pedagogia godardiana
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7/24/2019 pedagogia godardiana
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A
AUTORA
Professora adjunta de Cinema e Vdeo da Universidade Federal do
Rio de Janeiro Ncleo de Tecnologia Educional para a Sade
(Nutes), pesquisadora Faperj.
DA IMAGEM PEDAGGICA
A
PEDAGOGIA DA IMAGEM
so inadequado da imagem cinematogrfica
em atividades pedaggicas refora esteretipos
ase meio sculo depois da pu-
blicao de
Image etpedagogie
Imagem e pedagogia) , de
Genevive Jacquinot, vrios
equvocos
ali
apontados pela autora em re-
lao utilizao do audiovisual em pro-
cessos de aprendizagem ainda continuam
se reproduzindo, em detrimento da cons-
truo de um pensamento que d conta da
complexidade das imagens em movimen-
to. Um desses equvocos diz respeito ao
prprio estatuto pedaggico da imagem,
at hoje muitas vezes apreendida como
ilustrao de contedo de cursos ou de
pesquisas cientficas.
A
escola se apropria
da imagem em movimento no como
quem se aproxima de uma arte, a cinema-
tografia, capaz, por si s, de pensar novas
relaes de espao e de tempo, por exem-
plo, mas como quem busca um aditivo
tecnolgico para incrementar processos
educativos em andamento, desencadeados
por cincias consolidadas, como a Bio-
logia, a Geografia, a Histria.. Embora
hoje faam parte da nossa formao cul-
tural, tanto quanto a Literatura, as imagens
em movimento ainda no constituem um
objeto de estudo em si. Elas ainda so um
simples meio para o estudo de outros ob-
jetos, prioritrios, porque cientljcicos.
Um equvoco leva a outro: por ser abor-
dada como ilustrao, como mera refern-
cia a um discurso que a precede, o discur-
so pedaggico, a imagem acaba tendo uma
participao secundria na maioria dos
processos educativos que a utilizam. Pre-
valece ainda hoje aquela pedagogia do
transporte , da mensagem a ser transmi-
tida ', permitindo que essa imagem con-
tinue sendo absorvida pela educao sem
maiores exigncias formais. O desinteres-
se pela ontologia desse novo objeto do
qual a educao se apropria tem levado a
uma espcie de democratismo visual onde
todas as imagens se equivalem, desde que
a inteno pedaggica seja assegurada. Os
1 JACQUINOT, Genevive. mage
et
pdagogie Imagem e pedagogia.) Presses Universitaires de France, 1977.
p.
16.
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a imagem pedaggica
a
pedagogia da imagem
efeitos dessa poltica, aparentemente ino-
fensiva, so evidentes tanto na escolha dos
filmes a serem analisados em sala de aula
quanto na prpria produo dos chama-
dos filmes educativos.
IM GEM P E D G ~ G I C
E BO S INTENES
Em nome de uma suposta cultura popu-
lar e, aparentemente, com as melhores in-
tenes, vemos pensadores contempor-
neos da educao elegerem como objeto
de estudo o resduo da produo cinema-
togrfica hollywoodiana de fico, estabe-
lecendo uma equivalncia reducionista en-
tre uma cultura de massa industrial e
populista, feita para o povo, e uma cultura
intrinsecamente popular, feitapelo povo. Henri
Giroux,por exemplo, v num ii hecomo Dirty
Dance Ritmo quente, Emile Ardolino, EUA,
1987 uma autntica manifestao cultural
da
juventude norte-americana2.Ora, todo o de-
bate ideolgico construdo por Giroux para
chegar a tal concluso se situa na periferia
do filme, ou seja, na inteno pedaggica
do autor.
Em
nenhum momento sua anli-
se se debrua sobre a prpria matria
fimica disponvel. Ele se limita a uma apre-
ciao conteudista do filme, tomando-o
como ilustrao de uma tese segundo a qual
o corpo
uma construo da histria. Em-
bora totalmente defensvel, a tese em ques-
to extrapola a capacidade de argumentao
do filme analisado. Fora o contedo da hist-
ria uma garota burguesa se depara com a
questo do aborto e enfrenta o moralismo
dafamlia), nenhum outro aspecto do filme,
de um reacionarismo formal primrio, per-
mitiria confirmar uma tese to progressis-
ta. Henri Giroux que o faz, em nome do
filme e no lugar do espectador, oferecen-
d o a esse ltimo uma leitura erudita do
enlatado hollywoodiano. O filme no con-
voca a inteligncia do espectador, que, ao
contrrio, se encontra mais uma vez cir-
cunscrito ao crculo vicioso de sua mis-
ria cultural, to bem alimentada pela in-
dstria da imagem.
No campo da produo de materiais
educativos, os efeitos dessa pedagogia do
transporte no so menos nefastos. gran-
de o nmero de filmes e vdeos realizados
em contextos de aprendizagem que, ape-
sar de sua inteno pedaggica evidente,
reproduzem convenes estticasestabele-
cidas pela indstria cinematogrficaou pela
televiso, como a submisso continuida-
de narrativa, a voz em off, a adoo siste-
mtica da variedade de pontos de vista, a
montagem excessivamente rpida, o
exibicionismo da tcnica. Numa espcie de
mimetismo inconseqente do videoclipe ou
do telejornalismo, em muitos filmes e
vdeos ditos educativos os planos ultrapas-
sam raramente trs ou quatro segundos e a
ligao entre eles
feita por meio de efei-
tos visuais banalizados pela sua utilizao
excessiva e pouco criteriosa. o caso da
fuso encadeada, por exemplo, cdigo de
pontuao habitualmente empregado no
cinema para demarcar elipses temporais
ou mudanas de seqncia e usado de for-
ma exaustiva pela televiso a fim de evi-
tar interrupes narrativas que permitiriam
ao telespectador uma eventual pausa para
reflexo. mesma fobia televisiva da
descontinuidade vem sendo paradoxalmen-
2.
GIROUX Henry. A cultura popular como uma pedagogia d o prazer e significado descolonizando o corpo. In:
Cruzando as fronteiras do discurso educacional Porto A legre: Artrned
1999.
p. 215.
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te reproduzida em vdeos educativos que
deveriam, a princpio, estar desenvolven-
do modelos de narrao e de representa-
o inovadores, alternativos linguagem
industrial e mais propcios
aprendizagem.
A
apropriao no
problematizada das imagens
em movimento tem contribudo
para legitimar certas
perverses fazendo do filme a
loura burra da pedagogia que
ilustra mas no pensa.
No
toa que Piaget, atendo-se mais
natureza da imagem do que m utili-
zao que dela se faz, proclama, como
lembra Jacquinot, a inadequao de uma
pedagogia fundada na imagem para a
formao do construtivismo operatrio3.
Piaget sustenta que a inteligncia no se
reduz s imagens de um filme. verda-
de que a inteligncia extrapola os limi-
tes de um filme, principalmente o que
tem sido escolhido como objeto de es-
tudo pelos nossos educadores e mesmo
o que se tem produzido no gnero did-
tico. Mas
verdade tambm que a inteli-
gncia das imagens no se reduz ao mo-
delo narrativo hegemnico comumente
adotado nas escolas e que, uma vez abor-
dadas sob o ponto de vista da criao, as
imagens so capazes de suscitar, da mes-
ma forma que o texto escrito, um verda-
deiro processo cognitivo.
O trabalho do filme, o filme como loc l
de trabalho,
loc l
de realizao do ato cri
ador do homem e, portanto, de transforma-
o do mundo: essa parece ser a pedagogia
essencial da imagem. A imagem pensa e
faz pensar, e
nesse sentido que ela con-
tm uma pedagogia intrnseca. Se at hoje
no apreendemos seus ensinamentos e
continuamos a reproduzir a esttica indus-
trial, meras representaes imagticas
falantes , como diz Piaget4,
talvez por
desconsiderarmos o verdadeiro alcance da
linguagem cinematogrfica e audiovisual.
Seja por m f ou por
n ivet
(ingenuida-
de), nos deixamos impressionar pela tc-
nica e por seus efeitos mirabolantes. Da
a crtica de Piaget utilizao do
audiovisual na educao: posamos de
modernos enquanto reproduzimos parado-
xalmente com imagens o verbalismo mais
tradicional, o blablabl improdutivo do
contedo sem forma ou o vertiginoso va-
zio da forma sem contedo.
J
na intro-
duo de seu livro, Jacquinot alertava
quanto a uma inquietante desproporo
entre a riqueza tcnica das solues de
produo, estocagem e difuso de men-
sagens audiovisuais da poca e a pobre-
za de nosso saber sobre o que so essas
mensagens e como elas funcionam5. Hoje
essa desproporo persiste e de se es-
perar que a inquietude dos educadores
aumente. Com o desenvolvimento da tec-
nologia do vdeo, a imagem tem sido cada
vez mais amplamente assimilada pela
educao, sem a contrapartida de uma
reflexo terica mais aprofundada e de
uma prxis mais conseqente dessa mes-
ma imagem.
3
Apud JACQUINOT Genevive. Image et pdagogie op cit
p
16
4
PIAGET
Jean.
Psicologia e pedagogia
So
Paulo: Editora
Forense,
1972.
p.
72
5
JACQUINOT Genevive.
Image et pdagogie
op rir
p
14
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a imagem pedaggica
a
pedagogia da imagem
PEDAGOGIA DA IMAGEM: UMA
pendente, o Cinema Novo7, prope atra-
QUESTO DE
METODO vs das imagens a construo de uma cul-
tura revolucionria que seja ao mesmo
Se, como diz Moacir Gadotti, numa tempo pica e didtica. Nela, a dimenso
sociedade em crise a educao
um lugar
onde toda essa sociedade se interroga a
respeito dela mesma, se debate, se bus-
ca' j, um processo educativo com imagens
no poderia fugir a esse papel histrico,
destinado s Cincias Humanas. Uma
imagem que justifique sua insero num
contexto de aprendizagem deve ser capaz
de provocar um questionamento ao mes-
mo tempo tico e esttico.
Ao informar um contedo, essa
imagem tem que ser capaz de
estimular intelectualmente o
didtica corresponde ao carter cientfico
e tico de uma obra, visando alfabetizar,
informar, educar, conscientizar as massas
ignorantes, as classes mdias
alienada^ ^.
Quanto
dimenso pica, ela
a prtica
potica dessa mesma obra, que deve ser
revolucionria do ponto de vista esttico.
A didtica sem a pica gera a informa-
o estril e degenera em conscincia pas-
siva nas massas e em boa conscincia nos
intelectuais.
inofensiva. A pica sem
didtica gera o romantismo moralista e
degenera em demagogia histrica. tota-
lit~ia ~.esse sentido, a utilizao das
imagens na educao s se justifica na
espectador atravs
da
forma,
medida em que o educador, guardio da
tica, do didtico, seia tambm um cria-
do
estilo.
dor de imagens, de formas, e que o
roteirista, diretor ou cameraman, criado-
As lies de pedagogia das imagens no
poderiam se restringir a um contedo ti-
co. O aprendizado com imagens exige
tambm revolues formais. No chega-
remos, por exemplo, a produzir filmes e
vdeos de aprendizagem que meream este
nome se no nos inserirmos na prpria
histria das imagens em movimento, pro-
curando no cinema, que veio bem antes
do vdeo, lies de imagem e de som.
Gluber Rocha, cineasta que liderou um
dos maiores movimentos de cinema inde-
res do pico, do esttico, sejam tambm
pedagogos em potencial.
L
onde a est-
tica audiovisual dominante separa conte-
do e forma, o estilo pico-didtico os une.
O que o cinema teria a nos ensinar sobre
a arte das imagens em movimento? Ou,
como prefere Jacques Aumont, em que
pensam os filmeslO?O autor prope um
mtodo de anlise de filmes que parte da
prpria obra, abordando-a como um obje-
to singular, cuja pedagogia, se ela existe,
deve necessariamente encontrar-se no in-
6. GADOTTI, Moacir. Educao e poder Introduo pedagogia do conflito S o Paulo: Cortez, 1985. p. 16.
7 O movimento cinemanovista inicia-se no final da dcada de 50 com a edio de curtas metragens; tinha como
princpio a produo indepen dente de baixo custo e a crtica ao sistema; os principais cineastas do movimento fo ram
Paulo Csar Saraceni, Nlson Pereira dos San tos, Gluber Rocha, Leon Hirzman, Ruy Guerra, entre outros.
(N.
Ed.)
8. ROCH A, Gluber.A revoluo uma esttica In:
Revoluo do Cinema Novo
Rio de Janeiro: Alhambra, 1981. p. 66-68.
9. RO CHA, Gluber.A revoluo uma esttica. In:
Revoluo do Cinema Novo
Rio de Janeiro: Alhambra, 1981. p. 66-68.
10.
O
ttulo d e um de seus livros,
A
quoipensent lesfilms?, pressupe de antemo que os filmes pensam. Ver AUM ONT ,
J. A quoi pensent lesjlms? O que pensam os filmes'?) Paris: S guier, 1996.
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terior da obra e no no discurso externo ou
na inteno pedaggica de quem dela se
apropria. Se adotamos essa perspectiva
metodolgica enquanto princpio tico para
a anlise de filmes, constatamos que, infe-
lizmente, apenas algumas imagens, alis
muito raras, ensinam verdadeiramente
Talvez por isso o cinem a seja a
arte que solicita que exige
mais pedagogia.
Em cinema, para se fazer entender,
preciso estar sempre se justificando, de
maneira extremamente didtica: porque
Gluber Rocha, em vez de Valter Salles;
porque Jean-Luc Godard, e no Luc
Besson; porque John Cassavetes e no
Steven Spielberg... Em literatura no
preciso mencionar nenhum fenmeno li-
terrio de mdia, como Regine Dforges
ou Paulo Coelho, por exemplo, para justi-
ficar o interesse por um Proust ou por um
Guimares Rosa. que a literatura, ao
contrrio do cinema, j adquiriu um esta-
tuto pedaggico: ela tem um em si liter-
rio, ela j construiu vrios planos de
imanncia , como diria Deleuze, onde flo-
rescem conceitos que formam um campo
de conhecimento, a literatura, e que con-
solidam um saber, o saber literrio, que
merece ser difundido.
O
livro pensa, en-
quanto o filme diverte.
Para que as imagens tambm possam
ser abordadas como espao de construo
do conhecimento, para que elas tambm
possam pensar e, com isso, ensinar a pen-
sar mais e melhor, necessrio introduzir
uma questo de tica no debate sobre sua
utilizao na educao. Jean-Luc Godard
diz que o nico e grande problema do
cinema parece ser onde e por que comea
um plano e onde e por que ele termina 12.
O
que
essencialmente, uma questo de
mtodo, de escolha de um ponto de vista
(onde comea e onde termina o meu pla-
no), de uma durao (por que o meu pla-
no comea e por que ele termina), esco-
lhas no espao e no tempo que remetem a
uma tica. Compartilhar um tal mtodo
equivale a abrir mo de qualquer verdade
sobre a imagem audiovisual que extrapole
essa mesma imagem. Por isso, ao incor-
porarmos o audiovisual na educao, nos-
so objetivo no deve ser a aquisio ou a
confirmao de um mtodo definitivo, mas
a sua (re)construo permanente, em par-
ceria com o objeto de estudo, e s com o
objeto, sem o compromisso apriorstico
com nenhum discurso que lhe seja exte-
rior, nem mesmo o discurso pedaggico.
Jacques Aumont fala de uma certa exi-
gncia de moral pedaggica que deve mo-
ver o trabalho do crtico, exigncia que con-
siste na interdio feita palavra de impri-
m r
ao objeto analisado um discurso subje-
tivo, pessoal, que se tomou dominante. Essa
exigncia
vlida tanto para o trabalho ana-
ltico quanto para o de criao de imagens.
A imagem
movimento, luz, cores, ritmos,
sons, iluso de volumes, de profundidades,
de texturas. So esses os verdadeiros per-
sonagens do cinema, como diriaDeleuze13
.
11. Jacques Aumont se diz convencido de que existem objetos dignos de interesse, portanto, de estudo, e outros sobre
os quais no vale a pena transmitir mais do que o
savoir-faire
saber fazer). In: . Mon trs cher objet. Meu
querido objeto.)
Tra c
6. Paris: POL, Printemps, 1993.
12. GODARD, Jean-Luc.
Histoire s)
du
cinma-4.
Histria s) do cinema
4.)
Paris: Gallimard, 1998. p. 193.
13. Entrevista de Gilles Deleuze a Serge Toubiana. e
cerveau c'est l'cran.
( O ckrebro a tela.) Cahiers
du
Cinma.
Cadernos de Cinema.) n. 380, fevereiro de 1986. p. 31.
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a imagem pedaggica
a
pedagogia da imagem
IMAGEM E DISCURSO DOMINANTE aparelhos do~ninantes '~. o produzir, nos
anos 70 e 80, filmes que fazem aluso ao na-
A imagem
ento portadora de uma ma- zismo, os cineastas inscrevem totalmente no
terialidade que lhe outorga um discurso ex- presente uma problemtica do passado, mos-
tremamente concreto, imanente, cuja com- trando os resqucios atuais da no-reconcili-
plexidade raramente temos a oportunidade
ao dos povos alemo e judeu consigo mes-
de examinar. As imagens que povoam o nos-
mos. No sistema straubiano, uma moda
so cotidiano a imagem de televiso, o ci-
retr simplesmente impossvel: tudo est
nema produzido em escala industrial, a pu-
no presente 15. E ancorar os filmes no pre-
blicidade aparecem e desaparecem numa
sente como diz Daney, levar a srio a
tal rapidez que no temos tempo nem para
heterogeneidade ffimica ,
mostrar que
analis-las nem para memoriz-las, e me- uma imagem s possvel ali, e no em
nos ainda para aprender a fabric-las, uma outro lugar.
vez que a aprendizagem no
o seu objeti-
Uma imagem ensina na medida em que
vo. O que se espera ento de uma prxis do
ela, tanto do ponto de vista formal quanto
audiovisual na educao uma contraparti-
de contedo, veicula um pensamento, en-
da a essa esttica comercial, ou seja, uma
corajando assim o pensamento no espec-
produo de imagens que considere o tem-
tador. Em vez de se questionar
sobre a
po da reflexo, da assimilao do saber, da
imagem ou em torno dela, Jacques
consolidao da memria e que, assim fa-
Aumont prope um questionamento dire-
zendo, nos descortine o mistrio da realiza-
to imagem, pois ela tem um pensamen-
o plstica de uma moral, de uma tica.
to a transmitir. Pensar com imagens e sons
fazer frente ao modo hollywoodiano e
E didtico o material
televisivo de produo, fazer do cinema
ou do vdeo um ato de resistncia. Jean-
audiovisual que ensina o
Luc Godard, apesar de ser um dos cineas-
espectador a resistir h esttica
tas mais fortemente ligados tcnica, diz
dominante. construindo um
que um pensamento que se entrega ao
pensamento crtico em relao
ritmo de suas mecnicas se proletariza e
que a verdadeira condio do homem
ao PrPrio meio utilizado no
pensar com suas mos7316.ensar com as
processo educativo.
prprias mos
de acordo com o cineas-
ta, um ato eminentemente artesanal que
Em seu estudo sobre os filmes de Jean-
garante a propriedade, a autoria do que se
Marie Straub e Danielle Huillet, Serge Daney
produz. E um cinema assim produzido ten-
mostra que a pedagogia desses cineastas con-
de a gerar um Pensamento perigoso Para
siste em alojar discursos de resistncia nos
O pensador e transformador do real 17. Pe-
14. Ver DANEY, Serge.
Un tombeau pour l oeil
pdagogie straubienne). Um tmulo para olho pedagogia
straubiana.). La rampe A rampa.)
Paris
Cahiers du cinma, 1996 1983). p. 82.
15. DANEY, Serge. Un tombeau
...
op. cit. p. 79.
16. GODA RD, Jean-Luc.
Histoire(s) du cinma-4. op. cit.
p. 45.
17. DANEY, Serge. Un Tombeau ...op. cit. p. 79.
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a
36,
maiolago.2001
rigoso e transformador porque retira o pro-
gar porque nela, segundo Daney, poss-
duto do trabalho, no caso as imagens, do
vel reter um mximo de pessoas o maior
contexto mercadolgico da relao de tro-
tempo possvel . Outra vantagem da esco-
ca, restituindo-lhe seu valor de uso. la em relao ao cinema: nela no
preci-
so adular os alunos , que esto l para tra-
Se a sociedade de mercado
balharI9.O espectador de Godard tem que
trabalhar para que o filme seja concludo.
recusa uma verdadeira entr d
A
fora de Godard, diz Deleuze, no est
do cinema na escola tragamos
somente em utilizar esse modo de constru-
ento a escola para dentro do
o em toda a sua obra (construtivismo),
cinema transformando-o numa
mas em fazer da construo um mtodo a
partir do qual o cinema deve se interrogar
escola m arginal.
o que
ao mesmo tempo que ele o utiliza 20.
prope Godard.
A criao de imagens audiovisuais
a
baixo custo por televises comunitrias,
Nesse sentido sua obra se encontra bem
mais prxima de uma pedagogia revolucio-
nria do que muitos filmes ditos educativos.
Desde o final dos anos 60, Godard vem
produzindo filmes que funcionam como
aulas, filmes que so verdadeiros cursos de
poltica Luchinoise -A chinesa- 1967),
de educao sexual (Numro deux N-
mero dois - 1975), de roteiro (Scnario
du$lm Passion Cenrio do filme Pai-
xo - 1982), de histria (Histoire(s) du
cinma, 1988- 1998). A pedagogia
godardiana consiste desde ento em subs-
tituir o cinema pela escola, a fruio passi-
va do espectador pelo trabalho ativo do alu-
no: a escola o bom lugar, aquele onde se
fazem progressos e de onde se sai, neces-
sariamente, enquanto o cinema o mau
lugar, aquele onde se regride e de onde no
se sai 18.A escola
vista como o bom lu-
cineastas independentes, pequenas produ-
es populares, universitrias ou escola-
res, e mesmo o filme de famlia, podem
ser armas eficazes nessa guerra das ima-
gens na qual inevitavelmente entramos
quando iluminamos o audiovisual com
uma prxis pedaggica (e com certeza, a
situao precria do cinema na educao
nacional se deve tambm a uma recusa do
sistema de ensino a entrar nessa guerra).
Na escolha dos filmes a serem analisa-
dos com nossos alunos, podemos procurar
lies de didtica no cinema experimental,
no documentrio e em vrias outras prti-
cas cinematogrficas que nos fazem ddiva
de um saber sobre a imagem.
Da mesma forma que os grandes filmes
foram possveis a partir de um pacto es-
crupuloso com o mundo filmado, preciso
tambm abord-los escuta de eventuais
ensinamentos, fazendo com eles um pacto
18. DANEY, Serge. Le thoris (Pdag ogie godardienne). (A teorizao: pedagogia godadiana) La
Rampe
(A
ram
pa.) op. c i t . p. 87 e 91.
19. DANEY, Serge.
Le thoris op. cit.
20
DELEU ZE, Gilles. Zrnage-temps. (Imagem -tempo.) Paris: Editions de Minuit, p.
234.
Na acepo deleuziana, o
constmtivismo
um mto do que exige que toda criao seja uma construo num plano que lhe d uma existncia
autnoma . Cf. GUATTARI, Flix et DELEUZE, Gilles. Qu est-ce que la philosophie. (O que
a filosofia.) Paris:
Editions de Minuit, 1991. p. 12.
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Da imagem pedaggica
a
pedagogia da imagem
de aprendizagem, de descoberta: ser in-
ferior ao objeto sobre o qual falamos
a
exigncia mnima e primeira, sem a qual
o objeto no vale nada 21 Da mesma for-
ma que os grandes cineastas,
preciso que
o educador seja uma espcie de vision-
rio, aquele que, literalmente, v. Como
Godard, por exemplo, que quer
v r
um
roteiro, antes de escrev-lo, comparando
a tela do cinema ao santo sudrio, uma
Resumo: autora discute a necessidade de
se estabelecer um dilogo com as grandes
obras cinematogrficas e produzir filmes e
vdeos educativos que sejam eles prprios um
espao de aprendizagem sobre a imagem em
movimento. O artigo salienta que, via de re-
gra, a educao vem se apropriando da ima-
gem em movimento como quem busca uma
tecnologia suplementar para a sustentao
de processos educativos j existentes, sem
que estes sejam transformados na sua essn-
cia a partir do contato com aquele novo objeto.
Quando muito, professores de Portugus en-
tam, atravs da literatura comparada, fazer
uma ponte com o cinema. Mas so iniciativas
localizadas, que infelizmente no conseguiriam,
por exemplo, dar conta da dimenso ao mesmo
tempo tica e esttica que encerra a questo
o que uma imagem? . Para a autora, en-
quanto no se puder responder a esta questo
simples, mas fundamental, estaremos conde-
nados ao analfabetismo visual, a poltica da boa
inteno, fazendo da imagem uma utilizao
pedaggica, certo, mas sem que isso nos leve
a uma verdadeira prxis do audiovisual ou
do cinema, uma prxis que questionaria a pe-
dagogia da prpria imagem.
superfcie onde a verdade pode inespera-
damente se imprimir, revelia de nossa
inteno (pedaggica ou outra). Fora
isso, fora as imagens visionrias que
sabem nos mostrar o invisvel, o cine-
ma, como diz Godard,
uma indstria,
uma grande e poderosa indstria onde
o ato pedaggico, essencialmente
minoritrio e de resistncia, no tem
lugar de ser.
(From teaching image to image teaching)
Abstract: The author discusses the need to
establish dialogue with the great movies and
produce educational films and videos that in and
of themselves are a learning space on images in
movement. The article highlights the fact that,
largely, education has been appropriating tself of
images in movement as if it were in search of a
supplementary technology to sustain the
educational processes that already exist without
such images being transformed, n their essence,
based on the contact with the new object.
Sometimes, eachers of the Portuguese anguage
do try, using comparative literature, o bridge over
to cinema. But these are localized nitiatives, which
unfortunately have been unable, for example, to
account for the dimension that is both ethical and
aesthetical that could answer the following
question: 'What is an image? To the author, as
long as it is not possible to answer this simple, but
fundamental question, we are condemned to vi-
sual illiteracy, to the policy of good intentions,
turning images into a proper teaching tool, but
without this leading us to a true praxis of
audiovisual or cinema, a praxis hat would question
the image's teaching capabilities.
Palavras-chave: pedagogia da imagem, ima-
Key wods:image teaching, image and education,
gem e educao, cinema e educao
cinema and education
21.
AUMONT Jacques. Mon cher objet op cit