paulo freire como precursor do diálogo no ciclo um do ensino fundamental

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UNIVERSIDADE PAULISTA MARIA SILVANIA GUILHERME DE MORAIS R.A: A71029-9 RENATA DE OLIVEIRA MENEZES R.A.: A6824G 2 PAULO FREIRE COMO PRECURSOR DO DIÁLOGO NO CICLO UM DO ENSINO FUNDAMENTAL SÃO JOSÉ DO RIO PRETO 2012

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UNIVERSIDADE PAULISTA

MARIA SILVANIA GUILHERME DE MORAIS R.A: A71029-9

RENATA DE OLIVEIRA MENEZES R.A.: A6824G – 2

PAULO FREIRE COMO PRECURSOR DO DIÁLOGO NO CICLO UM DO ENSINO

FUNDAMENTAL

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

2012

MARIA SILVANIA GUILHERME DE MORAIS R.A: A71029-9

RENATA DE OLIVEIRA MENEZES R.A.: A6824G – 2

PAULO FREIRE COMO PRECURSOR DO DIÁLOGO NO CICLO UM DO ENSINO FUNDAMENTAL

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

2012

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de graduação em Pedagogia apresentado à Universidade Paulista – UNIP.

Orientador (a): Prof. Esp. Eliane Chainça

Co-orientador: Prof.Ms. Rui Pérsio Kinouchi

MARIA SILVANIA GUILHERME DE MORAIS R.A: A71029-9

RENATA DE OLIVEIRA MENEZES R.A.: A6824G – 2

PAULO FREIRE COMO PRECURSOR DO DIÁLOGO NO CICLO UM DO ENSINO FUNDAMENTAL

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

_____________________03/12/2012

Profº Artur Ribeiro Cruz_______________________ Universidade Paulista – UNIP

_____________________03/12/2012

Profº Eliane Chainça_________________________

Universidade Paulista – UNIP

_____________________03/12/2012

Profº Iná Cristina Scarcelli Lucianelli_____________

Universidade Paulista – UNIP

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de graduação em Pedagogia apresentado à Universidade Paulista – UNIP.

DEDICATÓRIA

Dedicamos este trabalho ao nosso professor, Rui Pércio Kinouchi, pelas

instruções, conselhos e ensinamentos que impulsionaram esta construção.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à nossa família que nos apoiou do começo ao final do processo

de pesquisa, escrita e entrega, sendo um suporte importante por trazer calma em

momentos difíceis, além do auxílio ao ler e revisar cada capítulo junto a nós.

Não podemos deixar de agradecer aos nossos professores pelas indicações

de leitura e ajuda quanto a livros e sites de pesquisas, e, principalmente por ter

acreditado em nossa pesquisa. Entre estes professores, agradecemos

especialmente à Eliane Chainça, pelas orientações que mantiveram este trabalho no

caminho certo, colaborando para sua eficiência.

RESUMO

Paulo Freire, educador que mudou o rumo da educação de jovens e adultos,

criou uma pedagogia visando à conscientização e autonomia dos educandos. Sendo

o objetivo deste trabalho analisar diálogos reais em sala de aula repensando a

pedagogia de Paulo Freire para a educação de crianças, destacando o diálogo como

fundamental à construção de sujeitos autônomos e focando no primeiro ciclo do

ensino fundamental, 1º a 3º ano. A pesquisa consistiu-se em três momentos: o

estudo e aprofundamento do ideal de educação para Freire; a busca em suas obras

por momentos nos quais discursou sobre a educação de crianças; e, por fim,

examinamos artigos acadêmicos que relatavam diálogos observados em sala de

aula do 1º ao 3º ano do ensino fundamental. Constatamos que é possível trabalhar

com o diálogo nas salas de aulas do primeiro ciclo do ensino fundamental e

estimular a conscientização e autonomia em crianças, mas sua eficiência depende

das ações do educador em sala e sua preparação para lidar com as necessidades

dos educandos.

Palavras-chave:Educação da infância,Educador,Conscientização.

ABSTRACT

Paulo Freire, an educator who changed the path of youth and adults

education, created a pedagogy focused on the awareness and independence of the

learners. The goal being analysis of real dialogues in the classroom rethinking Paulo

Freire’s pedagogy for the education of children highlighting the building of

autonomous subjects and focusing on the first cycle of the elementary education,

from the 1st to the 3rd year, the research consists of three moments: the study and

intensifying of the ideal education for Paulo Freire; the search in his writings for

moments in which he has spoken about children’s education; and at last we

examined academic articles that meant dialogues observed in classrooms of 1st to

3rd years of the elementary school. As a conclusion, it was found that it is possible to

work with dialogues in classrooms of the first cycle of the elementary school and also

to stimulate the awareness and independence in children, but its efficiency depends

on the actions of the educators in the classroom and their readiness to deal with the

needs of the learners.

Keywords:Keywords: Youth Education, Educator, Awareness.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 09

2. REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................... 11

2.1 PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO PARA CONSCIENTIZAÇÃO ............. 11 2.1.1 Quem foi Paulo Freire? ........................................................................... 11 2.1.2 Sobre a EJA ............................................................................................ 13 2.1.3 Paulo Freire e a conscientização ............................................................ 14 2.1.4 Conscientização e educação ................................................................... 15 2.1.5 Conscientização e alfabetização ............................................................. 17 2.1.6 Conscientização e diálogo ....................................................................... 18 2.1.7 Paulo Freire e a educação de crianças ................................................... 19 2.2 MÉTODO PAULO FREIRE E O DIÁLOGO NA RELAÇÃO EDUCADOR – EDUCANDO ..................................................................................................... 21 2.2.1 A escola democrática .............................................................................. 21 2.2.2 O método ................................................................................................. 22 2.2.3 Consequência do diálogo: autonomia como pensar crítico ..................... 23 2.2.4 O diálogo em sala de aula ....................................................................... 25 2.2.5 O papel do educador ............................................................................... 26 2.2.6 A realidade do educando e sua curiosidade ............................................ 28 2.2.7 A curiosidade como princípio do diálogo em sala de aula ....................... 30 3. ANÁLISE DE DIÁLOGOS NA EDUCAÇÃO ATUAL ................................... 33 3.1 Cena da higiene ......................................................................................... 33 3.2 Cena da tartaruga ...................................................................................... 36 3.3 Cena da imaginação .................................................................................. 38 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 42 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 44

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1. INTRODUÇÃO

Utilizar o diálogo em sala de aula, fundamentado na teoria educacional de

Paulo Freire, pode proporcionar melhorias quanto ao interesse do educando nos

conteúdos escolares, referentes aos anos iniciais do ensino fundamental.

Dependendo das ações do professor em sala de aula, a pedagogia de Paulo

Freire pode ser praticada nos anos iniciais do ensino fundamental, sendo uma

decisão do professor escolher entre a educação tradicional, de transferência de

conteúdos para educandos – na qual o ideal de Freire seria descartado – ou a

educação dialógica, baseada na perspectiva freiriana, na qual o diálogo, a

curiosidade e a problematização dos conhecimentos já adquiridos social e

culturalmente são essenciais para a formação de sujeitos autônomos.

O objetivo deste trabalho pretende, a partir do estudo das obras de Paulo

Freire, avaliar diálogos observados em sala de aula visando o desenvolvimento da

autonomia e a conscientização do ser como sujeito histórico, sem ignorar a

aquisição de conteúdos escolares. Ou seja, trabalhar os conteúdos do currículo

escolar a partir da reflexão e da criticidade.

Embora a proposta freiriana estivesse voltada à educação de trabalhadores,

portanto predominantemente focada em jovens e adultos, acreditamos que a

capacidade de dizer sua palavra e de produzir seu próprio conhecimento não

deveria ser motivo de preocupações somente na educação de jovens e adultos, pois

crianças e adolescentes possuem a curiosidade em entender a sociedade e cultura

ao seu redor e são, também, seres históricos “(...) capazes de saber, de saber que

sabem, de saber que não sabem. De saber melhor o que já sabem, de saber o que

ainda não sabem” (FREIRE, 2000, p.40).

Procurou-se nas obras de Freire indícios de sua concepção de infância e seu

ideal de educação para crianças para melhor compreender como sua pedagogia

pode ser introduzida nas escolas desde os anos iniciais do ensino fundamental.

Para isto pesquisou-se, em artigos acadêmicos, momentos nos quais o

educador estimula o educando a se interessar pelo conhecimento a partir do diálogo.

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Realizou-se a análise desses momentos, considerando a presença ou ausência do

diálogo proposto por Paulo Freire, e se há aproveitamento da curiosidade da criança

para o trabalho com os conteúdos escolares, estimulando a autonomia do educando.

O primeiro capítulo discursa sobre a história de Paulo Freire, seus

pensamentos sobre a escola, sua importância para a educação de jovens e adultos

e expõe as diferenças entre educar crianças e adultos.

O segundo capítulo é centralizado nas ideias de Paulo Freire que poderão ser

utilizadas na educação de crianças, como o diálogo, a curiosidade e a autonomia,

além do enfoque sobre a escola democrática, a metodologia criada por Paulo Freire

e a sua concepção de educador.

O terceiro capítulo exibe a pesquisa realizada referente aos diálogos em sala

de 1º ao 3º ano do ensino fundamental em artigos acadêmicos e sua análise

referente à educação proposta por Paulo Freire.

Enfim, este trabalho bibliográfico objetiva ser um aporte teórico e reflexivo

para subsidiar educadores que tenham como intuito formar crianças autônomas,

ativas e críticas que possam, no presente e no porvir, contribuir para a construção

de uma sociedade mais justa e igualitária.

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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO PARA A CONSCIENTIZAÇÃO

Um dos pilares da proposta de educação implementada por Paulo Freire foi o

de que o ato de educar pode ser uma via para a conscientização, ou seja, para que

o homem apreenda a sua realidade objetiva, tomando consciência da mesma e

posicionando-se como um sujeito diante dela, com vistas à sua transformação.

2.1.1 Quem foi Paulo Freire?

O Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisas expõe, detalhadamente, a vida

de Paulo Reglus Neves Freire, nascido em Recife em 1921.

Freire superou as dificuldades pelas quais sua família e comunidade

passavam quando mudou, em 1929, para Jaboatão dos Guararapes, e, aos 20 anos

de idade iniciou o curso pré-juridico, aprimorando suas leituras, sendo introduzido

aos estudos de Filosofia e Psicologia da Linguagem enquanto tornava-se professor

ginasial de língua portuguesa.

Porém, foi seu casamento aos 23 anos, com Elza Freire, também educadora,

e a vinda de seus cinco filhos, que o incentivou a preocupar-se com os problemas

educacionais e focar seus estudos em Educação, Filosofia e Sociologia da

Educação.

O interesse de Freire com a educação de jovens e adultos iniciou-se quando

aceitou seu emprego como diretor do Departamento de Educação e de Cultura do

SESI, em Pernambuco onde teve contato principalmente com trabalhadores da

indústria e depois, como Superintendente de 1946 a 1954, fez as primeiras

experiências que o conduziu ao seu método.

O golpe de Estado de 1964 interrompeu o trabalho realizado por Freire sobre

a educação de adultos e da cultura popular e o levou à prisão por setenta dias. Entre

setembro de 1964 e junho de 1980, Paulo Freire viveu exilado. Ele relatou:

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O que aparecia muito claramente em toda esta experiência, de que saí sem

ódio nem desesperação, era que uma onda ameaçadora de irracionalismo

se estendia sobre nós: forma ou distorção patológica da consciência

ingênua, perigosa ao extremo por causa da falta de amor que a alimenta,

por causa da mística que a anima.(PAULO FREIRE, 1979, p. 16):

Primeiramente foi para Bolívia, como conta o Centro Paulo Freire de Estudos

e Pesquisas, com um contrato para trabalhar no Departamento do Ministério da

Educação da Bolívia, focando-se na educação primária e de adultos. Em seguida,

mudou-se para Santiago do Chile onde escreveu seu primeiro livro, a ser publicado

comercialmente: Educação como prática da liberdade.

Em seus próximos dez anos, Paulo Freire mudou-se para Genebra e viajou

pelo mundo visitando a Ásia, Oceania, América e a África, sendo reconhecido pela

história da educação como um cidadão do mundo e, a partir das experiências nestas

diversas culturas, aprimorou-se afetiva e intelectualmente, como escrito por ele

(FREIRE, 1992, p.35):

É difícil viver o exílio. Esperar a carta que se extraviou, e notícias do fato que não se deu. Esperar às vezes gente certa que chega, às vezes ir ao aeroporto simplesmente esperar, como se o verbo fosse intransitivo.

Nos anos 80 e 90, de acordo com o Centro Paulo Freire de Estudos e

Pesquisa, além de Freire realizar uma releitura do Brasil, o Brasil pode redescobrir

sua obra. Atualmente Freire é considerado o Patrono da educação brasileira,

comprovando a importância de sua pedagogia.

Em 1991, Paulo Freire criou o Instituto Paulo Freire (IPF), associação civil,

sem fins lucrativos, que objetiva continuar seu estudo, aprimorando e reinventando-

o. O IPF se denomina como uma “rede internacional que integra pessoas e

instituições distribuídas em mais de 90 países em todos os continentes”.

Nos anos 90, Freire retomou sua escrita e lançou um livro para maior

compreensão de sua pedagogia, Pedagogia da esperança (1992). Nos anos

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seguintes continuou a explicação de seu método em Cartas a Cristina (1994), À

sombra desta mangueira (1995), e Pedagogia da autonomia (2001).

Paulo Freire faleceu dia 2 de maio de 1997, aos 75 anos de idade e deixou,

como legado para a humanidade sua pedagogia para conscientização e libertação.

2.1.2 Sobre a EJA

Paulo Freire surge nos anos 60 para modificar o rumo da EJA – Educação de

Jovens e Adultos – ao focar sua teoria metodológica na alfabetização para a

conscientização, indo além dos conhecimentos técnicos. As novas campanhas

produzidas por educandos, intelectuais e católicos, auxiliados por grupos populares

e, às vezes pelo governo (direta ou indiretamente), visavam à aplicação do método

de Freire e à transformação da sociedade.

Em 1964, com o crescimento da metodologia freiriana, foi aprovado o Plano

Nacional de Alfabetização que programava disseminar atividades de alfabetização

orientadas pela proposta de Paulo Freire por todo Brasil.

Para Freire, a alfabetização de jovens e adultos deveria ter como objetivo

principal a conscientização da realidade para sua transformação, pois o que ocorria

nas aulas tradicionais era o inverso: objetivava o progresso de produção e da

economia do país através da alienação, formando simples trabalhadores.

A pedagogia de Freire envolvia o seu entendimento de educação e

sociedade, ou seja, o analfabetismo não é mais visto como causa da pobreza e

marginalização, mas sim como efeito das desigualdades sociais de uma sociedade

injusta e desigual. A alfabetização de jovens tem, portanto, objetivo de inserir os

indivíduos marginalizados na cultural social, tornando-os todos cidadãos igualitários.

Esta pedagogia mudou também, a relação entre educador e educandos.

Enquanto, anteriormente, o educando era compreendido como uma tábula rasa na

qual o professor depositaria conhecimentos, na ótica freiriana o educando é

considerado o sujeito de sua aprendizagem, com conhecimentos adquiridos por

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experiências vividas, os quais devem ser respeitados. O professor, agora deve saber

respeitar e aceitar a cultura do educando e transformar seus conhecimentos através

do diálogo, buscando sua conscientização.

2.1.3 Paulo Freire e a conscientização

Freire propôs a conscientização como ação de despir a realidade para

encontrar seus fenômenos e mitos e analisá-los a partir da dialética da ação-

reflexão. Esta dialética constitui-se como a forma de ser e/ou transformar o mundo

humano. A conscientização é, portanto, compromisso e consciência histórica: os

homens são os sujeitos que fazem e refazem o mundo.

Pode-se hoje, refazer essa realidade que, posteriormente, terá que ser

repensada e refeita – a nova realidade é objeto de reflexão crítica e aceitá-la como

finalizada “é uma atitude tão ingênua e reacionária como afirmar que a antiga

realidade é intocável.”. (FREIRE, 1979, p. 16).

Em Pedagogia do Oprimido (1978), Freire explica que a consciência do

mundo e a consciência de si - como ser histórico e cultural – desenvolvem-se

unidos, sendo uma consciência comprometida com a outra e evidenciando a relação

intrínseca entre conquistar o mundo e conhecer a si mesmo.

Paulo Freire deixa claro, em Conscientização (1979), a diferença da

conscientização espontânea ou ingênua, a que o individuo adquire ao experimentar

sua realidade, e a conscientização que propõe desenvolver nos estudantes, a qual

consiste no afastamento do sujeito da realidade, tomando-a como objeto de estudo e

tornando-se sujeito epistemológico (reflexivo para aquisição de conhecimentos),

desenvolvendo, criticamente sua consciência.

Por isto, quanto mais nos adentramos na realidade mais a desvelamos,

penetrando-se em sua essência para analisá-la. A conscientização não é estar

somente à frente do objeto, mas agir de dentro da práxis, da ação-reflexão, para

assim, constituir o modo de ser e de transformar o mundo dos homens.

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Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece. (FREIRE, 1979, p. 15).

A conscientização é fundamentada na relação consciência – mundo e, sendo

ação crítica do homem na e para a construção da história, não encontrará um fim.

Caso contrário, acreditando-se em um mundo feito, haverá nova submersão. Paulo

Freire defende que a conscientização atrai uma posição utópica perante o mundo,

sendo a utopia, “a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar

a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a

utopia é também um compromisso histórico.” (FREIRE, 1979, p. 16).

2.1.4 Conscientização e educação

Trazendo esta concepção de conscientização para a educação, o processo

de alfabetização pode ser realizado visando à alienação dos homens ou a sua

libertação. No primeiro caso é necessário formar uma consciência limitada, no

segundo, não há limitações, diferenciando os dois processos como desumano e

humanizador, respectivamente.

Mas, por que os homens precisam ser libertados? Paulo Freire discorda da

relação opressor-oprimido existente até os dias atuais e nos conta, em seu livro

Pedagogia do Oprimido (1978) e Conscientização (1979), sobre a mistificação da

realidade que será transmitida aos oprimidos, para continuidade da classe

dominante no poder e, consequentemente, continuidade das injustiças e

desigualdades sociais. Freire opta pela educação que irá desmascarar esta

mistificação e conceber a realização do trabalho do ser humano como: “a

transformação permanente da realidade para a libertação dos homens.”. (FREIRE,

1979, p. 16).

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Paulo Freire nomeia essa prática mistificante como educação bancária,

criticando-a por ela envolver a relação educador-educando sem diálogo e o adquirir

conhecimentos através da transmissão e memorização – sem reflexão ou ação. A

educação bancária isola o homem do mundo, ocultando a forma que o homem está

inserido neste mundo e a compreensão de que o homem pode transformar sua

realidade.

A concepção defendida por ele é denominada problematizadora e objetiva a

prática consciente para a liberdade da classe oprimida, sendo a relação educador-

educando fundamentada no diálogo, com troca de idéias e o conhecimento sendo

adquirido a partir da reflexão crítica da realidade do educando e da ação para sua

transformação. É necessária, para tanto, a emersão da consciência já formada do

educando, pela mistificação, para resultar em sua imersão crítica na sua realidade,

sociedade e cultura.

A problematização nasce da consciência que os homens adquirem de si mesmos que sabem pouco a seu próprio respeito. Esse pouco saber faz com que os homens se transformem e se ponham a si mesmos como problemas. (JORGE apud FEITOSA, 1999, p. 06).

2.1.5 Conscientização e alfabetização

Freire cita a concepção crítica de analfabetismo, compreendendo-o como

exemplo de uma realidade social injusta, sendo um problema político que envolve e

influência na ação pedagógica e metodológica do educador.

A pedagogia freiriana se importa com a capacidade do indivíduo em dizer a

palavra e transformar o mundo. Mas como conseguir que o indivíduo se interesse e

se conscientize sobre sua realidade?

Paulo Freire explica que a relação professor-educando não deve ser de expor

sua visão de mundo, mas dialogar com os educando sobre a visão de cada um. A

linguagem utilizada pelo professor deve sintonizar com a realidade dos educandos,

conscientizando-os e não alienando-os. A linguagem é inexistente sem a

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capacidade de pensar, e os dois, linguagem e pensamento, são inexistentes sem a

realidade na qual estão inseridos. O professor, portanto deve buscar conhecer as

condições do mundo vivido pelos educando para que haja uma comunicação eficaz

e a formulação do conteúdo programático.

Mais que escrever e ler que "a asa é da ave", os alfabetizandos necessitam perceber a necessidade de outro aprendizado: o de "escrever" a sua vida, o de "ler" a sua realidade, o que não será possível se não tomam a história nas mãos para, fazendo-a, por ela serem feitos e refeitos. (FREIRE, 1981, p. 13).

Em Pedagogia do Oprimido (1978), Freire cita que o sentido mais exato da

alfabetização é fazer o educando aprender a escrever sua vida, como autor e

testemunha, ou seja, biografar-se e historicizar-se. Por essa concepção, o método

criado por Paulo Freire busca a conquista, através da historicidade do homem por

sua humanização. Esta conquista, portanto, participa da ambiguidade da condição

humana e dialoga com as contradições históricas.

A pedagogia, portanto, se faz antropologia ao projetar a conquista da

humanização na “contínua recriação de um mundo que, ao mesmo tempo,

obstaculiza e provoca o esforço de superação libertadora da consciência humana”.

(FREIRE, 1981, p. 05).

2.1.6 Conscientização e diálogo

Para Paulo Freire o diálogo é o movimento de construção da consciência do

mundo e de si, como diz Ernani Maria Fiori em Pedagogia do Oprimido (1981). A

busca da consciência no mundo comum é se comunicar como os outros, é afastar-

se de um mesmo mundo, admirá-lo e discutir sobre ele. O diálogo é, portanto, a

própria historicização e humanização.

O mundo da consciência não se constrói na contemplação, mas no trabalho

reflexivo, crítico e dialógico, sendo elaboração humana. Expressar o mundo é

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elaborar o mundo, e comunicar é colaborar, pois o homem só se expressa de forma

eficaz quando colabora na construção do mundo; “só se humaniza no processo

dialógico de humanização do mundo” (FIORI, 1967, apud FREIRE, 1981, p. 13).

O diálogo expressa e arquiteta o mundo em comunicação e colaboração.

Para tanto é necessário haver o reconhecimento do outro e reconhecimento de si

mesmo no outro, para haver a decisão e o compromisso de cooperar na construção

do mundo comum, pois havendo a humanização dos homens, há a humanização do

mundo.

Por tudo isso é que defendemos o processo revolucionário como ação

dialógica que se prolongue em ‘revolução cultural’ (...). E, em ambas, o

esforço sério e profundo da conscientização, com que os homens, através

de uma práxis verdadeira, superem o estado de objetos, como dominados,

e assumem o de sujeito da História. (FREIRE, 1981, p. 187).

2.1.7 Paulo Freire sobre a educação de crianças

Sabe-se que o pensamento de Paulo Freire quanto à conscientização tem um

enfoque na educação de jovens e adultos, mas devido à sua abrangência e

importância, pode ser ampliado para a educação como um todo, sobretudo a de

crianças. O processo de conscientização dos educandos, o caráter dialógico, a

formação da autonomia são pilares necessários a qualquer processo educativo que

vislumbre a educação transformadora.

Álvaro Vieira Pinto em sua obra Sete Lições sobre Educação de Adultos

(2003), nos explica que a educação é inerente à sociedade e presente durante toda

vida dos indivíduos. O que muda durante o tempo são os desafios que a sociedade

nos entrega, mudando de conteúdo e significado de acordo com o desenvolvimento

orgânico e psicológico do indivíduo, necessitando o indivíduo de diferentes

capacitações para superar o desafio.

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A educação de crianças, jovens e adultos quando na comunidade, não se

separa, pois convivem em um mesmo local, relacionando-se. Já a educação formal

e institucionalizada precisa considerar as fases de desenvolvimento do ser humano

e suas necessidades.

Questões pedagógicas como o conteúdo, o currículo e os métodos são

correspondentes a cada faixa etária e, portanto, diferentes para a educação de

crianças e para a EJA. A alfabetização do adulto é qualitativamente distinta do

ensino de crianças e sua reafirmação faz-se necessária pelo cuidado do educador

em não infantilizar o adulto, ou reduzir a criança ao adulto. Isto ocorre pela ausência

do conhecimento do caráter existencial da educação – a educação deve estar

relacionada ao desenvolvimento e necessidades do educando porém,esta diferença

é secundária.

O fator primário é a quantidade e a qualidade do acervo cultural e das

experiências acumuladas (a serem utilizadas em sala de aula) pela criança e pelo

adulto ao longo da vida e, principalmente, os “motivos, os interesses que a

sociedade como um todo,tem quando educa a criança ou o adulto” (PINTO, 2003,

p.72).

O interesse inicial da sociedade em educar jovens e adultos foi o de preparar

simples trabalhadores para atender as necessidades comerciais, aumentando a

produção e a economia do Brasil. O conteúdo, neste caso era a base para uma

conversa, entendimento de regras e operações diárias. Para Paulo Freire a

alfabetização deve ser focada na conscientização dos educandos para libertarem-se

da realidade limitada em que acreditam.

A educação para as crianças envolve a preocupação para que ela seja

inserida na sociedade a partir da compreensão das regras morais, éticas e sociais e

de conteúdos historicamente construídos.

Paulo Freire, diferentemente desta ideologia, almejava por “uma escola que,

plural nas suas atividades, criaria circunstâncias que provocassem novas

disposições mentais nos seus alunos.” (GUIMARÃES; FREIRE, 2011, p. 56), sendo

estes alunos da universidade, do ensino básico ou do primário.

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É a partir deste saber fundamental – mudar é difícil mas é possível – que vamos programar nossa ação político-pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é a alfabetização de adultos ou de crianças, se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão de obra técnica. (FREIRE, 2001, p. 77; grifo do autor).

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2.2 MÉTODO PAULO FREIRE E O DIÁLOGO NA RELAÇÃO EDUCADOR –

EDUCANDO

Os livros Pedagogia da Indignação (2000) e Partir da Infância – Diálogos

sobre educação (2011) e Pedagogia da Autonomia (2001) descrevem os focos na

metodologia de Paulo Freire que podem ser aplicados na prática de ensino de

crianças do primeiro ciclo do ensino fundamental: a curiosidade, para iniciar o

diálogo que aprimora o desenvolvimento da autonomia dos educandos e sendo

essencial para realização das etapas anteriores, a prática do educador como

estimulador e mediador do conteúdo.

Não importa com que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora. O nosso é um trabalho realizado com gente, miúda, jovem ou adulta, mas gente em permanente processo de busca. Gente formando-se, mudando, crescendo, reorientando-se, melhorando.” (FREIRE, 2001, p. 141).

2.2.1 A escola democrática

Paulo Freire em Partir da Infância (2011) questiona as posições passivas nos

educandos, sendo o ensino por meio do autoritarismo e da “transferência de um

conhecimento parado, como se fosse um pacote que se estende à criança, em lugar

de se convidar a criança a pensar e a aprender a aprender” (p. 54).

Ainda em Partir da Infância (2011) Freire cita trechos de sua tese Educação e

atualidade brasileira, publicada em 1958, explicitando que somente uma escola que

se foque no educando e em sua comunidade, inteirando-se de seus problemas,

conduzirá o educando a tornar-se íntimo dos problemas, buscando soluções pela

pesquisa no lugar da repetição de afirmações distantes de sua vida.

A influência da ideologia pós-moderna que “insiste em convencer-nos de que

nada podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a

virar quase natural” (FREIRE, 1992, p. 21), faz com que a prática educativa se

centralize na adaptação do educando para esta realidade imutável através do

estímulo à “imobilidade mental (...); esse quase gosto por não falar, por não

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perguntar, por não inquirir; como se perguntar, se duvidar, se buscar fossem

pecados capitais.” (GUIMARÃES; FREIRE, 2011, p. 56).

2.2.2 O método

O método de Paulo Freire, contradizendo a “imobilidade mental”, se excede

em amplitude de humanismo pedagógico; reproduz e manifesta o processo histórico

em que o homem se reconhece; necessita da compreensão do educando do método

como um projeto, sendo a conscientização, não somente conhecimento e opção,

mas um compromisso.

A pedagogia do oprimido terá dois momentos. O primeiro no qual os

educandos, oprimidos iniciam o desvelamento do mundo e o comprometer-se com a

práxis, com a transformação. O segundo, transformada a realidade opressora, a

pedagogia deixa de ser do oprimido e transforma-se em processo de libertação.

O professor Ernani Maria Fiori, sobre Paulo Freire, em Pedagogia do

Oprimido (1978), nos acrescenta:

Paulo Freire não inventou o homem; apenas pensa e pratica um método pedagógico que procura dar ao homem a oportunidade de redescobrir- se através da retomada reflexiva do próprio processo em que vai ele se descobrindo, manifestando e configurando – ‘método de conscientização’.

Para alfabetizar os educandos, o método do Paulo Freire propõe o uso de

palavras que tenham significados na realidade do aluno, que represente seu mundo

e seu comportamento, para gerar um universo vocabular.

A alfabetização não é um jogo de palavras, é a consciência reflexiva da cultura, a reconstrução crítica do mundo humano, a abertura de novos caminhos, o projeto histórico de um mundo comum, a bravura de dizer a sua palavra. (FIORI, 1967 apud FREIRE, 1981, p. 16).

P á g i n a | 23

O método Paulo Freire busca a conscientização e politização dos educandos,

absorvendo o político no pedagógico por não acreditar que a educação, sozinha, irá

transformar o rumo da história. Porém, a educação politizada, dita verdadeira,

conscientiza os educandos quanto às contradições do mundo humano, tornando a

acomodação insuportável pelo estímulo que esta educação dialógica proporciona ao

homem em ir adiante à busca pelo reencontrar-se, pelo ser livre.

2.2.3 Consequência do diálogo: autonomia como pensar crítico

Autonomia, neste trabalho, terá o significado compreendido de acordo com a

concepção da pedagogia de Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido (1981), ou

seja, autonomia compreenderá o pronunciar o mundo, o pensar crítico através da

educação como prática para a liberdade.

Para entendermos o que é pronunciar o mundo, precisamos também entender

que a palavra possuiu duas dimensões interligadas, a ação e a reflexão, e que, se

uma das dimensões é anulada, a outra se ressente, tornando a palavra mero

verbalismo. A palavra verdadeira é, portanto, práxis.

Dizer a palavra verdadeira consiste em, através da reflexão e da ação,

transformar o mundo. A existência humana, por Freire não pode ser silenciosa,

muda, mas deve “pronunciar o mundo, modificá-lo” (FREIRE, 1981, p. 92, grifo do

autor). Ao pronunciar o mundo, estou problematizando-o e começo a buscar um

novo pronunciar, uma nova maneira de ver o mundo.

Se ao dizer a palavra verdadeira, que é práxis, estamos transformando o

mundo, dizer a palavra verdadeira não pode ser um privilégio de poucos, mas um

direito de todos. Dizer a palavra verdadeira sozinho ou para os outros – e não com

os outros - é, necessariamente, roubar o direito do outro de conscientização de sua

realidade e transformação.

O diálogo nos cabe aqui por ser o encontro essencial dos homens para

pronunciar o mundo, desenrolando-se em um ato de criação e não em uma simples

troca, e sendo mediatizados pelo mundo, indo além desta relação eu-tu.

P á g i n a | 24

Sendo no pronunciar o mundo que os homens transformam o mundo e a si

mesmo, o diálogo é o caminho para a significação dos homens enquanto homens, o

diálogo é, portanto, uma “exigência existencial” (FREIRE, 1981, p.93). O depósito de

ideias, o puro consumo de ideias, nega o direito do outro ao diálogo e, portanto, a

refletir sobre o mundo, a transformá-lo e humanizá-lo.

O pensar crítico é fundamental para que haja o diálogo, pois é este pensar

que entende a realidade como um processo, como inconstante. O pensar crítico está

sempre em busca da humanização dos homens.

O pensar ingênuo acomoda-se na realidade, nega a temporalidade e

compreende a história como aquisição de experiências passadas, e necessita,

portanto, apenas de transmitir os conhecimentos adquiridos para as novas gerações,

sem haver a compreensão de que a realidade pode ser transformada. O diálogo é

que gera o pensar crítico e dele depende para sua continuação.

A educação para a liberdade envolve a humanização dos homens, a

consciência crítica de sua realidade (o saber dos motivos de assim ser e como

transformá-la) para desenvolver homens independentes no seu pensar e no seu

agir, ou seja, autônomos.

O importante, do ponto de vista de uma educação libertadora (...) é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo. (FREIRE, 1981, p. 141).

2.2.4O diálogo em sala de aula

O diálogo para Paulo Freire é a “essência da educação como prática da

liberdade” (GUIMARÃES; FREIRE, 2011, p. 16) por meio da problematização da

realidade dos educandos, na qual o educador os convida para desvendá-la,

transformando-os em sujeitos reflexivos e críticos.

O educador que vivencia o diálogo em torno dos conteúdos escolares e da

vida sabe o quão é válido esta ação no ato de ensinar e de formar um clima livre e

autônomo em sua sala de aula. (FREIRE, 1997, p. 59).

P á g i n a | 25

Paulo Freire em Partir da Infância (2011) explica que sua crítica às aulas

autoritárias não condiz com as aulas expositivas, podendo, nesta, haver a reflexão

crítica em torno do objeto e a ação dialógica.

A dialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos, em que o professor expõe ou fala do objeto. O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou

enquanto ouve” (FREIRE, 2001, p. 83, grifo do autor).

O papel do educador, independente do conteúdo a ser trabalhado, não é de

descrever com simplicidade o conteúdo para o educando. Seu papel é incitar o

educando a produzir sua compreensão do conteúdo a partir dos materiais que o

educador oferece. Sendo apropriada a inteligência do conteúdo pelo educando, se

possibilita o inicio da comunicação, do diálogo na sala de aula. (FREIRE, 2001, p.

116).

O educador deve, também, saber escutar os educandos, para aprender a

falar com eles, como explica Paulo Freire: “somente quem escuta pacientemente e

criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise falar a

ele.” (FREIRE, 2001, p. 111, grifo do autor). O “falar a ele” é a essência à relação

dialógica, pois é no decorrer da escuta da fala do outro que o questiono e formulo a

minha fala, iniciando o diálogo.

O escutar no sentido freiriano é estar disposto a parar sua fala, quando

concluído seu pensamento, para que o outro possa se expressar. É pela escuta,

como já dito, que há o preparo para melhor situar e explicar suas ideias e opiniões,

discursando sua posição com clareza.

O diálogo, após ou durante a exposição do conteúdo, é o que tornará a

aprendizagem significativa, pois ele evidencia que o conhecimento que o educando

possui é insuficiente, por ser baseado em experiências vividas e não pelo senso

comum, para explicar os fatos conhecidos, sendo necessária, uma nova busca para

a compressão do fato, como explica Freire em Pedagogia da Indignação (2000).

P á g i n a | 26

É na relação entre os sujeitos – educador e educando - e objeto que o

educando vai sendo disciplinado intelectualmente, havendo novamente duas saídas:

da memorização ou do aprender a aprender, que ocorre com o estímulo à

curiosidade pelo diálogo entre os sujeitos.

O educador é o responsável por disciplinar intelectualmente seus educandos

através de sua metodologia, sendo, por Freire, defendida a “disciplina criando-se, e

não recebendo-se. (...) A disciplina não se impõe, se parteja. E se parteja na relação

dialética, contraditória, entre autoridade e liberdade.” (GUIMARÃES; FREIRE, 2011,

p. 87).

É necessário haver o diálogo entre educador e educandos para que, além da

construção de uma sala de aula baseada em afeto, respeito e harmonia, os

educandos compreendam sua realidade, saibam reivindicar seus direitos e tornem-

se sujeitos autônomos.

2.2.5 O papel do educador

Compreendendo o querer de uma escola democrática, que visa à liberdade

do educando, Paulo Freire discursa sobre a atuação do professor para a realização

desse desejo, incluindo a transparência por sermos seres históricos e, portanto, a

nossa capacidade de conhecer e intervir no mundo. (FREIRE, 2001, p. 30).

Outro saber necessário para o educador com a mesma perspectiva

educacional de Freire é saber que ensinar é criar possibilidades para que o

educando crie suas próprias produções. É estar livre e preparado para

questionamentos, curiosidades, e para os bloqueios dos educandos; é ser crítico e

questionador junto com os educandos (FREIRE, 2001, p. 47); é respeitar a

autonomia do educando, sendo ele criança, jovem ou adulto.

A verdadeira dialogicidade, proposta por Paulo Freire, é aquela na qual

educador e educandos aprendem e crescem em suas diferenças, no respeito a elas,

tornando-se seres éticos.

P á g i n a | 27

No trabalho com crianças o educador deve estar atento quanto à passagem

do educando como paciente para educando como autônomo, por ser de

responsabilidade do educador o auxilio a esta mudança ou a perturbação e

estagnação.

O processo de ensinar e aprender precisa do trabalho metodicamente crítico

do educador objetivando a revelação do conteúdo e da dedicação crítica do

educando para se adentrar como sujeito da aprendizagem na qual o educador deve

incitá-lo.

Não é difícil compreender, assim, como uma de minhas tarefas centrais como educador progressista seja apoiar o educando para que ele mesmo vença suas dificuldades na compreensão ou na inteligência do objeto e para que sua curiosidade, compensada e gratificada pelo êxito da compreensão alcançada, seja mantida e, assim, estimulada a continuar a busca permanente que o processo de conhecer implica (FREIRE, 2001, p. 116).

O apoio ao desenvolvimento da curiosidade e da criticidade do educando

implica no respeito e estímulo à espontaneidade da criança.

Mas estou convencido, na minha prática, de que a espontaneidade, a imaginação livre, a expressividade de si e do mundo na criança; a inventividade, a capacidade de recriar o criado, para criar o ainda não criado, não podem, de um lado, ser negadas em nome da instalação de uma cega disciplina intelectual, nem, de outro, estar fora da própria constituição dessa disciplina (GUIMARÃES; FREIRE, 2011, p. 73).

É obrigação do educador, para Freire, provocar e tornar ativa a criticidade do

educando, incentivar sua espontaneidade, questionar seus conhecimentos, agitar

seus questionamentos e, juntos, estudar o conteúdo por meio da reflexão em sala de

aula.

P á g i n a | 28

2.2.6 A realidade do educando e sua curiosidade

Em Pedagogia da Indignação (2000) Freire define a curiosidade como um

elemento natural do ser humano, o agente do processo de conhecimento que é

estimulado a partir de experiências vividas, originando diferentes descobertas e

respostas.

O depreender da relação da curiosidade com as experiências vivenciadas põe a

importante discussão da relação da escola com a vida do educando fora da escola.

Paulo Freire critica a posição pacífica que as escolas primárias estimulam em

suas crianças pela ação do discurso autoritário do educador, pelo autoritarismo da

transferência de conhecimento que a limita quanto o desenvolvimento do seu

pensar, do aprender a aprender, transformando-a numa ouvinte dócil, e como já dito,

dando origem à “imobilidade mental do educando” (GUIMARÃES; FREIRE, 2011, p.

56).

Se, na vida, buscamos respostas para nossas dúvidas e curiosidades, podemos

utilizar a escola e seus conteúdos históricos para saciar e incentivar estas dúvidas.

Afinal, em Pedagogia da Autonomia (2001) Freire esclarece que, assim como

o conhecimento que adquirimos durante nossa vida, o conhecimento do mundo tem

historicidade e, ao ser produzido um novo conhecimento, o antigo é superado. Freire

define, a partir disto, “dois momentos do clico gnosiológico: o em que se ensina e se

aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do

conhecimento ainda não existente” (p. 30).

Para tanto é necessário o respeito do educador pela “leitura de mundo com

que o educando chega à escola, obviamente condicionado por sua cultura de classe

e revelado em sua linguagem, também de classe” (p. 119, grifo do autor).

A leitura do mundo é, de modo geral, a manifestação da inteligência do

mundo que está se constituindo cultural e socialmente e, de modo individual, revela

a assimilação da inteligência do mundo.

P á g i n a | 29

A função da escola é trabalhar criticamente a compreensão das coisas e dos

fatos através do raciocínio objetivo. Para que isto se realize, é fundamental desafiar

constantemente a curiosidade do educando. Além disso, é importante e

extremamente necessário que educando torne sujeito de seu aprendizado, “da

produção de sua inteligência no mundo” (FREIRE, 2001, p. 121). Manter o educando

com sua curiosidade ingênua é limitar sua capacidade de investigar, limitar suas

respostas e ignorar sua capacidade de potencializar seus conhecimentos.

Respeitar, portanto não é traduzido como concordar com a realidade ou se

acomodar a ela, mas sustentá-la como “ponto de partida para a compreensão do

papel da curiosidade, de modo geral, e da humana, de modo especial, como um dos

impulsos fundantes da produção do conhecimento” (p. 120, grifo do autor).

Ao respeitar a leitura de mundo do educando o educador deve ir além dela e

para isto deve esclarecer que a curiosidade é fundamental à compreensão lógica do

mundo, é histórica e se dá na história, se aperfeiçoando e se tornando

rigorosamente metodológica, fazendo descobertas cada vez mais exatas.

O professor deve não somente respeitar os saberes que os educandos

possuem, mas também discutir com eles a “razão de ser de alguns desses saberes

em relação com o ensino dos conteúdos” (FREIRE, 2001, p. 31).

Porque não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina (...)? Porque não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? (FREIRE, 2001, p. 32).

A curiosidade é, por Freire, uma “inquietação indagadora, (...) como pergunta

verbalizada ou não, como procura de esclarecimento” (p. 33), é também histórica e

socialmente construída e reconstruída, sendo obrigação do educador estimular o

desenvolvimento da curiosidade e evitar a permanência de dúvidas e de respostas

ingênuas.

A respeito disso Paulo Freire, em Partir da Infância (2011), afirma que os

conhecimentos que a criança adquiriu em sua vida é desconhecido pela escola e

P á g i n a | 30

que, quando se sabe da vida da criança, estes conhecimentos são ignorados e sem

significados.

Ainda em Partir da Infância (2011), Sérgio Guimarães indaga:

Desafio mesmo é o que se tem numa sala de aula de periferia, de cidade ou interior ou de escola isolada, quase sem recursos, só com pedrinhas, grãos de milho, de feijão, ou latinhas, tampinhas de garrafa, palitos de sorvete. Como é que o professor primário pode, aí, fazer um bom trabalho? (GUIMARÃES, FREIRE, 2011, pg. 67).

E Paulo Freire responde que “seria a partir exatamente da brincadeira delas

(crianças) com esses pedaços de coisas e com essas coisas que elas poderiam

compreender a razão de ser das próprias coisas” (p. 67).

Não obstante, em Pedagogia da Indignação (2000), Freire faz uma relevante

observação: “a educação não pode estar alheia às condições do tempo-espaço em

que se dá” (p. 42).

2.2.7 A curiosidade como princípio do diálogo em sala de aula

Retomando a leitura do livro Partir da Infância (2011), reparamos que Paulo

Freire considera que o encargo do educador quanto à curiosidade do educando é

interromper a tentativa de emoldurar a criança em sua concepção de ordem,

interrompendo, também, o prejuízo que pode causar a curiosidade do educando no

ato de conhecer. Contrária a esta atitude o educador deve exercitar a curiosidade

para desvendar o conhecimento, gerando mais condições de produzir “caminhos de

buscas e de apreensão do objeto” (p. 103).

“O papel do educador é o de aguçar a curiosidade” (GUIMARÃES; FREIRE,

2011, p. 104).

O educador é obrigado a esperar e respeitar que a curiosidade de seus

educandos alcance um sentido, se evidencie e o leve a descobrir respostas e

soluções a serem explicitadas por meio de gestos e palavras.

P á g i n a | 31

O estímulo da curiosidade envolve o apoio que o educador cede ao direito de

questionar do educando transformando a aula expositiva em aula dialógica na qual

“o conhecimento não se transfere; se sabe, se cria, se conhece, se recria

curiosamente” (GUIMARÃES; FREIRE, 2011, p. 103) e tornando o conhecimento o

centro da aprendizagem, sendo educador e educandos mediatizados por ele.

Paulo Freire fornece, em Pedagogia da Autonomia (2001), exemplos de

atividade para estimular a curiosidade, levando o diálogo para sala de aula através

de experiências vivenciadas fora da escola: os educandos, em um final de semana,

anotam curiosidades mais marcantes sobre qualquer situação que tenha vivenciado

- noticiários, videogames, conversas, gestos – e o que aconteceu com essa

curiosidade, se foi superada, se trouxe outras e novas dúvidas, se consultou fontes e

questionou outros para obter uma resposta e, finalmente, se a curiosidade

proporcionou algum conhecimento.

O estimulo a curiosidade é essencial para que o educando aprenda a

aprender, a estudar, a partir da criação de métodos para buscar seu próprio

conhecimento através das respostas que estes estímulos causam de convocar a

“imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar” (p.

53).

O educador que compreende a curiosidade como agente motivador, que

inquieta e insere o curioso na busca, sabe que, sem ela, não há ensino ou

aprendizagem. O bom educador é aquele que, enquanto fala consegue guiar o

educando até a intimidade do processo de seu pensamento, incentivando um

diálogo e reflexão interna no educando, fugindo do processo de memorização do

conhecimento e tornando sua aula um desafio.

Para Freire o educador possui duas opções quanto ao que fazer com a

curiosidade do educando. A primeira envolve a domesticação da curiosidade para o

alcance da memorização, não havendo o aprendizado significativo. A segunda

opção é baseado no exercício de desenvolver a capacidade crítica do educando ao

“tomar distância do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de "cercar" o

objeto ou fazer sua aproximação metódica, (ao ser capaz de) comparar, de

perguntar” (p. 52), dialogar e refletir para ocorrer à construção do conhecimento.

P á g i n a | 32

O educando, quando paciente da transferência do conteúdo faz a

memorização do objeto e não possui, portanto, o verdadeiro aprendizado para o qual

é necessária a sua participação na construção do seu conhecimento, estimulando

sua criticidade e curiosidade.

Mulheres e homens (...) nos tornamos capazes de apreender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora algo, por isso mesmo, muito mais rico do que repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar (...) (FREIRE, 2001, p. 68; grifos do autor).

Sendo a segunda opção o ideal para Paulo Freire, é de incumbência do

educador estimular e questionar os educandos, encorajando a reflexão sobre a suas

próprias perguntas, a partir de uma relação aberta, curiosa e principalmente

dialógica que se criará em sala de aula.

P á g i n a | 33

3. ANÁLISE DE DIÁLOGOS NA EDUCAÇÃO ATUAL

Neste terceiro capítulo optamos por avaliar diálogos observados em salas de

aulas e registrados em monografias e artigos. Optamos pela busca de diálogos em

trabalhos acadêmicos pela maior probabilidade de adquirir diálogos que não fiquem

somente na simples troca, mas que envolva conteúdos a serem trabalhados nas

escolas e pela maior chance de encontrar diálogos a serem avaliados positivamente,

auxiliando os leitores, principalmente os professores, a compreenderem as

estratégias usadas para a aplicação do diálogo no dia a dia da sala de aula.

Os principais pontos a serem observados nestes registros será o diálogo, se

houve uso da curiosidade, dúvidas e conhecimentos vividos fora da escola pelos

educandos.

3.1 Cena da higiene

Esta ocasião foi retirada do artigo “Aprendizagem da atenção: uma abertura à

invenção” (2008), escrito por Maria Helena De-Nardin e Regina OrglarSordi.

CENA DO “CORPO HUMANO”: O objetivo da professora, quando

propôs a atividade que se segue, era estudar hábitos de higiene.

Inicialmente, as crianças deveriam responder a pergunta “Para que a gente

usa...” (braço, pernas, mãos...). Nota-se que tal pergunta já pressupõe um

não saber infantil, mesmo tratando-se do uso do próprio corpo.

A professora, então, questionou:

Prof. – “O que a gente precisa fazer para ficar bem?

Ouviram-se as mais variadas respostas, tais como: “tomar cuidado”,

“não correr”, “comer”. Diante dos muitos ensaios-e-erros das crianças que

não responderam o que a professora esperava, ela deu-lhes uma pista:

“quarta-feira vocês me falaram direitinho o que eu preciso para ter um corpo

P á g i n a | 34

saudável. Eu preciso de hábitos. Que hábitos?” Finalmente JO “descobriu”

qual era a resposta esperada e falou “higiene”.

Repetindo a afirmação da menina, a professora elaborou outra

pergunta: “Quais são os hábitos de higiene necessários para manter o meu

corpo saudável?” Após um breve silêncio, RO respondeu:

RO – Comer.

Prof. – Comer é um hábito de higiene?

RE – Tomar banho.

E assim as crianças seguem enunciando hábitos de higiene, na

tentativa de “entregar” à professora a resposta certa.

Assim que a professora verbalizou o que desejava como resposta à

sua pergunta “Quais são os hábitos de higiene necessários para manter o

meu corpo saudável?”, percebeu-se que um silêncio invadiu a sala. RO,

revelando manter em suspensão aquilo que emergiu da sua experiência de

breakdown, repetiu o que havia sugerido: “comer”. Mas como pode “comer”

preencher os requisitos da pergunta?

Infelizmente, “comer” tanto quanto “correr” (atuações do corpo) não

têm nada a ver com os hábitos de higiene em que estava situada a atenção

da professora. RO manteve sua atenção distraída na pergunta anterior que

parece ter produzido algum efeito no menino. Embora a professora

desejasse ouvir algo alusivo aos hábitos de higiene, sua pergunta abria

possibilidades para pensar muitas outras coisas.

Como a sua atenção estava focalizada nas respostas que

preencheriam certos requisitos, a professora não conseguiu atender seus

alunos, não conseguiu escutá-los, não conseguiu descentrar-se e, por isso,

não acolheu o que diziam. Seu trabalho reduziu-se a uma troca de

informações que pretendia promover o encontro com respostas que

preenchessem os requisitos.

Nesta cena realizada com alunos do 1º ano do ensino fundamental, podemos

observar que houve a falta do diálogo como ato de problematização e criação do

conhecimento. O diálogo ocorrido foi uma simples troca de informações, havendo a

procura de uma única resposta certa para então, o conteúdo ter tido como adquirido.

P á g i n a | 35

Observa-se também que, apesar de atos de higiene e as respostas dos

alunos serem atos do dia a dia de todos, não houve a preocupação, pela professora,

em buscar os conhecimentos já adquiridos pelos educandos,como a própria autora

diz: “Nota-se que tal pergunta já pressupõe um não saber infantil, mesmo tratando-

se do uso do próprio corpo” (DE-NARDINI, SORD, 2008, p. 6).

Pelo ignorar as respostas como “comer”, “tomar banho”, “não correr”, a

educadora não respeitou a leitura do mundo dos educandos, e o que entenderam da

pergunta que ela havia feito. Seria importante se a educadora tivesse discutido,

primeiramente, o que é higienização ou utilizar das respostas das crianças para

chegar a onde desejava, como questionar ‘Podemos comer qualquer alimento?’,

chegando a um hábito de higiene: lavar os alimentos antes de comê-los.

Nesta aula não houve uma aquisição de conhecimentos, pois as respostas

dos educandos foram desconsideradas e o objetivo da educadora quanto ao ensinar

sobre higiene não foi cumprido.

A ação da educadora perante as respostas dos educandos poderia ter sido de

associação do que sabiam com o que ela pretendia, possibilitando a aprendizagem.

Inverso disto houve a permanência de dúvidas e, principalmente, de respostas

ingênuas e erradas para o conteúdo focado.

A falta de preparação para trazer os conhecimentos da realidade do

educando e relacioná-los com o conteúdo produzido inibe o educando a expor suas

hipóteses, certas ou erradas, para a sala de aula, desestimulando seu direito de

questionar, o expor seu pensar independente e sua autonomia.

O papel desta educadora, analisando pela concepção de Paulo Freire, foi de

inibição e desestímulo da espontaneidade do educando, estimulando a passividade

do educando pela não reflexão de suas respostas e por não ter conseguido finalizar

o conteúdo, não havendo crescimento pessoal ou social nesta atividade.

A educadora trabalhou de forma autoritária, objetivando a simples troca de

conhecimentos, estagnando a autonomia dos educandos.

A conscientização, portanto, continuou em seu nível espontâneo e ingênuo,

pois todas as respostas que os alunos ofereceram à educadora não foram ouvidas.

P á g i n a | 36

A educadora estava centrada a receber a resposta que procurava, e após tentativas,

desistiu, ignorando não somente o conteúdo que havia preparado para a aula, mas

também todas as respostas que os educandos encontraram para sua pergunta.

A autonomia não foi estimulada pela concentração da professora em ouvir

somente a resposta que desejava, ignorando as tentativas e hipóteses dos

educandos e a reflexão feita por eles para chegarem a tal conclusão. O pensar livre

foi sendo delimitado para que se chegasse à resposta desejada pela professora, o

que, pelo texto, vemos que não ocorreu.

3.2 Cena da tartaruga

Este episódio foi recolhido da dissertação de mestrado da Silvia Neli Falcão

Barbosa, de título Nas tramas do cotidiano: adultos e crianças construindo a

educação infantil (2004).

Na turma B, um menino trouxe uma tartaruga como novidade...a

professora decidiu mudar seu planejamento a partir do interesse das

crianças... ... pergunta o que a tartaruga come, como ela anda, etc, e as

crianças vão falando. Depois diz: vamos comparar a tartaruga com a gente.

Tartaruga vai no banheiro? As crianças respondem não. Por quê? Porque

ela é pequena... porque que ela não sabe ir... A professora diz é porque as

crianças são animais que pensam e a tartaruga não pensa... Depois da

tartaruga ser explorada para trabalhar igual-diferente, mole-duro, liso-ápero,

etc... a professora diz para eles perguntarem coisas diferentes. Um menino

quer saber se ela consegue ver televisão? - Claro! É a resposta eufórica das

crianças e do dono da tartaruga. A professora sorri, mas não encaminha a

questão, passa adiante. (DC: 13)

A educadora iniciou sua aula com um caminho interessante: aproveitou-se da

novidade trazida pelo educando para incitar a curiosidade de todos na sala através

de perguntas sobre os hábitos de vida da tartaruga, chegando a diferenciar a

tartaruga das crianças. O diálogo estava fazendo seu papel de ato de criação por

ter-se criado um problema, porém este caminho foi interrompido pela própria

educadora, transformando o diálogo em um curto bate-papo.

P á g i n a | 37

Assim como no diálogo, a educadora estava conseguindo fazer os educandos

pensarem por si, a procurar respostas pelo o que viviam e pelo o que viam, estavam

aprendendo a diferenciar tanto animais de seres humanos quanto o “mole-áspero,

liso-duro” (BARBOSA, 2004, p.16), por exemplo. Mas também não levou as

questões adiante, sendo o processo de estímulo à autonomia inconcluso.

As respostas das crianças mostram a sua conscientização espontânea que

estava para tornar-se epistemológica pela reflexão e compreensão de que tartaruga

e criança são diferentes e de que há texturas diferentes. Estas diferenciações foram

interrompidas, mas poderiam ter sido levadas a diante, ensinando os educando que

todos os animais são diferentes de seres humanos e envolvendo outros tipos de

texturas ou trabalhando em cima das citadas.

Apesar de a educadora ter trazido a realidade do educando para a sala e ter

chamado a atenção de todos os educandos para suas perguntas, ela não respeitou

a leitura de mundo das crianças ao entregar a resposta para sua pergunta sobre a

ida ao banheiro pelas tartarugas e, também, ao “sorri, mas não encaminha a

questão, passa adiante” (BARBOSA, 2004, p. 16).

Haveria, neste episódio, a oportunidade de relacionar os conhecimentos

respondidos pelos educandos e pela educadora com os diversos conteúdos dos

currículos escolares, incluso a diferenciação de animais racionais e irracionais, a

diferenciação de texturas e o ensino de animais marinhos e/ou terrestres.

Um erro da educadora, pela visão freiriana, foi deixar permanecer nos

educandos suas respostas ingênuas, igual a que foi dita quanto ao ser possível à

tartaruga assistir televisão. Poderia haver uma reflexão: as tartarugas assistem

televisão como nós? Compreendem as imagens e falas que assistem?

A pergunta do poder da tartaruga ver televisão foi feita por um educando,

exercendo seu direito de questionar, que foi brevemente respeitado e respondido por

uma colega, mas, logo em seguida, foi interrompido, não havendo retorno à sua

dúvida.

Inicialmente a educadora realizou seu papel ao incentivar a espontaneidade

dos educados ao permitir o diálogo sobre a tartaruga trazida, ao questionar os

conhecimentos que respondiam e refletir sobre os mesmos. Infelizmente esta

P á g i n a | 38

reflexão foi rápida, não havendo uma aprendizagem verdadeira referente aos

conteúdos que foram falados no diálogo.

A educadora mostrou-se preparada aos questionamentos e curiosidades dos

educandos por mudar seu plano de aula, incluir a tartaruga e não ignorando-a.

Porém também mostrou-se despreparada por não saber ter dado continuidade às

questões referentes à tartaruga, desestimulando os educandos a refletirem e a

questionarem, havendo uma estagnação da autonomia.

A postura da educadora não foi de autoritarismo, não visava à transferência

de conhecimentos e sua memorização. Ela soube excitar a curiosidade dos

educandos quanto ao que é a tartaruga, porém não houve produção de

conhecimentos, ao contrário, houve respostas que não foram aprofundadas, fugindo

do entendimento dos educandos quanto ao que é a tartaruga.

3.3 Cena da imaginação

Esse exemplo também foi retirado do artigo “Aprendizagem da atenção: uma

abertura à invenção” (2008), escrito por Maria Helena De-Nardin e Regina

OrglarSordi.

CENA DAS “MÃOZINHAS”: A professora propõe aos alunos:

“Vamos imaginar que atrás desse muro há umas crianças escondidas.

Olhem as mãozinhas delas aqui. Eu quero saber quantas crianças estão

escondidas. Mas, olhem só, isto não é suficiente. Eu quero saber como

vocês pensaram para descobrir isto”.

Depois de certificar-se de que as crianças haviam chegado a um

consenso, a professora propôs que cada grupo revelasse como fizera tal

descoberta. Ao ouvir a afirmação dos colegas de que havia cinco crianças

atrás do muro e o relato de que sua descoberta fora feita contando as mãos

de dois em dois, o aluno FE comentou: “Uma pessoa pode ta se segurando

só com uma mão”. Estava lançado um problema...

A problematização não fora apenas um mero movimento do menino.

Algo no desenho (objeto) forçou-o a problematizar. Inicialmente, FE deixou-

se afetar pelo desenho e pelo que ele pôde representar.

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No momento seguinte, quando da apresentação de um grupo, FE

revelou-se procurando o sentido do que se mostrava entre o desenho e a

fala dos colegas. Ao fazer essa procura, ele inventou um novo problema.

O desdobramento da cena, promovido pela professora, que acolheu

a fala de FE, acionou a sua própria capacidade criadora e das crianças: ela

improvisou um muro-cartolina e propôs a dramatização da hipótese

levantada por FE. A professora, ao deixar-se tocar pela novidade proposta

por seu aluno, que fugiu ao reconhecimento, promoveu um momento em

que a comunicação foi adquirindo sentido a partir da coordenação de pontos

de vista. Teve-se, a partir de então, uma experiência significativa de pensar

sobre o pensamento de FE.

O diálogo como problematização e criação do conhecimento foi implantado

nesta cena pela proposta inicial da educadora e seu interesse em saber qual foi o

processo de reflexão que seus educandos fizeram para responder sua pergunta

inicial. A educadora problematizou a imagem que havia levado à sala de aula e

incentivou seus educandos a pensarem em respostas - havendo a criação de uma

resposta há a criação ou transformação do conhecimento.

A educadora utilizou termos já conhecido pelos educandos - mão, muro e

crianças - para alcançar o conteúdo que desejava e, posteriormente, trouxe para a

realidade a reflexão do educando FE ao dramatizar a sua indagação, favorecendo o

entendimento dos educandos quanto ao questionamento de FE e concretizando as

hipóteses do educando, propiciando a aprendizagem significativa.

Ao ouvir as hipóteses dos educandos e a reflexão feita para chegar a elas, a

educadora mostrou respeito à leitura de mundo de cada um deles, inclusive a de FE,

que foi diferenciada.

A educadora mostrou-se interessada em saber como seus educandos

refletem e, mais importante ainda, mostrou-se interessada em ajudá-los a desvendar

suas dúvidas. Não quis transmitir a resposta correta ou deixar que as respostas

ingênuas permanecessem, mas quis que seus educandos refletissem para encontrar

o resultado, havendo um auxilio de sua parte para que adquirissem o conteúdo que

havia planejado.

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A educadora estava preparada para imprevistos em seu planejamento e

soube trabalhar com a dúvida de FE de forma criativa e que estimulasse o raciocínio

e imaginação dos educandos.

O interesse na reflexão dos educandos para chegar à resposta é um estímulo

à conscientização, por ser reflexão e ação, e à autonomia, pela liberdade em

pronunciar sua leitura de mundo. O acolher da dúvida de FE é um encorajamento à

sua espontaneidade, ao seu direito de questionar, de expor o seu pensar livre e,

portanto, de tonar-se um sujeito autônomo.

As ações da educadora neste episódio, por não serem de transferência de

conhecimentos e memorização, mas de diálogo e reflexão, revelam um não querer

de alunos passivos, mas educandos ativos em sua apropriação do conhecimento,

incentivando o crescimento dessas crianças em relação ao conteúdo e como

sujeitos reflexivos e conscientes.

A conscientização espontânea transformou-se em conscientização

epistemológica no momento em que o educando compreendeu as etapas que foram

feitas para chegar à resposta, ao conteúdo previsto pela educadora. Ao

compreender as etapas de sua reflexão o educando é possibilitado a repetir a lógica

em outros exercícios, aperfeiçoando sua lógica e seu pensamento único e livre,

criando, para si mesmo, uma metodologia no seu raciocinar.

A educadora agiu de maneira coerente com a pedagogia de Paulo Freire ao

estimular em seus educandos a autonomia e a conscientização através do diálogo e

de curiosidades e dúvidas vindas dos educandos. Diferentemente das educadoras

das cenas anteriores, esta educadora não ignorou as respostas dos educandos, não

descartou respostas erradas em busca de uma única correta e, principalmente, não

concedeu a reposta correta para os educandos, mas a buscou junto a eles, pela

reflexão e ação (junto à dramatização), após a problematização feita pelo educando

FE.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estrutura do pensamento de Paulo Freire dissemina o diálogo como o

encontro de homens para pronunciar, discutir e refletir o mundo, tornando-o

fundamental para a aquisição da consciência de mundo e de si como ser humano.

O estudo de Paulo Freire é focado para trabalhadores, adultos em geral,

porém este diálogo proposto por Freire, como práxis, como estímulo à

conscientização e autonomia, pode ser aplicado na educação de crianças?

Paulo Freire afirma que no ensino de crianças o diálogo como práxis ocorre

pela problematização da realidade dos educandos, com o intuito de desvendar e

refletir sobre ela estimulando o desenvolver de sujeitos conscientes, autônomos e

históricos.

Com base na pesquisa bibliográfica esclarecemos que o pensamento de

Paulo Freire utilizado para a educação de jovens e adultos pode ser adaptado para a

educação de crianças, observando que, em alguns livros, Paulo Freire afirma que a

faixa etária com quem o educador irá trabalhar não é uma obstáculo e não impede

que o trabalho envolva a conscientização e humanização; o necessário é que os

educandos estejam em contínuo processo de busca e sejam estimulados a não

estagnar sua curiosidade e autonomia.

Os diálogos do primeiro ciclo do ensino fundamental encontrados em

trabalhos acadêmicos e avaliados de acordo com pressupostos de por Paulo Freire

condizem com o objetivo do trabalho e evidenciaram que trabalhar em sala de aula

com os conteúdos previamente descritos no currículo escolar de forma dialógica é

uma escolha do educador, envolvendo sua preparação para imprevistos da rotina

escolar, como uma dúvida ou dificuldade de um educando.

Na Cena do corpo humano a educadora obteve uma avaliação negativa, pois,

mesmo usando da conversação com os educandos, o diálogo tornou-se simples

troca pela sua rejeição às respostas erradas dos educandos, havendo a entrega de

respostas corretas pela educadora para a sala, descartando a reflexão e não

havendo aprendizado.

A educadora do episódio da tartaruga obteve uma avaliação também negativa

pela interrupção do trabalho que estava realizando. Utilizou do diálogo e da

realidade do educando para propor conhecimentos escolares, mas, após o breve

momento de conversa, retomou a rotina escolar, não dando continuidade aos

conteúdos que ela mesma ofereceu, não havendo, portanto, aprendizagem

relacionada ao diálogo e a tartaruga naquele dia.

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A Cena das mãozinhas foi avaliada positivamente. A educadora, além de

preparar uma atividade que estimulava o raciocínio dos educandos e se interessar

em como alcançaram a resposta, mesmo que errada, ela escutou e se atentou à

dúvida do educando FE. Ao ouvir seus educandos, a educadora estimulou o direito

de questionar e de falar pela aceitação de suas respostas e, ao dramatizar a dúvida

de FE, fez os educandos compreenderem o porquê da resposta certa e adquirirem

uma aprendizagem significativa.

Pelo ouvir questionamentos e dúvidas, pelo compreender e explicar o

processo de reflexão realizado para chegar à resposta certa, a educadora da última

cena mostrou ser possível estimular a autonomia e conscientização dos educandos,

ou seja, comprovou que é possível pensar a proposta de educação de Paulo Freire

para o ensino de crianças, sendo dependente da atuação do educador em sala de

aula e de sua preparação profissional para atender às necessidades dos educandos

e saber lidar com situações inesperadas, transformando-as em aprendizagem

significativa.

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