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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARFACULDADE DE EDUCAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO BRASILEIRA MESTRADO EM EDUCAO

MARINEIDE MEIRELES NOGUEIRA

AVALIAO DA PSICOMOTRICIDADE NO PROCESSO ENSINOAPRENDIZAGEM DE CRIANAS COM SNDROME DE DOWN NA EDUCAO INFANTIL

FORTALEZA 2007

MARINEIDE MEIRELES NOGUEIRA

AVALIAO DA PSICOMOTRICIDADE NO PROCESSO ENSINOAPRENDIZAGEM DE CRIANAS COM SNDROME DE DOWN NA EDUCAO INFANTIL

Dissertao de Mestrado apresentada Comisso Julgadora como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao pela Universidade Federal do Cear sob a orientao da Prof. Dra. Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca

FORTALEZA 2007

Dissertao apresentada como requisito necessrio para a obteno do ttulo de Mestre em Educao outorgado pelo Programa de Ps-graduao em Educao Brasileira pela Universidade Federal do Cear UFC A citao de qualquer trecho desse texto permitida, desde que seja feita em conformidade com as normas da tica cientfica.

__________________________________________ Marineide Meireles Nogueira

Dissertao aprovada em ____/ ____/ ______

_______________________________________________ Prof. Dr. Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca (Orientador)

_______________________________________________ Prof. Dr. Pe. Brendan Coleman McDonald Ph.D (Examinador UFC)

__________________________________________ Prof. Dr. Rosila Alves de Sousa (Examinadora FIC - externa)

DEDICATRIA

Dedico este trabalho s crianas com dificuldades de aprendizagem, desejando que suas possibilidades se sobreponham s suas limitaes, como resposta a um trabalho psicopedaggico srio e dedicado.

AGRADECIMENTOS

A CRISTO, que est sempre comigo, vivenciando cada momento de minha construo, iluminando minha caminhada, alimentando minha alma; Ao Valden, marido e companheiro, por acreditar na concretizao desse sonho pessoal, e por encorajar-me nos momentos em que a fragilidade sobrepujava fortaleza; s minhas filhas, Melissa, Tenille e Vanessa, em especial ao Joo Victor (meu netinho), pela pacincia, amor e compreenso em minhas ausncias para estudo; minha orientadora e amiga, Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca, pela compreenso, disponibilidade e orientao na elaborao desse trabalho, especialmente em seus momentos finais; minha amiga e colega de trabalho, Raimunda Hermelinda Maia Maceno (Linda), pela ajuda e orientao no trabalho estatstico dos dados, aqui apresentado; Aos meus professores da ps-graduao, pelos grandes ensinamentos que me proporcionaram ao longo do mestrado na UFC; Aos meus pais e familiares, pelo incentivo e compreenso pelos longos momentos de ausncia em que me dedicava elaborao de minha dissertao. Aos professores e pais, sujeitos da pesquisa, porque sem eles eu no poderia ter concludo este trabalho, que muitos ensinamentos e alegria me produziram; s minhas colegas de trabalho, fisioterapeutas e mestras, pela ajuda nos momentos de angstia, e orientao nas incertezas quanto a estar no caminho certo do processo. Enfim, a todos aqueles que estiveram comigo ao longo dessa caminhada, e que com palavras de carinho e incentivo me ajudaram a seguir em frente. Obrigada, de corao!

RESUMO

O estudo se constituiu de uma pesquisa de campo, de carter descritivo e exploratrio, numa abordagem quanti-qualitativa, com a finalidade de avaliar a efetivao da prxis psicomotora no processo ensino-aprendizagem e interao de crianas com Sndrome de Down, na educao infantil, segundo a fala dos professores. A pesquisa desenvolveu-se entre fevereiro e junho de 2007, com o universo de 10 professores de Escolas de Educao Infantil, sediadas em Fortaleza, e 6 pais de crianas com Sndrome de Down, em processo de escolaridade, com idade entre 2 e 8 anos. Os instrumentos de informaes foram um questionrio semiestruturado aplicado com os professores e, um questionrio de explicitao anamnese, realizado com os pais. Os dados foram agrupados estatisticamente atravs do programa Statistical Package for the Social Sciences SPSS for Windows, verso 13.0. Para anlise dos dados no que se refere s informaes qualitativas utilizou-se a anlise de contedo, que permite fazer inferncias sobre os dados obtidos. A pesquisa revelou que 100% das professoras conhecem a Psicomotricidade, com a maioria utilizando-a como ferramenta pedaggica na interao, e na aprendizagem. Os elementos psicomotores so trabalhados, distribudos pelos diferentes componentes funcionais e relacionais, cujas vantagens se refletem em melhorias no aspecto relacional, interao social e desenvolvimento psicomotor das crianas. No tocante s caractersticas afetivas e sociais, 90% das crianas mantm vnculo de afetividade com a professora. As maiores dificuldades apresentadas pelas crianas se referem linguagem, envolvendo oralidade, leitura e escrita. A annamnese com os pais revelou o desconhecimento total ou parcial sobre a Sndrome de Down antes do nascimento das crianas. Concluiu-se que o emprego da psicomotricidade ajuda na aprendizagem e interao das crianas, influenciando em todas as esferas do desenvolvimento, especialmente quando a estimulao psicomotora precoce aplicada desde os primeiros meses de vida. Palavras-chave: Sndrome de Down; psicomotricidade; aprendizagem.

ABSTRACT

The study was established using a field research, by using exploratory and descriptive methods, with the purpose to evaluate the accomplishment of the psycho motricity praxis on the teaching process and the interaction of children with Downs Syndrome in the Elementary Education, according to their teachers. The research was developed between February and June 2007 with 10 teachers from the Elementary School, Fortaleza (Brazil), and 6 parents of Downs Syndrome children with ages between 2 and 8 years old. The tool used was a halfstructuralized questionnaire applied to the teachers and anamnesis questionnaire applied to the parents. The data had been grouped through the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) program for Windows, version 13.0. it was used content analysis that allows inferences on the acquired data. The research showed that a hundred percent of the teachers known the psychomotoricity praxis and most of them use it as a teaching tool in the interaction and learning process. The psychomotor elements are elaborated in the functional and relational aspects, in which advantages reflect on the improvement of social interaction and the psychomotor development of the children. The biggest difficulty presented by the children refers to the language, related to speaking, reading and writing. The questionnaire answered by the parents shows the total or partial unfamiliarity of the Downs Syndrome before the birth of the children. The research concluded that the psychomotor praxis helps on the learning process and the childrens interaction, reflecting on their development, especially when applied on the first few months of life. Key-words: Downs Syndrome; psychomotoricity; learning process.

SUMRIO

INTRODUO..................................................................................................................... 12 1 PSICOMOTRICIDADE E PSICOPEDAGOGIA........................................................ 19 1.1 Evoluindo com a Psicomotricidade.................................................................................. 19 1.2 O Corpo Psicomotor.................................... ..................................................................,. 27 1.3 Condutas Funcionais e Relacionais.................................................................................. 40 1.4 Psicopedagogia: objeto de estudo e retrospectiva de sua trajetria.................................. 54 1.5 Psicopedagogia e Psicomotricidade no Processo de Aprendizagem................................. 61 2 SNDROME DE DOWN................................................................................................ 67

2.1 Conhecendo sobre a Sndrome de Down.......................................................................... 67 2.2 Sndrome de Down e Educao Infantil........................................................................... 74 2.3 Sndrome de Down e a Incluso....................................................................................... 80 3 APRENDIZAGEM E AVALIAO.............................................................................. 84 3.1 Aprendizagem e Desenvolvimento................................................................................... 84 3.2 Avaliao e Prtica Docente no Contexto Educacional.................................................... 94 3.3 Avaliao em Psicopedagogia e Psicomotricidade: instrumentos..................................... 98 4 METODOLOGIA DA PESQUISA.............................................................................. 110

4.1 Pesquisa........................................................................................................................... 110 4.2 Populao e amostra........................................................................................................ 111 4.3 Procedimentos................................................................................................................. 112 4.4 Instrumentos para a coleta de dados e procedimentos.................................................... 113 5 ANLISE DOS DADOS................................................................................................ 115 5.1 Questionrio dos professores.......................................................................................... 115 5.2 Questionrio dos pais Anamnese................................................................................. 132

CONCLUSES................................................................................................................... 142 REFERNCIAS.................................................................................................................. 145 ANEXOS E APNDICE A1 Anexo 1 - Termo de Consentimento Informado e Esclarecido A.2 Apndice A - Anamnese Questionrio/Entrevista Familiar A.3 Apndice B - Entrevista com o (a) Professor (a)

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Distribuio das professoras quanto instruo e tempo de atuao nas reas especficas de educao (modalidades de ensino)................................................................ 118 Quadro 2 - Distribuio das professoras segundo capacitao em Ed. Especial/Inclusiva .. 119 Quadro 3 - Distribuio das professoras quanto s condies de trabalho........................... 120 Quadro 4 - Distribuio das professoras segundo conhecimentos sobre psicomotricidade e sua aplicao................................................................................................................................. 121 Quadro 5 - Distribuio das professoras segundo utilizao das Percepes........................ 122 Quadro 6 - Distribuio das professoras segundo os conhecimentos sobre SD.................... 124 Quadro 7 - Distribuio das crianas quanto interao no ambiente escolar..................... 128 Quadro 8 - Distribuio das crianas quanto s relaes vinculares, comportamentos e fatores de escolaridade...................................................................................................................... 131 Quadro 9 - Distribuio das caractersticas gestacionais e neonatais.................................... 133 Quadro 10 - Distribuo das cranas quanto s aquisies neuropsicomotoras.................... 135 Quadro 11 - Distribuio das crianas quanto aquisio da linguagem.............................. 136 Quadro 12 - Distribuio das crianas segundo as condutas emocionais e sociais .............. 137 Quadro 13 - Distriuio das crianas quato acuidade visual............................................... 138 Quadro 14 - Distribuio das crianas quanto ao atendimento especializado....................... 138

LISTA DE GRFICOS

GRFICO 1 - Distribuio dos elementos psicomotores trabalhados ( I )......................... 122 GRFICO 2 - Distribuio de elementos psicomotores trabalhados ( II )......................... 123 GRFICO 3 - Distribuio dos elementos psicomotores relacionais................................. 123

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Distribuio das professoras quanto ao estado civil...................................... 116 TABELA 2 - Distribuio das professoras quanto s salas em que atuam.......................... 118 TABELA 3 - Distribuio de crianas com Sndrome de Down por sala (professora)....... 125 TABELA 4 - Distribuio das mes quanto escolaridade................................................. 132 TABELA 5 - Distribuio das crianas segundo idade de ingresso na pr-escola............... 140 TABELA 6 - Distribuio das crianas segundo participao em atividades extra-curriculares ............................................................................................................................................... 141

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INTRODUO

Nas ltimas dcadas, a Psicomotricidade tem expandido sua aplicabilidade no desenvolvimento neuropsicomotor, em especial, na educao infantil, colaborando no processo de construo do EU COGNOSCENTE, sujeito de sua aprendizagem Como cincia, a Psicomotricidade se efetiva pela psicocintica: teoria geral do movimento que diz respeito ao enunciado de princpios metodolgicos prprios, servindo de base a uma concepo global da educao (LE BOULCH, 1986, p. 13). Em sua prxis, a Psicomotricidade a cincia que tem como objeto de estudo o homem atravs do seu corpo em movimento e em relao ao seu mundo interno e externo. [...] onde o corpo a origem das aquisies cognitivas, afetivas e orgnicas (SBP, 2007). Observando-se a importncia de sua efetivao no direcionamento da educao infantil, perodo em que a criana encontra-se lidando com momentos significativos de aprendizagem, evoluindo no mbito motor, psicolgico e social. A Educao Infantil assegurada pela Constituio Federal de 1988 (BRASIL, 1988), e reafirmada pela Lei N9394/96 (BRASIL, 1996), que regulamenta as diretrizes bsicas para a Educao no Brasil, em trs de seus artigos (Art. 29, Art. 30 e Art. 31). Tem como objetivo o desenvolvimento da criana at os seis anos, com papel decisivo em sua aprendizagem desde a idade pr-escolar, quando se estrutura a formao da personalidade, em um processo ativo, criativo e no qual as crianas so o centro (GARCIA, 2005, p. 8). A Sndrome de Down (SD) ou trissomia do cromossomo 21 foi descrita em 1866, por John Langdon Down. caracterizada por uma combinao de dificuldades que se apresentam desde o nascimento, envolvendo o comprometimento neuromuscular (hipotonia, tempo de reao lento etc), cardiopulmonar (doena cardaca congnita em 40% dos portadores da SD, hipoplasia pulmonar), e a habilidade cognitiva abaixo da mdia - retardo

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mental de leve a moderado, em sua maioria. Poucos possuem retardo mental profundo (BERTOTI, 2002, p.241). Em virtude das incapacidades e dificuldades que se apresentam, e da preocupao com o desenvolvimento e aprendizagem de crianas portadoras de necessidades educativas especiais (NEE), verifica-se a busca por uma melhor qualidade de vida para os portadores de deficincias, sejam elas psicomotoras, cognitivas, sociais ou afetivo-emocionais. Tem-se percebido, porm, a escassez de profissionais especializados e/ou pouco qualificados no trabalho dirio com a educao dessas crianas ou jovens alunos, que apresentem comprometimento fsico, perceptivo-motor ou instrumental-cognitivo, por mais discreto que sejam. No mundo inteiro, iniciativas que objetivam a incluso de crianas com NEE, como o desenvolvimento de mtodos para facilitao dos processos de aprendizagem (ex.: mtodo oral ou de leitura labial e mtodo dos sinais para deficientes auditivos, mtodo braile para pessoas cegas, e tantos outros), nos mais diversos segmentos sociais, tm acontecido em propores cada vez maiores, que se justificam pelos ideais de termos uma sociedade mais democrtica, justa e solidria. No entanto, o que se pode observar so crianas, na maioria das vezes, marginalizadas e estigmatizadas, abandonadas prpria sorte por uma sociedade segregacionista e injusta, de prticas viciadas, que valoriza a perfeio e o perfeito, e no busca desenvolver aes educativas, bem como situaes efetivas de aprendizagem e integrao social. No Brasil, aes concretas tm tentado modificar essa realidade, em relao aos direitos da pessoa com deficincias ou necessidades especiais na rea educacional, especialmente na rede pblica de ensino, a partir da dcada de 1970, aps a aprovao da Lei

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n 5.692/71, que referendava tratamento especial aos excepcionais, em seu Art. 9 (MAZZOTTA, 2003). Erroneamente tem-se pensado Psicomotricidade como tcnica corretiva para crianas anormais, ou ginstica corretiva, ou ainda cinesioterapia. Pode-se ressaltar que a psicomotricidade imprescindvel ao desenvolvimento neuropsicomotor da criana, em toda sua globalidade e complexidade, constituindo-se no fundamento do comportamento humano e sua interao com o social. Para que se possa entender a importncia da prxis psicomotora, buscou-se ter conhecimento de como acontece o desenvolvimento psicomotor e sua evoluo, segundo os principais tericos do desenvolvimento humano, com destaque aos trabalhos de Henry Wallon e a psicognese da motricidade, de Jean Piaget, com a teoria epistemolgica gentica do desenvolvimento humano, e de Vigotsky, com a abordagem scio-histrica do desenvolvimento (NOGUEIRA, 2002). A prtica psicomotora focaliza o Sujeito na sua relao com a aprendizagem e, como um processo dinmico, no utiliza modelos pr-determinados. Na ao preventiva ou teraputica, o trabalho depender da singularidade da situao que se apresente, da criana em atendimento, dos recursos disponveis e da formao do terapeuta, quando de sua utilizao em fase de preparao da criana escolaridade. Sua aplicao como interveno teraputica-reeducativa e de reintegrao social na interveno de crianas com necessidades educativas especiais, objetivando a incluso e o desenvolvimento dessas crianas em todas as dimenses da aprendizagem acontece, em maior escala, na atualidade. Por outro lado, o que se verifica a escassez de prticas dnamofacilitadoras que levam concretizao dessa realidade. Pensar o movimento como veculo de comunicao com o mundo que nos rodeia e o alicerce para a sua transformao pode fazer todo o diferencial nas variveis envolvidas no processo do desenvolvimento infantil.

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O interesse por esta rea do conhecimento iniciou-se durante a especializao (Clnica e Institucional), em Psicopedagogia, mais precisamente no estgio supervisionado, quando da aplicao da Psicomotricadade de forma diagnstica, durante a avaliao, e teraputica, na interveno propriamente dita, com alunos da 5 srie de uma escola da rede pblica de ensino, em Fortaleza, que nos foram enviados por apresentarem dficit ou dificuldades de aprendizagem. Em prtica de sala de aula, como docente da disciplina Psicomotricidade do curso de Fisioterapia em uma instituio de ensino particular de Fortaleza, tenho observado a interao dos procedimentos e das tcnicas psicomotoras como ferramentas de base interdisciplinar imprescindveis aos processos de educao, reeducao, teraputica e clnica, nos diversos campos de atuao em que esto inseridas, tanto na Educao, quanto na Sade, segundo os diferentes estgios de desenvolvimento e aprendizagem da criana. A Psicomotricidade em seu objeto de estudo oferece subsdios s prticas educativas e teraputicas nas mais distintas especialidades, podendo atuar como facilitadora e coadjuvante no atendimento a crianas em processo de aprendizagem, conforme defendia Le Boulch (1982) em seus estudos sobre o desenvolvimento psicomotor, justificando a psicocintica na idade pr-escolar. Diante dessas possibilidades e vislumbrando sua aplicabilidade como mecanismo de favorecimento do possvel desenvolvimento de crianas com necessidades educativas especiais, a questo norteadora para esta proposta de investigao foi avaliar a aplicabilidade da Psicomotricidade como diretriz pedaggica e instrumento de interao no processo ensinoaprendizagem de crianas com Sndrome de Down, na educao infantil, segundo a fala dos professores. Para investigar esta questo norteadora foi necessrio saber: Como os objetivos da Psicomotricidade foram ou esto sendo aplicados, tendo em vista

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seus componentes formativos e aplicativos para a atuao do profissional educador e a necessidade sua prxis pedaggica? Em que circunstncias o profissional de educao poder utilizar os elementos psicomotores em sua prxis, na educao e reeducao da criana com Sndrome de Down? - Dentre os elementos propostos essenciais ao desenvolvimento neuropsicomotor, quais os de maior valor de transferncia eficcia da aprendizagem e interao de crianas com Sndrome de Down, em sala de aula? Revelada a questo norteadora, objetivou-se validar a relevncia da prxis psicomotora no processo ensino-aprendizagem e interao de crianas com Sndrome de Down, na educao infantil, e assim, pode-se contribuir com dados cientificamente comprovados para o reconhecimento de sua relevncia, em comunho com a Psicopedagogia, rea que estuda e lida com o processo de aprendizagem e suas dificuldades, segundo a Associao Brasileira de Psicopedagogia ABPp, (2007) , para sociedade menos excludente, valorizando as peculiaridades de cada Ser. necessrio ressaltar que esta pesquisa se revestiu de uma importncia particular sobre vrios aspectos: Justifica-se a partir da constatao de que existem no Brasil cerca de 340 mil crianas com deficincia, segundo o censo 2002, que ainda se encontram sem qualquer tipo de assistncia nvel de escolaridade e incluso (GUIMARES, 2003); Dados do Ministrio da Educao e Desporto - MEC (BRASIL, 2007) revelam que h 325 mil alunos com alguma deficincia estudando em escolas regulares, o que constitui um universo restrito em relao demanda potencial; O atendimento em Programa de Estimulao Psicomotora Precoce de crianas com Sndrome de Down tem se comprovado como medida de significativa importncia para a formao de uma

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seu desenvolvimento e crescimento. O profissional da educao ou da sade pode ter na prxis psicomotora uma alternativa para atuao no mercado de trabalho, bem como dispor de conhecimentos que o destaquem no seu contexto terico-prtico; Em conformidade com o objetivo maior desta pesquisa, buscou-se: i) analisar a relao entre o desenvolvimento psicomotor de crianas com Sndrome de Down e a interao das mesmas, em sala de aula; ii) comparar a relao entre o desenvolvimento da criana com Sndrome de Down e a sua interao/ participao na dinmica de sala de aula; iii) investigar a aplicabilidade da ao psicopedaggica, em intercesso com a prxis psicomotora, como mecanismos de facilitao da aprendizagem de crianas com Sndrome de Down; iv) analisar a relao entre a prxis psicomotora e psicopedaggica na incluso da criana com Sndrome de Down, na educao infantil; v) investigar como se processa a avaliao da aprendizagem das crianas com Sndrome de Down, em sala-de-aula. O presente trabalho se constituiu de uma pesquisa de campo, de carter descritivo, exploratrio, numa abordagem quanti-qualitativa, com universo populacional composto por 10 professores(as) envolvidos no processo educacional de crianas portadoras de Sndrome de Down, com idade variando entre 2 e 8 anos, que se encontram regularmente matriculadas nas Escolas de Educao Infantil, pblicas ou particulares, sediadas no municpio de Fortaleza, onde crianas com Sndrome de Down esto inseridas em seus processos de escolaridade. Apresenta, inicialmente, informaes de cunho bibliogrfico sobre a Psicomotricidade e a Psicopedagogia, suas respectivas evolues no campo das cincias. Segue-se com esclarecimentos sobre Sndrome de Down, sua relao com a aprendizagem, educao infantil, educao especial e incluso. No terceiro captulo, fala-se sobre desenvolvimento e aprendizagem luz dos principais tericos do desenvolvimento humano, avaliao e a prtica docente e instrumentos de avaliao comumente utilizados pela Psicopedagogia e

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Psicomotricidade. No captulo seguinte descreve-se a metodologia da pesquisa, objetivos, sujeitos, instrumentos, tratamento estatstico e os aspectos que sero avaliados no captulo posterior. Segue-se com a anlise dos dados e discusso dos resultados obtidos pelas informaes dos sujeitos. Finaliza-se com a concluso, sntese dos resultados relevantes da pesquisa. A coleta de dados foi realizada atravs de pesquisa bibliogrfica, com levantamento de obras, artigos e teses, a fim de obter o suporte terico metodolgico para a referida pesquisa; questionrio semi-estruturado aplicado aos professores (n=10) e pais (n=6) de crianas portadoras de Sndrome de Down (como suporte das informaes obtidas pelos professores), em processo de escolarizao, aplicados em dias previamente agendados. Como metodologia para anlise dos dados no que se refere s informaes de cunho qualitativo foi utilizada a anlise de contedo que definida por Krippendorff (1980), citado por Ldke e Andr (1986, p.41), como: uma tcnica de pesquisa para fazer inferncias vlidas e reaplicveis dos dados para seu contexto. Isto implica que no processo de decodificao da mensagem o pesquisador disps do conhecimento formal lgico, assim como conhecimento experiencial onde esto envolvidas sensaes, impresses e intuies. No que se refere s questes relacionadas com informaes quantitativas empregou-se o programa estatstico Statistical Package for the Social Sciences SPSS, que processa os dados por meio eletrnico - o computador, gerando tabelas e grficos (REA; PARKER, 2000).

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1 PSICOMOTRICIDADE E PSICOPEDAGOGIA

Como cincia, a psicomotricidade estuda o desenvolvimento das funes psquicas e das funes motoras, na inter-relao entre o psiquismo e o movimento, trabalha a relao entre o gesto, a afetividade, a interao com o meio e o cognitivo na execuo dos movimentos. Sua ao sobre a aprendizagem acontece desde as primeiras aquisies neuropsicimotoras da criana, ao longo de todo o desenvolvimento infantil, seja atravs da: estimulao psicomotora precoce, educao psicomotora, reeducao, terapia ou clnica psicomotora (BUENO, 1998). Em interseo com a Psicopedagogia, atuaro como veculos facilitadores no caminho da construo do sujeito - psicomotor - cognoscente, pela mediao eficaz dos diversos fatores envolvidos no processo de crescimento e aprendizagem do aprendente, considerando-o em seus aspectos psicolgicos, cognitivos, culturais e afetivos-sociais (SOUSA, 2004).

1.1 Evoluindo com a Psicomotricidade

Segundo Levin (1995, p. 21), [...] a histria da psicomotricidade, na realidade, sua pr-histria, comea desde que o homem humano, quer dizer, desde que o homem fala, j que a partir desse instante falar de seu corpo. O corpo, ao longo de toda a histria da humanidade, sempre foi valorizado. Na cultura grega, o culto ao corpo se fazia pela busca incessante do esplendor fsico. O movimento era estudado, sabendo-se de sua capital importncia para a viabilizao do desenvolvimento, crescimento ou aprendizagem. Entre os filsofos, Plato citado por Bueno (1998, p. 21) afirmava haver uma dicotomia entre corpo e alma, colocando o corpo apenas como lugar de transio da

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existncia no mundo de uma alma imortal. A ao ou o movimento humano, como base do desenvolvimento psicomotor envolve relaes permanentes dos fatores neurofisiolgicos, psicolgicos e sociais que interferem diretamente em sua integrao, elaborao e realizao. Levin (1995, p. 23) destaca que ao longo da evoluo do campo psicomotor pode se especificar diferentes estgios; i) quando inicialmente do emprego de prticas reeducativas; ii) no dualismo deficincia mental-motora, e; iii) no enfoque neurolgico para as perturbaes motoras que se apresentam na infncia. Ernest Dupr, em 1909, que emprega inicialmente o termo psicomotricidade, atravs de seus estudos (FONSECA, 1995), e a quem, segundo Bueno (1998, p. 21) se deve os primeiros estudos sobre as relaes motoras e s relaes psquicas, vistas patologicamente, quando diz: Entre certas alteraes mentais e as alteraes motoras correspondentes existe uma unio to ntima que parecem constituir verdadeiras paralelas psicomotoras. Segundo Levin (1995, p. 24), Dupr afirma em seus estudos clnicos a correlao entre motricidade e inteligncia, estabelecendo certa correspondncia entre a debilidade motora e a debilidade mental, distinguindo cognio e psicomotricidade, definindo a sndrome da debilidade motora, suas sincinesias, paratonias e inabilidades. No segundo momento transcende-se o motor-neurolgico, tendo o corpo como responsvel pela construo do sujeito, que se emociona e produtor de sua intelectualidade. A emoo comeava a entrar no movimento (BUENO, 1998, p. 22). Segundo Levin (1995) e Fonseca (1995, p. 9), Wallon o grande pioneiro da psicomotricidade, quando, em 1925, explica o movimento humano como instrumento fundamental na construo do psiquismo, enfatizando a relao entre motricidade e carter, __________1. Sincinesias: movimentos associados que acompanham a realizao no movimento intencional, prejudicando a sua preciso e eficcia (FONSECA, 1995). Paratonias: incapacidade ou impossibilidade de descontrao muscular voluntria (FONSECA, 1995).

2.

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associando movimento ao afeto, emoo, ao meio ambiente e aos hbitos da criana. Para Wallon, citado por Fonseca (1996, p. 18), em qualquer movimento existe um condicionante afetivo que lhe justifica e insufla algo de intencional, o que constitui o dilogo tnico, fundamental gnese psicomotora, que tem o corpo como instrumento operativo e relacional. Segundo Campos (1987, p. 63), Wallon reala a significao do movimento e a inter-relao entre a organizao psicomotora e a realizao motora, determinando-o como um processo dinmico e de maturao automtica, progressivo, mas no fixo. O desenvolvimento psicomotor d-se em estgios, definidos em: (BUENO, 1998) Estgio Impulsivo (recm-nascido) - caracteriza-se por movimentos espasmdicos, de gestos desordenados e estereotipados: simples descargas de energia muscular provocadas por variaes tnicas e emoes. A predominncia da afetividade orienta as primeiras reaes do beb s pessoas, as quais intermediam sua relao com o mundo fsico(GALVO, 2003, p. 43); Estgio Tnico-Emocional (dos 6 aos 12 meses) - o movimento traduz alguma significao e ensaia as primeiras relaes da criana com seu meio ambiente, representando a inter-relao entre motricidade e sensibilidade, sendo determinado pelo domnio afetivo e a subjetividade prpria da criana, sinal indicativo da aproximao das primeiras representaes; Estgio Sensrio-Motor (dos 12 aos 24 meses) - liga o movimento sensibilidade, quando se d a passagem do biolgico ao psicolgico, o que provoca uma percepo mais precisa, permitindo a eficincia do movimento e a eliminao dos gestos inteis, que ocorre mediante a maturao da motricidade e da sensibilidade cinestsica. Sua subjetividade est ligada percepo dos objetos exteriores;

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Estgio Projetivo (dos 3 aos 4 anos) - o movimento acontece como resposta intencionalidade da representao mental. A atitude postural adquire sua autonomia e a criana comunica-se por gestos e palavras. A imitao (simulacro) acontece a servio da representao por ser imprescindvel a novas aprendizagens. A criana esboa o movimento j em relao a algo exterior a si prpria; os movimentos deixam de responder imediatamente a uma necessidade pulsional, para se ajustarem s situaes exteriores (FONSECA, 1996, p.22); Estgio do Personalismo (dos 5 aos 6 anos) - a criana liberta-se das situaes pulsionais, reconhece sua prpria personalidade, atingindo a conscincia de si. Os movimentos so respostas de aes desejantes; Estgio da Adolescncia (separa infncia da fase adulta) - afigura-se a fundamentao afetiva na ao funcional. Ocorre a descoberta dos valores morais e espirituais, indispensveis realizao pessoal, com importantes avanos no plano da inteligncia. Segundo Fonseca (1996, p. 23) Wallon declara que o movimento no intervm s no desenvolvimento psquico e nas relaes com o outro, mas tambm influencia o comportamento habitual. um fator importante do temperamento da pessoa humana. Tem-se, neste momento inicial da prtica psicomotora, a correspondncia entre debilidade mental e debilidade motora, entre carter e movimento, onde a disfuno motora e o dficit instrumental so preponderantes. Para Bueno (1998, p. 22), a prtica psicomotora propriamente dita teve incio com os trabalhos de Edouard Guilmain, em 1935, Pai da Reeducao Psicomotora, ao estabelecer o exame psicomotor como instrumento de diagnstico, indicao teraputica e prognstico. Em sua obra Fonctions Psychomotrices et Troubles du Comportement, publicada em 1935, Guilmain introduz a reeducao psicomotora como mtodo de trabalho inovador,

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sendo largamente empregados os exerccios de reeducao da atividade tnica e rtmicos, que objetivam a coordenao e habilidade motora, com diminuio das sincinesias e paratonias (SOUSA, 2004). J em 1947- 48, perodo que abrange o final da Segunda Guerra Mundial, Julian de Ajuriaguerra e Diatkine (neurobilogos) redefinem o conceito de debilidade motora, considerando-a como uma sndrome, com suas especificidades (BUENO, 1998) Por suas contribuies em seu Manual de Psiquiatria Infantil, com Ajuriaguerra, segundo Levin, (1995 p. 26) que o transtorno psicomotor e suas caractersticas aperfeioado e delimitado, ressaltando sua inter-relao entre o neurolgico e o psiquitrico, com o estabelecimento de um exame psicomotor padro, alm de orientaes especficas de interveno do terapeuta, em conformidade com os distrbios motores apresentados pelo sujeito, quando esclarece: [...] entraro certas formas de debilidade motora, no sentido mais definido da palavra, as instabilidades e as inibies psicomotoras, certas torpezas de origem emocional, ou as causadas por transtornos de lateralizao, dispraxias evolutivas, certas disfragia, tiques, gagueiras, etc.(sic). O sujeito comea a ser observado em sua totalidade, com um corpo que se comunica, emociona e interage - a motricidade em relao. E, especificando a teraputica psicomotora, menciona Levin (1995, p. 27):O objetivo de uma teraputica psicomotora ser, no s modificar o tnus de base (sincinesias ou qualquer tipo de atos) e influir na habilidade, na posio e na rapidez, mas tambm, na organizao do sistema corporal, modificando o corpo em seu conjunto, no modo de perceber e aprender as aferncias emocionais.

Profissionais como Lebovici, Jolicet, Brges e Desobeau se sobressaem por suas prticas de reeducao psicomotora. Surgem instituies e sindicatos de reeducao psicomotora, entre outros, o Instituto Superior de Reeducao Psicomotora fundado por Giselle Soubiran, em 1967, cujo trabalho denominado Psicomotricidade Fundamental de Base largamente empregado.

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nesse momento que acontece verdadeiramente a prtica psicomotora. [...] seu nascimento ocorre no momento em que o corpo deixa de ser pura carne para transformar-se num corpo falado (LEVIN, 1995, p. 22). A propsito, deve-se ressaltar, ainda no campo educacional, a importncia de Simone Ramain, com a educao das atitudes, e Jean Le Boulch, com a psicocintica teoria geral do movimento (LE BOULCH, 1986, p. 13), cujo trabalho resultou no reconhecimento oficial da psicomotricidade, na Frana, atravs do Decreto Ministerial de 07/08/1967 (FONSECA, 1995). Em seus estudos Le Boulch (1986, p. 89) nos revela que a funo simblica, hoje denominada funo semitica, tem sua origem na atividade sensrio-motora, estando estreitamente relacionada ao desenvolvimento psicomotor: no perodo pr-escolar e na educao psicomotora o aprendizado por insight dominante Na dcada de 70, a educao psicomotora, cuja finalidade visa o desenvolvimento funcional da criana em harmonia com sua afetividade (LE BOULCH, 1986), desponta influenciada pelos trabalhos de Wallon, com as publicaes de estudiosos, como: Pick e Vayer, Andr Lapierre, Bernard Aucouturier, entre outros (SOUSA, 2004). Um novo perodo estrutura-se no campo da psicomotricidade, o corpo concebido em sua totalidade. O sujeito passa a ser observado pelo psicomotricista em uma dimenso instrumental, cognitiva e tnico-emocional. A prtica psicomotora investe num sujeito com seu corpo em movimento, um corpo real, expressivo, simblico, que se emociona e cuja emoo manifesta-se tonicamente (LEVIN, 1998, p. 31). Nasce, nessa conjuntura, a clnica psicomotora centrada no corpo de um sujeito desejante, contextualizado. A clnica psicomotora aquela na qual o eixo a transferncia e, nela, o corpo real, imaginrio e simblico dado a ver ao olhar do psicomotricista (LEVIN, 1995, p. 42).

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Na Argentina, a psicomotricidade destaca-se inicialmente com Dalila M. de Costallat, desenvolvendo um trabalho de reeducao psicomotora, que instrumentaliza tcnicas graduadas e classificadas de acordo com a idade motora. Em seu livro Psicomotricidad, publicada em 1986, Costallat prope diferentes estratgicas a respeito do exame psicomotor, em conformidade com os resultados obtidos nos exerccios. Em 1977, criada a Associao Argentina de Psicomotricidade, com grande difuso e propagao a partir de 1980, salientando o trabalho de Esteban Levin com seu livro A Clnica Psicomotora o corpo na linguagem. Em 2000, tem incio o curso de Licenciatura em Psicomotricidad, na Universidade CAECE, sob a direo de Miguel Sassano. Constitui-se a carreira de graduao universitria, com reconhecimento oficial e validade nacional, outorgada pelo Ministrio de Educao da Nao (SOUSA, 2004). No Brasil, os primeiros registros de aplicao da prxis psicomotora constam da dcada de 50, quando alguns profissionais ligados s reas da deficincia comeam a valorizar o corpo e o movimento como elementos interligados O psiquiatra infantil Grnspun, bem como o professor Lefvre sobressaram-se em seus trabalhos na teraputica infantil (BUENO, 1998). com a influncia da Psicanlise, que a prtica psicomotora passa a investir no sujeito com seu corpo em movimento, um corpo real, expressivo, simblico, que se emociona, cuja harmonia reflete-se pela interao entre a expresso corporal e a afetividade. Segundo Bueno (1998, p.22/23), Grnspun citado por Morizot, j mencionava a indicao de prticas psicomotoras na terapia de distrbios de aprendizagem:Nos distrbios de aprendizagem por leso cerebral mnima, caracterizando os distrbios psiconeurolgicos, alm da educao das funes intelectuais isoladamente, devemos realizar exerccios psicomotores, de coordenao, de ritmo e de relaxamento capazes de atuar sobre as vias de integrao

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Nos anos 60, especialmente a partir de 1968, surgem no Brasil os primeiros cursos para formao de professores que lidam com educao especial, sendo a psicomotricidade utilizada como prtica reeducativa (SOUSA, 2004). Em 1977, a psicomotricidade passa a ser vista tambm como terapia, com a vinda de Franoise Desobeau e seus trabalhos, o que culmina com a criao da Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora em abril de 1980, posteriormente Sociedade Brasileira de Psicomotricidade SBP, atualmente Associao Brasileira de Psicomotricidade - ABP. Lapierre com a psicomotricidade relacional inova e revoluciona os mtodos e tcnicas utilizadas no Brasil at a dcada de 1980, utilizado-a em uma dimenso pluridisciplinar e, ao estud-la cientificamente, considerar os estudos da linguagem, imagem corporal, da via emocional-instintiva, em comunho com os aspectos perceptivo-gnsicos e prxicos e sua interdisciplinaridade (FONSECA, 1996). Acontece o I Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, promovido pela SBP, e o incio do primeiro curso de formao em psicomotricidade relacional, no Rio de Janeiro, em 1982. O movimento, por conseguinte, manifesta-se na relao consciente e inteligvel entre a situao circunstancial e a ao do sujeito, pois sua intencionalidade e execuo se constituem na exteriorizao da manifestao objetiva do sujeito, que envolve a subjetividade quando o realiza. Segundo Bueno (1998, p. 23): uma nova etapa na histria da psicomotricidade, com a integrao de profissionais de vrias reas pensando da mesma forma e buscando o mesmo objetivo. Vrios cursos de Psicomotricidade, em nvel de ps-graduao, so realizados desde ento, tendo seu pioneirismo acontecido na Universidade Estcio de S, e no Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitao - IBMR. Hoje, pode-se contar com curso de graduao, com durao de 4 anos, aprovado pelo MEC, ofertado desde julho de 1989, pelo IBMR (SOUSA, 2004).

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Segundo Fonseca (1996, p. 13), na ao o objetivo e o subjetivo se fundem, como agentes estruturadores da inteligncia sensrio-motora (prtica), que formar o cognitivo pela estruturao da afetividade, estando o movimento ligado e reciprocamente condicionado s esferas do desejo e do querer. Hoje, a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade tem sua representatividade regional instalada em 9 estados do pas, que so: Bahia, Cear, Esprito Santo, Minas Gerais, Paran, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e So Paulo (SBP, 2007). A psicomotricidade, ao longo de seu percurso epistemolgico, iniciou-se como reeducao psicomotora, evoluindo posteriormente para educao, terapia e clnica psicomotora (FONSECA, 1996; SOUSA, 2004). Convm ressaltar que, a Educao Especial foi o elo de surgimento e de ligao da Psicomotricidade na Europa e no Brasil (SOUSA, 2004, p. 54).

1.2 O Corpo Psicomotor

O corpo representa o lugar onde se realizam as coordenaes sensrio-motoras e a exteriorizao da emotividade, entre as percepes e as aes que se concretizam. A criana, j ao nascer, manifesta sua presena e motilidade por suas atividades reflexas, que gradualmente encontraro a harmonia de movimentos e o controle motor. O desenvolvimento psicomotor depender, pois, da maturao do sistema nervoso e do meioambiente. Movida pelo duplo impulso da maturao e das aprendizagens, a criana vai formando a base e o alicerce para a vida adulta, obedecendo a etapas ou estgios de desenvolvimento. Para Le Boulch (1982, p. 55), o desenvolvimento psicomotor se relaciona com a

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maturao e o exerccio funcional.O desenvolvimento de dois fatores: a maturao e o exerccio funcional. Durante o estado fetal, o desenvolvimento regido pelo determinismo programado geneticamente, sendo pouco modificado pelo ambiente. No nascimento persiste o determinismo dos momentos maturativos, mas eles so enriquecidos pelos estmulos do ambiente. em torno do 2 ms que isto vai se inverter e o exerccio funcional, estimulado pelo ambiente vai marcar o ritmo da maturidade.

A fase importante para trabalhar com todos os aspectos do desenvolvimento (motor, intelectual e scio-emocional), na faixa etria compreendida desde o nascimento at os 8 anos de idade, aproximadamente. Nesse perodo, surgem as primeiras dificuldades em todas as reas de relao com o meio e, se no forem exploradas e trabalhadas a tempo, traro prejuzos nos processos de aprendizagem da criana, como: dificuldades na escrita (disgrafia), na fala (dislalia), na socializao (distrbios e/ou transtornos psicomotores), entre outros. A propsito, o controle do prprio corpo se constitui a meta do desenvolvimento psicomotor, porque a motricidade no est limitada s superfcies corporais, uma vez que caracteriza-se pela maturao que integra o movimento, o ritmo, a construo espacial, o reconhecimento dos objetos, das posies, a imagem do nosso corpo e a palavra, envolvendo relaes permanentes dos fatores neurofisiolgicos, psicolgicos e sociais (BUENO, 1998, p.33) Logo, a educao psicomotora, reflexo do desenvolvimento psiconeurolgico, desponta como o ponto inicial de todas as aprendizagens da criana. E, sendo uma ao primordialmente educativa, processa-se em etapas progressivas e especficas, realizando-se por meio de percepes vivenciadas a partir da esfera cognitiva, motora e emocional. Segundo Le Boulch (1986), deve ser considerada educao de base na pr-escola, por favorecer o processo ensino-aprendizagem. Dentre os elementos bsicos do corpo psicomotor bem estruturado que impulsionam a aprendizagem, merecem destaque:

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- Noo do Corpo: Para a criana agir atravs de seus aspectos psicomotores, emocionais, cognitivos e sociais precisa ter seu corpo organizado.O conhecimento e a representao do prprio corpo tem um papel fundamental nas relaes entre o EU e o mundo exterior: espao gestual, espao materializado pelos objetos, espao de outros indivduos (PICQ; VAYER, 1988, p. 24).

Em Fonseca (1995), a noo do corpo compreendida como uma representao mais ou menos consciente do nosso corpo, dinmica e postural, posicional e espacial. A gnese ou elaborao da noo do corpo estrutura-se, genericamente, durante a infncia e projeta-se em constante evoluo durante toda a existncia humana (FONSECA, 1996). Sua aquisio revela a capacidade do ser humano reconhecer-se como objeto no seu prprio campo perceptivo, produzindo sua autoconfiana e auto-estima; o autocontrole, resultante de uma integrao sensrio-cortical, que participa de todas as atividades conscientes, no plano motor e sensorial (FONSECA, 1995). A importncia do outro no desenvolvimento da noo do corpo fundamental. Para Preyer e Baldwin apud Fonseca (1995, p. 65) a conscincia de si se constri pouco a pouco, e se elabora posteriormente conscincia do outro. A noo do corpo implica na aquisio da imagem corporal e do esquema corporal. - Esquema Corporal: O desenvolvimento de uma criana o resultado da interao de seu corpo com os objetos de seu meio, com as pessoas com quem convive e com o mundo onde se estabelecem relaes afetivas e emocionais. O corpo organizado da criana o ponto de partida de suas aes, que se desenvolvem levando em considerao os aspectos neurofisiolgicos, mecnicos, anatmicos e locomotores (OLIVEIRA, 1997).

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Para Wallon, citado por De Meur; Staes (1991, p. 9),O esquema corporal um elemento bsico indispensvel para a formao da personalidade da criana. a representao relativamente global, cientfica e diferenciada que a criana tem de seu prprio corpo.

A criana tem seu esquema corporal estruturado, quando ela percebe-se e percebe os seres e as coisas que a cercam, em funo de sua pessoa. O corpo se organiza gradualmente, de acordo com sua experienciao, numa construo mental. No entanto, antes que a criana possa ter seu esquema corporal estruturado, necessrio que ela obtenha o conhecimento de seu corpo, a unidade de suas diferentes partes e o domnio de seus movimentos, o que fundamenta a estruturao espao-temporal. - Imagem Corporal Entende-se por imagem corporal a impresso que se tem de si mesmo, subjetivamente, baseada em percepes internas e externas e na relao com outras pessoas no prprio meio social; est ligada atividade cortical. Segundo Le Boulch (1982), inicialmente acontece a percepo global do corpo, que a criana descobre dos 3 aos 6 anos, graas a experincia do espelho (descoberta da criana de sua imagem no espelho). Neste estgio de seu desenvolvimento, ela tem duas imagens de seu corpo: a imaginria, dependente do inconsciente vivido, e a reprodutora, ligada percepo. a tomada de conscincia de seu ser, de suas possibilidades de agir

CORPO MOTOR- MENTAL

OBJETO

AFETIVO- SOCIAL AO MUNDO EXTERIOR

Esquema 1 (Fonte: Criao do pesquisador, 2002)

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transformar o mundo sua volta A imagem corporal a figurao de nosso corpo formado em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual ele se apresenta para ns (SOUSA, 2004, p.81). Para Bueno (1998, p. 58): a imagem corporal renova-se a cada experincia de nosso corpo com o objeto ou com o outro no espao. - Lateralidade (lateralizao): Propenso que o ser humano possui de utilizar, preferencialmente, mais um lado do corpo que o outro, em quatro reas: mo, p, olho e ouvido respeitando a progressiva especializao dos hemisfrios cerebrais. a percepo dos lados do corpo, portanto, o elemento fundamental de relao e orientao do corpo com o mundo exterior (SOUSA, 2004, p.83/84). A dominncia lateral da criana apresenta correspondentes neurolgicos, com predomnio motor de um dos lados, em que se observa maior fora muscular, mais rapidez melhor preciso e habilidade. Luria, estudioso da neuropsicologia, em seus achados datados de 1973 sobre os processos mentais humanos para a compreenso do crebro em ao, defende que a dominncia requer a inibio de um hemisfrio, quando o outro trabalha (FONSECA, 1995, p. 45). A lateralidade influi na idia que a criana tem de si mesma, na formao de seu esquema corporal, na percepo da simetria do seu corpo, contribuindo para determinar sua estruturao espacial. Para Le Boulch (1982, p. 92):A lateralizao a traduo de uma assimetria funcional. Os espaos motores do lado direito e do lado esquerdo no so homogneos. Esta desigualdade vai se tornar mais precisa durante o desenvolvimento e vai manifestar-se durante os reajustamentos prxicos de natureza intencional.

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Os movimentos preferenciais de um dos lados do corpo determinam se o indivduo destro (D) ou sinistro (E). A definio do lado dominante ocorre como resultado de fatores culturais, ambientais, neurolgicos e hereditrios, entre outros. Ele inicia e executa a ao principal e completado por seu oposto, uma vez que os dois no funcionam isoladamente. Fonseca (1995, p.167) complementa esta afirmao quando diz:

A lateralizao como o resultado da integrao bilateral postural do corpo peculiar no ser humano e est implicitamente relacionada com a evoluo e utilizao dos instrumentos (motricidade instrumental psicomotricidade), isto , com interaes sensoriais complexas e com aquisies motoras unilaterais especializadas, dinmicas e de origem social.

A lateralidade pode se apresentar de forma homognea, quando h dominncia destra (D) ou canhota (E) ao nvel de todas as reas (mos, ps, olhos e ouvidos); cruzada, destra da mo, canhota do p, do olho e do ouvido ou seu inverso; ambidestra, quando as habilidades se equivalem tanto do lado direito, quanto do lado esquerdo (BUENO, 1998). Em conformidade com a especializao cerebral relativa s habilidades manuais, nas pessoas destras, o hemisfrio esquerdo o dominante e nas canhotas (ou sinistras), o hemisfrio direito o predominante. Segundo De Meur e Staes (1991, p. 11), durante o crescimento naturalmente se define a dominncia lateral na criana. Esta lateralidade influi na idia que a criana tem de si mesma, na formao de seu esquema corporal, na percepo da simetria do seu corpo e contribui para determinar sua estruturao espacial.A nvel cerebral, o hemisfrio direito funciona de uma maneira global e instintiva e especializado em funes espaciais. responsvel pelo nosso inconsciente. O hemisfrio esquerdo analtico e lgico, alm de ser especializado em aptides lingsticas. responsvel pelo consciente (VELASCO apud BUENO, 1998, p. 60).

No se pode confundir lateralidade com o conhecimento da criana dos conceitos relativos direita-esquerda. Normalmente, a criana comea a definir sua lateralidade a partir

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dos 7 meses de vida, quando passa a segurar objetos com uma das mos. J o conhecimento de esquerda e direita s pode ocorrer em torno dos 5 a 6 anos, sendo de grande importncia ao processo de alfabetizao.

Este conceito, intrinsecamente ligado ao conceito de imagem corporal e de lateralidade, permite criana distinguir o lado direito e o lado esquerdo em si, nas outras pessoas e nos objetos (MORAIS, 1998, p.43).

A criana que no adquire estes conceitos pode demonstrar confuses em sua orientao espacial e, como conseqncia, apresentar dificuldades na discriminao de letras e nmeros, no respeitar o sentido direcional (esquerda para a direita) da leitura e da escrita, podendo ainda contribuir para a escrita em espelho, que implica na rotao ou inverso das letras ou nmeros. Segundo De Meur e Staes (1991, p. 13), a reversibilidade, [ou seja], a possibilidade de reconhecer a mo direita ou a mo esquerda de uma pessoa sua frente, no pode ser abordada antes dos 6 anos e meio ou 7 anos. Convm salientar que no se pode forar a mudana do lado dominante da criana, uma vez que isso provocaria uma desorganizao psicomotora. Para Levin (1998, p. 171), a lateralidade conota a dimenso subjetiva do ter. Ter um corpo lateralizado, um conceito que implica a nomeao simblica: a orientao; - Tonicidade: Relacionada ao tnus muscular, varia com as condies fisiolgicas prprias do sujeito. O msculo, mesmo em repouso, possui um estado permanente de relativa tenso, de origem essencialmente reflexa, conhecido como tono ou tnus muscular, cuja funo ajustar as posturas locais e a atitude geral; depende da estimulao ambiental para uma boa evoluo e participa de todas as funes motrizes (equilbrio e coordenao, entre outras). Costallat citada por Bueno (1998, p. 55) divide o tnus em: muscular, afetivo e

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mental. O tnus muscular relaciona-se ao movimento realizado, o tnus afetivo ao estado de esprito e o tnus mental, capacidade de ateno no momento da ao. O tnus muscular se molda em conformidade com a vivncia corporal do indivduo, oscilando entre a hipertonia3, normalidade e hipotonia4, uma vez que a motricidade encontra-se intrinsecamente ligada tonicidade, variando individualmente, conforme as estimulaes e limitaes do meio (BUENO, 1998; FONSECA, 1995; SOUSA, 2004). Segundo Fonseca (1995, p. 123) [...] a motricidade composta por uma sucesso de tonicidades, que no todo materializam a equilibrao humana. O tnus, alm de preparar e sustentar o movimento, determina as atividades posturais, desempenhando importante papel na vida de relao, conseqncia de sua estreita relao com a afetividade e suas manifestaes (SOUSA, 2004; BUENO, 1998). A motricidade encontra-se intrinsecamente ligada tonicidade e influenciada pelo comportamento humano, variando individualmente segundo as estimulaes e limitaes do meio.Suas modulaes diversas esto relacionadas aos estados afetivos e emocionais, conscientes ou inconscientes. [...]. Qualquer modificao ocorrida em uma parte do corpo provoca, solidariamente, uma alterao no estado tnico das outras partes (SOUSA, 2004, p. 79).

Os estados e mudanas emocionais como a angstia, a depresso, a hiperatividade fsica e distrbios psquicos esto intimamente relacionados com o tnus (BUENO, 1998, p. 55). E ainda: a tonicidade abrange todos os msculos responsveis pelas funes biolgicas e psicolgicas, alm de toda e qualquer forma de relao e comunicao social no-verbal [...] (idem, p. 122). ___________3. Hipertonia: sinnimo de hipoextensibilidade; espasticidade; aumento do tono ou tenso muscular. 4. Hipotonia: sinnimo de hiperextensibilidade; flacidez; diminuio do tono ou tenso muscular (SILVEIRA BUENO, 2000; FONSECA, 1995)

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A motricidade necessita do suporte da tonicidade, ou seja, de um estado de tenso ativo e permanente. impossvel, portanto, separar motricidade de tonicidade. - Equilibrao: O equilbrio base da organizao psicomotora e de toda a coordenao dinmica global, e envolve uma multiplicidade de ajustamentos posturais antigravticos, dando suporte s respostas motoras, e sendo determinante para o domnio das praxias (BUENO, 1998, p. 55). A equilibrao rene um conjunto de aptides estticas e dinmicas, que englobam o controle postural ou a capacidade de sustentar-se nas mais diferentes situaes, e o desenvolvimento das aquisies de locomoo. A estruturao do esquema corporal, a integrao e a perfeio dos mecanismos neuropsicomotores so elementos essenciais aquisio do equilbrio, que tm no aparelho vestibular o rgo sensorial que determina a equilibrao postural vertical, necessria manuteno da posio ereta. Segundo Wallon citado por Bueno (1998, p. 55), toda parte do corpo que se move tende a mover o centro de gravidade, o que contribui para a combinao dos ajustamentos posturais. A equilibrao e a estruturao espacial so essenciais ao desenvolvimento psiconeurolgico da criana, respondem por suas aes coordenadas e intencionais e so imprescindveis ao processo humano da aprendizagem (SOUSA, 2004). Pode-se concluir que: o eixo do corpo um plo integrador das funes cinestsicas e labirnticas, o que ordena o corpo em seu funcionamento equilibratrio em relao com a posio postural, espacial e temporal (LEVIN, 1998, p. 167). - Estruturao Espao-Temporal: A estruturao espacial o reconhecimento situacional de seu prprio corpo em

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um meio ambiente, ou seja, do lugar e da orientao que se pode ter em relao s pessoas e aos objetos. Processa-se atravs da interpretao das informaes perceptivo-sensoriais e psicomotoras vivenciadas e interiorizadas. a possibilidade, para a pessoa, de organizar-se perante o mundo que o cerca, de organizar as coisas entre si, de coloc-las em um lugar, de moviment-las (BUENO, 1998, p.63). Segundo Fonseca (l995, p.204), toda a informao relacionada com o espao tem de ser interpretada atravs do corpo, cuja estruturao se desenvolve pela realizao de atividades neuro, tnico, sensrio, perceptivo e psicomotoras. A criana constri a noo de espao atravs de informaes sensoriais vestibulares, proprioceptivas e exteroceptivas, desenvolvendo um mundo espacial estvel, possibilitando as funes mentais complexas, ligado s funes da memria (BUENO, 1998, p.62). A criana, em sua aprendizagem, tem o espao organizado, inicialmente, em relao ao prprio corpo e, posteriormente, em relao ao outro e aos objetos. Tal organizao acontece a partir da ao vivida, ou seja, o espao apreendido como resultante de sua motricidade, suas experincias somatognsicas e visuais.

Em primeiro lugar a criana percebe a posio de seu prprio corpo no espao. Depois, a posio dos objetos em relao a si mesma e, por fim, aprende a perceber a relao dos objetos entre si (OLIVEIRA, 1997, p.75).

A estruturao espacial decorre de um processo evolutivo, iniciando-se pelo conhecimento das noes, que se d pelos deslocamentos da criana em seu espao habitual, e que pela ao vo estabelecendo os conceitos de forma, dimenses, progresses de grandezas, evoluindo para os conceitos de orientao e organizao espacial, chegando compreenso das relaes espaciais, tendo como base o raciocnio (DE MEUR; STAES, 1991; SOUSA, 2004).

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A expanso da conscincia espacial parte do corpo, passa pela locomoo e pela percepo e chega sua representao (FONSECA, 1995, p.208). A estruturao temporal a capacidade de situar-se em funo da ordem e sucesso dos acontecimentos, da durao dos intervalos, da renovao cclica de certos intervalos, bem como do carter irreversvel do tempo ((DE MEUR; STAES, 1991; BUENO, 1998; SOUSA, 2004). Em relao aprendizagem a criana, aps adquirir a orientao espacial capaz de desenvolver sua direo grfica, estando apta a aprender geografia e geometria (FONSECA, 1995). Segundo Piaget citado por Bueno (1998, p. 65),a evoluo da percepo do tempo mais complexa que a espacial. Por ser uma categoria de ao prtica, vivencial, o tempo est sempre relacionado com a prpria atividade da criana. Constitui-se um fenmeno caracteristicamente subjetivo, repleto de afetividade e associado, principalmente, s suas necessidades biolgicas. Conforme De Meur e Staes (1991, p.16) existem dois tipos de tempo: um tempo subjetivo criado por nossa prpria impresso, que varia conforme as pessoas e a atividade do momento e, o tempo objetivo, cronomtrico, sempre idntico; o tempo matemtico. Segundo Fonseca (1995, p. 209), o crebro elabora sistemas funcionais de acordo com a dimenso do tempo, pois joga com as experincias anteriores, adapta-se s condies presentes e prediz e antecipa o futuro. A aquisio da dimenso temporal prioriza todas as formas de estmulos, decodificando-os progressivamente, a nvel gnsicos e prxicos, obedecendo ao princpio da coordenao dos sistemas funcionais, que tem no ritmo a extenso dessa dimenso. O ritmo se manifesta em vrias reas do comportamento, tais como: na motricidade, na viso, na audio, nas aprendizagens escolares, entre outras, implicando

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aspectos: quantitativo (relacionado ao intervalo temporal de durao), e qualitativo (em relao ordem de organizao). O espao e o tempo formam um todo indissocivel, uma vez que as aes se realizam em um tempo e em um espao. A estruturao espao-temporal permite a adaptao do indivduo ao meio, favorecendo a movimentao no espao e a integrao gestual, possibilitando a localizao das partes do seu corpo e situando-as no espao.

O corpo coordena e movimenta-se continuamente em um determinado espao, em funo do tempo, em relao a um sistema de referncia. por esta razo que sempre se faz a juno da estrutura espao-temporal. (OLIVEIRA, 1997, p. 86).

De Meur e Staes (1991, p. 13) confirmam este pensamento, quando comentam:

Difcil [] dissociar os trs elementos fundamentais da psicomotricidade: corpoespao-tempo, e quando operamos com toda essa dissociao, limitamo-nos a um aspecto bem preciso e restrito da realidade.

Para Fonseca (1995, p.211), o espao s pode definir-se com o tempo, como parte de um processo que relaciona acontecimentos. E complementa essa afirmao, quando diz: A seqencializao temporal inseparvel da simultaneidade espacial nos processos bsicos da aprendizagem, na medida em que pem em jogo as funes inter-hemisfricas (no-verbais e verbais) e as funes interneuro-sensoriais (viso e audio)(id). - Coordenao Global ou Praxia Global (ampla): A praxia global estabelece a atividade dos grandes msculos e depende do equilbrio postural do sujeito. pela motivao e pela experimentao que o indivduo encontra seu eixo corporal, vai se adaptando e buscando seu equilbrio. Conseqentemente, quanto maior o equilbrio, mais coordenadas sero suas aes, o que significa que o sujeito ao adquirir a dissociao de movimentos, ter condies de utilizar segmentos corporais em movimentos diferenciados (OLIVEIRA, 1997; BUENO, 1998).

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A coordenao dinmica geral ou global nos permite o controle dos movimentos amplos do corpo, possibilitando a contrao de grupos musculares diferentes ou antagnicos de uma forma independente, priorizando as relaes de ao e movimento, inibindo os movimentos parasitas, como as paratonias e as sincinesias. Segundo Bueno (1998, p. 51), a coordenao geral apresenta-se sob dois aspectos: coordenao esttica, que se realiza em repouso e resultante do equilbrio entre a ao dos grupos musculares antagonistas, e a coordenao dinmica, produto da ao simultnea de grupos musculares diferentes, visando a realizao de movimentos voluntrios mais ou menos complexos. A coordenao esttica est subordinada a um bom controle postural, enquanto um bom automatismo depende de uma adequada coordenao dinmica (idem, p. 52). Para o estabelecimento de uma coordenao dinmica global, as atividades seguem uma progresso, que se inicia com movimentos simples para outros combinados e sucessivos, partindo do amplo para o especfico, cuja organizao prxica se reflete pela eficincia, proficincia e realizao motora (FONSECA, 1995; OLIVEIRA, 1997; BUENO, 1998). Segundo Fonseca (1995, p.224), a praxia global insere-se no conceito de neomotricidade[...], que subentende progressivamente uma organizao psicolgica cada vez mais complexa nos seus processos. - Coordenao Fina ou Praxia Fina: A coordenao (praxia) fina estabelece a habilidade e destreza manual, constituindo-se aspecto fundamental coordenao global. Sua ao sintetiza as consideraes e significaes psiconeurolgicas alcanadas na praxia ampla (global), compreendendo a micromotricidade e a percia manual adquiridas pela capacidade de controlar os pequenos grupos musculares para realizar exerccios refinados. Sua aquisio

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envolve a coordenao viso-motora ou culo-motora, a coordenao viso-manual ou culomanual e a coordenao msculo-facial (FONSECA, 1995; BUENO, 1998). A coordenao viso-motora traduz-se pela capacidade de coordenar os movimentos em relao ao alvo visual. A coordenao viso-manual prepara a criana para a escrita, quando destreza, velocidade e preciso desenvolvidas traduziro a qualidade dessa escrita. A coordenao msculo-facial relaciona-se aos movimentos refinados da face, que fundamentam a aquisio da fala, da mastigao e da deglutio. Comunicar-se atravs das expresses fisionmicas configura-se excelente instrumento nas aes de relao (BUENO, 1998, p. 53). Na praxia fina, tem-se tato e movimento, combinando-se intra e

interneurossensorialmente com a viso (FONSECA, 1995, p. 245). A mo o rgo central da praxia fina, responsvel pela preenso, palpao, discriminao ttil, entre outras funes. Uma coordenao elaborada dos dedos da mo facilita a aquisio de novos conhecimentos, podendo sobrepujar-se como um instrumento de ao a servio da inteligncia. Os elementos fundamentais do desenvolvimento psicomotor se completam com as condutas funcionais em ao conjunta com as condutas relacionais, na formao integral do ser humano.

1.3 Condutas Funcionais e Condutas Relacionais

As condutas psicomotoras envolvem a integridade de condutas motoras, intelectuais e emocionais, subdivididas em condutas funcionais e condutas relacionais.

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As condutas funcionais formam a integralizao motora do Sujeito num espao e num tempo determinado. Compreendem: os elementos bsicos da Psicomotricidade (j destacados), a postura, a respirao, o relaxamento, o ritmo e as percepes. So condutas relacionais: a expresso, a afetividade, a agressividade, a comunicao, a corporeidade e o limite (BUENO, 1998). Em funo de buscar-se a compreenso da ao humana luz da Psicomotricidade, em relao ao desenvolvimento e aprendizagem, torna-se imperativo abordar o modelo de organizao funcional do crebro humano, proposto por Luria, que revela dados para a compreenso do crebro em ao (SOUSA, 2004). Luria, em 1973, estudando a atividade mental humana revela o crebro humano composto por trs unidades funcionais bsicas, com funes particulares e integradas, cujas participaes so fundamentais atividade mental, ao movimento voluntrio, elaborao prxica e psicomotora, e produo da linguagem (falada ou escrita) (BUENO, 1998). Em consonncia com o pensamento proposto por Vigotsky, Luria credita ao envolvimento scio-histrico e cultura, a gnese das formas superiores de atividade mental, estruturada por sistemas funcionais complexos (FONSECA, 1995) Descrevendo-se as Unidades funcionais do crebro, pode se afirmar: so hierrquicas; consiste cada uma delas de trs zonas corticais: (a) primria - projeo - recebe os impulsos ou mandam impulsos para a periferia; (b) secundria projeo-associao responsvel pela codificao e sntese, convertendo informao sensorial somatotpica em sistemas funcionais, ou processamento da informao recebida, e; (c) terciria associativa - estruturada pela conjugao de vrias reas corticais; rea da formao de intenes e programao de atividades complexas, ou anlise de sistemas supramodais -

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simblicos - bsicos para as atividades gnsicas e cognitivas (ltima estrutura a desenvolver-se); esto divididas segundo uma organizao estrutural e propriedades intrafuncionais em:

i) Primeira unidade funcional - permite regular o tnus cortical e o estado mental de viglia e alerta; entra em atividade j no desenvolvimento intra-uterino, com papel decisivo no parto e processo de maturao motora; trabalha em relao e colaborao com os sistemas superiores corticais nas manifestaes da atividade consciente do ser humano, de aes voluntrias ou processos de decodificao e codificao simblica; ii) Segunda unidade funcional - responsvel pela recepo, anlise (codificao) e armazenamento da informao; altamente especfica em termos sensoriais, alm das funes visuais, auditivas, vestibulares e ttil-cinestsicas, incorpora os sentidos do gosto e do olfato (sistemas sensoriais aferentes); participa no desenvolvimento extra-uterino, com papel de transao entre organismo e meio, entre o espao intra-corporal e extracorporal; processos gnsicos do lugar aos processos cognitivos, pela decodificao da informao sensorial em informao simblica (FONSECA, 1995, p. 68); iii) Terceira unidade funcional - realiza a programao, a regulao e a verificao da atividade, ou seja, responde pela organizao da atividade consciente; estruturada para a recepo de sistemas exteroceptivos superiores, formada por clulas diferenciadas que organizam informao de forma especfica, hierarquizada, que garantem uma percepo integrada, seletiva e complexa; atua posteriormente na planificao de condutas conscientizadas e corticalizadas, com bases psiconeurolgicas da psicomotricidade, que programam, regulam, verificam e integram a motricidade (FONSECA, 1995). As trs unidades funcionais (sistemas bsicos) trabalham em conjunto, numa comunicao e inter-relao dinmica, em que cada uma das unidades contribui de forma especfica ao todo complexo da atividade mental (idem, p. 95).

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Os elementos fundamentais psicomotores so distribudos pelas trs unidades funcionais do crebro, cuja relao corresponde na 1 unidade, tonicidade e equilibrao; na 2 unidade, lateralizao, noo do corpo e estruturao espao-temporal, e; na 3 unidade, praxia global e praxia fina (FONSECA, 1995; SOUSA, 2004). Alm dos Elementos Bsicos da Psicomotricidade j estudados, as condutas funcionais incluem: - Postura: Apresenta-se diretamente relacionada com o tnus, constituindo uma unidade tnico-postural, atuando, tanto sobre o plano da motricidade fina como da motricidade global, facilitando o equilbrio postural, cujo controle depende do nvel de maturao, da fora muscular e das caractersticas psicomotoras do indivduo (BUENO, 1998; SOUSA, 2004). O tnus cortical inseparvel do tnus postural, sendo indispensvel atividade mental e preparao de qualquer movimento voluntrio (BUENO, 1998); - Respirao Realizada pelos movimentos de inspirao (ativa) e expirao (passiva), objetiva a oxigenao do sangue e gerao da energia na realizao dos movimentos. Os msculos envolvidos nesse processo so: diafragma, intercostais externos e internos, em parceria com o sistema neurolgico, estando regulada pelo auto-reflexo pulmonar e por centros respiratrios bulbares (PAPALIA, 2000; BUENO, 1998). Na respirao deficiente, o nvel de energia menor e, conseqentemente, os movimentos ficam desorganizados O controle do corpo e a respirao so essenciais construo do esquema corporal. Estudos realizados comprovam a existncia de estreita relao entre a conduta respiratria e a ansiedade da criana, bem como a apnia e sua capacidade de ateno (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004)

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A hipoventilao e a hiperventilao podem ser influenciadas (inconscientemente) por fatores, tais como: emoo, ansiedade, medo, angstia, surpresa, alegria, satisfao; pode se ter hipoventilao provocada pela ateno, concentrao ou movimentos delicados; - Relaxamento: Atividade psicomotora que objetiva a reduo das tenses psquicas, levando descontrao muscular, permitindo a obteno do descondicionamento ou esquecimento das atitudes e movimentos do cotidiano.Sua finalidade bsica o afinamento, valorizando a integrao conscientizada dos diferentes estados tensionais, e promovendo progressivamente a unificao psicossomtica. Pretende atingir um estado de repouso e de calma interior, proporcionando a integrao da corporiedade (BUENO, 1998, p.62).

Contrrio de tonicidade e contrao, o relaxamento procura a regulao dos ritmos orgnicos (respirao, circulao etc). Teve sua utilizao inicial como mais um recurso a ser empregado em psicoreeducao. O relaxamento um mtodo de recondicionamento psico-fisiolgico, que abrange inmeras tcnicas, fornece possibilidades teraputicas, dependendo do campo de utilizao, sendo indispensvel para se conseguir a descontrao, tranqilizao e recreao. O relaxamento associado ao controle respiratrio contribui positivamente para o equilbrio emocional e a disposio/organizao mental. Visa melhorar a relao psicomotora, bem como a capacidade conceitual de evoluo e particularidades, no esquecendo a dimenso da singularidade. Permite agir sobre a tonicidade, em uma situao de relativa imobilidade, ou em certos tipos de mobilizao, necessitando de educao respiratria, proporcionando melhor conhecimento do esquema corporal, melhor estruturao espao-temporal e equilbrio, contrao e descontrao (MASSON, 1998; BUENO, 1998). A tcnica Relaxamento Passivo de Michaux particularmente adequada s

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crianas. Consiste em um mtodo de relaxamento que no implica, necessariamente, na imobilidade do sujeito, no entanto, dever haver o controle objetivo teraputica. Sua aplicao feita atravs do movimento passivo dos diferentes segmentos corporais, repetidos de maneira lenta e rtmica, permitindo obter, rapidamente, um relaxamento muscular global As crianas recebem muitos benefcios deste procedimento; dentre eles, uma descontrao adequada com concentrao maior ao executar os exerccios de maneira ativa (MASSON, 1998); - Ritmo: Presente em todas as atividades realizadas pelo homem, o ritmo fora criadora, caracterizada por uma sucesso de movimentos diferentes, apresentando-se quando andamos, falamos, realizamos as atividades da vida diria (AVD), estando subordinado aos ritmos biolgicos (ritmo ultradiano r. circadiano e r. infradiano), que regem o nosso organismo conforme as interferncias do meio (BUENO, 1998, p.66). O ritmo como algo interno, estabelece-se pessoal e individualmente no movimento natural, na dana, na poesia, e na msica de cada pessoa, bem como regulariza a fora nervosa. Na criana, ajuda a equilibrar os processos de assimilao e acomodao, que permite sua adaptao, elementos indispensveis aprendizagem, segundo preconiza Piaget (LE BOULCH, 1986). Em educao, com o auxlio da ateno, deve comear pelas noes de regularidade, velocidade, durao, silncio e acentuao, evoluindo para a percepo de estruturas sonoras ou meldicas mais complexas. Segundo Bueno (1998, p. 67), a sincronizao sensrio-motora iniciada na criana com a idade de 1 ano, mas s adquirida aos 3/4 anos. Com o ritmo pessoal desenvolvido, a criana poder aumentar seu poder de concentrao, facilitando sua capacidade de aprendizagem, tornando-o fundamental

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edificao intelectual e maturao da atividade motora sincronizada. Como caracterstica congnita e hereditria, as pessoas lentas sero sempre lentas, ou os rpidos, sempre rpidos, ao longo de toda a vida. Em educao psicomotora, o ritmo objetiva ajudar na supresso de contraturas de movimentos voluntrios mal controlados, permite flexibilidade, relaxamento, independncia segmentria, indispensveis autonomia motora (BUENO, 1998).

A atividade psicomotora no tem por objetivo fazer a criana adquirir os ritmos, seno favorecer a expresso de sua motriidade natural, cuja caracterstica essencial a ritmicidade (LE BOULCH, 1986, p.181).

- Percepo: Como resposta a um estmulo fisicamente definido e evolui com a idade, a percepo a capacidade de reconhecer e compreender estmulos, o meio de que dispe o indivduo para organizar a estimulao (estmulos sensoriais captados pelos sentidos: audio, viso, tato) que o ambiente lhe dirige (BUENO, 1998, p. 68; BRAGHIROLLI, 1999). A percepo constitui, de fato, um caso particular das atividades sensriomotoras, ou seja, se estabelece como via de acesso aos objetos, s palavras e s aes, tendo como base o tempo e o espao (PIAGET; INHELDER, 1998, p. 31). McDonald (2004a) define percepo como um processo de recepo, seleo, aquisio, transformao e organizao das informaes fornecidas atravs dos nossos sentidos, conduta psicolgica que requer ateno e discriminao, e que se expressa, indiretamente, atravs de respostas verbais, motoras ou grficas. Para Oliveira (1997, p. 73), a mediao simblica e a origem scio-cultural dos processos psicolgicos superiores so pressupostos fundamentais para explicar o funcionamento da percepo As percepes auditiva, visual, ttil, olfativa e gustativa so respostas s informaes e dados sensoriais adquiridos ao longo de nossa existncia em experincias

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prvias, evoluem com a idade e tm atuao impar sobre a aprendizagem. A percepo auditiva pode ser definida como a habilidade para interpretar estmulos auditivos, associando-os a estmulos anteriormente percebidos e discriminando-os entre si. Constitui um pr-requisito para a comunicao, sendo suscetvel de ser desenvolvida mediante o exerccio e a prtica. Permite o desenvolvimento da habilidade para ouvir e reconhecer semelhanas e diferenas nos sons (BUENO, 1998, p.70). So aspectos a serem observados na percepo auditiva: i) discriminao (habilidade de diferenciar sons); ii) acuidade (habilidade para escutar sons de diferentes tons e sonoridades). Segundo Bueno (1998, p. 70), a percepo auditiva feita por meio da: a) conscincia e discriminao auditiva - (processo de detectar diferenas e semelhanas nos sons que percebemos); b) ateno auditiva (capacidade do indivduo de apresentar uma resposta voluntria a um estmulo sonoro); c) memria auditiva (processo de reproduo ou evocao do que foi apreendido); d) localizao do som e figura-fundo auditiva (capacidade de selecionar um estmulo sonoro significativo dentro de uma gama de sons apresentados simultaneamente); e) anlise e sntese auditiva (anlise: decompe as informaes sonoras recebidas; sntese: une as partes para compor a informao sonora). A aquisio e desenvolvimento da percepo auditiva essencial linguagem, estando na regio temporal do crebro a rea responsvel por sua discriminao (DORETTO, 2005). A percepo visual implica na capacidade de reconhecer, discriminar e interpretar estmulos visuais, associando-os s experincias prvias. Est presente em quase todas as nossas atividades, sendo a viso um canal importante na comunicao com o meio exterior. utilizada quando manipulamos, conhecemos e diferenciamos objetos, cores, tamanhos ou smbolos, andamos em qualquer ambiente conhecido ou no.

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As

aquisies

perceptivo-visuais

so

fundamentais

nos

processos

de

aprendizagem escolar, e sua qualidade afeta todos os comportamentos da criana. Para o desenvolvimento da percepo visual, reas de treinamento so estimuladas, trabalhando-se: direcionalidade (reconhecimento dos padres para leitura e escrita); motilidade ocular (movimento coordenado dos olhos); percepo de formas (reunir elementos de uma figura em uma determinada forma), e; memria visual (vocabulrio visual). O olho saudvel aprende a mexer para ver, uma vez que uma inadequao da mobilidade ocular pode prejudicar a percepo das formas e detalhes (BUENO, 1998). O crtex, na rea occipital, controla os estmulos da viso (FONSECA, 1995). O sentido ttil tido como o mais velho dos sentidos, visto que no ventre materno as sensaes de contato j so recebidas. Percebe-se tambm, comunicaes corporais e no verbais, como: ternura, indiferena, agresso e dor. A percepo ttil estabelece-se na periferia da pele e, no contato, essa periferia ultrapassada. Pode-se explorar na percepo ttil: variaes de presso, temperatura, pesado e leve, seco, mido e molhado, objetos conhecidos, formas e volumes, sem a ajuda da viso, tanto em relao ao nosso corpo, como em relao aos objetos (BUENO, 1998). A percepo olfativa envolve a capacidade de distinguir odores, associando-os origem. Sua influncia na percepo do paladar contribui para a discriminao e memria de alguns alimentos, possibilitando a identificao e o reconhecimento de objetos pelo olfato. A percepo gustativa envolve a capacidade de distinguir sabores, associando-os origem, permitindo ao indivduo selecionar os alimentos segundo o seu desejo e necessidade alimentar (BUENO, 1998). A percepo, atravs das sensaes, desempenha papel de instrumento de adaptao do psiquismo ao universo da vida e por ela que se processa a funo do real (LEVIN, 1998).

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As condutas relacionais, numa viso holstica e sistmica, se enquadram no processo educacional quando, pela aprendizagem, evoluem do poder agir para o poder sentir (LAPIERRE; AUCOUTURIER 2004). Nossa vida de relao s pode desenvolver-se por meio do corpo que se expressa, dialoga e se comunica com os outros corpos, pela sua personalidade, pelo movimento e pela psicomotricidade, numa interao de desejos, frustraes e aes. atravs das relaes com os outros que o ser se descobre, e a personalidade constri-se pouco a pouco (LE BOULCH, 1986, p. 27). - Expresso: Como fator de conduta relacional, a expresso uma manifestao subjetiva, individual e singular, plena de sentimentos e dificuldades psicolgicas, fsicas ou biolgicas e se realiza com a coordenao fsica e psquica integradas. Pode exteriorizar-se a nvel facial ou corporal, materializando-se por meio das atividades livres, mmicas, dramatizaes e danas (facilitadoras dessa expresso).Expressar-se oralmente, plasticamente, graficamente, intelectualmente, consiste tambm em afirmar a prpria presena, com todos os riscos inerentes de no aceitao e de culpa, incluindo a ressurgncia dos modos primrios de reao: regresso, inibio, agressividade (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004, p. 90).

As atividades criadoras facilitam a comunicao e a livre expresso, hoje imprescindveis ao processo educativo, visto que favorecem a incorporao da disciplina interna, e auxiliam na elaborao do contexto da ao; canalizam tenses, conflitos e ansiedades, equilibrando a vida de relao e reforando a imagem corporal. (BUENO, 1998; LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004); - Comunicao: Intimamente relacionada expresso, transmite informao e impe

comportamento. O que, a quem e como se diz so decorrentes da comunicao, e quando

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distorcida, pode acarretar diminuio de vnculo, gerando o conflito. Quanto forma, pode ser: verbal (oral) ou no-verbal (gestual, corporal), estabelecendo relaes com os outros e com os objetos. Para Le Boulch (1986, p. 77), desde pequeno, o beb dispe de um sistema de comunicao no-verbal, permitindo-lhe transmitir suas impresses. Em psicomotricidade, significa ouvir os sons e captar sua forma interior (subjetividade - individualismo), entender seus significados e estar atento escuta do Outro (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004; VIEIRA et al, 2005). Segundo Lapierre e Aucouturier (2004), luz da Psicomotricidade Relacional, o importante da comunicao est em sua carga emocional, atravs da linguagem no-verbal, instrumentalizada pelo jogo espontneo do corpo em movimento, que possui uma linguagem prpria e se revela nos gestos, falando de seus sentimentos mais ntimos.

Todas as emoes, todos os sentimentos e tambm todos os desejos e reaes, conscientes ou inconscientes, tudo o que somos, expressam-se nas atitudes e gestos,[...] (BUENO, 1998, p.74).

Cada um de ns tem uma forma mpar de se comunicar corporalmente, sendo esta comunicao modificada e diversificada de cultura para cultura, quando costumes, normas de comportamento e a interao com o meio interferem sobre o desenvolvimento psicomotor, cognitivo e scio-emocional, na medida em que esto vinculados a fatores psicoafetivos relacionais (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004, p. 39); - Afetividade: estimulante e necessria ao desenvolvimento psicomotor, na relao significante com o corpo, consigo mesmo e com o Outro pelo jogo simblico, atravs de percepes/sensaes percebidas pela troca e/ou reciprocidade do jogo corporal (BUENO, 1998; LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004). Segundo Bueno (1998), Piaget em 1986 afirma existir estreito paralelismo entre o desenvolvimento da afetividade e das funes cognitivas, visto que nenhum ato resultado

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apenas da ao motora conseqente de nossa funo mental, nem puramente afetivo. O corpo lugar das impresses e expresses da afetividade, assim, sentimentos como prazer, amor, dio etc, se refletem na conduta e modificam a atitude corporal (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004). A afetividade se manifesta desde a fase intra-uterina, resultando em prazer e segurana na relao com a me, aps o nascimento, quando as trocas no jogo corporal ocorrem. No entanto, ao longo do desenvolvimento da criana perdas e frustraes so necessrias para as conquistas serem valorizadas (VIEIRA et al, 2005). Para Wallon (1995) citado por Bueno (1998, p. 75): a afetividade o resultado de sensaes agradveis e desagradveis de sentimento de amor e dio, que determinam a conduta postural e do ao corpo sua expresso. Em educao, reeducao ou terapia psicomotora, o sujeito deve descobrir a importncia e significao do seu corpo, suas possibilidades e limites. Para a Psicomotricidade Relacional, no que tange ao desenvolvimento afetivo e emocional, o jogo permite a expresso do imaginrio e da criatividade, dos sentimentos, das fantasias, dos desejos e dos conflitos conscientes e inconscientes (VIEIRA et al, 2005, p.50); - Agressividade: Sendo um componente afetivo do homem, a agressividade reflete-se como forma primitiva de comunicao, provocao que impe uma resposta, podendo ser ferramenta para a afirmao pessoal. No desejo de dominao, a agressividade, especialmente da criana frente ao adulto, exige disciplina, no devendo, porm, confundir-se com poder. Em excesso, deve ser pontuada e limitada. Como componente relacional estruturante, quando canalizada e trabalhada pode levar a criana a afirmar sua identidade, ajudando-a a crescer satisfatoriamente. No entanto,

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quando reprimida leva introverso ou compulso, alm de poder eclodir (BUENO, 1998). Atitudes comuns agressividade, a proibio e a tolerncia esto em lados opostos do equilbrio da relao, visto que a proibio e a coerso funcionam como reforos do ato agressivo, se firmando como represso, situao de poder imposto e no reconhecido, resultando em punio. A tolerncia funciona como estmulo, visto que quem agride pode estar buscando revide, uma resposta (idem, 1998). Na psicomotricidade relacional, deve ser transferida ao plano simblico com o uso de materiais ldicos e sem perigo. Exemplos como lutas de desequilbrio com corda, ou a bola quando mordida ou esvaziada, simbolicamente podem ser uma manifestao da agressividade oral, representando, imaginariamente o desejo de machucar o outro (VIEIRA et al, 2005, p. 72); - Corporeidade: Acontece pela vivncia do corpo na relao com o outro e com o mundo, e se constri por meio dos movimentos, gradativamente, de forma individual e nas relaes com os outros, tanto a nvel psicolgico como libidinal. Representa o marco conceitual da Psicomotricidade Relacional, visto que diz respeito colocao do corpo na relao, que se d pela estruturao da imagem corporal, e que se revela atravs de aes, atitudes, palavras, entre outras manifestaes, considerando-se a sensibilidade afetiva, as emoes, os sentimentos e os impulsos (VIEIRA et al, 2005). Responsvel pela estruturao da noo do corpo - aquisio do esquema corporal e imagem corporal - aceitao, conhecimento e expresso por meio da vivncia corporal, que favorecer sua evoluo e expresso psicomotora (BUENO, 1998, p.80). Pela corporeidade, a ao do outro e a ao da criana so uma nica ao, uma vez que a imagem do corpo depende, compreende e se completa na imagem do Outro, e depende da qualidade e quantidade das relaes (objetos e corpo), pelo cunho sensrio-motor.

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Ao que expressa a inteno, permite o apreender, reconhecer e construir a realidade do mundo, a realidade dos objetos e do espao (BUENO, 1998; LAPIERRE; AUCOUTURIER, 2004); - Limite: Muitas vezes, encontra-se associado disciplina, variando em seu contexto sciohistrico. Os limites ou normas que regem o convvio social devem fazer parte dos aprendizados, como: direitos e privilgios, deveres e responsabilidades, conduzindo a uma convivncia saudvel e harmoniosa. A liberdade, como idealizada pela sociedade, respeitando-se a idade e as condies de vida da criana, possibilita o correto desenvolvimento dos valores sociais e morais, resultantes do equilbrio entre o permitido e o proibido, visto que a autoridade se faz necessria para o equilbrio entre o proibido (limite) e o permitido, no devendo haver imposio. O limite subjetivo, interno, resultado de nossas sensaes, relativos essncia do sujeito, ou externo - produto de nossas relaes espaciais, temporais e contextuais, percebido pelo movimento. No se deve educar reprimindo as aes, na imobilidade e sem liberdade, no entanto sem limites, a educao torna-se ineficaz (BUENO, 1998; LEVY, 2007). A disciplina pode ser conseguida, quando: se firme, delicado e razovel. Deve existir controle e flexibilidade, organizao e respeito no trabalho em grupo, com responsabilidade, coerncia de atitudes, e dilogo. No entanto, no se deve confundir disciplina com poder ou subordinao, visto que a disciplina excessiva pode levar submisso, bem como eclodir, podendo levar violncia. A educao, quando fora de princpios ou valores morais e sociais, leva s causas da falta de limites na educao das crianas, conforme nos afirma Siqueira Neto (2007) -

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preciso arregaar as mangas e assumir o papel de orientador, de guia, de educador. Comear, antes tarde do que nunca a se envolver neste processo importante e determinador da vida do ser humano. A educao e a autonomia com responsabilidade e respeito para com o outro, no contexto social, levam formao do sujeito em harmonia consigo mesmo e com os demais, conhecedor de seu papel na sociedade e responsvel por sua histria. Em nossa vida de relao, as aes so reflexos da personalidade em interao com a personalidade do outro. Tendo adquirido o equilbrio entre a integralizao motora e o comportamento psicomotor orientado pela dinmica das condutas relacionais, o SER COGNOSCENTE em construo se conduz pelo caminho psicopedaggico.

1.4 Psicopedagogia: objeto de estudo e retrospectiva de sua trajetria

A Psicopedagogia surgiu da necessidade de uma melhor compreenso do processo de aprendizagem. Ao querer explic-la, no se deve apenas defini-la como aplicao da Psicologia Pedagogia (BOSSA, 1994, p.05). A Psicopedagogia, segundo Scoz (1992, p.2), estuda e lida com o processo de aprendizagem e suas dificuldades e que, numa ao profissional, deve englobar vrios campos do conhecimento, integrando-os e sintetizando-os. Portanto, se constitui uma nova rea de atuao que, por sua interdisciplinaridade, (recorre a Medicina, Pedagogia, Psicologia, Psicanlise, Lingstica, Fonoaudiologia, Sociologia, entre outros saberes), busca sistematizar um corpo terico prprio, com objeto de estudo definido e delimitado campo de atuao. Segundo Kiguel citado por BOSSA (1994, p. 07), temos:

[...] his