação não

dera ordem para reprimir a barragem. No segundo dia de resistência, uma comissão dos

sem­teto obtivera uma solução negociada com o governo, que retirara a polícia e sus­

pendera a abertura da estrada até a decisão da justiça, que estava apreciando o mandato

impetrado pelo advogado do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, Arquelau Castro.

A suspensão do despejo fora obtida, e dado o prazo de 2 meses para que fosse encontra­

da uma solução. Nós Irmãos fechara a matéria assumindo uma posição de apoio ao mo­ vimento: “... Triângulo amanheceu com uma grande faixa à entrada: Deus criou a terra

para todos. O povo humilde faz a diferença entre o ocupante e invasor. Invasor é aquele

que se apropria de uma terra alheia, sem precisão ou para especular. Ocupante é aquele

que levado pela necessidade se instala numa terra desocupada onde constrói sua casa”.

Essa diferença, para o boletim, era de fundamental importância, pois numa matéria ante­

rior fizera o registro de que muitos haviam ocupado lotes para especular; embora não

sendo o caso das quase 250 famílias que estavam envolvidas no drama.

A folha de capa de Nós Irmãos, edição de março, ano 10, 1981, fora ocupada inteirinha com a ilustração e manchete. “Mataram o líder João Eduardo”. O movimento

comunitário, segundo o boletim (pp. 5­6), perdera um dos seus líderes de maior enver­

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gadura, pois João Eduardo se destacara por sua luta em favor do povo e o amor aos ne­

cessitados. O líder fora morto por um tiro de espingarda calibre 20, disparado por um

senhor conhecido como Francisco Ventinha. O fato fora dessa forma descrito pelo bole­

tim: “João Eduardo é mais uma vítima do problema da terra./ No bairro da Bahia, peri­

feria de Rio Branco, umas 500 famílias sem ter onde morar, ocuparam uma área de terra

desocupada e improdutiva. Tudo vinha sendo feito de forma organizada e tranqüila, sob

a coordenação de uma “comissão” que foi escolhida pelo próprio povo. Esta comissão

recebeu a função de marcar as ruas, dividir os terrenos, para que a terra seja distribuída

de forma justa e igual para todos”. Daí então, segundo o boletim, fora criado um clima

de conflito entre a liderança e indivíduos que queriam se apropriar indevidamente dos

lotes. Esses indivíduos ameaçaram de morte a qualquer um que viesse atrapalhar seus

planos; no caso João Eduardo, que se tornara a vítima. Mais de 2.000 pessoas foram ao

velório do líder; outras tantas acompanharam seu corpo da catedral até o cemitério.

Nós Irmãos concluíra a matéria com o comentário: “Por trás da morte de João Eduardo existe um problema muito sério: o Sistema Capitalista cria a mentalidade para

que cada um ganhe dinheiro sozinho, sem olhar os irmãos e até mesmo pisando neles.

“Ventinha” é também uma vítima desse Sistema. Uma vítima desse monstro que, além

de defender os ricos e desprezar os pobres, joga pobre contra pobre, pequeno contra

pequeno, criando a miséria para muitos. Prova disto, é que durante o velório, uma pes­

soa fardada da PM, em conversa com outro líder da comunidade tentava convencê­lo de

abandonar o trabalho da comissão, dizendo que “a polícia vai proibir a comissão de con­

tinuar o trabalho”. Mas nós dizemos ao nosso povo: “Continuem firmes na caminhada

como o líder que respondeu ao PM, “que o trabalho vai continuar porque é um trabalho

de Deus e do Povo”. Os sem­teto persistiram na luta e conseguiram a desapropriação da

área, que hoje leva o nome de bairro João Eduardo.

Em abril, 1981, ano 10 (pp. 5­6), Nós Irmãos publicara a matéria sobre a vitória

na justiça dos moradores do bairro Triângulo Novo. Eis a manchete: “Triângulo Novo:

Povo ganha a questão”. O texto retomou o processo de luta desde sua fase inicial, nar­

rando as iniciativas do governo para convencer os moradores a deixarem a área em troca

de casas populares, construídas num conjunto habitacional, na cidade vizinha de Sena­

dor Guiomard. O julgamento fora marcado, daí culminando com a sentença que dera

ganho de causa aos moradores. Centenas de populares compareceram ao tribunal. A

comissão agradecera os apoios recebidos e, principalmente, ao líder a pouco tempo mor­

to, João Eduardo, que passara a noite de plantão com os moradores quando da luta para

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permanecer na terra. A vitória dos sem­teto do Triângulo Novo ainda demorou, pois só

alguns anos depois a área fora desapropriada, permitindo com isso, que alguns serviços

públicos fossem instalados.

Em dezembro, 1981, ano 10 (pp. 5­6), Nós Irmãos dera cobertura ao encontro de lideranças do Movimento de Compras Comunitárias de Rio Branco. Vários bairros esti­

veram representados: Estação Experimental, Cidade Nova, Terminal, Quinze, Triângu­

lo. Os grupos deram conta do seu trabalho e de sua experiência na luta contra a carestia

de vida, sendo unânimes em constatar que, apesar de todo esforço, estavam comprando

cada vez menos. A carestia comia os salários, e os ganhos com a compra direta ao pro­

dutor ou atacadista sumiram com os aumentos constantes das mercadorias. Outro pro­

blema sério: era o transporte das mercadorias; se tornara caro, principalmente quando o

grupo crescia, e era necessário transportar toneladas de produtos. O movimento, apesar

das dificuldades, achava a experiência até então válida, pois permitira também que se

reunissem para discutir outros problemas dos pobres: como custo de vida, saúde, salá­

rios, educação etc., e identificar os culpados pela miséria do povo. No final do encontro,

segundo o boletim, fora elencados alguns pontos a atacar: incentivar o surgimento de

outros grupos de compras comunitárias; reanimar os grupos que estavam parados; pro­

curar transporte gratuito; fazer um outro encontro em janeiro de 1982. No rodapé da

matéria, Nós Irmãos publicara, em forma de anúncio, palavras de incentivo a formação dos grupos comunitários de compras. Ainda nessa edição (pp. 6­7), duas páginas foram

reservadas para convocatória da Assembléia Geral do Centro de Defesa dos Direitos

Humanos, que tinha como bandeiras: Pela desapropriação da área do Triângulo Novo;

Pela posse da terra para quem nela trabalha; Por ouras condições de vida: transporte,

saúde, moradia e trabalho.

4.7 Nós Irmãos: comunicação alternativa para os deserdados

Nos dez anos de existência (dez.1971/dez. 1981) pesquisados do boletim dioce­

sano Nós Irmãos, cobrindo cerca de 108 edições mensais efetivamente encontradas, e mais de duas mil páginas lidas pudemos largamente constatar que essa publicação da

Prelazia do Acre e Purus fora o veículo por excelência de comunicação dos deserdados.

O boletim, que desde o seu primeiro número colocara­se como porta voz das comunida­

des, entendendo­se aí as CEBs que se formaram no Acre a partir do ano de 1971, fora

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paulatinamente assumindo uma posição mais engajada, passando a cumprir o objetivo

de dar voz aos calados.

As matérias publicadas no boletim Nós Irmãos cobriram todas as formas de or­ ganização dos movimentos sociais, e também as lutas mais importantes que empreende­

ram durante os dez anos em que o periódico fora pesquisado. A luta pela terra sempre

fora a questão central. Não faltando todavia um material farto sobre a questão indígena;

sindicatos; movimentos de jovens; associações de moradores; movimentos culturais;

movimentos de mulheres; movimentos contra a carestia; movimento contra a violência

etc. Ainda mais as denúncias contra torturas, oposição ao regime militar, divulgação de

notícias de greves e, com destaque, também dera voz aos indivíduos pobres, que pude­

ram expressar os seus temores e pedir ajuda.

No decorrer dos dez anos, Nós Irmãos também mudara a sua forma, não muito o formato mas a distribuição interna do seu conteúdo. O volume do material informativo

aumentara, e com ele o número de páginas de suas edições, pois chegara a circular com

36 páginas. De uma tiragem de 200 exemplares inicialmente, chegara a mais 1.000 por

edição. Atingira quase toda área da jurisdição eclesiástica da Prelazia do Acre e Purus;

circulando em todos os Centros Comunitários, Paróquias e nos mais de 1.000 grupos de

evangelização.

Sua mensagem era na realidade muito lida, pois constatamos esse fato nas cente­

nas de cartas de leitores, comunidades e monitores publicadas em suas páginas. A de­

mora na remessa do boletim e as edições com atraso foram reclamadas pelos leitores,

merecendo inclusive explicações da equipe de redação como esta: “A equipe do bole­

tim, gostaria de esclarecer a todos a respeito dos seguintes pontos: 1. Reconhecemos

que os boletins de dezembro de 1980 e o de janeiro de 1981, saíram atrasados. Isso a­

conteceu devido os festejos do fim de ano, defeito do mimeógrafo e falta de pessoas

para nos ajudar. Sabemos que isso é muito chato, para o nosso trabalho. Mas nós pedi­

mos que vocês entendam nossa situação. Nem tudo saí como a gente gostaria. 2. Todo

mundo sabe que um boletim desse custa muito dinheiro. O papel subiu demais nesse

ano de 80. Por isso, nós pensamos que esse ano de 81, a assinatura anual custará 100,00

cruzeiros. Quer dizer, cada boletim custa mais ou menos 8 cruzeiros. Ninguém venha

me dizer que é caro! 3. Quando você escrever sua carta, diga qual é a sua comunidade,

município que você mora e a sua paróquia. Fale sobre a vida de sua comunidade: as

atividades, os problemas, as lutas do povo, as derrotas, as vitórias. Não esqueça de datar

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a sua carta: dia, mês e ano. 4. Contando com a colaboração de vocês, nós iremos em

frente... obrigado...” (24). Nós Irmãos sempre fora pago por seu público leitor, subsidiado na verdade, po­

rém sempre custou algum valor. Em 1978, publicou sua tabela de preços para assinatura

anual: Acre: 25,00 cruzeiros; Brasil: 40,00 cruzeiros; Exterior: 5 dólares ou 5 mila lire

(Cheque Postal ou Cheque Bancário).

Nas páginas do boletim, as manifestações artísticas e culturais dos indivíduos e

grupos da comunidade sempre tiveram espaço. As dramatizações populares, festas reli­

giosas ou profanas, encenações teatrais, festival de música religiosa, e sobretudo a

poesia popular. Para essa, o espaço era obrigatoriamente reservado, pois, em quase to­

das as edições, poemas de autores populares foram publicados. Nós Irmãos, podemos afirmar com certeza, durante esses dez anos fora sempre

um boletim diocesano cujo conteúdo tratara a questão social como assunto relevante,

fazendo um jornalismo popular e cumprindo o papel de meio de comunicação alternati­

vo para os movimentos sociais, dando assim a palavra para milhares de calados do

Acre (25).

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137

Capítulo 5

Varadouro: um Jornal das Selvas

Tudo isso aconteceu enquanto o amor, o trabalho e outras desculpas verdadeiras se tornavam a ponte para que isso acontecesse.

Alberto da Cunha Melo (Con­ dições nem tanto objetivas)

“Povo do Varadouro! Recebi finalmente os 3 jornais. Só achei uma coisa que muito me emocionou: não tem cheiro de Rio de Janeiro nem de São Paulo. Tem cheiro de ACRE! A paginação, a leitura, tudo tem a cara do Acre! Como é que vocês conseguiram? Um apelo: aprofun­ dem mais isto. Quero receber o número 4 impresso em folha de seringueira. Não façam um jornal para o Rio e São Paulo! Viva o ACRE!

Henfil (Carta à redação do Varadouro, nov. 77).

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138

5.1 Súmulas de uma realidade a guisa de contextualização 5.1.1 – Economia e sociedade

A longa crise da economia extrativa da borracha natural fora agravada em decor­

rência das políticas adotadas para o setor, durante a década de 1960, pelo governo fede­

ral. As novas políticas para a região, que vieram no bojo da “Operação Amazônia”, cria­

ram as condições para que um volume considerável de terras acreanas fosse transferido

dos seringalistas para empresários do centro­sul, cujo objetivo era implantar a pecuária

de corte no estado. A partir do ano de 1971, começaram a ocupação das áreas adquiridas

pelos fazendeiros, sendo dado início as grandes derrubadas da floresta para formação de

campos artificiais, com pastos extensos e férteis para alimentar o rebanho bovino.

A desativação dos seringais, principalmente pela expulsão dos seringueiros do

seu interior, tivera sentidas conseqüências no declínio da produção da borracha natural

de origem extrativa, com melhor visibilidade no Acre a partir do ano 1973, e daí por

diante até o ano 1975 (1).

Cabe realçar, contudo, que o processo de pecuarização do Acre afetara com

maior profundidade e violência o trabalhador seringueiro, pois esse não era mais um

simples extrator de látex, e sim também um agricultor. O seu sustento agora provinha

do seu trabalho da extração da seringa e secundariamente da castanha, complementado

pelo cultivo do roçado, do pomar e do criatório de pequenos animais; esse trabalho era

por toda família compartilhado. Ao ser expulso do interior da floresta, restava­lhe como

meio de sobrevivência duas alternativas: tornar­se peão nas áreas de desmate e derruba­

das, ou migrar para a cidade na busca de nova oportunidade de trabalho, morando nas

áreas urbanas periféricas, geralmente alagadiças e degradadas.

Rio Branco, por ser a capital do Acre, e portanto o centro urbano estadual me­

lhor estruturado, recebera o maior impacto dessa onda migratória provocada pelo pro­

cesso de “bovinização” da fronteira ocidental. O crescimento demográfico de sua área

urbana atingira a taxa geométrica anual de 9,6%, durante a década de 70; sendo por isso

considerado um caso atípico e precoce, pois na Amazônia a taxa média fora 4,1% anu­

ais, no mesmo período. A recepção intensa dos novos contingentes populacionais que se

deslocaram das áreas rurais provocara a inchação da cidade, expandindo então o seu

sítio urbano com a criação de novos bairros, que se dependuravam em torno dos seus

núcleos centrais. Em 1980, segundo dados do CEDEPLAR, cerca de 40 mil pessoas

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habitavam as áreas periféricas de Rio Branco, aproximadamente metade de sua popula­

ção urbana (2).

O conturbado ambiente dos anos 70, marcado pelas chamas das queimadas, vio­

lências, conflitos de terra e repressão política, contudo, não pode ser apenas considerado

uma década perdida para o Acre. O estado, durante o período, recebera investimentos

importantes para ampliação de sua infra­estrutura, realizando algumas obras fundamen­

tais para sua integração ao espaço econômico e social do resto do país; rompendo de

certo modo o isolamento que marcara a sua existência enquanto unidade federativa.

Rio Branco, capital do estado, cuja maioria das edificações habitacionais e co­

merciais era construída em madeira, com suas ruas pavimentadas com tijolos, sofrera o

impacto da alvenaria e do asfalto. Conjuntos residenciais e novas edificações foram se

multiplicando em seu sítio urbano, para atender a demanda principalmente da população

forânea de técnicos, empresários etc., que vieram para o Acre, pois os locais, até então,

se mostravam pouco exigentes quanto às condições de moradia.

O frenesi do deslocamento até o Acre para a compra de terras, principalmente no

triênio 71/73, trouxera para Rio Branco uma população flutuante de quase 60 mil pes­

soas, segundo os registros de entradas de hóspedes dos hotéis, pensões e hospedarias da

cidade. Essa demanda por acomodações provocara a ampliação e até o surgimento de

uma rede hoteleira de melhor qualidade, de novos bares, lanchonetes e restaurantes.

A construção do trecho da BR­364 ligando por rodovia Porto Velho a Rio Bran­

co, e daí o prolongamento da mesma BR até o município de Sena Madureira; bem como

a outra rodovia, BR­317, ligando Rio Branco as cidades do vale do rio Acre, integrando

os municípios de Xapuri, Brasiléia e Assis Brasil, libertara parte do estado da ditadura

sinuoso dos seus rios. Por outro lado, a construção do novo aeroporto internacional

permitira vôos diários e pouso de aeronaves de maior porte, com linhas aéreas explora­

das pela VASP e Cruzeiro do Sul; ainda, a instalação do sistema de discagem direta via

embratel; esse conjunto de obras infra­estruturais facilitou o deslocamento e a comuni­

cação com todo o Acre e o resto do país.

A Universidade do Acre, que fora criada no início de 1971, passara em 1974 a

ser uma instituição federal, ampliando seus cursos, contratando novos professores, mui­

tos deles vindos de fora, e recebendo recursos financeiros consideráveis, que a colocava

como o segundo orçamento do estado.

Os dois núcleos centrais da cidade, conhecidos hoje como primeiro e segundo

distritos, situados nas duas margens do rio do Acre, foram melhor integrados com a

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construção de duas pontes, uma de ferro e outra de cimento armado. A paisagem român­

tica das balsas e catraias passara agora ao mundo das lembranças atávicas dos poetas e

passadistas.

Na área dos meios de comunicação de massa também acontecera novos fatos.

Em 1969, o primeiro jornal empresa fora instalado: O Rio Branco, pertencente a rede

dos Diários Associados; além de O Jornal, periódico editado pelo governo,um outro, o

jornal Gazeta do Acre, passara a circular em Rio Branco no ano de 1977. A televisão fora instalada em 1974, apesar do pouco alcance já a cores. Em 1978, com a instalação

da torre rastreadora de satélites da EMBRATEL, passara a se integrar a rede Globo de

emissoras de televisão, retransmitindo a programação nacional de forma direta. Mais

duas estações de rádio: a Difusora Acreana desde 1944, e a rádio nova Andirá desde a

década de 60, completavam o sistema de comunicação de massa: jornal, rádio e televi­

são.

A indústria crescera, em que pese a carência de energia elétrica, principalmente

o setor relacionado com a construção civil: serrarias, cerâmicas, metalúrgicas etc.; e

também os setores de beneficiamento de alimentos e de borracha natural.

O crescimento e a diversificação do comércio e dos serviços em Rio Branco

criaram a necessidade de pessoal melhor qualificado; sendo então solicitada a presença

no Estado, de órgãos empresariais prestadores de assistência e formadores de mão­de­

obra para esses setores. Em 1977 se instalaram as delegacias do SESC e do SENAC no

Acre. Dois anos antes se instalavam o SESI e o SENAI; esse promovera desde então

programas para formação de mão­de­obra para o setor industrial, atendendo prioritaria­

mente as áreas de maior carência. Para indústria da construção civil a Universidade cria­

ra um curso de técnicos em construção; e para o cultivo da seringueira e disseminação

de novas tecnologias no seringal nativo fora criado, na UFAC, o primeiro curso de he­

veicultura do país.

A crise do petróleo de certo modo favorecera o Acre. Os programas de recupera­

ção dos seringais nativos e estímulo a heveicultura carrearam certo volume de recursos

para a região. Em que pese o efetivo malogro do PROBOR I e II, Programas de Incenti­

vo à Produção da Borracha Vegetal, segundo Sant’ana, devido: “o consilium fraudis entre agências estatais e elites setoriais burguesas, o que propícia não apenas a privati­

zação dos recursos públicos por certas frações sociais, mas o seu esbanjamento e desvio

impunes”; a produção gomífera acreana aumentara para 8.785 em 1976; 10.653 em

1977 e cerca de 11.000 toneladas em 1978. Ainda Sant’ana afirmara que: “Ironicamen­

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te, quem vai manter ativo o polo gomífero acreano serão os seringueiros, arrostando as

políticas equivocadas do governo e a investida dos capitalistas do sul do país sobre as

áreas de produção nativas (3).

A indústria extrativa madereira aumentara sua produção graças ao emprego das

motosserras, que ceifaram impunemente muitas árvores castanheiras e outras madeiras

de lei. A Castanha do Brasil, em que pese a derrubada e queima de milhares de árvores,

a partir de 1975 voltara a apresentar regularmente bons resultados na produção.

O rebanho bovino que em 1970 era de 72.455 cabeças, crescera para cerca de

300 mil em 1980; acabando com a dependência, para o abastecimento, da carne bovina

importada da Bolívia e, portanto, tornando o Acre auto­suficiente e também exportador.

Além disso, desenvolvera­se a pecuária leiteira, inclusive possibilitando o surgimento

da indústria de laticínios e beneficiamento do leite.

No rastro dessas alterações na economia e na expansão do mercado a rede ban­

cária também crescera. Além das agências de bancos oficiais já existentes: Brasil, Caixa

Econômica, BASA e BANACRE; cinco dos principais bancos privados nacionais se

instalaram no Acre: Econômico, BRADESCO, Itaú, Nacional e Real.

5.1.2 A reorganização do estado

O governo Geraldo Mesquita, período de 1975 até janeiro de 1979, fora um mar­

co decisivo na história administrativa do estado, cuja autonomia enquanto unidade fede­

rativa da União não fizera ainda vinte anos. O estado do Acre, com certeza, fora efeti­

vamente fundado a partir de então, pois o governo Mesquita tomara todas as iniciativas

necessárias para estruturar e consolidar o aparelho do estado regional, dando­lhe um

novo perfil para cumprir o seu papel de aparato social e político da dominação: não a­

penas pelo seu viés repressivo mas também pelo consenso da sociedade. Para isso, pas­

sando a utilizar com certa autonomia os aparelhos disponíveis: polícia, justiça, legislati­

vo estadual, demais órgãos do governo etc.; sem que tivesse de avocar a todo momento

o poder do estado federativo nacional para intervir em questões de natureza local.

O governo procedera uma ampla reforma administrativa, buscando modernizar

os organismos estaduais tendo em vista uma melhoria do desempenho do serviço públi­

co. Criara algumas empresas estatais para canalizar investimentos, e aplicar em setores

considerados estratégicos para o desenvolvimento econômico do estado: agricultura;

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pecuária de corte e leiteira; extrativismo: gomífero, madereiro e castanheiro; piscicultu­

ra; indústrias de beneficiamento de produtos primários locais, de alimentos e outras de

menor porte. Foram relalizadas também importantes obras de infra­estrutura.

Com relação ao conflito de terra que se instalara no Acre com o processo de pe­

cuarização da fronteira, o governo Mesquita adotou uma política de não alinhamento

automático e direto aos interesses dos seringalistas e fazendeiros. Estimulara e influen­

ciara na vinda para o Acre de órgãos federais como a FUNAI, EMBRAPA, INPA, SE­

NAR etc. Fizera também pressões para que fossem ampliadas as instalações do INCRA,

para que esse órgão viesse a desempenhar de modo eficiente e rápido, o seu trabalho de

regularização e discriminação das terras do estado, com vistas a desapropriação de áreas

para os projetos de colonização e reforma agrária. Uma das medidas práticas do governo

Mesquita fora afastar as policias militar e civil da questão da terra. Ainda, procurou cri­

ar obstáculos e mesmo impedir a liberação de recursos de órgãos públicos estaduais e

federais para financiar empresários e fazendeiros, cuja atividade levasse a por lenha na

fogueira dos conflitos de terra no estado.

5.1.3 Os movimentos sociais

Os anos 70 fora a década da organização intensa dos movimentos sociais no A­

cre. As lutas de resistência dos posseiros e seringueiros acreanos, de início conduzidos

por indivíduos ou por pequenos grupos, em pouco tempo evoluíra para as grandes mobi­

lizações em torno dos sindicatos rurais. Os obstáculos e dificuldades hercúleos para o

deslocamento do interior da floresta até a cidade foram superados, e milhares de traba­

lhadores compareceram as assembléias de fundação dos sindicatos. D. Moacyr Grechi,

ao ser entrevistado pela antropóloga Eloisa Winter, declarou: “... dias antes o governa­

dor Mesquita me disse que aqui não havia condições para sindicato e eu não sei o que

respondi, mas creio que dois ou três dias depois a Catedral estava cheia, eu contei sen­

tados oitocentas pessoas eu diria ter duas mil porque ela estava lotada (...). Eu me lem­

bro que o Mesquita tomou a palavra contente porque o acreano finalmente se organiza­

ra. Mais de 2 mil em Rio Branco; 600 em Sena Madureira; quase mil em Brasiléia; cer­

ca de 800 em Cruzeiro do Sul; ainda 800 em Tarauacá; outros 700 em Feijó; e outros

tantos trabalhadores em Xapuri. Em apenas dois anos, praticamente todos os municípios

do Acre estavam cobertos pelos sindicatos rurais, que, daí por diante, passaram a orga­

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nizar e dar rumo a luta pela terra e pela reforma agrária, para os seus mais de 20 mil

associados” (4).

Na área urbana foram inúmeras as organizações que surgiram; e outras, que exis­

tiam desde antes, durante os anos 70 se consolidaram. Sindicato dos Estivadores, da

Construção Civil (de antes); Sindicatos dos Motoristas, dos Condutores Autônomos de

Veículos; Associações de Professores do Primeiro e Segundo Graus, e dos Professores

Universitários; Associações de Lavadeiras; Movimento de Defesa do Meio Ambiente;

Comissão Pró­Índio do Acre; Movimento do Custo de Vida; Movimento de Compras

Comunitárias; Diretórios Acadêmicos e Central de Estudantes Universitários; Grêmios

de Estudantes Secundaristas, e o Movimento das Mulheres do Acre.

O universo fora abrangente, e as lutas sociais no campo e na cidade marcaram

uma década, que o alternativo Varadouro, a partir de 1977, passara a cobrir em suas

páginas e também apoiar, garantindo o registro de parte desse cenário pejado de confli­

tos: de sangue, suor e lágrimas.

5.1.4 A vida cultural

O surgimento de uma imprensa popular e alternativa no Acre estivera, com cer­

teza, umbilicalmente relacionado com o novo contexto cultural que emergira das pro­

fundas transformações que o estado passara durante a década de 1970.

Durante a reconstituição que fizemos da longa trajetória do boletim diocesano Nós Irmãos, pudemos constatar nas páginas de suas edições iniciais, o enorme esforço despendido pela Igreja para formar quadros, que se adequasse melhor a recém­assumida

linha pastoral de opção preferencial pelos pobres.

Desse esforço, fazem parte os encontros e programas de treinamentos de moni­

tores e agentes pastorais; o deslocamento de religiosos e leigos para realizarem cursos

fora do estado; a vinda de teólogos identificados com a teologia da libertação para mi­

nistrar cursos e proferir palestras, tais como: Clodovis Boff, Carlos Mesters, Leonardo

Boff e outros; a institucionalização do curso de teologia; a vinda de novos padres e reli­

giosos imbuídos de uma nova mentalidade pastoral; o auxílio e o assessoramento de

equipes externas para a formação de comissões locais como: CPT, CIMI e CDDH. Com

destaque para a criação das CEBs, das quais saíram o grosso das lideranças dos sindica­

tos e dos movimentos sociais no Acre.

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Essas e outras muitas iniciativas criaram as condições culturais para que o bole­

tim diocesano Nós Irmãos pudesse existir e se consolidar; tendo como suporte uma e­ quipe de redação que fora capaz de fazê­lo circular regularmente, com uma linha edito­

rial afinada com as práticas pastorais da nova Igreja, e tendo o povo e os movimentos

sociais como interlocutores privilegiados.

A criação da Universidade do Acre e sua federalização quatro anos depois pos­

sibilitaram a vinda, para Rio Branco, de inúmeros quadros qualificados: técnicos e do­

centes de várias regiões do país. Muitos desses técnicos e docentes se envolveram em

atividades no munda da arte local, como produtores e animadores culturais; e ainda, nos

sindicatos e movimentos sociais. Outras instituições, como melhor exemplo a delegacia

do Serviço Social do Comércio (SESC), que através dos seus programas culturais abri­

gara artistas, incentivara a produção e a difusão cultural nas áreas de teatro, cinema,

música, artes plásticas e literatura.

Até 1975, poucos espaços adequados e utilizáveis havia para atividades cultu­

rais. Os auditórios dos colégios melhor equipados: CESEME e Colégio Acreano, esta­

vam bastante deteriorados. O velho cine­teatro Recreio se encontrava fechado e em pro­

cesso avançado de destruição. A Universidade dispunha de um único auditório, que uti­

lizava para todas as atividades, inclusive aulas. As casas cinematográficas de diversão:

cines Rio Branco e Acre, exibiam filmes populares, de valor artístico bastante questio­

nável, além da péssima qualidade da projeção. Os poucos livros no mercado eram ad­

quiridos em papelarias. Não havia nada que se pudesse chamar realmente de biblioteca.

O rádio local, tanto a Difusora Acreana quanto a Nova Andirá transmitiam uma pro­

gramação musical popularesca, sem nenhuma preocupação maior com a qualidade. A

TV aparecera a cores, mas com a programação da rede Bandeirantes, cujos programas e

tecnologia estavam defasados léguas do que já se fazia no país.

A Igreja, com certeza, fora o primeiro agente responsável pelas mudanças na

arcaica e anêmica estrutura cultural do Acre. As CEBs canalizaram as energias e esti­

mularam as iniciativas das camadas populares; os jovens, vindos povo e das camadas

médias, puderam dar vazão as suas potencialidades. As dramatizações populares, os

festivais de música religiosa, a poesia popular e de cordel, e outras muitas atividades

culturais que foram largamente registradas nas páginas do boletim diocesano Nós Ir­ mãos. Além disso, realce­se a repercussão prática que essa tivera na formação de uma platéia mais crítica e sequiosa por informação. E desse multirão cultural resultara diver­

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sos grupos de teatro e musicais, poetas, artistas plásticos, cantores etc., que passaram a

participar ativamente dos movimentos culturais em todo o estado.

Em 1975, o jornal O Rio Branco circulou com o “Contexto Cultural”, efetiva­ mente o primeiro caderno literário a ser publicado semanalmente em periódico acreano.

A responsabilidade de sua organização foi do professor Clodomir Monteiro, da Univer­

sidade do Acre, e nele a produção literária do estado passara a escoar. Poetas, ensaístas,

contistas etc., foram revelados nessa página cultural. Outro fato importante, fora a insta­

lação da Livraria Cultural: um ponto de venda exclusivamente de livros, diferente das

velhas papelarias até então existentes. Logo em seguida, outras vieram: Nacional, Casa­

rão e Universitária. As feiras de livros anualmente passaram a acontecer, delas partici­

pando editoras do Rio e São Paulo.

As velhas instalações e prateleiras empoeiradas da Biblioteca Pública deram

lugar a um edifício moderno e amplo, localizado numa área do centro da cidade de Rio

Branco: a Biblioteca Central. O acervo bibliográfico incorporara os livros da velha bi­

blioteca e também fora ampliado. Outras bibliotecas foram também colocadas a disposi­

ção do público: Prelazia do Acre e Purus, SESC e da Universidade Federal do Acre.

Reformas foram realizadas nos auditórios: Colégio Acreano, CESEME e da

UFAC; e ainda a construção dos teatros de Arena do SESC, Horta e Barracão, esses

espaços eram mais ou menos equipados para que a produção local de teatro pudesse ser

apresentada ao público. Muitos foram os grupos: Ensaio, Saci, Teatro de Bonecos, Se­

mente, Gruta, Teatro Popular do SESC, 4º FUSO, Horta e o Teatro do Matias. Uma

Federação de Teatro Amador fora organizada, e alguns grupos vieram a participar de

encontros e festivais de teatro realizados em outros estados. Vários também foram os

cursos realizados em Rio Branco, com personalidades do porte de Fernando Peixoto,

Tácito Borralho, Cláudio Barradas, Márcio Souza, Alessandro Bedotti e outros. O inter­

câmbio com grupos teatrais da Amazônia trouxera ao Acre muitos espetáculos, de seus

melhores diretores; e ainda do Rio e São Paulo.

Dois cineclubes: Aquiry e do Comerciário desenvolveram uma boa programação

de cinema e promoveram debates exibindo clássicos do cinema brasileiro e de outros

países. O SESC, com a colaboração das CEBs, projetara filmes: ficção e documentários,

nos bairros, com temáticas relacionadas com a terra e questões sociais. O ECAJA, Estú­

dio Cinematográfico Amador de Jovens Acreanos, começara a produção de cinema de

longa­metragem na bitola super 8, chegando a constituir um acervo de quase 10 filmes.

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Na área de música fora possível retirar das cinzas e do quase anonimato alguns

grupos tradicionais: Os Brasas do Forró, Quinteto de Ouro, Caravana do Pecado e Os

Velhinhos, que estavam sufocados pelos grupos barulhentos de Rock. Novos grupos de

jovens surgiram: Macaíba, Raízes e outros. Vieram ao Acre artistas e músicos da MPB:

João do Vale, Alceu Valença, Fagner, Quinteto Violado, Caubi Peixoto, Peri Ribeiro,

Monarco, Marlui Miranda etc. A música erudita passara pela primeira vez de modo re­

gular na cidade: Quarteto de Cordas da UFRJ, Quinteto de Metais, Trio de Flautas; ain­

da audições de Turíbio Santos, Nélio Rodrigues, Darcy Villa Verde, Sebastião Tapajos,

Clara Sverner, Edson Elias, Arthur Moreira Lima, Paulo Moura e outros. O espaço da

Catedral de Rio Branco fora muitas vezes utilizado para concertos.

Nas artes plásticas, as primeiras salas devidamente adequadas para exposições

foram inauguradas no SESC e na UFAC. Nesse período, bons artistas se revelaram:

Dalmir Ferreira, Genésio Fernandes, Kasal, Carlos Mejido, Branco, Danilo De S’Acre e

Hélio Melo. A arte e o artesanato do índio do Acre também passaram a ser encontrados

na cidade. Essa produção também viera a sair para outros estados, através dos postos de

venda instalados no Palácio do Bispo e na Ajudância da FUNAI.

Na literatura e poesia jovens contistas e poetas se revelaram. O caderno literário

“Contexto Cultural”, o Varadouro, e outras publicações deram escoamento a essa pro­

dução que estava represada. O ensaismo acadêmico já começara a se manifestar através

das primeiras dissertações e teses de professores da UFAC. A literatura, história, geo­

grafia, demografia, economia, religião popular, Igreja, índios e demais aspectos da rea­

lidade acreana passaram a ser objeto regular de estudo com a Universidade. Ainda, a

merecer registro pela relevância do seu significado: a criação do Museu da Borracha e

do Centro de Documentação e Informação Histórica, esse último da Universidade; esses

dois órgãos coletaram uma vasta e diversificada documentação sobre a história do Acre,

além de um acervo iconográfico da maior valia para esse mesmo fim.

O resgate rigoroso e sistemático da história do período de 1971 a 1981, com cer­

teza demonstrará que a “Década das Luzes” no Acre, acontecera nos anos 70.

5.1.5 O ambientalismo e os ambientalistas

A questão ambiental no Acre fora sendo colocada à medida que a defesa da flo­

resta, contra as derrubadas e queimadas, assumira a condição imperativa de defesa da

própria existência do seringueiro, do índio e do posseiro que no interior dela habitava. A

esse fato essencial, agregara­se o trabalho desenvolvido pelo movimento ambientalista

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de defesa da Amazônia, que soube, especialmente no Acre, capitalizar os anseios da

população que tinha na floresta a fonte quase exclusiva para sua sobrevivência.

A questão acima realçada tornara­se de fundamental relevância para que venha­

mos compreender a dimensão real que a defesa da causa ambiental assumira no Acre,

pois a ação desse movimento levou a resultados sem qualquer similar no Brasil: mais da

metade do território do Acre fora transformado em reservas extrativistas, indígenas,

biológica e florestal.

Sem que se pretenda nessa súmula levantar conclusões a respeito do fenômeno,

cabe aqui todavia enumerar alguns fatos que, por sua evidência, colocaram sob suspeita

a concepção ingênua de que o homem que habitava a floresta vivera quase em simbiose

com ela, não alterando substancialmente a flora e a fauna existente. Já em 1952, o sena­

dor Álvaro Adolfo, na qualidade de relator do projeto de lei da Câmara Federal, de n.º

73 de 1971 (Plano de Valorização da Amazônia), em seu parecer dissera: “constituem a

caça e a pesca a principal fonte de alimentação do homem que vive no recesso das ma­

tas equatoriais e à beira dos rios que emolduraram a floresta. São essas duas atividades

primárias da indústria humana as fontes de proteínas do habitante da selva amazônica.

Mas, não é menor a importância que têm nas relações de troca, de que são as peles sil­

vestres um dos principais instrumentos. Tem sido intensificado nos dois últimos decê­

nios o comércio de peles silvestres a tal ponto, que algumas espécies (...) estão sob a

ameaça de extinguir­se, se não forem tomadas medidas para regulamentar a caça ou a

pesca dos mesmos”.

A atividade da caça e pesca de natureza predatória no Acre fora intensa. O abate

de animais silvestres para comercialização da carne e do couro atingira os limites da

extinção. As estatísticas do período de 1946­1950 informaram que foram abatidos mais

de 606 mil animais, cerca de: 264 mil caititus; 93 mil queixadas e 249 mil veados. Além

desses, onças, ariranhas, capivaras, antas, lontras, maracajás, macacos, pacas, tatus, co­

tias, quelônios etc. foram também abatidos. Estimativas para os anos 1946­1950, deram

conta que mais de 6.735 toneladas de carne de animais silvestres foram para o consumo;

e ainda cerca de 673 mil quilos de peles negociados. Loureiro, ao comentar informações

do comércio de carne de animais silvestres no jornal Gazeta do Purus, dissera: “Os nú­ meros relativos à tartaruga, não espelham a realidade (...). No verão (...) dezenas de mi­

lhares de tartarugas e tracajás vinham desovar, sendo facilmente apanhadas e abatidas

pelo método da viração. A alimentação era, nesta época, farta de carne e ovos, e gratuita

(5).

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Esses fatos, merecedores de registro pela extensão dos prejuízos que causaram

ao meio ambiente, continuaram acontecendo ao longo dos mais de vinte anos como prá­

tica da população da floresta. O comércio madereiro também fora muito intenso, sendo

dispensável todavia o seu registro, devido aos próprios limites a que se propusera essa

súmula.

A ocupação de vasta extensão da floresta para implantação de fazendas agrope­

cuárias, com a conseqüente derrubada e queima da mata para dar lugar aos campos e

pastagens, a partir da década de 1970, redimensionara o poder para destruir o meio am­

biente no Acre. As motosserras e os tratores, agora intensamente utilizados, semearam a

destruição em larga escala; as grandes queimadas, por sua vez, vieram a complementar

esse trabalho, pois a saga da destruição só estava concluída com o plantio do pasto.

No mês de dezembro de 1976, o diretor do Instituto de Pesquisas da Amazônia

(INPA), Warwick Kerr, chamara atenção para o problema ambiental no Acre. Informara

que em 1974 o desmatamento no Acre era inferior a um por cento de toda a área flores­

tal; em 1975 subira para 1,8 por cento; já em 1976, chegara a 3,5 por cento, isto é, 3

vezes mais em apenas dois anos. Alertava Kerr, se mantido esse ritmo em 33 anos re­

servas florestais no Acre estarão completamente destruídas (6).

Em entrevista que fiz com Chico Mendes, ele revelara: “aqui em Xapuri foram

destruídas pelo fogo 180 mil árvores de seringueiras, 80 mil castanheiras, e mais de 1

milhão e 200 mil árvores de outras espécies, dentre elas muita madeira de lei e plantas

medicinais”. As derrubadas e queimadas destruíram a flora e também matavam os ani­

mais, tornando a caça que já era escassa, numa atividade em extinção.

No ano de 1978, o Movimento de Defesa do Meio Ambiente fora criado no A­

cre. Nascera na Universidade e, pouco a pouco, fora ampliando seu raio de ação. A Igre­

ja passara a incorporar a proposta de modo visível, pois o boletim Nós Irmãos começara a veicular com regularidade denúncias contra a destruição ambiental. O movimento cul­

tural começou também a incorporar a questão ambiental como tema. Os sindicatos ru­

rais começaram a se aperceber, muito cedo, que defender a floresta era defender a pró­

pria vida dos seus filiados, pois sem ela não havia seringueiros, a grande massa dos seus

mais de 20 mil associados.

A esse pequeno núcleo de ambientalistas e preservacionistas coubera algumas

iniciativas importantes para mudança de mentalidade no Acre. Seminários e encontros

foram por ele organizados na Universidade e fora dela. Em Rio Branco, cientistas do

porte de Warwick Kerr, Orlando Valverde e outros, e até o diplomata Paulo Nogueira

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Neto, secretário da SEMA (Secretaria Especial para o Meio Ambiente), órgão federal

ligado diretamente à presidência da república, participaram desses eventos, com grande

repercussão no público de técnicos e universitários locais. A defesa de espaços verdes

na cidade, como por exemplo a luta para preservar a Praça dos Tocos, ameaçada de se

transformar em pátio de estacionamento, tivera um bom apelo público e fora vitoriosa.

A carta aberta em Defesa do Acre e da Amazônia, publicada no alternativo Varadouro, fora um ponto alto, pois resultante de 40 dias de debates, conferências, palestras, mesas­

redondas, apresentações de teatro: em escolas, grupos de jovens, centros comunitários,

paróquias, Universidade etc. O documento colocava, de modo claro e contundente, a

posição do Movimento de Defesa do Meio Ambiente do Acre contra o estudo para ex­

ploração racional da floresta da Amazônia, feito por encomenda pelo governo militar,

para que viesse embasar a política florestal a ser adotada (7).

A Igreja Católica, a esquerda católica laica e eclesiástica; a esquerda tradicional,

os movimentos sociais e sindicatos em pouco tempo incorporaram a questão ambiental,

que passara a ser uma bandeira indissociável de outras lutas.

Ao lutar contra os desmatamentos e as queimadas através de formas de luta co­

mo os empates, que se tornaram conhecidos internacionalmente, os sindicatos muitas

vezes avocaram o apoio da lei: o Código Florestal, cuja legislação protegia árvores se­

ringueiras e castanheiras de serem destruídas. Segundo o líder ambientalista Chico

Mendes, personagem maior resultante desse processo, todo o esforço que o movimento

mobilizara estava voltado para conscientizar o seringueiro da necessidade da luta em

defesa da floresta bem como dos bens ainda nela existentes. Consciência possível, até

pela repressão de velhas práticas de ocupação e cultivo do solo e da caça e pesca preda­

tórias. E daí, a superação delas por uma cultura preservacionista, a exemplo de sua rela­

ção como extrativista: seringueiro x seringueira, o mesmo ocorrendo com a árvore cas­

tanheira. Os resultados daí advindos custaram muitas lutas, derrotas e vidas, mas de­

monstraram que não foram inúteis os riscos e os sacrifícios passados.

5.1.6 A política: a esquerda e a oposição

A esquerda no Acre efetivamente não tivera vida organizada até a década de

1970. A episódica fundação do PCB em 1945 no estado, não deixara vestígios após a

cassação da legenda em 1948. Na Revolução Boliviana de 1952, um núcleo de brasilei­

ros aparecera com certa participação nos acontecimentos, na região fronteiriça do De­

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partamento de Pando, sem contudo se pudesse caracterizar como ação organizada de um

partido político.

Durante a década de 1950, o pensamento de esquerda sobrevivera no estado,

graças a presença de alguns intelectuais ligados ao ensino e ao jornalismo, de uns pou­

cos artesãos, trabalhadores rurais e funcionários públicos, muitos deles filiados ao PTB.

Em 1962, um núcleo das Ligas Camponesas fora criado em Rio Branco. O fun­

dador das Ligas no Acre, Raimundo Borborema, atraíra para a organização militantes

ligados a esquerda do PTB, e também pessoas notoriamente identificadas como comu­

nistas. As Ligas Camponesas participara de algumas lutas, e conseguira além de Rio

Branco, criar outro núcleo em Brasiléia. Seus militantes participaram da fundação do

primeiro Sindicato de Trabalhadores Rurais do Acre. Com o golpe militar de 64, as Li­

gas foram reprimidas e extintas, e seus militantes presos ou postos em fuga.

No ano de 1962, o Acre se tornara o mais novo estado da Federação. O núcleo

de esquerda do PTB conseguira emplacar a candidatura do professor de filosofia José

Augusto de Araújo. Nas eleições de 1962, José Augusto elegera­se governador do Acre,

havendo dado um perfil de esquerda à sua administração. Apoiara as reformas de base

propostas pelo presidente João Goulart; lutara pela realização da reforma agrária no

Acre; adotara o método Paulo Freire na educação de adultos e incentivara a organização

das Ligas e Sindicatos Rurais. Logo após o golpe militar­64, fora obrigado a renunciar

(8).

No ano de 1965, com a vigência do bipartidarismo no país, por força do Ato

Institucional­2, o núcleo do PTB no Acre aderiu ao MDB com 2 senadores, 3 deputados

federais e a maioria de sua bancada estadual. No ano de 1970, a ARENA do Acre elege­

ra 2 senadores, 2 deputados federais e a maioria dos deputados estaduais. O MDB per­

dera um mandato no Senado. A derrota do senador Oscar Passos tivera repercussão no

país, por esse estar, à época, na presidência nacional do MDB.

A partir dos meados da década de 1970, a esquerda e a oposição passaram a as­

sumir um novo perfil. Os resultados daí advindos, quer eleitorais quer no envolvimento

político, e ainda na sua crescente participação nos movimentos sociais, foram, de modo

decisivo, se expressando e consolidando no decorrer dos anos que se seguiram.

A esquerda católica tivera seu efetivo surgimento no Acre a partir do núcleo que

organizara as primeiras Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), e se articulara para

criar o boletim diocesano Nós Irmãos. O crescimento dessa esquerda e o seu papel na organização dos movimentos sociais e políticos no Acre fora fundamental e decisivo na

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luta dos trabalhadores pela terra; na defesa do meio ambiente e dos direitos humanos; na

proteção aos índios, na luta nos bairros e dos sem­teto etc. A oposição ao regime militar

fora uma constante, dela saindo parte do núcleo de esquerda do MDB, sob a forma da

Frente Popular. Com a reforma partidária dos fins de 1979, imposta pelo regime militar,

a maioria da esquerda católica se engajou na formação do PT no Acre. O boletim Nós

Irmãos, de janeiro de 1980, ano 9, nas páginas 12 e 13, expressara a fala dessa esquerda através da resolução do Conselho Pastoral da Igreja do Acre e Purus, de cujo texto des­

tacam­se alguns pontos essenciais: “4º. A Comunidade manifesta sua preferência por

um partido: − que seja popular mesmo, isto é: que dê chance ao povo de participar de

forma crescente até nos postos de liderança; / − que defenda os direitos dos oprimidos; /

− que vise a mudança social e na sua simples manutenção; / − que combata a ditadura e

todo o poder opressor; − que lute pela independência econômica do Brasil; − que tenha

uma orientação socialista, isto é, que vise colocar a economia nas mãos do povo organi­

zado. (...) / 8º. Junto com essa nova frente de engajamento partidário, continuar e ampli­

ar o trabalho de base nos órgãos não partidários: grupos de evangelização, sindicatos,

associações, etc. / 9º. Que os setores de periferia, C.P.T. e Centro de Defesa dos Direitos

Humanos assumam a tarefa de ajudar as comunidades a se posicionarem de modo críti­

co no plano político”.

Até o ano de 1978 a esquerda católica assumira uma posição bastante crítica

com relação ao MDB. De olhos bem fechados para a disputa do botim político do Esta­

do, essa esquerda considerava MDB e ARENA farinha do mesmo saco; aos dois parti­

dos atribuíra as mesmas práticas clientelísticas e a falta de compromisso com o povo e

seus interesses. Nós Irmãos algumas vezes fizera referência a disputa política local, nu­

ma delas atribuíra aos católicos uma certa omissão, sugerindo então que a Igreja divul­

gasse um documento, no qual manifestasse sua posição diante dos políticos e das dispu­

tas eleitorais. Em uma de suas edições, o boletim Nós Irmãos chegara a comentar o tex­ to constitucional relacionado a organização partidária, e chamara a ARENA partido do

governo e MDB oposição; só que dissera com a ressalva que em “política, nem todos

ficam de acordo sobre tudo”. O vazio discurso da oposição do Acre e o baixo nível das

campanhas levaram muitas vezes o boletim a comentários nada abonadores com relação

ao pleito. A disputa entre as elites tradicionais do estado, quase sempre recheada de de­

núncias de roubo e malversação de recursos públicos, deixava a esquerda católica e a

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Igreja na posição de espectador, pois um velho ditado inglês dissera “quando dois ban­

didos se caem no pelo, algo de bom sempre acontece”.

Para o ano de 1978, nas eleições de novembro, houvera disputa para Assembléia

Legislativa, Senado e Câmara Federal, pois o governo do estado fora escolhido pelo

presidente militar, cabendo ao colégio eleitoral apenas referendar. Para o senado apenas

1 vaga em disputa a outra era biônica: general Guiomard Santos. A esquerda católica

para essas eleições, salvo as aparências, não conseguira efetivamente manter a unidade.

Parte dela, provavelmente sob a influência do PC do B, que recentemente se

organizara no Acre, levara lideranças das CEBs, de sindicatos, estudantes e intelectuais

para a formação da Frente Popular, participando das eleições e apoiando o chamado

setor autêntico do MDB. Até uma chapa fora privilegiada para busca de votos: Suede

Chaves (dep. estadual) e Aluízio Bezerra para a Câmara Federal. O boletim Nós Irmãos deixara claro essa diferença na esquerda católica, ao publicar matéria com o título: “As

eleições estão chegando”. Ao se referir aos partidos o texto realça que tanto o MDB

quanto a ARENA foram crias da Revolução de 64, não representado por isso os interes­

ses da grande maioria do povo. Mesmo ressalvando que o MDB pouco fizera de concre­

to para melhorar a situação do povo, a matéria, no entanto, fora menos ácida, expres­

sando um certo crédito para a oposição consentida. Ao falar das várias maneiras de vo­

tar, o voto nulo merecera uma atenção especial, pois esse fora a opção de grande parte

da esquerda nos pleitos eleitorais antes de 1978. Dissera o texto: “O voto nulo significa

que a pessoa não concorda com a ARENA nem com o MDB (9).

Daí por diante, essa esquerda católica fracionou­se. Parte dela associara­se ao

PC do B e caminhara na direção do fortalecimento da Tendência Popular do MDB, de­

pois PMDB; vindo a eleger o ex­padre e fundador das CEBs, Manoel Pacífico, a depu­

tado estadual, e Airton Rocha para Câmara de Vereadores nas eleições diretas de 1982.

O grosso, a partir de 1980, fora na direção do PT, levando as lideranças sindicais, a

maioria dos movimentos sociais, as CEBs, a intelectualidade mais ativa. Esse grupo

viera a participar das eleições de 1982 como PT, com chapa para o governo e demais

cargos em disputa, vindo a eleger 1 deputado estadual.

A oposição do MDB vencera em 1974 as eleições no Acre, cujos resultados a­

companharam a tendência do povo brasileiro de voto contra a ditadura militar. O MDB

acreano conquistara 2 das 3 cadeiras em disputa para a Câmara Federal; elegera ainda o

senador e a maioria na Assembléia Legislativa do estado. Em 1976, a Câmara de Verea­

dores de Rio Branco teve a maioria dos seus membros eleita pela legenda oposicionista.

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Durante esses anos, de 1974 a 1978, fora se formando um grupo de autênticos, até pela

adesão de setores de esquerda que haviam abandonado as práticas abstencionistas ou do

voto nulo.

Nas eleições de 1978, o MDB expressara no Acre um discurso de oposição a

ditadura militar. A campanha polarizou­se na disputa da única vaga para o Senado Fede­

ral. O candidato do MDB, Alberto Zaire, do chamado grupo autêntico, empolgara pelos

seus discursos de oposição ao regime militar e contra suas bases locais de apoio. A A­

RENA local, com a colaboração de Juizes, fraudara as eleições, sendo notório o roubo

dos votos na contagem e pela adulteração grosseira de mapas eleitorais. No final, a A­

RENA elegera por 57 votos de diferença o senador Jorge Kalume. O MDB mantivera a

maioria na Assembléia Legislativa e elegera 3 das 6 vagas em disputa para a Câmara

Federal. O setor autêntico do MDB elegera um deputado federal e alguns deputados

estaduais.

O crescimento da oposição emedebista se confirmara em 1982. Nessas eleições a

oposição não se apresentara como partido único de oposição no Acre. O voto camarão

não fora estimulado pelo PT, e mesmo assim o MDB viera a ganhar o governo do esta­

do, a vaga em disputa para o Senado e metade da bancada federal. A maioria na Assem­

bléia Legislativa também fora mantida.

A esquerda comunista passara a ter vida organizada no Acre a partir de 1978. O

PC do B, com a chegada nesse ano do professor Pascoal Muniz, começara a recrutar

pessoas para suas células: Organizações de Base, no velho estilo da tradição comunista.

A Universidade e a Igreja foram os dois espaços eleitos para o esforço concentrado.

Alguns profissionais do partido para o Acre foram deslocados, a fim de realizar o traba­

lho de catequese. O esforço tivera um bom resultado, pois personagens importantes do

movimento social e das CEBs passaram a figurar em suas fileiras, por exemplo: o ex­

padre Manoel Pacífico, padre Cláudio Avallone, Airton Rocha (ex­vice prefeito de Rio

Branco), Chico Mendes e outros.

Com o apoio da esquerda católica o PC do B conseguira organizar a Frente Po­

pular. Cabe realçar que o nome saíra a deriva do partido, pois, para manter o traçado, o

nome certo era: Tendência Popular. Após as eleições de 1978, o PC do B passara a dis­

putar espaço com a esquerda católica, e com outros grupos de tendência anarquista ou

trotskista que foram surgindo nas frestas da abertura lenta, gradual e segura propalada

pelos governos militares.

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O PCB (Partido Comunista Brasileiro) organizara um pequeno núcleo um ano

depois do PC do B. Na verdade, era o mais longevo partido de referência no Acre. Em

1945, com a volta a legalidade, tivera um núcleo no Acre, mas de curta sobrevida. Du­

rante quase 30 anos, fora mencionado e sua presença representada em pessoas que, de

modo individual, eram portadoras de suas idéias e programa. Numa conversa que tive

com Luís Carlos Prestes em 1979, o Cavaleiro da Esperança revelara que guardara con­

sigo referências de comunistas do Acre. Por não ser o momento ainda conveniente para

anotações de nomes, não o fizera. O rompimento do velho líder com o PCB, cortara

minhas relações com ele antes de obter as informações. O núcleo do PCB, diferente­

mente do PC do B, não conseguira nenhuma penetração nos movimentos sociais; sua

influência só fora notada em círculos intelectuais ligados a Universidade.

A esquerda independente crescera bastante, principalmente na Universidade.

Outros grupos como Liberdade e Luta (LIBELU) tornaram­se representativos no movi­

mento estudantil. Uma Frente de Esquerda viabilizara a circulação do jornal político e

alternativo Movimento no Acre, chegando inclusive a vender mais de 300 exemplares. A fundação do PT no Acre fizera migrar para suas fileiras o grosso da esquerda indepen­

dente, e ainda várias outras tendências que, com a esquerda católica, passaram a cons­

truir um partido político forte e com a perspectiva de se tornar governo no Acre.

5.2 Varadouro: mais uma alternativa nas selvas 5.2.1 O projeto

Desde o ano de 1975, o bispo D. Moacyr Grechi matutava o projeto de fazer

circular um periódico quinzenal com cara e corpo de jornal. O boletim Nós Irmãos já não vinha atendendo a demanda por espaço dos movimentos sociais. O boletim aumen­

tara o número de páginas e também as tiragens de suas edições, isso implicava na neces­

sidade de aumentar a equipe que cuidava da redação, e das pessoas que se envolviam

com os serviços de impressão e do seu acabamento. Junte­se ainda a esses encargos, a

expedição do boletim para as paróquias e CEBs. Nós Irmãos tornara­se o escoadouro natural de todas as denúncias contra a o­

pressão dos pobres, orientador dos movimentos e porta voz de suas reivindicações. Ao

trabalho de evangelização propriamente dito sobrava pouco espaço, mesmo levando­se

em consideração que as novas práticas pastorais não dissociavam a religião da vida quo­

tidiana das comunidades cristãs.

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A criação de um outro periódico com outro formato; impresso em gráfica; veicu­

lando as questões sociais exigidas pelo momento; circulando em bancas e posto ao aces­

so e disposição do público, fora considerada nas discussões iniciais que trataram do as­

sunto. Até mesmo se pensou em aproveitar já o Nós Irmãos, produzindo a partir dele um periódico similar ao O São Paulo, da arquidiocese paulistana. Idéia essa, logo abando­

nada pelos convidados a participar das discussões iniciais. As condições de espaço na

Prelazia eram precárias, e até porque as pessoas acharam que um jornal saído com a

chancela aberta da Igreja, não era adequado para atender ao objetivo ao qual se preten­

dia dar conta.

A conversa sobre o assunto já levava quase um ano, pois fora iniciada no come­

ço de 1976, dela participando o bispo algumas vezes, José Mastrangelo, João Maia e

Elson Martins da Silveira, somando­se um pouco adiante ao grupo: Silvio Martinello e

Antonio Marmo, que haviam sido convidados também para fazer o jornal.

A inclusão de Silvio e Marmo ao grupo dera maior objetividade aos encontros.

Eles estavam vindo de São Paulo, municiados de uma visão mais profissional; domínio

da técnica de como elaborar um jornal e fazê­lo circular dentro das condições locais.

Dos principais obstáculos a ser transpostos eram a composição e impressão do jornal. O

parque gráfico de Rio Branco era demasiadamente precário, à época. As oficinas do

jornal O Rio Branco e do SERDA (Imprensa Oficial do Estado) eram as únicas capazes de executar o trabalho: composição a quente e impressão tipográfica. Além disso, o vo­

lume do papel necessário para as edições, pois não havia disponível no Acre.

A linha editorial sempre esteve colada à realidade dos pobres do Acre: seringuei­

ros, posseiros, índios, sem­teto, moradores da periferia etc. Os movimentos sociais, sin­

dicatos e a questão da terra foram temas com tratamento privilegiado. A cultura e outros

assuntos também foram cobertos. A pauta era aprovada de modo democrático, pela e­

quipe responsável pela feitura do jornal. Para a distribuição contava­se, de partida, com

a Delegacia da CONTAG para chegar aos sindicatos. A Igreja também ajudava com

relação as CEBs e paróquias. Parte, ficava destinada as bancas e a venda direta ao pú­

blico. O formato do jornal: tablóide, igual aos alternativos já em circulação.

O financiamento do jornal, para as cinco primeiras edições, estava garantido pela

Igreja; sem que essa interferisse na linha editorial ou na pauta do jornal. Segundo Sílvio

Martinello: “a Igreja ela incentivou, mas não tinha um caráter religioso; não tinha ne­

nhum controle ideológico ou qualquer coisa (...). Estávamos na frente do jornal e a gen­

te só era jornalista. Não é que a gente não admitisse opinião, só que tinhamos um traba­

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lho profissional em dois grandes jornais: Estadão e Jornal do Brasil. Sabíamos distin­ guir as coisas”. A publicidade fora buscada, contudo sem nenhuma dependência do a­

nunciante. Agora, fora por mãos a obra para romper o silêncio que se fazia em torno da

luta de resistência dos trabalhadores. O objetivo era informar ao público regional, pois

esse não tinha acesso aos poucos exemplares de jornais do Sul que circulavam em Rio

Branco (10).

5.2.2 A equipe de redação

A redação do Varadouro tivera por núcleo os jornalistas Elson Martins da Silvei­

ra e Sílvio Martinello. Em torno desses dois nomes gravitaram os demais integrantes da

equipe, composta de jovens intelectuais sem ou quase nenhuma experiência no jorna­

lismo profissional.

O diretor responsável, Elson Martins da Silveira, era acreano de Tarauacá. Viera

para Rio Branco ainda menino, daí então saindo para estudar em Minas Gerais nos fins

dos anos 50. Durante a década de l960, em Belo Horizonte, freqüentou os cursos de

Belas Artes e Cinema, este último na Universidade Católica. A PUC de Belo Horizonte

fora a primeira escola de cinema do país, tendo sido nela professor, o teórico e crítico

padre Guido Lodger. Elson não chegou a concluir nenhum dos cursos, pois seu envol­

vimento estudantil de oposição a ditadura militar lhe tomara grande parte do tempo; a

revolução, com certeza, fora para ele mais importante naquele momento.

Engajara­se na resistência armada através da ALN. No início de 1970, se deslo­

cara juntamente com João Capiberibe, atual governador do Amapá pelo PSB, para criar

um núcleo de apoio à luta armada em Belém, capital do Pará. A queda de militantes das

várias organizações da luta armada estendera­se por todo o país, Elson fora preso em

Macapá e levado para Belém. Ao livrar­se da prisão, por divergências que já vinham se

acumulando, decidira­se pelo desligamento da ALN, passando a sobreviver como arte­

são. Fazia uso das técnicas que aprendera no curso de Belas Artes. As condições de vida

eram muito difíceis, e para sobreviver voltara a Belo Horizonte, e freqüentara um curso

de tecnolando em química Industrial, com emprego garantido numa fábrica de lacticí­

nios em Belém. Página essa de sua vida que procurou rasgar, pois nada tivera com tudo

que sonhara. Ficara até doente.

Através de Lúcio Flávio Pinto, correspondente do jornal O Estado de S. Paulo em Belém, conseguira ir para o Amapá trabalhar para o Estadão. Lá chamara a atenção nacional ao cobrir como repórter o repatriamento de brasileiros da Guiana francesa. Em

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1975, fora convidado pelo Estadão para deslocar­se para o Acre: área onde estavam ocorrendo muitos conflitos de terra. Uma oportunidade rara de retorno a sua terra, da

qual há muito tempo se encontrava afastado.

O trabalho que passara a desenvolver como correspondente do Estadão, fora dos mais importantes para os movimentos sociais e as lutas de resistência de seringueiros,

índios e posseiros no Acre. Muitas vezes fora vítima de agressões e ameaças de morte.

Dotado de exemplar coragem pessoal, também fortalecida pelo compromisso ideológico

e político com a gente humilde, Elson correra vários riscos, sem, contudo, recuar em

nenhum momento. O bravo matutino: O Estadão de S. Paulo deu­ lhe a cobertura pos­

sível, divulgando grande parte das notícias e reportagens que seu correspondente envia­

va.

Para o jornalismo local, Elson Martins da Silveira fora de fundamental impor­

tância, pois criara um modo de fazer imprensa diferente de tudo que antes no Acre se

fizera. Destacou­se pela qualidade do seu texto, faro de repórter, autonomia, dignidade e

compromisso social. Dois anos depois de fundar o Varadouro, passara a dirigir o diário Gazeta do Acre. Em 1982, organizou e dirigiu a Folha do Acre. Trabalhou em quase todos os jornais locais, deixando sempre a mesma marca. Seu depoimento na CPI da

Terra é, com certeza, um documento de inestimável valia para o estudo da questão fun­

diária no Acre, na década de 70. Fez escola.

O outro, Sílvio Martinello fora frei da Ordem dos Servos de Maria. Freqüentara

o seminário de Turvo, Santa Catarina, que estivera sob a direção do bispo D. Moacyr

Grechi. Viera ao Acre várias vezes durante os anos de 1969 a 1973. Colaborara no bole­

tim diocesano Nós Irmãos e no programa radiofônico Somos Todos Irmãos. De 1973 a 1976 fizera o curso de jornalismo na Cásper Líbero. Durante sua estadia em São Paulo,

trabalhara no Diário Comércio e Indústria e no semanário O São Paulo da arquidiocese paulistana. Colaborara ainda nos alternativos Opinião e Movimento. No ano de 1976,

voltara ao Acre para fazer o Varadouro e colaborar também na reestruturação do pro­ grama radiofônico Somos Todos Irmãos. A sua vinda para o Varadouro fora de funda­ mental importância, pois sua experiência profissional dera o norte para que o jornal sa­

ísse do marasmo, das discussões intermináveis, e começasse efetivamente a ir às ruas.

Assumira, pouco tempo depois de sua chegada, a correspondência do Jornal do Brasil. Trabalhou em vários jornais locais, havendo dirigido o diário Gazeta do Acre, e partici­

pado da criação e direção da Folha do Acre. Durante toda a trajetória de vida do Vara­

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douro fizera uma parceria com Elson Martins da Silveira, daí resultando um jornalismo

socialmente engajado e renovador.

Antonio Marmo, também ex­frei, contemporâneo de Sílvio Martinello. Fizera

jornalismo na Cásper Líbero. Esteve participando no projeto do Varadouro, com certe­

za, contribuindo no fundamental para sua viabilização. Colaborou durante toda a exis­

tência do jornal, mesmo a distância. Suas férias passava no Acre, se engajando na reda­

ção do alternativo das selvas. Em São Paulo, esteve vinculado com jornais do porte da Gazeta Mercantil e Folha de S. Paulo. Poeta e bom contista, possuidor de um texto jor­ nalístico da melhor qualidade. Com Elson Martins da Silveira e Sílvio Martinello for­

mara o trio de jornalistas profissionais, que afinados deram o diapasão ao jornal das

selvas.

Terry Valle de Aquino, antropólogo, fez mestrado em antropologia na UNB,

cuja dissertação resultara de sua convivência amiga com os índios do Acre, principal­

mente com os Kaxinauá. Criara a Comissão Pró­Índio, que prestou valioso trabalho a

todos os grupos indígenas do Acre. Jornalista aprendiz. Dentre de pouco tempo de con­

vívio com a redação do Varadouro, passara a produzir bons textos sobre a questão indí­ gena no Acre, deixando de lado o jargão acadêmico. Os índios receberam um tratamen­

to todo especial no alternativo, pois, sob a liderança de Terry, passaram a influenciar na

pauta e ajudar nas tarefas de acabamento do jornal.

Arquilau de Melo Castro, ex­dono de farmácia, estudante de direito e depois

advogado. Engajara­se no Varadouro por mediação de Alberto Furtado. Sempre fora

ligado a Igreja. Um dos mais ativos da equipe de redação. Desde cedo, trabalhara como

advogado da CONTAG, da CPT e do CDDH, com a responsabilidade de prestar o apoio

jurídico aos movimentos sociais no Acre. Fez carreira jurídica, vindo a ser Juiz, e hoje é

desembargador, membro do Tribunal de Justiça do Acre.

Suede Chaves, jovem repórter de jornais locais. Iniciara sua participação nos

movimentos sociais através da Igreja. Fora membro do Conselho Pastoral da Prelazia.

Por apresentação de Alberto Furtado conhecera Elson Martins, quando esse procurava

um repórter para substituí­lo como correspondente do Estadão no Acre: Elson havia sido convidado para ser o correspondente do jornal em Rondônia. Daí então, Suede in­

tegrara­se a equipe do Varadouro. Fora o único repórter com salário no alternativo, de­ pendera um bom tempo dessa mísera remuneração. Fundador da Frente Popular e seu

candidato a deputado estadual. No primeiro governo emedebista assumira a Assessoria

de Comunicação do estado.

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Alberto Furtado, dono de uma banca de jornais, depois empresário gráfico e de

cortume. Fora encarregado da distribuição e da publicidade do Varadouro. Muitas vezes

fora jornaleiro, carregando exemplares do jornal nas costas e vendendo em botecos,

bares e escolas e repartições. Com "lhé” formara a parceria administrativa do alternati­ vo. Abrahim Farhat, o popular “lhé”, decano e personagem emblemática da esquerda

acreana; até por afinidade genética, pois seu tio fora dirigente do Partido Comunista do

Líbano. Mecenas e animador incansável de todas as iniciativas culturais em Rio Branco.

Participara ou agira como eminência parda de muitos movimentos de resistência e inva­

são de terras rurais e urbanas no Acre. Fundador do PT. Diretor­financeiro do Varadou­

ro. Empresário do comércio, possuidor de um conceito nada abonador aos olhos das elites acreanas, que no mínimo o chamava de comunista e de dilapidador do patrimônio

que os pais legara a família. Com os demais: Luis Carvalho, Rosa Carcelen, Célia Pe­

drina e Adalberto Dantas completaram a equipe das primeiras­águas. Daí por diante,

outros tantos foram se incorporando a equipe do Varadouro, e vivenciando as muitas pelejas que, ao longo da trajetória irregular de quatro anos de existência, o jornal das

selvas viera a travar (11).

5.2.3 O público

O público eleito do Varadouro fora a população regional, pois esse fato ficara

meridianamente cristalino no discurso do seu líder intelectual, Elson Martins da Silvei­

ra: “... quando a gente começou a conversar, eu João Maia, D. Moacyr (...) a gente tro­

cava idéias e discutia a possibilidade de criar um jornal pra veicular essas denúncias em

nível local, pra informar à população regional; porque a gente fazia no jornal do Sul e

chegava um ou outro exemplar aqui. A coisa não dava um retorno (...). E as versões

mentirosas continuavam na imprensa local”. Os sindicatos foram cobertos pela CON­

TAG; a Igreja apanhava um bom número de exemplares para as CEBs e paróquias. E

daí por diante, a batalha nas bancas e com os jornaleiros para conquistar o público avul­

so de leitores (12).

A existência desse público local para o Varadouro era de certo modo um tiro no escuro. Os jornais locais tinham uma tiragem muito reduzida: cerca de um pouco mais

de 300 exemplares diários, excluído o domingo. O consumo habitual de jornais do Sul

ainda não ocorrera, pois sequer havia a oferta desses periódicos regularmente nas ban­

cas. Contudo, essa incerteza fora surpreendentemente superada logo na primeira edição

do alternativo. O responsável pela distribuição do jornal Alberto Furtado disse: “... Jun­

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tei uns dez meninos para vender o jornal na rua. A meninada não tinha experiência, era

só voltando com os jornais para entregar. Eu fiquei mais assustado ainda. Quando foi à

tarde eu coloquei os jornais nas costas e fui lá pra universidade e fiquei oferecendo lá

dentro. Fiquei lá até as dez horas da noite e consegui vender uma quantidade razoável.

No dia seguinte, eu resolvi vender na rua mesmo. Vou dizer uma coisa prá vocês: tive

medo que o jornal não tivesse seqüência porque naquele momento eu não estava conse­

guindo vender. Eu encontrei o Luís e o Sílvio na rua e eles me deram uma força danada.

Aí eu me tornei vendedor de jornal. Entrava em todos os botecos, escolas, repartições,

nem queria nem saber se o pessoal não comprasse. Rapaz quando eu comecei a ver a

quantidade de jornais diminuir eu me animei. E ainda, Silveira: Era impressionante no

dia que saía, a cidade parava, sabe? Eram todas as categorias lendo o jornal. Parecia

assim, que o povo estava esperando há muitos anos que surgisse alguém, um órgão pra

dizer aquelas coisas que estavam entaladas em todo o mundo” (13).

Deveras, havia esse público: a) Universidade com cerca de 11 cursos regulares

em funcionamento: cerca de 200 professores, 300 funcionários e quase 2000 alunos; b)

Um bom contigente de técnicos de níveis superior e médio espalhados pelas várias re­

partições públicas federal, estadual e municipal; c) Uma nova classe média, constituída

de comerciantes, pequenos industriais, pequenos e médios fazendeiros que migraram

para o Acre, atraídos pelo sonho do novo eldorado, fora também incorporada a vida

urbana da cidade de Rio Branco. Os conjuntos residenciais e as recentes construções em

alvenaria tornavam a presença dessa classe média nada sutil e até mesmo agressiva,

numa paisagem em que a edificação em madeira dominava e, por excelência, continua­

va sendo a moradia do acreano. Além disso, nesse período, começara a se ter na cidade

uma vida cultural bastante animada. Os movimentos sociais também se encontravam em

franca ascensão. Os sindicatos rurais e as CEBs quase cobrindo todo o Acre. Uma reali­

dade indiscutivelmente nova, na qual, pelo menos em potencial, já tornara­se perceptí­

vel a existência de um público capaz de absorver a mensagem veiculada pelo Varadou­ ro.

As tiragens do jornal foram crescendo de edição para edição. Para os sindicatos

e as CEBs destinavam­se quase dois mil exemplares. O Varadouro também circulou em várias cidades do país: Porto Velho, Brasília, Recife, Belém, Rio de Janeiro, São Paulo

e Belo Horizonte, vindo inclusive a integrar­se ao pacote nacional dos alternativos. Fez

ainda um razoável número de leitores assinantes; contudo, seu público maior fora con­

quistado no corpo a corpo da venda avulsa e direta, através de bancas e dos jornaleiros.

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Algumas de suas edições chegaram a tiragens de 5 a 7 mil exemplares, numa cidade

cuja população urbana à época não ultrapassara 70 mil habitantes. A viabilidade e o

sucesso de público do Varadouro foram atribuídos por Elson Martins da Silveira: “por­

que contava com pessoas que estavam dispostas à luta, dispostas a enfrentar juntas com

os posseiros e seringueiros os jagunços, os fazendeiros, os policiais e até algumas auto­

ridades de segurança corruptas”. E mais ainda: “que no meio das próprias organizações

populares da época, a situação era mais propícia para o Varadouro. Não existiam divi­ sões sérias nesses movimentos e todos ajudavam o jornal. Por exemplo, vendíamos qua­

se mil jornais através dos sindicatos”. E concluíra: “Hoje é difícil fazer um jornal alter­

nativo que represente e conte com a ajuda de todas as organizações de esquerda fomen­

tadas no Acre” (14).

5.2.4 Como fazer e onde fazer o jornal

Com a linha editorial definida: colada nos interesses dos mais pobres, e de apoio

às suas lutas de resistência numa realidade em conflito, o Varadouro se diferenciava de qualquer outro jornal, quer alternativo ou não, pois, para seus editores, só uma versão

era merecedora de credibilidade: a do posseiro, seringueiro, índio etc., em resumo, a do

oprimido da cidade e floresta. A apresentação gráfica do jornal era por princípio despo­

jada, rústica e artesanal, de conformidade com o que fora enunciado no editorial de lan­

çamento.

Na linguagem do jornal, segundo um dos seus editores: “prevaleceu a linguagem

do conflito em algumas ocasiões; a linguagem da indignação em outras; e, sobretudo a

linguagem do compromisso com a cidadania e a ética, o respeito às etnias, a identidade

verdadeira com o homem e o meio ambiente”. O texto era direto, simples, coloquial.

Muitas vezes os depoimentos foram transcritos do gravador, passados a limpo e jogados

no jornal, sem que houvesse maior preocupação na elaboração da escrita. Um estilo

jornalístico sobretudo experimental, que obtivera uma boa repercussão, e daí por diante

fora melhor elaborado, passando a ser a marca registrada do jornal.

O parque gráfico do Acre no período era demasiadamente limitado. O censo

industrial de 1975 registrara a existência de 6 empresas no ramo editorial e gráfico. Em

1980, passara a 9 empresas. Excluindo­se desse total as oficinas gráficas do SERDA

(Imprensa Oficial do Estado), dos jornais O Rio Branco e Gazeta do Acre, e a Gráfica Dois Oceanos”, restavam apenas 5 pequenas tipografias distribuídas por todo o estado.

Nos jornais em circulação no estado a composição era a quente, feitas nas velhas linoti­

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pos alimentadas por chumbo em barras. A impressão era tipográfica, com o uso de má­

quinas planas, com área de impressão de 2 páginas de jornal no formato standard.

Com os recursos para o pagamento da edição do primeiro número do Varadouro, adiantados pela Igreja, os próximos passos fora encontrar uma gráfica. As oficinas da

imprensa oficial se dispusera a fazer o serviço. Para resolver o problema da falta de

chumbo para composição do jornal, o pessoal do Varadouro tivera de comprar às pres­ sas 300 quilos do metal em São Paulo. Daí então a necessidade urgente de constituir

uma empresa para legalizar as atividades do alternativo: Macauã produções Gráficas e

Publicações Ltda.

No mês de maio de 1977, com um pequeno atraso na impressão, circulou o pri­

meiro número do Varadouro. Para edição do segundo número já não fora possível con­ tar com o SERDA. O jornal, em cujo projeto se pensara de periodicidade quinzenal,

logo depois mudou­se para mensal, assim mesmo atrasara sua edição: em vez de sair em

junho viera a circular na primeira quinzena de julho.

Sem dispor mais da SERDA, passou­se então a contar com as oficinas do jornal O Rio Branco. Só uma edição fora tirada, pois a direção do jornal O Rio Branco não gostara do conteúdo do alternativo. A coisa ficara feia, segundo Elson Martins da Sil­

veira, o jeito fora apelar para a “rede Solidária dos nanicos”. Começara daí então o pri­

meiro percurso da Odisséia do jornal das Selvas: feito no Acre e impresso em São Pau­

lo. Esse terceiro número saíra impresso em off­set, com composição a frio, com uma

tiragem de 5 mil exemplares. E assim fora por mais duas edições; no sexto número vol­

tara a ser editado no Acre, na Gráfica Dois Oceanos (15).

5.3 A saga do jornal das selvas 5.3.1 As edições do Varadouro

No curso de quatro anos de existência saíram 24 edições do Varadouro. A anun­ ciada periodicidade mensal das edições em nenhum dos anos, desde maio de 1977, o

início, a dezembro de 1981, o fim, não fora conseguida. Durante o ano de 1977, saíram

seis edições: maio, n.º 1, 20 páginas; julho, n.º 2, 20 páginas; agosto, n.º 3, 20 páginas;

setembro, n.º 4, 20 páginas; novembro, n.º 5, 20 páginas; dezembro, n.º 6, 24 páginas.

No ano de 1978, saíram sete edições: fevereiro, n.º 7, 20 páginas; março, n.º 8, 24 pági­

nas; maio, n.º 9, 20 páginas; junho, n.º 10, 24 páginas; agosto, n.º 11, 24 páginas; se­

tembro, n.º 12, 24 páginas; dezembro, n.º 13, 24 páginas. No ano de 1979, saíram quatro

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edições: março, n.º 14, 28 páginas; junho, n.º 15, 24 páginas; outubro, n.º 16, 28 pági­

nas; dezembro, n.º 17, 28 páginas. No ano de 1980, saíram duas edições: março, n.º 18

24 páginas; maio, n.º 19, 28 páginas. No ano de 1981, saíram cinco edições: abril, n.º

20, 16 páginas; maio, n.º 21, 20 páginas; junho/julho, n.º 22, 20 páginas; agos­

to/setembro, n.º 23, 20 páginas; dezembro, n.º 24, 20 páginas.

A dificuldade para fazer um jornal formato tablóide, com em média vinte pági­

nas, ilustrações e tiragem de 5 a 7 mil exemplares era enorme no Acre. Desde a compo­

sição, clichês, papel, impressão e dobragem; haja vista que os diários locais circulavam

com 8 páginas e pequenas tiragens de em média 300 jornais; estes ainda contavam com

oficinas próprias, não dependendo do serviço de terceiros para composição e impressão.

Até o papel se constituía um problema, pois era necessária a formação de estoques para

o consumo de pelo menos cinco meses. Período que durava a estação das chuvas na

Amazônia, danificando as BRs de acesso ao Acre e impedindo parcialmente o tráfego

de veículos que transportava cargas pesadas. No caso do Varadouro, suas edições exigi­ am um estoque de aproximadamente 200 resmas de papel plano, 96 x 66 cms, para a­

güentar com folga o período.

Para editar o primeiro número fora necessário trazer de São Paulo, mais que de­

pressa, 300 quilos de chumbo em barras para composição. Para o outro, as oficinas da

imprensa oficial fora negada, recorrendo­se ao jornal O Rio Branco. Para o terceiro nú­ mero, a única saída fora apelar para fora: as oficinas da PAT – Publicações e Assistên­

cia Técnica Ltda., em São Paulo. Para isso, contara com a solidariedade dos nanicos. A

mesma empresa editou três números: 3, 4 e 5. A partir do número 6 voltou a ser editado

em Rio Branco: composto e impresso nas oficinas da empresa Artes Gráficas Dois Oce­

anos. Oito edições do Varadouro foram impressas na “Dois Oceanos” sem que houves­ se qualquer interrupção: os números de 6 a 13.

Os dois primeiros números foram impressos tipograficamente, com o serviço de

clicheria para fotos e ilustrações realizado em Porto Velho, Rondônia. Pelo sistema off­

set foram impressos os números 3, 4 e 5, em São Paulo. Um fato interessante para regis­

tro: devido a grande procura pelo público, o Varadouro n.º 4 tivera duas edições. Varadouro n.º 6 voltara a ser feito em Rio Branco. Uma aventura que o seu edi­

tor, Elson Martins da Silveira, deixara documentada num artigo que recentemente pu­

blicara na página 18 do jornal O ACRE, Rio Branco, fevereiro de 1998. A gráfica “Dois Oceanos” dispunha de impressora off­set, com mancha de im­

pressão para formatos de papel, até o limite que habitualmente denominamos em lin­

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guagem gráfica de 4; caso não haja falha de memória, mais precisamente um Heidelberg

GTO, 32 x 46 cm. Para imprimir o tablóide era necessário cortar o papel nas medidas de

60,5 x 40 cms, depois dobrava­se ao meio ficando no formato 30,25 x 40 cms; e daí

para ser impresso num lado e outro com duas entradas de impressão. Em seguida des­

dobra­se o papel para que a face interna que estava em branco, recebesse a mancha de

impressão, ainda com duas entradas, um lado e outro. Além de a impressão ser lenta,

com razoável desperdício, a dobragem e redobragem das mais de 25 mil folhas exigia

que fosse organizado um adjunto para cada edição. Segundo, Elson Martins Silveira, o

jornal contava para esse trabalho de Sísifo, com toda a equipe e voluntários que se agre­

gavam ao esforço, com destaque para um grupo de índios que sempre estivera disponí­

vel para a jornada. Cafezinho, guaraná ou refresco e pão com manteiga, eram o pago

pela tarefa, que levava uma semana inteira e era executada com eficiência, disposição e

muito amor.

O trabalho de dobragem e desdobragem dos cadernos, com idas e vindas, das

oficinas até a redação na travessa Epaminondas Martins, 141, bairro do Bosque, perma­

necera do mesmo modo, durante todo o tempo em que o jornal fora editado na gráfica

“Dois Oceanos”. A composição ainda era a quente, pois, mesmo a impressão sendo em

off­set não se dispunha de composição a frio. As laudas de matérias datilografadas eram

compostas no linotipo, já nas medidas das colunas; impressas num prelo de provas, e

montadas no papel (paste­up) conforme a diagramação, daí sendo fotolitadas e gravadas

em chapas sensibilizadas para serem levadas para a impressora.

A peregrinação do jornal pelo país, para que fosse composto e impresso recome­

çara em 1979. O último número, o 13, saíra em dezembro de 1978, portanto, dois meses

de atraso entre a edição de um número e o próximo, pois esse viera a sair em março de

1979. A composição e impressão da edição n.º 14 do jornal fora feita nas oficinas da

Empresa Jornalística AFA Ltda., em São Paulo. O número 15, em junho, voltara a ser

impresso em Rio Branco, na gráfica “Dois Oceanos”. Daí em diante passara a ser com­

posto e impresso fora do Acre, contudo sem sair da Amazônia: o n.º 16, em outubro de

1979, na EMGRAFAC, Porto Velho­RO; o n.º 17, de dezembro, mudara­se para Belém,

sendo impresso na Neo­Gráfica Editora Ltda., sendo confeccionados os números 18

(março/80) e 19 (maio/80).

Uma longa parada, quase um ano fora de circulação. Em abril de 1981, saira a

edição n.º 20, a mais magra de todas: 16 páginas, nela não fora identificado o local da

impressão. O editorial anunciou a volta, reafirmando sua linha editorial independente e

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a serviço das classes trabalhadoras do Acre – seringueiros, posseiros, operários, índios –

e dos movimentos e entidades declaradamente a serviço das mesmas. Além disso, ainda

anunciara que outras pessoas e movimentos se juntaram ao grupo. Os números posterio­

res, 21 (maio/81), 22 (jun./jul. 81), 23 (ago./set. 81) e 24 (dez/81), foram editados em

Manaus, capital do Amazonas, pela Empresa Gráfica Umberto Calderaro, oficinas do

jornal A Crítica. Observa­se que a partir de 1979, além dos encargos com a correspondência dos

jornais O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil assumidos pelos jornalistas Elson Mar­

tins da Silveira e Sílvio Martinello, editores e principais repórteres do Varadouro; estes

passaram também a editar o diário Gazeta do Acre, no qual parte da equipe de redação do alternativo engajara­se. A sobrecarga de trabalho daí proveniente repercutira, com

certeza, no desempenho do jornal das selvas; tanto fora que no ano de 1979, apenas cir­

cularam quatro edições. Em 1980, só duas edições: março e maio. A equipe já vinha

revelando certo cansaço, resultante, em parte, das dificuldades naturais de se fazer um

alternativo no Acre. Por outro lado, a abertura democrática, a suspensão da censura, a

anistia etc., enfim, a crise da ditadura alargou as possibilidades da grande imprensa tra­

tar de assuntos antes reservados aos alternativos. Além disso, os partidos e agrupamen­

tos da esquerda clandestina ensaiavam o rompimento das frentes, e ainda começaram a

organizar seus próprios meios de comunicação. Na imprensa alternativa mais política o

fato já viera antes ocorrendo, pois o Opinião gerara o Movimento; que gerou o Em Tem­ po; que gerou o Amanhã e daí por diante.

No Acre, o PC do B articulara a distribuição do Movimento, chegando a vender

150 exemplares semanais e manter mais de 80 assinantes, mobilizando para isso pessoas

ligadas a esquerda católica e as CEBs. Outros jornais ligados a esquerda começaram a

mobilizar sua militância para que fosse distribuído: Hora do Povo, O Trabalho etc. O ajuntamento de outras pessoas ao grupo, anunciado pelo Varadouro, em editorial na

edição de abril de 1981, estava longe de assegurar a permanência do jornal.

A edição n.º 24 deu a notícia com o título: Movimento Morreu! Viva Movimento! Na qual informava ao público que o semanário alternativo Movimento deixara de existir na 334º edição. A causa que levara o jornal a dificuldades financeiras e conseqüente

quebra fora atribuída a queda brusca da venda do jornal, provocada pelo atentados a

bombas contra bancas de revistas que vendiam jornais alternativos. A notícia realça o

importante papel que o alternativo havia cumprido com sua linha editorial: defesa in­

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transigente das liberdades democráticas, independência nacional, e da elevação do pa­

drão de vida material e cultural dos trabalhadores (16).

Por força do destino ou mera coincidência o réquim do Varadouro para o alter­ nativo Movimento bem que pudera ser tomado, deveras, como seu próprio necrológio. Na verdade, o Varadouro não tivera nenhuma de suas edições apreendidas ou sequer

censuradas; nem houve atentados a bombas em bancas de revistas em Rio Branco. Os

editores e repórteres do alternativo vieram até a sofrerem ameaças e alguns constrangi­

mentos, sem que esses fossem levados às vias de fato. Contudo, o n.º 24, de dezembro,

fora a última edição do jornal das selvas, que desaparecera em silêncio, sem uma expli­

cação pública aos eus leitores.

5.3.2 A publicidade

O grosso do material publicitário que circulava nos jornais locais vinha das con­

tas do governo; este sempre fora o maior anunciante, muitas vezes a matéria que pagava

nos jornais aparecia disfarçada como notícias ou reportagens, veiculando obras ou ações

do poder público. A imprensa do Acre usava e abusava dessa prática, abastecendo­se de

notícias nas assessorias de comunicação do governo e cobrando o material que publica­

va. Certa feita, o jornal Gazeta do Acre tentara chantagiar o governo Mesquita, que rea­

gira e mandara prender o editor, por sua prática contumaz de transformar releases em

faturas contra o estado.

O Varadouro sempre circulou com anúncios em suas páginas. Suas grandes tira­ gens eram um atrativo para que as empresas veiculassem suas mensagens publicitárias.

O governo do Acre, através de suas estatais, não se negara a anunciar nas páginas do

jornal, mesmo sabendo que o alternativo não abria mão de sua autonomia e linha edito­

rial; diferenciando de modo claro e cristalino o que era material da redação, do que era

coisa paga: Pão, pão! Queijo, queijo!

A mancha de impressão do Varadouro apresentava uma certa variação, depen­

dendo de onde o jornal fora composto e impresso. Porém, o estudo de suas várias edi­

ções, permitira resumir essas variações a quatro medidas essenciais: 24 x 34, 25 x 33,

22,5 x 32 e 26,5 x 36 cms. A partir daí, fora possível estimar a média do material publi­

citário veiculado anualmente no alternativo.

Durante o ano de 1977, nas suas seis edições, o Varadouro veiculara em média 3 páginas e meia de anúncios. Em 1978, em sete edições, a ocupação do seu espaço com

anunciantes fora em média de 4 e meia páginas. No ano de 1979, em quatro números

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publicados, a publicidade em média ocupara seis páginas. Em 1980, só duas edições

saíram, o material veiculado fora de em média quatro páginas. Em 1981, ano do desapa­

recimento do jornal, o anúncio também escasseara, reduzindo para a média de 2 e meia

páginas nas suas cinco edições.

As edições do mês de dezembro, que durante os quase cinco anos da trajetória de

vida do Varadouro, com exceção do ano de 1980, não deixaram de sair, sempre tiveram uma boa ocupação por anunciantes: 5 páginas em 1979; no ano de 1981 apenas 2 pági­

nas foram ocupadas. Apesar de a publicidade estar presente em todas as suas edições,

em momento algum tivera ela peso considerável para custear as despesas do jornal. A

venda avulsa sempre fora a fonte de financiamento para sua manutenção, sem que se

possa deixar de considerar o desembolso inicial da Igreja e o trabalho voluntário e não­

remunerado da maioria de sua equipe e dos seus colaboradores (17).

5.3.3 A pauta do Varadouro

O Varadouro desde sua constituição não se configurara como um jornal atrelado a nenhuma corrente de esquerda, nem tampouco se confundira como um jornal de frente

de esquerdas. A esquerda católica participara desde o início de sua formação, pois a

Igreja do Acre fora naturalmente a fonte primária do seu financiamento; sem contudo,

esse fato tivesse levado a qualquer intromissão na conduta do jornal. A partir do núcleo

inicial: Elson, Sílvio e Marno, outros foram se agregando por identificação com a linha

editorial já definida por suas lideranças. O perfil da maioria das pessoas da equipe de

redação e administração era de esquerda, os outros, na pior das hipóteses, eram simpati­

zantes ou próximos das propostas que o Varadouro se propunha veicular.

No Varadouro, o compromisso com a linha editorial determinara sua linguagem, segundo Sílvio Martinello: “Essa preocupação acabou por caracterizar o Varadouro co­

mo um jornal de linguagem simples, carregada de emoção e indignação, transmitindo o

clima do conflito que o Acre vivia na época. Realmente, o Varadouro se distinguia até

dos outros jornais alternativos nessa questão da linguagem. Enquanto os outros elabora­

vam teorias, de acordo com as tendências de cada um, o Varadouro preferia a lingua­ gem simpes, popular, e a gente valorizava isso. O Elson tinha muito essa preocupação,

eu também tinha, com o relato na reportagem que a gente fazia. Colocar as pessoas fa­

lando era suficiente pra gente fazer um bom jornal” (18).

A pauta do jornal era discutida no coletivo da equipe de redação e administra­

ção, mas em reuniões abertas, podendo dela participar todos os colaboradores que assim

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desejassem. E ainda mais, até sugerir e pautar assuntos. Segundo Elson Martins: “A

discussão da pauta era superdemocrática. Era aquela mesona grande lá, aquele salão,

toda hora chegando gente que ia conhecer o Varadouro e acabava sentando à mesa e dando palpite também. Eu acho que até índio pautou o jornal. O Terry chegava lá com

aquele monte de índio pra comprar jornal, mas depois eles chegavam ... (uma outra fala

concluíra) ... E exigiam quatro páginas. As páginas do centro eram deles” (19).

O primeiro número do Varadouro fora resultado naturalmente de uma pauta, cuja relação de compromisso com seu projeto editorial era inequívoca: Desde a capa,

ilustrada por um desenho, cujos traços foram de autoria do jornalista Elson Martins da

Silveira, às notícias, notas e reportagens. A questão indígena fora a central: ocupara 7 e

meia páginas, nela embutida também a questão da terra. Os movimentos sociais foram

noticiados; um bairro da periferia e seus habitantes lembrados; denúncias contra a vio­

lência policial e contra a agressão ao meio ambiente. Já iniciara nessa primeira edição a

série de entrevistas feitas com escritores, cientistas, políticos, artistas, lideranças sindi­

cais etc., cujo conjunto se constitui em documento dos mais importantes para o estudo

da história de uma época.

No editorial, Varadouro se anunciara como fruto de “um dever de consciência

de quem acredita no papel do jornalista. É propositadamente feito aqui na “terra”. Saí,

portanto, de uma forma rude, cabocla, sem técnica, cheio de limitações e gerado pela

necessidade de colocar em discussão os problemas de nossa gente”. Um dos seus edito­

res chegara a reiterar essa pobreza técnica, declarando que sua diagramação era até sim­

plória; contudo, um exame criterioso dos elementos gráficos e visuais do Varadouro,

demonstrará que o jornal das selvas não era assim tão tosco e rude, havendo contribuido

substancialmente para a melhoria técnica do jornalismo e dos jornais do Acre (20).

5.3.4 Varadouro e a questão indígena

A questão indígena fora o tema de maior presença nas páginas do Varadouro.

No quadro resumo das principais matérias publicadas na primeira edição, o jornal fizera

referência ao destaque especial para o índio e anunciara: “por entender que sobretudo no

Acre o homem branco tem uma dívida muito grande a saldar com os povos indígenas,

que sempre procurou massacrar, oprimir e estigmatizar, teimando em negar consciente

ou inconscientemente os seus valores e a sua cultura”. O jornal, coerente com sua linha

editorial, dera voz aos índios em nada menos de 19 números do todo de suas 24 edições;

suas reportagens­documentário sobre o tema tiveram repercussão dentro e fora do país.

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Os índios foram assíduos na redação, participando de suas reuniões para definir pautas e

muitas vezes ajudando na dobragem do jornal. Ainda contavam com um repórter volun­

tário e exclusivo na redação: o Txai Terry Valle de Aquino. Os índios foram colabora­

dores e público cativo do jornal das selvas. Varadouro n.º 21, de maio, ano I, 1977, reservara aos índios sete e meia páginas

(pp. 7­14), de uma edição de 20 páginas; manchete: “Índios (ou caboclos) do Acre”. A

matéria fez de início um resumo dos primeiros anos da ocupação do Acre pela frente de

expansão extrativista da borracha. Os muitos massacres praticados pelos brancos (cari­

ús) contra os índios. Mais de 50 nações que habitavam os vales dos rios Juruá e Purus

foram desaparecendo vitimados pelas “correrias”, sobrando pouco mais de uma dezena

de grupos tribais. A matéria procurara também desqualificar versões da história oficial

pondo a nú seus heróis civilizadores: Ângelo Ferreira, Antonio Bastos, Mâncio Lima,

Absolon Moreira. Esses amansadores de índios, que num esforço de catequese e com

dispêndio de numerários conseguiram atrair “esses elementos dificilmente aproveitáveis

à “civilização”.

“Nóis vamos civilizar esses danados”, a cruzada contra os índios começava e

tinha um nome: correria. O resultado era homens mortos, mulheres, crianças e jovens

escravizados. O jornal revela que nos anos de 1936 a 1954, ante e pós­guerra, fora um

período dos mais cruéis e violentos. A lembrança de dois facínoras, pela sua aura de

valentia e crueldade, ficara marcada na memória do índio: Pedro Biló e Felizardo Cer­

queira. Esse último ferrava os índios “amansados” com suas iniciais: FC; essa marca,

muitos deles sobreviventes carregavam no peito. A reportagem denunciou ainda as prá­

ticas de exploração do trabalho índio pelos fazendeiros recém­instalados no Acre. O

caso da fazenda Califórnia grupo COPERSUCAR, que utilizava mão­de­obra indígena

como “peão” auxiliar para derrubadas da floresta, sob os olhos complacentes da FU­

NAI.

A matéria fora recheada com depoimentos de índios. No fecho, foram reprodu­

zidos seis depoimentos: “o que o “branco” pensa do índio”, nos quais pessoas comuns

se expressaram em linguagem simples seus sentimentos com relação ao indígena. Para o

jornal, muitas dessas opiniões eram importantes para uma política indigenista. Varadouro n.º 4, ano I, setembro de 1977, ancorado no texto de um relatório de

trabalho apresentado a Ajudância da FUNAI, em Rio Branco, do antropólogo Terry de

Aquino, sobre os Kaxinauás, publicara (pp. 15­16), matéria com o título: “Caxinauás ou

farofas­frias”. O texto fizera um diagnóstico da situação do grupo Caxinauá; cerca de

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860 índios dispersos nos rios Tarauacá, Murú, Humaitá, Breu, Tejo e Jordão. Ainda,

outros morando na cidade e sobrevivendo como peões de derrubadas. A reportagem­

relatório sugere a delimitação de reservas indígenas, e a criação de uma cooperativa

para eliminar a intermediação do seringalista ou do marreteiro, na venda das mercadori­

as de consumo e na compra da borracha produzida pelos índios.

Varadouro, n.º 5, ano I, novembro de 1977, publicou duas matérias sobre o ín­ dio. A primeira delas (p. 8) fez referência a denúncia que fora antes publicada pelo jor­

nal, sobre a exploração de mão­de­obra indígena na fazenda Califórnia, do grupo Atalla­

Copersúcar. A notícia tivera repercussão, e o CIMI, através do seu presidente, Dom

Thomás Balduino, na CPI do índio, denunciara que a fazenda Califórnia vinha utilizan­

do trabalho indígena em regime de escravidão, além de invadir áreas a eles pertencentes

e fornece cachaça aos mesmos.

O repórter do Varadouro flagrou uma discussão acalorada, no restaurante do

aeroporto de Rio Branco, entre os envolvidos: general Bandeira de Mello, ex­presidente

da FUNAI, e diretor da Cia. de Desenvolvimento Novo Oeste, do grupo BRADESCO­

Atlântica Boa­Vista, Flávio Pizano, fazenda Califórnia, e Luís Carlos Braga, adminis­

trador da Novo Oeste. Esses grupos estavam sendo acusados de ocuparem áreas indíge­

nas, inclusive, houvera uma denúncia da FUNAI, contra o gal. Bandeira de Mello, pois

havia obtido uma certidão negativa do órgão quanto a existência de índio na área da

fazenda Novo Oeste. Na CPI do Índio, ao depor, Francisco Pizano havia declarado que:

“as acusações não foram bem dirigidas, pois, elas deveriam visar a área sul da fazenda

Califórnia, vendida ao grupo Atlântica Boa Vista e administrada pelo ex­presidente da

FUNAI, gal. Bandeira de Mello. Nesta área, ocorreram problemas de invasões de áreas

indígenas”. A reportagem do Varadouro, desmente as afirmações de Francisco Pizano, informando que ele ao instalar a fazenda tivera o cuidado de transferir as malocas dos

índios Kulinas para fora do seu cercado, e que era mais que notório o uso que fazia da

força de trabalho índia. A matéria fustiga os membros da C.P.I. para virem constatar “in

loco” os fatos.

A outra matéria (p. 15) dá conta de um fato hilariante e grotesco, ocorrido quan­

do do desfile comemorativo dos 73 anos da fundação da cidade de Cruzeiro do Sul.

Cerca de duas dezenas de índios Poyanawás acompanhavam a marcha, tangidos por

certa professora da UniCAMP, Eunice Oníschi, e foram recebidos por vaias e apulpos

do público, que externava seus preconceitos contra o índio. O trágico era que, naquele

momento, prestava­se homenagem a um dos maiores exterminadores de índio da região:

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Mâncio Lima. O jornal divulgou também na matéria trechos do relatório da antropóloga

Delvair Montagner Melatti para a FUNAI, no qual foram enumeradas algumas atrocida­

des praticadas pelo pioneiro Mâncio Lima: fatos a ela narrados por pessoas que haviam

convivido com o seringalista. O repórter ainda viera a confirmar as informações da an­

tropóloga, ao comparar o que dissera com a entrevista da índia Cachinauá Alice para o

Varadouro. Alice tivera toda sua aldeia exterminada e fora criada até os 14 anos na casa do mandante do massacre.

Varadouro n.º 7, ano I, fevereiro de 1978, publicara reportagem (pp. 12­13), com o título: “Da mata ao prostíbulo”. O repórter, no texto, reconstrói a trajetória de

vida de duas índias apurinãs, que foram expulsas das terras pelos “paulistas”, vindo a

concluir seu exodus na zona de meretrício mais decadente da cidade de Rio Branco: o bairro do Papôco. Partes dos depoimentos transcritos entremeiam o texto: “A terra sen­

do certa prá nós apurinãs, eu largo essa vida qui tô levando. (...) porque não adianta ...

fazer uma benfeitoria, botar roçado (...) pra depois os “paulistas” botar nós prá fora das

colocações. Outros depoimentos tomados confirmaram o desejo de voltar a tribo, pois

no meio dos brancos não dava ainda pra viver: “... tudo que era ruim os vizinhos dizia

que era os caboclo (...) Eles dizia: cala boca, velha safada (...) são tudo ladrão, crimino­

so, comedor de gente. (...) aqui caboclo não é gente, aqui caboclo é bicho. Isso era muita

humilhação prá nós, seu menino”. O jornal reivindicou a urgente delimitação de áreas

para os índios no Acre. Num boxe, o jornal adicionara algumas informações sobre os

índios apurinãs e denunciou que dois projetos agropecuário e madereiro, financiados

pela SUDAM, se encontravam instalados dentro do antigo e atual habitat desse grupo

tribal. Ainda, informou que a FUNAI estava tentando reagrupar os Apurinã dispersos

em áreas já delimitadas. Varadouro n.º 9, ano I, maio de 1978 (pp. 5­7), entrevistara cinco lideranças

indígenas: “Índio sabe falar, sim!” Os líderes índios Adelson Culina, Binô Culina, Clo­

dozi Culina, José Artur Manchineri e Sueiro “Banê” Caxinauá, soltaram a língua e de­

nunciaram a exploração dos patrões seringalistas e dos fazendeiros, que utilizavam mão­

de­obra indígena em regime de trabalho semi­escravo. José Manchineri disse: “Ele en­

gana muito nos preço das mercadoria. (...) eu pagava à renda e a tara e o patrão ainda

errava nas conta prá nóis viver devendo, viver no cabresto. Ele rouba na balança, no

preço da borracha”. Os entrevistados também revelaram que estavam sendo ameaçados

de expulsão dos seringais, onde há muito tempo tinham roçados e extraiam seringa, pois

os supostos donos das terras não querem índios nelas, para evitar que a FUNAI em de­

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finitivo venha demarcá­las como áreas indígenas. O jornal informou que de modo a­

pressado a FUNAI delimitara algumas áreas, criando distorções e até áreas de conflito

entre pobres: seringueiros e índios. Contudo, adverte que o assunto exige urgência, pois

o prazo para a demarcação estava se esgotando. Varadouro n.º 10, ano II, junho de 1978 (pp. 5­7), entrevistara Apoena Meireles,

quase uma lenda no indigenismo brasileiro por sua intransigente defesa do índio. Apoe­

na estava a serviço da FUNAI em Rondônia, e viera ao Acre, pois soubera da morte de

um Apurinã em Boca do Acre. Apoena Meireles fora conduzido na entrevista a falar de

assuntos do maior interesse para os índios do Acre: revisão das áreas delimitadas, para

corrigir falhas gritantes apontadas pelos índios; exploração da força de trabalho indíge­

na pelos fazendeiros e seringalistas; proteção ambiental; recursos para projetos de de­

senvolvimento comunitário; reforma agrária para impedir grandes deslocamentos migra­

tórios para a Amazônia; necessidade da colaboração de outras entidades com a FUNAI,

destacando no caso do Acre a Igreja. O indigenista foi instado a falar sobre as certidões

negativas da existência de índios, que a FUNAI vinha fornecendo para fazendeiros na

Amazônia. Apoena falou do cancelamento de muitas dessas certidões, e fez referência

ao general Bandeira de Mello que, segundo o indigenista, nunca o enganou quanto as

suas intenções de beneficiar grandes grupos econômicos.

Na entrevista ficara registrado um fato importante: o início da autonomização do

movimento índio no Acre. Contribuíra para isso, a ação do CIMI, o apoio constante do

Varadouro e, sobretudo, a descoberta pelos índios de que eram legítimos donos das á­

reas em que viviam, pois a FUNAI já delimitara suas reservas, e que a demarcação esta­

va tardando, mas com certeza havia de chegar. Esses componentes motivaram os índios

a resistir, e as lideranças, pouco a pouco, estavam organizando os grupos para fazer

frente as pressões dos seringalistas e fazendeiros. Dissera Apoena, que esse fato vinha

acontecendo em outras regiões: “O negócio, aqui no Acre, agora, é entrar e botar prá

quebrar. (...) o índio sabendo que existe a FUNAI, que ela tem por obrigação ajudá­lo,

ele adquire uma certa confiança e isso faz com que ele comece a lutar pelos seus direi­

tos. A partir do momento, então, em que não aparece uma ação mais eficaz da FUNAI,

o índio começa a ultrapassá­la e ela começa a aparecer a reboque do índio, (...) que co­

meça a se agitar e a querer resolver logo o problema que o está perturbando”.

A FUNAI chegara com atraso de quase vinte anos no Acre, sem contar que o

SPI sequer cá esteve. Contudo, com a instalação da Ajudância em 1976 no Acre, em

apenas dois anos, fora possível demarcar uma reserva e delimitar outras cinco, criando

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as bases materiais e ideológicas para motivar a resistência dos índios: a certeza de que a

terra em que viviam lhes pertencia por direito, cabendo então lutar para preservá­la.

Em maio, Varadouro completara um ano de existência. Seu trabalho em defesa e apoio do movimento indígena já obtivera reconhecimento nacional, pois o jornal ultra­

passara a fronteira do Acre e circulava em outras capitais. A Associação Nacional de

Apoio ao Índio (ANAÍ) de Ijuí (RS), em carta (p. 22), enviada a redação, realçou esse

trabalho, e destacara que o Varadouro conseguira analisar, ver e mostrar a realidade nacional a partir do Acre, de modo globalizado. Cabe aqui parafrasear o grande escritor

russo León Tolstoi: Varadouro conseguira universalizar­se, falando de sua aldeia.

Ainda, numa pequena nota, na edição de setembro, Varadouro registrou a ira

despertada nos seringalistas, ao reagir às denúncias que os índios haviam feito na maté­

ria : “Índio sabe falar, sim!”, publicada no n.º 9. E comenta: “Não sabem esconder os

estereótipos, o ódio, o desprezo que nutrem pelos índios”; e mais, “têm muitas outras

verdades ainda para dizer”. Varadouro n.º 11, ano II, agosto de 1978, o jornal dera cobertura a assembléia de

tribos indígenas de 13 áreas da Amazônia realizada em Juruquá, com duração de dois

dias, no município de Lábrea. Participaram do encontro 38 índios, assessorados pelo

CIMI, através dos padres Antonio Iasi e Salvador Valladares; a FUNAI, segundo o jor­

nal, fora a grande ausência. A reportagem ocupou 4 páginas da edição (pp. 11­14), in­

clusive as duas centrais, e muitas fotos. Os índios dos grupos Apurinã, Jamamadi, Ka­

namari e Paumarí discutiram sobre a questão da terra, a assistência da FUNAI e a de­

marcação de suas áreas. O padre Iasi fora entrevistado, e fizera sérias críticas à política

do Governo Federal com relação ao índio, principalmente contra a emancipação do ín­

dio, anunciada pelo Ministro do Interior, Rangel Reis. A chacina do paralelo 11 contra

os Cinta Larga, a mando da empresa Arruda Junqueira e Companhia, fora lembrada,

pois era possível a repetição da tragédia na reserva dos Surui, agora envolvendo possei­

ros que invadiram a área e os índios. A reportagem ainda veiculava denúncias dos ín­

dios contra a caça e a pesca predatórias praticadas pelos brancos, que vinham destruindo

as reservas de alimentos nas áreas. Varadouro, n.º 12, ano II, setembro de 1978 (pp. 11­13), publicou entrevista

com o jornalista Edilson Martins, que viera ao Acre lançar seu livro “Nossos índios,

nossos mortos”. A entrevista ocupara as páginas centrais do jornal; o autor falou do seu

livro: um relato bem documentado das muitas atrocidades cometidas contra o índio ao

longo da história do país. O autor revelou­se otimista, pois estava certo que o país vinha

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tomando consciência em defesa do índio, citara como exemplo o próprio Varadouro,

cuja repercussão alcançada demonstrava isso. Na mesma edição (p. 17), uma notícia

dera conta do clima de ameaça em que estavam vivendo índios Caxinauás do rio Envira.

Um líder índio, Francisco Barbosa, denunciara a ofensiva dos patrões para expulsá­los

do interior dos seringais; fato que vem ocorrendo com maior freqüência desde que a

FUNAI anunciara a delimitação das áreas. Segundo o jornal, Francisco fora orientado

pela FUNAI pra resistir, não saindo da área. O jornal cobrou da FUNAI providências, e

críticou a morosidade do órgão. Varadouro n.º 13, ano II, dezembro de 1978 (pp. 17, 19­20), publicou uma belís­

sima reportagem: Turiano, um índio à procura de “patrão bom”. Turiano, índio da nação

Campa, que viera a Rio Branco, com o destino de encontrar um patrão bom, pois havia

sido roubado despudoradamente pelo patrão João Dedê, e mais adiante, no seringal

Primavera, passara coisa parecida nas mãos do seringalista por nome Osvaldo. A fala de

Turiano revelava a sua frustração diante dos brancos (cariú): “Nasci no Peru, nas águas

do Ucaiali. Fazi tempo que veio embora de lá para o Brasil. Viajei, viajei muito atrás de

patrão bom. Encontrei só patrão ruim. Tudo engana camparia”. O repórter fizera a con­

ferência das contas de Turiano, e comprovara o roubo que o patrão praticara contra o

índio, além de fornecer muita cachaça e outras bebidas fortes para tornar mais fácil o

furto. Num boxe, o jornal dava informações sobre a nação Campa, havendo cerca de

300 índios, dispersos no Juruá e seus afluentes. Ainda, nessa edição, fora veiculada uma

nota do CIMI, contra o projeto de emancipação do índio, em estudo na área do Governa

Militar. O jornal, por sua vez, também divulgou nota de sua equipe de redação contra o

tal projeto. Varadouro n.º 14, ano II, março de 1979 (17­22), publicou matéria com o título:

“Seis mentiras sobre o índio”. O texto continha uma resposta forte e bem fundamentada

contra o relatório da agência do Banco da Amazônia S.A. (BASA), da cidade de Tarau­

acá, sobre a questão indígena no município, cujo teor deixava transparecer a mais per­

feita integração do índio na sociedade local, por isso não havendo necessidade de reser­

vas indígenas na região. O jornal publicou na íntegra o texto­resposta do antropólogo

Terry Valle de Aquino, que viera a ocupar quatro páginas da edição, dando­lhe uma

forma de reportagem com bastante ilustração. A matéria expunha as principais afirma­

ções contidas no relatório, e abaixo de cada uma delas vinha o texto do antropólogo

contestando: 1ª Mentira – Não existem reservas indígenas (texto); 2ª Mentira – Os ín­

dios sempre conviveram pacificamente com os seringalistas (texto); 3ª Mentira – Os

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índios recebem apoio dos patrões seringalistas... e assim por diante. O jornal procurou

em resumo explicar as razões porque seringalistas, fazendeiros e certas autoridades lo­

cais denunciaram e ameaçaram o antropólogo. Certo era que o mesmo, juntamente com

as lideranças índias vinham procurando reagrupar índios Caxinauas que se encontravam

dispersos, para ocupar as reservas delimitadas pela FUNAI. Além disso, fizera um pe­

queno projeto de Cooperativa para livrar os índios da intermediação de marreteiros e do

barracão do seringalista, na venda de mercadorias e compra da borracha. Os recursos

iniciais para a Cooperativa foram conseguidos com o próprio jornal e alguns comercian­

tes de Rio Branco, que decidiram colaborar com a causa indígena.

O movimento indígena no Acre crescera bastante em pouco mais de dois anos.

Primeiro o CIMI, pouco depois a instalação da FUNAI, logo em seguida o Varadouro e a Comissão Pró­Índio do Acre, esses parceiros criaram condições para defesa e o apoio

mais eficientes da causa indígena. Os índios Caxinauá avançaram mais rápido. Duas

lideranças entre eles logo se destacaram: Alfredo Sueiro e Vicente Sabóia. Varadouro n.º 15, edição de junho de 1979, noticiara: “Alfredo Sueiro e Vicente Sabóia, líderes dos

850 índios Caxinauá do município de Tarauacá, estiveram recentemente em São Paulo,

Rio e Brasília pedindo apoio da opinião pública a respeito da demarcação das reservas

indígenas dos rios Jordão e Humaitá”. Na sua saga, as lideranças indígenas estiveram

com o Presidente da FUNAI, conseguindo o compromisso da demarcação das reservas.

Alfredo Sueiro participou em São Paulo da Missa da Terra sem Males, na qual falou em

nome do índio brasileiro. Os Apurinãs de Boca do Acre, que tiveram a primeira reserva

demarcada, estavam lutando para expulsar o que restava de posseiros em sua área, e

também reivindicavam áreas próximas que por tradiçao lhes pertenciam, pois era noto­

riamente públicas e haviam sido griladas pelo “paulista” João Sorbille e outros. Como

previra o indigenista Apoena Meireles: era dar um empurrãozinho e os índios começa­

vam a caminhar com seus próprios pés. Os conflitos em Boca do Acre recrudesceram,

sendo uma página importante na história das lutas do índio pela terra na Amazônia Oci­

dental. Varadouro n.º 17, ano II, dezembro de 1979 (pp. 18­20), reproduzira os depoi­

mentos da 14ª Assembléia de Chefes Indígenas, realizada em outubro no rio Purus, lago

Mahaã, município de Lábrea. O CIMI assessorou o encontro, dele participando repre­

sentantes das nações Kulina, Kaxinauá, Apurinã, Jaraura, Paumari e Parecí. Os temas de

maior destaque: Terra, FUNAI, divisão da tribo, necessidade da solidariedade entre os

grupos, saúde, escola, exploração dos patrões etc. Na fala de Mário (Kaxinauá): “Se

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nós não botar força, nós não ganha terra. Eu falo por vocês, falo por nós. FUNAI pro­

mete muito mais não aparece. Temos que resolver por nós. Estamos aqui prá resolver

problema da terra. Nós não está aqui prá brincar. (...) Agora meter a cara prá conseguir

terra prá nós. (...) Nossa terra já demarquemos. Agora quero conseguir documento prá

mostrar. Já foi fazendeiro, mas não deixei entrar. (...) Vocês precisam tirar área prá vo­

cês como nós fizemos. Eu ajuntei todo o povo”. Na fala de Eduardo Pequeno (Apurinã):

“Vim do posto Camicuã prá ajudar vocês prá conseguir terra prá vocês. Nós sofremos,

nós bebemos gasolina (refere­se ao fato do vereador Mineirinho de Boca do Acre ter

feito um índio Apurinã beber gasolina com areia), nós apanhamos, ficamos presos, nós

sofremos dos fazendeiros. Estamos lutando. Terra já ganhamos, mas não marcaram do

jeito que nós quer, então nós empatamos (...) Agora, vocês vão fazer como nós”. Nessas

intervenções, pode­se constatar o avanço da conciência índia nas bandas do Acre. Varadouro n.º 18, ano II, março de 1980, página 15, veicula notícia sobre maus

tratos que índios vinham sofrendo na Casa do Índio. As reclamações foram gravadas e

transcritas. Os índios agora não ficavam calados, além de procurar o CIMI e a Comissão

Pró­Índio, sabiam que o jornal Varadouro divulgava e tornava público os seus protestos. Varadouro n.º 19, ano II, maio de 1980 (pp. 14­16), publicou reportagem com o

título: “Nós não queremos morrer”. A matéria fizera um diagnóstico da situação do ín­

dio no Acre e de áreas próximas, nos estados de Rondônia e Amazonas. Se antes massa­

crados e semi­escravizados pelos seringalistas, agora, os índios estavam sofrendo amea­

ça maior com a chegada das fazendas de gado: sendo obrigados a deixar a floresta. Esse

fato, segundo o jornal, era mais grave, pois, para os índios do Acre, a luta pela terra era

única garantia de sua sobrevivência física. A FUNAI já havia delimitado 23 áreas, mas

fizera apenas uma demarcação; essa muito apressada, instaurando um conflito entre

índios e colonos.

A conscientização dos índios fora um processo bastante avançado. No vale do

Juruá já era possível verificar alianças de grupos tribais para enfrentar os fazendeiros,

inclusive contestando as áreas delimitadas pela FUNAI. Carta conjunta dos Kaxinawás

e Kulinas dirigida a FUNAI, dera conta desse avanço, Varadouro n.º 19, (ano IV, abr. 1981, p. 6): “FUNAI quer dar 3 pedaços de terra. (...) Nós Kulina e Kaxinawá queremo

um pedaço tudo junto. (...) Queremos todos juntos de nós estamo em cima da terra pra

fazendeiro branco não explorar mais. Os brancos falam que índio não tem terras mas se

branco entrar nós agora joga fora. Branco já estragou nosso cemitério, nossa terra, der­

rubou madeira de lei, espantou caça, estragou pirarucu prá urubu comer. (...) FUNAI,

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vamo dizer pra você escutar, vamos demarcar terra grande prá nóis trabalhar. Nóis espe­

ra terra grande, já começamo o pique. FUNAI vem logo nóis ensina medir terra, assim

branco acredita. (...) Será que tu tá com medo de onça ou tá com medo de passar fome?

Nóis arranja rancho pra tu macaxeira banana madura. (...) ... já começamo o pique de

nossa terra, agora nóis espera FUNAI fazer tua parte”. A carta fora assinada por 87 Ku­

linas e 64 índios Kaxinawás.

A reportagem ainda descreve a situação de conflito entre Apurinãs e colonos em

Boca do Acre. Um grileiro, por nome João Sorbille, invadiu terra indígena e vendeu

para colonos. Contara um índio: “Entonces ele chegou lá prometendo fazer um patrimô­

nio, 40 casas tudo assoalhado de tábua, coberto de zinco, pra nóis morar tudo feito car­

reirinha como na cidade. Daí ele foi agradando o pessoal com um quilinho de açúcar,

um cafezinho .... Daí ele foi encostando, encostando ... Aí ele fez a casinha dele do lado.

Entonce ele começou abrir pra dentro saiu invadindo tudo. Daí pronto! Cresceu o bicho

lá, e quer ser o dono de tudo. Segundo o jornal, João Sorbille, o cabeça branca, havia

adquirido uma posse de 5 mil hectares, e esticou seus domínios para 300 mil hectares,

expulsando com seus jagunços os índios de suas terras e vendendo para colonos.

A reserva Apurinã fora demarcada pela FUNAI, só que deixara de fora grande

parte da terra que pertencia aos índios: seringal, castanhal, áreas de caça e pesca e o

cemitério. O jornal recheia a reportagem com trechos do Estatuto do Índio, falas de co­

lonos e índios. Manuel Apurinã: “Se a FUNAI e o INCRA não der jeito agente mesmo

vai resolver. Nós exige com nosso respeito o nosso direito. Já tamo tudo certo porque

aquela área nóis num entrega mesmo sabe?” A conscientização dos Apurinã fora algo

admirável. Os índios foram a Brasília exigir a revisão da área demarcada, não aceitando

o acordo proposto pelo mediador, Apoena Meireles; inclusive disseram ao Varadouro que iam desmascarar o Apoena e cobrar do presidente da FUNAI as promessas feitas.

Diante da guerra dos pobres: colonos x índios, Varadouro identificara o causador: o

grileiro João Sorbille; registrou os argumentos dos colonos, mas ficou com os índios e

denunciou a covardia da FUNAI diante das pressões de exploradores e invasores de

terras indígenas.

Após quase um ano sem circular o Varadouro volta, incorporando na equipe de redação novos parceiros e procurando manter sua linha editorial. A edição n.º 20, abril

de 1981, publicara entrevista com os índios caxinauás Getúlio Sueiro e Osair Sales. Os

índios disseram que tiraram de suas áreas os “cariu” que se diziam donos da terra; e que

o agrimensor da FUNAI estava fazendo a demarcação da reserva errada, e que eles a­

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meaçaram de empatar. Denunciaram que o chefe de Posto da FUNAI pegara o dinheiro

que tinha vindo para a cooperativa e entregara para um terceiro comprar e vender mer­

cadorias para os índios. O jornal noticiara também que após a denúncia do antropólogo

Terry Valle de Aquino, sobre a má aplicação pela FUNAI de recursos liberados pela

SUDHEVEA para os índios caxinauás dos rios Jordão e Humaitá, uma comissão viera a

Rio Branco apurar os fatos. Varadouro n.º 22, ano IV, junho/julho de 1981 (p. 15), publicou reportagem

sobre conflito entre índios e posseiros em Boca do Acre. O jornal fizera uma retrospec­

tiva dos fatos ocorridos na década de 70, com a chegada de colonos e fazendeiros do sul

do país que, segundo o jornal, aumentara os focos de tensão na área. A chegada da FU­

NAI, de certo modo, evitara que os índios fossem escorraçados de uma vez por todas.

Com a área demarcada às pressas, sem levar em consideração o que falava o índio, ins­

taurou­se o conflito entre colonos e os apurinãs.

No dia 21 de maio, o índio Gonçalves matara a tiros o colono Manoel Criado,

que havia invadido área que os apurinãs diziam ser suas. O jornal ouvira colonos em pé

de guerra, e denunciara o jogo de fazendeiros e políticos locais, que estavam estimulan­

do o conflito. Nessa guerra de pobres, pela primeira vez, o jornal deixara transparecer

uma certa ambigüidade na defesa do índio, e chegara a propor o cachimbo da paz entre

as partes em conflito. Varadouro n.º 23, ano IV, agosto/setembro de 1981 (pp. 15­17), retomara o as­

sunto da reportagem do número anterior, publicando matéria sob o título: “FUNAI es­

conde a verdade”. Um artigo lavrado com indignação, pois a FUNAI, negara a revisão

da área da reserva dos índios apurinãs. A notícia fora dada pelo indigenista Apoena

Meireles, que temeroso da reação dos apurinãs viera acompanhado por policiais federais

e soldados do exército armados. O relatório da FUNAI justificando a decisão era uma

peça hilária só que trágica para os índios, pois, segundo o jornal, a área demarcada dei­

xara de fora o cemitério, as áreas de seringa, castanha, caça e pesca e as nascentes dos

igarapés. Os constantes desmatamentos, feitos pelos colonos e fazendeiros nos limites

da área atual, estavam ameaçando a sobrevivência dos índios. Preocupados com a conti­

nuidade do clima de tensão, colonos e índios reuniram­se e decidiram não aceitar a de­

cisão da FUNAI, e mandaram representantes a Brasília para tratar do assunto com o

presidente da FUNAI. Esse,no entanto, considerou a coisa vencida, pois a área não era

possível de ser alterada.

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Na mesma matéria Varadouro denunciara como policial e dedo duro o chefe da Ajudância da FUNAI, Benamour Brandão, que tinha a mania de se intitular “major”.

Ainda, publicara entrevista com lideranças das nações Iauanauá e Katuquina, que vie­

ram a Rio Branco pedir a delimitação de suas áreas no rio Gregório, ocupadas pela fa­

zenda PARANACRE, pertencentes aos grupos Café Cacique e Viação Garcia, do sul do

país. O chefe da Ajudância da FUNAI dissera desconhecer a existência desses índios, e

só Brasília tinha autoridade para resolver a questão. O depoimento dos entrevistados

fora contundente: “Nós índios daqui do rio Gregório consideramo esse seringal Caxi­

nauá e Sete Estrela, como nossa terra. Mas a firma PARANACRE diz que a terra é de­

les, que eles compraram do Altevir Leal. Entonce quer dizer que o Altevir Leal vendeu

a terra com nós tudin dentro? (...) Nós tamo aqui servindo de escravos da PARANA­

CRE”. Os índios também denunciaram a ação de missionários americanos do grupo

Novas Tribos do Brasil: “Os cariú invadiram nossa terra, mataram muitos índios nas

“correria”, roubaram nossa terra. Agora vem esses americano prá roubar nos espírito.

Eles diz que as nossa festa do cipó, que o nosso marirí, que o nosso pagé, é tudo coisa

do diabo”. O jornal relata as condições de exploração em que viviam os 300 índios iau­

anauás e katuquinas submetidos ao tacão de ferro dos sulistas.

Varadouro n.º 24, ano IV, dezembro de 1981 (p. 15), publicara entrevista com lideranças índias da nação Kaxarari. Os índios falaram sobre suas vidas, seus ritos, sua

economia e da esperança de ter suas terras demarcadas. Na área dos Kaxarari não havia

ainda invasão de brancos, tornando mais fácil a delimitação. A Ajudância da FUNAI, no

período da chefia do indigenista Antonio Pereira, fizera um levantamento da área e dos

índios, nada vindo a ocorrer depois disso. A notícia, em jornais do Acre e do Sul, de que

3 índios da tribo haviam sido mortos levou o deslocamento de um indigenista até a área.

Caibú Kaxarari dissera: “FUNAI marcô no mapa primeiro, do Macureném até Azul,

pegamo esse otro lado, até colocação Maloca. (...) Agora já tiraro mapa por aqui. Tiraro

já pedaço de nossa terra antes de marcá!!! É assim ...”. O jornal, introduzira a entrevista

com um pequeno histórico sobre os Kaxarari, que no período do contato com os bran­

cos, em 1910, eram cerca de 2 mil, hoje reduzidos a 129 indivíduos pelos rifles 45 e

doenças da civilização. Ainda na matéria o jornal informara que o deslocamento do che­

fe de posto Antonio Gomes Pereira para a área dos Kaxariri, fora devido a proibição

pelos Apurinã da presença do pessoal da FUNAI em sua área, enquanto não fosse resol­

vido o problema de suas terras.

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Varadouro em todas suas edições tratara da questão indígena. As vezes numa pequena nota, numa carta à redação, numa referência de entrevistado etc.; mas, sem que

nunca deixasse de fazer menção ao índio em suas páginas, pois, entre os oprimidos, ele

fora definido pelo projeto editorial do jornal, um dos personagens centrais da tragédia

anunciada para Amazônia Ocidental.

Afora o conjunto de notícias, reportagens e depoimentos aludidos no decorrer

dessa narrativa, muitas foram as entrevistas com personalidades comprometidas com a

causa indígena, entre esses destacamos: Carmem Junqueira, Edilson Martins, José Mei­

reles, Márcio Souza, Apoena Meireles, Warwick Keer, padres Paulino Baldassari e An­

tonio Iasi Junior.

A defesa do índio e o apoio ao seu movimento deram repercussão nacional e até

internacional ao jornal. No âmbito local, Varadouro criara um ambiente favorável para o movimento cultural produzir peças e shows musicais em defesa do índio: Maná, Boca

do Acre na Boca da Noite e A Grilagem do Cabeça etc. A Comissão Pró­Índio do Acre praticamente nascera dentro da redação do jornal.

O conflito entre pobres, índio x colono, deixara por vezes meio atônita a redação

do jornal, como bem demonstrara a ambigüidade de uma ou outra de suas reportagens.

Contudo, por considerar o índio o elo mais fraco da cadeia, assumira sua defesa, pedin­

do uma solução para os colonos desde que os legítimos interesses do índio fosse em

respeitados. Nessa linha de conduta, o jornal noticiara com destaque a criação do Comi­

tê de Diálogo entre Índios e Colonos, envolvendo o movimento índio, os sindicatos ru­

rais, Igreja e outras organizações da sociedade que, segundo o jornal, formaram uma

frente comum contra os proprietários de terra. Através das páginas do Varadouro fora possível acompanhar a trajetória da autonomia do índio na condução de sua luta, e o

surgimento de lideranças importantes para o movimento indígena, tais como: Alfredo

Sueiro (Kaxinauá), José Orias (Machineri), José Correia (Jaminauá), Manoel (Apurinã),

e outros.

5.3.5 Varadouro e a luta pela terra

No projeto editorial do Varadouro ficou evidenciada claramente a sua opção por índios, posseiros e seringueiros. Esses três personagens centrais estavam umbilicalmen­

te ligados a questão da terra, pois dela eram despossuidos na ótica das classes dominan­

tes agrárias: seringalistas e fazendeiros.

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Ao dar a voz a gente pobre da floresta, Varadouro informava ao público local dos conflitos que estavam acontecendo ao seu redor; denunciava a violência de fazen­

deiros e seringalistas e apoiava o movimento de resistência dos oprimidos. Os editores

do alternativo já contavam com a cobertura da imprensa nacional para uma parte dos

conflitos que vinham ocorrendo, todavia a circulação dessa imprensa era mínima em

Rio Branco, e quase nula no resto do estado. Diante disso, coubera ao jornal combater a

desinformação veiculada pelos jornais locais, e atrair o apoio de parcela importante do

público acreano para a causa dos deserdados: índios, posseiros e seringueiros. Varadou­

ro viera a ser como bem disse Clodovis Boff “... Espinho atravessado na garganta da

burguesia. É para ela um mestre rude de ética. Acabarão entendendo que nem tudo é

permitido. Mas o melhor é ainda o acréscimo de consciência popular que pode produzir.

É o povo que está em jogo!”.

Quando o jornal começou a circular, já noticiara a criação do Sindicato dos Tra­

balhadores Rurais de Xapuri, em abril de 1977. Com mais esse sindicato praticamente

em todo estado, em apenas dois anos, o movimento dos seringueiros, colonieiros e pos­

seiros fora transformado em ação sindical, com aproximadamente 20 mil trabalhadores

mobilizados. A resistência, portanto, atingira um outro patamar, deixara de ser indivi­

dualizada ou em pequenos grupos para se tornar coletiva e institucionalmente reconhe­

cida. Varadouro n.º 3, ano I, agosto de 1977 (pp. 9­12), publicou reportagem com o

título: “A briga pela posse”. A matéria ocupara 4 páginas centrais do jornal, e narrava os

fatos acontecidos no seringal Nova Empresa em julho, onde seringueiros em tocaia ha­

viam mortos o capataz Carlos Sérgio e o pistoleiro Osvaldo Gondim. Varadouro entre­ vistara o capataz Carlos Sérgio dez dias antes da tocaia, esse se mostrara revoltado com

o que vinham falando os jornais ao seu respeito. O capataz se mostrara informado sobre

o Acre, e declarava­se um defensor do capitalismo por convicção. E ainda afirmara que

não era intenção botar seringueiros e posseiros prá fora, a toque de caixa, e que no Mato

Grosso a ocupação tinha sido diferente, lá a coisa ferveu. Os posseiros ouvidos foram

unânimes ao seu respeito: bicho ruim e malvado. O líder da tocaia, Antonio Caetano de

Souza, que reunira 20 homens em sua casa para decidir o que fazer com o capataz, dis­

sera: “Eu atirei seguro para ele não escapar, e se não faço isso ele me matava”.

O jornal entrevistou também o “paulista” Arquimedes Barbieri, suposto, dono

das terras, que dissera estar disposto a enfrentar a situação. O repórter colhera uma jóia

do pensamento do fazendeiro: “Ladrão, vagabundo, malandro, cafajeste, sujeito que não

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trabalha, esses devem ser eliminados como as pragas da agricultura. Não mataríamos,

mas combateríamos biologicamente...”. A matéria veiculou a posição oficial do governo

do estado, e informara ainda que um grupo de seringueiros e posseiros havia procurado

uma semana antes o Bispo D. Moacyr Grechi, sem conseguir encontrá­lo pois estava

viajando. A posição da Igreja já estava contida num documento entregue ao presidente

Ernesto Geisel, quando de sua vinda ao Acre. O jornal, nessa mesma edição, comentara

o documento entregue pelo fazendeiro paulista Osvaldo Menezes ao presidente Geisel,

no qual ele fizera denúncias contra o INCRA, a Igreja, jornais; além de afirmar da não

existência de clima de tensão no Acre, e que os seringueiros são alguns “bichos a mais

na mata”. Varadouro n.º 5, ano I, novembro de 1977 (p. 14), publicara resumos dos depo­

imento dos bispos das Prelazias do Acre e Purus e do Juruá, do jornalista Elson Martins

da Silveira, editor do jornal, do vice­governador José F. do Rego e do juiz Romeu César

Leite, à CPI da terra. Todos os depoimentos, segundo jornal, foram unânimes em reco­

nhecer as graves irregularidades das transações com terras no Acre; com exceção do

bispo da Prelazia do Juruá, que dissera do desconhecimento de qualquer falsificação de

títulos, e de que as transações com a terra não provocaram atritos com posseiros e serin­

gueiros. Varadouro n.º 7, ano I, fevereiro de 1978 (pp. 10­11), reproduzira trechos do

depoimento do jornalista Lúcio Flávio Pinto, sobre a ocupação desordenada da Amazô­

nia por grandes grupos multinacionais. O jornal comentara que as informações do jorna­

lista se adequavam ao Acre, pois grandes grupos do Sul do país haviam comprado ex­

tensas áreas de terra, e só dois deles: Novo Oeste (Atlântica Boa Vista), e Fazenda Cali­

fórnia (COPERSUCAR) ocupavam 1 milhão e novecentos mil hectares. Os latifúndios

acreanos ocupavam 94% da área territorial do estado. O processo exacerbado de con­

centração da terra e a violência daí decorrente foram responsabilizados pela intensifica­

ção do fluxo migratório para as cidades, criando um cinturão de miséria nas áreas urba­

nas. Os conflitos embora tivessem diminuído, as áreas de tensão todavia permaneceram,

podendo eclodir novos confrontos a qualquer momento.

Na mesma edição (p. 17), Varadouro entrevistara a ex­seringueira Valdízia A­ lencar de Souza, um dos líderes da resistência de seringueiros e posseiros em Brasiléia.

Valdízia narrou sua história de lutas, que começara quando os paulistas foram a sua

colocação e proibiram de plantar roçado e coletar seringa, mandando aguardar para re­

ceber uma indenização. Reunira alguns seringueiros, e por notar esmorecimento, viera a

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Rio Branco só para tratar com o INCRA. Entrara em contato com a CONTAG, e voltara

a Brasiléia para arregimentar o povão para o sindicato. Pouco tempo depois estava or­

ganizado o movimento; e ela uma das articuladoras, participara das primeiras lutas con­

tra os fazendeiros. Varadouro n.º 11, ano II, agosto de 1978 (p. 15), publicou matéria na qual veicu­

lara uma série de denúncias contra a Agropecuária Cinco Estrelas S.A. e o seu capataz

Gil Meireles. A Cinco Estrelas comprara o seringal Araripe com dezenas de seringuei­

ros e barranqueiros no seu interior. O fazendeiro usou de todos os expedientes para ex­

pulsar os moradores: queima de barracos e roçados, indenizações irrisórias, ameaças

com policiais e jagunços etc. A destruição de bens de posseiros tinha sido enorme; o

sindicato então entrara na justiça pedindo indenização dos prejuízos. A reportagem do

Varadouro tivera ampla repercussão, deixando o fazendeiro em maus lençóis, pois o

projeto recebia financiamento da SUDAN/SUDHEVEA, e era apontada como empreen­

dimento modelo. Esses conflitos vindos a público deixaram as agências de financiamen­

to expostas, podendo vir a ser pressionadas a rever suas decisões.

Na mesma edição (pp. 18­19), o jornal noticiou o encontro de colonos de Rio

Branco, promovido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). O encontro reunira colonos

com terra titulada, com escritura ou título provisório, e outros sem­terra, pois as áreas

que ocupavam não haviam ainda sido desmembradas dos seringais. A decisão mais im­

portante tomada no encontro fora de associar­se ao sindicato, para fortalecer a classe. Varadouro n.º 12, ano II, setembro de 1978 (pp. 20­21), publicara matéria com o

título: “Eles têm o capital, nós temos a união”. A reportagem cobrira a assembléia geral

dos trabalhadores rurais de Rio Branco, realizada na catedral Nossa Senhora de Nazaré.

O jornal fizera um resumo dos discursos das lideranças sindicais. Em um boxe, reconsti­

tuíra de modo breve a história do movimento sindical rural no Acre, com suas principais

vitórias diante dos novos “bandeirantes”, inclusive do desmonte do esquema montado

pelos fazendeiros dentro da Secretaria de Segurança Pública do estado. O jornal ainda

registrara o uso indevido do espaço da assembléia por certos convidados, entre eles: o

delegado do trabalho e o governador do estado. O ponto alto da matéria foram as curtas

entrevistas com posseiros e seringueiros. Nelas o mote fora: vamos associar. A uma

pergunta do jornal sobre conflito, um posseiro dissera: “Sempre aparece nas épocas das

derrubadas com os “paulistas”, mas este ano tem sido menos. Eles estão mais mansos.

Já não estão tirando o pessoal na marra. Houve morte da parte do trabalhador, mas hou­

ve também da parte dos fazendeiros”. O jornal descrevera o evento como um dos gran­

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des acontecimentos para o movimento sindical e realçou: “Dois anos se passaram e es­

ses mesmos trabalhadores voltaram a se reunir e, de fato, vieram mais confiantes, dis­

postos, de cabeça erguida. Através da luta, da união, da resistência e, em alguns casos

até da espingarda, obtiveram nesse período, algumas conquistas importantes ou, como

afirmaram alguns deles, pelo menos, mostraram a alguns “bandeirantes”, que afinal

“não são o dono do mundo”. Varadouro n.º 13, ano I, dezembro de 1978 (pp. 13­14), publicara reportagem

com o título: “Vamos lutar pela terra meu povo”. A matéria narra a história da resistên­

cia de posseiros dos seringais Guanabara, Icurian, São Francisco e outros, contra as ten­

tativas da COAPAI, Cooperativa Agropecuária do Alto Iaco, de retalhar a área e por a

venda para colonos do Paraná. Os posseiros impediram a marcação dos lotes, e sob a

liderança do seringueiro Antonio Jacinto foram adiante, conseguindo enfrentar a polícia

e dobrar o fazendeiro. O acordo fora mediado pelo sindicato, que negociara áreas de 50

a 100 hectares. Contudo, os posseiros não se deram por satisfeitos, pois não aceitaram

sair das colocações que ocupavam, e estavam dispostos a proteger suas estradas de se­

ringa. O jornal concluíra: “Daí a resistência que demonstraram esses seringueiros contra

a COAPAI, que queria expulsá­los de suas “colocações” (...). Seriam até mesmo capa­

zes de defender suas posses com a arma na mão...”. Varadouro n.º 15, ano II, junho de 1979 (pp. 20­21), publicara manchete na pri­

meira página: “Os seringueiros precisam gritar bem alto e todos juntos”. A manchete

chamava a atenção para matéria interna sobre uma tal EM 77 (Exposição de Motivos

77), do INCRA, que propusera a tão esperada regularização das terras na Amazônia, e

que também estava relacionada com a questão fundiária no Acre. O jornal ouvira o de­

legado da CONTAG, que afirmara: “Será a oficialização do latifúndio, a entrega de i­

mensas áreas a especuladores e reconhecidos grileiros”. A reportagem do jornal já nota­

ra nos últimos dias a movimentação de “paulistas” no hotel Chuí, depois de uma deban­

dada nos anos 76 e 77. O jornal entrevistou o coordenador fundiário do Incra no Acre,

que de certo modo confirmou o embrulho, sendo que esse ainda tinha que passar pelo

crivo do Conselho Nacional de Segurança.

Nessa edição (p. 23), o jornal denunciou a ação da polícia da Amazônia, a man­

do do governador José Lindoso, que mandara expulsar 36 famílias de posseiros do se­

ringal Senapólis, no Km 38 da BR­317, em Boca do Acre. A polícia contara com a aju­

da de 13 jagunços dos fazendeiros.

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Varadouro n.º 16, ano II, outubro de 1979 (pp. 14­15 e 17­18), publicara matéria com o título: “O grande mutirão contra a jagunçada”. A reportagem cobrira o desloca­

mento de centenas de trabalhadores rurais, numa longa marcha. Muitos deles vieram de

distâncias de mais de 400 quilômetros para nela se incorporarem. O mutirão viera apoiar

os posseiros do seringal Senapólis, em Boca do Acre, que haviam sido expulsos e reto­

maram a posse por mandado de reintegração impetrado pelo sindicato. Os jagunços vi­

nham impedindo que os posseiros trabalhassem a mando do empresário paulista Ueze

Elias Zarhan. Os trabalhadores cercaram os pistoleiros, que fugiram em debandada, a­

bandonando as armas. Também ocuparam o acampamento dos peões que faziam o ser­

viço de derrubada; três indivíduos foram detidos para depor e os demais foram libe­

rados para abandonar a área. As armas: rifles, espingardas e revolveres, foram apreendi­

das para serem entregues à Polícia Federal. O nome dos jagunços e mandantes foram

relacionados e denunciados. O terror espalhado pela jagunçada já durava dois meses:

com saques, roubos e destruição.

Em outra matéria (pp. 21­22), noticiara sobre a movimentação de seringueiros

para empatar a broca nos seringais São Francisco, Montevidéo, Porto Carlo, Sacado e

Guanabara, nos municípios de Assis Brasil e Brasiléia. O repórter dera conta da presen­

ça do sindicato em toda a área. Fora informado que onde houvesse um seringueiro, um

colono, um posseiro aí também estava o sindicato. A disposição de luta fora registrada

pelo repórter ao instar um seringueiro a respeito da espera pela reforma agrária: “Nóis

faz (...) não tem prazo. Cada paulista que for chegando nóis vai resolvendo o problema”.

Nessa edição, fora farto o noticiário sobre a questão da terra. Mato Grosso e Rondônia e

seus conflitos tiveram espaço no jornal. Varadouro n.º 17, ano II, dezembro de 1979 (pp. 8­9), publicou matéria com o

título: “Operação “pega fazendeiro” – I”. O texto fora escrito pelo frei Clodovis Boff,

que fizera o relato da ação dos seringueiros para deter a invasão de suas posses no se­

ringal Guanabara, pelo seringalista Chico Vieira e o fazendeiro José Ribeiro, com seus

capangas. Mais de 100 homens armados e dispostos a tudo levaram sob custódia os in­

vasores até Assis Brasil, para que fosse assinado um acordo, no qual o fazendeiro e o

seringalista se dispuseram a não invadir a área dos posseiros no seringal Guanabara.

Na mesma edição (pp. 10­11), a matéria: “Operação “pega fazendeiro” – II”. A

reportagem relatara a ação dos posseiros do seringal Nova Empresa, contra o famigera­

do paulista Líbero Luchesi. Segundo o jornal, Luchesi, que nunca vacilou em usar a

força contra os posseiros, não imaginara que esses pudessem se juntar para dar cobro a

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sua arrogância e certeza da impunidade. Isso acontecera, cerca de 25 seringueiros, ar­

mados com espingardas de caça calibre 12 e terçados, cercaram o acampamento da fa­

zenda Carão, derrubaram os barracos e puseram os fazendeiros e seus capangas prá cor­

rer. Na fala de uma liderança ficara revelada a disposição do movimento: “A CONTAG

disse – não deixa ninguém entrar na terra de vocês”. Esta palavra “não deixa entrar”

todo mundo sabe o que é: prá nós “não deixa entrar” é o fim. (...) Eles não tem sede (...)

Agora não tem mais (os posseiros derrubaram). (...) Correram tudo. Diziam que eram

valente e não sei o que mais, mas na hora correram tudo prás tabocas”. O jornal conclui­

ra: “É muito provável que Luchesi e todos seus amigos “paulistas” não queira admitir

isso: que os tempos estão mudando, que os trabalhadores rurais, no Acre, descobriram

de que são capazes quando decidem agir em mutirão para defender o que lhes pertence,

a terra, que, para eles, seringueiros e posseiros, é tudo, é questão de vida e morte. O

chapéu, as botas, o revólver na cintura, os jagunços, o bafo, já não metem medo como

antigamente. Os trabalhadores estão conscientes de que os seus sindicatos são mais for­

tes”. Varadouro n.º 19, ano II, maio de 1980 (pp. 8­9), publicou matéria com o título:

“Os novos donos do Acre”. O jornal fez um resumo da trajetória desses empresários no

Acre, desde o início, em 1972; e o envolvimento deles no clima de insegurança e tensão

que grassava em todo estado. A lista contemplava 17 grupos que o jornal denominara de

jacús. Agropecuária Cinco Estrelas: 37 mil hectares; Fazenda Boa Esperança: 16 mil;

Fazenda Morungaba: 60 mil; Agronorte: 160 mil; Condomínio Tarauacá; 300 mil; Con­

domínio Acurau: 63 mil; PARANACRE: 600 mil; H. Melo e Filho: 35 mil; Agropasto­

ril Leal Ind. Com. Ltda.: 114 mil; Companhia de Desenvolvimento Novo Oeste: 510

mil; Fazenda Califórnia: 427 mil; Santana Empreendimentos Agropastoril: 350 mil;

Rômulo Bonalumez: 172 mil; COAPAI: 187 mil, em aquisição mais 300 mil; COLO­

AMA: 1 milhão; Nelson Taveira: 975 mil; José Mário Junqueira, Ismerino Ribeiro do

Vale, Líbero Luchesi e outros: 440 mil. Esse levantamento, segundo o jornal, fora ainda

preliminar, pois alguns notórios latifúndios ficaram de fora: Bordon, Real, os irmãos

José e Benedito Tavares do Couto etc. A coisa era escandalosa, pois, segundo o jornal,

“os financiamentos fartos da SUDAM, BASA e SUDHEVEA, que eram vergonhosa­

mente liberados, operavam o milagre de transformar grileiros e jagunços em empresá­ rios de boa fé”.

Nessa edição (p. 21), outra matéria: “Chegou o verão! E os seringueiros mandam

avisar: “Não vamos consentir desmatação”. Ao aproximar­se o verão, os fazendeiros

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azeitavam as motosserras para começar as derrubadas, para isso mobilizavam peões,

jagunços, topógrafos e empreiteiros. Os trabalhadores se preparavam para impedir tam­

bém a queda da floresta, pois com ela viam desaparecer milhares de seringueiras e cas­

tanheiras. O repórter registrara um contundente depoimento de um seringueiro: “Se as

autoridades tivessem que resolver nosso problema da terra, já teriam resolvido, porque

os jornais, as rádios estão todos os dias cheios de denúncias. Hoje, entonces, o único

meio que nos resta é a união prá defender o que é nosso, muito embora as autoridades e

os políticos não estejam gostando. Vendo a necessidade de permanecer na terra com a

seringa e a castanha, que são nossa segunda mãe, temos que tomar nossas medidas. Se

não for assim, vamos ficar mais miseráveis ainda”. O jornal ainda relatara todos os pas­

sos de um empate, forma de luta que se tornou clássica no movimento pela terra no A­ cre (21).

Varadouro n.º 20, ano IV, abril de 1981 (p. 11), publicou matéria com o título:

“A qualquer sinal os jagunços podem sair da toca”. O jornal denunciara a impunidade

gozada por fazendeiros e jagunços, pois nenhum fora preso por crimes praticados e no­

toriamente conhecidos contra trabalhadores. O jornal revelara o início do fluxo de ja­

gunços para o Acre, trazidos pelo fazendeiro Benedito Tavares do Couto, e ainda dá

nomes da corja: Sidney, Gaúcho, Clementino, Edson, Mato Grosso, Carlos Sérgio, An­

dirá, Paraguaio e outros. A reação armada dos seringueiros, o apoio da Igreja, os sindi­

catos, a imprensa independente deixaram a canalha intimidada, só saindo da toca para

missões especiais. Segundo o jornal, o assassinato do líder sindical Wilson Pinheiro fora

uma dessas missões, que mais uma vez fora coberta pelo manto da impunidade.

Ainda nessa edição (p. 13), o jornal publicou um artigo sobre o assassinato do

líder sindical Wilson Pinheiro. O texto pedira a apuração do crime, pois passado oito

meses, nada se tinha a respeito do executante e dos mandantes do trágico acontecimen­

to. Wilson fora um dos mais importantes líderes do movimento sindical no Acre. O ser­

viço feito fora de um profissional do crime. Os trabalhadores não tinham dúvida a res­

peito de um dos mandantes do crime; um grupo de posseiros justiciou o gerente da fa­

zenda Nova Promissão, Nilo Sérgio de Oliveira. Para os trabalhadores, o Secretário de

Segurança Pública, Ciro Facundo adotou medidas imediatas e drásticas, rastreando, tor­

turando e pondo todos na cadeia. O jornal concluíra: “Aos trabalhadores do Acre, ficou

mais uma vez a triste lição, de que as autoridades e principalmente a polícia são o braço

armado dos patrões, e a pergunta: quem matou Wilson Pinheiro?”

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O jornal (p. 14), ainda noticiou o enquadramento na Lei de Segurança Nacional,

e o julgamento pela Auditoria Militar do Amazonas dos líderes: Luiz Inácio Lula da

Silva, presidente nacional do PT; José Francisco da Silva, presidente da CONTAG; Ja­

cob Bittar, presidente do sindicato dos petroleiros de Campinas; João Maia, delegado da

CONTAG no Acre e Francisco Mendes (Chico Mendes) presidente da Comissão Re­

gional do PT, acusados de incitação a violência, por participarem do ato público de so­

lidariedade e protesto contra o assassinato de Wilson Pinheiro. O jornal de modo indig­

nado concluíra: “Mais uma vez, portanto, ficou claro que a tal Lei de Segurança Nacio­

nal só é usada contra os trabalhadores e seus dirigentes ou contra outras pessoas que o

regime militar, o governo considera seus inimigos”. Varadouro n.º 21, ano IV, maio de 1981 (p. 7), publicou matéria com o título:

“Posseiros: o diálogo ou a força”. O jornal procurara ouvir lideranças sindicais a respei­

to do início do ciclo de derrubadas, e a conseqüente expulsão de seringueiros de suas

posses pelos fazendeiros. As lideranças ouvidas deram ênfase ao diálogo entre patrões e

posseiros, mas demonstraram a disposição do sindicato em apoiar as iniciativas dos tra­

balhadores, pois esses não estavam dispostos a abrir mão dos seus direitos: o conflito

armado entrara na pauta. O jornal ainda denunciou de que lado estava o governo do es­

tado, pois mandara prender 21 seringueiros que haviam feito um empate contra o grupo Bordon, no seringal Nazaré. O jornal concluíra: “... apesar de todos os atos repressivos,

o que se observa é a disposição cada vez maior dos seringueiros em prosseguir em sua

luta através de suas próprias organizações, o que certamente frustrará os planos da dita­

dura e seus aliados. Varadouro n.º 22, ano IV, junho/julho de 1981 (p. 9), fizera a cobertura da reu­

nião do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. Na assembléia, os seringueiros

denunciaram a perseguição dos patrões aos delegados sindicais, esse fato porém não

havia evitado o crescimento do número de sindicalizados. A luta dos seringueiros de

Xapuri contra a opressão assumiram formas mais diversas, indo desde a reação contra

os preços das mercadorias e da borracha, o roubo no peso e as manipulações nas contas

para evitar o endividamento; até ao empate, impedindo o desmate e suas conseqüências: a destruição das árvores seringueiras e da castanha. Os seringueiros na reunião pediram

e obtiveram a renúncia do presidente do sindicato, pois esse havia feito acordos permi­

tindo desmatamentos. Tomaram a decisão coletiva de continuar com os empates, e para isso precisavam de uma diretoria que pudesse apoiar de modo efetivo o movimento. O

texto do Varadouro assumira um certo doutrinarismo, pois tomava o exemplo de Xapuri

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como receita para os outros trabalhadores do Acre: “... mostra que o Sindicato deve ser

porta­voz das decisões da maioria dos trabalhadores para poder efetivamente representá­

los. E nos lugares onde isso não está ocorrendo, é hora de fazer novas Assembléias e

buscar soluções que nasçam do debate democrático dos trabalhadores”. Varadouro n.º 23, ano IV, agosto/setembro de 1981 (p. 4), publicou reportagem

sobre os seringueiros de Plácido de Castro. O jornal dava seguimento ao trabalho de

cobertura das reuniões e assembléias de trabalhadores. Dessa feita ouvira seringueiros e

colonos que fizeram suas reclamações, apontaram as perspectivas de luta e suas mais

prementes reivindicações. A matéria insistiu muito na questão eleitoral; o fortalecimen­

to do sindicato fora um dos temas. Mais uma vez, o jornal encerra a matéria esboçando

uma posição doutrinal e paternalista: “Varadouro está ao lado dos trabalhadores nessa

briga. (...) Continuaremos ouvindo o pessoal do interior do estado e procurando trazer

para o jornal, seus problemas de todos os dias. A maior satisfação prá nós, é ver o pes­

soal se reconhecer nas matérias que escrevemos, e buscar o jornal prá contar novos fa­

tos”.

Ainda, nessa edição (pp. 10­11), o jornal publicou uma reportagem sobre traba­

lhadores rurais do Paraná, deslocados para a Amazônia devido a construção da barra­

gem de Itaipu. Os trabalhadores vieram para o Acre prá serem assentados no Projeto de

Assentamento Dirigido (PAD) Pedro Peixoto, administrado pelo INCRA. O jornal ouvi­

ra vários trabalhadores, registrando todo seu drama: “igual ao de milhões de brasileiros

que passam suas vidas vagando por este país a fora, em busca de um chão para viver”.

Varadouro pode ser considerado o jornal da terra para os sem­terra: índios, pos­ seiros, seringueiros e colonos; todos os deserdados no Acre de tantas terras. O apoio aos

movimentos de luta pela terra fora sempre o eixo de sua conduta editorial. As notícias,

entrevistas, reportagens artigos e notas sobre o assunto aterraram suas páginas: o jornal

cheirava e tinha o gosto de terra. Nessa linha, muitas de suas entrevistas e depoimentos

com autoridades, intelectuais e pesquisadores que discutiam a ocupação do espaço ama­

zônico ficaram como referência fundamental de estudo para a história do Acre na déca­

da de 70: Manuel Correia de Andrade, Warwick Keer, Artur César Ferreira Reis, Alfre­

do Wagner, Dom Moacyr Grechi, Lúcio Flavio Pinto, Horácio Martins de Carvalho,

Amilcar Japiassu, Chico Mendes, Mario Lima, Paulino Baldassari e outros.

5.3.6 Varadouro e a questão ambiental

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Para o Varadouro, a questão ambiental sempre esteve intimamente relacionada a luta pela terra no Acre. Ao definir sua linha editorial pela defesa do índio, do posseiro e

do seringueiro, o jornal assumira a luta pela reforma agrária para esses personagens, ou

seja: para o índio – a demarcação de suas reservas, garantindo­lhe o espaço adequado

onde pudesse assegurar sua sobrevivência, de conformidade com os valores culturais de

cada nação; para o seringueiro – uma área que regularizasse sua posse, mantendo a flo­

resta com suas estradas de seringa e árvores castanheiras, garantindo sua existência de

pequeno agricultor e sobretudo de extrator; para o posseiro ou colono – lotes de terra de

acordo com o módulo definido para Amazônia, além dos projetos de assentamentos

dirigidos de iniciativa do INCRA e do governo estadual. A grande propriedade deveria

sofrer restrições, adequando o tamanho dos projetos agropastoris às condições ambien­

tais. A defesa da floresta Amazônica e dos seus recursos naturais, sempre fora colocada

de modo claro e indiscutível pelos que faziam o jornal, apesar de que ainda não tivesse

muita ou quase nenhuma clareza quanta a alternativa de desenvolvimento para região,

que viesse compatibilizar crescimento econômico, melhoria da qualidade de vida e pre­

servação do meio ambiente. Varadouro motivara, em suas páginas, a discussão sobre a necessidade de se

formular esse modelo de desenvolvimento para o Acre. Várias entrevistas foram feitas

com economistas, sociólogos, historiadores e outros técnicos sobre o assunto. Do con­

junto de técnicos entrevistados do diretor do INPA (Instituto de Pesquisas da Amazô­

nia) Dr. Warwick Keer; do economista Mário Lima; do pesquisador Amilcar Japiassu e

de uma mesa redonda com técnicos de formação diversa reproduzida nas páginas do

jornal. Varadouro abrira suas páginas para essa discussão, contudo, a redação só estava

disposta a aceitar e difundir uma alternativa que viesse a contemplar os seus atores pre­

ferenciais: o índio, o posseiro, o seringueiro, inseridos numa realidade de convívio har­

monioso com o meio ambiente. Varadouro n.º 1, ano I, maio de 1977 (p. 5), já publicara matéria discutindo o

assunto e assumindo posição. O jornal chamara a atenção para o fato de que o problema

da devastação não fora um assunto ainda posto em discussão pelos acreanos, mas já era

hora de se preocupar com alguns dados apontados pelo cientista Warwick Keer: 1974, o

desmatamento fora inferior a 1%; 1975, 1,8 por cento da área de cobertura floresta, qua­

se o dobro; 1976, 3,5 por cento. Se esse rítmo fosse mantido, em 33 anos todas as reser­

vas florestais do Acre estariam destruídas. O jornal observou que as densas nuvens de

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fumaça que vinham cobrindo o Acre, nos meses de julho e agosto, indicavam algo nada

auspicioso. O jornal, até aquele momento, não tinha um bom olhar sobre a questão eco­

lógica, por considerar um certo diletantismo ou modismo no trato do assunto, mas a

conferência do diretor do INPA, Warwick Keer, fora convincente, principalmente quan­

do dissera: “Não devemos permitir que gaúchos, paulistas e outros venham acabar com

as florestas da Amazônia. Eles chegam aqui, criam o boi, mandam a carne para Alema­

nha e outros países; o dinheiro fica por lá e o homem da Amazônia fica apenas com o

“berro do boi”. Varadouro fizera sua leitura e concluíra que: “Em outras palavras o cientista

condena aqueles que preconizam e defendem uma política de ocupação da Amazônia

baseada apenas em projetos agropecuários, na bovinização, e em vista das exportações,

sem levar em conta o desenvolvimento harmônico e em proveito da população local”.

As medidas apontadas pelo cientista foram reproduzidas no jornal, que agregara: “Todas

essas medidas, entretanto, serão inócuas se não houver uma reformulação na política de

ocupação da Amazônia. Do contrário, o homem da Amazônia, incluindo o acreano, fica­

rá mesmo apenas com o “berro do boi”. Essa primeira matéria marcara a adesão da e­

quipe do jornal a questão ecológica, que passara então a ser abordada como uma pro­

blemática indissociável da questão da terra no Acre. Varadouro n.º 3, ano I, agosto de 1977 (p. 19), publicara nota, na qual pinçara

idéias expressas pelo cientista Warwick Keer, que, com certeza, foram incorporadas

pela equipe de redação: a questão do desmatamento e suas implicações na erosão dos

solos amazônicos; a ocupação por fazendas com limites de 300 hectares, por não se co­

nhecer ainda o impacto ambiental e evitar com isso as grandes destruições. Varadouro n.º 4, ano I, setembro de 1977, duas matérias chamaram a atenção: a

entrevista com o economista Mário Lima, e a resenha que fora feita pelo jornal da con­

ferência do historiador Arthur César Ferreira Reis. Na entrevista (pp. 3­4), Mário Lima

defendera um modelo de desenvolvimento que preservasse e promovesse o adensamen­

to da atividade extrativista da borracha, introduzisse o seringal de cultivo e a diversifi­

cação da produção agrícola. A reforma agrária fora colocada como indispensável. O

jornal pinçou uma posição do entrevistado com relação a pecuária: “a pecuária não é a

solução para economia da região; ecologicamente uma desgraça e socialmente um cri­

me”.

Da conversa com Ferreira Reis (p. 14), o jornal selecionara uma declaração con­

tra a ocupação da Amazônia pela pecuária: “A pecuária é uma forma de ocupação. Mas

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deve ser localizada em regiões onde já existem os chamados campos naturais. Destruir a

natureza só para botar gado, isso eu acho errado. Há espaços imensos que não são flo­

restas; (...) Esses espaços é que devem ser ocupados pela pecuária e não onde há flores­

tas, como está acontecendo indiscriminadamente em quase toda a Amazônia”. Varadouro n.º 6, ano I, dezembro 77 (pp. 11­14), reservara quatro páginas dessa

edição para o tema ambiental. Nesse espaço o jornal publicou entrevista com o cientista

Warwick Keer e um artigo de Clodovis Boff, no qual relata suas observações sobre o

seringueiro e o seu cotidiano na floresta. Na entrevista, o Dr. Keer fora bastante didáti­

co, explicando de modo simples os fundamentos da ecologia. Sugeriu que fosse feito

levantamento sobre o saber popular e o aproveitamento do conhecimento do índio sobre

a floresta: fauna e flora. O desenvolvimento autosustentável, tendo como base o poten­

cial de recursos naturais existentes na região, fora a tese defendida. O relato de Boff

procurara flagrar o seringueiro no seu dia a dia, e revelar a rede de exploração que o

cercara por toda sua história de vida, concluindo que: “O seringueiro não precisa de

ajuda, mas de justiça e principalmente de libertação”, pois ele “só é ignorante da cultura

do outro, do letrado, do homem da cidade, ele sabe mais do que ninguém o que é impor­

tante saber para se virar dentro do seu universo, do seu mundo vital”.

Varadouro n.º 14, ano II, março de 1979 (pp. 5­6), publicou matéria com o títu­ lo: Depois da borracha, do boi ... Agora, a madeira (em risco). O jornal noticiou sobre a

proposta formulada pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), para

que se faça contratos de risco para exploração do potencial madereiro da Amazônia.

Para o Acre ficara reservada na proposta uma área de 6 milhões e 292 mil hectares. O

jornal analisou e expôs os danos ecológicos e sociais que o desmatamento a ser motiva­

do pela exploração madereira acarretava à região. Juntando isso, aos danos já causados

pela pecuária nada sobrava para os acreanos mais pobres: índios, posseiros e seringuei­

ros. Varadouro publicou em fundo preto palavras de denúncia contra a iniciativa do go­

verno: Contratos de risco. Uma imoralidade! Sou contra! Plano sinistro ...”, e colhera

vários depoimentos de operários, estudantes, intelectuais, presidente da OAB Acre, e do

bispo Dom Moacyr Grechi. Do depoimento do bispo cabe destacar alguns trechos:

“Quem vive e trabalha na Amazônia acaba aprendendo, no decorrer dos anos, que é

impossível defender o homem sem defender a preservação de seu meio ambiente: suas

florestas, seus rios, suas riquezas minerais. A terra e o que ela contém são tudo para o

homem da Amazônia, é sua própria vida, particularmente para o índio, o seringueiro,

para o posseiro, para o pequeno agricultor. (...) Mais recentemente o plano foi de trans­

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formar o Acre e outros estados da Amazônia numa grande fazenda, com sérias conse­

qüências para o homem da região (...). Agora, por último surge o sinistro plano de con­

tratos de risco (...). Se for concretizado é o “golpe mortal” a milhares de índios e serin­

gueiros ... “Os cientistas (ecólogos, agrônomos, economistas) e representantes de várias

entidades nacionais comprometidas com as causas populares, levantaram suas vozes

para protestar e denunciar mais esta farsa”. Os outros depoimentos seguem o mesmo

diapasão. No Acre, a denúncia repercutira amplamente, passando a ser discutida por

sindicatos, CEBs, escola, universidade etc. Varadouro n.º 15, ano II, junho de 1979 (pp. 17­18), publicara artigo: “Cuidado,

acreanos!” O jornal analisara os mapas do projeto RADAM e localizara para os leitores

a chamada área 1, passível de contrato de risco. Nessa área havia concentração de ma­

deiras de lei como: cedro, peroba, agoano etc., afetando sete grupos indígenas com re­

servas delimitadas na área: Caxinauá, Culina, Campa, Catuquina, Jaminauá e Machine­

ri, e os seus projetos de desenvolvimento comunitários. E também alguns milhares de

seringueiros, castanheiros e posseiros que resistiram as investidas de grileiros e fazen­

deiros e se tornaram produtores autônomos de borracha, castanha e lavoura. Nos 6 mi­

lhões e 292 mil hectares da área 1 localizavam­se várias cabeceiras de rios importantes

para o regime de águas do Acre: Vales do Iaco, Macauã, Alto Purus, Envira e Acre. A

catástrofe ecológica advinda do desmatamento dessa área era mais do que evidente, só

não sendo percebida pela SUDAM e seus ideólogos: Clara Pandolfo e F. Schimthusen.

O jornal publicou um documento do Movimento de Defesa do Meio Ambiente

do Acre, com o título: “Carta aberta em defesa do Acre e da Amazônia”. O documento

fora redigido após 40 dias de debates, conferências, palestras, mesas­redondas e até a­

presentações teatrais em escolas, centros comunitários, universidade etc., e que mobili­

zara alguns milhares de pessoas para o problema, que era de crucial importância para a

população acreana. A carta discorrera sobre a crueldade contra natureza e as populações

da floresta, causada pela recente pecuarização do Acre. Diz o documento: “Aliás a levi­

andade dos especuladores e sobretudo um princípio de resistência das classes trabalha­

doras, organizadas em seus sindicatos, decretaram o fracasso do modelo agropecuário”.

Agora era um novo milagre: “Novamente os porta­vozes do governo e dos trustes inter­

nacionais se esforçam em apontar as “benesses” do novo projeto. Entretanto, quanto

mais explicam, mais se complicam com a opinião pública”. Varadouro n.º 16, ano II, outubro de 1979 (p. 11), publicou artigo bastante espe­

cializado, analisando o material produzido pelo grupo de trabalho encarregado de traçar

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as linhas mestras para uma política florestal. O artigo incorporara ao seu texto as discus­

sões sobre o assunto ocorridas na reunião anual da SBPC. Para o Acre, permanecera a

proposta de uma área de floresta nacional de rendimento, entre os municípios de Feijó e

Cruzeiro do Sul. O artigo adverte que a ação dos madereiros não ficara definido como

restrita as tais áreas de floresta, podendo atuar em outras sem os incentivos fiscais. Con­

cluíra o jornal: “O certo é que agora, depois do boi, será a vez das motosserras”. Varadouro n.º 19, ano II, maio de 1980 (pp. 22­27), publicara documento do

Movimento de Defesa do Meio Ambiente do Acre, analisando o chamado pacote flores­

tal. O movimento criticava e denunciava as várias alterações perpetradas contra o relató­

rio apresentado pelos grupos de trabalho, quase que desfigurando o documento inicial.

O projeto a ser enviado ao Congresso Nacional fora uma versão dos Ministérios da A­

gricultura e Interior. Para o Acre, a área considerada Floresta Nacional fora reduzida

para 2 milhões e 190 mil hectares, mesmo assim cobrindo um espaço onde residiam

milhares de índios, seringueiros e posseiros. O pacote florestal supostamente assegurava

a continuidade das atividades dos residentes ou a indenização com a prova de legítima

propriedade. Concluíra o documento: “Como se vê, o Pacote Florestal do Governo é

duvidoso, a não ser quanto a sua intenção de aprofundar e legitimar a depredação dos

recursos naturais e a exploração dos trabalhadores da região, em benefício exclusivo do

capital estrangeiro e dos grupos a ele associados. Ainda nessa edição, fora noticiada a

realização de Missa Ecológica celebrada pelo bispo Dom Moacyr Grechi, que marcara a

abertura da Campanha Nacional em Defesa da Amazônia. O Movimento de Defesa do

Meio Ambiente do Acre distribuíra um documento denunciando as novas políticas do

governo militar para a Amazônia, afetando em particular o Acre. Varadouro n.º 22, ano IV, junho/julho de 1981 (pp. 5­6), publicou matéria cha­

mando a atenção para o consumo exagerado de enlatados no Acre. A preocupação cen­

tral do repórter fora com a divulgação do movimento naturalista, uma das variantes do

movimento ecológico. No entanto, uma denúncia fora feita: o uso indiscriminado do

herbicida tordon, produto derivado do malsinado “agente laranja”. Esse produto vinha

sendo largamente utilizado para matar ervas daninhas nos campos para pasto. As conse­

qüências do uso desse veneno foram verificadas anos depois no próprio rebanho bovino.

A introdução do naturalismo dentro da linha editorial do jornal de defesa do meio ambi­

ente, provavelmente, fora conseqüência da mudança na equipe de redação, pois novos

colaboradores foram nela integrados.

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5.3.7 Varadouro e os movimentos sociais urbanos

A segunda metade dos anos 70 fora o marco inicial de uma forte movimentação

dos setores populares para se organizarem. As CEBs se multiplicaram. O movimento

sindical nas áreas rurais em pouco tempo cobrira todo estado. Até o início do ano de

1977, o boletim diocesano Nós Irmãos e o programa radiofônico Somos Todos Irmãos foram, com certeza, os únicos meios de comunicação que contavam os movimentos

sociais, para fazer chegar a sociedade suas lutas e reivindicações. O Varadouro viera

suprir essa carência de espaço dos movimentos populares, que passaram a ter no jornal

o apoio necessário para divulgação de suas lutas.

O movimento estudantil demorara a se reorganizar. O controle na Universidade

era rigoroso: o dedurismo grassava. O reitor agia com mão de ferro, ameaçando de ex­

pulsão a todo e qualquer aluno que ousasse esboçar um simples gesto de oposição ao

seu poder de mando. Um mar de tranqüilidade, pelo menos aparentemente nenhuma

ressaca a vista. Enquanto isso, em volta a sociedade passava por profundas transforma­

ções e os conflitos sociais se avolumavam.

No ano de 1977, para a disputa da presidência do DCE (Diretório Central dos

Estudantes) aparecera uma chapa concorrendo com a chapa ungida pelo reitor. Um fato

novo estava acontecendo, e Varadouro fora conferir. Varadouro n.º 5, ano I, novembro de 1977 (pp. 3­5), publicou entrevista com os

componentes da chapa Seringueira, que havia vencido as eleições para o DCE. O jornal

saudara o fato, pois significava o fim do imobilismo que dominava o órgão de represen­

tação estudantil, e que, de agora por diante, era possível romper a clausura e recuperar o

direito do estudante de participar dos destinos de sua terra. A entrevista fora bas­tante

movimentada, a “Seringueira” demonstrara ser efetivamente representativa de um mo­

vimento de renovação estudantil. O jornal ainda publicara um longo artigo, no qual pro­

curou colocar algumas questões relacionadas ao papel da Universidade, numa realidade

acreana pobre e conflitada. Varadouro em várias de suas edições criticara o autoritarismo do reitor da Uni­

versidade Federal do Acre. O nepotismo da administração fora muitas vezes denuncia­

do. Os secretas e informantes do reitor tiveram inclusive os seus nomes declinados. Os

professores, funcionários e alunos perseguidos, sempre encontraram espaço no jornal.

No ano de 1979, fora criada a ADUFAC (Associação de Docentes). O reitor logo nos

primeiros meses de existência da associação demitira o seu presidente, querendo com

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isso disseminar o medo entre os docentes. Varadouro entrevistara o presidente demitido,

e publicara reportagem pondo a nú os atos arbitrários do pequeno ditador. Varadouro,

nunca deixara de acompanhar os movimentos dentro da Universidade, publicando notí­

cias, entrevistando lideranças e veiculando denúncias. Varadouro n.º 21, ano IV, maio de 1981 (pp. 16­17), publicou matéria com o

título: “Greve na Universidade abala o autoritarismo”. O jornal fez uma excelente re­

trospectiva da trajetória do movimento estudantil universitário no Acre, desde 1977. O

marco inicial fora a eleição da chapa seringueira para o DCE; e daí por diante, fatos

importantes foram sendo enumerados até o momento da deflagração da greve. O movi­

mento grevista listara uma pauta de reivindicações, mas o principal motivo fora a de­

missão sumária do professor Rômulo Garcia, presidente da associação de docentes. Um

outro professor havia sido demitido por motivos ainda pouco claros. O movimento se

alastrara por todos os cursos, e ganhara às ruas com o objetivo de conquistar o apoio da

sociedade. Varadouro anunciara o surgimento de uma nova força, e comentara: “Os estudantes entraram definitivamente na cena política do Acre. Entraram “por baixo”,

isto é, colados ao movimento popular. A UFAC é o sustentáculo e alimento da política,

do empreguismo e do oportunismo da classe dominante. O movimento dos estudantes

traz a luz do dia as forças comprometidas com esse esquema (...) e balança as estruturas

desse poder. É um dado inevitável, todos têm que contar com ele hoje, no Acre, pode­se

temer o movimento estudantil. Pode­se respeitá­lo. Pode­se combatê­lo. Pode­se ajudá­

lo. Mas não se pode mais ignorá­lo”.

Varadouro n.º 2, ano I, julho de 1977 (pp. 13­14), publicou matéria com o título: “Estivadores, um suor que não rende”. O jornal fizera reportagem denunciando as pre­

cárias condições de vida dessa categoria de trabalhadores no Acre. Muitos estivadores

foram entrevistados, e narraram as agruras que passavam. O jornal denunciou o descaso

da diretoria da Associação dos Estivadores. Sobre ela inclusive havia sérias desconfian­

ças de malversação de recursos dos associados. Passado pouco mais de um ano (ago. 78,

ano II, p. 4), Varadouro voltara a publicar matéria com o título: “O suor dos estivadores começa a render”. A reportagem relatara fatos relacionados com a eleição da nova dire­

toria da Associação dos Estivadores, tendo por presidente Luiz Pinto. Este, se dispusera

a mudar o modo de atuação do órgão da classe. O jornal publicou a denúncia do conjun­

to de irregularidades e até desvios de dinheiro praticados pela diretoria passada, pois,

segundo o presidente recém­empossado, todos os atos apurados serão encaminhados a

justiça.

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Varadouro n.º 11, ano II, agosto de 1978 (pp. 6­7), publicara reportagem sobre as lavadeiras de Rio Branco, e sobre o movimento iniciado para mobilizar essas traba­

lhadoras para fundação do seu sindicato. O jornal colhera informações de que muitas

dessas mulheres tinham jornadas de trabalho de quase 20 horas por dia, assumindo 14

lavagens, quando o normal seriam 5 ou até 6 lavagens. O repórter levantou dados sobre

doenças profissionais dessa categoria de trabalhador, as míseras remunerações pagas

pelo seu trabalho, a ausência de qualquer proteção social e benefício previdenciário. O

jornal entrevistou a liderança do movimento em prol da criação do sindicato. A líder

Guilhermina Barroso vinha já há tempo discutindo o assunto com suas companheiras,

durante os seus encontros nas reuniões das CEBs. Na última reunião do grupo, no Cen­

tro Comunitário do bairro Abraão Alab, a idéia prosperara e muitas delas aderiram ao

movimento. Varadouro n.º 14, ano II, de março de 1979 (p. 26), publicou notícia com o títu­

lo: “O movimento das lavadeiras”. O texto informava de uma assembléia, realizada na

Catedral de Rio Branco, com a participação de mais de 500 lavadeiras. O jornal dissera:

“Foi sobretudo uma demonstração convincente de como as classes populares podem se

organizar e reivindicar seus direitos e fazer valer sua força”. O principal resultado fora a

aprovação de uma tabela para cobrança pela prestação dos seus serviços. O jornal ainda

informou das iniciativas para ultimar a fundação da Associação das Lavadeiras, e de que

Igreja vinha dando o seu apoio. A Associação das Lavadeiras fora realmente fundada, e

se tornara bastante representativa, vindo dela participar centenas de mulheres que mora­

vam nos bairros pobres de Rio Branco, cujo sustento dependia da lavagem e engoma­

gem de roupa. Varadouro n.º 17, ano II, dezembro de 1979 (p. 2), publicou matéria sobre a

greve dos professores do ensino de primeiro e segundo graus. A decisão havia sido to­

mada por uma assembléia geral realizada no colégio CESEME. O jornal publicou na

íntegra o manifesto da categoria em greve. Nessa mesma edição (p.2), outra notícia in­

formara da realização de um ato público na Catedral de Rio Branco, para comemorar o

31º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dele participando cerca

de 700 pessoas. No ato se fizeram representar os Sindicatos de Trabalhadores Rurais,

Associação das Lavadeiras, Movimentos de Compras Comunitários, Frente Popular,

Associação de Moradores, Associação de Professores. Vários depoimentos de partici­

pantes, relatando suas experiências de luta pela conquista dos direitos de suas categorias

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foram ouvidos. Como resultado do encontro fora constituído oficialmente o Centro de

Defesa dos Direitos Humanos do Acre.

Vários outros encontros e manifestações dos movimentos sociais do Acre foram

noticiados pelo Varadouro, com destaque para os atos do 1º de maio, em comemoração o dia internacional do trabalho. O ato sempre merecera cobertura exaustiva, inclusive

com entrevistas de trabalhadores e lideranças que narravam suas experiências. Alguns

das matérias recorreram ao material de pesquisa, publicando relatos de fundamental

importância para reconstituição da história dos movimentos sociais no Acre, em particu­

lar do movimento sindical.

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Conclusões

Desse estudo se depreende essencialmente, que os meios alternativos de comu­

nicação no Acre: o boletim diocesano Nós Irmãos e o jornal Varadouro, cumpriram importante papel no que diz respeito a veiculação em suas páginas, sob forma de notas,

notícias, reportagens, artigos, entrevistas etc., das lutas, ações e reivindicações dos mo­

vimentos sociais da região; possibilitando com isso, que esses movimentos pudessem se

intercomunicar e, no fundamental, conquistar o apoio e a solidariedade da sociedade:

local e nacional, para as causas que defendiam.

A situação dos trabalhadores seringueiros, colonos e posseiros do Acre, durante

toda a metade da década de 70 fora bastante crítica. Mas, ainda pior fora a situação das

treze nações indígenas que habitavam as florestas acreanas, pois essas sequer eram re­

conhecidas como populações índias, portanto não merecedoras da proteção e tutela da

FUNAI.

A nova frente de expansão agropecuária dirigiu­se num marcha vertiginosa para

a reconquista do deserto ocidental. Para isso, contavam com o apoio da ditadura militar

e do seu sátrapa regional: governador Wanderley Dantas, o popular Dantinha. E o que

era mais fundamental: dinheiro farto, do crédito subsidiado das agências oficiais, e in­

centivos fiscais; além de muita terra, boa e barata, para latifundizar ainda mais o territó­

rio acreano.

Estavam então postos os rastilhos para que os “paulistas”, as novas bestas do

Apocalipe, derrubassem e incendiassem a floresta, pondo prá fora a ferro fogo os seus

habitantes: seringueiros, índios, posseiros e colonos.

Os “jacús” tiveram “céu de brigadeiro” para suas revoadas até fins do ano de

1974. Para relativa tranqüilidade do seu vôo, os fazendeiros contavam com juizes, ad­

vogados, órgãos federais e estaduais, polícia e, sobretudo, com pistoleiros e jagunços,

muitos deles travestidos de capatazes. A marcha para o extremo oeste parecia arrazado­

ra, diante do capitalismo selvagem nada era sólido, tudo se desmanchava no ar: Em vez

de densas e exuberantes florestas destinava­se um mar silencioso de pastagens, cuja

calmaria seria quebrada pela pata da rês e pelo aboio do vaqueiro.

A partir de 1974, a Igreja do Acre e Purus já tomara posição diante da tragédia.

O Catecismo Terra fora o primeiro documento a circular com sua chancela. Seus agen­

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tes pastorais começaram a ser postos em campo. As CEBs se espalharam nas cidades e

florestas, levando as mensagens de apoio à resistência dos deserdados; a opção prefe­

rencial pelos pobres, referente de uma teologia libertária, dera novos rumos para a ação

pastoral. O bispo Dom Moacyr Grechi assumira, como apostolado, a defesa dos serin­

gueiros, índios e posseiros, que foram eleitos, dentre o povo de Deus, para gozar de

maior guarda e proteção da Igreja.

A ação da Igreja fora denunciada pelas classes dominantes do Acre, e, através

dos seus documentos, tornara­se possível avaliar melhor o desempenho da Igreja no

cumprimento de sua missão apostolar libertária. Vejamos: ­ A Rádio Novo Andirá serve

– inocentes úteis – à causa, oferecendo seus microfones para transmissão de “missas”

que nada tem de ato religioso, mas ocasião para difusão do vírus da revolta e da luta

entre as classes. – Folhetos, panfletos mimeografados invadem, principalmente, a zona

rural, onde mais intensa é a propaganda orientada para “ocupação, invasão e tomada de

propriedade”, bem como a sistemática listagem dos “direitos” dos trabalhadores rurais.

– Os “Agentes Pastorais” se espalham por toda área rural, de colônia em colônia, de

fazenda em fazenda, insuflando os arrendatários, parceiros e simples ocupantes a se

apossarem das terras que ocupam e nem sempre as trabalham. Adiante, seguindo o tex­

to, na mesma cantilena caturra e reacionária (1).

Ao se referir aos panfletos mimeografados, a catilinária dos “paulistas” visara

atingir o boletim diocesano Nós Irmãos, que circulava em todas as paróquias, CEBs e Centros Comunitários. Esse boletim fora criado pela Igreja no ano de 1971, e até os dias

de hoje, continua sendo editado pela Diocese do Acre, com novo formato e impresso em

off­set. Nós Irmãos fora criado para divulgar o trabalho pastoral da então Prelazia do

Acre e Purus, em toda sua área de jurisdição eclesial. À medida que a Igreja fora se en­

volvendo nas questões sociais, o boletim também fora paulatinamente assumindo uma

posição engajada, tornando­se efetivamente num meio alternativo de comunicação para

os excluídos. Nós Irmãos viera se referindo à questão da terra desde o ano de 1973. Em de­

zembro, já circulara com o encarte: Catecismo da Terra, sem que houvesse, até ai, uma

melhor definição oficial da Igreja, através da fala do seu apóstolo e condutor: o bispo.

A partir do I Encontro do Vicariato do Acre, da Ordem dos Servos de Maria,

com a publicação do documento da Igreja do Acre e Purus orientando sobre os proble­

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mas da terra; o boletim Nós Irmãos abrira daí então suas páginas, para questão social, e o apoio aos movimentos sociais passara a ser prioridade na sua linha editorial.

Nos dez anos de vida de suas edições, analisados por esse estudo, através das

evidências arroladas ficou mais que comprovado o papel fundamental que Nós Irmãos desenvolveu para servir de veículo para os excluídos, que nas suas páginas puderam

expressar os seus desejos, anseios, dúvidas, medo, sofrimento, protesto, revolta, sede de

justiça e, sobretudo, as lutas de resistência que travavam contra inimigos poderosos.

Não se constitui em exagero a afirmativa de que mais da metade do material veiculado

em Nós Irmãos esteve comprometido em divulgar os conflitos de terra, denunciar a vio­

lência dos fazendeiros, em defender índios, posseiros e seringueiros, em informar e ori­

entar trabalhadores quanto aos seus direitos. Nada mais conclusivo do que reiterar as

palavras de Mourão: “Revendo os arquivos do boletim Nós Irmãos pode­se observar que os principais temas da conjuntura nacional e local foram noticiados; há um relativo

balanceamento entre os temas sociais e os temas próprios das CEBs e da problemática

religiosa. Seu conteúdo básico procura criar uma consciência crítica e transformadora da

sociedade; os temas religiosos são tratados numa linha libertadora” (2). Varadouro, o outro alternativo, passara a existir em 1977. Por iniciativa da Igre­

ja e de jornalistas independentes e de esquerda. O projeto e sua linha editorial não tivera

meios termos: apoio os movimentos sociais; índios, seringueiros e posseiros mereceram

tratamento preferencial, sem qualquer exclusão de outros. As classes dominantes rece­

beram o tratamento merecido, especialmente os proprietários de terras; desses, os de

fora, com maior rigor, pois eram os mais poderosos, perigosos e sanguinários.

O durante o curso desse trabalho foi possível demonstrar a enorme dificuldade

encontrada para produzir um jornal com o perfil do Varadouro no Acre, consederando as limitações dos recursos técnicos locais disponíveis, profissionais de imprensa, recur­

sos financeiros, distribuição e outros. Os Quixotes do Varadouro conseguiram superar

os obstáculos, colocaram o alternativo nas ruas, e sem fazer concessões na sua linha

editorial, conquistaram o público de leitores. As tiragens variaram de cinco a sete mil

exemplares, vendidos em bancas e de mão em mão, contando com leitores cativos nas

CEBs e nos sindicatos. Conseguiram também o feito de serem lidos por um público

eclético, formado por trabalhadores índios, estudantes, intelectuais, comerciantes, donas

de casa, e até setores da classe dominante. Os que não sabiam ler, puderam se aperceber

de sua mensagem, através da leitura em voz alta dos letrados.

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Varadouro saíra também das fronteiras do estado. O jornal das selvas circulara em São Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte, Recife, Porto Velho, Belém, até de modo

regular. Fizera parte inclusive do pacote dos alternativos brasileiros.

O índio, com certeza, merecera do jornal um tratamento especial; cerca de meia

centena de páginas de suas edições fora dedicada ao movimento indígena. Outras tantas:

a luta pela terra dos seringueiros e posseiros, e a defesa do meio ambiente. Largamente

todos os movimentos populares foram contemplados, sem faltar, contudo, espaço para a

cultura, a política, a história dos bairros, o noticiário local e nacional, a oposição a dita­

dura etc. Suas entrevistas, merecem um estudo à parte. Cabe realçar, no entanto, que no

jornal só havia espaço para assunto, tema e voz que, de certo modo, se afinassem com

os excluídos.

O jornal fizera escola no Acre. Fora difusor, de novas técnicas do jornalismo, e

até renovador na forma da narrativa, e revolucionário no conteúdo. A disposição gráfica

do jornal, sua diagramação, provocara mudanças sensíveis nos seus concorrentes locais.

Numa carta dirigida a redação, o cartunista Henfil, um dos responsáveis pelo Pasquim, chamara a atenção para essa originalidade do Varadouro: “Povo do Varadou­ ro! Recebi finalmente os 3 jornais. Só achei uma coisa que muito me emocionou: não

tem cheiro de Rio de Janeiro nem de São Paulo. Tem cheiro do Acre! A paginação, a

leitura, tudo tem cara do Acre! Como é que vocês conseguiram? Um apelo: aprofundem

mais isto. Quero receber o número 4 impresso em folha de seringueira. Não façam um

jornal para Rio e São Paulo! Viva o Acre!

Varadouro fora anunciado como periódico quinzenal; não conseguira contudo ser um mensário. Durante o ano de 1977, apenas seis edições saíram do jornal. Às difi­

culdades técnicas de produção, sobretudo de composição e impressão, somavam­se às

carências de pessoal. Por uma questão de sobrevivência, seus profissionais melhor qua­

lificados tiveram de compatibilizar suas atividades no jornal com outras atividades,

mesmo que ligadas ao jornalismo impresso, porém diário.

No ano de 1979, seus editores: Sílvio Martinello e Elson Martins da Silveira

assumiram a direção do diário Gazeta do Acre. Nele imprimiram uma linha editorial independente, dando espaço para os movimentos sociais.

O jornal Gazeta do Acre era um empreendimento empresarial, portanto, para que comercialmente fosse viável, exigira maior tempo e esforço dos seus editores, como

consequência Varadouro fora sacrificado. Em 1979, apenas quatro edições foram as ruas. No ano de 1980, praticamente não circulou.

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Varadouro fora um alternativo que nascera com a abertura. Nenhuma de suas edições foi apreendida ou sequer censurada. Houve ameaças, convite a polícia federal

para ouvir os sermões do delegado de plantão, mas se limitando a isso. No Acre, não

houve atentados às bancas. O perigo, na verdade, vinha da parte dos fazendeiros, com

seus criminosos de aluguel. A equipe de redação soube evitar encontros com os “paulis­

tas”, principalmente nos bares e restaurantes que freqüentavam.

No ano de 1979, passara circular regularmente no Acre os jornais do sul do país;

a televisão passara a transmitir diretamente a imagem da rede Globo de Televisão. O

alternativo Movimento chegava ao público engajado nos movimentos sociais. A esquer­

da local começara a sofrer os primeiros rachas, e a luta pela ocupação de espaços políti­

cos e nos movimentos sociais já fora desencadeada. Além disso, os jornais locais passa­

ram também a noticiar, com maior liberdade, sobre os conflitos no campo, com a vanta­

gem de serem diários, e por isso divulgarem a matéria a quente.

Varadouro passara a receber fogo cruzado, tornando­se, portanto, um alvo fácil. Esses fatores, com certeza, levaram o jornal a sumir por quase um ano. Ao reaparecer,

mesmo com o otimismo expresso no editorial, estava fadado a acompanhar o destino

dos seus irmãos alternativos do resto do país. A notícia do desaparecimento do jornal,

Movimento, que fora veiculado no Varadouro n.º 24, dezembro de 1981, cometera uma grave omissão: deixara de incluir no texto, também, o seu próprio desaparecimento,

pois, a partir de então, sumira sem explicar­se para o seu público. Varadouro cumprira sua saga. No seu trajeto acompanhado com rigor por esse

estudo, ficou demonstrado o importante papel que cumpriu junto aos movimentos soci­

ais, garantindo­lhes o espaço necessário para que fossem notícia. Não é demais concor­

dar com o frei Clodovis Boff que dissera: “O Varadouro continua excelente. Espinho atravessado na garganta da burguesia. É para ela um mestre rude de ética. Acabarão

entendendo que nem tudo é permitido. Mas o melhor é ainda o acréscimo de consciên­

cia popular que pode produzir. É o povo que está em jogo!” (3). Varadouro e Nós Irmãos foram os meios alternativos de comunicação necessá­

rios para um determinado momento da história dos movimentos sociais do Acre. Sem

esses meios, as lutas dos trabalhadores teria sido, certamente, muito mais difícil. Hoje,

ao contemplar os fatos ocorridos no Acre, nos últimos vinte anos, somos obrigados a

concluir que esses instrumentos alternativos foram decisivos no apoio as lutas sociais,

que resultaram no “empate” contra a bovinização do Acre, e contra o processo de des­

truição de suas florestas.

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NOTAS

Introdução (pp.9­25)

1.ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo: Brasiliense, 1994. pp. 113­148.

2.MOURÃO, Nilson Moura Leite. A prática educativa das CEBs: popular e transformadora ou clerical e conservadora? São Paulo: PUC, dissertação de mestrado, 1988.

3.KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo. Editora Página Aberta, 1991. pp. 393 ­ 399.

4. CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa em massa. São Paulo: Summus, 1986. pp. 42 ­ 46. 5. Ibidem, p. 45. 6.AFONSO JÚNIOR, Delfim. Alternativa jornalística x poder editorial: uma abordagem dos jornais político culturais no pós­68. Brasília: UNB, dissertação de mestrado, 1982. p. 23.

7.Ibidem, p. 25. 8.Ibidem, p. 124. 9.Ibidem, p. 125. 10.Ibidem, pp. 127 ­ 128. 11.PEREIRA, Raimundo Rodrigues. Viva a imprensa alternativa. Viva a imprensa alternativa!... In: FES­

TA Regina, LINS e SILVA, Carlos Eduardo (org.). Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo: Paulinas, 1986 pp. 53 ­ 76.

12.Ibidem., p. 55. 13.MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia: jornalismo como produção social de segunda

natureza. São Paulo: Ática, 1989. 14. Ibidem, p. 177. 15. LUÍS BRAGA, José. O Pasquim e os anos 70: mais pra epa que pra oba... Brasília: UNB, 1991. p.

236. 16.KUCINSKI, op. cit., p. XIII. 17.Ibidem, p. XIV. 18.KUCINSKI, Bernardo. A aventura alternativa: o jornalismo de oposição dos anos 70. In: A Síndrome

da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1998.

19.Ibidem, p.190. 20.FESTA, Regina. Movimentos sociais, comunicação popular e alternativa. In: FESTA, Regina e LINS

E SILVA, Carlos Eduardo, op. cit., p. 16. 21.Ibidem, p.17. 22.FESTA, Regina. Comunicação popular e alternativa: a realidade e as utopias. São Bernardo do Cam­

po (SP): Instituto Metodista de Ensino Superior, dissertação de mestrado, 1984. 23.Ibidem, p.170. 24.Ibidem., p.p. 171­172. 25.SOARES, Ismar de Oliveira. A comunicação do Bispo. In: Comunicação & Sociedade, ano IV, n.º 12,

out. 1984. pp. São Bernardo do Campo (SP): Instituto Metodista de Ensino Superior, 1984. pp. 29 – 42.

26.Ibidem., p.29. 27.Ibidem, p.30. Ver ainda SOARES, Boletins diocesanos católicos: veículos de comunicação a serviço

dos marginalizados. In: Comunicação e classes subalternas. MELO, José Marques (org.). São Paulo: Cortez, 1980. p. 161.

28.RABAÇA, Carlos Alberto, BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de Comunicação. São Paulo:, Ática, 1995. pp. 328­329. Segundo esses autores, de imprensa alternativa: “Diz­se dos órgãos de im­ prensa (especialmente jornais e revistas) editados por grupos independentes dos interesses dominantes e que constituem, em relação às fontes tradicionais de informação, uma opção para o público leitor, em termos ideológicos, formais ou temáticos. O conceito imprensa alternativa não implica, necessari­ amente, estruturas empresarias de poucos recursos econômicos, editoras pequenas e pobres. O que es­ sencialmente caracteriza essa proposta de atividade econômica jornalística é um efetivo descompro­ metimento em sua linha editorial, uma atitude polêmica e renovadora. Como fenômeno característico da livre discussão de idéias, somente em sistemas democráticos a imprensa alternativa é capaz de as­

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sumir toda a sua amplitude. Suas manifestações não configuram um fenômeno recente. Pode­se dizer, mesmo, que ela existe secularmente, sob várias formas, com atuação destacada em vários momentos históricos no decorrer do século. Segundo Marcos Faerman (ex­editor de Versus), ela não surgiu como resposta à grande imprensa, mas para constituir instrumentos de expressão de grupos sociais que não têm voz na grande imprensa. “Hoje, a grande imprensa é centrada na sua condição de empresa e é a consciência crítica da classe empresarial: é a ‘classe empresarial pensante’ ” (Faerman). Para Ziraldo (ex­editor do Pasquim), a imprensa alternativa “é, principalmente, uma imprensa não­convencional, dirigida por jornalistas e não por empresários, uma necessidade que o jornalista independente sentiu para poder fazer uma imprensa mais parecida consigo mesmo. É a imprensa pela imprensa, e não a imprensa pela empresa”. Não há linha editorial, forma gráfica ou área estabelecida para a imprensa al­ ternativa: podem ser enquadrados nesta categoria jornais e revistas das mais variadas tendências, dedi­ cados a temas gerais ou especializados (mais freqüentemente a temaspolíticos, com um tratamento de jornalismo interpretativo, a assuntos culturais e ao humor), produzidos em diversos formatos (mais freqüentemente o tablóide) e por qualquer sistema de reprodução gráfica. A expressão imprensa alter­ nativa foi lançada por Alberto Dines, em sua coluna “Jornal dos Jornais”, na Folha de S. Paulo. Parece bastante apropriado, também, dizer­se imprensa independente”.

29.SALMON. Wesley C. Lógica. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. p.28. 30.MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil

(1947­53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. p.17.

Capítulo 1 (pp.26­43) A Reconquista da Amazônia Ocidental

1.SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1800­1920). São Paulo: T.A. Queiroz, 1980. p. 236.

2.GUERRA, Antônio Teixeira. Estudo geográfico do território do Acre. Rio de Janeiro: IBGE, publica­ ção n.º 11, série A­Livros, 1955. p. 64.

3.ALVES, Nelson Prado Pinto. Política da borracha no Brasil: a falência da borracha vegetal. São Paulo: Hucitec; CRE­SP, 1984. p. 111.

4.COSTA SOBRINHO, Pedro Vicente. Capital e trabalho na Amazônia Ocidental: contribuição à his­ tória social e das lutas sindicais no Acre. São Paulo: Cortez; Rio Branco: Universidade Federal do Acre, 1992. p. 139.

5.MEIRA, Alfredo. A revogação da lei do monopólio estatal da borracha: suas conseqüências políticas, sociais, econômicas e ecológicas para a Amazônia. Florianópolis: UFSC, dissertação de mestrado, 1984. pp. 56­57.

6.ALVES, op. cit., p. 136. 7.BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: um pouco­antes e além­depois. Manaus: Editora Umberto Calde­ raro, 1977. pp. 741­742.

8.OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Integrar para não entregar: políticas públicas e Amazônia. Campinas: Papirus, 1991. pp. 30­31.

9.Faz­se a transcrição do documento conforme sua publicação no jornal Folha de São Paulo, 16/04/67, p. 23. Extraído de OLIVEIRA, op. cit., pp. 34­36. DECLARAÇÃO DA AMAZÔNIA. “Governo e ho­ mens de empresa do Brasil, reunidos na Amazônia sob a inspiração de Deus e norteados pelo firme propósito de preservar a unidade nacional como patrimônio, que receberam indiviso, conscientes da necessidade de promover o crescimento econômico acelerado da Região, como processo indispensá­ vel, para atingir esse objetivo e a própria valorização do homem que a habita. / CONSIDERANDO: que a Amazônia constitui ainda em nossos dias, considerada no seu conjunto, um dos maiores espaços desertos do mundo e um desafio à nossa capacidade realizadora: / Que a Amazônia, com seus cinco milhões de quilômetros quadrados correspondentes à cerca de sessenta por cento do território brasilei­ ro, está a exigir a criação de condições para o seu povoamento; / Que, na hora presente, a ocupação e o racional aproveitamento desse espaço vazio, pelo Brasil, é um imperativo da própria segurança na­ cional; / Que as grandes distâncias que isolam os seus núcleos humanos, e a separam dos centros polí­ ticos e econômicos do País, constituem um repto à determinação nacional de efetivamente ocupar o grande território, e aproveitar sua potencialidade econômica igualmente grande; / Que os índices de evolução da economia regional, nos anos recentes, demonstram uma tendência espontânea à gradativa substituição do extrativismo, como setor principal por atividade economicamente mais produtiva e so­ cialmente mais evoluída; / Que a conquista definitiva da Amazônia deverá ser conseguida de forma a também assegurar uma harmoniosa integração inter­regional; / Que alguns empreendimentos de infra­

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estrutura, em especial no setor de transporte, realizados na Região possibilitam o surgimento de algu­ mas subáreas de economia externas e de mercados significativos; / Que os estudos e pesquisas dos re­ cursos naturais já realizados proporcionam desde agora um conhecimento mínimo indispensável para o progresso e desenvolvimento da área; / Que a expansão dos meios de treinamento às exigências do plano global dos programas e dos projetos; / Que as diretrizes, que as características, as prioridades e os planos de desenvolvimento para a Amazônia devem ser estabelecidos pelo Governo brasileiro, e que a ajuda externa pode e deve vir em caráter meramente suplementar sob a forma de assistência téc­ nica e financeira a programas ou projetos indicados e administrados por nós; e / Ainda o diálogo fran­ co e aberto, e os debates objetivos e realistas a que se lançaram homens do Governo e investidores privados a bordo do navio Rosa da Fonseca no transcurso da semana que findou. DECLARAM / 1. sua adesão às recomendações da I Reunião de Incentivos ao Desenvolvimento da Amazônia; / 2. sua determinação de conjugar esforços, recursos e atividade de trabalho no sentido de promover a comple­ ta integração sócio­econômica da Amazônia ao Brasil; / 3. sua convicção de que a Operação Amazô­ nia ora iniciada prosseguirá no tempo e com os meios necessários até atingir a completa consecução dos objetivos que a inspiram; / 4. seu compromisso de mobilizar todas as forças vivas da Nação vi­ sando a atrair para a Amazônia empreendimentos de qualquer natureza indispensáveis ao seu desen­ volvimento; / 5. sua aceitação, enfim, ao desafio lançado e a resposta da sua presença para que a Amazônia contribua através de sua perfeita e adequada incorporação à sociedade brasileira sob a sua soberania inalienável, para a solução dos grandes problemas da Humanidade”. Seguem as assi­ naturas... Belém, 11.12.66.

10.OLIVEIRA, op. cit., p. 34. 11.Ibidem, p. 45. Ver ainda: PROCÓPIO, Argemiro. Amazônia: ecologia e degradação social. São Pau­

lo: Alfa­Omega, 1992. pp. 121­138. 12.SANTANA, Marcílio Ribeiro. Os imperadores do Acre: uma análise da recente expansão capitalista

na Amazônia. Brasília: UNB, dissertação de mestrado, 1988. p. 150. 13. Ibidem, pp. 169­170. 14.Em entrevista concedida ao sociólogo Elder Andrade de Paula, o jornalista Elson Martins da Silveira,

indagado sobre qual a expressão que o seringueiro quando ameaçado de expulsão usava para identifi­ car o outro (o algoz), respondeu: “a expressão era essa de “paulista” (...) por isso que a gente começou a usar. Eles nunca sabiam o nome de quem os estava ameaçando (...); era uma coisa tão forte pra eles, e eles não davam o nome (...); não sabiam como identificar essa violência que fizeram com eles (...); então passaram dar um nome pra ela, “paulista”, o de fora, diferente dele”.

15.SANTANA, op. cit., p. 172. 16.Ibidem, pp. 196,197,204 e 209. 17.DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Brasília, 6/12/77, seção I suplemento “A” ao n.º 157, pp.

0015­0032. 18.Ibidem, op. cit., p. 0020. 19.Dados coletados no depoimento do jornalista Elson Martins da Silveira, correspondente do jornal “O

Estado de São Paulo”, à Comissão Parlamentar do Sistema Fundiário do Congresso Nacional (CPI da Terra), em 3 de agosto de 1977. DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, Brasília, 28 de agosto de 1979, seção I, suplemento ao n.º 121, p. 803.

20.CADIOLLI BASÍLIO, Sandra Teresa. Seringueiro de Xapurí na luta pela terra e defesa da floresta: projeto Seringueiro, cooperativismo e educação popular. São Paulo: PUC, dissertação de mestrado, 1992. pp. 38­42.

21.DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. op. cit., p. 809. 22.Ibidem, p. 807. 23.Ibidem, p. 310. 24.Jornal VARADOURO. A Qualquer Sinal os Jagunços Podem Sair da Toca. Rio Branco, abril de 1981,

n.º 20, p. 11. 25.COSTA SOBRINHO, Op. cit., pp. 150­151. 26.DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. op. cit., p. 806. 27.Documento Confidencial da Delegacia da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

(CONTAG), arquivo da CPT – Prelazia do Acre e Purus. 28.DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, op. cit., p. 805. 29.Ibidem, p. 806. 30.Ibidem, p. 806.

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Capítulo 2 (pp.44­55) A Igreja do Acre e Purus Elege o Povo de Deus

1.IOKOI, Zilda Gricolí. Igreja e camponeses: teologia da libertação e movimentos sociais no campo Brasil e Peru, 1964­1986. São Paulo: Editora Hucitec, 1996. p. 39.

2.Ibidem, p. 46. 3.BOFF, Clodovis. Deus e o homem no inferno verde: quatro meses de convivência com as CEBs do Acre. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 11.

4.Dom Giocondo Grotti foi o primeiro provincial da Ordem dos Servos de Maria no Brasil. No ano de 1965, fora nomeado bispo da Prelazia do Acre e Purus, vindo a falecer no mês de setembro de 1971, em desastre aéreo que vitimou 32 pessoas no município de Sena Madureira, AC.

5.MOURÃO, op. cit., p. 125. 6.Os dados com relação a Igreja dos anos de 1972 e 1981 foram encontrados no boletim informativo da prelazia “Nós Irmãos”, ano I, n.º12, p. 10, dez., 1972; ano X, p. 16, jul./ago., 1981, respectivamente. Com relação as CEBs, as informações foram dadas pelo bispo Dom Moacyr Greechi ao repórter Jef­ ferson Barros. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 ago. 1980. Primeiro Caderno, p. 22­24.

7.O seringal enquanto unidade de produção era dividido em duas partes: a “margem”, onde estavam instalados o “barracão” (posto de venda de mercadorias, escritório administrativo e local de recepção da borracha produzida), e as residências do patrão e do pessoal auxiliar; o “centro”, interior do serin­ gal onde se localizavam as “colocações” (posto de trabalho e moradia do seringueiro). A “colocação”, pequena clareira aberta no interior da floresta, por sua vez, compreendia: o “tapirí” (casa de estrutura de madeira sobre tocos, com piso e paredes geralmente de paxiuba e coberta com folhas de palmeira), o defumador do látex e as estradas: caminhos estreitos abertos nos lugares onde se localizavam as ár­ vores seringueiras ou madeiras.

8.COSTA SOBRINHO, op. cit., pp. 162­163. 9.Entrevista concedida ao autor pelo padre Paulino Baldassari em sua paróquia, município de Sena Ma­ dureira. Acre, 1988.

10.SALEN, Helena (coord.). A Igreja dos oprimidos. São Paulo: Brasil Debates, 1981. p. 123. In: DU­ ARTE, Elio Garcia. Conflitos pela terra no Acre. A ressistência dos seringueiros de Xapuri. Rio Branco: Casa da Amazônia, 1987, pp. 72­73.

11.NÓS IRMÃOS. Rio Branco, jun. 1974, ano III, n.º6. p. 2. 12.COSTA SOBRINHO ... op. cit., p. 166. 13.MOURÃO, op. cit., p. 204. 14.DALCORSO, Zeno Marco. A Igreja da denúncia e o silêncio do fiéis: A história da Igreja do Acre

vista pelos lavradores (1970­1990). São Paulo: Faculdade de Teologia Nossa Senhora de Assunção, dissertação de mestrado, 1995. pp. 135­136.

15.BARROS, Jefferson. Acre tenta evitar guerra por terras antes das águas de maio. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 de agosto. 1980, Primeiro Caderno, p.22

16.FERNANDES, Marcos I. terceira O PT no Acre: a construção de uma terceira via. Natal: UFRN, dissertação de mestrado, 1999. p. 46.

17.NÓS IRMÃOS. Rio Branco: jul./ago. ano 10 de 1981,. p. 11­12.

Capítulo 3 (pp.56­72) A Imprensa Nacional e os Conflitos na Fronteira

1.Consultar CEDEPLAR. Migrações internas na região norte. O caso do Acre – parte III – Belo Hori­ zonte: UFMG, 1979; apêndices estatísticos: pp. 1­5. 2.Ver GUERRA, op. cit., p. 261. Para melhor verificação reproduzimos o quadro demonstrativo de percursos citado pelo autor:

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VIAGEM FLUVIAL

Distância Horas de viagem em épocas

diferentes ITINERÁRIO Em

milhas Em

quilômetros Inverno de­ zembro a a­ bril, horas de

viagem

Sêca maio a novembro, horas de viagem

Manaus a Lábrea........................... Lábrea a Bôca do Acre.............. .. Bôca do Acre a Rio Branco ......... Rio Branco a Xapuri .................... Xapuri a Brasiléia ........................ Manaus a Brasiléia ....................... Lábra a Rio Branco ................. ... Lábrea Xapuri .......................... ... Lábrea a Brasiléia ........................

768 409 174 14846

1.545 597 738 777

1.420,800 756,650 321,900 237,800 85,100

2.858,250 1.074,600 1.313,800 1.396,600

192 288727248 699 367 486 572

216 a 265 288 a 432 120 a 168 120 a 168 72 a 120 864 a 1.200 480 a 572 620 a 720 720 a 840

3.Ainda CEDEPLAR. op. cit., p. 234 4.Ver BRANDÃO, Francisco de Assis. Levantamento realizado em arquivos públicos e em jornais lo­ cais e nacionais para verificar como a imprensa noticiou a questão da luta pela terra no Acre, durante a década de 1970 (arquivo particular do autor); ainda DUARTE, op. cit., pp. 123­128.

5.TAMER, Alberto. O Acre foi lembrado e agora enfrenta a invasão. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 27 ago. 1972. p. 26.

6.MARTINS, Edilson. Acreanos viram bolivianos com a venda dos seringais. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 mai., 1974. p. 24.

7.FONSECA, Ribamar. Acre muda base econômica e causa tensão nos seringais. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 jun. 1974. p. 7.

8.A reconstituição do conflito entre posseiros e “paulistas” no seringal Catuaba no ano de 1974, que fora o marco inicial da resistência armada dos seringueiros, desafiando portanto o poder do fogo dos “no­ vos donos da terra”, tornou­se possível graças a entrevista que fizemos com o posseiro Joaquim Paulo, um dos líderes do movimento. Ver: COSTA SOBRINHO, op. cit., pp. 154­155.

9.O ESTADO DE S. PAULO. INCRA obtém posse da terra do Acre. São Paulo, 15 nov. 1974. p. 19. 10.MARQUEIZ, José. Esvaziamento dos seringais põe o Acre a beira do caos. Jornal do Brasil, Rio de

Janeiro, 14 set. 1975. p. 35. 11.Pesquisa realizada pelas Dioceses de Rio Branco (Acre) e Riberalta (Bolívia) e Centro de Estudos e de

Pastoral dos Migrantes (CEPAMI), sobre “Realidade dos seringueiros brasileiros na Bolívia”, esti­ mou em 1.500 famílias o universo de migrantes nas áreas de fronteira, sendo cada família constituída em média por 5 pessoas. Mesmo que esses dados não possam ser considerados um censo, levam eles contudo a uma redução considerável nas especulações até então vigentes.

12.O GLOBO. Amazônia, seus programas ... Acre: problema com a especulação da terra. Rio de Janeiro, 21 mai., 1975. Panorama Econômico, pp. 234­238; 240­242.

13.SILVEIRA, Elson Martins. Ocupação de seringais preocupa. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 nov. 1975. p. 44.

14. ______. Posseiros do Acre vão a bispo denunciar violências. O Estado de S. Paulo, São Paulo. 3 abr. 1976. p. 16.

15.O conflito na BR – 317, seringal Redenção, fora relatado pelo seringueiro Raimundo Evaristo Pereira, conhecido por Barba Azul, sócio fundador da Cooperativa Nossa Senhora da Conceição, durante mui­ to tempo delegado sindical e líder da resistência dos posseiros, em entrevista feita por COSTA SO­ BRINHO, op. cit. p. 156.

16.SILVEIRA, Elson Martins. CONTAG comprova violência no Acre. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 22 abr. 1976. p. 20.

17.MEDEIROS, Océlio de. Introdução ao estudo do regime jurídico das terras do Acre. O Rio Branco, Rio Branco, 28 fev. 1974, n.º 1056, p. 3.

18.SILVEIRA, Elson Martins. No Acre, colonos dizem que polícia sustenta opressão. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7 jul. 1977. p. 17.

19.JORNAL DO BRASIL. Governador denuncia venda de 1/3 do Acre. Rio de Janeiro, 7 out. 1977. p. 16.

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Capítulo 4 (pp.73­136) Nós Irmãos: Tribuna do Povo de Deus

1.Entrevista concedida pelo advogado e escritor Océlio Medeiros ao jornal Varadouro. Rio Branco, dez. 78, ano II, n.º 13. p. 5.

2.NÓS IRMÃOS. Rio Branco, jul.­ago. 81, ano X, p. 13. 3._______. Rio Branco, dez. 71, ano I, n.º 1. p. 2. 4.SOARES, Ismar de Oliveira. A morfologia e o conteúdo dos boletins diocesanos católicos. São Paulo: ECA­USP, dissertação de mestrado, 1980. pp. 48­71.

5.Ibidem, pp. 25 e 28. 6.Ibidem, p. 29. 7.SOARES, Ismar de Oliveira. A comunicação dos bispos. São Bernardo do Campo (SP): Instituto Me­ todista, Comunicação & Sociedade, out. 84, ano VI, n.º 12. p. 29. 8.Ibidem, pp. 31­32.

9.A acusação feita pela polícia a monitora da Comunidade Eclesial de Base (CEB) do bairro da Estação Experimental, conhecida pelo apelido de Deó, não foi explicitada na notícia; porém, a reação da co­ munidade ao fato fora realçada, havendo inclusive a celebração de duas missas em sua homenagem. Ver Nós Irmãos, mar. 72, ano I n.º 3, pp. 6­7.

10.“Que diferença há entre prelazia e diocese? O primeiro termo indica uma Igreja em formação; o se­ gundo uma já constituída. Prelazia é um nome provisório, diocese é termo definitivo. A dinâmica e­ vangelizadora na diocese é a mesma que na prelazia, contudo, do ponto de vista jurídico, a diocese re­ presenta uma situação de maior estabilidade. A prelazia ainda depende de outras igrejas, no que se re­ fere aos meios e ao clero, enquanto a diocese deveria independer”. D. Aldo Morgiano, “A nova dioce­ se de Roraima”, em Missões Consolata (março­abril de 1960), p. 6. Ver SOARES. A morfologia e o conteúdo... op. cit., nota 2, p. 26.

11.D. Moacyr Grechi, hoje arcebispo da Arquidiocese de Rondônia, nasceu em Turvo, município do estado de Santa Catarina. Foi provincial da Ordem dos Servos de Maria, confraria religiosa a qual per­ tence. Paulo VI o designou bispo da Igreja do Acre e Purus em julho de 1973; vindo a ter sua ordena­ ção episcopal em outubro de 1973, tornando­se, portanto, bispo aos 36 anos de idade. Foi um dos fun­ dadores da Comissão Pastoral da Terra – CPT, em 1976, assumindo a presidência dessa comissão por dois mandatos consecutivos. Presidiu também a Regional Norte 1 da CNBB, por duas vezes. Foi res­ ponsável ainda pela Dimensão Ecumênica da Regional Norte 1, e membro da Comissão Episcopal de Doutrina (CED) da CNBB. Ver GONÇALVES, Maria Ronízia Pereira. A fala sagrada e social do Somos Todos Irmãos de 1976 a 1982. Rio Branco: UFAC, monografia, 1997. p. 65.

12.Segundo SOARES, in A morfologia e o conteúdo ... op.cit, nota 1, p. 26: “A nomenclatura “Igreja Particular” foi consagrada no documento Evangelização no Presente e no Futuro da América Latina produzido pela III Conferência Geral do Episcopado Latino­Americano, reunida em 1979, em Puebla de Los Angeles, no México. Segundo o documento, em seu n.º 645: “na Igreja Particular, constituída a imagem da Igreja Universal, encontra­se e opera verdadeiramente a Igreja de Cristo que é una, santa, católica e apostólica. Ela é parte do povo de Deus, definida por um contexto sócio­cultural mais am­ plo, onde se encarna sua primazia no conjunto das comunidades eclesiais deve­se ao fato de ser presi­ dida pelo Bispo, dotado de forma plena e sacramental do tríplice ministério de Cristo, cabeça do corpo místico, profeta, sacerdote e pastor. O Bispo é, em cada Igreja Particular, princípio e fundamento da unidade da mesma”. Conclusões da Conferência de Puebla, texto oficial (Ed. Paulinas, 1979).

13.O conflito entre posseiros e fazendeiros, acontecido no seringal Catuaba, foi a primeira reação organi­ zada dos trabalhadores na defesa da posse da terra, resultando na morte do capataz e de um outro pis­ toleiro que o acompanhava. Ver COSTA SOBRINHO, op. cit., pp. 154­156.

14.O documento que orientava sobre o problema das terras e que passara a ser conhecido como documen­ to de Xapuri, pois fora elaborado durante o primeiro encontro do Vicariato da Ordem dos Servos de Maria do Acre, realizado na cidade de Xapuri, fora reproduzido só em parte no segundo capítulo da presente dissertação. Pela importância histórica e repercussão que esse documento alcançou, far­se­à nessa nota a transcrição integral do seu texto, passando então esse a fazer parte do corpo desse traba­ lho. Aí está: Orientação da Igreja do Acre e Parus sobre o problema das terras. Em face da grave si­ tuação criada pelo problema das terras no Estado do Acre e em particular no território desta Prelazia, a Igreja Acre­puruense não entrando no lado técnico deste problema mas inspirada no Evangelho de Cristo, faz questão de dar a esse respeito suas diretivas para todo o povo de Deus. A problemática das terras preocupa em especial os posseiros, colonos e seringueiros que vivem na maioria das vezes há vários anos no interior de nossos seringais e colônias, sobre quem a ameaça de deixarem suas posses, sem perspectiva alguma de sobrevivência. Na realidade com o passar dos dias, multiplicam­se os ca­

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sos de posseiros, colonos e seringueiros que da maneira mais arbitrária e violenta vem sendo expulsos de suas posses sem o menor respeito à dignidade da pessoa e mesmo às Leis vigentes. Igualmente esta problemática vem preocupar os investidores do Sul, em especial aqueles que com boa vontade vieram investir seus capitais num Estado onde os títulos de terras em geral não se encontram devidamente le­ galizados, e daí o fato de inúmeras vendas de terras se processarem de forma irregular./A orientação da Igreja no que diz respeito aos posseiros é a seguinte:/ a) conscientizar os posseiros de seus direitos segundo as orientações do INCRA, sobre a posse da terra; b) urgir junto aos órgãos competentes a ne­ cessária documentação dos trabalhadores, em consonância com a lesgislação trabalhista; c) denunciar aos órgãos competentes: INCRA, 4ª Cia, Polícia Federal, Polícia Militar, Secretaria de Segurança as arbitrariedades cometidas contra esses trabalhadores; d) defender mesmo na justiça, indivíduos ou grupos, quando nenhuma outra providência for tomada pelos órgãos de direito; e) sugerir ao governo do estado e ao prórpio INCRA, levando em conta o futuro destes trabalhadores, o enquadramento dos mesmos num plano geral de colonização do estado./ A orientação da Igreja no que diz respeito aos in­ vestidores é a seguinte: a) esclarecer no diálogo aberto com os investidores a real situação das terras no que diz respeito aos títulos em consonância com as diretivas do INCRA; b) fazer sentir ao governo e aos compradores o problema do futuro dos colonos e seringueiros, que passado o ciclo das derruba­ das e tiradas as possibilidades de subsistência, ficarão totalmente marginalizados sem perspectivas; c) fazer ver num diálogo com o governo do estado a situação atual das terras que vem gerando preocupa­ ção não só aos colonos mas também aos próprios compradores; d) manter um contacto constante com o INCRA, 4ª Cia, Polícia Federal, Polícia Militar, Secretaria de Segurança e Justiça em vista do enca­ minhamento adequado desta problemática./ Estas orientações dirigidas a todo o povo de Deus desta prelazia tem por finalidade a ação o mais possível conjunta de todos os seus agentes pastorais em face de tão delicado problema, ficando as posições públicas sobre o conjunto da Igreja de competência ex­ clusiva do bispo e do conselho presbiteral./ Este documento redigido em Xapurí, dia 21.06.74, traz as assinaturas de Dom Moacyr Grechi, bispo do Acre e Purús; do pe. Francisco Carnineo, provincial OSM da Província do Brasil, além das assinaturas de todos os sacerdotes desta prelazia.

15.No ano de 1974 o MDB derrotou a ARENA, partido da ditadura militar, na disputa das vagas pelo Senado Federal na maioria dos Estados brasileiros. Essa derrota fragorosa levou o Governo Geisel a criar vagas cativas no Senado, instituindo a triste figura do “senador biônico” no país. O objetivo fora evitar o risco na disputa das duas vagas para o Senado nas próximas eleições de 1978.

16.Ver COSTA SOBRINHO, Pedro Vicente. Chico Mendes: a trajetória de uma liderança. In: Exercícios circunstanciais. Natal: Edições Coivara, 1997. pp. 90­91.

17.Ver MENDONÇA, General Belarmino. Reconhecimento do Rio Juruá (1905). Belo Horizonte: Itatiai­ a; Rio Branco: Fundação Cultural do Estado do Acre, 1989. p.p. 80­82. Ainda: RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. Petrópolis: Vozes, 1977. pp. 42­47.

18.Ver RIBEIRO, op. cit., pp. 42­47. Ainda: LOUREIRO, Antonio José Souto. A Gazeta do Purus: sce­ nas de uma epocha (Senna Madureira, 1918/1924). Manaus: Imprensa Oficial, 1981. pp. 147­149. CALIXTO, Valdir de Oliveira et all. Acre: uma história em constração. Rio Branco: Fundação Cultu­ ral do Estado do Acre, 1985. pp. 15­29.

19. Ibidem, p. 47. 20.O Governador Geraldo Mesquita era uma personalidade esquiva para qualquer entrevista, mas era de

fácil e franca conversa. Através, dele obtive a informação desse esforço para que fosse instalada a A­ judância da FUNAI no Acre. Dissera ele: “Em Brasília causava até extranhesa falar de índio no Acre, e pareciam não entender a minha insistência. Eu estava convicto de que caso não fossem adotadas medidas de proteção aos poucos índios que ainda restara, seríamos julgados pela história, pois, por omissão, havíamos contribuído para o extermínio final da cultura e vida desses grupos tribais, dando continuidade ao genocídio antes praticado pelos primeiros civilizados que ocuparam o Acre”. – O in­ digenista João Porfírio Carvalho cumpriu um papel de fundamental importância para proteção dos ín­ dios no Acre. A maioria das propostas para delimitação das áreas de reservas indígenas fora providen­ ciada durante o período em que esteve na Chefia da Ajudância da FUNAI no Acre.

21.A partir de 1975, com a instalação da Ajudância no Acre, a FUNAI, graças ao trabalho e a coragem do indigenista João Porfírio Carvalho, passou a questionar as ocupações ilegais de áreas indígenas. Car­ valho descobriu e denunciou que o General Oscar Bandeira de Melo, ex­Presidente da FUNAI­ Brasília, havia conseguido uma certidão negativa expedida pelo órgão, dando conta da não existência de índios em áreas ocupadas pelo Projeto de Desenvolvimento Novo­Oeste, na região do rio Juruá. O empreendimento estava localizado no alto Envira, cuja população era quase toda indígena. Ver ainda: CALIXTO...op. cit., p.p 22­23.

22.Ver OLIVEIRA, Luiz Antonio Pinto. O sertanejo... op. cit., pp. 35­40.

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23.Ver ANDRADE, Roberto Garcia. Contribuição à história das associações de moradores do Acre. Rio Branco, CDDH, 1989.

24.NÓS IRMÃOS. Rio Branco, mar., ano 10, 1981, p. 2. 25.Ver SOARES, Boletins diocesanos católicos ... op. cit., pp. 144­148.

Capítulo 5 (pp.137­198) Varadouro: um Jornal das Selvas

1.A produção brasileira de borracha natural de origem extrativa durante os cinco primeiros anos da dé­ cada de 70 fora: 1970, 24.976 toneladas; 1971, 24.231; 1972, 22.160; 1973, 18.906; 1974, 15.783; 1975, 15.577. O estado do Acre, no ano de 1975 produzira 7.932 toneladas, um pouco mais de 50% da produção nacional gomífera de origem extrativa Ver MESQUITA, Geraldo, Rio Branco (AC): II Pla­ no Estadual de Desenvolvimento – 1975 – 1978: Uma avaliação do plano de governo, 1979. p. 17. Ainda, DEAN, Warren. A luta pela borracha no Brasil: um estudo de história ecológica São Paulo: Nobel, 1989 p. 233.

2.Ver OLIVEIRA, op. cit., p. 70. 3.Ver SANTA’ANA, ... op. cit., pp. 158 e 160. 4.Ver COSTA SOBRINHO. Capital e Trabalho... op. cit., pp. 169 a 174. 5.Ver GUERRA, op. cit., pp. 216­219. Ainda, LOUREIRO, op. cit., p. 154. 6.Ver VARADOURO, Rio Branco, ano I, n.º 1, maio de 1977 p. 5. 7.VARADOURO, Rio Branco, ano II, n.º 15, junho de 1979, pp. 17­18. 8.Ver COSTA SOBRINHO..., op., cit., pp. 91­127. 9.Ver NÓS IRMÃOS, Rio Branco, ano VII, out., 1976. pp. 11­12. 10.A reconstituição dos fatos narrrados fora possível graças às entrevistas com os jornalistas Elson Mar­

tins da Siveira e Sílvio Martinello, gravadas ou anotadas pelo autor, durante a fase de coleta do mate­ rial para elaboração desse trabalho.

11.A reconstituição dos fatos narrados fora possível pelo convívio do autor com as pessoas citadas; ano­ tações e entrevistas com os jornalistas Elson Martins da Sivleira e Sílvio Martinello, feitas pelo autor para esse trabalho. Além disso, ver O ACRE. Varadouro vinte anos depois. Rio Branco, 27 ago. n.º 1, 1997. pp. 9­13.

12.Entrevista com Elson Martins Silveira, feita pelo pesquisador Elder Andrade de Paula, cedida ao autor para essa dissertação.

13.Ver O ACRE, op. cit., p. 10. Ainda: CAVALCANTI, Carlito. O New York Times errou! O ACRE. Rio Branco, 6 nov., n.º 4. 1997. p. 19.

14.Ver FOLHA DO ACRE. Dez anos de lutas populares. Rio Branco, 01­02­1984. p. 9. 15.Ver O ACRE, op. cit., pp. 9­13. Ainda: SILVEIRA, Elson Martins. Os velhos jornais no Varadouro. O

ACRE, Rio Branco, 25 set., n.º 2, 1997. p. 14; Ibidem. Varadouro mostra a cara do conflito. O ACRE. Rio Branco, 18 out., n.º 3, 1997. p. 18; Ibidem, cem anos de andanças. O ACRE. Rio Branco, 6 nov., n.º 4, 1997. p. 18; Ibidem; Nas folhas da seringueira. O ACRE. Rio Branco, dez., n.º 5, 1997. p. 18; I­ bidem, Prostituição e outros problemas made in Acre. O ACRE. Rio Branco, fev., n.º 6, 1998. p. 18.

16.Ver VARADOURO Rio Branco, dez., n.º 24, ano IV, 1981. p. 2. Ainda: Coleção do Varadouro, n.º 1 a 24, mai. 77 a dez. 1981. (Coleção do Autor).

17.VARADOURO. n.º 1 a 24; Coleção do Autor. 18.Ver O ACRE. Varadouro vinte ... op. cit., p. 11. 19.Ibidem, p. 11. 20.Ver VARADOURO. Aos leitores. Rio Branco, maio, n.º 1, ano I, 1977. 21.O líder sindical e ambientalista Chico Mendes informara, em entrevista ao autor, que o empate, como

forma de luta dos seringueiros, fora concebido no ano de 1976, no município de Brasiléia, no seringal Cármem. Trabalhadores armados de espingardas e terçados, se dirigiram até o seringal Cármem, para impedir (empatar) que peões derrubassem a floresta com motosserras para plantar capim, e formar pastos. Numa outra entrevista, ao autor, Chico Mendes dissera: “Os empates são feitos através de mu­ tirões dos seringueiros. A medida que os seringueiros tomam conhecimento de que têm companheiros ameaçados pelo desmatamento, que uma área está sendo ameaçado pelo desmatamento dos fazendei­ ros, se reunem várias comunidades, principalmente a comunidade afetada, organizam­se assembléias no meio da mata mesmo e tiram­se lideranças, grupos de resistência que vão se colocar diante das foi­ ces e das motosserras de maneira pacífica, mas organizada.”

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Conclusões (pp.199­203)

1.O documento fora dirigido pelo presidente da Federação da Agricultura do Acre, Francisco Diógenes de Araújo, pedindo, junto aos órgãos de segurança, a abertura de inquérito para indiciamento na Lei de Segurança Nacional, dos participantes do ato de protesto contra a morte do líder sindical Wilson Pinheiro. Os enquadrados: Luiz Inácio Lula da Silva, Jacob Bittar, José Francisco da Silva (presidente da CONTAG), João Maia (delegado da CONTAG) e o líder ambientalista Chico Mendes. O docu­ mento se referira ao programa radiofônico “Somos Todos Irmãos”, levado ao ar sob responsabilidade da então Prelazia do Acre e Purus. E também aos alternativos Nós Irmãos e Varadouro. Ver VARA­ DOURO. Rio Branco, mai., n.º 21, ano IV, 1981.

2.MOURÃO. Opus cit. p. 154. 3.VARADOURO. Rio Branco, jun., n.º 10, ano I, 1978 p. 2.

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Fontes

Entrevistas

­ Arquelau de Castro – feita pelo pesquisador Elder Andrade de Paula, professor da Universidade Federal do Acre (reutilizada), 1989 (gravada e transcrita).

­ Dom Moacyr Grechi, bispo da Diocese do Acre e Purus, feita pela antropóloga Eloi­ sa Winter do Nascimento, professora da Universidade Federal do Acre (reutilizada), 1989 (gravada e transcrita).

­ Elson Martins Andrade da Silveira, feita pelo pesquisador Elder Andrade de Paula, profesor da Universidade Federal do Acre (reutilizada), 1989 (gravada e transcrita).

­ Elson Martins da Silveira, anotações feitas pelo autor no ano de 1998. ­ Equipe de redação e administrativa do Varadouro: Elson Martins, Sílvio Martinello,

Arquelau de Castro, Luís Carvalho, Alberto Furtado, Suede Chaves e Abrahim Fa­ rhat, feita pelo repórter Antônio Alves, publicada no jornal O Acre, Rio Branco, ano I, n.º 01, agosto de 1997, p.9­13.

­ Padre Paulino Baldassari, anotações feitas pelo autor no ano de 1990. ­ Silvio Martinello e Elson Martins da Silveira feita pelo repórter Flamínio Araripe,

publicada no jornal Folha do Acre, Rio Branco, 01/02/84, p. 10. ­ Sílvio Martinello, feita pelo autor no ano de 1996 (gravada e transcrita).

Documentos

a. Caderno de Direitos Humanos. Contribuição à história das associações de moradores do Acre (texto de Roberto Garcia de Andrade). CDDH, Rio Branco, 01.07.89.

b. Exposição do governador do Acre, Geraldo Mesquita, à Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara Federal, em 6.10.77. Diário do Congresso Nacional, Brasí­ lia, 6.12.77, secção I, Suplemento “A” ao n.º 157, pp.0015­0032.

c. Depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Fundiário (CPI da Terra), da Câmara Federal: Dom Moacyr Grechi, bispo da Prelazia do Acre e Purus, em 11.05.77; Lúcio Flávio Pinto, correspondente no Pará de O Estado de S. Paulo, em 29.06.77; Elson Martins da Silveira, correspondente no Acre de O Estado de S. Paulo, em 03.08.77. Diário do Congresso Nacional. Brasília, 28.09.79, secção I, su­ plemento ao n.º 121, pp. 300­338; 729­770 e 801­828.

d. Depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito da Amazônia (CPI da Amazônia), da Câmara Federal, do bispo Dom Moacyr Grechi, da Prelazia do Acre e Purus, em 27.11.79. Diário do Congresso Nacional. Brasília, 05.12.80, secção I, suplemento ao n.º 156, pp. 162­178.

e. Diversos registros da Comissão Pastoral da Terra (CPT­Acre), sobre denúncias e con­ flitos relacionados com a questão da terra no Acre.

f. Ofício­relatório confidencial, da CONTAG, Delegacia do Acre e Rondônia, dirigido para várias autoridades. Rio Branco (AC). 8.11.75.

g. Primeiro Seminário Agropecuário do Acre. A colonização e a situação fundiária do Acre (comunicação apresentada por Maria Brasil da Cruz e José Ramos Neto). EM­ BRAPA, Rio Branco, 13 a 17 de junho de 1983 (Anais).

h. Relatórios e levantamentos da Comissão Indiginista Missionária (CIMI­Acre), sobre os índios do Acre, Rondônia e Amazonas.

i. Relatório, com o carimbo de reservado, da Secretaria de Justiça, Interior e Segurança do Estado do Acre, sobre apuração de denúncia da utilização de trabalho escravo no Acre. Rio Branco, 23.10.73.

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j. Relatório da pesquisa: Realidade dos seringueiros brasileiros na Bolívia. Diocese de Riberalta (Bolívia); Diocese de Rio Branco (Acre); Centro de Estudos e de Pastoral dos Migrantes­CEPAM (Ji­Paraná­RO). Jí­Paraná, junho de 1991.

l. Segundo Plano Estadual de Desenvolvimento – 1975­1978: uma avaliação do Plano de Governo. Governo do Estado do Acre, Rio Branco, 1979.

Periódicos

a) Locais

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b) De outros estados

Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 19, mai., 1974, p. 24; 24, jun., 1974, p. 7; 26, jun., 1974, p. 15; 29, ago., 1974, p. 13; 14, set., 1975, p. 35; 7, out., 1977, p. 16; 26, dez., 1979, p. 8; 24, ago., 1980, p. 22 e 24. O Globo. Rio de Janeiro, 21, mai., 1975, p. 237­242. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 9, out., 1973 (encarte). Correio Brasiliense. Brasília, 31, mar., 1976, p. 9. Diário De Brasília. Brasília, 31, mar., 1976, p. 15. Jornal De Brasília. Brasília, 1, jan., 1978, p. 63­64. Folha De S. Paulo. São Paulo, 16, abr., 1978, p. 16; 16, ago., 1979, p. 8. O Estado De S. Paulo. São Paulo, 19, dez., 1972, p. 26; 14, ago., 1974, p. 10; 15, nov., 1974, p. 19; 4, abr., 1975, p. 13; 23, nov., 1975, p. 44; 10, dez, 1975, p. 14; 3, abr., 1976, p. 16; 22, abr., 1976, p. 20; 7, jul, 1977, p. 17; 13, nov., 1977, p. 30; 15, abr., 1979, p. 22; 19, jun., 1979, p. 14; 21, jun., 1979, p. 19; 14, ago., 1979, p. 11.

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Material Complementar:

­ Levantamento de periódicos que trataram da questão da terra no Acre durante os anos 70, feito pelo professor Francisco Assis Brandão, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

­ Conjunto de artigos coletados no Museu da Borracha do Acre, que tratam da ques­ tão da terra no Acre, pelo professor Elder Andrade de Paula, da UFAC, cedidos ao autor.

­ Informações nem sempre no momento anotadas, pelo autor, colhidas das seguintes pessoas Abrahim Farhat, Hélio Melo, Silene Farias, jornalista José Leite, cineasta Adalberto Queriós, repórter Campos Pereira, Manoel Pacífico, Antônio Marmo, Al­ berto Furtado, Suede Chaves, Pascoal Muniz, Homero de Oliveira Costa, Elson Martins da Silveira, Sílvio Martinello e outros, cuja omissão dos nomes devem­se a lapsos de memória, para essas pessoas desde já peço desculpas.

Arquivos Consultados

­ Diocese do Acre e Purus – Rio Branco (AC) ­ Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística­FIBGE – Rio Branco (AC). ­ Museu da Borracha do Estado do Acre – Rio Branco (AC). ­ Centro de Documentação e Informação Histórica­CDIH – Universidade Federal do

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