paulo roberto silva a prostituta e o reino dos céus · durante seus sete anos de formação, era a...
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A Prostituta e o Reino dos Céus
Revisão: Paulo Roberto Silva
Ilustração da Capa: Cadu Silva
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Silva, Paulo Roberto
A prostituta e o reino dos céus / Paulo Roberto Silva. -- São
Paulo : PerSe, 2015.
ISBN 978-85-464-0084-3
1. Ficção religiosa I. Título.
15-09268 CDD-869.930382
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção religiosa : Literatura brasileira
869.930382
Todos os direitos desta edição reservados ao autor
Publicado em São Paulo, em 2015
"Em verdade vos digo que as prostitutas e os cobradores
de impostos vos precedem no Reino dos Céus" (Mateus
21,11)
“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada
por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma
pelo fechamento e a comodidade de
se agarrar às próprias seguranças. ”
(Papa Francisco, Evangelii Gaudium)
Paulo Roberto Silva ___________________________________ 1
Agradecimentos
Este livro é um projeto que aconteceu graças ao
apoio de muita gente. Alguns diretos, outros nem
tanto. O padre Cleiton Silva, lá de Roma, e Daniel
Lopes, editor da revista online Amálgama, foram os
primeiros a saber deste projeto, e incentivaram que
eu continuasse. Vinícius Justo, Daniel Rezende
Ribeiro e André Lachini leram o manuscrito e
pediram que prosseguisse. Cadu Silva, meu irmão,
transformou em imagem o polêmico retábulo da
igreja de Jesus Bom Pastor, e que se tornou a capa
deste livro. Por fim, minha esposa Ana Paula e
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meus filhos Giovana e João Pedro tiveram toda a
paciência do mundo nas horas que eu esqueci de
tudo para escrever de forma alucinada. A eles
dedico este texto.
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Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança envolvendo fatos,
lugares e personagens é mera coincidência. A única exceção são as
menções a homilias, discursos e declarações do papa Bento XVI,
que foram obtidas de fontes oficiais e pesquisas na imprensa.
Paulo Roberto Silva ___________________________________ 7
- Afinal, por que cada um de vocês decidiu ser
padre? Você primeiro.
- Eu estava em meio a um louvor forte, quando
senti a presença de Deus em mim e que Ele queria
que eu entregasse toda minha vida.
Padre Tomás ouvia aquela conversa em um
misto de descrença e preocupação. Era o primeiro
dia do propedêutico, o primeiro ano do seminário, e
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o reitor queria conhecer aqueles que acompanharia
nos anos seguintes.
Descrença porque não acreditava em vocações
emotivas demais. Como reitor, já tinha ouvido
várias histórias iguais, especialmente depois que as
vocações começaram a surgir em meio aos grupos
de oração da Renovação Carismática. Os
seminaristas eram cada vez mais cheios de uma
piedade exagerada, que não sobreviveria a três anos
de Filosofia. E aí residia sua preocupação.
A vocação de padre Tomás não era nada
emotiva. Pelo contrário, era racional demais. No
final do ensino médio, era uma promessa na carreira
de engenheiro ou físico. Contudo, ao ler o Livro da
Vida de Santa Teresa de Ávila, descobriu uma
verdade que lhe fez sentido. Decidiu, "porque lhe
deu na telha", como diz um santo contemporâneo,
e trocou a engenharia pelo seminário.
Durante seus sete anos de formação, era a
principal aposta dos formadores para a desistência.
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Quebraram a cara. Para trás ficaram os que se
empolgavam com o catolicismo político das CEBs e
os emotivos da RCC. Quanto a ele, Tomás como o
apóstolo incrédulo e o teólogo vigoroso, seguia em
frente. Percebia de forma irracional que Deus
queria-lhe algo mais do que o sacerdócio. E isso
fazia sentido.
♣
- Desculpa, mas Maria não é nome de puta. Aqui
vamos ter que lhe arranjar outro.
Dito desta forma, sem rodeios bem eufemismos,
o dito deu a Maria um choque de realidade. Após
uma série de decisões tomadas, estava frente a
frente com o gerente da casa noturna que a
contrataria. O nome do local não poderia ser mais
adequado: Escândalo.
Agora não haveria mais passo atrás. Teve muitas
chances para desistir, e não o fez. Seguiu em frente
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quando sua colega de ensino médio, cujo nome de
catálogo era Talita Nunes, a convidou para ser
dançarina na boate.
- O salário é ruim, mas o extra é bom e a gente se
diverte.
O extra era pago por clientes que queriam mais
do que uma dança nua no palco. Maria sabia do que
se tratava. Tanto que poderia ter desistido da
amizade de Talita, quando seus pais lhe disseram
que a moça era de vida fácil.
Maria também poderia ter faltado à entrevista. A
boate Escândalo não ficaria sem garotas. Quando
chegou, havia dez meninas na frente. Teve a
impressão de ter reconhecido uma delas como uma
testemunha de Jeová que batia nas portas do bairro.
Não era possível, talvez fossem muito parecidas.
Também poderia ter desistido de deixar a casa
dos pais para ir morar com a amiga Talita. Mas não
desistiu em nenhum momento, porque era
exatamente aquilo que queria.
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Seus pais eram rigorosos, de um rigor moral sem
fé e sem religião. Dos dez mandamentos restava
apenas uma interpretação peculiarmente dura da
restrição à castidade. Antes de entrar na boate
Escândalo aquela tarde, só havia feito sexo uma vez,
com um namoradinho de colégio. Quando o pai
descobriu, surrou-a até deixar marcas.
- Não criei filha para virar puta.
Duas coisas a levaram à boate: a raiva do pai e o
gosto pelo sexo. Esperou até o dia seguinte ao
aniversário de 18 anos para responder ao
entrevistador da Escândalo:
- Tudo bem. Que tal Pérola Martins?
♣
O dia da abertura do ano propedêutico coincidia
na Diocese com a reunião mensal do clero. Por isso
padre Tomás almoçou rapidamente no seminário e
dirigiu-se à Cúria Diocesana.