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1 Pedagogia Histórico-Crítica e História da Educação: contribuições à formação docente MOLINARI, Andressa Cristina (G UEL) [email protected] SANTOS, Ana Carla de Miranda (G UEL) [email protected] FRANCO, Sandra Aparecida Pires UEL [email protected] AGÊNCIA FINANCIADORA: Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI- PR) Resumo: O presente trabalho tem como tema analisar as contribuições da elaboração de planos de aula para a formação continuada de professores. A pesquisa foi realizada a partir das atividades teóricas desenvolvidas em um Curso de Extensão vinculado ao projeto: “Teoria e Prática: União Sem Fronteiras entre Universidade e Educação Básica para a Prática Cidadã na Periferia de Londrina”, que teve por objetivo o resgate da cidadania e autoestima das comunidades escolares com baixos índices de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), atendendo quatro escolas situadas na periferia de Londrina - Paraná. Especificamente, procurou-se como referencial teórico- metodológico os estudos com bases na História da Educação brasileira, bem como os pressupostos teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica. Para tanto, buscou-se como objeto de trabalho a prática da elaboração de planejamentos para a execução de novas formas de direcionamento dos conteúdos, fazendo com que os educadores fossem capazes de perceber que há possibilidades de correlacionar as questões sociais com os conhecimentos científicos a fim de que o aluno conceba tais conteúdos. Nesse sentido, o presente artigo trata-se de um relato de experiência, utilizando-se como instrumento de investigação a entrevistas em que foi possível verificar que as temáticas abordadas no decorrer do curso contribuíram tanto para o processo de formação continuada dos professores participantes, como também o alcance de significativas mudanças no âmbito escolar de cada instituição beneficiada pelo projeto, especialmente no que se refere à reflexão da práxis, direcionando assim a tomada de decisões corretas quanto à escolha dos fins, objetivos e meios para a efetivação do ensino e promoção da aprendizagem. Palavras-chave: Formação Continuada. História da Educação. Pedagogia Histórico-Crítica Introdução O presente artigo é resultado de umas das ações de intervenção realizada pelo Projeto de Extensão: “Teoria e Prática: União Sem Fronteiras entre Universidade e Educação Básica para a prática cidadã na periferia de Londrina” realizada pela área de Educação do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina, situada

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Page 1: Pedagogia Histórico-Crítica e História da Educação ... · Pedagogia Histórico-Crítica e História da Educação: contribuições à formação docente MOLINARI, Andressa Cristina

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Pedagogia Histórico-Crítica e História da Educação: contribuições à

formação docente

MOLINARI, Andressa Cristina (G – UEL) [email protected]

SANTOS, Ana Carla de Miranda (G – UEL)

[email protected]

FRANCO, Sandra Aparecida Pires – UEL

[email protected]

AGÊNCIA FINANCIADORA: Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

(SETI- PR)

Resumo: O presente trabalho tem como tema analisar as contribuições da elaboração de

planos de aula para a formação continuada de professores. A pesquisa foi realizada a

partir das atividades teóricas desenvolvidas em um Curso de Extensão vinculado ao

projeto: “Teoria e Prática: União Sem Fronteiras entre Universidade e Educação Básica

para a Prática Cidadã na Periferia de Londrina”, que teve por objetivo o resgate da

cidadania e autoestima das comunidades escolares com baixos índices de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), atendendo quatro escolas situadas na

periferia de Londrina - Paraná. Especificamente, procurou-se como referencial teórico-

metodológico os estudos com bases na História da Educação brasileira, bem como os

pressupostos teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica. Para tanto, buscou-se como objeto

de trabalho a prática da elaboração de planejamentos para a execução de novas formas

de direcionamento dos conteúdos, fazendo com que os educadores fossem capazes de

perceber que há possibilidades de correlacionar as questões sociais com os

conhecimentos científicos a fim de que o aluno conceba tais conteúdos. Nesse sentido, o

presente artigo trata-se de um relato de experiência, utilizando-se como instrumento de

investigação a entrevistas em que foi possível verificar que as temáticas abordadas no

decorrer do curso contribuíram tanto para o processo de formação continuada dos

professores participantes, como também o alcance de significativas mudanças no âmbito

escolar de cada instituição beneficiada pelo projeto, especialmente no que se refere à

reflexão da práxis, direcionando assim a tomada de decisões corretas quanto à escolha

dos fins, objetivos e meios para a efetivação do ensino e promoção da aprendizagem.

Palavras-chave: Formação Continuada. História da Educação. Pedagogia Histórico-Crítica

Introdução

O presente artigo é resultado de umas das ações de intervenção realizada pelo

Projeto de Extensão: “Teoria e Prática: União Sem Fronteiras entre Universidade e

Educação Básica para a prática cidadã na periferia de Londrina” realizada pela área de

Educação do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina, situada

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no Estado do Paraná. A referente intervenção efetivou-se por meio de um Curso de

Extensão oferecido à equipe pedagógica e funcionários de quatro escolas localizadas

nos bolsões de pobreza da cidade de Londrina, que apresentaram um baixo rendimento

no IDEB, a fim de consolidar a junção teoria e prática do trabalho pedagógico no

cotidiano escolar, e assim contribuir para a superação dessas dificuldades e para a

formação da prática cidadã.

O curso foi realizado com a finalidade de contribuir com reflexões referentes à

realidade que tais escolas se encontram, e então, compreender como proceder com os

conhecimentos científicos sem que haja rupturas com o contexto social. Por isso,

durante os encontros com a equipe pedagógica, os estudos direcionados tiveram enfoque

principalmente, na História da Educação e na elaboração de planejamentos dentro dos

pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica.

Condigno, de os professores participantes serem licenciados em áreas

específicas, e terem defasagens nos conhecimentos abordados no curso, tornou-se

importante aos mesmos a participação efetiva para melhor contribuir com suas práticas

educacionais, haja vista a necessidade de uma atenta reflexão acerca da formação

continuada, pois sabemos que são muitos os desafios enfrentados por estes educadores

no contexto da nossa sociedade.

Portanto, o curso teve o interesse em criar reflexões pautando-as nos

conhecimentos da História da Educação e da Pedagogia Histórico-Crítica com a

integração dos professores, principalmente, entre as escolas, a fim de conhecerem a

realidade umas das outras e buscarem juntos soluções para o baixo IDEB, sobretudo

realizando uma junção entre teoria e prática.

Os estudos basearam-se nas pesquisas de educadores importantes para a área de

educação, tais como Saviani (2003), Gasparin (2005), Nóvoa (2005) entre outros. Tais

autores vêm contribuindo significativamente para compreensões históricas, teóricas e

práticas pedagógicas, e por este mesmo motivo foram os norteadores do Curso de

Extensão e também do projeto ainda em desenvolvimento.

Da estrutura à prática

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O curso ofertado pelo projeto passou pelas seguintes etapas: discussões sobre a

História da Educação; reflexões acerca dos pressupostos teóricos da Pedagogia

Histórico-Crítica, e a elaboração do planejamento na mesma perspectiva. Desta forma, a

primeira etapa do trabalho teve como intenção contextualizar a importância da História

da Educação na formação docente, pois de acordo com Nóvoa (2005), a história nos

permite compreender e analisar nossas origens, as transformações, rupturas e

permanências pelas quais passaram as sociedades.

Apoiando-se nas conjecturas marxianas, Vazquez (1997) nos expõe que a

história é produto da ação do homem sobre o meio e sobre o social. O homem ao

transformar a natureza, transforma o seu meio e a si mesmo, tornando-se produto das

relações sociais. Dessa forma, sua individualidade está condicionada pelas relações

históricas e sociais da qual fazem parte.

Portanto, o processo histórico se caracteriza pelo desenvolvimento de forças

produtivas, pelo progresso tecnológico e pela divisão social do trabalho, que estão em

constantes transformações, constituindo as relações sociais de produção e de classes

(Marx, 1982). Podemos afirmar aqui, que a história é um legado deixado pela sucessão

de diversas gerações anteriores que vão transformando a atividade transmitida,

modificando assim, velhas circunstâncias.

É, portanto, à caminhada da humanidade, que damos o nome de processo

histórico, e, não se pode admitir o surgimento de uma situação nova sem ligação com as

anteriores, pois o homem é um ser finito, temporal e histórico. Para a história, o tempo

só interessa nessa perspectiva tripla. Diante disso, mesmo estudando o passado mais

remoto, a história ajuda a explicar a realidade presente, indagando seus problemas,

podendo diagnosticar ações futuras.

Ademais, a História da Educação tem por objeto de estudo a problemática

educacional, dessa forma, contribui para que o educador construa um patrimônio

cultural sobre a área na qual atua. Para Nóvoa (2005), a pergunta “para que a História da

Educação?” elenca quatro motivos que segundo ele são: a) para cultivar um saudável

ceticismo, b) para compreender a lógica das identidades múltiplas, c) para pensar os

indivíduos como produtores de história, d) para explicar que não há mudança sem

história. Assim, torna-se necessário:

Desenvolver uma atitude crítica face às modas pedagógicas, de

analisarmos o jogo de identidades no espaço educativo, de situarmos a

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nossa própria existência na narrativa histórica e de compreendermos

que a mudança se faz a partir de pessoas e de lugares concretos

(NÓVOA, 2005, p. 11).

Portanto, a História da Educação deve servir para que o educador entenda o

passado, torne-se mais cuidadoso nas opções dos métodos de ensinos utilizados no

presente, e compreenda “quem somos e como fomos”. A História da Educação nos

permite construir o patrimônio da profissão docente, tornando-nos profissionais críticos

e reflexivos, pois todo educador deve conhecer sua história, a fim de formar uma

identidade profissional, pois entender o passado nos ajuda a compreender o presente.

Logo, conscientes da importância da História da Educação na formação docente,

procuramos fazer com que os participantes envolvidos percebessem as relações

históricas e sociais que envolvem o contexto escolar, pois muitos problemas que

encontramos atualmente nas escolas são resquícios do nosso passado histórico. Dessa

forma, entendemos que a compreensão do processo histórico é imprescindível para a

análise crítica e reflexiva da realidade. Em se tratando de educação, é extremamente

importante este movimento, pois a partir desta dialética conseguimos traçar uma linha

do tempo que nos ajuda a visualizar quais foram, e quais são os objetivos desta

instituição social que tem o papel de humanizar o homem, assim, a existência da

educação inicia-se com a da humanidade.

Em um segundo momento, objetivou-se a reflexão teórica sobre a Pedagogia

Histórico-Crítica e o planejamento de ensino, partindo da reflexão sobre a concepção de

homem na perspectiva do materialismo histórico e dialético, com o intuito de discutir a

educação enquanto processo de humanização do homem. Além disso, foram colocadas

em pauta as alterações acerca das tendências pedagógicas brasileiras, a fim de

abordarmos o planejamento de ensino a partir desta perspectiva.

Para Saviani (2003), nascemos dotados de características humanas, e herdamos

da espécie capacidades que podem ser desenvolvidas por meio da apropriação da cultura

historicamente produzida pela humanidade. Assim, o homem se humaniza na relação

com outros homens, ou seja, é um ser sócio-histórico. Tudo o que o homem produz é

fruto de seu trabalho realizado perante as relações estabelecidas com outros homens,

portanto, toda a cultura historicamente produzida pela humanidade deve ser

disponibilizada para todos. Este acesso é viabilizado por meio da educação

sistematizada. Desta forma, é dever da educação instrumentalizar o sujeito para que

todos tenham condições de prover a sua existência.

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A este respeito, a educação faz parte do trabalho humano, um trabalho não

material que se refere às produções humanas historicamente construídas pela

humanidade, assim como as demais naturezas do trabalho. É uma ação intencional que

supõe uma finalidade específica, é um fenômeno próprio da natureza humana, é a forma

pela qual o homem se apropria da humanidade. Para Saviani (2003, p. 13), a educação

pode ser classificada como:

Ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades, tais

elementos, entretanto, não lhe interessam em si mesmos, como algo

exterior ao homem [...] é o ato de produzir, direta e intencionalmente,

em cada individuo singular, a humanidade que é produzida

historicamente e coletivamente pelo conjunto dos homens.

Nesse sentido, a educação é um trabalho produzido pelos homens, na qual os

próprios homens estão inclusos nesta produção, pois o homem aprende a ser humano a

partir das relações que estabelece em seu meio. Cabe à educação sistematizada, a tarefa

de selecionar os elementos da cultura historicamente produzida pela humanidade, a fim

de propiciar ao sujeito, a aquisição de instrumentos que possibilitem o acesso ao saber

elaborado.

Sendo a escola um espaço que visa contribuir para a humanização do homem,

torna-se imprescindível discutir as tendências pedagógicas que norteiam a

sistematização do ensino escolar. Para essa discussão tomamos como pressupostos

teóricos as análises elaboradas por Saviani (1995), acerca das correntes pedagógicas que

norteiam a prática pedagógica em nossas instituições de ensino.

Saviani (1995) classifica as tendências pedagógicas adotadas no Brasil em dois

grupos. O primeiro grupo é designado como as teorias não-críticas, no qual ele inclui a

pedagogia tradicional, a escola nova e pedagogia tecnicista. Segundo Saviani (1995),

nas teorias não-críticas, a figura central é o professor, que tem como função transmitir o

conhecimento sistematizado de forma mecânica e gradual aos alunos, e a estes ficavam

somente a tarefa de assimilar os conhecimentos transmitidos pelo professor. Essa teoria

não foi bem sucedida por não considerar as diferenças individuais dos alunos.

Saviani (1995) classifica o segundo grupo como as teorias crítico-

reprodutivistas, que postulam que a educação está condicionada a organização da

sociedade, no qual a educação é um instrumento de reprodução social, que reforça o

modo de produção e a organização capitalista. Por meio da obra de Pierre Bourdieu e J.

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C. Passeron (1975), Saviani (1995), faz uma análise da educação como fato social, no

qual explica que a violência simbólica é todo poder que impõe significações como

legítimas, procurando dissimular as forças materiais, ou seja, a dominação econômica

exercida pelos grupos ou classes dominantes sobre grupos ou classes dominados. Essa

dominação simbólica se concretiza por meio da influência dos meios de comunicação de

massa.

De acordo com a teoria, “a função da educação é a reprodução das desigualdades

sociais” (SAVIANI,1995, p. 31), ou seja, a ação pedagógica serve como instrumento da

classe dominante para impor uma cultura à classe dominada, contribuindo dessa forma

para a reprodução social. Nessa mesma perspectiva, Saviani (1995) cita Althusser, que

procura fazer uma diferenciação entre aparelhos repressivos do Estado e os aparelhos

Ideológicos do Estado.

Neste contexto, a educação apenas reproduz a relação própria do sistema

capitalista, ou seja, reproduz nas relações de produção uma sociedade dividida em

classes, de explorados e exploradores, no qual a grande parte da população (operários e

camponeses) cumpre apenas a escolaridade básica e é introduzido no processo de

produção e os que conseguem avançar no processo de escolarização, mas acabam por

interrompê-lo passando a integrar os quadros médios, ou seja, são os pequenos

burgueses. Somente aqueles que conseguem chegar ao topo da pirâmide escolar vão

ocupar os postos próprios dos “agentes da exploração” no sistema produtivo, dos

“agentes da repressão” (nos aparelhos repressivos do estado) e dos “profissionais da

ideologia” (nos aparelhos ideológicos do Estado). Nesse contexto, a escola é

considerada um instrumento da burguesia para garantir e perpetuar seus interesses.

Saviani (1995) realiza também a análise da teoria da escola dualista, que foi

elaborada por C. Baudelte R. Establet. Segundo esses autores, a escola é um aparelho

ideológico do Estado capitalista, no qual se divide em burguesia e proletariado. Nessa

perspectiva, a função da escola é a inculcação da ideologia burguesa feita de forma

explícita e a imposição disfarçada da ideologia proletária, pois a mesma qualifica o

trabalho intelectual e desqualifica o trabalho manual, sujeitando o proletariado à

ideologia burguesa sob um disfarce pequeno-burguês. Porém, essa teoria considera que

o proletariado possui uma força autônoma que tem origem fora da escola em

organizações próprias e a escola tem por missão impedir o desenvolvimento da

ideologia do proletariado e a luta revolucionária.

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De maneira geral, Saviani (1995) pressupõe que as teorias crítico-reprodutivistas

explicam somente a razão do suposto fracasso, mostrando que na realidade a verdadeira

função das escolas é reproduzir as relações de produção da sociedade capitalista.

Conforme afirma Saviani (1995, p. 40) “a impressão que nos fica é que se passou de um

poder ilusório para a impotência”, pois essas tendências não apresentam nenhuma ação

para mudar a realidade expressa no contexto escolar. Dessa forma, Saviani (1995)

chama a atenção para a necessidade de uma teoria-crítica que seja formulada tendo em

vista os interesses dos dominados, que permita colocar nas mãos dos educadores o

exercício de um poder real de lutar contra a seletividade, a discriminação, a fim de

oferecer as camadas populares um ensino de qualidade como forma de superação da

marginalidade. Para tanto, o autor utiliza-se da teoria da “curvatura da vara” enunciada

por Lênin, no qual o mesmo afirma que “quando a vara esta torta, ela fica curva de um

lado e se você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. É preciso

curvá-la para o lado oposto” (LÊNIN apud SAVIANI, 1995, p. 48-49).

A ideia aqui apresentada por Saviani descreve sua teoria que parte do princípio

de unir forma e conteúdo, denominada Pedagogia Histórico-Crítica. Saviani (1995)

apresenta a Pedagogia Histórico-Crítica como “à medida que se diferencia no bojo das

concepções críticas; ela diferencia-se da visão crítico-reprodutivista, uma vez que

articula um tipo de orientação pedagógica que seja crítica sem ser reprodutivista”

(SAVIANI, 1995, p. 65), ou seja, uma pedagogia que não seja nem tradicional, nem

escolanovista.

Na terceira etapa do Curso de Extensão tivemos a pretensão de esclarecer aos

professores envolvidos a diferença entre planejamento e plano de ensino, enfatizando

que o primeiro é a ação pensada anteriormente ao plano, sendo o plano: a estrutura.

Assim, a proposta apresentada aos envolvidos no curso foi de elaboração de um plano

de unidade. Para tanto, utilizou-se da Didática da Pedagogia Histórico-Crítica,

elaborada por Gasparin (2003), e pautado em Saviani, apresentando aos professores o

passo a passo do planejamento (Primeiro passo: Prática Social Inicial; Segundo passo:

Problematização; Terceiro passo: Instrumentalização; Quarto passo: Catarse; Quinto

passo: Prática Social Final).

Justifica-se essa abordagem pelo fato de, a partir de 2006, a Pedagogia

Histórico-Crítica ser a linha pedagógica adotada no Estado do Paraná, porém, esta

tendência pedagógica pouco foi explicada aos professores. Vale salientar que no

decorrer do curso foi possível observar que alguns professores não tinham

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conhecimento sobre esta tendência e ao menos conheciam quais eram os princípios

teóricos desta linha. De acordo com Gasparin e Peternucci (2012, p.3):

O educador, conhecendo a teoria que sustenta a sua prática, pode

suscitar transformações na conscientização dos educandos e demais

colegas, chegando até aos condicionantes sociais, tornando o processo

ensino-aprendizagem em algo realmente significativo, em prol de uma

educação transformadora, que supere os déficits educacionais e sociais

atuais.

Desta forma, a proposta de fazer este planejamento foi o de trazer para a

percepção dos envolvidos no Curso de Extensão de que todos os conteúdos científicos

trabalhados em sala de aula devem estar atrelados à prática social dos alunos, pois,

somente em poder dos conteúdos historicamente acumulados pela humanidade é que os

sujeitos estarão instrumentalizados para promover uma transformação social. A

proposta de Saviani visa transformar a importância da escola e dos conhecimentos

científicos enquanto ferramenta de inserção social, oportunizando uma formação do

sujeito enquanto ser crítico e reflexivo, autor da sua própria história. Segundo Saviani

(2003, p. 69),

Tais métodos situar-se-ão para além dos métodos tradicionais e novos,

superando por incorporação as contribuições de uns e de outros. Será

métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos. Serão

métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir

mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos

alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de valorizar o

diálogo com a cultura acumulada historicamente; levaram em conta os

interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento

psicológico, mas sem perder de vista a sistematização lógica dos

conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do processo de

transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos.

Saviani (2003) propõe que o ponto de partida seja a prática social comum ao

professor e alunos, ou seja, articular a experiência pedagógica com a prática social do

qual participam. O segundo passo seria a problematização do conteúdo, que consiste em

detectar as questões que necessitam ser resolvidas e o conhecimento que é necessário

dominar. No passo seguinte, o professor deverá instrumentalizar o aluno por meio de

elementos teóricos e práticos para que o mesmo possa equacionar os problemas

detectados inicialmente e chegar a “catarse” que seria a incorporação dos elementos

culturais que permitirá ao aluno transformar o meio social pela prática social. Este

método consiste em levar o aluno da síncrese à síntese por meio da mediação da análise.

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[...] a “pedagogia revolucionária”, não é outra coisa senão aquela

pedagogia empenhada decididamente em colocar a educação a serviço

da referida transformações das relações de produção (SAVIANI,

2003, p. 76).

Teorizar e fundamentar a ação docente na perspectiva proposta foi de

fundamental importância para resignificar a ação docente dentro de um contexto

histórico. Assim, foi possível demonstrar aos professores envolvidos que é viável a

utilização do planejamento de ensino na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica.

Dizeres dos professores

Como uma forma de acompanhar o processo de aprendizagem dos professores

envolvidos, sujeitamo-nos a entrevistar um dos mesmos, a fim de verificar a

importância e a diferença que o Curso de Extensão pode provocar em sua prática

pedagógica, atentando-nos ao fato de que eram especialistas nas áreas de: Língua

Portuguesa, Biologia, Educação Artística, Educação Física, Ciências e Matemática.

Sendo alguns professores do Ensino Fundamental I e II, outros do Ensino Médio.

Portanto, com o intuito de identificar qual estaria sendo a contribuição do Curso

de Extensão em seu processo de Formação Continuada, foi realizado um levantamento

de informações por meio de uma pequena entrevista com alguns professores, sendo que

ao analisar todas as respostas pode verificar que havia semelhanças em seus discursos

em relação a suas formações acadêmicas e a importância do desenvolvimento e

envolvimento de/em cursos de Extensões Universitárias. Com isso, tomamos como

referência um dos professores para expor nesta pesquisa. A primeira pergunta realizada

foi: “O curso de extensão tem contribuído para o seu processo de formação

continuada?”:

Com certeza, acreditamos que qualquer curso que o professor possa

fazer mesmo que tenha concluído um curso de pós-graduação, será

extremamente importante, pois há essa troca com companheiros de

outras áreas de conhecimento. Pelas próprias discussões que a gente

tem feito com o pessoal, tanto com os colegas da mesma escola tanto

com os das outras escolas, tem nos proporcionado novas ideias e

contribuindo com as que já tínhamos. Tem feito a gente rever muitas

práticas, descobrir qual é a pedagogia que esta vigente e tem feito a

gente repensar a maneira de abordar nossos conteúdos que é uma

coisa que com o passar do tempo você vai deixando para trás, porque

no dia a dia você não repensa muito isso e é bom dar uma parada para

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rever. Um curso de extensão é uma forma de crescer enquanto

profissional.

A segunda pergunta foi: “Professor, em seus processos de formação, você teve

contato com conteúdos que foram abordados neste curso de extensão, como

História da Educação e Práticas Pedagógicas?”:

Não durante nossas graduações. Em alguns cursos, como

especializações ou de formação continuada é que temos visto o básico

em relação a estes conteúdos. Portanto, este curso está sendo muito

importante, pois é um conhecimento novo, é algo que pode ser

agregado a cada disciplina para enriquecer nosso trabalho em sala de

aula.

A terceira pergunta se referiu: “Você acredita que na educação possa haver

mudanças significativas se professores como vocês buscarem participar cada vez

mais de projetos com este desenvolvidos pelas universidades?” A resposta deixa

claro que:

Sim, se houver o dia que a gente deixar de acreditar que vai ter

mudanças na educação, a gente tem que parar de trabalhar. A

educação é um organismo vivo, então ela tem que estar

constantemente sendo abastecida para ela mudar, se não, nós não

vamos crescer enquanto educadores e nem nossos educandos vão

conseguir modificar a situação em que eles vivem. Por ela ser

constante, temos que sempre buscar e implantar novos conhecimentos.

Quando o educador se dispõe em fazer um curso como esse, a entrar

em contato com professores de outras áreas, a trocar informações, a

fazer um trabalho compartilhado, entrar nessa área ampla da educação

- Porque quem estuda suas disciplinas, acaba afastando um pouco da

área da educação - então só tem como contribuir sim. Participando da

elaboração destes projetos (planejamentos) esta sendo muito

enriquecedor, porque você acaba trocando com os companheiros,

trocando com vocês que vem com todo esse conteúdo para gente,

então é importante sim.

Achamos fundamental essa quebra de barreiras entre o ensino

fundamental I, o ensino fundamental II e médio e com a própria

faculdade. Ver que professores e acadêmicos estão em parceria com

as escolas públicas é fantástico, portanto, este projeto esta sendo muito

enriquecedor.

Por meio desta breve entrevista foi possível perceber pelas repostas dadas que o

Curso de Extensão pode contribuir positivamente para o aprendizado e Formação

Continuada de cada integrante do Curso de Extensão, assim também propulsou o

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aprimoramento das questões educacionais que se ancoram nos pressupostos teóricos da

elaboração de planos de aula na perspectiva Histórico-Crítica, favorecendo

substancialmente na integração dos professores com a equipe pedagógica da mesma

escola, como também com os outros professores das outras escolas envolvidas,

provocando a interação e produtividade de acordo com os diferentes aprendizados que o

curso em si pode oferecer.

Interessante destacar a importância que o curso ganhou também no aspecto de

transmissão de conhecimentos proponentes da educação, como a História da Educação e

prática didática dos diversos conhecimentos, os quais são poucos abordados ou até

mesmo nem o são nos períodos de formação gradual dos especialistas. Portanto, se fez

necessário a contemplação dos mesmos tendo uma receptividade e retorno muito eficaz

tanto para os professores quanto as pesquisadoras.

Compreendemos e julgamos que um Curso de Extensão tende a ampliar os

conhecimentos já praticados ou não, daqueles que são considerados mediadores de

conhecimentos diversos e que sentem a necessidade de complementar sua própria

formação por meio da colaboração de outras pessoas possíveis de dialogar e criar

situações de interatividade com o objetivo de atingir toda uma comunidade. E, neste

caso, dentro da educação fica nítido por meio da entrevista, o quanto precisa se manter

atualizado e receptivo ao que há de novo a fim de proporcionar melhorias e qualidade

na educação em sentido amplo.

Considerações finais

O trabalho educativo é o ato de produzir direta e intencionalmente nos

indivíduos elementos culturais que precisam ser assimilados para que os mesmos se

tornem humanos e descubram formas adequadas para atingir esse objetivo. Porém, para

atingir esses objetivos é necessário distinguir entre o essencial e o acidental, o principal

e o secundário, o fundamental e o acessório, ou seja, constituir um critério para seleção

do trabalho pedagógico e criar formas adequadas para desenvolvê-los. A

institucionalização do pedagógico por meio da escola cria uma especificidade da

educação, que consiste em socializar o saber elaborado e sistematizado, a fim de

humanizar o homem.

Com base nestes aspectos, ao fazer uma análise da entrevista realizada com um

dos referidos professores participantes do Curso de Extensão, foi possível verificar que

ocorreu uma mudança significativa na execução dos seus trabalhos pedagógicos. O

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destaque dentro do curso, além da História da Educação que norteia a realidade escolar,

foi a questão dos estudos dos pressupostos teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica, pois

a mesma vem com uma perspectiva educacional que contempla as exigências de

transformações sociais que ocorrem no contexto escolar.

Portanto, ao colocarem em prática os pressupostos teóricos apreendidos no

decorrer do Curso de Extensão, os professores demonstraram um interesse significativo,

pois o mesmo fez com que fosse perceptível a necessidade de novas soluções para

integrar a realidade escolar de cada conteúdo científico com o conhecimento prévio dos

alunos, buscando melhorias não só nos números do IDEB, mas também resgatando o

interesse dos alunos para o conhecimento científico e para a transformação da sociedade

em que vivem.

Concomitantemente, salienta-se a importância desta reflexão teórica no seio da

Formação Continuada para estes profissionais da educação, uma vez são muitos os

desafios enfrentados por estes educadores no contexto da nossa sociedade, haja vista

que, as transformações decorrentes do capitalismo e da globalização não estão inerentes

ao processo educativo, e elas vem implicar também no ser e no fazer docente. Daí

deriva-se a importância de contribuir para a futura prática destes professores. Nesse

sentido, compreendemos que a contribuição do referido trabalho realizado amplia-se,

ultrapassando os limites dos muros das escolas e da Universidade, e rompendo as

fronteiras entre o conhecimento científico e a cultura escolar.

Referências

GASPARIN, J. L. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 3. ed.

Campinas:Autores Associados, 2005.

GASPARIN, João Luiz; PETENUCCI, Maria Cristina. Pedagogia Histórico Crítica:

Da Teoria À Prática No Contexto Escolar. Ver:

http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2289-8.pdf. Acesso em

21/12/2012.

MARX, Karl. Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

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