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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI PEDRO CAMILO ROSA ALVA NOTO E RYUICHI SAKAMOTO NA PERFORMANCE INSEN LIVE: DIALOGISMO SONORO E SEUS ASPECTOS PROJETUAIS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU SÃO PAULO MARÇO / 2015

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

PEDRO CAMILO ROSA

ALVA NOTO E RYUICHI SAKAMOTO NA PERFORMANCE “INSEN LIVE”:

DIALOGISMO SONORO E SEUS ASPECTOS PROJETUAIS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGN

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

SÃO PAULO

MARÇO / 2015

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

PEDRO CAMILO ROSA

ALVA NOTO E RYUICHI SAKAMOTO NA PERFORMANCE “INSEN LIVE”:

DIALOGISMO SONORO E SEUS ASPECTOS PROJETUAIS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

D ss rt o pr s nt o Pro r m P s-

Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado,

da Universidade Anhembi Morumbi como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em

Design.

Orientadora: Profa. Dra. MIRTES MARINS DE

OLIVEIRA.

SÃO PAULO

MARÇO / 2015

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

PEDRO CAMILO ROSA

ALVA NOTO E RYUICHI SAKAMOTO NA PERFORMANCE “INSEN LIVE”:

DIALOGISMO SONORO E SEUS ASPECTOS PROJETUAIS

Dissertação de Mestrado

D ss rt o pr s nt o Pro r m P s-

Graduação Stricto Sensu em Design –

Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi

como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre em Design. Aprovada pela seguinte

Banca Examinadora.

Profa. Dra. Mirtes Marins de Oliveira.

Orientadora

Mestrado em Design Anhembi Morumbi

Prof. Dra. Lisette Lagnado

Examinadora Externa

EAV Parque Lage

Profa. Dra. Luisa Paraguai

Examinadora Interna

Universidade Anhembi Morumbi

SÃO PAULO

MARÇO / 2015

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To os os r tos r s rv os pro r pro u o tot l ou p r l o

trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.

PEDRO CAMILO ROSA.

Professor do curso de Produção Musical da Universidade Anhembi Morumbi

das disciplinas com vertentes tecnológicas, musicais e de gerenciamento de

projetos. Bacharel em música formado pela Faculdade Mozarteum de São Paulo

(1993) com performance em violão erudito. Pós graduado pela UAM em Educação

no Ensino Superior (2012). Pesquisador em tecnológica e design de som alinhados

com o programa de Mestrado (Stricto Sensu) em Design da Universidade Anhembi

Morumbi.

R695a Rosa, Pedro Camilo Alv Noto Ryu h S k moto n p rform n “ ns n l v ”: lo smo sonoro e seus aspectos projetuais / Pedro Camilo Rosa. – São Paulo, 2015. 91f.; 30 cm. Orientadora: Prfa. Dra. Mirtes Marins de Oliveira. Dissertação (Mestrado em Design) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2015. Bibliografia: f.88-91. 1. Design-projeto dialógico. 2. Composição musical. 3. Dialogismo sonoro-visual. I. Título. CDD 741.6

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Dedico este trabalho aos meus pais Flávio Rosa e

Maria Aparecida pelo exemplo de vida e força

motivadora para chegar até aqui.

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Agradecimentos

qu r professora e orientadora Drª. Mirtes Marins que me ajudou a

compreender o tamanho deste desafio, sempre com muita paciência e dedicação me

ajudou a dar dinamismo e objetividade durante todo o processo de construção deste

trabalho.

Agradeço a todo corpo docente do Programa de Mestrado em Design da

Universidade Anhembi Morumbi principalmente as professoras Drª. Agda Regina De

Carvalho, Drª. Luisa Paraguai, Drª. Ana Mae Barbosa e a coordenadora Drª. Rachel

Zuanon pela paciência e dedicação.

Aos meus colegas professores Guima, Mário Cesar, Edu Vianna, Fernão,

Peninha, Ricardo, Cris e Marli pelo apoio e ajuda nas pesquisas e trocas de

informação.

Um agradecimento especial a todo trabalho feito pela secretaria na pessoa da

Antônia, querida amiga que sempre se desdobrou para me ajudar nos momentos de

dúvida.

Aos meus amigos Figueiredo e Ricardo que permaneceram ao meu lado me

ouvindo sempre com muita paciência e ajudando nas minha reflexões e nos

momentos difíceis.

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Resumo

Este trabalho pretende investigar as variações e extensões criadas no diálogo

entre músicos durante uma performance ao vivo, considerando o processo de

relações entre som e imagem por meio das narrativas musicais. Toda a pesquisa

desenvolvida neste trabalho será norteada pelo estudo da proposta projetual de

design criada no processo dialógico entre o músico e artista sonoro Alva Noto em

dueto com o pianista e compositor Ryuichi Sakamoto durante a performance ao vivo

mús “ax Mr. L”1. Compreende-se a proposta projetual como o processo de

construção do diálogo entre os músicos, que acontece na pré-produção, com o

preparo do arranjo musical e sequenciamento sonoro-visual e na execução ao vivo

da performance.

Para isso serão apresentados aqui o conceito de dialogismo de Mikhail

Mikhailovich Bakhtin (1895-1975) e seus desdobramentos, estudados nos trabalhos

desenvolvidos pela professora e linguista Diana Barros 2 . A semioticista Julia

Kristeva3 apresenta a compreensão de intertextualidade, conceito estruturante do

dialogismo, e é também estudada e apresentada no trabalho.

No texto Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade (BARROS, 2011, p. 1), é

apresentado um entendimento do conceito de dialogismos mais adaptado à

contemporaneidade e à investigação das relações dialógicas dos discursos no

universo musical. A contextualização histórica dos estudos de Bakhtin é apresentada

no l vro “B kht n o Círculo” (BRAIT, 2009, p. 9).

Todo trabalho de análise musical desenvolvido na presente pesquisa é

baseado nos estudos de análise musical do musicólogo britânico Philip Tagg4 e

serve não só para analisar a composição do músico Ryuichi Sakamoto, mas também

como suporte para entender os processos de estruturação do projeto sonoro de Alva

Noto.

Palavras-chave: Dialogismo sonoro-visual, Alva Noto & Ryuichi Sakamoto, projeto

dialógico no campo do Design.

1 A música está registrada em vídeo e faz parte do DVD Insen Live (11a faixa), publicado pela gravadora alemã Raster-Noton durante a turnê do duo Alva Noto & Ryuichi Sakamoto em 2006, nas cidades de Porto, em Portugal, e Barcelona, na Espanha. 2 O livro consultado foi: Dialogismo, polifonia, intertextualidade em torno de Bakhtin. 3 O livro consultado foi: Introdução à Semanálise. 4 Um dos fundadores da International Association for the Study of Popular Music – IASPM.

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Abstract

This academic essay intends to investigate the variations and ranges created

in the dialogue between musicians during a live performance, considering the

relations between image and sound by means of musical narratives. All the research

carried out in this essay is guided by the study of the design project proposal created

in the dialogue process between the musician and sound artist Alva Noto in duet with

the pianist and music composer Ryuichi Sakamoto during the live performance of the

son “ax Mr. L”5. The project proposal is a dialogue building process between the

musicians, and takes place during the pre-production, by means of the musical

arrangement preparation and sound-visual sequencing, and during the live

performance.

To that end, the concept of dialogism by Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-

1975) and its ramifications, as produced in essays by Professor and Linguist Diana

Barros 6 , will be presented. Semiotician Julia Kristeva 7 introduces an insight on

intertextuality, a structural concept of dialogism, also studied and presented in this

essay.

In the book Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade (BARROS, 2011, p. 1), a

contemporary definition of the dialogism concept associated with the investigation of

dialogical relations between speeches within the musical universe is produced. The

ook “B kht n o Cír ulo” (BRAIT, 2009, p. 9) presents a historical contextualization

on Bakhtin’s studies.

The entire musical analysis developed within this research is based on British

musician Philip Tagg’s8 musical analysis studies, not only to analyze the musical

composition of Ryuichi Sakamoto, but also to help enlighten the sound project

structuring processes of Alva Noto.

Keywords: Sound-visual dialogism, Alva Noto & Ryuichi Sakamoto, dialogic project in

the Design area.

5 The sound is recorded in video and is part of the DVD Insen Live (11th track), recorded by the German label Raster-Noton during Alva Noto & Ryuichi Sakamoto duo tour in 2006, in the cities of Porto, Portugal, and Barcelona, Spain. 6 Book title: Dialogismo, polifonia, intertextualidade em torno de Bakhtin. 7 Book title: Introdução à Semanálise 8 One of the founding members of the International Association for the Study of Popular Music – IASPM.

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Sumário

Introdução

12

1 Contextualização histórica e conceitual da pesquisa

1.1 Histórico Estético Alva Noto & Ryuichi Sakamoto 16

1.2 O Som e a Produção Visual 28

1.3 Dialogismo Sonoro e Visual 33

1.4 Modelo analítico da composição musical

39

2 Análise da Performance

2.1 Análise Musical Formal 43

2.2 Análise Sonora 50

2.3 Análise Visual

60

3 Aspectos Projetuais

3.1 Projeto Dialógico Sonoro 65

3.2 Projeto visual 73

3.3 Projeto Técnico: a mecânica do diálogo

78

Considerações Finais 86

Bibliografia 88

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Lista de figuras

Figura 1.

Alva Noto em uma performance solo. Evento TOUCHDESIGNER IN THE

ROOM, MUTEK_10 (2009) Canadá. Fonte: site oficial do artista 2015.

17

Figura 2.

Projeto gráfico da discografia de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto. Fonte site

oficial da gravadora raster-noton 2015.

25

Figura 3.

Ópera Einstein on the Beach escrita por Philip Glass e dirigida por Robert

Wilson encenada na Academia de Música do Brooklyn. Fonte Revista

Pitchfork Media Inc (2012)

29

Figura 4.

Performance de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto, música ax Mr L. Fonte DVD

Insen Live (2006).

31

Figura 5.

Dimensões do espaço textual Literário. Fonte: o autor, 2014.

36

Figura 6.

Dimensões do espaço textual literário musical. Fonte: o autor, 2014.

37

Figura 7.

Correspondência hermenêutica por meio de comparação entre objetos.

Fonte: TAGG, 1982, p. 21.

42

Figura 8.

Quadro descritivo musical. Música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio

extraído do CD com o mesmo nome publicação em vinil pela MCA Recordes

(1983). Fonte o autor 2015

45

Figura 9.

Escala Pentatônica. Fonte o autor, 2015.

47

Figura 10.

Fr m nto Fr s “A” o T m C ntr l mús “M rry Chr stm s Mr

L wr n ” s o o p no Font : p rt tur Y no Mus Pu l sh n

Company Limited, Japan 1982.

48

Figura 11.

Fr m nto Fr s “A” o T m C ntr l mús “M rry Chr stm s Mr

L wr n ” S o o t m or l v Font o utor, 2015

49

Figura 12.

Formação dos acordes. Fonte o autor, 2015.

50

Figura 13.

Quadro descritivo sonoro. Música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio

extraído do DVD Insen Live publicação em 2006 pela gravadora Raster

Noton. Fonte o autor 2015.

52

Figura 14.

Partitura da melodia do compasso Motivo Musical Básico da música Merry

54

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Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído do DVD Insen Live. Fonte o autor

2015.

Figura 15.

Fonte Partitura Universal Edition, Viena em 1923

55

Figura 16.

Estrutura intervalar das melodias Serenade from Hassan (esquerda) e ax Mr

L (direita). Fonte o autor, 2015

55

Figura 17.

Fragmento inicial da composição Badinerie de J. S. Bach. Fonte Chester

Musica Limited, London, 2003

56

Figura 18.

Quadro comparativo da articulação do fragmento coletada da música de J.S.

Bach com fragmento musical Motivo Musical de Ryuichi Sakamoto. Fonte o

autor 2015.

57

Figura 19.

Fragmento inicial da música Arabesque No.2 de Claude Debussy. Fonte

Musicnotes, Inc. 2009

58

Figura 20.

Fonte: Musicnotes, Inc. 2014

59

Figura 21.

Gr strutur nt m ns us n p rform n mús “ x Mr L

Font ”, o utor 2015

61

Figura 22.

Partitura projetada sobre o grid. Fonte o autor 2015

62

Figura 23.

Duas amostras extraídas do filme Synchromy (1971) do cineasta Norman

McLaren. Fonte: National Film Board of Canada (2014).

63

Figura 24.

Espectro de frequência da música ax Mr. L em destaque parte executada ao

piano. Fonte o autor 2015.

68

Figura 25.

Espaço auditivo humano com destaque a amplitude frequencial do piano.

Fonte o autor 2015.

70

Figura 26.

Espectro de frequência da música ax Mr. L. Em verde, espectro de

frequências dos sons eletrônicos não usados pelo pianista. Fonte o autor

2015.

72

Figura 27.

Padrões formatadores das figuras. Fonte: o autor, 2015.

74

Figura 28.

Amostragem das imagens criadas durante a performance da música ax Mr.

L. Fonte o autor 2015.

77

Figura 29.

Alva Noto e seu set de equipamentos eletrônicos. em destaque no centro da

79

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imagem o sintetizadores Synthi AKS da EMS. Fonte Adroyt Partners Inc

publicado em 2012

Figura 30.

Renderização feita para pré-visualização do palco na performance dos

artistas Ryuichi Sakamoto e Alva Noto. Fonte meda36 . (2014)

80

Figura 31.

Destaque em vermelho o circuito do sinal de áudio usado como retorno para

os músicos. Foto editada pelo autor. (2015)

80

Figura 32.

Esquema de Cabeamento, circuito do sinal de áudio. Fonte o autor 2015

81

Figura 33.

Alva Noto e Ryuichi Sakamoto na performance Insen Live. Foto extraída do

o um ntár o D n ty F st v l “S” Tour (2011) Font D n ty TV Cr w

(2015).

83

Figura 34.

Alva Noto e Ryuichi Sakamoto na performance Insen Live. Foto extraída e

t p lo utor, o o um ntár o D n ty F st v l “S” Tour (2011) Font

Dancity TV Crew (2015).

84

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12

Introdução

A linha de pesquisa na qual o trabalho se insere, no âmbito das atividades do

Programa de Pós Graduação em Design da Universidade Anhembi Morumbi, é a de

Design, Meios Interativos e Emergentes, que estuda neste trabalho a interação

dialógica entre músicos através da tecnologia dando, destaque aos aspectos

projetuais da linguagem sonora e visual.

Este trabalho foca nos aspectos projetuais das linguagens sonoras e visuais e

que operam usando interfaces digitais e um instrumento musical. Os aspectos

projetuais apontados neste trabalho são: o espectro de frequências onde são

estudadas as regiões do espectro frequencial que cada instrumento ocupa, a

orquestração sonora onde são identificados e qualificados os sons que compõem

essa polifonia musical, a projeção visual e sua relação com o sonoro e finalmente a

mecânica do dialogo que é uma leitura técnica do percurso do som e levantamento

dos equipamentos usados nessa performance.

Tem como proposta investigar perspectivas no campo do design e suas

interfaces com a arte e a tecnologia digital, através das relações conceituais,

estéticas e análises de seus processos de construção fundamentados na relação

dialógica entre os músicos.

Faz parte desta pesquisa investigar aspectos teóricos e metodológicos das

práticas de execução musical usadas nas performances ao vivo do concerto de Alva

Noto & Sakamoto, destacando os seguintes aspectos: a tipificação do diálogo

musical; o mecanismo de sincronia musical, sonora e visual; o processo de

composição sonora e visual usado por Alva Noto; e o arranjo musical construído por

Sakamoto para essa performance. Todos esses aspectos serão desenvolvidos

respectivamente nos capítulos Dialogismo Musical e Projeto Dialógico.

O objetivo do trabalho é estudar o processo de criação da intervenção de Alva

Noto durante o diálogo sonoro musical com o instrumentista Ryuichi Sakamoto em

uma apresentação ao vivo, considerando que tal processo apresenta aspectos

projetuais que indicam ambiente de articulação de contextos sonoro-musicais,

refletindo diretamente não só nos formatos das imagens projetadas durante a

performance mas também na dinâmica dos movimentos criados pelos músicos

durante a execução musical. É estudada a relação de diálogo entre o arranjo para

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piano da música Merry Christmas Mr. Lawrence, composta pelo pianista Ryuichi

Sakamoto, e o som eletrônico manipulado por computadores por Alva Noto,

buscando evidenciar assim o conceito e a caracterização das possibilidades de

interação entre o músico e a tecnologia eletrônica de produção sonora.

A performance, material de pesquisa deste trabalho, deve ser compreendida

como um espetáculo ao vivo que incorpora as linguagens sonora, musical e visual, e

que não deve ser dissociado.

A justificativa para esta investigação parte da um artigo escrito pelo Prof.

Fernando Iazzetta9, “Interação, Interfaces e Instrumentos em Música Eletroacústica”

(1999) onde ele afirma:

“Até um passado recente, a interação inteligente era estudada apenas como um fenômeno humano. Ela foi observada, analisada e teorizada por cientistas do comportamento, mas sempre sob a p rsp t v xpl o, n o o s n”

Embora a música seja, na sua essência, uma arte interativa ou aquela que

promove a interação entre elementos de um mesmo grupo que se dispõem a fazer

música, a questão da interação musical ganha um novo olhar na contemporaneidade

quando passa a não só considerar os aspectos humanos da relação entre músicos,

mas também o estudo do processo de construção dessa interação, como um

“Proj to”

O design de sistemas de interação entre homens e máquinas consiste hoje em um largo campo de estudo envolvendo o trabalho de pesquisadores de diversas áreas, entre elas, psicologia, engenharia, ciência da computação e medicina. (IAZZETTA, 1999 p. 1)

O desenvolvimento de conceitos e estudos sobre projetos dialógicos de

interação entre músicos usando interfaces digitais e instrumentos musicais

analógicos é relevante para o designer de sistemas de interação entre homem e

máquina.

A perspectiva de designers de interfaces musicais busca modelos e soluções

para seus projetos em teorias das ciências do comportamento para entender a

interatividade nesse modelo comunicacional dialógico. Por sua vez, as ciências do

comportamento humano de interação observam, nesse processo de interação

9 Fernando Iazzetta é professor Livre-Docente na área de Música e Tecnologia do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP.

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14

dialógica entre músicos, subsídios para novos estudos que poderiam ser aplicados

em outras áreas, como o desenvolvimento de novos projetos de interfaces

pedagógicas usadas no ensino musical.

A parceria musical entre Alva Noto e Ryuichi Sakamoto começou em 2003,

ano do lançamento de "Vrioon”, pr m ro ál um o uo, que propõe o encontro de

um instrumento tradicional, como o piano acústico, com computadores e interfaces

que manipulam o som. Essa sonoridade promoveu a participação desse dueto no

festival Sónar, na cidade de São Paulo, Brasil, em 12 de maio de 2012.

Criado em 1994, o Sónar10 é um Festival Internacional de Música Avançada e

New Media Art que, desde 2002, já organizou mais de cinquenta festivais em países

distintos, e se tornou uma referência na música de vanguarda e experimentações

dentro da cena contemporânea da música eletrônica, reunindo artistas que transitam

da produção musical ao audiovisual.

Um dos processos tecnológicos e criativos de manipulação sonora e

sequenciamento eletrônico usado nessa performance é o conjunto de sons pré-

gravados e posteriormente manipulados. Proporcionado pelas máquinas e

tecnologias disponíveis na década 1950, como a gravação analógica em fitas

magnéticas, a origem dessa técnica usada por Alva Noto se deu no movimento

musical Música Concreta, a partir de experimentos sonoros do compositor francês

Pierre Schaeffer (1910-1995), que usava sons de objetos concretos captados por

meio de microfones e armazenados em fitas magnéticas para compor suas obras. O

intuito de Shaeffer e dos participantes do Club d´Essai, formado por seguidores

desse movimento, entre eles Pierre Henry, Michel Philippot, Iannis Xenakis, Olivier

Messiaen, era apresentar para o universo da composição musical sons de origens

diversas veiculados através de alto-falantes, sem que o ouvinte pudesse

necessariamente ver a fonte sonora. (SANTAELLA, 2001, p. 90)

Outro processo tecnológico e criativo usado nesta performance de Alva Noto

& Ryuichi Sakamoto é o som construído artificialmente através de sintetizadores, em

um processo chamado de síntese sonora, mecanismo de criação usado desde a

década de 1950, baseado na elaboração de ondas sonoras que só é possível gerar

em laboratório. A Elektronishe Musik do compositor alemão ícone da vanguarda

10 SÓNAR, 19, 2012, São Paulo. International Festival of Advanced Music and New Media Art. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias>. Acesso em: 12 de outubro de 2014.

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15

musical da época, Karlheinz Stockhausen (1928-2007), usava uma matriz sonora

gerada pelos próprios aparelhos eletrônicos. Em 1951, Herbert Eimert fundava, junto

à rádio NWDR de Colônia, na Alemanha, o primeiro Estúdio de Música Eletrônica

que contava com a participação de Henri Pousseur, Karel Goeyvaerts, Gottfried

Michael Koenig, além de Stockhausen. (SANTAELLA, 2001, p. 90).

A Música Concreta de Schaeffer e a Música Eletrônica de Stockhausen,

inicialmente com estéticas opostas, começam a fundir suas técnicas de composição,

e elementos da Música Concreta são utilizados em composições alemãs.

(MENEZES, 2006, p. 348)

O uso de samples e de síntese sonora por Alva Noto na performance musical

com Ryuichi Sakamoto mostram a presença da linguagem musical dos movimentos

estéticos: Música Concreta, na França, e Música Eletrônica, na Alemanha, durante a

década de 1950. É importante ressaltar que na matéria prima sonora usada por

Pierre Schaeffer encontram-se gravações de fontes sonoras de qualquer origem,

usados por Alva Noto também como material sonoro em suas composições.

A metodologia usada neste trabalho é uma pesquisa exploratória com

levantamento de dados e informações técnicas e de dialogo entre as linguagens

sonora e visual sobre a mús “ x Mr L” xtr í o o DVD “Insen Live” (2007), que é

uma gravação da performance do duo Alva Noto e Sakamoto.

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16

1. Contextualização Histórica e Conceitual da Pesquisa

1.1. Histórico Estético Alva Noto & Ryuichi Sakamoto

Carsten Nicolai11, ou Alva Noto (1965-) como é conhecido, nasceu na cidade

de Karl-Marx-Stadt, na Alemanha. Em 1985, estudou paisagismo em Dresden e

iniciou sua carreira artística nas artes visuais. Nos anos 1990, começou a pesquisar

e usar elementos sonoros em suas criações artísticas, usando mecanismos de

síntese sonora como ondas senoidais12 e frequências muito agudas e muito graves,

características sonoras presentes em seus trabalhos até hoje.

Em 1994, N ol fun “Noton. Archiv für ton und nichtton”, uma gravadora

que usa uma plataforma digital (um site) para publicar projetos musicais e obras de

instalação. Contemporânea a essa mesma cena musical alemã, existe a gravadora

Rastermusik, dos músicos Olaf Bender (1968-), artista atuante na cena eletrônica

alemã usando o pseudônimo de Byetone, e Frank Bretschneider (1956-), compositor

com formação em artes visuais que usa a computação gráfica em suas

apresentações. Em 1999 essas duas gravadoras se fundem, formando assim a

Raster-Noton13, uma importante editora e distribuidora de música que funde som,

arte e design.

Na entrevista publicada pelo Medien Kunst Netz14 (1998), Nicolai afirma que o

som do rádio foi uma influência sonora determinante em sua formação

sonoro/musical e aponta a natureza dos sons escolhidos em suas obras. A

dificuldade de sintonia das estações de rádio fez com que ele optasse pelas ondas

curtas, e este fenômeno de interferência na transmissão ficou marcado em sua

memória e posteriormente foi usado como matéria prima em suas composições.

11 Dados coletados no site oficial de Carsten Nicolai: <http://www.carstennicolai.de/?c=biography> Acesso em: 12 de outubro de 2014. 12 Onda Senoidal é a forma mais pura de onda, cujas oscilações acima e abaixo da linha média são idênticas. (232). DOURADO, Henrique Autran. Dicionário de termos e expressões da música. Editora 34 LTDA. São Paulo 2004 13 Site oficial da Raster-Noton: <http://www.raster-noton.net/ > Acesso em: 12 de outubro de 2014. 14 FRIELING, Rudolf. Media Art Net é um projeto que contextualiza a arte de mídia usando a Internet. Entrevista impressa em Make it funky – Colônia Alemanha, 1998, p. 325-329.

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17

As fotos (Figura 1) mostram Alva Noto em diferentes momentos da

performance ao vivo Mutek 10 15 (2009). As imagens retratam o artista em

apresentação solo manipulando os sons e as imagens em tempo real. Ao fundo

podemos identificar algumas imagens que representam de maneira gráfica as

frequências que estão sendo executadas na performance. O desejo de visualizar o

som está presente em seu trabalho, a waveform ou formato das ondas possibilidade

de ver o desenho das ondas sonoras gravadas digitalmente aparece nos trabalhos

de Alva Noto de maneira a lembrar os sons produzidos por um rádio em estática.

Figura 1. Alva Noto em uma performance solo. Evento TOUCHDESIGNER IN THE ROOM,

MUTEK_10 (2009) Canadá. Fonte: site oficial do artista 2015.

Buscando encontrar uma origem para a sonoridade que Nicolai usa em suas

composições, a música “My Life in The Bush of Ghosts" (1981)16, do músico e

15 Alva Noto na performance Touchdesigner in the Room, Mutek_10 na cidade de Montreal em Maio de 2009. Fonte: site oficial do artista <http://www.alvanoto.com> Acesso em: 26 de outubro de 2015. 16 My Life in the Bush of Ghosts foi um álbum gravado em 1981 pelo cantor da banda Talking Heads, David Byrnes, e o produtor musical Brian Eno, desenvolvedor do conceito de

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18

produtor musical britânico Brian Eno, é reconhecida por ele como uma obra

importante na sua formação musical.

O uso do processo de repetição de fragmentos sonoros combinado às

projeções de elementos gráficos em painéis durante a performance do duo Alva

Noto & Sakamoto aproxima o conceito deste trabalho do universo minimalista. O uso

do Glitch17 como um ícone sonoro, aparecendo como um ostinato durante toda a

apresentação musical, e as formas geométricas minimamente reduzidas a linhas

verticais e horizontais, são aspectos marcantes da estética minimalista presentes

nessa performance.

O Movimento Minimalista na música começou nos Estados Unidos nos anos

de 1960, com uma proposta bastante peculiar de se compor música. A técnica de

composição adotada por esse movimento estético é baseada, sobretudo, no uso da

repetição. É importante salientar que não é o uso da repetição de fragmentos

musicais que caracteriza o minimalismo, mas o uso da repetição como processo

sistemático. Steve Reich (1936-), compositor norte-americano que, junto com Philip

Glass (1937-), foi pioneiro da Música Minimalista em meados dos anos 1960,

demonstra em suas composições a preocupação com a evidenciação do processo

composicional da repetição. Na publicação Music as a Gradual Process (1974),

Reich identifica a obra musical como o processo de composição na sua essência,

mostrando que a obra musical deve demonstrar, durante sua execução, a essência

de seu processo composicional, pois seu interesse é perceber (ouvir) o processo de

construção musical acontecendo através do som.

“Eu não quero dizer processo de composição, mas sim obras que são literalmente processos (...). Estou interessado em processos perceptíveis. Quero ser capaz de ouvir o processo acontecendo

através do fluxo de toda a extensão da música.18” (REICH 1974, p. 304)

Ambient Music. MOON, Ton. 1.000 Recordings To Hear Before You Die. Workman Publishing. New York, NY, 2008. 17Glitch m áu o, s n f ruí o t mporár o p r o om um “ st lo” (En lopé Bás da Mídia Eletrônica por Ricardo Pizzotti Editora Senac São Paulo, 2003, p. 134). 18Texto original: “I do not mean the process of composition, but rather pieces of music that are, literally, processes.... I am interested in perceptible processes. I want to be able to hear the process happening throughout the sounding music.”. Fonte COX, Christoph. 2006, p.304

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19

A publicação Performing Artists, da editora e produtora independente alemã

Budde Music19, define o trabalho do artista sonoro Carsten Nicolai como pertencente

a uma geração de artistas que trabalha intensamente na área de transição entre a

arte e a ciência. Como artista sonoro e visual, ele busca ampliar os limites das

percepções sensoriais dos espectadores, como, por exemplo, tornando frequências

sonoras e imagens que normalmente não seria possível reconhecer perceptíveis

para quem assiste sua performance.

Pela Rádio BBC20, em 2005, Carsten foi apontado como um artista relevante

entre artistas da música eletrônica e designers visuais que usam a imagem e a

música como ferramentas híbridas no processo de criação para seus projetos. Ele

usa a matemática para dar precisão rítmica às suas composições, e a física para dar

característica acústica21 a um determinado som, tal qual, o uso de equipamentos

eletrônicos como o oscilador de áudio, que é um equipamento usado para criar

ondas sonoras artificialmente.

Em entrevista ao site de distribuição digital fonográfica Bleep, em 2010, Alva

Noto fala sobre a rotina de trabalho de composição de seus projetos. Uma equipe de

cinco pessoas trabalha em um pequeno estúdio em Berlim finalizando os trabalhos

quanto ao projeto visual da obra. Porém, toda a parte de composição sonora é

trabalhada pelo próprio músico22.

Alva Noto trabalha com um ambiente de programação visual baseado em

analisadores de sons, como o analisador de espectro sonoro, e com algumas

interfaces digitais de desenvolvimento de imagens, como, por exemplo, a Quartz

Composer 23 . Sobrepondo este universo o compositor construiu um dispositivo

(hardware) que permite alimentar com áudio as ondas do sinal de vídeo para poder

distorcer depois, produzindo imagens.

19 http://music.buddemusic.de Acesso em: 12 de outubro de 2014. 20 Rádio BBC <http://www.bbc.co.uk/radio3/cutandsplice/nicolai.shtml#top> Acesso em: 12 de outubro de 2014. 21 Uma característica acústica usada por Alva Noto em suas composições é a reverberação. O músico usa um dispositivo eletrônico que simula, de uma maneira artificial, o dimensionamento de uma sala de reverberação. 22 Entrevista publicada em 10 de outubro de 2010 - Bleep http://blog.bleep.com/2010/10/21/bleep-interviews-raster-notoncarsten-nicolai-alva-noto/ 23 Quartz Composer (QC) é uma interface digital que possibilita editar sons e imagem em um grid não linear e com uso de filtros transforma-los em imagens. (ROBINSON, Graham e BUCHWALD, Surya. 2013, p. 3)

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Em uma entrevista à “Red Bull Music Academy” 24 (2011) na cidade de Madri,

Alva Noto conta que as cores específicas e padrões de imagem são gerados

diretamente numa tela, de maneira que a ligação do som com a imagem é

absolutamente direta. Alva Noto descobre essa técnica de construção de imagens

trocando os inputs de conexão dos cabos de áudio e vídeo e depois distorcendo as

imagens produzidas. Em outras palavras, isso faz com que os sinais de áudio, uma

vez conectados no input de vídeo, produzam imagens ao invés de som.

Nick Collins25 considera o trabalho de Carsten Nicolai como pertencente a

uma geração de artistas na vanguarda das explorações sonoras e visuais da

tecnologia eletrônica. O livro de Collins, Cambridge Companion to Electronic Music

(2007), destaca um aspecto fundamental nas composições de Alva Noto, que é a

questão de como o tempo é percebido através do som. Para isso, ele altera a

variação de velocidade de repetição de pequenos fragmentos sonoros, chamados

loops. O recurso usado por Alva Noto pode ser comparado ao efeito sonoro

provocado pela alteração da velocidade de rotação de um disco de vinil.

A transformação de estruturas visuais em padrões sonoros como percepção

sinestésica é lembrada por Alva Noto como propriedade artística em algumas de

suas obras, como a instalação Telefunken 26 (2000), na qual ele usa sinais de

imagens de TV como fonte sonora. Esse mecanismo de composição sonora aparece

na performance “ax Mr L”, na construção sonora de pequenos clicks característicos

do áudio com defeito de televisores. (COLLINS, 2007, p. 83)

Um aspecto importante na elaboração conceitual dos trabalhos de Alva Noto

é a reprodução de erros gerados pelo próprio sistema. Essas variações do sistema

são tomadas como novas informações, chamadas de mutações27. O surgimento de

novas formas e padrões de mutação intrínsecas a um sistema passa a ser chamado

de Mutação Ativa. (COLLINS, 2007, p. 83)

24 Entr v st n “Red Bull Music Academy” 2011 M r : <http://www.redbullmusicacademy.com> Acesso em: 12/10/2014. 25 Nick Collins é pesquisando britânico em Computer Music da Universidade de Cambridge e coeditor do livro The Cambridge Companion to Electronic Music. 26 DISCOGRAFIA de Alva Noto. Telefunken. Disponível em: <http://www.alvanoto.com/?a1=discography&a2=album> Acesso em: 12/10/2014. 27 Nicolai cita, ainda no livro The Cambridge Companion to Electronic Music, uma referência importante, que é o artigo científico escrito pelo doutor em física Takashi Ikegami da Universidade de Tóquio. O artigo Active Mutations in Self-reproducing Networks of Machines and Tapes (1996).

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Alva Noto também trabalha com uma plataforma de desenvolvimento visual

chamada TouchDesigner28, projetada para criar um sistema interativo de mídias

manipulado em tempo real durante sua performance no palco.

O compositor busca fontes sonoras convencionais como samples, que são

amostras de sons gravados de vozes ou instrumentos musicais, além de sons

sintetizados, mas a marca fundamental de seu trabalho é a busca por fontes sonoras

que são conhecidas como clicks ou glitches, reconhecidas pelos técnicos de

gravação como falhas causadas por um erro no sistema de gravação. (BBC.2005)

Os parâmetros sonoros variáveis, como frequências e amplitudes, são

aproveitados por Alva Noto não só como elemento de composição sonora, mas

também como resultado gráfico que ele produz. Os atributos físicos de som,

intensidade, altura, duração e timbre podem ser usados como mecanismos

geradores e articuladores de parâmetros visuais, tais como: variação das cores,

intensidade luminosa, velocidade dos movimentos e formatos geométricos das

imagens. O resultado dessa prática, pré-programado pelo artista em um

computador, é projetado em um monitor durante a performance. Quando esse

mecanismo de composição visual gerado pelas propriedades variáveis do som é

colocado no palco, o olhar do espectador é desviado e passa a apreciar não só o

som, mas também a cena visual criada.

Importante destacar aqui a vivência e relevância de Alva Noto dentro do

cenário das artes plásticas considerando, que a criação e manipulação de imagens é

parte fundamental do objeto de pesquisa deste trabalho. Depois de sua participação

em exposições internacionais, como "Documenta X" (1997)29, e da 49a (2001) e 50a

(2002) edições da Bienal de Veneza, as obras de Nicolai foram mostradas em duas

exposições individuais abrangentes na Schirn Kunsthalle Frankfurt, Alemanha (Anti

Reflex), na Neue-Nationalgalerie, em Berlim (Syn Chron) em 2005, na Haus

Konstruktiv, Zurique (Static Fades) em 2007 e no Cac, Vilnius (Pionier) em 201130.

28 Em 2008 a gravadora de Alva Noto, a Raster-Noton, e a Derivative, uniram forças para um projeto colaborativo que levou a realização de apresentações dos artistas da gravadora durante seus shows audiovisuais ao vivo. TouchDesigner, programa de áudio usado por Alva Noto, é um produto desenvolvido pala Derivative Visual Thinking- <http://www.derivative.ca/> Acesso em: 12/10/2014. 29 Do um nt X ou “ X” fo um xpos o rt ont mporân qu ont u ntr 21 de junho a 28 de setembro de 1997. Direção Artística de Catherine David e curadoria de Simon Lamunière. <http://www.documenta12.de/archiv/dx/> Acesso em: 12/10/2014. 30 Site oficial de Carsten Nicoli - <http://www.carstennicolai.de/?c=biography> Acesso em: 12/10/2014.

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Em uma entrevista no site Bleep (2010), Alva Noto afirma que costuma

registrar suas ideias em um notebook e trabalhar essas criações até o momento em

que realmente estão maduras, evitando dessa maneira a turbulência da

impulsividade do momento da criação. O cuidado em manter um processo

sistemático de criação do autor evidencia um aspecto projetual de suas criações

tanto individualmente como em parcerias com outros músicos.

Em seu trabalho Carsten Nicolai, nascido em 1965 em Karl-Marx-Stadt, busca superar a separação das formas de arte e gêneros para uma abordagem artística integrada. Influenciado por sistemas de referência científica, Nicolai muitas vezes envolve padrões matemáticos tais como grades e códigos, bem como de erro aleatório e auto-organização das estruturas.31

Ryuichi Sakamoto 32 (1952) é um músico essencialmente compositor e

instrumentista. Suas experiências musicais vão do pioneirismo na música eletrônica,

com participação na formação do trio de música pop-eletrônica japonesa chamada

Yellow Magic Orchestra (1978), à composição de uma opera, “L f ”33.

Sakamoto começou a estudar música aos onze anos de idade (1963), oito

anos depois ingressou na Tokyo National University of Fine Arts and Music34, onde

conclui o curso de bacharelado em composição e, em seguida, mestrado em música

eletrônica e étnica.

Sua primeira influência quando criança foi tocar composições do músico

francês Claude Debussy (1862-1918). Sakamoto afirma em sua biografia que “a

música asiática influenciou fortemente Debussy e Debussy me influenciou da

mesma forma. A música viaja em círculos por todo mundo”35. A consciência de

Sakamoto quanto à busca por uma sonoridade com significado não exclusivo de

uma só etnia fica transparente quando ouvimos os trabalhos desse artista, prova de

sua vocação cosmopolita.

31 Fonte: <http://www.carstennicolai.de/?c=biography> Acesso em: 26/10/2015. 32 Fonte: site oficial de Ryuichi Sakamoto <http://www.sitesakamoto.com> Acesso em: 26/10/2015. 33 Life foi encenada pela primeira vez em 1999 na cidade de Tóquio, Japão. 34 Fonte: site oficial de Ryuichi Sakamoto- <www.sitesakamoto.com> Acesso em: 26/10/2015. 35 Texto original: “Asian music heavily influenced Debussy, and Debussy heavily influenced me. So the music goes around the world and comes full circle.”

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Para o músico, a idade só aperfeiçoa e apura as percepções quanto ao novo,

“conforme as pessoas envelhecem, normalmente seus ouvidos se fecham para

novos sons. Meus ouvidos se abrem conforme vou envelhecendo”36. Sakamoto se

abre para novos talentos e propostas sonoras inovadoras, “há sempre jovens

talentos, artistas, bandas, DJs e todos os dias eu ouço algo surpreendente,

inesperado som ou ruído”37. Artistas que usam sons inesperados ou ruído para

compor suas músicas são aqueles que usam matrizes sonoras que não pertencem à

qualidade sonora dos instrumentos musicais convencionais, como por exemplo os

instrumentos que formam uma orquestra sinfônica.

O ecletismo musical de Sakamoto fica evidente de várias maneiras como por

exemplo na entrevista dada para o Jornal inglês The Telegraph (2011), quando ele

diz: “eu ainda amo sons e ruídos, como sempre, e eu ainda quero encontrar novas

maneiras de juntá-los”38. O desejo ou desafio do músico em encontrar a melhor

maneira de harmonizar suas composições musicais ao piano, com a proposta de um

proj to sonoro qu t m o “noise” omo matéria-prima de construção musical, está

presente em seus projetos musicais.

Em 1983, Sakamoto é premiado como melhor trilha sonora pelo tema do filme

Merry Christmas Mr. Lawrence e em seguida recebe o Oscar (1987) de melhor trilha

sonora original em O Último Imperador pela Academy Award.

O volume de publicações musicais de Ryuichi Sakamoto é significativo dentro

do cenário musical contemporâneo, porém é importante destacar aqui alguns

trabalhos gravados recentemente, resultado de parcerias e colaborações com

artistas do universo da música eletrônica, tais como o artista sonoro alemão Alva

Noto no CD Summvs39 (2011), o guitarrista e músico eletrônico austríaco Christian

36 Texto original: “As people get older, normally their ears close to new sounds. My ears get more open as I get older.” 37 Texto original: “There are always young talents, artists, bands, DJs and I hear something surprising, an unexpected sound or noise, every day." 38Texto original “I still love sounds and noise as much as ever, and I still want to find new ways to bring them together” N m tér nt tul “Ryuichi Sakamoto explains why he’s going acoustic”, publicado pelo jornal inglês The Telegraph, o músico fala de sua infância dedicada ao aprendizado musical no piano e que nesse momento sua inspiração apontava um retorno para as composições acústicas. Entrevistado por Ivan Hewett do Jornal The Telegraph em 21 de Outubro de 2011. Disponível em: <http://www.telegraph.co.uk/culture/music/worldfolkandjazz/8841379/Ryuichi-Sakamoto-the-music-dried-up.html>. Acesso em: 12/10/2014. 39 DISCOGRAFIA de Alva Noto e Sakamoto. Summvs, lançado pela gravadora Raster-Noton .Disponível em: <http://www.raster-noton.net/shop/275/summvs> Acesso em: 12/10/2014.

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Fennesz, que gravou vinte e quatro composições de Sakamoto ao piano em uma

compilação chamada Flumina 40 (2011), e a parceria com o músico americano

Christopher Willits, chamada Ancient Future (2012)41.

Em 1997, Sakamoto convida o artista sonoro Carsten Nicolai (Alva Noto) para

trabalhar em parceria em um novo projeto musical. Essa iniciativa fez surgir o duo

Alva Noto & Ryuichi Sakamoto. “Ter encontrado Sakamoto não foi um turning point

em minha carreira, mas certamente contribuiu para a expansão de meu espectro

musical, tornou-se parte do meu aprendizado”42.

Essa parceria promove no palco o encontro de dois segmentos distintos da

música, de um lado a música instrumental que segue os padrões de formas e

estruturas conhecidas da música ocidental e do outro a música eletrônica

contemporânea e o resultando é um espetáculo sonoro/visual contemplativo que une

música e projeções de imagens.

A primeira publicação, resultado desse dueto, foi Vrioon (2003), e depois

Insen (2005), Revep (2005), Utp (2007) e finalmente Summvs (2011)43.

Em destaque na figura 2 os projetos gráficos44 das publicações de 2003 a

2011. A presença da estética minimalista não aparece só nas composições

melódicas no piano ou arranjos eletrônicos, mas está presente também na

concepção de todo material gráfico da discografia do duo, como capas, encartes e

prints das bolachas dos CDs e DVDs . Além de manusear os equipamentos e

computadores no palco e de construir toda sonoridade eletrônica da performance

Carsten Nicolai também é responsável pela elaboração de todo projeto gráfico

destas publicações.

40 DISCOGRAFIA de Christian Fennesz e Sakamoto, Flumina, lançado pela gravadora Touch. Disponível em: <http://www.fennesz.com/discography/fennesz_sakamoto_flumina.html >. Acesso em: 12/10/2014 41 RELEASE de Willits e Sakamoto. Ancient Future, lançado pela gravadora Ghostly International US. Disponível em: <http://ghostly.com/releases/ancient-future>. Acesso em: 12/10/2014. 42 AGÊNCIA ESTADO. Alva Noto e Ryuichi Sakamoto juntos no festival Sónar. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 de Abril 2012. Caderno Cultura. Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,alva-noto-e-ryuichi-sakamoto-juntos-no-festival-sonar,867159> Acesso em: 12 Outubro de 2014. 43 Discografia publicada no site oficial de Alva Noto: <http://www.alvanoto.com > Acesso em: 26/10/2015. 44 Todo material fotográfico do projeto gráfico da discografia de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto foram extraídos do site oficial da gravadora Raster-noton (2015) < http://www.raster-noton.net> Acesso em: 26/10/2015.

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Figura 2. Projeto gráfico da discografia de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto. Fonte site oficial da gravadora raster-noton 2015.

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Álbum com seis faixas de áudio, o Vrioon é um trabalho que quase temos que

nos “s nton z r” p r po rmos pr ar. Segundo Ben Tausig da revista nova-

iorquina Dusted45(2004), “é t o h o usên ”, m s om o p no S k moto

presente subliminarmente ao circuito sonoro minimalista, uma simbiose em ação. Na

faixa "Uoon I", a composição melódica de Sakamoto encontra, em um dado

momento, sinais agudos que sugerem um SOS em Código Morse criadas por Noto.

Segundo o colunista Colin Buttimer46 da Rádio BBC, o CD Insen é herdeiro de

Vrioon neste projeto, a reverberação sonora produzida pelas notas do piano acústico

de Sakamoto impacta e se dissolve nos loops digitais criados por Alva Noto. As

tensões e interações criadas entre os artistas é explorada ao máximo pela

instrumentação eletrônica e acústica.

Revep possui somente três faixas e é um trabalho complementar à turnê do

duo por teatros e salas de concertos por toda Europa, e apresentam composições

inéditas em relação ao Vrioon e Insen. O nome RevEP sugere o formato de

publicação deste projeto EP ou extended play, que consiste de um CD pequeno com

poucas faixas, também conhecido como compacto ou single. A faixa "Merry

Christmas Mr. L wr n ”, famosa composição de Sakamoto, ganha um novo arranjo

p ss s h m r “Ax Mr. L”

O projeto Utp47, nome extraído da palavra utopia, apresenta o trabalho de

Alva Noto e Sakamoto interpretado por um conjunto camerístico formado por

músicos de diversas nacionalidades. O Ensemble Modern formado em 1980 com

sede em Frankfurt dedica-se a interpretar compositores modernos e

contemporâneos. O lançamento do CD e DVD é um marco nos trabalhos deste duo,

pois apresenta não só os sons do piano e sonoridades eletrônicas, mas também

timbres de outros instrumentos acústicos como violinos e instrumentos de sopro.

O último álbum Summvs é uma nova versão da interação entre o universo

eletrônico e o acústico48. A tônica deste trabalho é o encontro das melodias tocadas

45 Matéria publicada em 15 de Janeiro de 2004. <http://www.dustedmagazine.com/reviews/1215> Acesso em: 26/10/2015. 46 Matéria publicada em 2005. <ttp://www.bbc.co.uk/music/reviews/rmhj> Acesso em: 26/10/2015. 47 http://boomkat.com/dvds/186743-alva-noto-and-ryuichi-sakamoto-utp 48 NOTÍCIAS. Ryuichi Sakamoto e Alva Noto no Sónar Festival em São Paulo. Disponível em: <http://www.jame-world.com/br/news-81864-ryuichi-sakamoto-e-alva-noto-no-ssnar-

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ao piano e o contraponto sonoro de ondas senoidais traspassando por entre as

composições musicais propostas por Sakamoto. A performance ganha pulso e ritmo

com intervenções de sons que parecem imperfeições ou defeitos (estalos) de

gravação muito agudos e muito graves.

A primeira gravação da música ax Mr. L, nome da música objeto de pesquisa

deste trabalho, foi publicada e distribuída pelo selo alemão Raster-Noton49 no CD

Alva Noto + Ryuichi Sakamoto.Revep50 em 2005.

festival-em-sao-paulo.html>. Acesso em: 12/10/2014. JaME WORLD é um website de informações e banco de dados sobre a música japonesa. 49 Distribuidora Raster-Noton: <http://www.raster-noton.net/> Acesso em: 26/10/2015. 50 Alva noto + Ryuichi Sakamoto. Revep. Gravadora Raster-Noton r-n 72. CD (EP) em 08 de maio de 2006.

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1.2. O Som e a Produção Visual

A relação do som com a imagem pode ser analisada historicamente por uma

ótica estético-filosófica referencialista, bastante praticada até metade do século

XVIII, que acredita que a música tem a capacidade de sugerir ao ouvinte um outro

conteúdo que não aquele sonoro, usando a música como meio de transporte para se

atingir algo além dela. Oposto a essa ideia, a vertente absolutista51 principalmente

ligada a música instrumental considera a música como linguagem autônoma e que

deve ser lida despida de quaisquer elementos intramusicais. (CAZNOK, 2003, p. 23-

24)

Em um repertório vocal como na ópera, as imagens sugestionadas pela

narrativa de um texto servem como estimulo para a imaginação visual, além, é claro,

de todo ambiente criado para esse evento como o cenário, figurinos, iluminação.

(CAZNOK, 2003, p. 25)

Mesmo com a ausência de um texto cantado a performance Insen Live

carrega traços operísticos. O sincronismo da música com os movimentos das

imagens, o espaço de apresentação (teatro) até mesmo a dramaticidade dos

arranjos dos sons eletrônicos são elementos que aproximam estes gêneros

artísticos.

A figura 3 mostra uma cena da apresentação de 2012 da ópera Einstein on

The Beach escrita52 de Philip Glass (1937-). Nessa reencenação o uso de recursos

como projeção de imagens com formatos geográficos53 e o encontro do eletrônico

com os movimentos orgânicos dos atores, estreitam as fronteiras que separam a

performances minimalista da ópera de Philip Glass da performance Insen Live.

51 Imitações, descrições e referências a outros conteúdos que não o sonoro são ons r s nt rf rên s um supost “ u o v r r ” m nu m o v lor um obra. (CAZNOK, 2003, p. 24) 52 A ópera Einstein on The Beach escrita por Philip Glass e produzida pelo diretor de teatro Bob Wilson em 1976, foi a primeira de uma trilogia seguida por Satygraha (1980) e Akhnaten (1984). (SAMPAIO, 2001, p.61) 53 No palco são montados andaimes com uma altura igual a largura dos espaçamentos das colunas de sustentação sugerindo a figura geométrica quadrado. Ao fundo são instalados painéis luminosos que projetam a forma geométrica circular e também linhas verticais e diagonais lembrando a forma geométrica triangula . Ainda a forma retangular é apresentada como suporte para a performance de atores e bailarinos.

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Figura 3. Ópera Einstein on the Beach escrita por Philip Glass e dirigida por Robert Wilson

encenada na Academia de Música do Brooklyn. Fonte Revista Pitchfork Media Inc (2012)

O cinema existe desde 1895, e apesar do sucesso popular imediato desta

mídia, era desprovida de som e diálogos. Surge então a necessidade de se criar

uma trilha sonora para a imagem em movimento. Essa nova relação surge nesse

momento como um dilema: será que música para cinema é meramente ilustrativa da

narrativa visual? O som da imagem ou a imagem do som?

Uma outra relação entre música e imagem surge na trilogia Qatsi54, produzida

pelo diretor de cinema americano Goldfrey Reggio (1940-) e música do compositor

minimalista também americano Philip Glass (1937-), em que a composição dinâmica

das imagens e da música se fundem propondo uma outra manifestação elevada da

conjunção entre as imagens e a música. (AGRA, 2009, p. 9-11)

Depois da revolução digital, torna-se possível, através de interfaces musicais,

ver e manipular o som, ferramentas digitais podem redesenhar a forma da onda

sonora, modificando o som original e tornando possível ao compositor sonoro chegar

em um timbre que não exista na natureza. Em uma de suas entrevistas55, Alva Noto

comenta sobre a facilidade que os computadores nos oferecem para editar um

54 Koyaanisqatsi (1983), Powqqatsi (1988) e Naqoyatsi (2002) 55 Alva Noto é entrevistado pela revista Various - Slices - The Electronic Music Magazine. Issue 4-09 (2009)

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fragmento sonoro usando milissegundos como escala de corte e também a

possibilidade de desenhar o formato da onda, manipulando o som com ferramentas

“ ráf s” p r mu r p râm tros n s jáv s o som

Um importante aspecto dessa performance sonoro visual aqui estudada é a

produção de imagem apresentadas ao público durante o evento. A música, a

sonorização do ambiente mais as projeções de imagens perfeitamente sincronizadas

com os movimentos sonoros criados pela música de Ryuichi Sakamoto e as

intervenções sonoras de Alva Noto convidam o espectador para uma experiência de

imersão em um ambiente com características minimalistas que unem som e

imagem.

Usando computadores e uma interface digital é possível transformar sinais de

áudio em imagens dinâmica fazendo uso de filtros. Quartz Composer (QC) é um

programa de computador que possibilita gerar imagens a partir de sons tocados pelo

piano, além de qualquer outro som criado artificialmente, disparados durante a

performance.

Estes sinais são transformados em imagem em tempo real, como uma leitura

visual do som. Não se trata de uso de imagens pré-gravadas e projetadas durante a

performance, mas sim, de uma prática de manipulação do som para gerar imagem.

A interface digital converte os parâmetros variáveis dos sons como frequência,

intensidade e duração do som, em figuras geométricas lineares com diversas cores

e com diferentes intensidades luminosas. A característica minimalista da música é

potencializada pelo hipnotismo dos elementos visuais projetados durante a

execução musical .

Na figura 4 podemos observar a visualidade mostrada no painel em um

momento da performance. O painel entre os músicos mostra imagens que são

sincronizadas com o som. Essa mecânica de ação que mescla forma, ritmo e

velocidade também estão presentes no trabalho cinematográfico de Goldfrey

Reggio, quando a música minimalista composta por Philip Glass usa estes mesmos

parâmetros para alterar nossa percepção de velocidade do movimento da imagem.

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As temporalidades musicais e gráfica podem ser estudadas nesta

apresentação quando vemos a demonstração do tempo musical nos movimentos

das imagens e principalmente no tempo de variação da intensidade luminosa.

Caznok discute a relação espaço e o tempo quando comenta o trabalho do artista

plástico Wassily Kandinsky (1866-1944), que, em seus trabalhos, considerava o

espaço também temporal quando afirma que a linha é um ponto em movimento, ou

seja, um ponto representado graficamente tem a propriedade de duração.

(CAZNOK, 2003, p. 107)

Na década de 1960, o foco da produção artística mundial passa da Europa

para os Estados Unidos, com o surgimento do Movimento Minimalista nas artes

plásticas. Contrapondo ao movimento expressionismo abstrato, o minimalismo

constrói suas formas com a redução mínima de elementos, transmitindo ao

observador uma nova percepção do ambiente ou do objeto. Um bom exemplo desta

produção é o trabalho com luzes fluorescentes coloridas do pintor e escultor norte

americano Dan Flavin (1933-). Em 1964, na galeria Kaymar, em Nova York, o artista

montou uma instalação onde discutia o espaço arquitetônico da galeria usando o

lo l n o omo “f x or” o r s, mas como espaço da arte. As luzes são fixadas

em um padrão de linhas verticais horizontais como elemento construtivo da

arquitetura da galeria. (GRAHAM, 1987, p.39-40)

Outro artista plástico alinhado com o Movimento Minimalista e contemporâneo

a Flavin é o norte americano Sol LeWitt (1928-) criador de uma série de esculturas

Figura 4: Performance de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto, música ax Mr L. Fonte DVD Insen Live (2006).

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chamada Variations of incomplete open cubes (1974), que apresenta 122 variações

de um cubo incompleto. Todas as esculturas geométricas foram dispostas

simetricamente onde o espectador é convidado a fazer uma procura frustrada pelo

cubo completo. (ROTH, 2013, p. 36)

Os movimentos gráficos exibidos durante a execução da música são

“ or o r f os” em tempo real por uma interface digital pré-programada. A

sonoridade interpretativa resultante do diálogo musical entre Alva Noto e Sakamoto

é transformada em parâmetros de formatação das imagens projetadas, mas todas

essas variantes são compostas a partir de uma composição musical pré-existente.

Tanto o arranjo especialmente preparado por Sakamoto quanto o set de

samples criado por Alva Noto para essa performance fazem parte do processo de

construção deste diálogo sonoro, que passa a ser visível quando as imagens são

projetadas. Esse processo de criação sonoro-visual pode ser considerado um design

do projeto deste diálogo.

Há, na sonoridade, uma lógica da temporalidade que a escritora Lucia

Santaella chama de eixo da sintaxe, presente nos movimentos de um bailarino

quando este conta uma história por trás dos movimentos da dança e, assim, ela

passa a ser verbal mesmo não tendo a presença da fala. (SANTAELLA, 2001, p.

386)

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33

1.3. Dialogismo Sonoro e Visual

O objeto de estudo deste trabalho é uma performance ao vivo na qual

convergem as linguagens da música, dos sons e visuais. Neste capítulo, o foco é o

desvendamento da relação dialógica entre a linguagem musical e sonora.

Entende-se Dialogismo Musical como o diálogo entre músicos, em que

usaremos o conceito do dialogismo textual para compreender o processo de

construção de um projeto dialógico musical. Este processo acontece dentro das

linguagens sonora musical e visual, usando interfaces digitais e um piano para

interagir durante uma performance ao vivo.

O conceito de dialogismo estudado neste capítulo servirá de suporte para a

base deste trabalho, que é desvendar o processo de construção projetual de design

contido no diálogo musical visual do dueto Alva Noto e Ryuichi Sakamoto durante a

execução ao vivo da música “ x Mr L”.

A natureza dialógica da linguagem, conceito presente no conjunto das obras

de Mikhail Bakhtin (1895-1975), funciona como embrião para diversos outros

desdobramentos no estudo do diálogo. Bakhtin compara a objetividade do

significado das palavras à subjetividade de um fragmento musical, porém uma vez

analisado esse conteúdo, ele pode ser identificado claramente. (BAKHTIN, 1997, p.

122).

Todo pensamento Bakhtiniano na Rússia, compreendido entre anos 1920 e

1970, é constituído não somente pela literatura produzida por Bakhtin, mas conta

também com a produção de intelectuais, cientistas e artistas56 que produziram a

partir dos universos políticos, sociais e culturais da época para a formação deste

conceito. Os vários e produtivos círculos57 de discussão ajudaram na construção de

uma postura singular que propõe e fornece ferramentas para uma análise dialógica

do discurso. (BRAIT, 2009, p. 9 e 17)

56 Dentre elas, podem ser destacadas com origens diversificadas: V. N. Voloshinov (1895-1936), P. Medvedev (1892-1938), I. Kanaev (1893-1983), M. Kagan (1889-1937), L. Pumpianskii (1891-1940), M. Yudina (1899-1970), K Vaguinov (1899-1934), I. Sollertinski (1902-1944), B. Zubakin (1894-1937). 57 Círculos de Discussão é o tema abordado por Beth Brait no livro Bakhtin e o Círculo onde ela desvenda este mecanismo de relacionamento entre Bakhtin e intelectuais da época. BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin e o Círculo. Editora Contexto. São Paulo. 2009.

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Segundo Diana Barros 58 , para Bakhtin, o termo dialogismo se refere ao

princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso. A interação

verbal entre o enunciador e enunciatário do texto, e a intertextualidade no interior do

discurso, podem ser compreendidos como desdobramentos de um diálogo

discursivo. (BARROS, 2003, p. 2) A intertextualidade pode ser compreendida como

um mosaico de citações, todo texto é embebido e transformado por um outro texto,

transformando a palavra, unidade mínima do texto, em mediador que liga o modelo

estrutural ao ambiente cultural histórico numa perfeita sincronia de sentidos.

(KRISTEVA, 2012, p. 142)

A intertextualidade está presente na performance de Alva Noto e Sakamoto,

uma vez que que a música escolhida para essa apresentação foi composta

originalmente como trilha sonora do filme Merry Christmas, Mr. Lawrence 59 e

recriada pelo próprio Sakamoto especialmente para o dueto estudado.

A intersecção de conteúdos musicais se estrutura através de um processo de

construção de sentido, de sequência rítmica e melódica, usando as citações e

alusões como uma forma de intertextualidade aplicada à música.60 (ARIZA, 2006,

p.106)

Segundo o autor:

Mesmo que os conceitos da intertextualidade sejam abordados na expressão literária, eles também têm correspondência na expressão musical. Assim como a estilização pode ocorrer mediante um determinado uso semântico, ou com o emprego de um léxico preciosista, na música ela ocorre com a adaptação de uma determinada forma a um outro contexto que não é o inicial ou original, (ARIZA, 2006, p. 107).

A polifonia, conceito que Bakhtin toma emprestado da polifonia musical, pode

ser entendida como uma estratégia discursiva acionada na construção de um texto,

aquele que se deixa entrever muitas vozes. (BARROS, 2003, p. 5 e 6). É

interessante observar a relação entre o emprego das palavras usadas na análise

dialógica textual com os termos que têm origem no universo musical. Polifonia é

58Diana Luz Pessoa de Barros é professora titular do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo USP, Brasil. Obteve o título de mestre na Universidade de Paris III (França, 1971) e os de doutor, adjunto, livre-docente e titular na Universidade de São Paulo (1976, 1985, 1988 e 1997). 59 Traduzido para o português como Furyo, Em Nome da Honra é um filme de 1983 dirigido por N s Ōsh m 60 ARIZA, Adonay. Eletronic Samba: a música brasileira no contexto das tendências internacionais. Annablume. São Paulo, 2006.

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uma técnica de composição musical na qual várias vozes ou partes instrumentais

são combinadas de maneira contrapontística. (DOURADO, 2004, p.258).

A estratégia discursiva musical presente na performance estudada neste

trabalho fica evidente quando analisamos os fragmentos sonoros, ora de origem

“ r v ” h m s samples ora de origem sintética e evidenciamos o processo

de sobreposição de elementos sonoros mixados em um sincronismo preciso e pré-

planejado por Alva Noto para compor esse diálogo musical com a música de

Sakamoto. O resultado é uma sonoridade polifônica nova que nem é a música com

matriz melódica japonesa composta por Sakamoto e nem a música eletrônica

contemporânea de Alva Noto.

Com a possibilidade de trabalhar com diferentes córpora, como por exemplo o

discurso literário, pictórico ou até mesmo o discurso musical, torna-se possível

investigar as relações dialógicas dos discursos, ou seja, como podemos entender o

sujeito a partir de sua linguagem e de que maneira ele se relaciona com o mundo e

se constitui nessa linguagem61. (BRAIT, 2011)

A palavra, no contexto de um enunciado, só passa a ter um desígnio artístico

se for governada ou determinada pelo autor para ter essa função, e deve ser

adaptada às finalidades estéticas especializadas que levam em conta

particularidades do material de uma dada linguagem. É dessa maneira que a

mensagem artística efetua a passagem que conduz da visão estética da obra à

realização da apreciação efetiva da obra de arte. (BAKHTIN, 1997, p. 202 e 203)

Segundo Julia Kristeva, na dinâmica da composição de um discurso, a

palavra literária não é um ponto estático, somente com um único sentido, mas

entendida como um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de diversas

escrituras que se encontram, conteúdo este vindo do escritor, do destinatário ou

personagem e do contexto cultural atual ou anterior. Dessa maneira, as dimensões

do espaço textual são assim identificadas: o sujeito da escritura, o destinatário e os

textos exteriores são elementos que dialogam entre si. A autora propõe então uma

analogia do fragmento textual (Figura 5) ou do estatuto da palavra, definindo-os da

seguinte maneira: condução horizontal é aquela na qual a palavra no texto pertence

simultaneamente ao sujeito da escrita e ao destinatário, e vertical, na qual a palavra

61 Conteúdo extraído da entrevista realizada no dia 6 de outubro de 2011, após conferência da Profa. Beth Brait, crítica, ensaísta, docente, orientadora da PUC/SP e docente e orientadora no PPG em Semiótica e Linguística Geral da FFLCH/USP <https://www.youtube.com/watch?v=Y11D4jMU1Nc> Acesso em: 26/10/2015.

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no texto se orienta para o corpus literário anterior ou sincrônico. (KRISTEVA, 2012,

p. 140-141).

Figura 5: Dimensões do espaço textual Literário. Fonte: o autor, 2014.

Usando o modelo analítico de Kristeva, das dimensões do espaço textual e a

poss l pt r o m t r l “p l vr ” às f n l s stét s sp íf s

uma dada linguagem, visualizamos a possibilidade da correlação entre texto literário

t xto mus l O orpo “l t rár o” mus l (Figura 6) aqui apontado pode ser

ompr n o nt o omo l tur v rt l hor zont l “t xtos”. Neste momento

deixamos de estudar a polifonia musical para identificar a relação de

intertextualidade na composição musical.

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Figura 6: Dimensões do espaço textual literário musical. Fonte: o autor, 2014.

A constituição da música como linguagem foi muito discutida a partir da

década de 1960 por conta do estruturalismo linguístico e da expansão no campo da

Semiótica nos anos 1960 e 1970, colocando à mostra a complexidade das formas de

comunicação humana não restritas apenas à linguagem verbal ou escrita, mas

também a todo tipo de sinais e signos existentes na vida social. (SANTAELLA, 2001,

p. 97)

O diálogo musical entre os discursos produzidos pelo músico Sakamoto e a

intervenção sonora produzida por Alv Noto n x u o mús “ x Mr L ”

promove o encontro de dois discursos musicais distintos. De um lado, a técnica de

composição sonora de Alva Noto influenciada pelos movimentos Música Concreta e

pela música eletrônica alemã dos anos 1950, e de outro, a técnica de composição

do gênero musical Música Instrumental, desprovida de texto cantado e que traduz a

expressão oriunda da cultura japonesa usando o sistema gráfico ocidental como

notação. Essa música instrumental conceituada aqui representa todo o universo

sonoro criado a partir de instrumentos musicais acústicos.

A inter-relação entre imagens surge como artificio para tecer novas

possibilidades de construção de sentidos, por meio, por exemplo, do confisco ou da

apropriação. As conexões dialógicas podem surgir através das citações, releituras,

paródias que nos induzem ao deslocamento de contextos através da manipulação

de imagens.

O ato de renomear ou transformar algo familiar em desconhecido é dar a essa

imagem um novo significado por meio da transposição. Com esse mecanismo

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podemos resgatar algo antigo e familiar e dar a ele um novo espaço para se

apresentar. Transcrever uma imagem é recolocá-la em um novo contexto obrigando-

a a dialogar com o contemporâneo e com um novo espaço geográfico.

(FIGUEIREDO, 2007, p. 67-68)

A imagem projetada durante a performance traz para esse diálogo elementos

não mais sonoro musicais, mas da linguagem visual. Um repertório de configurações

geométricas projetadas em uma tela sugere uma grande diversidade de imagens

que dialogam com os sons tocados em sincronia. A imagem proporciona maior

amplitude das possibilidades de inter-relação com outras narrativas que, neste

momento, já não são nem sonoras e nem imagéticas.

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1.4. Modelo analítico da composição musical

“Música não pode ser explicada, não pode nem mesmo ser contestada, exceto por uma música completamente nova”

(Göran Sonnevi)

O modelo analítico de composição musical apresentado aqui serve como

suporte interpretativo da obra musical para que possamos compreender e estudar o

processo de construção técnica e tecnológica desta obra e a formatação do projeto

de design sonoro-visual usada nesta performance.

Dentro do processo de análise musical, um importante aspecto é a qualidade

da escuta. Essa condição de atenção praticada pelo público espectador das

apresentações de duo Alva Noto & Sakamoto demanda no público espectador

sensibilidade para perceber sutilezas sonoras contidas nestas performances. Mesmo

com a trilha musical tocada por Sakamoto ao piano, a imprevisibilidade da sequência

de sons e ruídos que este tipo de repertório apresenta, coloca o ouvinte em uma

situação de incerteza quanto ao desenvolvimento da narrativa musical.

Pierre Schaeffer propôs, desde o movimento Música Concreta, uma escuta

diferenciada qu h mou s ut “r uz ” P rt n o s r v õ s qu lqu r

tipo de som, incluindo ruídos, como matéria-prima para compor a escuta reduzida,

analisa diretamente a qualidade e as formas próprias do som, independentemente

de sua causa e de seu sentido, promovendo o som como objeto de observação, o

objeto sonoro. (SANTAELLA, 2001, p. 84)

O encontro de duas vertentes musicais tão distintas dificulta a tarefa de

encontrar uma metodologia de análise musical única que abarque qualidades e

caraterística tão peculiares. Essa metodologia deve abranger em sua análise

aspectos formais de notação musical, como a música de Ryuichi Sakamoto (Música

Instrumental), e investigar as intervenções sonoras do artista Alva Noto, que possui

uma técnica de composição mista, ora uso de samples ora síntese sonora.

Na análise musical formal devemos reconhecer alguns parâmetros usados na

composição, tais como a análise harmônica, melódica e rítmica. A análise harmônica

ou vertical é composta de estruturas musicais formadas a partir do empilhamento de

notas musicais e ordenada em uma sequência chamada de encadeamento

harmônico. Outro parâmetro a ser estudado é a composição melódica ou análise

horizontal, na qual os sons e pausas são postos em sequência em uma ordem

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linear, formando sentido em frases a partir de pequenas células musicais. A

condução rítmica é também analisada nesse universo da música formal, onde

podemos reconhecer rítmicas diferentes dentro da composição musical.

O surgimento da técnica de composição da música eletrônica é recente se

comparado às técnicas de composição instrumental clássica, pois nela estão

inseridas condições que só foram possíveis depois do surgimento dos equipamentos

eletrônicos no início do século XX. Portanto, os parâmetros escolhidos aqui para a

análise são distintos e apropriados para essa linguagem, tais como a amplitude

sonora, a altura, a duração e o timbre.

A amplitude sonora é a quantidade de energia da onda sonora criada pela

fonte, que também pode ser entendida como intensidade ou volume sonoro. A altura

do som é a determinante da afinação do som produzido ou frequência que é o

número de ciclos da onda sonora completos em um segundo. A duração do som

tocado é o tempo que o som permanece ativo. A análise da constituição do som ou

t m r é o sp to r sult nt “m stur ” os m s p râm tros pont os qu O

timbre, neste contexto, é um elemento composto e não componente do som.

Tendo já contextualizado, no capítulo anterior, aspectos relevantes como o

dialogismo musical e a intertextualidade presentes na música analisada nesse

trabalho de pesquisa, passamos agora a identificar os objetos sonoros de análise,

como notas musicais tocadas por um instrumento musical acústico e analógico, o

piano, como também sons disparados por dispositivos eletro eletrônicos e interfaces

digitais usados por Alva Noto.

O caráter inerentemente não-verbal do discurso musical, dilema do

musicólogo em usar palavras para analisar uma arte não verbal e não denotativa

abre espaço para a justificativa das ferramentas de análise musical usadas pelo

musicólogo britânico Philip Tagg (1944-), que transformam justamente essa

dificuldade em vantagem quando nesse estágio de análise se descarta a palavra

como metalinguagem para a música e a substitui por outra música. (TAGG, 1982, p.

21)

Segundo a proposta metodológica de análise musical criada por Tagg 62 ,

primeiro deve-se listar os parâmetros de expressão musical, relacionados ao Objeto

62TAGG, Philip. Analisando a Música Popular: teoria, método e prática (2003) tradução do original em inglês de Martha Ulhôa. (Tagg, 1982, p. 8)

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de Análise (OA) sonoro, levando em consideração a diversidade de fontes sonoras

usadas na composição.

São relevados nessa análise: 1) Aspectos Temporais como a duração do som

e a relação que faz com qualquer outra forma simultânea de comunicação, 2)

Aspectos Melódicos, como o registro em escala da amplitude de sons graves,

médios e agudos, 3) Aspectos de classificação timbrística dos instrumentos e

aspectos técnicos de performance, 4) Aspectos de Texturas, como a composição

polifônica que se constrói sobrepondo sons e timbres diferentes, 5) Aspectos de

Dinâmicas como análise de níveis diferentes de intensidade sonora ou acentuação,

6) Aspectos Acústicos como o grau da reverberação que é o estudo das

características acústicas do local da performance musical, 7) Aspectos

Eletromusicais e Mecânicos, como o estudo das ferramentas digitais e analógicas de

manipulação sonora usadas em estúdios de gravação de áudio e também em

performances musicais ao vivo e a produção sonora. (TAGG, 1982, p. 20).

Um atributo oferecido por Tagg em sua metodologia é a possibilidade de

estudar os “Mus m s”, que são unidades mínimas de significado ou de expressão

musical estabelecidos pelo procedimento de análise de Comparação entre Objetos

(CeO). (TAGG, 1982, p. 20)

A análise musical começa quando um Objeto de Análise (OA) oferece uma

certa consistência de resposta analítica na semelhança de estrutura musical quando

comparado ao mesmo Material de Comparação entre Objetos (MCeO) em outra

música. Cria-se nesse momento um Campo de Análise Paramusical (CAPm).

Depois de levantar os Itens de Códigos Musicais (ICM) semelhantes entre a

obra analisada e outras músicas e feita a identificação dos musemas, podemos,

então, relacionar as formas extramusicais ou paramusicais de expressão entre eles

(Figura 7). O estado de correspondência demonstrável pode ser examinado quando

o MCeO compartilha qualquer denominador comum de associações extramusicais

com um significado visual ou verbal. (TAGG, 1982, p. 22)

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Figura 7: Correspondência hermenêutica por meio de comparação entre objetos.

Fonte: TAGG, 1982, p. 21.

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2. Análise da Performance

2.1. Análise Musical Formal

A retórica da performance que trabalha com convergência de linguagens

como espetáculos multimídia ou audiovisuais pedem um suporte de análise com

novas variáveis que devem ser levadas em consideração. São elas: imagem, som e

ruído, música, texto visual (tipográfico), texto auditivo, movimento e interação.

(BONSIEPE, 2013, p. 145)

A música escolhida como objeto de análise, entre as executadas no DVD

Insen Live é “Merry Christmas Mr. Lawrence”, composta por Sakamoto originalmente

como trilha sonora do filme “Furyo”. Nesta performance, além de receber a

participação de Alva Noto, a música ganha um novo arranjo e passa a se chamar,

nesta publicação em DVD, “ x Mr L ”

O arranjo original para cinema publicado em 1983 pela MCA Records (USA)

possui uma instrumentação que inclui sons de marimba, tambor e sons sintetizados

que imitam a sonoridade de uma orquestra de cordas. Essa técnica de arranjo

musical utiliza basicamente um sequenciador 63 e um gerador de timbres ou

sintetizador64 . Na cena musical pop da década de 1980, era muito comum um

músico usar em suas gravações trechos gravados com sua própria performance ao

instrumento e também sons pré-programados que são executados por um

sintetizador, que por sua vez, comandados por um computador.

O arranjo musical do piano propõe uma releitura da estrutura original da

música na medida em que o artista deixa sobrar espaços para receber as

intervenções sonoras de Alva Noto.

Para que possamos entender melhor essa transformação e como o

compositor pensou quando redefiniu toda a métrica musical sem perder a referência

melódica da versão original, podemos observar na figura 8 um esquema analítico do

áudio original, gravado em 1983.

63 Sequenciador é um equipamento que permite compor música com sons pré-definidos que são posteriormente executados por um sintetizador. O sequenciador usado por Sakamoto nessa época é o Roland MC-8 MicroComposer um microprocessador de 16K de RAM, memória suficiente para 5.300 notas para uma composição. Revista SOS – Sound On Sound, março de 1997. 64 O timbre dos instrumentos escolhidos por Sakamoto nesta gravação sugere a utilização do teclado, e também gerador de timbres, modelo DX-7 da Yamaha.

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A frase musical é a menor unidade estrutural dotada de uma certa completude

e capacidade de se relacionar com as demais unidades similares. Uma frase musical

significa, se comparada à capacidade de um cantor, aquilo que se pode cantar em

um só fôlego. (SCHOENBERG, 1990, p. 29)

Observando a figura 8 a parte Introdução é formada pela repetição das frases

I e I’65. Neste momento o teclado como instrumento solista executa uma melodia que

é composta pela frase I e I’ que se repete por duas vezes. O compasso três por

quatro, encontrada somente na introdução da música induz o ouvinte a uma

percepção rítmica diferente do restante da musica. A característica deste compasso

ternário inicial é uma acentuação rítmica dançante parecido com uma valsa.

Na parte Tema C ntr l, onst tuí fr s A A’, ont pr s nt o

da célula Motivo Musical que será estudada no próximo capítulo deste trabalho

Análise Sonora. Considerando que o Tema Centra é composto pela repetição de

duas frases que se diferem minimamente uma da outra, a repetição por três vezes

deste tema acaba denunciando a estética minimalista da música. Neste momento é

apresentado a célula ritma que estará presente até o final (Figura 11).

A Frase A e B da parte B funciona como uma ruptura das repetições da parte

Tema Central. Este oito compassos levam o ouvinte à experimentar um trecho

musical que não lembra em nada o tema desta música. O uso da região grave do

instrumento violoncelo como solo da parte B faz esquecer o timbre e da tessitura66

mais aguda escolhida para executar a parte Tema Central.

Neste momento a parte Tema Central é reapresentada por mais duas vezes

porem ela aparece revigorada depois da ruptura proporcionada pela parte B.

Também a instrumentação é modificada e o som do piano aparece dobrando a

melodia do tema.

65 A fr s I’ é m sm fr s I por m om um p qu n v r o no f n l 66 Tessitura é a extensão do conjunto de notas entre a mais aguda e a mais grave em uma peça ou trecho musical.(DOURADO, 2004, p. 330)

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45

Parte Frases Minutagem Compasso Instrumentação In

tro

dução

Frase I 00:00 - 00:15

Co

mp

asso 3

/4 0 – 8

Melodia acompanhada. Teclado líder.

Frase I’ 00:15 - 00:28 9 - 16

Frase I 00:28 – 00:42 16 - 24 Melodia acompanhada. Teclado líder e piano.

Frase I’ 00:42 - 00:56 25 - 32

Te

ma

ce

ntr

al

Frase A 00:56 - 01:05

Com

passo 4

/4

33 - 36

Melodia acompanhada. Solo da Marimba e tambor rítmico.

Fr s A’ 01:05 - 01:14 37 – 40

Te

ma

ce

ntr

al

Frase A 01:14 – 01:23 41 - 44

Fr s A’ 01:23 – 01:32 45 - 48

Te

ma

ce

ntr

al

Frase A 01:32 - 01:41 49 - 52

Fr s A’ 01:41 -01:50 53 - 56

B

Frase A 01:50 - 01:59 57 - 60 Melodia acompanhada. Solo de teclado com timbre de violoncelo, teclado líder e tambor

rítmico. Frase B 01:59 - 02:09 61 - 64

Te

ma

ce

ntr

al Frase A 02:09 - 02:17 65 - 68

Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano e tambor rítmico.

Fr s A’ 02:17 - 02:27 69 - 72

Te

ma

ce

ntr

al Frase A 02:27 - 02:36 73 - 76

Frase B 02:36 - 02:46 77 - 80 Melodia acompanhada. Solo da Marimba com

dobra de piano e tambor rítmico.

Po

nte

Frase A 02:46 - 02:54 81 - 84 Cadencia harmônica em bloco. Timbre de

cordas. Fr s A’ 02:54 - 03:03 85 - 88

Te

ma

ce

ntr

al Frase A 03:03 – 03:12 89 - 92 Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano

e tambor rítmico. Fr s A’ 03:12 – 03:22 93 - 96

Te

ma

ce

ntr

al Frase A 03:22 – 03:30 97 - 100

Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano e tambor rítmico.

Fr s A’ 03:30 – 03:40 101 - 104

Te

ma

ce

ntr

al Frase A 03:40 - 04:49 105 - 108

Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano e tambor rítmico.

Fr s A’ 04:49 – 03:58 109 - 112

Te

ma

ce

ntr

al Frase A 03:58 – 04:07 113 - 116

Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano e tambor rítmico.

Frase B 04:07 – 04:16 117 - 120 Melodia acompanhada. Solo da Marimba com

dobra de cordas e tambor rítmico.

Cod

a Frase A 04:16 – 04:25 121 - 124

Melodia acompanhada. Timbre de cordas

Fr s A’ 04:25– 04:34 125 - 128

Figura 8: Quadro descritivo musical. Música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído

do CD com o mesmo nome publicação em vinil pela MCA Recordes (1983). Fonte o autor

2015

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As fr s s A A’ da parte Ponte aparece com a função de ligar todo discurso

narrativo desenvolvido até este momento, com as partes restante da música. Este

trecho que começa aos 02:46 minutos é o meio da música e anuncia o inicio de um

discurso que ajuda a finalizar esta composição. A particularidade deste momento é o

arranjo instrumental construído para as cordas que soa como um cluster

67construindo uma harmonia em blocos.

A parte Tema Centra reaparece e desta vez repetida por quatro vezes depois

da parte Ponte, anunciando assim o final da composição. Neste trecho musical as o

acompanhamento é feito da mesma maneira que na parte Ponte. Este efeito faz com

que o ouvinte reconheça o Tema Central porem acrescido de um novo elemento

timbrístico.

A parte Coda 68 é o trecho musical que tem a função de desacelerar a

narrativa musical e terminar a música. Neste momento os timbres do teclado que

imitam o som das cordas tomam conta da cena sonora e a música acaba.

São apontados neste esquema métrico musical: as partes, frases, contagem

dos compassos69 , minutagem do áudio para cada trecho e um breve relato da

instrumentação em cada momento destacado.

Quanto ao aspecto melódico, a música tema original do filme Furyo, composta

por Sakamoto, é mergulhada na cultura musical japonesa com matriz melódica

oriental, cuja característica principal é o uso das escalas pentatônicas70. A escala

pentatônica escolhida para essa composição é a escala de ré bemol (Figura 9),

composta pelas notas: ré bemol, mi bemol, fá, lá bemol e si bemol.

67 Cluster é um grupo de notas vizinhas executadas em bloco como um acorde. (DOURADO, 2004. P. 85) 68 Coda significa seção ou trecho que encerra um movimento ou peça musical. (DOURADO, 2004, p. 85) 69 Compasso é a unidade métrica musical formada por grupos de tempos em porções iguais. Dicionário de termos musicais. (DOURADO, 2004, p. 88). 70 Pentatônica é uma escala de cinco sons, muito comum na música folclórica de diversas regiões do mundo. A escala pentatônica mais conhecida é a que corresponde às teclas negras do piano. Uma escala pentatônica de dó maior pode ser definida como uma escala diatônica maior sem o quarto e sétimo graus (dó-ré-mi-sol-lá). (DOURADO, 2004, p. 122)

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Figura 9: Escala Pentatônica. Fonte o autor, 2015.

O arranjo musical feito por Sakamoto para a performance com Alva Noto usa

somente uma parte da música original, escolhida muito estrategicamente por

Sakamoto, pois uma escolha errada poderia não caracterizar a versão original e se

transformar em uma nova compos o O fr m nto s olh o fo fr s “A”

p rt “T m C ntr l” ompost por qu tro omp ssos, to os no piano.

Identificar na composição musical um elemento marcante e que possa ser

usado como elemento estruturante na composição musical é fundamental para essa

análise.

É chamado de motivo musical básico aquele fragmento que funciona como

um “ rm ” ompos on l p r lo o no início de uma peça musical.

São aspectos valorizados pelo compositor no momento de construção de um motivo

musical básico: o contorno da criação melódica formado pelos intervalos entre as

notas e a figura rítmica desse fragmento, combinados de maneira harmoniosa.

(SCHOENBERG, 1990, p. 35)

No compasso número 1 Fr s “A” (F ur 10) na versão original aparece o

motivo principal dessa composição, formada pelas notas: mi bemol, fá, mi bemol, si

bemol e mi bemol. Esse fragmento produz unidade, coerência no discurso musical e

ajuda na fluência da narrativa musical. Ele incide na construção e desenvolvimento

de toda estrutura melódica da música, uma semente geradora de ideias que está

presente em todo desenrolar da música.

Está representada na figura 10 p rt tur Fr s “A” xtr í um

publicação para piano solo, que mostra a frase na sua forma original. Importante

destacar que, na versão original para cinema, a melodia correspondente a essa

frase possui uma dobra, que é uma nota acrescentada uma quarta abaixo das notas

da melodia. Essas notas acompanham o tema principal em toda a sua extensão e

são chamadas de quartas paralelas. Na cultura musical japonesa, essa é uma

técnica de composição bastante tradicional.

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Figura 10: Fr m nto Fr s “A” o T m C ntr l mús “M rry Chr stm s Mr L wr n ” s o o p no Font : p rt tur Y no Mus Pu l sh n Company Limited, Japan 1982.

Na versão original da música o motivo identificado aqui é repetido dezoito

vezes em toda a música, característica marcante desta música. De maneira geral

um motivo aparece muitas vezes no decorrer de uma peça musical, mas a repetição

pura, sem variações ou desenvolvimento poderia transformar essa estrutura musical

em uma característica estética muito usada na composição musical minimalista.

Na versão para cinema, podemos observar no esquema de análise que as

partes são bastante simétricas, com novos eventos musicais acontecendo a cada

quatro compassos. Isso é um facilitador na construção do arranjo quando falamos,

por exemplo, no uso de loopings que são fragmentos repetidos automaticamente

através de um sequenciamento sonoro comandado por um computador.

Os samples são as células de repetição usadas para construir os loopings.

Quanto maior a duração do sample menor será a velocidade de repetição, mas

quando o fragmento for muito pequeno ou com um tempo de execução curto, a

velocidade de repetição aumenta. Essa variação de velocidade pode propor um

padrão rítmico ou pattern perceptível e desejado pelo compositor musical. Essa

técnica, usada por Alva Noto durante a performance, é preparada no processo de

pré-produção do evento musical e disparada durante o diálogo musical com

Sakamoto.

A célula rítmica (Figura 11) executada pelo tambor e clave na versão para

cinema tem uma estrutura bastante simples e está presente em toda a música como

um ostinato. Importante perceber que, na performance desta música em dueto, este

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elemento é desprezado tanto por Alva Noto quanto por Sakamoto e não aparece em

nenhum momento.

Figura 11: Fr m nto Fr s “A” o T m C ntr l mús “M rry Chr stm s Mr L wr n ” S o o t m or l v Font o utor, 2015

O ritmo musical pode ser entendido tanto como elemento estruturante da

linguagem musical, e assim tocado por instrumentos de percussão, quanto como

parte da construção melódica. O ritmo dentro do contexto da frase melódica ajuda a

moldar a frase. É um elemento agregador que dá unidade ao discurso musical,

contribuindo para suas variações e caráter. (SCHOENBERG,1990, p. 30)

O quarto compasso melódico da Frase “A” (F ur 10) possui uma rítmica

diferente dos três primeiros. Essa característica propõe uma pontuação.

Diferenciações facilitam o fluxo melódico, pois estabelecem uma relação de

pergunta e respost om fr s s u nt Po mos ons r r Fr s “A” o tema

ntr l omo um fr s nt nt Fr s “A’” o m smo t m , um fr s

consequente.

Toda melodia criada possui uma harmonia71 inerente. O acompanhamento

musical feito através da sucessão de acordes é determinado pelo desenho melódico,

que, por sua vez, ajuda a determinar as implicações harmônicas desta composição

musical. (SCHOENBERG,1990, p. 29)

A música tem tonalidade72 ré bemol maior e se relaciona com uma escala

pentatônica com o mesmo nome. A escala pentatônica de ré bemol maior é o centro

tonal desta composição e será a escala geradora das notas usadas na construção

da melodia e também dos acordes da música. Na Figura 9 está representada a

escala de cinco tons escolhida para esta composição, tanto na versão original

quanto na da performance. O nome da nota do primeiro grau (I) é ré bemol, nota que

71 A harmonia estuda a estrutura dos acordes (suas notas componentes e posição) assim como seu emprego em progressões. Dicionário de Acordes Cifrados. (CHEDIAK, 1994, p. 254) 72 Tonalidade é um sistema de sons, produto não da natureza mas da convenção em tempos e países diferentes. É o conjunto de notas que formam o material sonoro básico para uma música convencional. Dicionário de Acordes Cifrados. (CHEDIAK, 1994, p. 254)

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dá nome à escala pentatônica, além de ser uma das quatro notas que compõem o

acorde de sol bemol maior (Figura 12) com sexta (Gb6) usado como acorde de

acompanhamento no primeiro compasso da Frase “A” S u n o esse mesmo

raciocínio os três outros acordes usados na música são construídos. O acorde de lá

bemol com sétima (Ab7), que possui na nota fundamental a quinta nota da escala

pentatônica e o si bemol menor com sétima (Bbm7), possui a sexta nota da escala

pentatônica como nota fundamental.

Figura 12: Formação dos acordes. Fonte o autor, 2015.

2.2. Análise Sonora

A proposta da intervenção sonora de Alva Noto nesse diálogo musical pode

ser analisada por dois aspectos: o sonoro-musical e o sonoro-textural.

Diferentemente da composição original, nesta performance a Frase “A”

quatro compassos analisada no capitulo Análise Formal é executada no seu formato

estrutural, porém nunca se apresenta por completo. A proposta de Sakamoto para

esta versão é deixar o Tema Central sugestionado, porém nunca executado em seu

formato original e explícito. Importante lembrar que, de acordo com o esquema

analítico abaixo, a citação da melodia não é só responsabilidade do instrumento

piano, mas também aparece nas intervenções sampleadas por Alva Noto. A Seção

“A” possu s m sm s m nsõ s strutur s qu Fr s “A” v rs o or n l,

porém, nesta nova interpretação de Sakamoto, ele omite elementos musicais

principalmente melódicos.

O áudio da performance musical extraído do DVD Insen Live possui 05:04

minutos de duração e apresenta uma métrica bastante diferente da versão original.

Suas partes (Figura 13) são: Introdução dividida em três fases, Tema Central

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apresentado em uma sucessão r p t õ s S o “A”, e uma parte Final aqui

apresentada em duas partes.

A introdução é feita a partir de um loop de sons sintetizados, sugestionando a

harmonia da Frase “A” o T m Central repetido por três vezes, sendo que na

segunda e terceira o piano aparece e acompanha este fragmento com frases

melódicas soltas e espaçadas. O clima proposto é de suspense, porém as frases

melódicas ao piano quebram a rotina do loop e preparam para a entrada do Tema

Central.

As r p t õ s S o “A” se iniciam de maneira muito solene com a

execução dos acordes estruturantes (Figura 13) da harmonia original e vão

tornando-se cada vez mais intensas e presentes. Neste momento, a melodia do

Tema Central ainda não é presente. Somente na sétima repetição dessa seção é

que pequenos fragmentos da melodia ficam evidentes, porém nunca explícitos.

Na S o “A”, aos 02:28 minutos, a melodia tocada ao piano abandona a

intenção de sugestionar a linha melódica pelo Tema Central e segue um caminho

mais solto e despretensioso. Aos 03:42 minutos de áudio, a proposta interpretativa

de Sakamoto volta ao início com acordes espaçados e ar solene, lembrando a forma

musical usada no Jazz & Blues de sempre voltar ao tema central quando se

aproxima o final da música.

Os fragmentos musicais preparados por Alva Noto para dialogar com o piano

são: Sequência 1, Sequência 2, Sequência 3 e Sample 1.

A Sequência 1 (00:00 – 01:35) apresenta sons sintetizados usando as

seguintes notas: si bemol 4 (462Hz), mi bemol 5 (624Hz), si bemol 5 (920Hz) e fá 6

(1.4010Hz). As notas são apresentadas de maneira alternada, de forma que a cada

oito segundos esta formação se repete. A Sequência 2 (00:42 - 01:45) apresenta

sons sintetizados tocados na seguinte ordem: mi bemol 3 (156Hz), ré bemol 3

(134Hz) e si bemol 1 (59Hz). Esta sequência se repete a cada dez segundos. A

Sequência 3 (02:49 – 03:42) executa uma frequência subgrave, a nota fá 1 (43Hz),

que é executada como uma célula rítmica. O Sample 1 é um som extraído do

primeiro compasso Fr s “A” m lo T m C ntr l. Este fragmento é

executado entre 01:35 e 02:44 minutos, voltando a aparecer em 03:43 até 04:31

minutos.

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Partes Minutagem Sakamoto Alva Noto In

troduçã

o

Intro A 00:00 – 00:18

Neste momento não existe a participação do piano.

Estrutura rítmica elaborada a partir de clicks. Sample em looping construído a partir de sons sintetizados.

Intro B 00:18 – 00:42

Entrada do piano fazendo frases melódicas. Intro C 00:42 –

01:03 Rítmica de clicks com Intervenção mais espaçadas. Entrada de sons sintetizados frequências graves em looping.

Tem

a c

entr

al

Seção A 01:03 – 01:14

Acordes extraídos da harmonia original Frase ”A” s m m lo Seção A 01:14 –

01:24

Seção A 01:24 – 01:35

Seção A 01:35 – 01:45

Surgimento de fragmento sampleado do piano executando a m lo o mot vo Fr s “A” Som sintetizado ostinato em mi bemol.

Seção A 01:45 – 01:56

Aparecimento do Ruído Branco. Uma frequência surge como ostinato em ré bemol. Seção A 01:56 –

02:06

Seção A 02:06 – 02:17

Acordes e fragmentos da melodia extraídos da harmonia original Frase ”A”

Seção A 02:17 – 02:28

Seção A 02:28 – 02:38

Execução de acordes e melodias construídas com base na estrutura harmônica e melódica Fr s ”A”

Seção A 02:38 – 02:49

Surgimento de fragmento sampleado do piano executando o segundo compasso a melodia or n l Fr s “A” Sur m nto de frequências graves com rítmica própria. [4/4 h. q / w / h. q / h q q]

Seção A 02:49 - 03:00

Seção A 03:00 - 03:10

Seção A 03:10 - 03:20 Ruído Branco colocado em destaque novamente. Som sintetizado ostinato em si bemol.

Seção A 03:20 - 03:31

Seção A 03:31 - 03:42

Seção A 03:42 - 03:52 Acordes extraídos da harmonia original Frase ”A”

Surgimento de fragmento sampleado do piano executando a m lo o mot vo Fr s “A”

Seção A 03:52 - 04:03

Seção A 04:03 - 04:13 Destaque para som sintetizado frequência em si bemol. Seção A 04:13 - 04:24

Seção A 04:24 - 04:35

Fin

al

Final A 04:35 – 04:50

Acorde de repouso ou finalização tocado a cada quatro tempos.

Final B 04:50 – 05:04

Acorde de finalização. Sample do acorde final em looping.

Figura 13: Quadro descritivo sonoro. Música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído do DVD Insen Live publicação em 2006 pela gravadora Raster Noton. Fonte o autor 2015.

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53

O limiar temporal é um limite mínimo da capacidade de nossos ouvidos em

separar os objetos sonoros percebidos pelo ouvido no tempo. Quando a duração de

um som for menor de cerca de 60 ms (sessenta milissegundos), o ouvido tende a

aglutinar os objetos sonoros, fundindo-se em um único som (MENEZES, 2004, p.

181). No próximo capítulo este conceito de Limiar Temporal ajudará a explicar o

processo de transformação do glich em textura.

O Ruído Branco é um som que possui distribuição uniforme por todo o

espectro de frequências com densidade de energia constante por toda gama de

frequências audíveis e pode ser comparado, na natureza, com o som do mar, de

algumas máquinas ou o som da televisão fora de sintonia. (MENEZES, 2014, p. 26).

Alva Noto articula este ruído em toda extensão da música e com o auxílio de filtros

(equalizadores) consegue chegar em uma sonoridade que se aproxima ao ruído de

uma válvula de gás aberta. Este ruído intermitente está apresente em toda música,

aparecendo com mais vigor nos inícios de compassos marcados pelo piano.

A análise através dos parâmetros sonoros com viés semiótico proposto por

Philip Tagg nos oferece uma perspectiva mais sensorial da obra musical estudada.

Se comparada a análise formal, apresentada no capítulo anterior, esta perspectiva

de estudo musical tem um nível de subjetividade maior, porém quando incorporada

ao escopo do trabalho potencializa os aspectos abordado na pesquisa.

Além da análise musical formal fundamentada por Schoenberg (1874 – 1951)

e do estudo dos elementos sonoros, a análise musical criada por Tagg é articulada

de maneira a esclarecer aspectos dialógicos da performance, para que finalmente

somados aos elementos visuais o entendimento de todo processo dialógico entre as

linguagens possa ser entendido.

De acordo com o que já foi apresentado no capítulo Modelo Analítico da

Composição Musical, o primeiro passo para esta análise é estabelecer uma lista de

parâmetros de expressões musicais.

Considerando aqui aspectos temporais, melódicos, harmônicos, timbrísticos,

dinâmicos e acústicos, podemos elencar os seguintes Objetos de Análise (OA) a

partir do Objeto Sonante (OS), que neste momento é considerado o áudio extraído

do DVD Insen Live (2006) e não mais a música original composta por Sakamoto em

1983 Os “OA” r l v nt s s o: o Mot vo Musical, os Glitchs, os ruídos e o plano

sonoro.

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54

O primeiro Objeto de Análise apontado é o Motivo Musical Básico, que pode

ser comparado a um gene composicional da música. Esta célula é apresentada de

uma maneira ostensiva por toda a música.

Na figura 14 está representado o grupo de cinco sons que formam o

fragmento musical chamado Motivo Musical Básico. Os sons que estão grafados na

pauta musical são as notas mi bemol, fá, mi bemol, si bemol e mi bemol.

Considerando as escalas pentatônicas como escalas diminuída de dois sons se

comparado as escalas de sete sons, este fragmento musical é também muito

econômico em sua construção, pois dos cinco sons que se apresentam neste trecho

três são repetidos 73 , além de não conter em sua construção, duas notas que

pertencem a escala pentatônica 74 (Figura 9) e que são desprezadas nesta

composição musical. Mais uma vez o uso mínimo de elementos é usado para

compor o escopo deste projeto performance.

Para reconhecer, o que Philip Tagg chama de Campo de Associação

Paramusical75, é necessário estabelecer correspondência hermenêutica por meio de

comparação de objetos.

Pesquisando estruturas musicais que pudessem estabelecer uma relação

comparativa na construção melódica criada por Sakamoto, chegamos até o

compositor inglês Frederick Delius (1862 - 1934). Na música Serenade from Hassan,

de 1923, encontramos no primeiro compasso da composição o mesmo Motivo

Musical Básico usado por Sakamoto (Figura 15).

73 Uma das notas (mi bemol) que compõem este fragmento se repete por mais duas vezes. 74 A escala pentatônica escolhida para essa composição é composta pelas notas: ré bemol, mi bemo, fá, la bemol e si bemol. E as notas que aparecem nesse fragmento são somente três : mi bemo, fá e si bemol. 75 É um material de comparação interobjetiva do Objeto de Análise.

Figura 14: Partitura da melodia do compasso Motivo Musical Básico da música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído do DVD Insen Live. Fonte o autor 2015

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55

A melodia ré - mi - ré - lá - ré possui a mesma sequência melódica se

comparada a mi bemol – fá – mi bemol – si bemol – mi bemol. Podemos afirmar isso

pois a semelhança entre as melodias não está só no nome das notas mas sim na

relação intervalar entre elas, em outras palavras a sequência dos intervalos entre

cada nota das melodias são as mesmas, ou seja: segunda maior ascendente,

segunda maior descendente, quarta justa descendente e quarta justa ascendente

(Figura 16).

Figura 16: Estrutura intervalar das melodias Serenade from Hassan (esquerda) e ax Mr L (direita). Fonte o autor, 2015

Figura 15: Fonte Partitura Universal Edition, Viena em 1923

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56

Para compreender ainda melhor a relação de semelhança entre estes objetos

o compositor Ryuichi Sakamoto usou em sua música um universo tonal76 que se

relaciona diretamente com o universo tonal da composição de Frederick Delius

Essa relação acontece quando o mesmo motivo musical é traduzido para uma outra

tonalidade, isso significa que quando acontece uma modulação, ou troca de

tonalidade, a estrutura melódica mantem-se intacta .

Podemos encontrar identidade na construção melódica também no primeiro

compasso do movimento Badinerie (figura 17) da Suíte No. 2 em B Menor Bwv 1067

composta para orquestra em 1707 do compositor alemão do período Barroco

Johann Sebastian Bach (1685 – 1750). Importante complementar que a relação de

semelhança neste caso é bem mais subjetiva e está baseada na movimentação

melódica criada pelo compositor Bach e também pelo que este fragmento musical

representa para essa composição.

Figura 17: Fragmento inicial da composição Badinerie de J. S. Bach. Fonte Chester Musica Limited, London, 2003

Bach usa no fragmento musical representado pelas quatro primeiras notas

mostrada na figura 17 (si, ré sustenido, si, fá sustenido e si), a mesma articulação

melódica usada por Ryuichi Sakamoto no fragmento Motivo Musical. Desta vez a

relação intervalar entre as notas não é a mesma porém a articulação e a direção de

ascendência e descendência dos intervalos é a mesma. Mais uma característica da

76 O sistema tonal de composição musical oferece possibilidade de uma mesma música transitar entre as varias tonalidades possíveis. Universo tonal é uma maneira de mensurar as possibilidades de criação musical dentro de uma determinada tonalidade.

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semelhança entre as composições de Bach e Sakamoto é que elas foram escritas

em tonalidades distante uma dá outra em somente meio ton, isto é tonalidade ré

natural e ré bemol respectivamente. Na figura 18 a seta em azul mostra, do lado

esquerdo a movimentação melódica do fragmento extraído da música Badinerie e do

lado direito a movimentação melódica do fragmento extraído da música de Ryuichi

Sakamoto.

Figura 18. Quadro comparativo da articulação do fragmento coletada da música de J.S.

Bach com fragmento musical Motivo Musical de Ryuichi Sakamoto. Fonte o autor 2015.

Bach coloca este fragmento como marca sonora de sua composição,

repetindo este motivo musical algumas vezes, ora como simples repetição ora como

variações deste mesmo fragmento. Essa prática de repetição e insistência num

mesmo motivo melódico é usado também por Ryuichi Sakamoto.

Na composição Arabesque No. 2 (Figura 19) para piano do compositor

impressionista francês Claude Debussy (1862 – 1918), música composta entre 1894

e 1900, encontramos uma semelhança também na movimentação melódica da

célula musical logo no primeiro compasso, porém estre fragmento é executado com

mais velocidade. A indicação do andamento77 desta composição é uma Allegretto

Scherzando uma velocidade de execução bem mais acelerada que a composiçãol

de Sakamoto que recomenda aos executantes o andamento Andantino. Esta

característica é ainda mais marcante quando consideramos que apesar da fórmula

de compasso78 das duas músicas serem a mesma (4 por 4) o tempo de duração

77 Andamento é o indicativo de tempo e/ou de caráter, determina como a peça ou trecho devem ser executados. Emprega-se comumente até hoje a nomenclatura italiana: andante, adagio, allegro, moderato, ou as marcações reais de metrônomo.(DOURADO, 2004, p. 26). 78 Fórmula de compasso é o que determina como os compassos serão escritos. Compasso é a unidade métrica musical formado por grupos de tempos em porções iguais. Podem ser

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das notas escolhidas por cada compositor são diferentes. Na composição de

Debussy as notas do fragmento são escritas ou desenhadas como semicolcheias79 e

na composição de Sakamoto são escritas como colcheias, isso indica ao executante

da música do compositor francês o dobro de velocidade em relação a composição

de Ryuichi Sakamoto.

Figura 19: Fragmento inicial da música Arabesque No.2 de Claude Debussy. Fonte Musicnotes, Inc. 2009

Na Mazurka Op. 7 No.5 (Figura 20) do pianista e compositor polaco do

período romântico Frederic Chopin (1810 – 1849) a célula mostrada no primeiro

compasso aponta um fragmento melódico que também se assemelha ao motivo

musical destacado na música de Sakamoto. Chopin escolhe para sua composição

um compasso ternário (três tempos) enquanto que a música de Sakamoto o

compasso é quaternário (quatro tempos). O compasso com três tempos da a música

um caráter dançante muito usado nas valsas.

Binário (dois tempos), ternário (três tempos), ou quaternário (quatro tempos). (DOURADO, 2004, p. 88) 79 Semicolcheia é a nota cuja a duração é o dobro de uma fusa e a metade de uma colcheia. (DOURADO, 2004, p, 299)

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Figura 20: Fonte: Musicnotes, Inc. 2014

As composições citadas foram elaboradas por músicos que possuem um

perfil artístico marcado por um profundo conhecimento musical adquirido com estudo

formal de música. O diálogo de Sakamoto com este universo erudito da música fica

aparente não só por sua formação acadêmica, mas também pela proximidade de

seu estilo de composição musical mostrados nos exemplos acima.

Para reconhecer alturas80 e timbres, o glitch usado por Alva Noto teria que ser

um objeto sonoro com um tempo de duração maior, porém, sendo um som de curta

duração, não é possível reconhecer sua afinação. As possibilidades construtivas

deste recurso sonoro ficam reduzidas a combinações rítmicas, pois não é possível

criar melodias ou estruturas harmônicas com elas.

No diálogo com o piano, Alva Noto usa esse som para compor uma textura

sonora que insinua um áudio de baixa qualidade. O espectador desta performance

ficaria com a impressão de que o sistema de sonorização do evento está com

problemas, se não fosse a convicção do artista em direcionar a apresentação para

este contexto sonoro musical.

Em uma primeira análise, a composição destes sons propõe a formação de

pequenas celular rítmicas dispostas em ciclos randômicos, que quando observadas

ao longo da música não são reconhecidas pelo ouvido como células rítmicas mas

sim como textura sonora, lembrando o som de gotas de chuva caindo de um telhado

no chão encharcado.

Os ruídos nesta música têm uma função de realce das mudanças métricas da

música. O ruído branco tem sua presença destacada na música quando acontece a

qu nt r p t o s o “A” (Esqu m Anál s Sonor m 01:45), reoxigenando

80 A altura do som faz referência a afinação.

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a repetição de mais uma seção. O objetivo de introduzir um novo elemento a cada

repetição de uma mesma parte é fundamental para evitar a monotonia e assim

manter o clima minimalista que a peça musical propõe.

Um outro ruído aparente é aquele acrescentado ao sample do Motivo Musical

Básico quando disparado digitalmente. Com o uso de um filtro, extrai-se uma nova

cópia deste fragmento sonoro que recebe um tratamento de distorção sonora, que

nada mais é que a saturação sonora do próprio Sample. Esse ruído é projetado com

muita intensidade durante a performance, pois é estrategicamente colocado na

região aguda do espectro sonoro, entre 9.000Hz e 14.000Hz.

O plano sonoro proposto neste áudio considera toda ambientação sonora

criada para esta performance. São considerados neste plano aspectos acústicos,

principalmente a reverberação e o eco. Como o projeto sonoro não pode ficar

rendido ao formato e tamanho da sala de concerto, toda ambientação sonora é

preparada com a ajuda de equipamentos como simuladores de reverberação81 e

câmaras de eco 82 . Devemos considerar aqui que o objeto de estudo dessa

dissertação é o áudio extraído de uma mídia digital e não a performance

propriamente dita, pois seria necessária a pesquisa in loco.

2.3. Análise Visual

Diante da complexidade do entendimento de tantos elementos estruturantes

de um projeto que reúne em uma só performance as linguagens sonora, musical e

visual, o processo de análise visual pode ser entendido, em uma primeira análise,

como mais um elemento complicador, porém, neste capítulo, estudaremos os

elementos agregadores que as projeções luminosas desta performance revelam.

A visualidade de um produto é muito discutida em design, sem dúvida é uma

parte do projeto bastante importante e que possui a capacidade de sugerir uma

atitude ou estimular um comportamento diante de algo complexo. Da mesma

maneira que um objeto transmite na visualidade informações sobre sua natureza,

81 A reverberação consiste na propagação do som decorrente das reflexões desse som no ambiente, reflexões estas independentes das vibrações em si da matéria instrumental que deu origem ao som. (MENEZES, 2014, p. 185) 82 Repetição do som original com distancias temporais a partir de 30 milissegundos com relação ao som original. (MENEZES, 2014, p. 186)

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podemos considerar que o elemento visual da performance revela parte da

construção deste diálogo sonoro-musical. (CARDOSO, 2012, p. 117)

A imagem projetada durante a performance é disparada automaticamente

pelas notas tocadas pelo piano e seguem estáticas até a execução da próxima nota.

A dinâmica de projeção visual da performance pode ser comparada à de um projetor

de slides, equipamento óptico mecânico muito usado nas décadas de 1970 e 1980,

que projetava imagens estáticas em uma tela em branco. No caso da performance

de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto a ordem de aparição dos formatos dessas

imagens é regida por um padrão randômico que será desvendada no capítulo

Projeto Visual.

Observando todas as performances do DVD Live Insen encontramos

mecanismos diferentes de formatação dos desenhos projetados, porém, sempre

disparados através de interfaces que reconhecem o som e suas propriedades.

Na performance, as imagens são projetadas em um fundo preto e possuem

shapes que são forjados a partir de um grid83 de linhas verticais e horizontais (Figura

21). A menor figura geométrica geradora de imagens é o retângulo.

Figura 21: Grid strutur nt m ns us n p rform n mús “ x Mr L Font ”, do autor 2015

O grid cria figuras quadradas e retangulares em tamanhos variados e em

alguns momentos a estampa em preto e branco sugere uma visão que pode ser

relacionada a objetos ou figuras geométricas conhecidas. Se lembrarmos de figuras

geométricas contidas em objetos do nosso cotidiano, como portas, janelas, folhas de

papel, livros, telas de computadores e tablets, essa simetria de linhas verticais e

horizontais é uma imagem estruturante usada na Arquitetura e no Design Gráfico,

por exemplo.

83 Um grid é uma rede de linhas. Em geral, essas linhas cortam um plano horizontal e verticalmente com incrementos ritmados. (LUPTON, 2008, p. 175)

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Em primeira análise, essa estrutura geradora de formas sugere uma imagem

semelhante ao pentagrama84 com suas linhas horizontais e as barras de compasso85

com linhas verticais. Como notas escritas em uma pauta musical (Figura 22), as

estampas projetadas possuem brilhos pulverizados por sobre a estampa, criando um

contraste de luz e sombras.

Figura 22: Partitura projetada sobre o grid. Fonte o autor 2015

Usando como referência o trabalho do design de peças impressas, as linhas e

colunas criadas em uma página ajudam os designers a alinhar os elementos entre

si, tornando o processo de leitura mais eficiente. Como em uma página de um

periódico que mistura texto e imagens, o grid ajuda a estruturar espações em branco

que deixam de ser buracos vazios e passam a participar do ritmo das imagens

estampadas (LUPTON, 2008, p. 175). A rítmica criada pelos espaços em branco em

uma página impressa cumpre a mesma função das sombras criadas na estampa das

imagens que são mostradas durante a performance.

A projeção randômica de sombras das imagens dá mais dinâmica às figuras,

sugerindo uma rítmica própria, que não aquela disparada pelas notas do pianista,

que por sua vez é cópia da rítmica da composição musical criada por Sakamoto.

A repetição de elementos tais como círculos, linhas e grids, cria ritmo enquanto a variação de seu tamanho ou intensidade gera surpresa. Em animação, os designers devem orquestrar simultaneamente os ritmos visuais e sonoros. (LUPTON, 2008. p. 34)

Um trabalho que pode ser referência para análise deste trabalho visual é o

filme curta metragem de animação Synchromy (1971), do diretor de cinema e

animador Norman McLaren86 (1914-1987). Nesta animação Norman trabalha com

84 Pauta ou pentagrama é a reunião de cinco linhas e quatro espaços nas quais são escritas as notas musicais. (ALVES, 2004, p. 12) 85 Na escrita musical, os tempos são agrupados na pauta e os agrupamentos são separados por barras verticais denominadas de barra de compasso. (ALVES, 2004, p. 28) 86 Norman McLaren foi um cineasta escocês pioneiro em imagem em movimento. Famoso por seus experimentos animados e curtas-metragens. Ganhou vários prêmios incluindo o

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relação de equivalência entre ver e ouvir, construída através da movimentação de

figuras geométricas coloridas de acordo com as notas musicais de uma trilha

sonora. (CARNEIRO, 2013, p. 194)

Na figura 23 podemos observar em duas amostras retiradas do curta

metragem Synchromy a rítmica e geometria das figuras projetada que são

sincronizada com uma trilha sonora. A ação contínua do sequenciamento de

padrões geométricos é encontrado também na performance Insen Live quando a

música proposta pelo duo Alva Noto e Ryuichi Sakamoto propõem o domínio do

tempo e da rítmica nessa performance que relaciona som e espaço.

Figura 23. Duas amostras extraídas do filme Synchromy (1971) do cineasta Norman

McLaren. Fonte: National Film Board of Canada (2014).

Procurando novos enfoques para análise visual dessa performance

encontramos similaridades com o conceito de Arte Sonora 87 (sound art) que

considera o relacionamento do som, espaço e tempo.

Importante deixar claro que a performance Insen Live não é uma instalação

de Arte Sonora, mas podemos estudar o conceito desta manifestação artística para

buscar subsídios e referencias na análise desta performance estudada neste

trabalho.

da Academia (Oscar) para 1952. Ele influenciou artistas, cineastas e músicos, como Picasso e Truffaut. LERUSTE, Sabrina. (2014). National Film Board of Canada. < http://www.mclaren2014.com> Acesso em 26/10/2015. 87 A Arte Sonora (sound art) sur n é 1970 omo um mov m nto qu stu a fronteira entr s rt s v su s mús Ess r p rt r o é r t r z o p lo nt r âm o ntr s rt s, m s l n o mús , rt s plást s rqu t tur (IAZZETTA, 2006, p 775)

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Na construção de uma obra sonora busca-se a conexões do espaço com

estruturas sonoras que a transforme em uma instalação ou escultura sonora,

portanto o espaço se torna vital neste tipo de trabalho, passando a ser elemento

integrante da obra. (IAZZETTA, 2006, p. 776)

Na performance Insen Live o espaço de apresentação tem uma conotação

mais neutra em relação as instalações sonoras, pois ela acontece em uma sala de

concerto, porem a conexão estabelecida entre a performance e o espaço é

reforçada. Um elemento que potencializa essa relação do espaço com a

performance é a presença das projeções das imagens que como em uma instalação

de arte é um fator de aproximação das distancias entre a música e as artes

plásticas.

Podemos entender que a Arte Sonora permeia as fronteiras entre música e as

outras artes, onde a música é material de referência dentro de um conceito

expandido de composição artística. Isto cria um processo de hibridação entre o som,

imagem, espaço e tempo. (IAZZETTA, 2006, p. 775)

A transformação do timbre do piano acústico através do uso de efeitos como

reverberação artificial e mais as intervenções dos sons eletrônicos sintéticos criam

um espaço de performance que modifica a maneira como um espectador

experiencia este espaço de performance. A questão levantada aqui é que a inclusão

de elementos que normalmente não são valorizados em uma composição musical

tradicional tais como a visualidade, a performance e a plasticidade estabelecem uma

conexão entre os conceitos de performance e Arte Sonora. (IAZZETTA, 2006, p.

776)

A p rt r í orr um onjunto o r s qu estão inseridas em

gêneros qu s rup m m torno o t rmo rt sonor –

soun s p , soun s n, soun s ulptur , nst l o sonor - qu

s r f r m o tr lho rt st s hí r os qu l m om

on p õ s r t v s qu us m nt r r no õ s som, t mpo,

sp o, m m e movimento. (IAZZETTA, 2006, p. 776)

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3. Aspectos Projetuais

3.1. Projeto Dialógico Sonoro

Observando outros vídeos de apresentação da mesma performance, como,

por exemplo, a do Festival Sónar em 2012 na cidade de São Paulo, fica evidente o

trabalho da pré-produção de todo material sonoro por Alva Noto, como também o

preparo do arranjo musical de Sakamoto. Este trabalho não se resume só em

armazenar de todos os áudios e confecção da partitura do arranjo musical, mas

também da existência de um script que prevê todo o caminho a ser percorrido neste

diálogo, deixando um espaço para variações circunstanciais de interpretação

artística, deste ou daquele momento, pelos artistas.

O Projeto Dialógico Musical neste trabalho acadêmico pode ser entendido

como o processo estratégico de construção do diálogo entre as linguagens por cada

músico através de um pensamento projetual de design revelados em vários

aspectos estudados nesse capítulo.

As partituras do piano, os sons eletrônicos e projeções visuais que são

articulados durante a apresentação no palco são planejados e preparados em um

processo de pré-produção que acontece antes do evento performático.

Este preparo requer uma estratégia para que as partes ou textos musicais

sobrepostos não se confundam e acabem se anulando. A estratégia usada nessa

performance pode ser desvendada através do espectro de frequências do áudio, da

orquestração sonora e também do entendimento visual das imagens.

O estudo da equalização sonora que acontece no campo do espectro de

frequências88 nos ajuda a visualizar a distribuição das vozes do piano e dos sons

eletrônicos do áudio e, para isso, o espectro é dividido em regiões. De 20Hz a 60Hz,

chamamos de Subgraves; de 60Hz a 250Hz Graves; de 250Hz a 2.000Hz Médias

Baixas, de 2.000Hz a 6.000Hz Médias Altas e de 6.000Hz a 20.000Hz de Agudos.

(HENRIQUES, 2007, p. 63)

88 Conjunto de frequências reconhecidas pelo ouvido humano que vai de 20 Hz até 20.000Hz.

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Através de um analisador de espectro89, foi possível construir um gráfico de

frequências (Figura 24) gerado pelo áudio da música. Destacadas em vermelho

estão as notas (em azul) tocadas ao piano por Sakamoto e as figuras em preto são

os sons eletrônicos. O vetor vertical aponta as frequências em Hertz, no horizontal o

tempo em minutos, e as variações de tons de cinza medem a intensidade sonora

naquela determinada frequência. Estudando a distribuição da parte reservada aos

sons do piano dentro desse espectro sonoro, desvendamos a estratégia de

movimentação das vozes criada por Sakamoto e Alva Noto.

Para facilitar a análise deste gráfico, quatro momentos são identificados

durante a execução musical. São eles: o primeiro momento ou introdução musical, o

segundo momento ou apresentação do tema central, o terceiro momento ou

improviso e finalmente o quarto momento que é a finalização da performance.

No primeiro momento os sons que aparecem são os eletrônicos que servem

de suporte para o surgimento dos sons do piano que aparecem logo em seguida.

Um breve solo de Sakamoto na região das frequências médias baixas completam

essa introdução neste primeiro momento. O gráfico mostra uma região vazia na faixa

frequencial Subgraves e Aguda, espaços estes, que serão preenchidos num próximo

momento aos 00:42 segundos. A característica musical marcante neste inicio é que

a melodia tocada ao piano não entrega a melodia marcante da música deixando o

expectador sem saber que música está sendo executada. Esta ação faz com que o

aparecimento da melodia central da música seja adiado e com isso o surgimento da

sensação de suspense.

O mecanismo de construção melodia neste primeiro momento é a

improvisação, isto é, a criação de uma melodia a partir de uma estrutura harmônica

e rítmica pré estabelecida.

O segundo momento tem inicio com um minuto de música. O piano muda sua

presença para a região grave fazendo um movimento lento em direção ao espectro

das frequências médias graves. Neste momento o piano começa a conduzir a

música para a cadência harmônica principal e assim ele prepara o expectador para

reconhecer o tema central. Em 02:06 minutos Sakamoto executa explicitamente o

quarto compasso do fr m nto Fr s “A” o T m Central da música (Figura 24) e

89 Sonic Visualiser é um programa de computador que ajuda a visualizar e analisar o conteúdo dos arquivos digitais de áudio. <http://www.sonicvisualiser.org/> Acesso em 26/10/2015.

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assim permite que o ouvinte reconheça o arranjo musical extraído da versão original

da música “M rry Chr stm s Mr L wr n ” A partir deste momento acontece uma

nova improvisação no piano, só que desta vez a articulação não acontece na

melodia mas sim com a harmonia. Este processo de improvisação usa como ponto

p rt h rmon or n l Fr s “A” ont m blocos de notas tocadas

ao mesmo tempo. A região do espectro de frequências escolhida por Sakamoto para

essa passagem é a mesma da introdução, as medias baixas, porem para o piano é

uma região aguda. Essa condução permite que as vozes tocadas por Sakamoto e

Alva Noto não ocupem a mesma posição dentro do campo de frequências, se

revezando nas posições subgraves, graves, médias graves e agudas.

O terceiro momento acontece entre 02:38 e 03:42 minutos quando as notas

tocadas pelo pianista são poupadas das interversões dos sons eletrônicos na região

aguda. Neste momento a região entre 500Hz e 2.000Hz é usada pelo piano para

contrapor com os sons eletrônicos da região subgrave e grave, o que mostra mais

uma vez a articulação estratégica desse arranjo sonoro musical.

No quarto momento a condução da voz do piano termina com uma

configuração parecida com o início da música, ou seja, uma cadência harmônica de

acordes na região grave.

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A Figura Espectro sonoro será colada aqui.

Figura 24: Espectro de frequência da música ax Mr. L em destaque parte executada ao p

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Outro aspecto sonoro musical estruturante deste diálogo é o mecanismo de

sincronia musical usado pelos músicos. O mecanismo mais usado nas

apresentações musicais com uma formação similar a essa é o uso do metrônomo90

que funciona como um sinal sonoro tocado em um fone de ouvido para cada músico

durante toda a performance. Esse sinal indica o bpm que orienta o instrumentista,

que pode saber exatamente em que posição da música está e executar sua parte

com precisão. Porém, isso não acontece nesta performance, apesar de que os

looping 91 disparados pelo computador geram obrigatoriamente um ritmo que o

pianista deve respeitar. A escolha por não usar esse mecanismo está no formato

dos samples escolhido por Alva Noto e pela limitação interpretativa que o

metrônomo proporciona, principalmente para o pianista.

De todo material sonoro preparado por Alva Noto e levado até o palco da

performance, alguns sons possuem características de identificação musical que

estruturam a métrica da música, tais como o sample da melodia Fr s “A” sons

sintetizados e sequenciados, como na parte Introdução. Outros sons não possuem

essa característica de condução métrica, como por exemplo o ruído branco.

Durante todo o tempo da performance, sempre existe um som delineador de

referência musical sendo executado, e como não existe em nenhum momento uma

interrupção sonora, isso faz desse mecanismo um sistema eficiente de sincronia

deste diálogo.

Em um concerto musical92, o compositor usa toda a instrumentação de uma

orquestra sinfônica para compor um acompanhamento que passa servir de base

para que um determinado instrumento solista se apresente. Podemos entender que

a orquestra serve como suporte para que um solista se destaque e, com isso, todo o

brilho e as características de sua sonoridade.

90 Metrônomo é o aparelho mecânico ou eletrônico que possui marcações das velocidades. A medição é feita em batidas (pulso) por minuto (bpm). (ALVES, 2005, p. 47) 91 O looping é uma forma de executar um áudio digital ou analógico que propõem a repetição de um fragmento sonoro construído a partir de um determinado tempo ou compasso. 92 No século XVII, referia-se genericamente à música para instrumentos e vozes. A partir do século seguinte, passou a designar a composição, geralmente em três movimentos, em que solista ou solistas se apresentam com uma orquestra. De forma genérica, qualquer apresentação pública de maiores dimensões. As apresentações em ambientes menores são geralmente chamadas recitais. Show de música popular, jazz ou rock. (DOURADO, 2004, p. 89)

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Em entrevista gravada em vídeo para o site Cast Your Art93 (2009), Alva Noto

fala de seu interesse pela polaridade, mais especificamente pelo espaço criado entre

polos, como por exemplo o positivo e o negativo, o branco e preto, e as altas e

baixas frequências. Quando discorre sobre o espaço acústico criado pelos polos em

um ambiente sonoro, ele explica um aspecto estruturante do projeto sonoro, que é a

escolha de frequências subgraves e frequências agudas para a estruturação do

arranjo sonoro.

Um aspecto importante dessa orquestração sonora é o maneira como foi

planejada a construção do arranjo de sons tocados pelos equipamentos eletrônicos.

Estes sons aparecem em espaços vazios, aproveitando-se das limitações de

extensão de notas que o piano pode tocar. Na figura 25 podemos observar as linhas

pretas indicando a capacidade do ouvir humano para reconhecer frequências

graves, com o limite de vinte hertz e frequências agudas com um limite de até vinte

mil hertz. De uma maneira ilustrativa a figura 25 ainda mostra como estes espaços

são preenchidos, em verde claro estão representados os espaços espectral de

frequências que os instrumentos eletrônicos podem preencher e em vermelho a

gama de frequências que o piano pode tocar.

Figura 25. Espaço auditivo humano com destaque a amplitude frequencial do piano. Fonte o

autor 2015.

93 Cast Your Art. Espaces in Between, publicado no site em 01/04/2009 -<http://en.castyourart.com/2009/04/01/carsten-nicolai-alva-noto-spaces-in-between/> Acesso em 26/10/2015.

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O arranjo dos sons criados por Alva Noto é estrategicamente colocado para

ocupar os espaços extremos do espectro de frequências que o ouvido humano é

capaz de reconhecer.

Como podemos observar na figura 26 a cor vermelha mostra o campo

frequencial que o instrumento piano ocupa, enquanto a cor verde mostra o campo

frequencial aproveitado por Alva Noto para complementar a narrativa melódica de

proposta por Ryuichi Sakamoto. A música tocada pelo pianista pode ser entendida,

dentro desse contexto, como um instrumento solista acompanhado pela

instrumentação eletrônica, fazendo dessa performance sonora um solo do

instrumento piano.

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Figura 26: Espectro de frequência da música ax Mr. L. Em verde, espectro de frequências dos sons eletrônicos não usados pelo pianista. Fonte o autor 2015.

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3.2. Projeto Visual

A proposta deste trabalho ao analisar os projetos sonoro musical e visual

separadamente é somente uma estratégia de abordagem que possibilita uma melhor

compreensão do processo dialógico dessas linguagens como um todo. Nesta

performance de composição do duo Alva Noto e Sakamoto, a visualidade não se

limita a um acompanhamento ilustrativo de um conteúdo sonoro musical. Ele é parte

indivisível deste espaço de articulação de contextos.

Uma das reflexões sobre o discurso projetual de design de objetos é sobre a

visualidade. Beat Shneider afirma que:

O o j t vo o s n é torn r um o j to “v sív l” “l ív l”, ss m possibilitar a comunicação. O design cria entendimento visual no processo de interação entre atores humanos individuais e coletivos, de forma a tornar possível a comunicação. Design é a visualização criativa e sistemática dos processos de interação e das mensagens de diferentes atores sociais. (SHNEIDER, 2009, p. 197)

Os elementos de composição visual usados nesta apresentação são pontos e

linhas que constroem formas geométricas, principalmente o quadrado e o retângulo,

projetados em branco em um fundo preto. Esses elementos são organizados de

maneira sistemática dando sentido de direção, distância, contraste, movimento,

andamento, ritmo e unidade para as projeções como linguagem expressiva. Para um

design gráfico, a composição desses elementos visuais segue de forma dirigida e

intencional, pois tem diante de si a necessidade de resolver um problema e nem

sempre ele tem liberdade para colocar sua expressividade pessoal (FONSECA,

2008, p. 214).

Como na vivência de um design gráfico, a visualidade deste projeto tem

diante de si não um projeto gráfico, mas uma tela de projeção de imagens que são

construídas segundo as mesmas diretrizes de formatação listadas acima, porém ela

faz parte de um diálogo performático que reúne as três linguagens.

Todos os padrões apresentados aqui foram construídos a partir de formas

básicas muito simples, algumas delas representadas no quadro abaixo.

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Figura 27: Padrões formatadores das figuras. Fonte: o autor, 2015.

Os elementos de composição visual usados nesta performance são revelados

através da análise das amostras (Figura 27) coletadas por meio do print screen do

vídeo da performance ax Mr. L do DVD Live Insen. Este material foi coletado de

maneira a fornecer um leque de projeções de imagens mais variado possível, indo

de uma tela com muita informação luminosa até o blackout completo.

A relação entre o tempo e o movimento das imagens nesta performance são

princípios que se relacionam com muita cumplicidade. O movimento da imagem

opera tanto no universo do tempo, como uma imagem em movimento, quanto do

espaço bidimensional da imagem, que por si só possui um movimento implícito. A

forma como essa transformação da imagem se torna visível é conquistada de várias

maneiras, como por exemplo o movimento dos elementos projetados na tela, ou

podem acontecer também com as mudanças na escala, na transparência, nas

camadas sobrepostas, etc. (LUPTON, 2008, p. 215)

Além do movimento implícito em cada tela projetada durante a performance, o

movimento da imagem também é proporcionado pela mudança de cada slide que

acontece dentro de um tempo. Toda imagem projetada na performance propõe um

movimento regido pelo tempo, tempo este delineado pela rítmica musical tocada por

Sakamoto.

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Observando o sequenciamento das projeções podemos reconhecer alguns

padrões de imagem que se repetem em momentos diferentes da performance.

Importante notar que o padrão da imagem se repete, porém não com a mesma

formatação. De acordo com a dinâmica das notas tocadas no piano, a mesma

imagem repetida sofre um escurecimento parcial em diferentes partes da tela, como

sombras, o efeito se parece com uma transparência aplicada em partes de uma

imagem branca projetada em um fundo preto.

Através da coleta de amostras podemos encontrar semelhanças quando

relacionamos algumas telas com os mesmos padrões de imagem, como nas

amostras 1 (Figura 28) executada em 1:13:25,05, amostra 2 executada em

1:13:27,13 e amostra 25 executada em 1:17:47,00 como sendo a repetição do shape

1D (Figura 27). Usando a mesma analogia, os padrões 7 executado em 1:13:50,02 e

22 executado em 1:17:23,17 como repetição do shape 2B, os padrões 8 executado

em 1:14:04,02 e 23 executado em 1:17:27,19 repetindo o shape 1 A e os padrões de

imagens 14 executado em 1:16:09,11 e 24 executado 1:17:25,47 que usam o

mesmo shape representado em 2 A.

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Minutagem Padrão de imagem

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

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14

15

16

17

18

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20

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23

24

25

Figura 28: Amostragem das imagens criadas durante a performance da música ax Mr. L. Fonte o autor 2015.

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Os padrões escolhidos para essa performance seguem uma regra de

construção definida por códigos de computador que permitem ao criador de imagens

forjar variações ao alterar os dados que alimentam o sistema. Mesmo criando as

regras deste sistema, o designer de imagens não tem total controle do resultado,

podendo ser surpreendido por desdobramentos inesperados. (LUPTON, 2008, p.

196)

3.3. Projeto Técnico: a mecânica do diálogo

Estudar o projeto da performance revela um novo olhar para a compreensão

da sonoridade e também mostra a mecânica do diálogo performático no palco. Além

do levantamento de equipamentos eletrônicos e do instrumento musical, o mapa de

palco oferece um novo ângulo de visão dos artistas, uma vez que no vídeo, a

câmera revela somente um ângulo.

Antes de estudar os equipamentos de áudio usados no palco é importante

compreender que existe um projeto que dimensiona e detalha as especificações

técnicas para todo ferramental usado na performance. Estes equipamentos são

preparados em estúdio com o auxílio de técnicos especialistas em áudio profissional

além é claro da supervisão dos artistas envolvidos. Nibo e Karl Kem94 são técnicos

especialista em sistemas de som e programação de imagens projetadas,

convocados para ajudar na construção deste projeto técnico sonoro visual.

Os sons eletrônicos são criados e editados em estúdio e para isso são usados

sintetizadores, osciladores e sequenciadores. Um dos sintetizadores usado por Alva

Noto para seus trabalhos é o Synthi AKS95 fabricado pela EMS. Um equipamento

portátil e analógico muito usado na década de 1970 e que também é sequenciador,

isto é ele tem a capacidade de não só de criar sons sintéticos como também

organiza-los e executa-los em uma sequencia programada. Uma característica

94 Nibo foi programador de sons na instalação Polar Mirrored dos artistas Carsten Nicolai e Marko Plejhan (2010) em Yamaguchi, Japão. Fonte Revista MAT Media Arts and Technology Graduate Program 2015. <https://www.mat.ucsb.edu> Acesso em 26/10/2015. Karl Klem foi técnico de programação em instrumentos virtuais. Fonte crédito no DVD Insen Live gravadora Raster Noton (2006) 95 O Synthi AKS é um sintetizador analógico, monofônico e portátil fabricado pela EMS Eletronic Music Studios um fabricante de sintetizadores Ingles. Fonte Vintage Synth Explorer 2015.< http://www.vintagesynth.com> Acesso em 26/10/2015.

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marcante deste sintetizador é que ele pode ser manipulado sem o uso de um teclado

musical, facilitando o trabalho para o músico quem não toca instrumentos com

teclado. O equipamento usado para sequenciar e montar os arranjo dos sons

eletrônicos é o computador portátil através de interfaces digitais de edição de áudio.

Apesar dos sintetizadores produzirem sons usando osciladores internos Alva Noto

usa, também um oscilador de som de onda senoidal para criar sons estáveis

desprovido de qualquer interferência de filtros. Na figura 29 podemos observar Alva

Noto em seu estúdio ao lado de alguns equipamentos citados neste paragrafo.

Figura 29. Alva Noto e seu set de equipamentos eletrônicos. em destaque no centro da

imagem o sintetizadores Synthi AKS da EMS. Fonte Adroyt Partners Inc publicado em 2012.

Em uma performance ao vivo é fundamental que o projeto arquitetônico do

palco providencie uma fácil visualização do espaço pelos músicos e também a

instalação de um sistema de amplificação para que os músicos ouçam o áudio que

está sendo produzido durante a performance. Somente depois de implementada

estas condições é que pode acontecer o sincronismo entre os textos sonoros e

visuais. Na figura 30 temos uma imagem panorâmica do palco onde a disposição

dos músicos favorece não só o contato visual entre eles mas também a

possibilidade deles verem o painel de projeção de imagens. Na figura 31 vemos

destacado em vermelho o percurso do sinal de áudio usado como retorno. Dois

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monitores de áudio estão dispostos ao lado do piano e mais dois ao lado da

bancada de equipamentos eletrônicos. Isto oferece condições para que o áudio

tocado ao piano seja ouvido por Alva Noto e sons disparados pelo computador seja

ouvido por Ryuichi Sakamoto.

Figura 30: Renderização feita para pré-visualização do palco na performance dos artistas

Ryuichi Sakamoto e Alva Noto. Fonte meda3696. (2014)

Figura 31: Destaque em vermelho o circuito do sinal de áudio usado como retorno para os

músicos. Foto editada pelo autor. (2015)

O projeto do cabeamento97 basicamente mostra a rotina do sinal de áudio

durante a performance. Os sinais de áudio partem de uma fonte sonora de como

96 Meda36 é uma agência italiana com profissionais de diferentes setores do mundo da comunicação que desenvolvem projetos na área de identidade gráfica, novas mídias, publicações, marketing e produção de eventos. < http://www.meda36.it> Acesso em 26/10/2015.

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microfones, instrumentos eletrônicos, geradores de sinais como osciladores de sons

ou computadores. Neste projeto de sonorizando os sinais partem de um microfone

direcionado para o piano e do áudio disparado pelo computador e são enviados para

uma mesa de som. Dessa maneira, a mesa de som depois de trabalhar esse áudio

com filtros e efeitos, divide este sinal em dois e envia um sinal para o sistema de

amplificação sonora do teatro para que o publico ouça, e o outro sinal, retorna para

os monitores de palco para que os músicos tenham sempre uma referência do som

que está sendo executado para o público.

Na figura 32 as linhas vermelhas indicam o áudio sendo enviado para mesa

de som, as linhas azuis o áudio sendo enviado para os monitores de áudio. A cor

marrom mostra a localização dos monitores de retornos que são direcionados para

os músicos. A cor amarela mostra a Mesa de Som que é o equipamento que tem a

função de receber todos os sinais e mistura-los para que posteriormente possa ser

redirecionado. Finalmente em verde o microfone e em cinza o computador que são

as fontes geradoras de sinal de áudio desta performance.

Figura 32: Esquema de Cabeamento, circuito do sinal de áudio. Fonte o autor 2015.

O piano usado por Sakamoto é um instrumento de concerto com cordas

horizontais conhecido também como piano de cauda, fabricado pela Yamaha,

97 O cabeamento é um mapa do circuito de áudio que mostra a trajetória do sinal de áudio durante a performance.

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tocado com a tampa aberta. O microfone usado para captar o som do piano é do tipo

condensador, indicado para captar sons delicados em gravações de estúdio. Porem

este piano é equipado com uma conexão MIDI98 que se conecta com uma interface

que traduz esses sinais em comandos formatadores de imagem.

Para entender melhor essa conexão MIDI é Importante destacar que o som

acústico do piano captado pelo microfone não é usado diretamente para acionar os

movimentos das imagens projetada na tela durante a performance. Este sinal de

áudio tem que passar por uma transformação. Primeiro os sinais de áudio são

capturados por um sensor99 MIDI que captura os parâmetros físicos do som como

intensidade, afinação e duração para depois transforma-los em comandos MIDI e

assim ele é enviado até a interface MIDI que recebe estes sinais e os traduzem em

sinais de imagem que dão forma e/ou movimento as imagens.

Como o objeto de pesquisa deste trabalho acadêmico é uma performance que

foi extraída de imagens de um DVD é importante buscar outras fontes de imagem

que mostrem detalhes que não são revelados neste DVD. Na figura 33 podemos

observar uma foto em angulo que mostra a localização do dispositivo MIDI no piano

durante a performance de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto quando se apresentaram

no Dancity Festival 2011100.

98 O MIDI (Musical Instrument Digital Interface) é um sistema de comunicação digital criado para fazer a comunicação entre computador e instrumentos musicais adaptados para receber ou transmitir esses códigos. Sinal MIDI não é áudio ele na verdade são comandos que quando conectado a um gerador de timbres pode ser convertido em áudio. 99 Sensor MIDI é um conversor digital de linguagens (sinais). (HUBER, 2007, p. 18) 100 O Dancity Festival é um evento anual de música, audiovisual e de vídeo instalação. Fundado em 2006 tem o objetivo de mostrar novas possibilidades na sena musical internacional contemporânea. < http://www.dancity.it> Acesso em 26/10/2015.

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Figura 33. Alva Noto e Ryuichi Sakamoto na performance Insen Live. Foto extraída do

o um ntár o D n ty F st v l “S” Tour (2011) Font Dancity TV Crew (2015).

A figura 34 mostra como o trânsito entre os diferentes sinais digitais

acontecem. Em azul as linhas representam o mecanismo de captura dos

movimentos das teclas do piano que registram o nome da nota ou a frequência

deste som que está sendo tocado como também a intensidade e o tempo de

duração deste movimento. Depois o sinal é endereçado para um conversor de sinais

MIDI representado em vermelho. No destaque em verde está representado um

gerador de sinais de imagem que recebe os sinais vindo da central de construção de

sinais MIDI para que finalmente sejam enviados sinais de vídeo para o painel que na

figura 34 aparece destacado em amarelo.

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Figura 34. Alva Noto e Ryuichi Sakamoto na performance Insen Live. Foto extraída e

t p lo utor, o o um ntár o D n ty F st v l “S” Tour (2011). Fonte Dancity TV

Crew (2015).

Os equipamentos usados por Alva Noto podem ser classificados da seguinte

maneira: sequenciador de áudio, controlador de áudio e visual, processador de sinal.

Ableton Live é um programa de computador que funciona como uma estação

de trabalho de áudio digital. Em uma performance ao vivo, o músico prepara essa

interface digital para a função de sequenciador, que ocorre quando sons pré-

gravados são colocados em uma sequência e depois disparados durante a

performance. Esse programa tem como suporte um computador portátil da Apple.

Um desafio para o artista que se apresenta ao vivo é ter acesso rápido aos

comandos de disparo dos objetos de composição da performance. Diferentemente

do trabalho em estúdio, em uma performance ao vivo o artista não tem tempo para

acessar todos os parâmetros usando o teclado do computador e o trackpad101. E

assim, acoplado a esse computador, existe uma controladora digital OSC touch102,

usada para disparar os sons e as imagens que facilitam o acesso aos parâmetros de

controle do material audiovisual usados por Alva Noto.

101 Trackpad é um dispositivo sensível ao toque dos dedos muito usado em computadores portáteis que substitui o uso do mouse. Fonte MacBook Pro Portable Genius. (GRUMAN, 2014, p. 142) 102 Este controlador OSC (Open Sound Controler) Touch é um controlador JAZZMUTANT fabricado pela Lemur, que tem como característica controlar vários programas ao mesmo tempo. <http://www.jazzmutant.com/artists_alvanoto.php> Acesso em 26/10/2015.

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As imagens são disparadas pelo som do piano, porém este sinal de comando

não é o sinal de áudio capturado pelo microfone, mas sim o sinal MIDI enviado pelo

piano Yamaha através de um cabo até a interface que recebe esses códigos e

dispara as imagens.

Uma mesa de som é o local onde todos os sinais de áudio se encontram e

são misturados e processados através de mecanismo de controle de volumes e

endereçamento de sinais para os monitores de palco e o sistema PA, que é o som

amplificado apresentado ao público.

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Considerações Finais

O objetivo deste trabalho foi investigar as variações criadas no diálogo entre

músicos durante uma performance ao vivo, a partir das narrativas criadas durante a

convergência das linguagens musical sonora e visual.

Durante a pesquisa deste trabalho, a proposta foi investigar as perspectivas

na área do design e suas interfaces com a arte e tecnologia, através das análises de

seus processos de construção fundamentados na relação dialógica entre os

músicos.

Foram levantados durante este trabalho aspectos estruturantes deste diálogo

que podem ser identificados como parte de uma prática projetual no campo do

design.

A maneira como o arranjo sonoro musical foi construído, mantendo-se uma

alternância de vozes dentro espectro de frequências, revela o processo de

articulação das partes musical e sonora, conseguindo assim driblar a mistura de

narrativas e manter o conceito de polifonia dentro do texto sonoro.

O uso de sequências sonoras (looping) que substituem o metrônomo durante

a performance evidencia o mecanismo de sincronia musical, um aspecto facilitador

do diálogo.

A escolha de um fragmento musical chamado de Motivo Musical Básico

revela uma estratégia de Sakamoto para estruturar o arranjo musical do piano que,

quando dialoga com elementos sonoros distantes das referências musicais formais

tais como o compasso e a harmonia, mantém-se estável e claro.

Dentre os elementos projetuais de design apresentados nessa performance, o

grid é um elemento revelador usado na composição das imagens, pois permite que a

rítmica musical seja incorporada nos movimentos da imagem de duas maneiras. Na

primeira, a rítmica é imposta na mudança das estampas sincronizadas pela melodia

tocada ao piano, e na segunda, a rítmica implícita na própria figura estampada nas

imagens, sendo essa segunda uma forma gráfica de imprimir ritmo.

A indústria de construção de instrumentos eletrônicos consegue produzir

pianos elétricos com uma sonoridade muito próxima ao som natural de um piano

acústico. A escolha de Sakamoto por um instrumento clássico e acústico adaptado à

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linguagem MIDI reforça a presença física da articulação da linguagem musical

erudita nesse diálogo.

Importante destacar que o processo dialógico acontece entre músicos através

das linguagens artísticas convergentes usadas nessa performance. Porém, existe

um outro nível de diálogo que acontece entre as linguagens tais como: a linguagem

da cultura musical japonesa, da música erudita, da música eletrônica

contemporânea e do design gráfico. Essas linguagens são dosadas e articuladas no

palco por Alva Noto e Ryuichi Sakamoto de acordo com suas bagagens e vivências

artísticas.

O discurso projetual proposto nesta performance revela na linguagem das

imagens a narrativa deste diálogo através da proposta rítmica, nas formas

geométricas das figuras e na maneira cartesiana de apresentação. Citando

Shneider, o design pode estar na visualização criativa do processo de interação das

narrativas de diferentes atores, que por sua vez, representam universos sociais

diferentes. Essa visualização sistemática das diferentes funções deste objeto

(diálogo) pode ser adequada às necessidades de artistas e designers em outros

projetos.

A presença do processo de pré-produção deste projeto não reduz a

performance dos músicos a meros disparadores de mecanismos automáticos. O

evento é construído no palco e na presença do público. Neste contexto, a proposta

projetual de produção de som e imagens numa performance ao vivo se revela.

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