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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PAULO CAPPELLETTI CONVERSÃO E JUSTIÇA SOCIAL EM JOSÉ COMBLIN SÃO BERNARDO DO CAMPO 2012

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PAULO CAPPELLETTI

CONVERSÃO E JUSTIÇA SOCIAL EM JOSÉ COMBLIN

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2012

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PAULO CAPPELLETTI

CONVERSÃO E JUSTIÇA SOCIAL EM JOSÉ COMBLIN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Ciências da Religião, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre.

Orientação: Prof. Dr. Jung Mo Sung

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2012

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PAULO CAPPELLETTI

CONVERSÃO E JUSTIÇA SOCIAL EM JOSÉ COMBLIN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Ciências da Religião, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre.

Orientação: Prof. Dr. Jung Mo Sung

Data da Defesa:___/___/____

Resultado:

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Jung Mo Sung

Orientador

Universidade Metodista de São Paulo

Prof. Dr. Lauri Emílio Wirth

Membro Interno

Universidade Metodista de São Paulo

Prof. Dr. Ricardo Bitum

Membro Externo

Universidade Presbiteriana Mackenzie

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FICHA CATALOGRÁFICA

C173c

Cappelletti, Paulo Conversão e Justiça Social no pensamento de José Comblin / Paulo Cappelletti -- São Bernardo do Campo, 2012. 146 fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo Bibliografia Orientação de: Jung Mo Sung 1. Teologia social 2. Comblin, José, 1923 – Crítica e interpretação I. Título

CDD 261.8

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AGRADECIMENTOS

Ao Deus da minha vida, pela sua bondade e misericórdia, que durante estes dois anos

me animou para continuar e vivenciar uma experiência maravilhosa de voltar para academia.

Ao Professor Dr. Jung Mo Sung, pela sua paciência, amizade e pela forma que me

conduziu nesta pesquisa se tornando mais que um mestre, um amigo para todas as horas.

Ao professor e amigo Dr. Geoval Jacinto da Silva pela motivação e apoio nos

estágios para Docência.

Ao professor Dr. Lauri E. Wirth que com clareza ajudou-me na banca de

qualificação, bem como na defesa de desta dissertação.

Ao Prof. Dr. Ricardo Bitun que com carinho aceitou estar na banca de defesa desta

dissertação.

Aos professores da Pós-Graduação da UMESP que me entrevistaram no processo

seletivo e me auxiliaram no desenvolvimento do projeto.

À minha família, Silvia esposa sempre auxiliadora em todos os momentos, Giovani

filho amigo e professor, Maressa filha animadora, piedosa e mulher de oração, Fernanda filha

sempre disposta a dividir as tarefas da casa para eu poder estudar, e ao meu filho Estêvão que

já está nos braços de Jesus me aguardando, agradeço a família maior da minha casa pela

motivação, ajuda e presença sempre marcante na minha vida.

À Keyth minha filha de longe, professora, disponível sempre que precisei,

principalmente neste momento final ficou muito mais próxima. Às funcionárias da UMESP

Regiane, (Secretária da Pós-Graduação) e Damares, (Secretária de meu orientador).

Aos amigos que deram sua colaboração lendo, questionando e ouvindo minhas

reclamações, tais como: Fabio, Alex, Edna, Juliana, Sara e Rubens.

A todos que de alguma forma me ajudaram a alcançar mais um degrau da minha vida

acadêmica.

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação aos pobres que estão sendo esquecidos e injustiçados pela

sociedade e que me fizeram enxergar um mundo diferente do que eu vivia, ao ponto de me

tornar um deles e aprender o que é felicidade verdadeira, apesar de sofrerem e lutarem para

sobreviver, ainda assim conseguem sorrir, se alegrar e festejar a vida que Deus

proporcionou a eles. Obrigado por ajudar-me em minha conversão e presenciar a pessoa de

Deus em vocês. Pobres! Seres humanos valorizados, por não precisar de artefatos para

serem a representação de Deus na terra.

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RESUMO

No presente estudo sobre o tema ―Conceito de Conversão e Justiça Social no

pensamento de José Comblin‖, procurei desenvolver o conceito do tema proposto. Esta

dissertação desenvolvida no Programa da Pós-Graduação em Ciências da Religião pertence

à linha de pesquisa ―Religião, Sociedade e Cultura‖. A metodologia adotada na coleta de

dados foi de uma pesquisa bibliográfica. O questionamento que norteou a pesquisa foi:

qual o conceito de conversão e justiça social no pensamento de José Comblin? Com as

respostas obtidas foi possível desenvolver o primeiro capítulo com a biografia de José

Julles Comblin juntamente com as pessoas que de alguma forma inspiraram e

influenciaram sua carreira no Brasil e na América Latina. No segundo capítulo foi

apresentado o conceito de Conversão para Comblin chegando a uma conclusão que a

conversão é para o Reino de Deus e não para qualquer instituição religiosa. Já no terceiro

capítulo foi apresentado o conceito de Justiça Social chegando a uma conclusão que justiça

social acontece quando a sociedade se converte ao pobre com amor prático e não somente

de palavras.

Palavras Chaves: Conversão, Reino de Deus, Igreja, Justiça Social, Amor, Próximo e

Pobre.

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ABSTRACT

In the present study on the topic ―Concept of Conversion and Social Justice in the

thoughts of Joseph Comblin‖ I attempted to develop the concept of the theme proposed

above. This thesis, developed in the Graduate Program in Science of Religion belongs to

the ―Religion, Society and Culture‖ line of research. The methodology for data collection

was a bibliographical research. The question that guided the research was: what is the

concept of conversion and social justice in the thought of Joseph Comblin? With the

responses we developed the first chapter with Joseph Julles Comblin's biography along

with people who somehow inspired and influenced his career in Brazil and in Latin

America. In the second chapter Comblin's concept of conversion was presented; coming to

a conclusion that a conversion is for the Kingdom of God and not for any religions

institution. In the third chapter the concept of Social Justice was presented; coming to a

conclusion that social justice happens when society becomes homeless with a practical love

and not just words.

Keywords: Conversion, Kingdom of God, Church, Social Justice, Love, Neighbor and

homeless

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 - VIDA, OBRA E TEOLOGIA DE JOSÉ COMBLIN ............................. 17

1.1 Vida de José Julles Comblin ........................................................................................ 18 1.1.1 Obedecendo à vocação missionária ......................................................................................... 21 1.1.2 Ditadura Militar, CELAM e o caso Comblin ........................................................................... 29 1.1.3 Vida no Chile, Ditadura e o ―Estado de segurança nacional‖ ................................................. 32 1.1.4 Retorno ao Brasil, porém com restrições ................................................................................. 37 1.2 Inspirado pelo Padre Ibiapina e ao lado de Dom Hélder Câmara ........................... 39 1.2.1 Padre José Antônio de Maria Ibiapina .................................................................................... 40 1.2.2 Dom Hélder Pessoa Câmara .................................................................................................... 46 1.3 A Teologia da Enxada .................................................................................................. 51

CAPÍTULO 2 - CONVERSÃO AO REINO DE DEUS E NÃO À IGREJA ................... 59

2.1 Definição de “Igreja” ................................................................................................... 59 2.1.1 Equívoco sobre a Igreja ........................................................................................................... 60 2.1.2 O conceito de Igreja sob o ponto de vista da Cristologia ......................................................... 65 2.1.3 Definição de Igreja segundo Comblin ..................................................................................... 70 2.2 Reino de Deus ................................................................................................................ 74 2.2.1 Vida como uma nova terminologia para o Reino .................................................................... 82 2.2.2 As características dos cidadãos do Reino de Deus .................................................................. 84 2.2.3 Os beneficiários do Reino (Vida) ............................................................................................ 87

2.3 A conversão como um processo para o Reino de Deus ............................................. 89 2.3.1 Metodologia de Conversão ...................................................................................................... 96

CAPÍTULO 3 - CONVERSÃO E A JUSTIÇA SOCIAL ................................................... 98

3.1 Justiça: do Pecado para a Santidade ........................................................................ 100 3.1.1 Pecado produz Injustiça ......................................................................................................... 100 3.1.2 Violência ................................................................................................................................ 102 3.1.3 Insensibilidade humana .......................................................................................................... 108 3.2 Santidade produz Justiça ........................................................................................... 111 3.2.1 A prática da Justiça através do amor ao próximo .................................................................. 113 3.2.2 Religião e Amor ..................................................................................................................... 116 3.2.3 Conversão, amor e justiça ...................................................................................................... 119 3.2.4 O dizer não a Violência como fator de Justiça....................................................................... 122 3.2.5 Paz como resultado da Justiça ................................................................................................ 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 132

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 140

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INTRODUÇÃO

Na minha caminhada cristã e de ministério, a evangelização sempre teve um lugar

importante nas minhas reflexões e práticas pastorais durante muito tempo. Porém, quando

comecei um envolvimento pequeno com os excluídos da sociedade pude perceber através

destes encontros, que os problemas dessas pessoas sobrepujavam ao Deus da minha

concepção ―cristã‖ pela qual tinha o maior zelo.

Assim, comecei a indagar-me sobre a possibilidade de existir algum pensamento

diferente da aprendida no seminário e nas comunidades onde frequentei, mas os resultados

dessas indagações foram indignação e incômodo, e isto despertou a necessidade de uma

solução para esta crise de fé. Assim, essa jornada resultou na emancipação dos meus

pensamentos. O início do processo ocorreu num encontro com uma jovem que estava

acompanhando durante quatro anos. Quando a vi traficando pela primeira vez pensava em

algumas afirmações tais como: ―ela irá para o inferno; não tem ou nunca teve Jesus Cristo

como Senhor e Salvador; não entendeu nada do que eu estava ensinando sobre a Bíblia; estava

tirando vantagem de mim; uma completa perda de tempo; ela precisa se converter e sair dessa

vida fácil‖. Mediante a estas questões fui confrontá-la.

Todavia, depois de ter conversado com ela e apresentado um pensamento

reducionista e opressor, a mesma me disse que havia entendido quem era Jesus e que desejava

muito segui-lo, porém, não possuía condições de fazer isso naquele momento e disse-me que

enquanto eu chegava ao meu lar e descansava, ela se abrigava debaixo de uma marquise;

enquanto eu comia o meu jantar, ela esperava as sobras do restaurante que nem sempre

chegavam; enquanto eu deitava na cama, ela se acomodava num papelão; enquanto eu

comprava as roupas em qualquer loja, ela aguardava a oportunidade de roubar uma ou duas

peças dos camelôs, comerciantes das ruas, do centro da cidade de São Paulo.

Após o encontro citado, compreendi que minha convicção cristã reduzia o valor e os

efeitos do Evangelho na sociedade atual, e assim, reduzia o valor da vida de uma pessoa. Nos

meus pensamentos havia somente o objetivo de levar pessoas para a eternidade e salvar suas

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almas, resolvendo o problema do futuro, sem vínculo algum com as necessidades básicas das

pessoas excluídas.

Logo procurei uma resposta para as minhas indagações. Posso dizer que se tratava de

uma grande angustia, até que fui apresentado pelo Professor Dr. Jung Mo Sung aos

pensamentos e escritos de José Julles Comblin, os quais me fizeram e fazem aprender

constantemente e me desafiaram a pesquisar sobre o assunto ―Conversão e Justiça Social‖.

Acredito que esse tema abrange infindas discussões, contudo, o autor propõe uma concepção

de conversão vinculada à luta pela justiça social e com isso nos revela um conceito novo

sobre conversão, que é aquela que nos introduz ao Reino de Deus, ou seja, conversão é para o

Reino de Deus e não para eternidade, nem para Igreja ou para qualquer outra instituição

religiosa.

O estudo nesta pesquisa procura abordar os conceitos de conversão e de justiça social

segundo o pensamento de José Comblin.

Ele não escreveu nenhum livro específico sobre os assuntos abordados nesta

dissertação e não definiu explicitamente nenhum desses conceitos, porém, perpassando por

todos os seus pensamentos expostos em seus livros foi identificado o que ele entendia por

esses conceitos, e, assim, esta pesquisa intenciona também fundamentar uma prática

socialmente construída, visando contribuir para uma releitura da conversão e da vida humana

para além do proselitismo.

No primeiro momento, esta pesquisa tem como objetivo escrever uma pequena

biografia de José Comblin. Ele faleceu recentemente e ainda não há muitos estudos

sistemáticos sobre sua obra, seus escritos e sua vida. Por isso, a parte sobre a sua biografia

tem um caráter mais exploratório. A pesquisa sobre a vida do autor tem como finalidade

identificar pistas de interpretação que nos mostrem como a sua biografia e seus conceitos de

conversão e justiça social são interpenetráveis e perpassaram toda a sua vida.

Comblin viveu no Brasil na época da ditadura militar e isto fez com que se

reinventasse. Sabe-se que o autor foi influenciado por diversas pessoas, porém, esta pesquisa

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enfatizará somente a dois gigantes da fé: José de Maria Ibiapina e Dom Hélder Câmara, os

quais também morreram lutando pela conversão da sociedade para que esta pudesse ser

fraterna, igualitária e justa.

O conceito de ―conversão‖ será trabalhado nesta dissertação partindo do pressuposto

de que há diversas noções sobre conversão, e o foco será na compreensão proposta por

Comblin. Para ele na conversão o convertido não pode permanecer entre os muros de uma

instituição religiosa, mas sim, deve introduzir-se no Reino de Deus, sabendo que o agir em

prol do outro é de suma importância para a visualização e o desenvolvimento de uma

sociedade diferente e alternativa, sendo mais justa e igualitária.

Assim, pode-se dizer que para Comblin conversão e proselitismo são pólos opostos e

confundi-los é um ato de degradação do conceito de conversão, uma vez que o conceito de

proselitismo baseia-se na mudança de um grupo para outro sem necessariamente significar

uma mudança de comportamento e de valores morais. Ao confundirmos o convertido com o

frequentador de instituições religiosas e o não convertido com aquele que está fora destas

mesmas instituições, cometemos um grande erro, pois, desviamos o sentido de

―transformação existencial‖ e o empobrecemos a mera adesão de uma nova religião.

No entanto, pode-se afirmar que a conversão não é o processo que leva o homem a se

tornar um frequentador da Igreja, mas o processo que o leva a pertencer ao Reino de Deus.

Em nossa cultura a palavra ―Reino‖ geralmente está atrelada a um sentido pejorativo, faz-se

necessário então o uso de um novo termo, de acordo com o tipo de cultura dos interlocutores,

como propõe Comblin:

―O quarto Evangelho substitui o reino pela vida, não deve dar a impressão de

que se trata de uma doutrina mais ou menos secreta com palavras

desconhecidas. Muito pelo contrário, o anúncio do Reino de Deus deve ser

feito da maneira mais natural possível, com as palavras usadas na conversa

habitual. Assim fez Jesus usando as palavras mais comuns no meio do seu

povo‖ 1.

1 COMBLIN, José. A vida, Em busca da liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 130.

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No discurso dominante das igrejas cristãs, notou-se um reducionismo no conceito de

conversão, que é visto somente um ato isolado na vida das pessoas, um negócio lucrativo,

uma mudança de cunho somente moral, emocional, espiritual e separatista no mundo de hoje.

Pode-se perceber em algumas instituições a forte ênfase nos cultos para levar a uma

conversão superficial que leva a uma vida ―cristã‖ sem sentido e irreal, resumida à Igreja, ao

trabalho e ao isolamento familiar, levando o cristão à inércia, sem objetivos claros, sem

exercício da justiça através de ações de auxílio aos desprivilegiados da sociedade. A

conversão em algumas teologias protestantes, tal como, no pensamento de John Stott, leva-

nos a um conceito traduzido em um ato imediato sem necessariamente mudanças profundas.

Etimologicamente, o termo conversão vem do grego ―metánoia‖, (meta+noe), tem o

significado de mudança, ser diferente, mudar de rumo, agir de maneira diversa. Implica em

mudança de mentalidade, em assumir uma cosmovisão diferente, valores novos, postura ética

de outro feitio e vertente. Postula mudança de rumo e de perspectiva feita de imediato.

Percebe-se que em John Stott a conversão é uma experiência imediata. Diz ele,

―O verbo grego, com frequência em contextos seculares e não teológicos do

NT, é utilizado para descrever a ação de alguém voltar-se de uma direção

para outra ou voltar-se de um lugar para outro. Quando utilizado em

passagens mais técnicas e teológicas, o verbo tem o mesmo significado ―... e

como se voltaram para Deus, deixando os ídolos...‖(1 Ts. 1.9), ―pois vocês

eram como ovelhas desgarradas, mas agora se converteram ao pastor e bispo

de suas almas‖ (I Pe. 2.25)2.

Segundo Wayne Grudem conversão é:

―nossa resposta espontânea ao chamado do evangelho, pela qual

sinceramente nos arrependemos dos nossos pecados e colocamos a confiança

em Cristo para receber a salvação. A palavra conversão significa ―volta‖-

aqui ela representa uma volta espiritual, voltar se do pecado para Cristo. O

2 STOTT, John. Cristianismo Autêntico. São Paulo: Editora Vida, 2006. pg. 263.

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voltar-se do pecado é chamado ao arrependimento e o voltar-se para Cristo é

chamado fé‖3.

Para os autores acima pode-se notar que a conversão está no âmbito somente

espiritual e moral para a salvação eterna e definitiva, pois é uma ação que acontece de uma

vez por todas na vida da pessoa, mostrando assim uma transformação imediata.

Tais fatos foram mencionados somente para deixar claro o pensamento de algumas

vertentes, reduzindo a conversão em um ato e não em um início de processo com atuações

para o reino de Deus e somente no âmbito espiritual e moral sem atuação na sociedade.

No pensamento de Comblin percebe-se outra proposta que vai além das apresentadas

e exemplificadas por meio das citações de Grudem e Stott. Quando Comblin trata da Igreja na

sociedade e do ser humano, leva-nos a pensar em uma conversão processual que se dá no

amor e no conhecer a Deus, sendo este conhecer um processo que acontece no agir em relação

ao outro.

Na medida em que a pessoa ama a Deus e o conhece, agirá concretamente pelo amor

ao outro e particularmente com o pobre, o marginalizado e o rejeitado através do serviço, ou

seja, a conversão necessariamente nos leva à luta contra injustiça.

―De acordo com o evangelho, o encontro com Deus realiza-se no encontro

com o homem, de modo particular no encontro com o outro, com o pobre,

com o marginalizado, com o rejeitado. Se é verdade que o cristianismo,

como todas as religiões, inclui uma caminhada de reconhecimento de Deus

pela interioridade ou pela experiência da natureza, é mais verdade o fato de

que é mais específico do evangelho a experiência de Deus na aproximação

com o outro. O que Jesus ensina é o encontro com Deus não pela mente ou

por atitudes interiores, e sim pelo agir concreto, pelo amor que é serviço‖4.

3 GRUDEM Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Edições Vida Nova, 1999, pg. 592.

4 COMBLIN, José. Viver na Cidade, Pistas para a Pastoral Urbana. São Paulo: Paulus Editora, 1996, pg. 15.

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No que diz respeito à Justiça Social pretendemos ampliar a nossa visão sobre o

conceito. Entendemos que não se trata apenas da representação de uma função das políticas

públicas, mas sim, de um termo amplo e complexo que sempre esteve sujeito ao jogo de poder

e das influências sociais historicamente determinadas por diversas ideologias. Tal justiça na

contemporaneidade é muito influenciada pelo Neoliberalismo, dividindo a sociedade em dois

blocos distintos: consumidores e sobrantes (pobres). Apesar de Comblin não definir a palavra

justiça social, percebe-se que o conceito perpassa pelos seus escritos e, assim, propõe que a

Justiça Social seja implantada nas micro-sociedades para alcançar a totalidade, vinculando-se

aos pobres, que segundo o autor são os articuladores das mudanças sociais necessárias para

uma sociedade mais igualitária.

Compreendemos juntamente com Comblin, portanto, que uma vez que os cristãos

fazem parte da sociedade podem se tornar capazes de contribuir com a justiça social de forma

ativa e comprometida, a partir de uma compreensão clara da implicação da conversão em suas

vidas.

Comblin declara que: ―a igreja está a serviço do mundo e não pode sair dele5.” Os

cristãos não deveriam se alienar e simplesmente fechar os olhos para a realidade que lhes está

patente, como a injustiça social.

Conversão e Justiça Social no pensamento de Comblin devem levar-nos a

compreender que a missão da igreja de Jesus Cristo e de cada indivíduo que a proclama e vive

não é falar para si, contemplar a si e nem ouvir a si mesmo, mas participar na transformação

das realidades sociais e históricas das pessoas que sofrem, principalmente das excluídas da

sociedade.

5 COMBLIN, José. Cristãos Rumo ao século XXI. Nova Caminhada de Libertação. São Paulo: Paulus Editora

1995, pg. 6.

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Além de desenvolver um novo meio de anunciar o evangelho, precisamos viver nesta

sociedade trazendo vida, ou seja, o Reino de Deus. Isto consiste em comprometer-se na luta

pela justiça social.

Percebe-se juntamente com Comblin que por mais que seja discutido o conceito de

Justiça Social acaba não sendo compreendido e a prática de Justiça nas instituições religiosas

se configura através da departamentalização e resumida aos bazares beneficentes, às

organizações assistencialistas, o que não viabiliza mudanças significativas nas situações

sociais e econômicas das pessoas. Resume-se a apelos intermináveis para ―uma ajuda às

pessoas carentes‖, que não proporciona uma emancipação de vida caso não haja envolvimento

do público chamado ―cristão‖. Com isso, a noção de Justiça Social é colocada para fora dos

muros das igrejas.

Portanto, os conceitos de conversão e Justiça Social propostas por esta dissertação,

através do estudo do pensamento de Comblin, indicarão uma direção diferente da

compreensão das igrejas que reduzem a conversão a uma experiência imediata, individual e

de encerramento dentro dos muros da instituição religiosa. O estudo do pensamento de

Comblin tem a finalidade de obter outro modo de refletir/dialogar com a vida cristã e com as

práticas pastorais, missionais e educacionais das instituições religiosas.

A pesquisa bibliográfica foi adotada como metodologia para a realização desta

pesquisa. Dentre as obras de José Comblin, as seguintes são destacadas: ―A vida: Em busca

de liberdade‖, ―Vive a esperança dos pobres‖ e ―O Caminho um ensaio para o seguimento de

Jesus‖. Outros autores serão citados nesta pesquisa em diálogo com José Comblin,

objetivando questionar, afirmar e concretizar os conceitos apontados.

Esta dissertação está composta por três capítulos. No primeiro apresentarei a

biografia de José Julles Comblin juntamente com sua proposta de Teologia da Enxada. No

segundo apresentarei o conceito de conversão ao Reino de Deus e não à Igreja ou qualquer

instituição religiosa. No terceiro e último capítulo será trabalhada a relação entre a conversão

e a Justiça Social como a que traz vida para sociedade.

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CAPÍTULO 1

VIDA, OBRA E TEOLOGIA DE JOSÉ COMBLIN

Este capítulo tem como objetivo apresentar uma visão geral da vida e do pensamento

de José Comblin, dando prioridade ao período posterior aos anos 60, pois foi o tempo em que

sua influência tomou lugar na história da igreja do hemisfério sul. Comblin participou do

desenvolvimento de uma teologia especificamente latino-americana conhecida como Teologia

da Libertação, mas sempre o fez a sua maneira. Trabalhou por anos, principalmente em

dioceses rurais com o arcebispo Dom Hélder Câmara, de Recife, com o arcebispo Dom José

Maria Pires6, da Paraíba, Manuel Gonzalez, no Chile, e Leônidas Proaño

7, no Equador. Nestes

trabalhos, surgiu uma teologia chamada Teologia da Enxada. A vida deste profeta foi lutar

pelos pobres e uma das ferramentas para sua profecia foi a escrita, que resultou na publicação

de mais de 60 livros e 300 artigos de vários gêneros.

Este capítulo está dividido em três partes: na primeira apresentar-se-á rapidamente

uma visão geral da vida de Comblin. Na segunda parte abordar-se-á suscintamente a vida e

obra do Padre Ibiapina e de Dom Hélder Câmara, duas pessoas que inspiraram e

influenciaram profundamente a vida de Comblin. Veremos alguns dos pensamentos destes

6 Dom José Maria Pires, Arcebispo católico brasileiro, nasceu em Córrego, estado de Minas Gerais, em 1919.

Ordenou-se presbítero em Diamantina, MG, em 1941, e Bispo em 1957. Cursou Filosofia e Teologia também em

Diamantina, foi professor, pároco, diretor de colégio. Atuou como missionário de 1942 a 1957, como Bispo

diocesano de Araçai de 1957 a 1965. Atualmente Arcebispo metropolitano da Paraíba desde 1966. Uma das

obras mais conhecidas de Pires é ―Do centro para a margem‖.

7 Leônidas Proãno Villalba Eduardo nasceu em 1910, em San Antonio de Ibarra, no Equador. Foi sacerdote e

teólogo. Atuou como Bispo de Riobamba de 1954 a1985. Foi candidato ao Prêmio Nobel da Paz e é considerado

uma das figuras mais importantes da Teologia da Libertação no Equador. Proãno foi ordenado padre em 1936 e

logo se interessou pela evolução da doutrina social católica. Dentro da diocese Ibarra, ele criou o movimento

chamado Juventude Operária Cristã -JOC. Ele foi nomenado Bispo de Riobamba em 1854. De sua catedral em

Riobamba, lutou constantemente para introduzir justiça social nas relações com os povos indígenas e para

promover o acesso dos indígenas à vida pública e poder político. Bispo, adotou a tese da Teologia da Libertação.

Em 1960, ele criou as Escuelas Radiofónicas Populares, com um objetivo educacional. Em 1962, criou o Centro

de Estudos e Ação Social, cujo objetivo era ajudar no desenvolvimento das comunidades indígenas. Em 1973,

ele foi acusado de ser guerrilheiro e teve que ser julgado em Roma, sendo absolvido de todas as acusações que

pesavam contra ele. Em 1976, ele foi preso durante a ditadura de Guillermo Rodriguez Lara. Em 1985,

renunciou ao bispado e foi nomeado presidente da Pastoral Indígena. Seus escritos incluem ―Rupito‖ (1953),

―Creo em el Hombre y en la Comunidad‖ (1977), ―El evangelio Subversivo‖ (1987), e ―Concieciación,

evangelización y Politica‖ (1987). Leônidas Proaño morreu em 1988, em Quito.

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autores, seu modo de viver o ministério, e ocasionalmente algumas de suas obras. Na terceira

e última parte, tratar-se-á da chamada Teologia da Enxada, sua caracterização e as ideias que

a norteiam. Com a construção da biografia de Comblin e a discussão de algumas de suas obras

e sua teologia próxima da população carente e rural quer abordar a relação entre sua vida e as

noções de conversão e Justiça Social.

1.1 Vida de José Julles Comblin

Nascido em Bruxelas, em 1923, Joseph Julles Comblin, conhecido como padre José,

cresceu em uma família de classe média. Mais velho de três irmãos e duas irmãs, seus pais,

Alice e Firmino criaram os cinco filhos com os tradicionais valores da religião, da austeridade

da época valorizando sempre o trabalho. Desde muito jovem seus talentos intelectuais

chamaram a atenção de familiares e educadores. Quando provavelmente com a idade de 16 ou

17 anos, ele disse a um tio, que era padre, que queria ser missionário, este respondeu

prontamente: ―Missionário não, você é inteligente demais‖. Professor, isso sim, professor na

universidade de Lovaina!8‖. Porém, o tio não sabia que o sobrinho extrapolaria seus

pensamentos como mestre e missionário. Após o Ensino Médio, Comblin entrou no

Seminário Leão XIII, em Lovaina (Bélgica), e fez estudos de Ciências Biológicas, Filosofia e

Teologia para ser padre diocesano. Estudou de 1940 a 1950, tornando-se Doutor em Teologia.

Teve professores, como Lucien Cerfaux9, Roger Aubert

10, historiador da igreja, e teólogos

8 HOORNAERT, Eduardo, O que José Comblin nos contou em 2007.

http://www.adital.com.br/hotsite_ecumenismo/noticia.asp?lang=PT&cod=55274, acessado em 25.01.2012.

9 Lucien Cerfaux (1883-1968), Teólogo e biblicista católico fracês, Professor na Universidade de Lovaina e

autor de Le Christ dans la theologie de saint Paul, Le Chrétien dans la theologie paulinienne, la théologie de

peglise suivant Sanit Paul, além de comentários e artigos sobre tema bíblicos em publicações especializadas.

10

Roger Aubert, teólogo católico nascido em 1914, em Ixelles-Bruxelas. Foi ordenado em 1938. Frequentou a

Universidade de Lovaina. Tem os títulos de Doutor em Histórico-filosóficas, (1933), Doutor em teologia,

(1942); é também doutor honoris causas pela Universidade de Nimega e pela Universidade do Sagrado Coração,

de Milão. É professor de História Eclesiástica na Universidade de Lovaina desde 1952, e diretor da Revue

d‘histoire Ecclésiastique e do Dictionaire d‘historie el de Géographie Ecclésiastiques. As principais publicações

de Aubert são: Le pontificat de pie IX, nova. Ed, aumentada, tomo XXI da Historie de I‘Eglise des origenes

jusqu‘è nos jours Paris 1964, e Vatican I, Vol XII da Historie des Conciles nas revistas: Revue belge de

philologie et d‘historie, Catholic Historical Review; Rivista di Storia della Chiesa in Italia e no Lexikon für

theologie und Kirche.

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19

como Gustave Thils11

, que propôs a necessidade de uma teologia de ―realidades terrenas‖, e

Dom Gerard Phillips12

, todos os quais desempenharam papéis significativos na vida

acadêmica de Comblin e no Concílio Vaticano II13

. Com a sua divisão francófonos da

Valónia14

, a Bélgica é um ponto de encontro entre o norte e o sul da Europa, o que pode

ajudar a explicar porque Comblin aborda questões a partir de uma variedade de perspectivas,

sem absolutizar qualquer uma das questões.

Após completar seus estudos, Comblin desenvolveu uma dissertação com o título:

―A liturgia no livro do Apocalipse‖. Começou a trabalhar como vigário cooperador em uma

paróquia chamada Sagrado Coração de Jesus, em Bruxelas. Seus deveres eram relativamente

rotineiros e exigia-se pouco do pensador que iria nascer, de maneira que logo Comblin

11

Gustave Thils estudou em Mechelen, em 1928, Lovaina, em 1929, em 1931 recebeu a sagrada

ordenação. Em 1935 terminou seu doutorado em teologia e foi habilitado em 1937; foi professor no

seminário de Malines e Louvain em 1945. A partir de 1947 lecionou como professor de teologia

fundamental e recebeu o ensino sobre ascetismo. Thils trabalhou particularmente ascético sobre

eclesiologia questões e ecumenismo. Desde 1960, foi membro do Secretariado. Quando surge o

Vaticano I, ele foi considerado Peritus.

12

Gerard Philps Nasceu em 1899 e morreu em 1972. Teólogo católico francês. Nasceu em Suit Truiden. Foi

ordenado em 1922, em Liège. Frequentou a Universidade Gregoria, em Roma. Philps obteve o diploma de

Professor agregado de Teologia, em 1925. Exerceu as seguintes funções: professor de Filosofia no Seminário

Menor S. Erond, em 1925; professor de teologia dogmática no Seminário Maior de Liège, em 1927; professor de

Dogmática Especial, na Universidade de Lovaina, em 1942, Publicações: La Raison d‘être du mal d‘aprês St.

Augustin, 1926, De Heilige Kirk, 1946; DeLeik in de Kirk, 1951. Sua obra mais importante é o tratado em dois

volumes intitulado ―L‘Eglesie el son mystère au II Concile du Vatican‖, onde ele apresenta uma síntese da

eclesiologia da comissão teológica Internacional. Philps atuou ainda como membro no Sínodo Extraordinário de

Bispos, em 1969.

13

O Concílio Vaticano II foi anunciado por João XXIII, em 25 de janeiro de 1959. Ele Comportou quatro

sessões, com duração de dois a três meses cada uma. Inaugurado em 11 de outubro de 1962, por João XXIII, o

Concílio foi concluído em 8 de dezembro de 1965, sob o pontificado de Paulo VI. No discurso de abertura, João

XXIII advertiu contra a tentação integrista e contra as condenações, convidando, antes, para a união e para uma

ótica pastoral. Em face ao ritmo acelerado das mudanças sociais e da necessidade de reconstituir a unidade entre

os cristãos, João XXIII tomou a decisão irreversível de um grande concílio ecumênico. Era preciso agir com

rapidez. Era hora de a Igreja sair do seu mutismo de velha dama, para poder falar aos homens de nosso tempo,

com objetivo de servi-los e conduzi-los a Cristo. O Vaticano II é inquestionavelmente a mais ampla obra de

reforma jamais realizada na igreja, não somente pelo número de padres conciliares e pela unanimidade das

votações, que muitas vezes bateu todos os recordes, mas sobre tudo devido à amplitude dos temas tratados.

14 A Bélgica divide-se entre os falantes de língua neerlandesa, no Flandres, no norte do país, e os francófonos, na

Valónia, no sul.

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começou a ensinar teologia no Centro de Formação para Seminaristas, em Serviço Militar

(CIBI), de 1950 a 195815

.

Após o doutorado, Comblin levou um tempo para publicar seu primeiro livro, ―A

Ressurreição16

‖. Este período foi um prenúncio do pensador e escritor que estava por vir,

porém o livro somente foi publicado quando Comblin estava no Brasil, em 1959. Como

outros escritores da época, incluindo Durrwell17

, a quem cita, Comblin procurava expor a

centralidade da ressurreição nas escrituras, depois de séculos de ênfase na paixão. No entanto,

vai além de uma sistematização dos dados bíblicos, e reflete as implicações da ressurreição à

sociedade humana de uma maneira que não era comum entre os teólogos da época.

Comblin sentia-se cada vez mais sufocado pela atmosfera extremamente ―católica‖

da Bélgica, com suas próprias instituições, escolas, hospitais, jornais, sindicatos, partidos

políticos, destinadas a proteger as pessoas do mundo moderno. A igreja não percebeu que

estava sem contato com a vida moderna. Comblin desabafava as suas frustações a respeito da

instituição: ―Cheguei à conclusão de que na Europa a igreja não tem mais futuro‖; ―Não quero

perder a minha vida assistindo a uma decadência impotente sem remédio18

.‖ Assim, quando o

Vaticano, na voz do papa Pio XII19

- que tinha um grande temor do comunismo porque estava

15

FRANÇA, de Tiago. Padre José Comblin: profeta da Igreja.

http://teologiaelibertacao.blogspot.com/2011/03/padre-jose-comblin-profeta-da-igreja.html acessado em

15.01.2012.

16

Este livro foi traduzido em diversos idiomas. Eis algumas referências bibliográficas desta obra traduzida para

diferentes idiomas: La Résurrection de Jesús-Christ. Paris: Ed. Universitaires, 1959, pg. 216; Hij is verrezen. La

Haye: Pax, 1961, pg. 204; La risurrezione di Gesucristo. Roma: Ed. Paoline, 1961, pg. 253; Der

Auferstandene. Graz: Styria, 1962, pg.253; La resurrección de Jesucristo. Buenos Aires: Carlos Lohle, 1962,

pg.196; Ressurreição. São Paulo: Herder, 1965, pg. 159; The Resurrection in the Plan of Salvation. Notre Dame:

University of Notre Dame Press, 1966, pg.176.

17

François-Xavier Durrwell nasceu em 26 de Janeiro de 1912, na França, e morreu em 15 de outubro de 2005

no mesmo país. Foi redentorista, autor de vários livros e lecionou em várias escolas de renome internacional, tais

como: Sousceyrac, Echternach, Instituto Lumen Vitae de Bruxelas e Centro de Pedagogia Religiosa da

Universidade de Metz, em Lorena, França.

18

BAZAGLIA, Paulo (Org.). A esperança dos pobres vive. São Paulo: Paulus Editora, 2003, pg. 722.

19

Papa Pio XII: Papa da Igreja, nasceu em Roma. Seu nome era Eugênio Maria José Pacelli, e desde a idade

juvenil distinguiu-se pela inteligência penetrante, pureza de costumes e profundo amor a Deus e à virgem Mãe.

No Liceu Visconti aplicou-se com tanto ardor aos estudos das humanidades e ciência que foi honrado pelos

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convencido de que esse regime iria invadir toda a América Latina e governava a igreja como

um monarca do antigo regime20

- fez um apelo aos padres e irmãs para deixarem a Europa em

direção à Africa ou América Latina e Comblin aceito o desafio. Acredita-se que Comblin teve

uma decisão genuína: a de entrar no seminário e sacerdócio. Parece que foi a primeira decisão

que fez em sua vida. Posteriormente, após completar 60 anos de idade Comblin traz à tona as

suas impressões sobre como entendia o poder da igreja na Europa, em uma entrevista em

2011:

―Eu estava muito consciente do movimento de descristianização da Europa,

que hoje já está quase completo. Os sinais já eram claros naquele tempo. A

Igreja estava no governo da maioria dos países, havia uma democracia cristã,

escolas poderosas, organizações, sindicatos… Mas faltava fé! Como passar a

vida toda assistindo uma decadência?21

Aos 35 anos de idade se nota a inquietação de Comblin para servir em outro país que

tivesse sinais claros da fé cristã, além do discernimento em relação ao futuro da Europa, fato

que apenas um profeta seria capaz de constatar.

1.1.1 Obedecendo à vocação missionária

Em 1958, Comblin chegou ao Brasil acompanhado por mais dois colegas belgas22

, a

pedido do arcebispo de Campinas, Dom Paulo de Tarso23

, ao Vaticano, por três sacerdotes

louvores dos mestres e excedeu em brilho todos os condiscíplulos. Conhecendo por inspiração de Deus que era

chamado ao sacerdócio, foi nomeado para a Sagrada Congregação dos Negócios Extraordinários, distinguiu-se

tão rapidamente no desempenho das funções, que poucos anos depois se tornou secretário da mesma

congregação. Após a morte de Pio XI, Pacelli assumiu às alturas do Sumo Pontíficado; e assim morreu em 1958.

20 BAZAGLIA, Paulo (Org.). A esperança dos pobres vive. São Paulo: Paulus Editora, 2003, pg. 721.

21

Entrevista para Unisinos: Pe. Comblin e a Teologia da Enxada, http://mais.uol.com.br/view/77gsd7cnudte/pe-

comblin-e-a-teologia-da-enxada-entrevista-04024D9B3668C0810326?types=A&, acessado em 18.01.2012.

22

Pe. Michel Schooyans e o Pe. Laga.

23

Dom Paulo de Tarso Campos: Nasceu em 24 de Setembro de 1895, em Jaú. Formou-se sacerdote no

Seminário Menor de Pirapora e no Seminário Provincial de São Paulo, onde completou os estudos de Filosofia e

Teologia, ordenando-se em 15 de agosto de 1920 na Igreja da Consolação, em São Paulo, por Dom José

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com doutorado devido à necessidade do Brasil. No entanto, ao chegarem descobriram que o

arcebispo não tinha atribuições claras para os sacerdotes recem chegados. Somente depois de

30 anos Comblin descobriu o intento do arcebispo, como declara em uma entrevista para

Unisinos:

―Eu só soube a explicação 30 anos depois. O bispo não estava satisfeito com

o reitor da Universidade Católica. O reitor administrava a universidade como

um negócio e não tinha lá nenhuma pessoa para substituí-lo e aí foi pedir lá

fora. O reitor logo entendeu e criou todo um movimento de resistência e

queria defender sua posição. Então, o bispo viu que o reitor tinha uma força

social muito grande‖24

.

Comblin acabou dando aulas de Física e Química para o ensino médio e preparando

semináristas no Seminário Menor25

. Foi também assistente diocesano da JOC, (Juventude

Operária Católica). Sua assessoria e seu apoio trouxeram resultados fundamentais para o

futuro da organização, a ponto de ser uma resistência para o Regime Militar. Segundo

Kenneth Serbin26

, ―a JOC tornou-se uma das mais radicais organizações na Igreja

brasileira27

‖. Uma de suas canções, composta em 1967, intitulada ―Meu Brasil analfabeto‖,

Marcondes Homem de Mello. De 1923 a 1928, exerceu o magistério no Seminário Provincial de São Paulo,

seguindo depois para Lovaina na Bélgica. No dia 1 de junho de 1935 foi nomeado pelo Papa Pio XI como Bispo

da Diocese de Santos, recebendo a ordenação em 14 de junho de 1935, na Igreja Santa Cecília, em São Paulo. De

Dom Duarte Leopoldo e Silva. Em 17 de dezembro de 1941, após a morte de Dom Francisco de Campos

Barreto, foi nomeado Bispo de Campinas, tomando posse no dia 1 de março de 1942. Trabalhou pela criação da

Diocese de Piracicaba, reajustando seus limites territoriais; construiu novos prédios para a Residência Episcopal,

Curia, Centro de Pastoral Pio XII e reformou a Catedral. Incentivou a ampliação de Faculdades na Universidade

Católica, incorporou o Colégio Pio XII à Universidade, reorganizou as Vigararias e a Imprensa, organizou a

Cruzada das Senhoras Católicas com várias obras assistenciais e criou o Museu Arquidiocesano, em 1964. Em

27 de setembro de 1968 renunciou ao bispado por motivos de saúde, muito embora mantivesse a lucidez. Faleceu

em 2 de março de 1970. Foi sepultado na cripta da Catedral Metropolitana de Campinas.

24 Entrevista para Unisinos, Pe Comblin e a teologia da enxada, http://mais.uol.com.br/view/77gsd7cnudte/pe-

comblin-e-a-teologia-da-enxada-entrevista-04024D9B3668C0810326?types=A&, acessado 15.01.2012

. 25

É o lugar onde os seminaristas católicos que irão ser ordenados sacerdotes para a Igreja Católica fazem os

primeiros anos de formação. Normalmente o seminarista passa entre dois e quatro anos no Seminário Menor

depois, entra na segunda etapa da formação que é o Seminário Maior, onde conclui os estudos de filosofia e

teologia.

26

SERBIN, Kenneth. Diálogos na Sombra. Bispos e Militares, tortura e justiça social na ditadura. São

Paulo: Cia. das Letras, 2001, pg. 155.

27 Ibidem: pg.189.

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convoca ―toda a gente para fazer revolução‖. No ano seguinte, alguns jocistas participaram de

importantes greves contra o regime em Contagem, MG, e Osasco, SP.

Em 1960, no Governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira28

com o Slogan ―Crescer

cinquenta anos em cinco‖, o Brasil estava em um período de crescimento e otimismo para o

futuro, simbolizado pela construção da capital futurista, Brasília. Mesmo morando em

Campinas Comblin tornou-se professor da Escola Teológica dos Dominicanos, em São Paulo,

tendo como alunos frades notáveis na história brasileira como Frei Betto29

e Frei Tito Alencar

Lima30

, este torturado barbaramente nos cárceres da ditadura militar brasileira, o que o levou

à depressão e ao suicídio na França31

. Na história desses homens pode-se ver a influência e a

persistência dos ensinos de Comblin. O incansável Padre José permaneceu nessas viagens

Campinas/São Paulo/Campinas até 1962, na época em que tomava medidas para sair de

28

Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em Diamantina, MG, em 12 de setembro de 1902. Estudou no

seminário de Diamantina, cursou medicina em Belo Horizonte e custeou os estudos, concluídos em 1927, com os

vencimentos de telegrafista do serviço público, cargo no qual ingressou por concurso em 1921. Frequentou em

Paris o curso de cirurgia, fez estágio em Berlim em 1930. De regresso a Minas Gerais, casou-se com Sara

Lemos, em 1931. Nomeado capitão-médico da polícia mineira, chefiou o hospital de sangue de Passa Quatro, e

distinguiu-se como cirurgião durante a revolução de 1932. Em 1940 foi nomeado prefeito de Belo Horizonte,

deputado federal em 1946, governador de Minas Gerais em 1950, em novembro de 1955, assumiu a presidência

da República, com o propósito de realizar um vasto programa de desenvolvimento. Morre em um acidente de

carro, em 1976.

29

Carlos Alberto Libânio Christo, conhecido como Frei Beto, nasceu no ano de 1944, em Belo Horizonte,

MG. Atuou como líder da oposição contra o regime militar, e organizador das comunidades de base e de

programa de educação popular. Autor de mais de 13 livros, é conhecido principalmente por suas conferências e o

livro Fidel e a Religião que mostraram uma perspectiva nova sobre a relação cristã e a teologia da libertação

desde meados da década dos anos 70 até finais da próxima. Algumas obras de Frei Beto, em português: Entre

todos os homens, Batismo de sangue e o desafio ético.

30

Tito de Alencar Lima, também conhecido como Frei Tito, nasceu em Fortaleza e estudou no Liceu do

Ceará. Assumiu a direção da juventude Estudantil Católica em 1963 e foi morar em Recife. Ingressou no

noviciado dos dominicanos em Belo Horizonte em 1966 e fez a profissão dos votos no ano seguinte, mudando-se

então para São Paulo para estudar Filosofia na Universidade de São Paulo. Em outubro de 1968, Frei Tito foi

preso por participar de um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna. Foi fichado pela

polícia e tornou-se alvo de perseguição da repressão militar. No dia 4 de novembro de 1969, foi preso

juntamente com outros dominicanos pelo Delegado Fleury, do DOPS. Durante cerca de trinta dias sofreu torturas

nas dependências deste órgão, de onde foi levado para o Presídio Tiradentes.

31 BINGEMER, Maria Clara. José Comblin: o legado de um profeta.

http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=1907, acessado em 18.01.2012.

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Campinas, quando Marcos McGrath32

, da Faculdade de Teologia da Universidade Católica no

Chile convidou-o para ser professor. Ao chegar a Santiago, McGrath foi nomeado bispo em

seu país, Panamá. Neste momento, Comblin estava isolado em um ambiente conservador

ainda não afetado pela fermentação teológica. Seus anos no Chile coincidiram com os do

Concílio Vaticano II.

Durante estes primeiros anos no Brasil e no Chile, Comblin encontrou sua voz

teológica e profética voltada para os pobres e injustiçados. Começou a publicar mais, em

alguns casos, completar o trabalho que tinha começado na Bélgica. Em resposta a um pedido

do Arcebispo Suenens33

, no contexto da Guerra Fria dos anos 50, começou a reunir materiais,

artigos e desenvolveu um estudo relevante em dois volumes para uma teologia da paz34

. Em

outro trabalho, entre 1960 a 1963, examinou e escreveu sobre as contradições da Ação

Católica35

. Seus escritos publicados quase sempre são respostas à alguma pergunta pastoral, e

muitas vezes, trata-se de respostas dadas a seus companheiros,sem perder, no entanto,

eficácia, contundência e a similaridade com os dias atuais. Sua metodologia consistia em

forjar a teologia a partir da vida concreta e prática para com os pobres, seu trabalho, mística,

alegria e bom humor.

32

Arcebispo católico romano, McGrath serviu como arcebispo do Panamá a partir de 05 de fevereiro de 1969

até sua aposentadoria, em 18 de abril de 1994. Nasceu no Panamá, em 1964; fez seus estudos superiores no Chile

e Estados Unidos. Recebeu a ordenação presbiterial em 1949. Como membro da Congregação de Santa Cruz, foi

eleito bispo titular de Ceciri, em 1961. Ocupou a sede diocesana de Santiago de Veraguas em 1964. Foi

promovido a arcebispo em 1969, ocupando a sede metropolitana do Panamá. Foi presidente da Conferência

Episcopal do Panamá. Em 1966, foi vice-presidente do CELAM. Participou da Comissão Teológica do Concílio

Vaticano II.

33 Leo-Jozef Suenens, cardeal belga da Igreja Romana, nasceu em Ixelles, em 1904. Foi ordenado presbítero em

1927 e bispo em 1945. A partir de 1961 ocupou a sede metropolitana de Michelen-Brussel, a que renunciou em

1979. Foi feito cardeal por João XXIII em 1962. Suenens tentou implementar reformas e influenciar a Igreja a

aceitar a sua interpretação liberal do chamado "espírito conciliar", tornando-se assim num crítico da Cúria

Romana e da encíclica papal Humanae Vitae, que proibiu a contracepção por meios artificiais (ex: a pílula).

Além das críticas, ele foi um grande defensor do Ecumenismo e do diálogo e adaptação da Igreja ao mundo

moderno. Os seus contributos para o desenvolvimento da Renovação Carismática Católica valeram-lhe o Prêmio

Templeton, em 1976. É autor de várias obras, inclusive já traduzidas para o português, como A co-

responsabilidade da Igreja de hoje, datada de 1970.

34 Théologie de la Paix. Paris: Ed. Universitaires, vol. 1, 1960, vol. 2, 1963.

35

Échec de l’Action catholique? Paris: Ed. Universitaires, 1961.

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Comblin afirma que veio para a América Latina a uma igreja com um futuro, não

pelas razões que normalmente foram dadas, ou seja, para ―salva-la‖ do comunismo ou do

protestantismo. Em um ensaio notável sobre ―A vocação cristã do Brasil‖, de 1961, ele fez a

afirmação contra-intuitiva de que o Brasil, longe de ser fraco e precisar de ajuda externa, fora

chamado para assumir um papel de liderança na evangelização dos povos não europeus. A

missão europeia para culturas não cristãs falhou, pois eles estavam dispostos a aceitar os

avanços materiais do Ocidente, e não a sua espiritualidade. Apesar de o Brasil ser o maior

país católico do mundo, possuía algo que a Europa havia perdido, ainda é um povo cristão e

sua riqueza é a fé dos pobres. Infelizmente, as elites brasileiras, com seu senso de

inferioridade, aceitaram uma definição europeia de seus próprios problemas, especialmente a

―escassez de clero36

‖. Os brasileiros precisavam da ousadia para aceitar a sua vocação,

independentemente dos méritos de seu argumento. É impressionante que há quase 50 anos sua

análise tenha sido tão contrária à opinião de que a Igreja latino-americana é fraca e precisa de

ajuda dos ―desenvolvidos‖, fato que afirmou corajosamente.

Em 1962, a fim de ajudar os bispos chilenos, superar seu isolamento e se preparar

teológicamente para o Vaticano II, Comblin escreveu uma breve apresentação das três

décadas anteriores da teologia europeia. Algumas das teologias estão mais relacionadas a um

retorno às fontes, (teologia da pregação, a teologia querigmática, a teologia pastoral),

enquanto outras tomam como ponto de partida as aspirações do homem contemporâneo,

(teologia existencial, teologias da história, realidades terrenas, os leigos). Todas têm em

comum mover-se por um ―despertar evangélico‖.

O tema escolhido por Comblin para este artigo da revisão teológica, intitulado ―Em

direção a uma teologia da ação‖, era um tanto incomum e significativo. Entre os muitos tipos

de teologia católica (bíblica, litúrgica e pastoral), em meados do século XX, discerniu algo

que seria difícil de demonstrar a qualquer um dos teólogos, já que eles apontavam em direção

36

COMBLIN, José. Os Sinais dos Tempos e a Evangelização. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1968, pg. 52.

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a uma teologia da ―ação humana37

‖ total. Esta noção de ―ação‖, incipiente na época, é uma

motivação na obra de Comblin, embora não esteja escrito de maneira sistemática. Para

Comblin o papel dos teólogos não é simplesmente apresentar ou elaborar uma doutrina

definida ou sistematizar os dados bíblicos, nem fornecer princípios a serem aplicados

pastoralmente. Comblin assume que a ação humana tem uma prioridade sobre o trabalho

intelectual, incluindo a teologia. Esta se tornou uma noção familiar, desde que foi articulada

por Gustavo Gutiérrez38

, alguns anos depois, e assim, a teologia foi considerada o ―segundo

ato‖ 39

.

Comblin explica essa noção em dois sentidos. No sentido mais óbvio, a teologia se

relaciona com a atividade pastoral para desenhar as suas questões a partir de situações

pastorais e modestamente oferecer ajuda. Sua própria opção por fazer a maioria de seus

37

Ação humana porque é feita por um ser humano e orientada para o seu bem. Ela tem uma finalidade que só

pode ser percebida pela inteligência humana. A ação de um animal pertence ao mundo dos instintos, dos

mecanismos inconscientes, não inteligentes nem livres. Nisso difere da prática que é uma ação humana livre,

consciente e, portanto, carregada de inteligência dentro dela. E a ciência, que, por excelência, no nível de

racionalidade, oferece inteligência às práticas. E quando queremos ir mais longe e alcançar o significado

transcendente de uma prática necessitamos da teologia.

38

Gustavo Gutiérrez Merino nasceu em Lima, Perú, em 8 de junho de 1928. Sacerdote católico, é

considerado um dos pais da teologia da libertação. Autor do primeiro livro desse movimento: Teologia da

Libertação, estudou medicina, psicologia, filosofia e teologia no Perú, Chile, Roma, Bélgica e França. Fez seu

doutorado em teologia na Universidade de Lyon, na França. Nasceu em uma família pobre de operários urbanos,

conheceu o sofrimento de uma prolongada doeça durante a sua adolecência, e o impacto social de ser mestiço.

Desde seus dias de estudante e início do sacerdócio, Gutiérrez se identificou com as causas dos pobres. Sua

reflexão teológica nasceu de um compromisso cristão com as lutas populares e as comunidades eclesiais de base

ativas nos processos de libertação. Foi por muitos anos pároco de uma comunidade pobre em Lima, e foi

também fundador e diretor do centro Pastoral Bartolomeu de Las Casas. Como um dos assessores teológicos do

Conselho Episcopal Latino Americana, sua contribuição foi decisiva na formulação de alguns documentos na

Conferência de Medelin, Colômbia, em 1968. Gutiérrez foi um dois educadores principais do CELAM que

desenvolveu e promoveu no continente a nascente teologia da libertação. Suas produções teológicas têm sido

cruscial no desenvolvimento deste movimento teológico, com especial destaque para suas contribuições aos

temas clássicos da teologia como a doutrina de Deus, da salvação, da Igreja, do método teológico, da

espiritualidade da libertação e da interpretação da obra e do significado de Bartolomeu de Las Casas. Mesmo que

Gutiérrez tenha sido acusado por setores conservadores e também investigado pelo Vaticano sobre sua ortodoxia,

não foi disciplinado pelo Vaticano. Sua produção literária teve um alcance mundial e a importância de sua

teologia foi reconhecida ecumência e internacionalmente.

39 No movimento da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez ocupa um lugar de destaque. A ele se deve a

primeira obra sistemática de reflexão crítica a partir da práxis histórica da libertação em confronto com a palavra

de Deus, acolhida e vivenciada na fé. Em sua ótica, a teologia é representada com um segundo ato, que supõe

como primeiro ato não uma práxis qualquer, mas a práxis da fé, isto é, uma espiritualidade caracterizada pelo

compromisso com o outro - que no contexto latino-americano é o pobre.

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trabalhos pastorais em associação com bispos que eram voltados para as causas populares, ao

invés de seminários ou universidades, exemplifica este aspecto, assim como o grande número

de suas obras cujo ponto de partida é a situação pastoral da Igreja. No entanto, o sentido

fundamental – que norteia o pensamento de Comblin – e talvez o mais importante da ―ação

humana total‖, refere-se à ações de seres humanos livres que transformam a situação em torno

deles, e, juntos, tornam-se profundamente humanos. A ação poderia ser mais modesta, como

uma comunidade ou grupo de construção de casas, assim como esta ação poderia ser tão

grande quanto uma campanha nacional para acabar com a fome. Já em 1962, estava dizendo

que a teologia é orientada para a ação, e não simplesmente a ação pastoral da Igreja, mas as

ações para tornar o mundo mais humano.

Em 1963, Ivan Illich40

convidou um pequeno grupo de teólogos latino-americanos,

incluindo Comblin e Gutiérrez, para irem a Cuernavaca, no México. Este foi um exemplo

precoce de teólogos católicos questionando se poderia desenvolver uma teologia especial

voltada para as condições específicas da América Latina, pensamento que correspondesse à

própria visão do que era considerado como ―teologia‖, (ambos católicos e protestantes), ou

estava no fato da teologia ser ―europeia‖. Essas discussões continuaram por cerca de três

anos, em Petrópolis, Montevidéu e Santiago, em meados dos anos 60. Estas reuniões foram

precursoras para o que veio a ser chamada de ―Teologia da Libertação41

‖.

Em 1965, Comblin retornou do Chile para o Brasil, que agora estava sob a ditadura

militar. O regime militar foi anunciado em 1º de abril de 1964. Com o discurso de proteger o

país do Comunismo, empresários, Igreja e militares se uniram para derrubar o Presidente João

40

Ivan Illich, nascido em Viena, em 4 de setembro de 1926 e falecido em Bremen, em 2 de dezembro

de 2002, foi ex-padre, psicólogo e pensador e polímata austríaco.. Fez estudos de cristologia histórica e filosofia

em Florença, Salzburgo e Roma. Depois de ter trabalhado em Nova Iorque, dirigiu a Universidade Católica de

Porto Rico. Foi ainda fundador, em Cuernavaca, do Centro de Pesquisa de iniciação à cultura latino-americana e

de análise crítica à sociedade industrial. Entre seus livros destacam-se Nemesis Médicale Uexpropriation de la

santê, de 1975.

41 Entrevista com Comblin, julho de 2003. Outros presentes nas reuniões foram Juan-Luis Segundo, Lucio Gera,

Segundo Galilea, Frei Gilberto Gorgulho. Algumas de suas discussões foram coletadas na obra Cristología y

pastoral en América Latina, (1966), e Salvacion y construcción del mundo (1968).

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Goulart em um golpe e tomaram o poder, seguindo-se diversos governos comandados por

militares, por longos e tenebrosos 21 anos que levaram o Brasil ao caos: inflação galopante,

perseguições, prisões, torturas, pessoas desaparecidas, mortes de brasileiros que

corajosamente enfrentavam o ―monstro‖ tentando derrotá-lo para fazer o país retornar ao

caminho normal da democracia. Assim, estes homens não poderiam ser considerados

católicos ou protestantes, mas sim testemunhas de Jesus Cristo. As terras estavam nas mãos

de poucos, enquanto muitos agricultores íam sendo expulsos do campo para as periferias das

grandes cidades42

, sendo, os anos mais duros deste regime entre 1969 até 1974, com o

governo do Presidente Emílio Garrastazu Médici43

. Na prática, seu governo foi marcado como

o mais repressor da fase ditatorial do Brasil de toda nossa história. Mas no Nordeste florescia

uma Igreja comprometida com o mundo dos pobres e Comblin ouviu o chamado do grande

pastor e profeta Dom Hélder Câmara e estabeleceu-se em Pernambuco como membro de uma

equipe de sacerdotes que trabalhavam no Seminário Regional do Nordeste. Educação para o

ministério tornava-se uma constante no seu trabalho na América Latina, e em seus escritos,

mas especialmente em uma inovação experimental significativa.

Ao mesmo tempo, Comblin foi convidado a dar aulas no Equador e assim, de 1968 a

1972 foi professor de teologia no IPLA (Instituto Pastoral Latino Americano - Quito,

Equador). Passou a dar assessoria à diocese de Riobamba, cujo bispo, Dom Leônidas Proaño,

foi um símbolo do compromisso com a causa indígena no Equador. Até 1985 passava duas

quinzenas por ano em Riobamba e continuou frequentando a diocese até a morte de Dom

Leônidas Proaño, em 1988. Passou, ainda, a lecionar teologia pastoral na Faculdade de

Teologia da Universidade Católica de Lovaina (depois, Louvain-la–Neuve), cargo que

exerceu de 1971 a 1988. Além disso, estava fortemente inserido na Igreja de Dom Hélder, que

42

RIBEIRO, Sampaio Geraldo (Org.). Dom José Maria Peres uma voz fiel à mudança social. São Paulo: Paulus

Editora, 2005, pg.07.

43

Emílio Garrastazu Médici, (Bagé, 4 de dezembro de 1905 — Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1985), cursou o

Colégio Militar de Porto Alegre e a Escola Militar de Realengo, no Rio de Janeiro RJ, Aspirante em 1927,

chegou ao generalato em 1961 e a general de exército em 1969. Comandou a academia Militar de agulhas

negras, chefiou o serviço Nacional de Informações, foi adido militar em Washington, delegado na Junta

interamericana de Defesa e na comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Chegou à Presidência em novembro de

1969 à março de 1974, foi considerado o governo de mão de ferro.

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marcava o cenário nordestino e nacional pelo seu compromisso com as causas populares.

Dava assessoria a Dom Hélder na elaboração de posicionamentos, documentos e intervenções.

As igrejas de Recife e Olinda se tornaram uma grande esperança para os pobres.

Em 1966, convidado por Dom Hélder, Comblin chegou ao ITER (Instituto de

Teologia de Recife) para dar aula aos seminaristas, e lá encontrou um projeto para construir

um seminário futurista e significativo para um número estimado em 600 alunos; projeto este

sonhado por Hélder Câmara e pago com financiamento norte-americano. Se o problema da

igreja latino-americana era ―escassez de clero‖, foi resolvido com dinheiro de pessoas do

Atlântico Norte, mesmo assim foi questionado fortemente por Comblin. Quando o seminário

foi inaugurado, em 1966, havia menos de uma centena de alunos. O pós-Vaticano II trouxe

uma crise para os padres. Assim, os sacerdotes procuraram a laicização em massa. No Brasil,

em alguns anos cerca de 4000-5000 sacerdotes (de 15.000) renunciaram. Os seminaristas não

queriam viver no recinto do seminário, mas em pequenas comunidades em bairros comuns.

Na América Latina, a discussão do sacerdócio, em 1960, tomou uma direção

diferente do que ocorreu em países do Atlântico Norte, nestes impulsionada pela questão do

celibato. Na América Latina, Comblin e outros perceberam que a questão não era apenas o

celibato, mas de cultura. O que a igreja precisava era de ministros que pudessem se comunicar

com a grande maioria dos latino-americanos, que eram pobres e muitas vezes viviam em

zonas rurais. Mas com o passar dos anos, em um seminário, Comblin também formulou a

pergunta aos padres, se estes poderiam ou deveriam ser celibatários ou casados; esta era a

questão cultural mais ampla.

1.1.2 Ditadura Militar, CELAM e o caso Comblin

Em 1968, Comblin foi introduzido involuntariamente para trabalhar com dezenas de

pessoas e Hélder Câmara o estabeleceu para aconselhá-lo na preparação para a reunião do

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30

CELAM44

(Conferência Episcopal Latino-americano), marcada para agosto daquele ano, na

cidade de Medellin, Colômbia.

Comblin escreveu um conjunto de 27 páginas de observações em resposta ao

documento de estudo divulgado pelo CELAM. Grande parte do trabalho foi dedicada ao

desenvolvimento de fatores que impedem o modo de agir, incluindo a cultura da própria

Igreja e os quatro séculos de cultura ibérica, o colonialismo e a estrutura de classes. A certa

altura Comblin afirma que privilegiava tradicionalmente novas estruturas e estabeleceu um

grupo capaz de tomar o poder com o devido apoio e impor as mudanças necessárias, mesmo

sobre aqueles que não estavam dispostos a tomar o poder do Estado, pela força, se necessário.

Ele disse explicitamente que não existia um modelo único, e que maneiras pacíficas de tomar

e exercer o poder merecem ser estudadas.

Este documento interno vazou para as autoridades e o vereador Wandenkolk

Wanderley denunciou, na Câmara Municipal de Recife, a existência de um manisfesto

subversivo, a qual foi impressa em um jornal de Recife e depois em todos os jornais do país.

O texto da Folha de São Paulo de 13 de junho de 1968 com o título: ―D. Hélder explica o

documento de Comblin‖ declara que o vereador pediu a cassação de D. Hélder e a expulsão

de Comblin, pois acreditava que o escrito levaria à revolução armada dos camponeses e a

dissolução das forças armadas do Brasil.

44

CELAM: Em 1955, como resultado da primeira conferência geral dos bispos latino-americanos, realizada no

Rio de Janeiro, criou-se o Concílio Episcopal Latino Americano. Como opção de consulta, o fim último do

CELAM é estudar os problemas da Igreja na América Latina, coordenando suas atividades e preparando

assembleias para o seu episcopado. Entre 1955 e 1968, ano da segunda Conferência Episcopal realizada em

Medellin, CELAM concentrou seus trabalhos em duas áreas: vida da Igreja e investigação econômica. O

CELAM assumiu a tarefa de desenvolver uma pastoral de conjunto cuja intenção é integrar o trabalho pastoral à

realidade social do continente. Estes estudos conduziram o episcopado latino americano a uma nova consciência

da realidade de extrema pobreza e exploração que o povo latino-americano sofre junto ao estancamento da Igreja

em sua gestão evangelizadora. Por outro lado, estas indagações também levaram o episcopado latino americano

ao conhecimento dos movimentos de renovação bíblica e de liturgia na Europa, as novas tendências teológicas e

as várias formas de ação social e justiça da Igreja no mundo. Mais ainda, o Concílio Vaticano II criou um espaço

fértil para que o episcopado latino americano pudesse compartilhar e discutir as preocupações da região num

nível global e ecumênico. Além disso, o Concílio Vaticano II Impulsionou um lugar proeminente para as

conferências regionais, criando um novo modelo de relação entre o Vaticano e o episcopado latino-americano, e

promovendo a tarefa regional e comunal da Igreja na região.

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Este mesmo jornal trazia o resumo do documento elaborado por Comblin que tratava

dos seguintes temas: posição da Igreja, poder legítimo, contra o fanatismo e ação da Igreja,

dando uma posição cristã para o encontro que iria acontecer. O texto, porém, se tornou uma

afronta para o regime da época. Aqueles que leram o documento acreditaram que era uma

chamada à revolução por um estrangeiro. Ignoraram a possibilidade de ser um manifesto,

simplesmente uma tentativa de esclarecer os assuntos conceitualmente do ponto de vista

pastoral. O alarme entre os grupos conservadores e o governo militar, que estava prestes a se

tornar muito mais brutal, pode ter sido alimentado pela atmosfera da ―revolução‖ mundial de

196845

.

O objetivo real do ataque por parte de políticos e da imprensa parecia ter sido Dom

Hélder Câmara que teria elaborado o documento. Comblin já tinha uma viagem programada

ao Equador para dar um curso e permaneceu ali por várias semanas, neste meio tempo a

organização de extrema-direita da Tradição, Família e Propriedade46

realizou um abaixo

assinado nacional contra o padre, a fim de que Comblin se dirigisse a Roma. Entretanto, o

furor terminou e ele pode voltar ao seu trabalho normal. Este episódio ficou conhecido como

45

Revolução mundial em 1968: Ainda que em geral se discuta quase obsessivamente as influências das

jornadas de 1968, sobretudo no que se refere às modificações culturais e comportamentais da sociedade

contemporânea – liberdade sexual, crise do autoritarismo familiar etc. – o grande debate explícito ou implícito

que organiza a reflexão em curso que poderíamos definir de mais fina centra-se na tentativa de explicação das

razões e significados profundos daqueles acontecimentos, e, sobretudo agora, de sua validade programática ou

superação, esgotamento e crise. Apresentam-se comumente em forma analógica os sucessos ocorridos há quatro

décadas como o ápice de cataclismo geológico que, após forte acumulação de forças, iniciou o processo de

liberação das fortes tensões anteriormente reprimidas, em 1967, seguindo-se a essa pré-convulsão fortes e

variados abalos tectônicos, com um principal e grande epicentro em 1968, e movimentos secundários

posteriores, nos meses seguintes àquele ao ano referencial. Ainda que essa comparação circunscreva a

importante sucessão e ritmos dos acontecimentos ocorridos, com grande destaque, sobretudo nos USA, na Itália

e na Alemanha Federal, na Espanha em 1967, e, a seguir, principalmente na França, México, Brasil, Polônia,

Paquistão, em 1968, ela sequer esboça as razões e significados profundos dos fatos em discussão, já que não

elucida minimamente as origens e singularidades das fortíssimas tensões e sucessivas distensões sociais vividas

em importantes regiões da Europa, América e Ásia, e, sobretudo, as causas da extenuação, dissolução ou

frustração daquele movimento. 46

Tradição, Família e Propriedade (TFP) ou Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e

Propriedade (1960) é uma organização católica tradicionalista, conservadora, e anticomunista brasileira. Foi

fundada em 1960 por Plínio Correia de Oliveira, deputado federal, Constituinte em 1934 e jornalista católico.

Pautada nos princípios de "sua devoção estranhada à Santíssima Virgem (...)", a nova sociedade baseava-se em

sua obra Revolução e contra revolução (1959) e propõe uma vigorosa reação com base no amor à ordem cristã e

na aversão à desordem.

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o ―Caso Comblin‖ e repercutiu em todo o país. O documento defendia uma revolução social e

criticava claramente o funcionamento da Igreja.

No entanto, a repressão em geral aumentou. O Padre Antônio Henrique Pereira Neto

foi sequestrado na noite de 26 de maio de 1969, no bairro de Parnamirim, em Recife, depois

de participar de uma reunião com um grupo de jovens católicos. De acordo com uma

testemunha, ele acabava de sair do local do encontro, quando foi abordado por três homens

armados que o levaram em um veículo. Na manhã do dia seguinte, seu corpo seria encontrado

num matagal da Cidade Universitária, mutilado e castrado pelo Comando de Caça aos

Comunistas47

, no Recife. Era obviamente uma mensagem dirigida à pessoa de Dom Hélder

Câmara e seus padres, entre eles, com certeza visavam à pessoa de Comblin, além de partidos

políticos e imprensa. Os sindicatos foram amordaçados, os ativistas foram presos, torturados

e, em alguns casos, mortos. A imprensa foi proibida de relatar qualquer assunto sobre Dom

Hélder Câmara.

Em 24 de março de 1972, quando Comblin estava retornando de uma viagem a

Europa foi detido no aeroporto e não teve permissão para entrar no país, pois tinha se tornado

―persona non grata‖ para os militares.

1.1.3 Vida no Chile, Ditadura e o “Estado de segurança nacional”

Inesperadamente forçado a sair do Brasil, Comblin aceitou uma oferta do Bispo

Carlos Gonzalez48

para trabalhar na cidade de Talca, uma diocese rural localizada a 241

47

Comando de Caça aos Comunistas (CCC, às vezes referido como Comando de Caça aos Estudantes

Comunistas) foi uma organização direitista anticomunista brasileira, composta por estudantes e intelectuais, os

quais, durante o Regime Militar no Brasil, agiram em favor do mesmo, denunciando, atacando, sequestrando e

assassinando pessoas contrárias ao regime então vigente.

48 Carlos Gonzalez Nascido em 1921 em Santiago e ordenado sacerdote em 1944, desde o começo da ditadura

tomou a corajosa decisão de se colocar do lado dos oprimidos. Foi um dos que resistiram à ditadura no Chile

contra Pinochet, por causa dos direitos humanos que estava sendo desrespeitado. Faleceu em 21 de Setembro de

2001 em Talca, junto aos seus camponeses, em decorrência de um câncer hepático que foi detectado em agosto

do ano anterior. A presidenta do Chile, Michelle Bachelet, pouco antes de sua morte, lhe enviou uma carta

reconhecendo seu corajoso trabalho nos tempos mais obscuros: ―Este é um bom momento para lhe agradecer por

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quilômetros ao sul de Santiago. Bispo Gonzalez não lhe deu atribuição oficial, mas o

encorajou a fazer o trabalho pastoral.

Para muitos chilenos e outros, a adesão do governo da Unidade Popular, liderado por

Salvador Allende49

, parecia predizer a possibilidade de uma tomada de poder e trazer as

mudanças necessárias de maneira pacífica. Pessoas de Igrejas Católica e Protestante formaram

um Movimento Político com o nome: "Cristãos pelo Socialismo50

‖. O movimento foi o

anfitrião de um encontro continental com delegados de vários países. Os bispos do Chile que

refletiam sua própria sensibilidade cristã democrata, no entanto, haviam declarado suas

oposições a estes sacerdotes, argumentando que os padres e a igreja deveriam estar acima da

política partidária. A sociedade chilena e a Igreja foram se tornando cada vez mais

polarizadas. Vindo da repressão militar do Brasil, no Chile, Comblin sentiu que estava indo

para um golpe de Estado; ele se distanciou dos cristãos pelo socialismo. Quando o golpe veio,

em setembro de 1973, ele foi capaz de permanecer no Chile, enquanto milhares foram

obrigados a fugir.

Comblin logo escreveu sobre a nova prática pastoral da Igreja em uma situação de

ditadura. Ao fazer isso, ele não focava apenas sobre os abusos dos militares (assassinato,

tortura, repressão das organizações etc), mas sim na ideologia subjacente, particularmente

tudo de bom que você fez pelo Chile e seu povo‖. E o povo também lhe agradeceu, mas na rua: no dia de seu

funeral, milhares de pessoas se despediram dele dentro e fora da catedral de Talca, onde foi sepultado.

49

Salvador Allende Gossens nasceu em Valparaíso em 1908, numa família abastada. Durante o curso de

medicina, na Universidade do Chile, conheceu um grupo de estudantes cujas ideias progressistas despertaram-lhe

a paixão pela política. Concluindo o curso, regressou a Valparaiso, onde começou a exercer sua profissão. Em

abril de 1933, participou da fundação do partido Socialista do Chile, no qual no início participou como secretário

geral de sua zona. Em 1937, elegeu-se deputado; entre 1939 e 1942 foi ministro da saúde do primeiro governo da

frente popular; foi eleito senador em 1945. Em 1970, Allende conseguiu se eleger presidente. Em 1973 foi morto

no palácio presidencial durante o ataque desfechado pelos golpistas liderado por Pinochet;

50 Cristãos pelo Socialismo (CPS), surgiu em 1971 em Allende, no Chile, para apoiar, a partir das fileiras

cristãs, a transformação que o governo da Unidade Popular estava promovendo. Respirava-se, então, os ares do

Concílio e, depois, da Conferência de Medellín de 1968, na América Latina. As comunidades de base e a

Teologia da Libertação estavam dando os primeiros passos. Foram momentos privilegiados, de extraordinária

riqueza espiritual. Talvez o mais importante esforço da Igreja para aproximar-se do povo.

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articulada por intelectuais militares, como o general Golbery51

, do Brasil. Em primeiro lugar,

ele apresentou a ideologia e a criticou teologicamente. Em seguida, escreveu sobre o assunto

em artigos e livros. Os articuladores da ideologia de segurança nacional falavam da

geopolítica como uma ciência central, e imaginavam o mundo em um estado contínuo de

guerra. O Estado estava sendo governado por um grupo de elites. Partindo do pressuposto de

que a Igreja também compartilhava a sua inimizade com o comunismo, a ideologia da

segurança nacional propôs uma parceria entre Igreja e Estado. Apesar de algumas

organizações e algumas pessoas da Igreja aceitarem a proposta feita pelos militares, a maior

parte a rejeitou por várias razões. Os militares queriam utilizar a religião na forma de cultura,

não a fé evangélica. O mais importante para esse setor da Igreja foi entender que a

evangelização não podia ser feita pela violência. Para Comblin:

―Evangelização é mais do que um apelo à liberdade: é um ato de despertar

liberdade. A evangelização não pode ser alcançada em um clima de força,

pelo uso de violência ou por meio de pressão. Consequentemente, se o

propósito da igreja é a evangelização, não pode juntar-se aos movimentos

violentos ou submeter-se a eles‖52

.

Para Comblin, a antropologia cristã é radicalmente oposta à visão hobbesiana53

do

estado de segurança nacional, que divide as pessoas em amigos e inimigos. O ponto de vista

51

Golbery do Couto e Silva nasceu no Rio Grande do Sul, em 1911. Cursou a Escola Militar do Realengo, a

escola das Armas, Escola de Estado Maior e a Escola Superior de Guerra. Em 1952, formulou a doutrina de

segurança nacional que pregava o alinhamento do Brasil com o ocidente em confronto com o bloco soviético.

Em 1962 assumiu o IPES; em 1967 assumiu o tribunal de contas da União e morreu em São Paulo em 1987.

Personalidade importante no período da ditadura brasileira (1964-1977), Comblin o descreve como um homem

culto, inteligente, da ala mais mansa do sistema militar, e diz que ele se dava muito bem com Castelo Branco,

depois com Costa e Silva, ficando afastado com Emílio Garrastazu Médici, mas voltando posteriormente com o

general Ernesto Geisel, todos militares e que ocuparam a presidência do Brasil no regime militar.

52

COMBLIN, José. A Ideologia da Segurança Nacional. O Poder Militar na América Latina. Rio de Janeiro:

Civilização brasileira, 1978, pg. 20.

53

Esta filosofia de Hobbes exerceu profunda influência no pensamento de Rosseau, Kant e os enciclopedistas.

Contribuiu assim para preparar, no plano ideológico, o advento de revolução francesa. Thomas Robbes nasceu

em Westpoint, Inglaterra, em 05 de abril 1588. Graduou-se em Oxford em 1608 e tornou-se preceptor do filho de

Lord Cavendish, com quem viajou para a França e para Itália. No continente europeu, onde esteve outras vezes,

tomou contato com as descobertas de Johann Kepler e Galileu sobre os movimentos planetários e com

importantes pensadores, o que estimulou seu interesse pela ciência e pela filosofia. De volta à Inglaterra em

1637, Hobbes trocou a especulação abstrata pela filosofia política. Em the Elements of Law, Natural and Politic,

obra que começou a circular em manuscrito em 1640, defendia a ideia segundo a qual os homens só podem viver

em paz se concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. Em 1640, fugindo do governo de

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de segurança nacional assume que os seres humanos precisam ter paz imposta de cima pelo

poder, uma hipótese em desacordo com o cristianismo. A ideologia de segurança nacional não

considera os seres humanos como livres, pelo menos não seres humanos comuns. A ordem

deve ser imposta de cima. Contudo, do ponto de vista cristão, a liberdade é fundamental para

o ser humano e envolve um processo que é ao mesmo tempo individual (se livrar da

escravidão interior) e social (trabalhar com outros).

Comblin passou a discutir a nova prática da Igreja pastoral, que tinha como visão

esses regimes sob dois títulos, a defesa dos direitos humanos e da crítica ao modelo de

desenvolvimento imposto por esses regimes, o que pode alcançar um crescimento do PIB,

mas o faz às custas do povo.

Deve ser lembrado que quando Comblin estava escrevendo, o movimento de defesa

dos direitos humanos estava em seu início. De fato muito do que cresceu foi em resposta à

violência do golpe chileno e suas conseqüências. Pouco ou nenhum outro teólogo estava

escrevendo sobre esses assuntos.

Convencionalmente, o trabalho de Comblin era visto como uma crítica e podia

parecer teologia moral ou uma aplicação da doutrina social da Igreja. Comblin, no entanto, via

Oliver Cromwell, Hobbes foi viver em Paris, onde escreveu Contestações às Meditationes, de Descartes, e

publicou a primeira versão de De cive, em que tratou a questões das relações entre Igreja e Estado. Para Hobbes,

a Igreja cristã e o Estado cristão formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o direito de

interpretar as escrituras, decidir questões religiosas e presidir o culto. Em 1651 saiu a principal obra de Hobbes

Leviantha or Marter, Form and Power of a Leviatã Common weaht, Elesiastical na civil. Segundo o filósofo, a

primeira lei natural do homem é a da autopreservação, que o induz a impor-se sobre os demais; por isso, a vida

seria uma ―guerra de todos contra todos‖ na qual ―o homem é o lobo do homem‖. Para construir uma sociedade,

o homem tem que renunciar a parte dos seus direitos e estabelecer um ―contrato social‖ garantido pela soberania.

Esta, para ser efetiva, tem que recair sobre uma só pessoa. Contudo, é importante notar que ao contrário dos

autores que o precederam, para Hobbes, a fonte do poder monárquico não residia no direito divino, mas na

manutenção do contrato social. Depois da restauração de 1660, foi reabilitado pelo rei, mas, por causa das

acusações de ateísmo lançadas contra ele por autoridades eclesiásticas, preferiu não interferir na vida pública.

Aos 87 anos, Hobbes traduziu a Odisséia, um ano depois publicou uma tradução da Ilíada. Morreu em Hardwick

Hall, em 4 dezembro de 1679. Hobbes inicia a sua argumentação com a premissa de que no estado de natureza

todos os homens são movidos pelo instinto de conservação. A luta pela sobrevivência instaura a guerra de todos

contra todos.

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como uma obra fundamental para a teologia. Em um ponto ele discute o ―certo‖ e o ―errado‖

da teologia. ―O errado da teologia em primeiro momento é o silêncio sobre os principais

problemas do momento.‖ O segundo momento impediria o povo de Deus de aceitar sua

responsabilidade, talvez por abranger mais problemas.

Comblin passou o resto da década de 1970 no Chile, onde também esteve à frente da

criação de um seminário em Talca. Então, em 1980, quando desembarcou no aeroporto de

Santiago, vindo da Europa, foi-lhe dito que não podia desembarcar naqule país, embarcando

para Buenos Aires, sem receber nenhuma acusação formal.

O livro ―A ideologia da segurança nacional‖ foi escrito quando Comblin se

encontrava no Chile, período em que prestava assessoria a entidades de defesa dos direitos

humanos, dentre elas o Vicariato de la Solidariedad de Santiago, única instituição que

enfrentou o ditador Pinochet na questão das torturas e dos desaparecimentos durante o regime

militar, e que nesse momento solicitou que ele escrevesse algo dentro desta temática. Quando

questionado se o conteúdo do livro tinha alguma relação com a situação política do Brasil,

que nesse mesmo período vivia sob o regime da ditadura militar, Comblin afirma:

―Tem, porque eu falei em conjunto. Tinha a segurança nacional que era

comum em toda a América Latina, porque afinal era uma coisa que veio dos

EUA, era um plano norte americano que todos os que passaram pela Escola

das Américas tinham aprendido e os brasileiros deviam estar mais instruídos

ainda, porque tinha o general Golbery que era uma personalidade intelectual

e também porque depois de terminada a guerra da Itália, quando voltaram

para a América, foram primeiro para os Estados Unidos passar uma

temporada para aprender mais, depois voltaram com uma ―boa formação54

54

MACIEL, Wilma Antunes. Repressão Judicial no Brasil de 1969 à 1971. Dissertação de Mestrado em

História da Faculdade de História da USP, 2003.

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37

Esse livro teve muita repercussão e foi a causa da expulsão do Padre José Comblin

do Chile, especialmente porque fazia alusão especial ao general Pinochet55

. Comblin explica

que tinha lido dois pequenos livros do general Pinochet sobre a estratégia mundial e

geopolítica, que se tratava praticamente de um plano de conquista do mundo. Diz que ele foi

professor na Escola de Guerra, em Quito, e quando voltou para o Chile, publicou os seus

ensinamentos. Ocorre que Comblin descobriu um livro de um general argentino de onde

Pinochet tinha copiado várias páginas sem dizer de onde havia retirado. Afirma que ele

simplesmente plagiou e por isso, certamente não gostou de ver seu nome mencionado em ―A

ideologia da segurança nacional‖.

Durante o tempo que permaneceu no Chile, suas principais contribuições foram: A

fundação do Seminário Rural, em 1979, em Alto de las Cruces, Talca; experiência de

formação ao sacerdócio de jovens do meio rural reinventado a sua cultura camponesa; outra

colaboração foi o curso de formação para professores de religião: fundamentos bíblicos e

teológicos para um grupo de professores e lideranças populares.

1.1.4 Retorno ao Brasil, porém com restrições

A deportação de Comblin do Brasil se deu por meio do sistema de justiça militar.

Advogados que trabalhavam para o Cardeal Arns56

, de São Paulo foram capazes de alterar seu

55

Augusto Joseph Ramón Pinochet Ugarte (1915-2006), general do exército chileno, ascendeu ao poder por

meio de uma insurreição sangrenta, em 11 de setembro de 1975. Iniciou então um governo autoritário na

liderança de uma junta militar. Ele nasceu em 11 de novembro de 1915, em Valparaiso, Chile. Graduou-se em

1936 pela Academia Militar de Santiago e, após uma carreira brilhante, exerceu cargos de chefe de Estado Maior

e de comandante em chefe das forças armadas. Em seguida à insurreição que derrubou o governo de Allende,

passou a liderar uma junta de governo. No campo político, empreendeu uma dura campanha e repreessão aos

grupos vinculados ao regime socialista. Um ano depois do golpe militar, ordenou o fim do estado de guerra, mas

manteve por muitos anos o estado de sítio.

56

Paulo Evaristo Arns: Nasceu em Forquilhinha, interior de Santa Catarina, e ordenou-se padre em 1945.

Religioso com formação erudita e ligado ao setor progressista da Igreja, doutorou-se com o mais alto grau

acadêmico, ―très honorable", em Letras pela Universidade de Sorbonne, em Paris, na França, com a tese

intitulada A Técnica do Livro de São Jerônimo, em 1952. De volta a Petrópolis, trabalhou como professor de

Teologia, como jornalista e como vigário nos subúrbios da cidade. Foi promovido à condição de bispo em 1966.

Quatro anos depois, o papa Paulo VI nomeou-o arcebispo de São Paulo, e, em 1973, cardeal. Pediu demissão do

cargo de cardeal-arcebispo em 1998, como determinam as normas da Igreja. Incentivando a integração entre

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status e assim, ele foi autorizado a retornar ao Brasil em 1980 com um visto de turista durante

o momento em que o governo militar estava se preparando para um retorno ao governo civil, e

assim, muitos exilados brasileiros também acabaram retornando.

Ele se reuniu com seus colegas de várias dioceses e juntamente com eles decidiram

pela criação de um programa de treinamento, localizado na diocese de João Pessoa e chefiada

pelo bispo José Maria Pires57

, novamente uma ―Teologia da Enxada‖. Esta teologia nasceu

antes de Comblin ser exilado, porém trataremos mais tarde deste tema, dando ênfase a este

pensamento. O programa para treinar camponeses para serem sacerdotes foi iniciado, mas o

Vaticano o proibiu.

O programa passou à preparação de ―missionários leigos‖. Missão, neste caso, não

era entendida como proselitismo, no sentido estrito, mas implicava sair de sua comunidade. A

formação dada aos missionários era relativamente intensa, de várias sessões no mês,

principalmente durante a temporada de folga agrícola.

No início de 1980, com a ascensão do Partido dos Trabalhadores e a perspectiva da

democracia, muitos esperavam que as aspirações dos pobres por uma sociedade mais justa

poderiam finalmente ser realizadas. Comblin e seus colegas pensaram que seus programas

padres, religiosos e leigos, criou 43 paróquias e apoiou a criação de mais de 2 mil Comunidades Eclesiais de

Base (CEBs) nas periferias da metrópole. Vinte e oito anos à frente da segunda maior comunidade católica do

mundo, a Arquidiocese de São Paulo, com cerca de 7,8 milhões de fiéis, perdendo apenas para a da Cidade do

México, Dom Paulo Evaristo Arns foi uma das mais expressivas lideranças religiosas do Brasil. Logo que

assumiu o cargo de arcebispo da cidade, em 1970, vendeu o Palácio Episcopal por 5 milhões de doláres e

empregou o dinheiro na construção de 1.200 centros comunitários na periferia. Impressionou o país e o mundo

pelas suas atividades em defesa dos direitos humanos durante o período da ditadura militar, quando combateu a

intransigência do regime militar e agiu em favor das vítimas da repressão. Defendeu também os líderes sindicais

nas greves, apoiou a campanha contra o desemprego e o movimento pelas eleições diretas.

57

Dom José Maria Pires: nasceu no distrito de Córregos (Minas Gerais), e aos 12 anos entrou para o

seminário, ordenando-se padre aos 22, em Diamantina. Sua ordenação a Bispo veio em 1957, e Arcebispo,

em 1965. No ano seguinte, Dom Hélder Câmara o conduziu à região Nordeste do Brasil. Foi Bispo de

Araçuaí, membro da Comissão Central da CNBB, presidente da Comissão Episcopal Regional do Nordeste.

Renunciou em 29 de novembro de 1995.

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poderiam preparar líderes leigos, que desempenhariam um papel-chave na reforma agrária.

Essas esperanças foram frustradas quando as elites se reafirmaram, partidos conservadores

ganharam as eleições e a reforma agrária pouco aconteceu. Os próprios escritos de Comblin

nos últimos 25 anos muitas vezes registram decepção com a evolução da sociedade e da

Igreja.

No final da decada de 80, quando a maioria dos outros teólogos ainda estava

entusiasticamente apontando para as comunidades de base como um "novo modo de ser

Igreja", como se o fenômeno fosse generalizado e ganhasse terreno, em 1990, Comblin

escreveu um artigo questionando a direção do movimento. Ele levantou uma série de questões

como o perigo da ―pastoral‖ de base comunitária que simplesmente fazia funções paroquiais e

―políticas‖, concluindo que as comunidades de base da igreja perderam sua identidade. A

crítica mais reveladora foi a de que comunidades de base são bastante dependentes de agentes

oficiais da Igreja pastoral; leigos não podem agir por conta própria na Igreja.

Ele analisou a propagação da teologia conservadora na América Latina, e tornou-se

cada vez mais crítico do papado de João Paulo II. Em um livro sobre as perspectivas para o

século XXI, Comblin comparou a esperança do Pós-concilium com a Era Medellin para ser

capaz de criar uma nova sociedade, momento em que a situação entre ricos e pobres na

década de 90 parecia estar formando um grande abismo. Mesmo assim, ele continuou a

defender a ação no campo social, político, econômico, cultural e na libertação pessoal58

.

1.2 Inspirado pelo Padre Ibiapina e ao lado de Dom Hélder Câmara

Esta seção pretende dar ênfase a estes dois homens, sabendo, entretanto que, os

escritos abaixo não darão conta de todas as informações sobre suas vidas e suas ações. Porém,

queremos relatar e revelar algumas experiências e ações que de alguma maneira influenciaram

58

COMBLIN, José. Cristãos rumo ao século XXI. Novos caminhos de libertação. São Paulo: Paulus Editora,

1996, pg. 344.

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José Comblin. Apesar deste se relacionar com muitas personagens da história da América

Latina, escolhemos Ibiapina pela admiração da parte de Comblin e citações, e Hélder Câmara

pela convivência muito próxima com Padre José Comblin por muitos anos.

1.2.1 Padre José Antônio de Maria Ibiapina

Para Comblin, o Padre Ibiapina sofreu várias injustiças durante a vida: a morte de

parentes, como o pai e o irmão, devido uma revolução, a traição da noiva, as afrontas da lei

como advogado e juiz e a corrupção da política como deputado. Estes fatos ajudaram a

transformar este sacerdote em um exemplo de missionário, incansável, insistente pela causa

dos pobres no sertão nordestino. Sobre o Padre Ibiapina, Comblin declara:

―Renunciou à vida de advogado. Era mais um fracasso, dessa vez a carreira

de advogado. Antes experimentou o fracasso na carreira de juiz e na carreira

de deputado. E, ainda teve o noivado fracassado... Foram muitos os fracassos

em poucos anos. Em todos esses fracassos, a sua intransigência, a sua

inflexibilidade moral e a impetuosidade do seu caráter tiveram grande

influência. Será que sua vida seria de puros fracassos? Nunca aprenderia a

arte de viver no meio deste mundo com os seus vícios e abusos? Na

realidade, Pereirinha ainda não havia descoberto a sua verdadeira

vocação‖59

.

Com suas preleções, persistência e atitudes concretas em beneficio do povo,

desafiava as pessoas a serem ajudadoras contínuas das obras desenvolvidas para auxiliar os

mais necessitados das cidades pelas quais o padre passava. Era considerado por Comblin um

dos maiores missionários do nordeste, pela distância percorrida e pelas obras realizadas.

Acredita-se por essas atitudes de Ibiapina que Comblin foi influenciado e sua vida não foi

mais a mesma, pedindo assim para ser enterrado ao lado do tumulo deste homem destemido,

por isso, é importante citar alguns passos da sua vida e notar as inter-relações com a vida do

Padre José Comblin.

59

COMBLIN, José. Padre Ibiapina. São Paulo: Paulus Editora, 2011, pg. 23.

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O Padre José Antônio de Maria Ibiapina nasceu em um sítio de Ibiapina, no

município de Sobral, Ceará, no dia 5 de Agosto de 1806; era o terceiro filho de Francisco

Miguel e Tereza Maria de Jesus. Ainda criança, a família se mudou para Icó, onde seu pai

exerceu o ofício de escrivão no tabelião da cidade e ali ficou até 1819. Neste tempo, a família

mudou para Crato em consequência da transferência do pai. Nesta cidade, o vigário descobriu

a vocação sacerdotal de Ibiapina e investiu na vida do garoto para estudar latim em outra

cidade, e com 17 anos, Ibiapina seguiu para Olinda destinado ao seminário e ao sacerdócio.

Comblin relata que Ibiapina ficou no seminário de Olinda somente de 1823 a 1825

por não encontrar lá o que desejava:

―Permaneceu pouco tempo no seminário de Olinda. Os motivos não

aparecem claramente. A crônica das Casas de Caridades diz: ―não

encontrando, porém, naquele templo de virtude e das ciências e moralidade a

religiosidade que esperava, demorou-se pouco e passou-se para o ―Convento

da Madre de Deus.‖ Deve ter passado um pouco mais de um ano no

Convento, em Recife‖. Aí estavam os padres oratorianos, que deixaram no

jovem uma impressão profunda. De fato, há entre a espiritualidade dessa

congregação e a espiritualidade de Padre Ibiapina claras afinidades. A

espiritualidade oratoriana é prática e concreta. Exalta o serviço em favor do

próximo. A espiritualidade de Padre Ibiapina é feita de serviço prático, de

atividades incessantes. Nos seus escritos, o vício que mais condena é a

preguiça, e a sua maior exortação é para pessoa ficar sempre ocupada com o

serviço ao próximo, quando não está em oração‖60

.

A influência e a disciplina ensinada por esses padres oratorianos iriam acompanhar

Ibiapina por sua vida inteira, e essa experiência chama a atenção de Comblin, em

consequência da espiritualidade e por não estar somente na casa de oração, mas que deveria

praticar o aprendido entre as pessoas necessitadas.

60

COMBLIN, José. Padre Ibiapina. São Paulo: Paulus Editora, 2011, pg. 18.

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Seu pai teve parte ativa na revolução de 1824, conhecida como Confederação do

Equador61

, e foi fuzilado. O seu irmão mais velho, pela mesma razão, foi preso na ilha de

Fernando de Noronha, onde morreu misteriosamente. Assim, Ibiapina teve que voltar para o

Ceará e assumir a família; nesse tempo, a mãe faleceu de parto prematuro. Ibiapina transferiu-

se para Recife juntamente com os irmãos órfãos, deste modo, os parentes mais próximos

ajudariam a cuidar e Ibiapina poderia voltar a seus estudos no mosteiro de São Bento. Esforço

tremendo de um rapaz novo, mas que mostra nas palavras de Comblin os vínculos fraternos e

a dedicação pela família. Porém, nota-se também a profunda injustiça da sociedade brasileira

da época, formando assim, em Ibiapina, um lutador por uma sociedade diferente, onde

reinasse o império da lei e da justiça.

Em 1828, José Antônio ingressou na Faculdade de Direito no mosteiro de São Bento

decidido a ser advogado, deixando assim, o sacerdócio. Em 1832 iniciou sua carreira de leigo

no mundo jurídico e exerceu a advocacia durante 12 anos. Comblin declara que não tem

nenhuma explicação sobre o Padre ter deixado o estudo sacerdotal para assumir outra carreira:

―José Antônio Pereira Ibiapina tem 26 anos. Torna-se bacharel. No fundo,

não sabemos por que não chegou a completar os estudos do seminário e a

se ordenar. Os documentos não nos fornecem nenhuma explicação‖62

.

Após abandonar sua carreira pública, por ter perdido a causa de um amigo que

para ele era causa ganha, fechou o seu escritório e passou três anos em retiro espiritual,

meditação e exercícios de piedade. Essas atitudes de renúncia e de severidade para com ele

mesmo sempre foram uma marca na vida deste futuro sacerdote, e também marcaram a

vida de Comblin, pelas decisões sinceras tomadas por Ibiapina. Essa experiência de

61

A Confederação do Equador é o nome com que se tornou conhecido o movimento revolucionário que

eclodiu em Pernambuco em 1824. Os pernambucanos, que sete anos antes, no reinado de D. João VI, haviam

tentado implantar uma república autônoma, pretendiam dessa vez executar um plano mais amplo e audacioso,

reunindo todas as províncias do Norte e Nordeste do país. Pernambuco se encontrava conflagrado desde o ano

anterior, quando se tornou irremediável o rompimento com o governo imperial. O carmelita Joaquim do Amor

Divino publicava em seu jornal as bases de um pacto social com uma clara mensagem abolicionista e exigindo

uma constituinte inspirada nas luzes do século. 62

COMBLIN, José. Padre Ibiapina. São Paulo: Paulus Editora, 2011, pg. 20.

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silêncio e solidão serviu para avaliar todo seu passado, de tantas e variadas vicitudes, e para

programar o futuro que se abria num horizonte amplo de vocação cristã, no desejo de

colaborar, diz Araújo, na construção do Reino de Deus.63

No princípio de Junho de 1853,

estando ele em Recife, com 46 anos, foi aceito para ser ordenado, porém Dom João

Perdigão teve resistência em consequência da exigência de Ibiapina de não passar por

nenhum exame. Este episódio foi o questionamento que Ibiapina esperava para tomar a

decisão e aconteceu em uma conversa com Américo Militão na casa do futuro padre,

conforme relatado abaixo:

―...Doutor, o senhor nesta vida assim... por que não se ordena? Pois não é

melhor?

- Sr. Américo, respondeu-me ele depois de uma pequena pausa, o Sr. foi

mandado hoje aqui pela providência. Saiba que em meu espírito há muita

luta com essa ideia e esse é o meu maior desejo, mas eu não me achava

com coragem de me abrir com ninguém, porque então é que diriam que

eu estava maluco. Uma vez que me fala nisso, faça ver o Sr. Dom João

que quero ordenar-me, mas não me sujeito a exame nenhum. Se for

possível assim, muito bem. Do contrário, nada se fará. Entretanto peço-

lhe o maior segredo em tudo isto‖64

.

Nota-se também o temor a Deus e o respeito para tomar a decisão que seria para o

resto de sua vida; seu ministério seria com os sofridos. Parece que os fatos da vida de

Ibiapina, sua espera, e seu desprendimento embutiram em Comblin o desejo de imitá-lo.

Em Julho de 1853, Ibiapina foi convidado para ser Vigário Geral e provisor do

bispado por Dom João, convite que aceitou por mera obediência. Nesta mesma época, teve

o desejo de viver em estado de pobreza e inteiramente dedicado ao ministério e resolveu

doar as suas últimas posses que se resumia a ações da companhia de água Beberibe, que foi

doada para uma das irmãs, e os livros de direito, que foram encaminhados para seu amigo

Américo Militão.

63

ARAÚJO, F. Sadoc de. Padre Ibiapina peregrino da caridade. São Paulo: Edições Paulinas, 1996, pg. 260.

64

Ibidem pg. 268.

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Ibiapina teve uma passagem rápida pelo Seminário de Olinda, onde ficou menos

de um ano como professor de Eloquência Sagrada, mas devido à falta de professores, teve

que assumir também a cadeira de História Sagrada e Eclesiástica. Durante a permanência

no magistério, houve um fato que levaria Ibiapina a mudar seus planos e definitivamente

decidir pela vida missionária itinerante entre os pobres e doentes do sertão, como declara F.

Araújo:

―Por esse tempo começou a chegar notícia de uma epidemia de cólera-

morbo que se alastrava pela Bahia e ameaçava atingir Pernambuco. Para

evitar pânico no seio da população, Dom João tomou algumas

providências entre elas, a publicação de uma carta pastoral, datada de 18

de setembro de 1855, ordenando preces e atos de penitência para pedir o

socorro de Deus e exigir medidas preventivas por parte do governo

provincial. Todos os esforços profiláticos não conseguiram impedir que a

doença progressivamente fosse se disseminando pelas províncias do

Nordeste e dizimasse milhares de pessoas. No fim do ano os jornais locais

já estampavam preocupantes estatísticas de centenas de mortos e alguns

casos de desespero coletivo em algumas localidades. Nessa triste situação,

padre Ibiapina sente-se omisso por não estar ao lado da população que

sofre, e resolve decididamente abandonar o magistério e outros afazeres

burocráticos para se dedicar inteiramente ao serviço dos doentes e dos

pobres‖65

.

O pensamento sobre a religião como algo que não é somente de preparação para

vida eterna, mas que precisa dar resposta para as necessidades básicas do ser humano na

sociedade, seguiu Ibiapina por toda sua vida. Para Comblin:

―Na mente de Ibiapina, a religião devia não somente preparar para a vida

eterna os pecadores arrependidos, mas também criar melhores condições

de vida, lutando contra o que se chama hoje de pecado social ou

estrutural. Tratava-se de mobilizar as energias latentes no povo para

responder às necessidades mais urgentes‖66

.

O Padre Ibiapina começa sua peregrinação de cooperar no socorro e no

desenvolvimento do sertanejo sofrido. Juntamente com essa peregrinação se desfez de tudo

65

Ibidem, pg. 289 e 290.

66

COMBLIN, José. Padre Ibiapina. São Paulo: Paulus Editora, 2011, pg. 41.

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o que tinha, repartindo com a irmã e os irmãos. Com essa atitude, se coloca na dependência

de Deus, se convertendo aos pobres, tendo o desejo de se tornar um deles. Acredita-se que

esta atitude desenvolve em Comblin uma sensibilidade para com os pobres ao ponto de

estar sempre pronto a viver perto deles.

Os sacramentos, para Ibiapina, andavam junto com as respostas às necessidades

básicas do povo (caridade). E assim, ele pode ser considerado um dos maiores missionários

do sertão, tanto pela distância por ele percorrida, quanto pelas obras realizadas,

conseguindo reunir milhares de trabalhadores e trabalhadoras que, como obras de fé,

levantaram edifícios para o serviço do povo. Com o auxílio destas pessoas, Ibiapina

construiu 22 casas de caridade para recolher meninas abandonadas, ensinar crianças

pobres, recolher e dar atendimento a doentes e oferecer hospedagem aos peregrinos. Além

disso, eles construíram açudes, capelas e hospitais. Tudo em 15 anos de ministério árduo e

incessante. Comblin diz que a evangelização elaborada por Ibiapina é uma lição para os

dias atuais:

―Padre Ibiapina inventou um método missionário muito significativo para

os nossos tempos. A evangelização não se faz somente pela administração

dos sacramentos, mas também pelo exercício concreto e prático do amor

ao próximo. Numa região em que a desigualdade é tão radical e onde

ainda há massas rurais e urbanas que vivem de modo muito precário, o

exemplo de padre Ibiapina constitui uma lição muito atual‖67

.

Em 1883, antes de sua morte, com sua saúde debilitada, lutou para deixar as casas

de caridade, como ele chamava, funcionando e, além disso, exortou muitas pessoas no leito

de dores e as enfermeiras dos hospitais a continuarem crendo no milagre da restauração da

vida e no levantar dos pobres nordestinos. Sempre confiou e mobilizou pessoas para esta

grande obra que marcou a vida de alguns padres, entre eles, Comblin. Gisa Maia

testemunha sobre essa influência:

67

Ibidem, pg. 10-11.

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―No meio do nosso povo, o Pe. Zé não é apenas respeitado, mas

ternamente amado. É o companheiro e o conselheiro como o Pe. Mestre

Ibiapina de quem ele tanto ―herdou‖ tantos traços espirituais. Pe. Ibiapina

depois de cem anos de morto continua vivo atualíssimo, ele e os que

como José Comblin procedem da mesma e boa cepa evangélica são

portadores de uma viva esperança para os que mais precisam‖68

.

1.2.2 Dom Hélder Pessoa Câmara

Para Comblin, Dom Hélder foi um pastor que na sua trajetória sacerdotal

influenciou fortemente a Igreja nordestina, brasileira e o próprio Comblin, com suas ações

em relação aos pobres do país. Uma figura importante no cenário nacional e da América

Latina. Comblin ao escrever a biografia de Dom Hélder, diz: ―Escrever sobre ele é fazer a

história da Igreja no Brasil desde 1940, a história da Igreja católica desde o Vaticano II69

‖.

Para Dom José Maria Pires, Dom Hélder foi além de suas forças para defender os pobres, e

diz:

―Gostaria de colocar mais uma observação que seria uma hipótese de

trabalho. No Brasil de 1964 para cá, diversos bispos tiveram de ir além

dos documentos e das declarações e tomar atitudes práticas e claras ao

lado dos oprimidos. Entre muitos outros, se poderia lembrar de Dom

Hélder Câmara, o campioníssimo das denúncias e das ações em favor dos

pobres. Por incrível que possa parecer, a única força que pôde deter o

braço armado do poder discricionário não foi outro braço armado, nem

outra força política organizada: foi a palavra franca e enérgica do pastor,

acompanhada de sua presença física no meio do rebanho‖70

.

Essas ações faziam com que Comblin estivesse cada dia mais perto do povo, com

alegria na perseguição e declarava o que via na vida de Dom Hélder: ―A sua vida estava

68

Ibidem, pg. 24.

69

COMBLIN, José. Dom Hélder Câmara, como arcebispo de Olinda e Recife – Um depoimento pastoral. (in)

Dom Hélder Pastor e Profeta. São Paulo: Edições Paulinas, 1984, pg. 24.

70

RIBEIRO, Sampaio Geraldo Lopes. Dom José Maria Pires: uma voz fiel a mudanças sociais. São Paulo:

Paulus Editora, 2005, pg. 165.

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absorvida em Deus e no meio do rebanho71

‖, sempre pronto a denunciar as investidas do

inimigo contra seu povo. Comblin era uma das pessoas que conheceram Dom Hélder mais

de perto, mais que amigos, eram considerados irmãos72

. Dom Evaristo Arns testemunha

sobre esta relação com mais clareza:

―A relação de décadas entre Dom Hélder e o padre José Comblin foi

marcada por tal fidelidade e dedicação mútuas, que nos habituamos a

chamar de ―Padres da Igreja na América Latina‖ aquela geração profética

de pastores, missionários e evangelistas. Dom Hélder e padre Comblin se

entrosavam como verdadeiros pai e filho‖73

.

Hélder Pessoa Câmara, que ficou conhecido como ícone da paz e irmão dos

pobres, nasceu no dia 7 de fevereiro de 1909, em Fortaleza, Ceará. O pai se chamava João

Eduardo Torres Câmara Filho, e a mãe, Adelaide Pessoa Câmara. O menino foi chamado

de Hélder por um desejo do pai e fez a primeira comunhão aos 8 anos. Aos 14 ingressou no

Seminário da Prainha de São José, onde fez os cursos preparatórios e posteriormente

filosofia e teologia. Em 15 de setembro de 1931, aos 22 anos, foi ordenado padre. Para

isso, recebeu especial autorização da Santa Sé, em virtude de ainda não ter completado a

idade mínima exigida para a ordenação, que era de 24 anos. Dom Hélder lembrava sempre

do que seu pai dizia, mesmo não sendo religioso: ―Meu filho, você sabe o que é ser padre?

Padre e egoísmo nunca podem andar juntos. O padre tem que se gastar e se deixar

devorar(...)74

‖.

71

CASTRO, de Marcos. Dom Hélder, misticismo e santidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, pg.

13.

72

Ibidem, pg. 14.

73

BAZAGLIA, Paulo (Org.). A Esperança dos Pobres Vive: Coletânea em homenagem aos 80 anos de josé

Comblin. São Paulo: Paulus Editora, 2003, pg. 315.

74

PATRICK, Maria Bernarda. Dom Hélder, dados biográficos de um pastor, profeta universal, (in) DOM

HÉLDER Pastor e Profeta. São Paulo: Edições Paulinas, 1983, pg. 10.

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Em 1936, aos 27 anos de idade, Dom Hélder transfere-se para o Rio de Janeiro,

onde permaneceria por 28 anos.

Quando ainda era padre, teve várias preocupações e uma delas foi a de engajar os

bispos nos problemas sociais do Brasil e impedir que se dedicassem somente a

comunicação bilateral com a Santa Sé, antes, se preocupassem com os acontecimentos do

próprio país. Pelas suas mãos, em 1952, nasce a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos

do Brasil).

Em 1955, Dom Hélder se converteu aos pobres e foi se distanciando, sem grande

choque, ou melhor, sem qualquer abalo, de seu projeto anterior, que era ―reconstruir o

poder da Igreja na sociedade‖ 75

. Sobre a conversão de Dom Hélder, Comblin afirma:

―O enriquecimento espiritual de Dom Hélder, esse crescimento

progressivo e tranquilo de sua integração com o Cristo, sempre

caminhando lado a lado com o homem de ação, com o empreendedor e

organizador, passou então pela necessidade que ele sentiu de fazer

alguma coisa prática pelos pobres, começando pelos favelados do Rio. No

desdobramento dessa etapa, vem a certeza de que só mudando-se a

estrutura da sociedade esse tipo de problema poderia ser resolvido‖76

.

O ponto mais visível do viver de Dom Hélder consistia na sua intensa

solidariedade para com os pequeninos do mundo (os pobres), porém, tudo culminou com

sua chegada a Recife, em 1964, quando cristalizou sua vida totalmente voltada para os

pobres, em um caminho que seguiria até o fim: ―Encontrou Deus nos pobres em primeiro

lugar, sem perder o contato com todos os homens, porque cada pessoa era importante aos

seus olhos‖77

. O testemunho da Irmã Agostinha, uma das suas admiradoras, sintetiza essas

75

Ibidem, pg.18.

76

Ibidem, pg. 19.

77

Ibidem, pg. 20.

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ações: ―Como poucas pessoas no mundo, Dom Hélder acreditava na força dos pequenos e é

nesta força da união dos pequenos que o mundo seria transformado até a justiça se tornar

realidade78

―. Esses fatos da vida do Arcebispo chamaram a atenção de Comblin ao ponto

de inspirá-lo a continuar vivendo para os pobres e entre eles. Dom Hélder, ao resumir sua

caminhada, diz:

―O Ceará me preparou para o Rio de Janeiro, Rio de Janeiro me preparou

para Recife. Porque foi ao chegar ao Recife que eu tive esta visão mais

completa do Nordeste, dentro do Brasil, dentro da América Latina, dentro

do Terceiro Mundo, dentro do Mundo‖79

.

Além disso, passou por uma ditadura militar, a qual apoiou no início, porém

quando observou os abusos do regime imposto, se tornou uma das mais fortes resistências

contra a ditadura que o Brasil teve, sendo muitas vezes calado, ameaçado e difamado.

Sobre esse tema, Comblin declara:

[...] ―Foi um dos primeiros que tomaram posição aberta para denunciar os

abusos e a falsidade interna do sistema [...]. Nos primeiros anos, os meios

de comunicação receberam a orientação de difamar Dom Hélder com

todos os meios disponíveis‖80

.

Ainda restava-lhe tempo para se preocupar com as dificuldades mundiais e por

isso, era alguém que deveria ser imitado e seguido, como José Comblin fez em sua vida,

cooperando com os sonhos desse homem, que também foi um batalhador pelas classes

desfavorecidas.

78

SANTANA, Nara Lúcia. Centenário de nascimento de Dom Hélder Câmara,

http://santaluziadrs.blogspot.com/2009_02_01_archive.html, acessado em 10.02.2012.

79

PATRICK, Maria Bernarda. Dom Hélder, dados biográficos de um pastor, profeta universal (in) DOM

HÉLDER Pastor e Profeta. São Paulo: Edições Paulinas, 1983, pg.10.

80

COMBLIN, José. Dom Hélder e o Novo Modelo Episcopal do Vaticano II. (in) Dom Hélder Pastor e Profeta.

São Paulo: Edições Paulinas, 1983, pg. 37.

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50

Na arquidiocese, Dom Hélder realizou trabalho inovador. A Igreja de Olinda e

Recife foi cenário de importantes experiências sociais. Fundou o Banco da Previdência

para ajudar pessoas na faixa da miséria que assim, passaram a ter direito à alimentação,

atendimento médico, remédios, enxovais para bebê e cursos profissionalizantes.

Concebeu a Comissão de Justiça e Paz, defensora de presos políticos e

perseguidos pela ditadura militar e dos excluídos da sociedade. Foi precursor na luta contra

a fome e a miséria no Brasil. Em 1990, lançou a campanha Ano 2000 sem Miséria. Só

depois o país despertou para a gravidade do problema e surgiu a Ação da Cidadania

Contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Nestes períodos, verifica-se a disposição de Dom

Hélder para criar iniciativas de ajuda aos necessitados, ao ponto de ser profeta nas ações e

um homem além do seu tempo. Enxergava de longe as necessidades; somente uma pessoa

convertida aos pobres poderia ter uma visão transformadora. Quanto mais grave o

problema, mais apaixonado se mostrava. Aprendeu com o passado, viveu intensamente o

presente, mas, sobretudo, tinha os olhos e o coração no futuro.

Comblin diz que Dom Hélder foi considerado o profeta do Terceiro Mundo

devido a uma conferência na Mutualité, em Paris, em 1968. A partir dessa palestra, as

viagens começaram a ser cotidianas na vida de Dom Hélder. Suas mensagens atraiam

pessoas, não somente os católicos, mas de várias vertentes da sociedade, e suas preleções

eram consideradas por Roger Garaudy eloquentes81

.

Pessoas como Ibiapina e Hélder Câmara viveram intensamente sua fé, apesar das

perseguições, injustiças, ―fracassos‖ e denúncias, e souberam continuar abençoando o povo

e animando os pobres com atitudes. Em suas vidas, nota-se a conversão e a luta pela justiça

em favor do mais fraco, ao ponto de marcar profundamente a vida de Comblin, que sempre

trouxe em sua vida a inquietação de uma revolução pacífica e a transformação da

sociedade, deixando transparecer nas suas atitudes as marcas desses dois homens da fé.

81

Ibidem. pg. 39.

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1.3 A Teologia da Enxada

Devido à insatisfação do ensino teológico no nordeste e a dicotomia entre o

sacramento e a prática, alguns alunos do ITER se posicionaram escrevendo uma

reivindicação, pois desejavam ser pastores e não doutores. João Batista Magalhães Sales,

um dos alunos da primeira turma desse novo sistema, deixou seu testemunho sobre o início

da Teologia da Enxada:

―Tinha a impressão de estar quebrado por dentro, sem unidade. O que era

pior sem ter impressão de fazer algo útil ao futuro pastoreio no meio dos

empobrecidos no Nordeste. Havia pouco mais de um ano, Dom José

Maria, convida-me a ir fazer teologia em Roma. Tendo pedido uns dias de

prazo para pensar na proposta e dar a resposta, disse-lhe finalmente que

meu anseio era de ser um padre pastor. Recusava, assim, generosa oferta

de quem tanto me considerava. Ficando em Recife, porém, acabava me

convencendo que nem ali eu seria aquele pastor que sonhava. E explodiu

uma grande insatisfação, Pe. Guerra captou bem esse sentimento nosso e,

após visitas de férias ao sertão, ficamos animados a apresentar à Direção

do Seminário o resultado dos nossos anseios, com propostas boas e

originais. O que veio cair nas mãos de José Comblin. Foi então que

iniciamos uma nova história‖82

.

Em 1969, sob a supervisão de Comblin, dois pequenos grupos de seminaristas

passaram a viver em pequenas comunidades rurais distante de Recife. O que as

diferenciavam de outras comunidades pequenas é que os grupos que lá viviam não

estudavam o currículo do seminário, mas sim, uma abordagem que era completamente

diferente em conteúdo e metodologia. A rotina diária desses candidatos, que eram de

famílias camponesas, consistia em trabalho agrícola na manhã, estudo à tarde e atividade

pastoral à noite83

.

82

BAZAGLIA, Paulo (Org.). A Esperança dos Pobres Vive: Coletânea em homenagem aos 80 anos de José

Comblin. São Paulo: Paulus Editora, 2003, pg.33.

83

COMBLIN, José. A teologia da Enxada: Uma experiência da igreja no nordeste. Petrópolis: Editora Vozes,

1977, pg. 09.

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Comblin explicava que para conceber o curso teve de fazer uma escolha

consciente para deixar cair os tratados teológicos ―tradicionais‖, que depois de tudo, são os

resultados de controvérsias do passado; Porém, um apóstolo de hoje deve ser capaz de

anunciar a mensagem cristã de uma forma significativa para as pessoas contemporâneas,

neste caso na zona rural do nordeste do Brasil, também deveria cair a divisão entre exegese

e teologia sistemática, ou seja, a raiz da educação teológica não deve ser somente em

disciplinas acadêmicas, mas na vida cotidiana e religiosa do povo. A cada ano abordava um

tema diferente e abrangente: no primeiro ano, o tema foi Realidade humana; no segundo,

Jesus Cristo revelador de Deus; enquanto que no terceiro, Moralidade; e no quarto ano, o

tema foi A igreja84

. Cada tema foi subdividido em quinze temas. Para ilustrar o método,

leva-se em consideração o primeiro tema no primeiro ano do programa, o tema era ―A

Casa‖ e era dividido da seguinte maneira: inquérito, subsídios, significado e teologia85

. O

guia para os alunos começava da seguinte maneira:

Pesquisa.

Forma, estrutura, partes da casa.

Condições de saúde, aglomerado.

Quem vive na casa: Mãe? Pai? Avós? Filhos? Animais de estimação? …

Material de construção: por quê? Onde eles estão? Qual é o custo? Decoração

familiar.

Quando é construído? Quem constrói? Etc.

Qual o propósito da casa: para dormir? Ou Assistir televisão? ...

Guiados por essas questões, os jovens eram encaminhados simplesmente para

olhar, talvez fazer perguntas, ouvir e aprender. As casas em questão são casas tradicionais

da população pobre, construída pelos membros da família, provavelmente com o trabalho

de vizinhos e parentes. Normalmente possuíam um ou dois quartos, embora o quintal em si

fosse parte da casa. Os alunos começavam o estudo simplesmente observando a realidade

84

Ibidem, pg. 11.

85

Ibidem, pg. 19.

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material da casa, que estava implicado na construção, quem estava lá, o que faziam. Para

isso, entrevistavam informalmente pessoas em suas áreas e, em seguida, reuniam o que

encontravam e discutiam sobre a pesquisa.

Após a observação de material e factual, o inquérito continuava:

Quais são as motivações das pessoas na construção de uma casa?

As fundações de ritos religiosos ou purificação: bênção, santos, exorcismos,

coroação.

O que significa voltar para casa?

Reunir-se em casa (quando e por quê?).

Tais questões se moveriam para o ser humano ou para o significado antropológico

de uma casa ou em casa. A concentração no pensamento era sobre o que significava na

experiência do próprio povo. Em tais culturas rurais, onde as pessoas não têm lugares para

―entretenimento‖, grande parte do prazer da vida consiste em sentar ao redor da mesa, ou

na varanda numa conversa.

Em ―Teologia‖ o guia diz:

Consulte os tópicos: casa, morar, construir, fundação (artigos bíblicos).

Liturgia: igrejas, casas de Deus, ou casas.

A habitação do Espírito Santo.

1. Será que Deus habita em casas de seres humanos? Sim? Não? Quando? Como?

Em suas próprias casas? Casa / templo dialética.

2. Liturgia casa. Eucaristia? Oração? Reunião cristã?

Dilema: construir casa ou igreja, onde é o local litúrgico?

3. Casa na terra ou casa no céu. Onde é que vamos ter uma habitação?

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Aqui os alunos utilizavam os recursos de uma pequena biblioteca de teologias

bíblicas e livros de referência. Finalmente, o guia teria o tema das consequências para a

ação e assim poderia ser: ―Mudar de casa? Como melhorar isso? Não impor uma visão

burguesa sobre a casa? Deixe tudo como está?‖

Este simples questionário forneceria a base para duas ou três semanas de

investigação. Os alunos seriam envolvidos em uma forma de pesquisa de observação

participativa. Eles já estariam familiarizados com este meio, pois era semelhante daquele

onde cresceram. Agora, no entanto, eles estariam se tornando mais conscientes através da

observação, entrevistas informais e discussões entre si. Neste processo, os alunos teriam

uma consciência do que as pessoas pensam sobre o tema ―casa‖ e o que uma ―casa‖

significaria para todos, sendo assim, a construção da teologia se tornaria mais acessível

para todos.

O movimento começava com uma exploração do que ―casa‖ significava na cultura

do próprio povo, mas se movia para o que significava na fé bíblica (por exemplo, habitação

de Deus), ou na prática pastoral (em que sentido a construção de uma Igreja é a casa "de

Deus"?). Temas bíblicos, assim, assumiriam um novo significado. Por exemplo, nos

Salmos que falam de ir para a casa do Senhor, ou de se refugiar em abrigos de Deus.

Piedade tradicionalmente rural iria ver o prédio da igreja (chamado de Templo) como um

lugar sagrado e ―casa de Deus.‖ Este método pastoral poderia levar as pessoas a ver a base

bíblica para casa e da família como igreja ou lugar de habitação de Deus.

Outros temas estudados ainda no primeiro ano incluiam a comunidade local, terra,

trabalho, refeição, corpo, celebração, nascimento, paternidade, ricos e pobres, relação

homem-mulher e a vida. Este processo de educação teológica veio a ser chamado de

―Teologia da Enxada‖, porque foi centrado na experiência cotidiana da população pobre e

rural. Em cada caso, implicou em uma exploração da realidade humana, com perguntas

abertas e depois em um encontro com as escrituras, às vezes para indicar a graça de Deus

na realidade humana, por vezes, para desafiar as práticas comuns. O mesmo método foi

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aplicado para tópicos "teológicos", ou seja, durante o ano focado em Jesus, o ponto de

partida não era uma doutrina ou escrituras, mas como Jesus é visto pelo povo.

Este método teológico, obviamente, tem fator em comum com a concientização

iniciada por Paulo Freire86

, o educador de Recife que tinha sido exilado pelo governo

militar em 1964. Em princípio, concientização, que foi amplamente praticada em toda a

América Latina, especialmente por grupos ligados à Igreja, foi baseado no fornecimento de

uma situação em que as pessoas pobres pudessem expressar-se criticamente em seus

próprios termos, através do diálogo.

Na prática, porém, os líderes de ―conscientização‖, nas sessões, poderiam dirigir o

diálogo na direção desejada por responder positivamente a algumas respostas (por

exemplo, a crítica dos posseiros ou o governo), e ignorando os outros (por exemplo, que a

pobreza é resultado da vontade de Deus)87

. O questionário era uma atitude muito mais

aberta, um diálogo que respeitava a cultura popular, uma vontade de explorar o que as

pessoas pensavam, mesmo que fossem ―conservadoras‖. Todo o curso foi construído em

torno de um tipo de pesquisa antropológica com ênfase na observação participativa,

complementada por leituras de livros de referência e artigos selecionados.

86

Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, em Recife, no nordeste do Brasil, e

faleceu em 2 de maio de 1997, em São Paulo. Um dos mais importantes pedagogos do século passado, pertence

não somente à América Latina, mas ao mundo inteiro. Seu livro mais influente, A pedagogia do oprimido, ilustra

seu grande interesse por uma pedagogia para pessoas dentro de uma experiência de pobreza e marginalidade.

Termos como práxis conscientização, educação bancária, educação libertadora e dialógica; estas são algumas das

contribuições freirianas ao entendimento educativo. Freire cultiva preferencialmente o tema da política na

educação. Afirma a não neutralidade dos cristãos frente aos assuntos sociais e a contrariedade dos religiosos na

análise da realidade. Para entender Paulo Freire e avaliar sua contribuição, é necessário estudar sua análise do

papel que desempenha a ideologia no processo educativo e da função da educação na transformação da

sociedade. 87

Até certo ponto isto reflete categorias próprias de Freire em que a posição de início é uma das consciências

em que os oprimidos aceitam as coisas como elas são. Quando eles começam a ter consciência da sua situação

que pode chegar à consciência ―ingênua‖, em que normalmente esperam alívio através das promessas de

políticos populistas. Na consciência ―crítica‖ reconhece que o problema é de poder e que eles devem se

organizar e agir. O método assume que os oprimidos têm internalizado a visão de mundo de seus opressores, e

devem jogar fora uma falsa consciência e tomar medidas contra esta visão.

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Esta ―Teologia da Enxada‖ e a formação pastoral em torno dela era simples e

radical. Esses alunos foram treinados na observação de sua própria cultura de modo

sistemático e iluminados por meio da escritura. Eles não estavam sobrecarregados com a

bagagem da história dos conflitos doutrinários, nem com os esforços dos teólogos em outro

lugar.

Somente um ciclo deste curso foi concluído, mas dos noves participantes, cinco

foram ordenados e permanecem no sacerdócio88

. Comblin supervisionou uma experiência

semelhante no Chile, alguns anos depois, e ainda uma terceira tentativa no Brasil, que foi

interrompida.

A Teologia da Enxada, coordenada pelo Padre Zé, como era chamado entre os

camponeses, hoje é objeto de estudo acadêmico, onde se faz um paralelo com o método de

educação popular proposto pelo educador pernambucano Paulo Freire. Em 2001, Comblin

recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Paraíba, em

reconhecimento ao seu trabalho no campo da educação popular.

Também é visível que exerceu uma forte influência na vida de muitos leigos, o

que veio a acontecer na segunda parte de sua caminhada quando fundou e incentivou a

criação de Escolas Missionárias para leigos e leigas, dedicando-se a partir de então a uma

formação mais popular. Essas Escolas Missionárias são centros de formação que

funcionam em alguns meses do ano, geralmente nos períodos de férias, podendo ter

variações dependendo da região onde elas estão localizadas, e que têm como objetivo

principal treinar pessoas para atuarem como missionários no meio popular. Também

promovem outros encontros como retiros e celebrações; além disso, os alunos e alunas

prestam conta das atividades práticas do período em que não estão com aulas teóricas.

Tudo isso abre espaços de comunicação e aprendizagem com as pessoas que estão vivendo

o dia a dia da Igreja. Centenas de pessoas já passaram por essas casas ao longo de trinta

anos de existência. Dezenas de turmas foram formadas e fundaram outros centros de

treinamento.

88

COMBLIN, José. Teologia da Enxada. Petrópolis: Editora Vozes, 1977, pg. 14.

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Essas lideranças certamente vão atuar de maneira mais eficaz nas paróquias ou nas

comunidades que frequentam, pois treinam outros que eventualmente não podem participar

das aulas teóricas nos centros de formação, cujos participantes recebem informações na

área de Bíblia, Sociologia e de outras ciências afins, caracterizando assim, de certo modo, o

processo de conversão e libertação na educação popular.

Isso pode ser verificado, por exemplo, a partir de testemunhos como o de Gilberto

dos Santos Oliveira, agricultor, casado, pai de nove filhos, que mora em Barrinha, às

margens do rio São Francisco, Juazeiro, Bahia, lugar em que a Teologia da Enxada

continua viva. Diz ele:

―Aliás, a formação de leigos que surgiu em nossa Diocese – como a

Escola de Formação do Pe. Comblin - tem ajudado bastante. Conhecemos

coisas que, nesses meus 44 anos eu nunca pensei que iria chegar a

conhecer [...]. Como, por exemplo, saber administrar essa associação dos

moradores, fazer prestação de contas, balancetes, coisas que eu nem sabia

de que se tratava. E hoje já estou passando o que aprendi para outras

associações, incluindo as experiências de como lutar com essa política

toda que está aí, como se defender da politicagem e fazer política com

autonomia. [...] Eu vejo essas 15 comunidades que acompanho – não é

fácil não, encontramos muita coisa pesada, gente que não acredita ainda

nessa luta, não acredita nessa união, ainda está naquela velha página em

que só os grandes, só os estudantes e os formados é que falam bonito, que

tem outras coisas melhores para defender... E aí fica aquele povo morto,

sem coragem de agir, esperando pelas migalhas, como galinha esperando

o grãozinho de milho... e quando chegamos lá, a primeira coisa é mostrar

a palavra de Deus, e segundo, mostrar a coragem dos nossos antepassados

na Bíblia‖89

.

Apesar da proibição do Vaticano para não dar continuidade a este projeto,

percebe-se, nos escritos acima, a evolução natural como se fosse uma árvore que foi

plantada próxima ao ribeiro, dá seu fruto no momento certo e no decorrer dos anos

continuará. Assim foi e sempre será a Teologia da Enxada, treinando e efetivando pessoas

para o ministério de padre pastor e de liderança populares.

89

BAZAGLIA, Paulo (Org.). A esperança dos pobres vive. São Paulo: Paulus Editora, 2003, pg.16 e 17.

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Finalmente, pode-se notar a falta da descrição do momento da conversão de

Comblin, porém, como ele mesmo diz: a conversão é um processo e não um ato. Percebe-

se no início de sua vida sacerdotal, o desenvolvimento de sua conversão quando deixa um

país organizado, como a Bélgica, onde o cristianismo estava em todas as vertentes da

sociedade, poderia viver confortavelmente, ensinando e sendo sacerdote em alguma Igreja,

para chegar ao Brasil, um país a ser protegido e convertido. Comblin chega com bagagem

de Professor e Doutor para formar sacerdotes no método tradicional. Percebe-se que o país

é pequeno para este homem incansável, ao ponto de alcançar a América Latina, com suas

atitudes e ensinos.

Demonstra seu amor pelo povo oprimido e é odiado pelos poderosos. Entretanto,

não se cala no momento da perseguição, chegando a ser expulso de dois países de nosso

continente em consequência dos seus escritos proféticos. Somente quem se converte ao

Reino tem palavras proféticas em defesa do povo pobre. Comblin prefere as pessoas

simples, deixa os seminários formais e leva seminaristas para perto do povo, com a

intenção de experienciarem a conversão dos pobres.

É influenciado por homens que amam os pobres e oprimidos, e se agrega a eles

para lutar contra as injustiças. Também não se corrompe com regime militar e nem com o

sistema capitalista, mas se entrega aos pobres ao ponto de viver entre eles e ser um deles.

Assim, morre pobre, em 2011, sentado na cadeira em uma pequena cidade da Bahia, mas

rico da presença de Deus, porque se perdeu entre aqueles invisíveis da sociedade, servindo-

os e trazendo o Reino até eles.

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CAPÍTULO 2

CONVERSÃO AO REINO DE DEUS E NÃO À IGREJA

Pode-se afirmar através do pensamento de Comblin que a conversão leva as

pessoas a promoverem o Reino de Deus e a justiça social, pois trata-se de uma ação

impulsionadora que faz com que o ser humano não se conforme com todas as diferenças

existentes no mundo, transformando-as em desafios para sua própria vida. Entretanto,

somente poderemos ser promotores do Reino e da justiça ao questionarmos o tipo de

mudança que acontece, seja por encontrarmos com o Cristo e modificarmos a maneira de

viver segundo suas atitudes e ensinamentos, ou com a Instituição e alterarmos nossa vida

segunda suas regras morais.

Existe uma diferença entre se converter à Igreja enquanto instituição e se

converter ao Reino de Deus. Sabe-se que este capítulo não dará conta de discutir tudo que

abrange este assunto, porém, espera-se que seja uma contribuição para incitar a reflexão em

relação a necessidade de mudança de pensamento sobre a conversão.

2.1 Definição de “Igreja”

Quando pensamos em conversão para o Reino de Deus e não para Igreja como

instituição, precisamos definir quais pensamentos possuímos sobre Igreja e Reino e quais

são suas naturezas e seus papéis na sociedade. Sempre existiu um problema difícil quando

se fala no estudo do Reino de Deus e seu relacionamento com a Igreja. Quando discutimos

sobre estes temas, percebemos a superficialidade das respostas. Portanto, começaremos por

definir Igreja e após esse momento, discutiremos a respeito do evangelho, pois acredita-se

que é neste ambiente através do discurso dos evangelistas que Jesus partilha sobre o Reino

de Deus, chegando a uma conclusão sobre a conversão ao Reino.

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2.1.1 Equívoco sobre a Igreja

Para definir Igreja é necessário observar alguns equívocos que transformam a

igreja em uma celebração com o fim em si mesma. Na atualidade, vemos uma

inconsistência no testemunho cristão, uma concorrência religiosa e a falta de credibilidade

que destroem a fidelidade do evangelho da reconciliação, esses são alguns fatos que fazem

a Igreja perder a essência e se tornar uma instituição com fragilidades. Peter Savage nos

apresenta quatro modelos de fragilidade sobre a Igreja que operam no nível popular,

demonstrando o equívoco e a superficialidade das definições:

―Muitos vêem a Igreja como um auditório, aonde os crentes vão para

ouvir a exposição da Bíblia. Para outros, a igreja é um teatro, em que se

reúnem os fiéis para testemunhar o drama do sacramento encenando

diante deles. A igreja pode ser vista, ainda, como uma corporação

eficiente e altamente orientada para programas, como uma equipe pastoral

de tempo integral envolvida em vender a religião no varejo, para as

massas e muitos vêem a igreja como um clube social a que as pessoas se

filiam para suprir certas necessidades, exatamente, como podem filiar-se

a outras organizações para suprir outras necessidades‖90

.

Essas afirmações demonstram além dos equívocos, as distorções no entendimento

da Igreja. Por isso, pretendemos apresentar como Comblin pensa esses equívocos e

demonstrar sua visão sobre a Igreja, para perceber algumas rotas de fuga desses equívocos

e assim teremos sustentação para demonstrar através do pensamento do autor uma proposta

sobre Igreja.

Para Comblin, o primeiro equívoco se dá em não poder definir a Igreja com

categorias de instituição pelos seguintes motivos:

90

SAVAGE, Peter. The Church and Evangelism (in) The New Face of Evangelism René C. Padilla,(org.). EUA:

Inter Varsity Press, 1976, pg. 106.

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―Se Igreja se concentra na instituição, sucede o que sucedeu com os

fariseus: ela faz das palavras de Deus um depósito, uma propriedade, um

código de costumes, leis, expressões com as quais ela se identifica; ela se

contempla a si mesma no momento em que crê contemplar a Deus:

contempla o seu próprio vazio‖91

.

Portanto, se as pessoas acreditam que a palavra é monopólio da instituição, essa

crença não passa de um equívoco, pois isto acaba por transformá-la em um grupo que pode

ser considerado absolutista, pois, a verdade somente será encontrada nelas, a conversão

surgirá somente através delas, os códigos de costumes serão a fonte para provar a

transformação dos salvos. Tal como, a constante presença nos cultos realizados no templo

aos domingos, por serem um local e dia sacralizados, limitando a compreensão sobre a

ação divina, ao ponto de acreditarem que Deus fala, salva e transforma as pessoas somente

neste lugar específico e dia, essa demonstração de fé passa a ser antropocêntrica e vazia.

Nesta instituição as pessoas se reúnem através de uma submissão à autoridade da

estrutura, a mesma procederá da própria organização e os que são separados para o

sacerdócio ou pastorado, servirão somente à instituição e esta se tornará opressora ao ponto

de desenvolver costumes imprescindíveis no convívio da comunidade para definir um

estilo de vida comum e se fechará para as dificuldades das pessoas que não fazem parte da

instituição. Comblin afirma:

―Numa instituição, a unidade procede da submissão de todos a uma

mesma estrutura: impõe-se a todos a mesma atitude transformada em

costume; a autoridade deriva da própria instituição e os sacerdotes

servidores da instituição‖92

.

91

COMBLIN, José. O enviado do Pai. São Paulo: Paulus Editora, 1999, pg.07.

92

Ibidem pg 08.

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Com essa afirmação do autor pode-se concluir que a instituição se torna um grupo

fechado, demonstrando sua circularidade entre seus membros, pois se suportam por causa

dos costumes que foram estabelecidos. Aqueles que permanecem neste tipo de equívoco

perdem a vida, pois, não se tornam solidários com os que se encontram de fora.

David J. Bosch ao desenvolver as ideias sobre em que momento a igreja deixou de

ser movimento e se tornou instituição, apresenta as diferenças entre esses dois elementos,

corroborando com o pensamento de Comblin em relação a Igreja não ser uma instituição,

mas sim, um movimento:

[...] ―ela deixou de ser um movimento e transformou-se numa instituição.

Há diferenças essenciais entre uma instituição e um movimento, diz H. R.

Niebuhr: aquela é conservadora, este é progressista: aquela é mais ou

menos passiva, sucumbindo às influências externas, este é ativo,

influenciando ao invés de ser influenciado: aquela olha para o passado,

este para o futuro. Além disso, poderíamos acrescentar que aquela é

ansiosa, ao passo que este está disposto a assumir riscos: aquela resguarda

fronteiras: este às cruza‖93

.

Pode-se dizer que o movimento é totalmente diferente da instituição não tendo

medo do futuro, assumindo os riscos, influenciando, ativamente e deve ultrapassar as

fronteiras impostas pela cultura ou mesmo pela religião de um povo, gerando um

movimento preocupado com o ser humano e suas dificuldades.

Para Comblin o segundo equívoco se dá em não poder definir a Igreja com

categorias de comunidade pelos seguintes motivos:

―A igreja não é comunidade: pelo menos o seu ser não procede da

colocação em comum dos homens que se reúnem nela. Por isso mesmo a

comunidade jamais se regula como se regulam comunidades humanas:

nestas não há mais do que uma soma dos indivíduos. Numa comunidade,

93

BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da Missão. São Leopoldo:

Editora EST e Sinodal, 2007, pg. 75.

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a unidade procede do consentimento e da convergência de todos os

associados, e a autoridade emana da vontade comum; os dirigentes atuam

em nome dos sócios que representam‖94

.

O equívoco citado acima é o de se falar somente entre os homens, é de contemplar

somente os homens e de ouvir somente os homens. Comblin escreve sobre a vontade

comum dos homens associados e desta forma a direção divina não existe, o que torna o

ambiente vazio. Portanto, nestes dois equívocos a Igreja coloca no lugar de Jesus os

sistemas de doutrinas morais, sociais, políticas, segurança e privilégios, ou seja, não existe

lugar para o Espírito que traz a dinâmica e vida para o povo de Deus. Gutiérrez alega que a

Igreja coloca a doutrina correta acima do serviço redentor, ela limitou-se na ortodoxia e

acabou deixando a ortopráxis nas mãos dos que estavam fora dela e do número dos

crentes95

, permitindo a visualização de outro equívoco, gerando assim a paralisia na

comunidade que deveria ser um movimento. Este equívoco é revelado no pensamento de

Moltmann. Este autor demonstra através da história o fato de a Igreja permitir que o

Império tome conta do bem estar do homem enquanto ela estaria responsável somente com

a salvação da alma, pensamento que perdura até os dias de hoje96

.

É necessário enfatizar outro equívoco que está relacionado com a unidade da

Igreja para realizar sua missão de alcançar o mundo. Os cristãos, como igreja, necessitam

de uma concordância em todas as convicções para trabalharem juntos. Sabemos que a

união de todas as instituições seria um empobrecimento do cristianismo: a multiplicidade e

as diferenças existentes entre as igrejas são expressões da riqueza e complexidade do

Espírito Santo no nosso meio. Para Sung a unidade deve ser no espiritual e não

institucional, pois ele entende que a unidade do espírito está no serviço ao pobre:

94

Ibidem pg.07.

95

GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da Libertação. São Paulo: Editora Loyola, 2000, pg. 23.

96

Somente com o advento da Igreja Imperial de Constantino alastrou-se a tendência para espiritualização da

pobreza, porque a Igreja teve que entregar o cuidado pelo bem estar ao imperador, tendo que restringir-se ao

cuidado da salvação das almas. Do contrário, teria continuado o conflito que Jesus havia desencadeado com o

Evangelho dos pobres, e não teria sido possível uma harmonia entre o poder espiritual e o poder político no

império cristão.

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―A unidade espiritual e não institucional deve se dar em torno do serviço

aos pobres e as pessoas que sofrem com as injustiças e os preconceitos, na

luta pela construção de novas relações interpessoais e sociais que sejam

sinais da presença do Reino de Deus entre nós‖97

.

Para Comblin, há outras relações que geram unidade tais como: fidelidade a Deus

e ao mundo. Este movimento tem origem no Pai e chega ao mundo, vindo da atenção que

se dá ao outro. É nesta dinâmica que acontece o ser Igreja:

―Na Igreja de Jesus Cristo, a unidade deriva do movimento que procede

do Pai e se estende ao mundo. Cada membro é um elo numa corrente.

Cada um recebe de outro; o amor do Pai manifestado no Filho comunica-

se a cada um pela mediação de outros. Cada um permanece atento ao

outro de quem procede a manifestação de Jesus Cristo; a unidade procede

da vontade de receber fielmente e da atenção ao outro. Pois não

recebemos a luz de Cristo do nosso semelhante como um eco da nossa

própria consciência, e sim do estrangeiro, (Jesus), que nos fala a partir de

outra linguagem e nos obriga a sair das nossas fronteiras pessoais. Por

outro lado, a unidade procede também do movimento para os outros, para

o mundo, para todo homem, caracterizado justamente como outro. A

unidade procede da vontade de sair da própria personalidade para buscar

o encontro com o outro que é diferente e na sua diferença, sem o obrigar a

entrar na nossa diferença. A unidade procede dessa dupla explosão das

fronteiras: as fronteiras que nos separam da origem e as que nos separam

do destino final. A unidade procede da dupla fidelidade ao Pai e ao

mundo numa submissão à corrente que passa. Trata-se de uma unidade de

circulação de transmissão. A autoridade procede do Pai, origem de todo o

movimento e os dirigentes não são outra coisa a não ser os incentivadores

do movimento e os guias da autenticidade‖98

.

Pode-se notar que através do movimento surge a unidade, pois ela somente pode

acontecer se a Igreja se tornar a companhia dos discípulos de Cristo, ou seja, o povo de

Deus, que está em movimento, denominado Reino de Deus, sabendo que não haverá lugar

confortável, mas haverá situações de dificuldades, onde as atitudes dos discípulos serão a

97

SUNG, Jung Mo. Cristianismo de Libertação Espiritualidade e Luta Social. São Paulo: Paulus Editora, 2008,

pg.90.

98

Ibidem pg.09.

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resposta vivenciando a importância do outro e respeitando a diferença que existe entre as

pessoas ao ponto de cooperar em todas as necessidades realizando assim o Reino de Deus.

Assim, pode-se afirmar como Galilea que o cristão tem a obrigação não só de constatar as

misérias e injustiças, mas também buscar suas causas para resolvê-las dentro do que é

possível99

.

2.1.2 O conceito de Igreja sob o ponto de vista da Cristologia

A igreja que Comblin propõe é aquela que vai além dos conceitos institucional e

de comunidade, pois parte do pensamento cristológico e não eclesiológico e dessa maneira,

seu pensamento vai além dos conceitos existentes que em Cristo se engloba tudo. Assim,

pode-se dizer: vendo quem é Jesus, vemos também quem é o discípulo100

e o que é Igreja.

Então podemos afirmar que conhecer a Jesus não significa simplesmente aprender o dogma

cristológico, mas conhecê-lo na prática do discipulado e essa prática nos revela a Igreja.

Consultando a obra de Bonhoeffer pode-se aclarar o pensamento da Cristologia para definir

quem é o discípulo e a Igreja, Ajudando assim na compreensão do pensamento de

Comblin. Para Bonhoeffer:

―O destino último do discípulo, que será conforme a imagem de Cristo. A

imagem de Jesus Cristo que os discípulos têm sempre diante dos seus

olhos e que reprime todas as outras imagens penetra neles, preenche-os,

transforma-os a ponto de que o discípulo chega a ser semelhante ao

Mestre, e até igual a ele. A imagem de Jesus Cristo influencia

terminantemente na comunhão diária, a imagem do discípulo. O seguidor

não pode olhar a imagem de Cristo em contemplação morta e ociosa; essa

imagem irradia forças transformadoras. Quem se entrega totalmente a

Jesus Cristo deve e quer levar sua imagem.‖101

99

GALILEA, Segundo. O sentido cristão do pobre. São Paulo: Edições Paulinas, 1979, pg. 9.

100

Para Comblin, os que acompanham Jesus recebem o nome de discípulo, pois os evangelhos recordam a

imagem dos ensinamentos feitos por Jesus ao grupo dos seus seguidores. O contexto e o conteúdo dos

ensinamentos de Jesus eram bem diferentes daquilo que se conhecia naquele tempo. Jesus não era nenhum rabi

formado nas escolas. Os seus discípulos não eram registrados oficialmente.

101

BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Editora Sinodal e EST, 2004, pg. 198.

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Essa imagem do Mestre que o autor declara, criada em seus discípulos se deve à

caminhada de uma vida com ele e da comunhão diária com os outros, meio pelo qual se

reconhece o Cristo e as suas ações, se entregando totalmente a ele. Assim, pode-se dizer

que esta afirmação aclara a posição de Comblin, pois nos dá a direção pela qual devemos

conhecer o Cristo e assim, nos tornarmos mais parecidos com ele e com suas atitudes.

Quando se conhece se crê, e crer nele significa caminhar com ele em seu atual trecho da

caminhada. Mas para essa caminhada, o de ser discípulo, Jesus exige um salto para frente.

Para ser discípulo:

[...] ―é preciso renunciar à procura de segurança, deixar de confiar em si

mesmo, ou em qualquer criatura, aceitar a insegurança, reconhecer-se

pobre, injusto, pecador, como o publicano da parábola, É preciso destruir

em si mesmo essa impaciência de estar com a razão que parece inata na

criatura humana.‖102

À primeira vista, tal tarefa pode parecer muito simples, pois, muita gente

comunica a facilidade que é conhecer a Jesus Cristo, entretanto, acontece que não é tão

fácil conhecê-lo integralmente em sua essência na atualidade, pois há dificuldades na

caminhada em reconhecê-lo devido o pensamento atual. Hoje, as pessoas interpretam

segundo o seu imaginário ou até mesmo, de acordo com seus afazeres eclesiais. Assim,

temos um Cristo para cada circunstância da vida, domesticado, Comblin alerta-nos para

este perigo:

―As pessoas projetam diante de si um Jesus imaginário que é o reflexo da

sua própria personalidade e se extasiam com maior facilidade quanto mais

se encontram a si próprias. Sentem-se felizes porque Jesus lhes diz

exatamente o que elas queriam que dissesse. Nada estranho, já que elas

próprias lhe atribuíram os seus próprios sentimentos. Às vezes acontece

que a urgência pastoral faz com que tudo se atribua a Jesus sem sequer

dar-se o trabalho de examinar seriamente se é bem assim. Os pastores

podem facilmente substituir o conhecimento real de Jesus por um

conhecimento a partir de noções das suas próprias atividades

pastorais.‖103

102

COMBLIN, José. A fé no Evangelho. São Paulo: Paulus Editora, 2010, pg. 31.

103

COMBLIN, José. O Espírito no Mundo. São Paulo: Paulus Editora, pg.15.

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Por isso, quando as pessoas permitem serem levadas por esse pensamento, os

valores não serão os mesmos da pessoa do Cristo, deste modo, elas passam a seguir outros

senhores que estão mais próximos dos seus imaginários, tais como: dinheiro, boas relações,

propriedade, prestígio, amizades com autoridades e celebridades, substituindo o Senhor

Jesus Cristo. Não que seja errado obter estes instrumentos, bens, ou ainda relacionamentos

com pessoas em evidência, porém, não devemos transformá-los em senhores de nossas

vidas.

Acredito que este seja um dos maiores mal entendidos que existem hoje sobre o

ser Igreja, não entender ou substituir a pessoa do Cristo. Com essa afirmação pode-se dizer

que, se temos uma visão distorcida da pessoa de Cristo, o entendimento do discipulado se

torna distorcido levando o homem a um entendimento e sentimento de querer ser discípulo

sem a cruz e sem sofrimento, tornando-se maior do que seu Senhor. Desse modo, também a

Igreja deixa sua essência para se tornar somente um local de encontros e de realizações

pessoais, sem um objetivo em servir o próximo e consequentemente, inerte.

Conhecendo Jesus descobriremos uma nova forma de ser pessoa chegando a ser

discípulo, não sendo depositários de uma fórmula mágica, de uma ciência mágica. Porém,

deve ser como Moltmann defende: a cristoprática conduz a comunidade necessariamente

aos pobres, aos doentes, aos socialmente supérfluos e oprimidos104

e esses sabem que pelos

discípulos, pela atuação deles no mundo o ser humano verá o Pai. Por essa afirmação,

podemos ver a Igreja ligada ao Pai e ao mundo, não sendo do mundo, porém, fazendo parte

dele, se não for desta forma as interpretações serão falsas. Padilla concorda com esta

afirmação de Comblin quando escreve:

104

MOLTMANN, Jürgen. O caminho de Jesus Cristo. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2009, pg.71.

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―O conceito de Igreja como uma entidade ―separada‖ do mundo se presta

a toda sorte de falsas interpretações. Num extremo está a posição em que

a separação não passa de uma simples distinção epistemológica: a igreja

sabe que foi reconciliada com Deus, o mundo não o sabe – e isto é tudo.

No outro extremo está a posição segundo a qual a separação é um abismo

intransponível entre duas cidades que somente se comunicam entre si em

termos de uma cruzada por parte de uma para conquistar a outra.‖105

A instituição que se identifica com qualquer das vertentes acima têm como missão

tornar-se proselitista, colocando a igreja como reino de Deus, logo, se comete alguns

enganos ao ponto de se fechar em si mesma e qualificar as pessoas como pecadoras.

Apesar desta parecer estar baseada no evangelho, todas as suas ministrações terão dois

objetivos: o primeiro seria salvar o mundo do pecado, permitindo visualizar o pecado como

algo somente espiritual; enquanto que o segundo, seria lutar para ver as conversões à Igreja

e sem ela e sem suas exigências morais, as pessoas não chegarão à eternidade. Logo, a

salvação se torna efetiva somente no campo da transcendência. Porém, a salvação eterna

não resolve os problemas da miséria econômica, social, física e moral, esquecendo-se do

valor dado às pessoas por Jesus na sua época e na atualidade. Como consequência deste

pensamento a instituição perde seu objetivo maior de ir ao encontro das pessoas carentes.

Comblin, ao escrever sobre a salvação nos revela que esta não pode ser somente como a

igreja pensa hoje, ou seja, a salvação seria somente para a alma e para a eternidade. O

trecho abaixo revela a abrangência da noção de salvação para este autor:

―Os cristãos atuais acham que devemos entender a história no sentido de

que Jesus prometeu essa libertação dos pobres para depois do fim deste

mundo e do juízo final. Os pobres teriam primeiro que salvar a sua alma

para poder entrar no reino de justiça e de paz. Mas com essas condições

os pobres não teriam nenhum privilégio porque salvar a alma era uma

operação factível por todos graças aos meios que a religião colocava a

sua disposição. A libertação não se realizaria neste mundo, mas no outro.

Muitos pensaram assim e ainda hoje muitos pensam assim e se dizem

cristãos.‖106

105

PADILLA, C. René. Missão Integral Ensaio sobre o Reino de Deus e a Igreja. Londrina: Editora Descoberta,

2005, pg. 22.

106

Os pobres e a libertação. Artigo inédito de José Comblin http://www.ihu.unisinos.br/noticias/42086-os-pobres-e-a-

libertacao-artigo-inedito-de-jose-comblin acessado em 04.02.2012.

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Para Moltmann, a salvação também tem uma conotação que vai além dos

pensamentos de alguns cristãos atuais e se situa semelhantemente a Comblin:

―Salvação é uma grandeza que inclui integridade e bem-estar dos homens,

salvação para o “totus homo”, não simples salvação da alma para o

indivíduo, ―salvação‖ não significa apenas ―bens espirituais‖, (mas

abrange da mesma forma, a saúde do corpo). Jesus cura a pessoa toda.‖107

Ora, as pessoas são realmente pessoas na medida em que se abrem para a fonte

superior (Deus), de onde procede a palavra; e se abrem também para o mundo (pessoas),

transmitindo uma mensagem do Pai, que afirma a sua autoridade, atua nas criaturas

humanas e dentro desta dinâmica se realiza a igreja. Gustavo Gutiérrez também concorda

com essa afirmação quando diz: ―A palavra de Deus convoca e encarna-se na comunidade

de fé que se entrega ao serviço de todos os homens. A verdadeira comunhão com o Senhor

significa uma vida cristã centrada num compromisso, concreto e criador, de serviço aos

outros108

‖. Por consequência disso a igreja participa da missão do Filho, na realidade da

missão ela é levada para o mundo. Assim, pode-se dizer que a personalidade de Jesus

manifesta uma unidade incomparável com o Pai e o mundo, uma redução à simplicidade

radical: em qualquer momento, em qualquer ato, em qualquer circunstância, ele sempre é o

mesmo109

. Em vista disso, Comblin pôde dizer que o Pai enviou Jesus para o mundo, Jesus

enviou seus discípulos ao mundo e consequentemente a Igreja tem sua função hoje no

mundo.

Segundo Comblin, o povo de Deus não se encontrou com Cristo para estar

enraizado nas estruturas institucionais, mas para estar a caminho de implantar o Reino de

Deus. Portanto, igreja tem que estar envolvida em um movimento dos discípulos em duas

direções: ir ao encontro do Pai para ouvi-lo, contemplá-lo e ser impulsionado para outra

107

MOLTMANN, Jürgen. O caminho de Jesus Cristo. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2009, pg. 153.

108

GUTIÉRREZ, Gustavo. Teologia da Libertação. São Paulo: Editora Loyola, 2000, pg.24 e 26.

109

Ibidem pg.02.

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direção, ao encontro do outro no mundo e de suas necessidades de libertação em três

vertentes: para os oprimidos, para os opressores e para si mesmo. Há uma ênfase na última

vertente, por acreditar-se que caso a pessoa venha a ser liberta de si mesma, ela poderá se

libertar das outras vertentes que as oprime ou se fazem com que ela se torne opressora,

quando Jesus se encontra com pessoas:

―A pessoa humana busca segurança na autonomia do universo pessoal,

fechada em si mesma, e procura preservar essa segurança defendendo-se

contra o exterior. Assim mesmo, mal consegue ocultar a sua insegurança

profunda e a vaidade da verdade que possui. Jesus aparece ao mesmo

tempo como soberanamente livre, aberto e seguro. Ele sabe e sabe que

sabe, e sabe que detém uma mensagem, que ele é uma mensagem capaz

de mudar a condição humana.‖110

2.1.3 Definição de Igreja segundo Comblin

O povo de Deus deve ser um instrumento do Senhor111

, um meio pelo qual o

homem é inserido neste movimento, que pode ser chamado de Reino Deus, de cooperação

com o pobre do mundo, que somente acontece quando se ouve e vê as obras dos discípulos

de Jesus, produzindo obras semelhantes, e assim, tornando-se seguidores de Cristo. Foi ele

quem iniciou seus discípulos na missão de imitá-lo. Segui-lo é imitá-lo, viver como ele

viveu e agir como ele agiu, fazer as opções que ele fez. E qual será o momento decisivo

dessa imitação? A cruz112

.

Além disso, nota-se no pensamento de Comblin a igualdade que a Igreja deveria

possuir, comparando os membros a um elo (membro) da corrente (Igreja). Ele cita a

metáfora acima com propriedade, pois é uma forma de demonstrar a realidade de existir da

Igreja, fazendo com que cada membro se una ao outro chegando ao ponto de estabelecerem

uma aliança. Cremos pelo pensamento de Comblin, que a metáfora proposta também tem

110

Ibidem pg.05.

111

COMBLIN, José. O Deus que liberta seu povo. Petrópolis: Editora Vozes, 1988, pg. 120.

112

COMBLIN, José. O Clamor dos oprimidos o Clamor de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1984, pg. 40.

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uma responsabilidade de cooperar com a força motriz de tirar as pessoas da inércia,

demonstrando assim seu papel como Igreja, pois a mesma foi chamada para realizar a

missão do Espírito Santo113

que é agir no mundo, persuadindo também a um pensamento

de autoridade distributiva entre os membros, pois, se esta é distributiva a responsabilidade

das obras também deve ser repartida. Acredita-se também que com esse exemplo temos a

direção para discutir o poder hierárquico que não deveria existir, sufocando o movimento

criado por Cristo (comunidade que está em movimento). A partir dessa afirmação, verifica-

se um pensamento sobre o sacerdócio universal114

pra cada membro da igreja, tornando-a

ativa e viva no mundo.

É necessário reiterar aqui a posição proposta por Comblin, o ser Igreja não é um

local como uma instituição ou comunidade dirigida por estruturas infindáveis que sufocam

o povo, pois a missão destas se resume a servir somente a si e se protegerem do mundo sem

a força do Espírito, mas o ser Igreja se define como povo de Deus e instrumento115

para

estar em movimento circular ativo produzido pelo Espírito que tem origem no encontro

com o Pai e por consequência nos leva a cooperar com o outro em suas necessidades no

mundo. Encontramos o Pai sempre que encontramos com o próximo, produzindo assim a

unidade necessária para continuar viva a Igreja.

113

COMBLIN, José. O Espírito Santo e a libertação. Petrópolis: Editora Vozes, 1988, pg. 120.

114

O sacerdócio universal de todos os crentes acredita-se que foi afirmado por Lutero em toda a sua carreira

publica e ministério. Sua exposição dessa doutrina foi iniciada em 1520 e continuou até o fim de sua vida. Lutero

primeiro refere-se ao sacerdócio universal em seu famoso discurso ―Para a Nobreza Cristã da Nação Alemã‖

(1520). Nesse tratado, ele afirmou que cada cristão é um membro da propriedade espiritual, e a única diferença

entre os cristãos são em seus ofícios. Do ponto de vista do estado, todos os cristãos gozam do mesmo estatuto (1

Co 12. 12-13). Todos os cristãos, disse Lutero, são sacerdotes através do batismo. O Batismo é o meio eficaz

pelo qual as pessoas se tornam sacerdotes de Deus. Para obter a base Lutero cita 1 Pedro 2:9 e Apocalipse 5: 9-

10. Como todos os cristãos são sacerdotes dos bens espirituais, eles têm a autoridade para testar e avaliar em

questões de fé. Eles não precisam do papa e do clero para governá-los como os intérpretes da suprema e absoluta

Sagrada Escritura. Para colocar o assunto de forma mais positiva, é dever de cada cristão falar diante da fé, para

compreendê-la e defende-la contra todos os erros. Para saber mais sobre o assunto em pauta ver o livro

"Teologia dos Reformadores"; T. George; Edições Vida Nova; 1994.

115

COMBLIN, José. O Espírito Santo e a libertação. Petrópolis: Editora Vozes, 1988, pg.121.

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Pode-se ver essa mesma dinâmica no pensamento de Boff, quando este descreve

como as comunidades de base devem ser e logo vemos esta imagem que Comblin propõe:

a Igreja como ―um povo oprimido organizando-se para libertação‖. Eis um modelo não

baseado em poder e hierarquia, mas em uma proposta de comunidade cristã diferente das

atuais, conforme apresentado por Boff:

―A vida cristã na comunidade de base é caracterizada pela ausência de

estruturas alienantes, por relacionamentos diretos, por reciprocidade, por

uma profunda comunhão, por assistência mutua, por comunidade de

ideias a cerca do evangelho, por igualdade entre os membros. As

características específicas da sociedade são ausentes aqui: regras rígidas,

hierarquias, relacionamentos prescritos numa estrutura de distinção de

funções, qualidades e títulos‖116

.

Essa dinâmica propõe uma Igreja que se porta como sociedade do contraste e ela

poderia desencadear uma revolução pacífica nas bases de nossa sociedade, o ser humano se

tornaria mais importante do que os bens materiais, o poder, a auto-afirmação e a relação

com pessoas importantes. Deve-se lembrar de que a Igreja sem o Espírito Santo não

conseguirá cumprir seu papel na terra de ser essa sociedade libertadora. Se a pessoa do

Cristo com todos seus desdobramentos da vida, é o modelo que a Igreja deveria parecer-se,

então, se faz necessário ter os mesmos atos que ele teve. Como escreveu Comblin, é

somente no poder do Espírito que a Igreja cumpre seu papel de estar em movimento em

prol do pobre:

―O Espírito prepara a igreja no meio das nações, [...]. Por isso não

precisamos partir para a missão já com um projeto de igreja, nem com um

projeto do evangelho elaborado. [...] O Espírito é quem revela Cristo às

nações. Nós o anunciamos, mas não sabemos como vão conhecê-lo. O

que importa é a apresentação de Cristo assim como ele se apresentou

pelos caminhos de humildade e da cruz. Cristo parte da pobreza, dos

meios pobres. Apresenta-se como sem poder. A revelação de Cristo é a

revelação da sua cruz vivida como real caminho. [...] O Cristo da missão

116

BOFF, Leonardo. Eclesiogênese: A reinvenção da igreja. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008, pg. 32.

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não será um discurso humano sobre o Cristo, mas uma presença viva e

real de Jesus feito homem pobre e sem poder de uma maneira capaz de

tocar no coração dos pobres das nações. Desse modo, Cristo e o Espírito

estão unidos também na missão e somente a sua unidade torna possível a

missão nesta hora do mundo.‖117

Partindo do pensamento cristológico de Comblin, pode-se dizer que a igreja

deveria se envolver com os pobres e abandonados pela sociedade, que são os atores

principais do Reino de Deus, apresentar-se não por meio do poder e nem este, mas sim

revelar-se fraca para com os fracos, com suas atitudes, de alguma maneira envolver os

seres humanos no movimento de cooperação para ver o próximo se levantando da sua

miséria. Portanto, pode-se dizer que a Igreja não tem como trazer o Reino de Deus, este

deve ser sinalizado por aqueles que cumprindo os requisitos descritos por Jesus a

Nicodemos em João 3.3-7, nele entraram. Entendemos como Comblin pensa que tal

sinalização se dá pela prática das boas obras.

Apesar de todos os pensamentos acima citados, Comblin não é contra a Igreja,

mas tem uma posição sobre ela: que deve ser dinâmica, não opressora, igualitária e

libertadora, agindo com compaixão pela vida do outro, construindo o Reino de Deus, ou

seja, agindo efetivamente na sociedade com práticas de bondade. Caso não seja dessa

maneira, a Igreja se torna inútil:

―Jesus anunciou a libertação. Iniciou o movimento comunitário reunindo

os seus discípulos que se acharam juntos no dia de Pentecostes para

receber o Espírito Santo enviado por ele. Lançou o movimento. A missão

dos apóstolos, dos missionários é anunciar, de modo ativo, como Jesus,

mostrando o modo de proceder para construir o reino de Deus. A Igreja

constitui esse povo de missionários. A Igreja existe para iniciar esse

movimento de comunidade humana em todos os níveis. Para dizer

117

COMBLIN, José. O Espírito Santo e a libertação. Petrópolis: Editora Vozes, 1988, pg. 202.

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melhor, a Igreja existe nesse movimento. Fora desse movimento ela não

existe como Igreja de Jesus Cristo, mas somente de nome.‖118

De acordo com Comblin, pode-se dizer que a conversão não é para Igreja

Instituição, mas sim, para ser introduzido no movimento que devemos chamar de

sinalização para o Reino de Deus. Tal movimento muitas vezes se torna uma realidade

mútua entre os próprios discípulos e os outros ao redor do mundo.

Por ser Comblin um homem inserido na Igreja, isso lhe daria o direito de provocar

a fidelidade evangélica. Seu desejo de vê-la livre do peso dos séculos que agregaram tanta

coisa que ofuscava a imagem verdadeira de Jesus e desviava da revelação do Pai. Sabendo

que todo movimento solidário tem uma tendência a se tornar uma religião e um dia se

tornar uma instituição119

, profetizava com seus escritos e com sua vida próxima dos pobres

para que não fosse desprezado pela Igreja Instituição, e este é um fato que aconteceu dia

após dia.

2.2 Reino de Deus

No desenvolvimento do pensamento sobre o termo Reino de Deus, inúmeros

teólogos, por vários séculos, discutiram sobre o tema e o definiram de diferentes maneiras.

Queremos destacar alguns deles, tais como: mensagem libertadora no amor ao inimigo, à

suma de toda a mensagem e do anúncio de Jesus consistiria na sua experiência e

proclamação de Deus como Pai120

. A ênfase no Reino de Deus tem em mente o espaço e a

nova ordem de todas as coisas segundo as instruções de Deus e fala do futuro desse Reino.

Nos tempos de Paulo, a expressão ―Reino de Deus‖ tem sua equivalência ao termo

118

COMBLIN, José Os pobres e a libertação. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/42086-os-pobres-e-a-

libertacao-artigo-inedito-de-jose-comblin acessado em 04/02/2012..

119HOORNAERT, Eduardo. Novos Desafios para o Cristianismo a Contribuição de José Comblin. São Paulo:

Paulus Editora, 2012, pg. 36.

120

COMBLIN, José. O Espírito Santo no Mundo. São Paulo: Paulus Editora, 2009, pg. 53.

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chamado ―o Caminho‖ como figura de um movimento do protocristianismo, seu modo de

viver e sua razão de o ser121

. O Reino de Deus é a proclamação central no anúncio de Jesus

e ―aos pobres é anunciado o evangelho‖, diz Jesus na sinagoga de Nazaré. É um texto

muitas vezes citado, J. Jeremias comenta: ―O Reino pertence unicamente aos pobres122

‖. Se

for assim, Reino de Deus e os pobres são correlativos. Não se pode falar de Reino sem

levar centralmente em conta os pobres. E isso significa, por sua vez, que não há Reino se

os pobres não estiverem em seu centro. O Reino de Deus não consiste em resultados

visíveis como estamos acostumados a fazer, colocando metas a serem alcançadas, mas para

Comblin o Reino de Deus é um mundo em que Deus reina, pessoas sobre as quais a justiça

e a misericórdia de Deus se manifestam. Para que Deus reine não é necessário passar para

outro mundo diferente, Deus vem a este mundo em nosso meio, nos atos da vida cotidiana,

ele é capaz de fazer dos atos da vida humana os instrumentos de seu Reino123

. Deve-se

dizer também que o Reino não será implantado totalmente nesta terra por causa das

inconsistências humanas, mas será implantado parcialmente como um sinal, como diz

Sung:

―A realização apenas parcial do reino na sociedade tornando-a mais justa

e solidária, onde o povo tem mais vida, mostra que há uma diferença

qualitativa entre o reino de Deus e as realidades históricas, apesar de não

haver entre eles uma posição ou contraposição. A realização parcial do

reino na sociedade mais justa sinaliza como diz corretamente o texto, o

reino definitivo, mas não é uma etapa no caminho de sua realização

completa. Pois se fosse uma etapa de etapa em etapa, chegaria uma hora à

plenitude do Reino e deixaria de ser apenas um sinal antecipatório e o

reino caberia plenamente no interior da história‖124

.

121

WRIGHT, N. T. La Resurrección del Hijo de Dios. Navarra Espanha: Editora Verbo Vivo, 2008. pg.692.

122

JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Teológica, 2000, pg. 142.

123

COMBLIN, José. A fé no Evangelho, São Paulo: Paulus Editora, 2010, pg.18.

124

SUNG, Jung Mo. Deus em Nós, O reinado que acontece no amor solidário aos pobres. São Paulo: Paulus

Editora, 2010, pg. 122.

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Bosch, ao citar Alfred Loisy diz: ―Jesus predisse o Reino e foi a igreja que

veio.125

‖ Essa afirmação nos leva a pensar que a própria comunidade de Jesus não entendeu

suas aspirações. Portanto, o Reino de Deus se reconhece nos evangelhos como uma

realidade histórica na pessoa de Jesus Cristo, apesar dos discípulos não entenderem.

Comblin analisa através de um artigo inédito essa falta de entendimento, quando diz:

―Alguns entenderam que Jesus lhes daria essa libertação por um grande

ato de violência destruindo toda a classe dos dominadores. Esperaram que

Jesus fizesse o que muitos em Israel achavam que seria a obra do

Messias. Não aconteceu assim. Houve discípulos desanimados com a

morte de Jesus porque não tinha sido o Messias esperado por eles‖126

.

Para Moltmann, há uma força sobrenatural do Reino, que faz com que os pobres

se levantem por si e vençam os obstáculos que foram colocados pela sociedade:

―O Evangelho não traz nem feijão nem arroz, mas, sem dúvida, a certeza

de sua dignidade indestrutível aos olhos de Deus. Com essa

consequência: pobres, escravos e prostituídos podem erguer-se do pó e

ajudar-se a si mesmos. [...] O Evangelho do reino de Deus, que pertence

aos pobres, supera esse ódio próprio e ergue os pobres, de forma que

podem viver de cabeça erguida e apresentar-se de porte ereto. Deus está

do lado deles e a eles pertence o futuro de Deus‖127

.

Parece que para Moltmann, citado acima, o Reino de Deus tem uma força que se

permite atuar sem nenhum articulador humano, pois o autor usa o termo ―ajudar-se a si

mesmo‖, levando o leitor a entender que existe possibilidade de não depender de ninguém,

sendo autossuficiente, mas o Reino de Deus é a dependência do outro. Assim, para

125

BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da Missão. São Leopoldo:

Editora EST e Sinodal, 2007, pg. 74.

126

Os pobres e a libertação. Artigo inédito de José Comblin http://www.ihu.unisinos.br/noticias/42086-os-pobres-e-a-

libertacao-artigo-inedito-de-jose-comblin acessado em 04.02.2012.

127

MOLTMANN, Jürgen. O Caminho de Jesus Cristo. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2009, pg. 145.

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Comblin existe uma força, e ela vem do Espírito Santo, mas seu papel é colocar o cristão

em movimento para cooperar com o pobre.

Por isso, o propósito central do NT é mostrar que, com a vinda do Messias, um

novo tempo é instaurado e, através da pessoa de Jesus Cristo e de sua obra o Reino de Deus

tornou-se uma realidade128

que se desenvolve na terra entre os homens. Bosch nos fala

sobre esta realidade:

[...] ―o reinado de Deus não é entendido como exclusivamente futuro, mas

como tanto futuro já presente. Hoje em dia, dificilmente podemos

apreender a dimensão verdadeiramente revolucionária do anúncio de

Jesus de que o reinado de Deus está próximo e está, na verdade sobre seus

ouvintes. Algo totalmente novo está acontecendo: a irrupção de uma nova

era, de uma nova ordem da vida. A esperança de libertação não é uma

canção distante sobre o futuro remoto. O Reino futuro invade o

presente.‖129

Bosch nos dá outra forma de interpretar o Reino de Deus, enquanto alguns

teólogos falam sobre o Reino que se irrompe ―agora e ainda não‖, o autor nos fala a

respeito do ―Reino futuro que invade o presente‖, levando o leitor a pensar que há algo que

acontece na atualidade; não basta crer que o Reino está chegando. Comblin afirma que é

preciso saber reconhecê-lo nas aparências humildes de sua presença atual130

, que se revela

no movimento em prol e benefício do pobre, pois o Reino de Deus está além das palavras,

está nos evangelhos que declaram as intervenções de Jesus na vida dos pobres e

oprimidos131

, ou seja, o movimento de Jesus é de ir até os sobrantes da sociedade. Portanto,

o Reino para Comblin não consiste somente em palavras, mas em prática de amor ao

próximo.

128

PADILLA, C. René. Missão Integral Ensaio sobre o Reino de Deus e a Igreja. Londrina: Editora Descoberta,

2005, pg. 142.

129

BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da Missão. São Leopoldo:

Editora EST e Sinodal, 2007, pg.53.

130

COMBLIN, José. A fé no Evangelho. São Paulo: Paulus Editora, 2010, pg. 14.

131

COMBLIN, José. A vida Em busca de liberdade. São Paulo: Paulus Editora, pg. 130.

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Para Comblin, o evangelho de Jesus não é uma religião. Jesus não fundou

nenhuma religião, não proclamou uma doutrina religiosa ou mitologia, nenhum discurso

sobre Deus, e não encontrou qualquer religião, pois a mesma trabalha para harmonizar a

crise entre ricos e pobres. A religião quer paz mesmo à custa de aliança com os poderosos.

O evangelho para Comblin é conflito entre ricos e pobres, é opção entre ricos e pobres132

.

Jesus proclamou e inaugurou o Reino de Deus na Terra, os apóstolos que enviou eram

leigos sem missão religiosa, mas com a missão de anunciar o Reino de Deus, o qual não era

um reino nas almas, mas um Reino sobre as pessoas, nesta terra primeira, antes da nova

terra. Assim, é possível afirmar que o Reino de Deus não é o domínio religioso, mas é uma

renovação de toda a humanidade, nesta terra e não na terra que há de vir. Uma realização

que muda o sentido da história humana e também um apelo do próprio Deus, que através

das ações de Cristo se revela ao homem, para que ele se dedique ao serviço em prol do

outro:

―O evangelho não é de estilo expositivo: não é ensino acadêmico. Não é

de estilo narrativo: não é leitura, menos ainda explicação do evangelho.

Menos ainda, de estilo teológico. O evangelho é sempre um apelo. Um

apelo dirigido pelo próprio Deus: apelo para aceitar o amor de Deus e

viver nele e dele. O critério de autenticidade do evangelho está no efeito

produzido; nos serviços que produz. Se produz uma vida de serviço ao

outro, foi autêntico. Se não produzir, não foi autêntico‖133

.

David Bosch declara que o ministério de Jesus referente ao Reino desencadeia um

ataque geral ao mal em todas as suas manifestações. O reinado de Deus chega a toda parte

onde Jesus supera o poder do mal134

. Portanto, o Evangelho é o anúncio da vitória de Jesus

sobre a morte que é o ápice do mal. Vitória supõe combate prévio, a morte e a ressurreição

132

RICHARD, Pablo. Movimento Bíblico no povo de Deus e crise irreversível da Igreja hierárquica. (in). Novos

Desafios para o Cristianismo a contribuição de José Comblin São Paulo: Paulus Editora, 2012, pg. 34.

133

COMBLIN, José. O Espírito Santo e a libertação. Petrópolis: Editora Vozes, 1988 pg. 31.

134

BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da Missão. São Leopoldo:

Editora EST e Sinodal, 2007, pg. 53.

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do Salvador são precisamente combate, cujo desfecho é a vitória de Deus135

. Diante disso

é possível afirmar que o Evangelho é anunciar que ―Jesus ressuscitou‖, e com isso afirmar

que Jesus venceu a morte e a injustiça, nesse caso, na ressurreição há uma implicação

importante, pois o anúncio da ressurreição nunca se faz sem a recordação da morte de

Cristo. Dessa maneira, se a ressurreição é atribuída a Deus, a responsabilidade da morte do

Salvador recaiu sobre os homens. Assim, para entender o conceito de conversão, se faz

necessário compreender que se a ressurreição venceu a morte, então tudo que se levanta

contra a vida estará indo contra o evangelho, ou seja, todo o sistema que gera morte é

contra o evangelho, portanto, o processo de conversão em uma pessoa, além de gerar vida

para este cristão, deve impulsioná-lo para o movimento, que é o Reino de Deus, levando

vida aos pobres e rejeitados, levando em consideração que a vida verdadeira não tem

somente uma conotação interna e espiritual, Comblin nos concede um pensamento sobre a

ressurreição e deixa claro que aquele que ressuscita com Cristo deve ter a mesma atitude

dele, ou seja, lutar, cooperar para salvação dos homens e recriar sistemas que gerem vida,

para aqueles que ainda não conseguiram obter vida. Este deveria ser o combate de todos os

cristãos convertidos e deveriam assumi-los como seu. Combate tem conotação de luta,

movimento em direção a uma conquista, esse movimento não é feito por uma guerra

violenta e sim ao dividir a vida com aquele que não possui vida. Em vista disso, Comblin

afirma que este movimento tem uma direção ao outro e deve ser com compaixão. Além

disso, o movimento tem um objetivo claro, nos revelar a pessoa de Deus:

―De acordo com o evangelho, o encontro com Deus realiza-se no

encontro com o homem, de modo particular no encontro com o outro,

com o pobre, com o marginalizado, com o rejeitado. O Evangelho é a

experiência de Deus na aproximação com o outro. O que Jesus ensina é o

encontro com Deus não pela mente ou por atitudes interiores, e sim pelo

agir concreto, pelo amor ao próximo que é serviço‖136

.

135

COMBLIN, José. A Ressurreição. São Paulo: Editora Herder, 1965, pg.144.

136

COMBLIN, José. Viver na Cidade, Pistas para a Pastoral Urbana. São Paulo: Paulus Editora, 1996, pg. 15.

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Bosch deixa claro que o Reino deve ser uma realidade na vida dos oprimidos e

não deve ser somente uma esperança pós-morte. Portanto, Reino de Deus e cristologia

estão inseparavelmente ligados. Assim, podemos dizer que quando conhecemos a Jesus,

chegamos a conhecer o Reino de Deus, e não se pode dizer que conhecemos o cristianismo

sem que tenhamos a consciência de qual é a ação que nos revela o Reino de Deus, que esta

ação é a cooperação com o miserável da terra. Não digo que é o único aspecto que

identifica o Reino, ou seja, o sentido de cooperar com pobre, mas é parte essencial do

cristianismo137

e do Reino de Deus. Leonardo Boff diz, ―Jesus prega, presencializa e

inaugura este Reino‖. Na verdade, em Jesus se cumpre toda a esperança messiânica, ou

seja, a implantação de um novo Reino, onde os oprimidos seriam livres, os doentes seriam

curados e os pobres resgatariam sua dignidade e sua esperança de viver melhor. Boff

declara sobre esta implantação e a realidade desse Reino de Deus:

―Reino de Deus é a revolução e a transfiguração total, global e estrutural

desta realidade, do homem e do cosmos, purificados de todos os males e

repletos da realidade de Deus [...]. No Reino de Deus a dor, a cegueira, a

fome, as tempestades, o pecado e a morte não terão mais vez [...]. Cristo

veio para sanar toda a realidade em todas as suas dimensões, cósmicas,

humana e social [...]. A intervenção de Deus já (foi) iniciada, mas ainda

não totalmente acabada [...]. A pregação do Reino se realiza em dois

tempos no presente e no futuro.‖138

O autor nos remete a pensar que na implantação do Reino de Deus, que se inicia

em Cristo, porém não está acabado, os pesos das diferenças sociais são aniquilados e as

pessoas podem presenciar a igualdade entre elas, se tornando conhecedoras de sua

dependência, do próximo e de Deus. Portanto, pode-se dizer que o Reino consiste em que

seus cidadãos imitem seu Rei e se tornem iguais nas suas atitudes, ações que transformem

as estruturas e o próprio homem através do amor ao próximo. Este pensamento é reforçado

pelas ideias de Jon Sobrino:

137

GALILEA, Segundo. O sentido cristão do pobre. São Paulo: Edições Paulinas, 1979, pg.16.

138

BOFF, Leonardo. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis: Editora Vozes, 2004, pg.62, 66,

67, 69, 74.

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―Deus não é um ser egocêntrico, mas sai de si para amar, recriar, salvar e

humanizar os homens. O que homem pode fazer é viver da própria vida

de Deus, isto é, fazer da história o que está expresso na essência da

realidade de Deus: ser amor, re-criador, salvador, doador da vida139

. Esta

mudança consiste em não centrar-se nem egocêntrica nem egoisticamente

em si mesmo, mas em abrir-se aos outros em sua atividade salvadora, re-

criadora, consiste em ser para outros, numa existência que seja pró-

existência, em serem homens para os demais. Em outras palavras,

consiste, na prática do amor. Fora disso, não se pode entrar no reino. Sem

uma direção salvadora para o outro, não há correspondência ao reino de

Deus.‖140

Sobrino deixa claro que o cristão deve fazer parte da salvação do outro e não

somente uma salvação eterna, mas completa, cooperando em suas necessidades através do

amor ao próximo, se abrindo para eles ao ponto de fazer parte do Reino de Deus. Ou seja,

não se faz parte do Reino se não tiver amor prático ao outro, tornando seu semelhante feliz

ao ponto da felicidade tomar conta daquele que coopera e do que foi beneficiado.

Comblin, além de concordar com a citação do autor acima, tem algo a acrescentar

na concepção de felicidade que é diferente do mercado e da publicidade. Estes dois últimos

anunciam que, para uma pessoa ser feliz, ela precisa consumir e acumular recursos

financeiros, ou seja, pensar somente em si mesma, mas a felicidade tem sua origem na

busca e na luta para se instalar o Reino de Deus na caminhada e na força do Espírito Santo:

―A felicidade não consiste em se conformar, nem em aceitar tudo com

resignação, mas em buscar ativamente o objeto das promessas. Com a

força do Espírito é possível conquistar esses bens na terra, ainda que seja

de forma precária e incompleta – mas essa busca constitui a felicidade. A

felicidade consiste em buscar o reino de Deus, lutar e trabalhar para

instalar esse reino pela graça do Espírito Santo‖141

.

139

SOBRINO, Jon. A Ressurreição da Verdadeira Igreja. São Paulo: Edições Loyola, 1982, pg. 55. 140

Ibdem pg. 56.

141

COMBLIN, José. A Vida Em Busca de Liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 60-61.

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O Reino de Deus para Comblin consiste em ser objeto do evangelho, não consiste

numa estrutura nova. Não está ainda realizado de uma forma definitiva; é um movimento

contínuo e sempre em renovação.

―Melhor seria dizer: a conquista ou reconquista de Deus. O evangelho

proclama que Deus empreendeu a reconquista do mundo, para refazer o

seu reino; essa reconquista durará até o fim da história. O evangelho

anuncia que o mundo deixou o estado de inércia para engajar-se no

movimento de libertação, que é o próprio Reino de Deus e que se

manifesta através da luta, do conflito permanente, da superação do

passado, da luta pela instauração de um novo mundo‖142

.

Então, pode-se dizer que o Reino de Deus não cai do céu, como alguns pensam,

nunca é o produto de forças celestiais capazes de prescindir de uma atuação humana. Os

atos do Reino de Deus são atos aos quais a pessoa se compromete totalmente, sem isso, não

existiria o Reino de Deus143

.

2.2.1 Vida como uma nova terminologia para o Reino

Para Comblin, a terminologia, Reino, tem uma nova proposta no Novo

Testamento por motivos lógicos. Nesse caso, alguns apóstolos não se sentiam a vontade em

usar a palavra Reino, pois a mesma possui uma conotação pejorativa e por vezes opressora,

por isso, o autor propõe a seguinte mudança:

―O evangelho entrou no Império romano. Ali as traduções grega e latina

da palavra aramaica que significa reino, são palavras tão odiadas que os

apóstolos nem sequer se atrevem a usá-la o a aplicá-la a Deus. É

impossível que Deus reine porque reinar é dominar, destruir, escravizar.

Paulo e João falam da vida que veio vencer a morte. Jesus veio trazer a

142

COMBLIN, José. Evangelizar, São Paulo: Paulus Editora, 2010, pg.10.

143

COMBLIN, José. A oração de Jesus. São Paulo: Paulus, 2010, pg.15.

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vida. Deus é vida. Jesus trouxe a vida. O Espírito nos dá a vida prometida

por Jesus‖144

.

Além disso, Comblin diz que em nossa cultura a palavra Reino não sugere nada,

tendo geralmente um sentido pejorativo. É preciso usar outro termo, de acordo com o tipo

de cultura dos interlocutores:

―O quarto Evangelho substitui o reino pela vida, não deve dar a impressão

de que se trata de uma doutrina mais ou menos secreta com palavras

desconhecidas. Muito pelo contrário, o anúncio do Reino de Deus deve

ser feito da maneira mais natural possível, com as palavras usadas na

conversa habitual. Assim fez Jesus usando as palavras mais comuns no

meio do seu povo‖145

.

Comblin, além de sugerir outra forma de falar sobre o Reino de Deus, ou até

mesmo de visualizar este Reino, se preocupa com a transmissão e a multiplicação deste

entre as culturas, revelando que não deve haver nada de misterioso e dificultoso em se

conversar sobre o assunto, assim como Jesus deve ser a nossa referência para entender o

Reino, mesmo que para isto seja necessário mudar até as terminologias para ser

compreendido. Apesar dessas mudanças não serem identificadas em outros autores da

mesma vertente teológica, é possível afirmar que Comblin vai além das terminologias

tradicionais para explicar ao povo as atitudes que devem ter com relação ao outro

necessitado. Portanto, é necessário mudar essa terminologia usando a palavra VIDA, pois o

Cristo ressuscitou para trazer vida a todos. Percebe-se que a terminologia Vida se adapta

bem ao termo Reino de Deus, pois se pensarmos sobre o sentido do termo vida, somente a

teremos quando acabar as nossas necessidades básicas e a igualdade se tornar realidade

entre os seres humanos. Deus é Vida, Jesus é a Vida e o homem deve desfrutar desta Vida.

144

COMBLIN, José. Os pobres e a libertação. http//www.ihu.unisinos.br/noticias/42086-os pobres .e.a.libertaçao-artigo-inédito –de –

jose-comblin. acessado em 04/02/2012.

145

COMBLIN, José. A vida, Em busca da liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 130.

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Pode-se dizer como Comblin: Vive efetivamente quem é feliz, não se fechando

aos outros. Vive feliz quem está em paz com os outros, presta-lhes serviço, está atento e

disponível às necessidades deles. Ser Feliz é poder contar com a amizade dos outros. Vive

feliz é partilhar um ambiente de amizade e de fraternidade.146

Com isso se ganha uma nova

perspectiva para atuação deste Reino de Deus ou o Reino da Vida entre os homens, sendo

Jesus a testemunha por transmitir vida aos que estão desprovidos de toda e qualquer

condição de viver.

2.2.2 As características dos cidadãos do Reino de Deus

Quais são as características desses cidadãos? Parece que alguns chegam

espontaneamente ao conhecimento do Reino de Deus, há outros que possuem certa

dificuldade. Desta forma, Comblin pergunta: será que tem algo a ver com a graça de Deus a

discriminação? A graça da fé não seria oferecida a todos? Sim, é dada a todos. A separação

não vem de Deus, mas sim das disposições das criaturas humanas147

.

Comblin escrevendo sobre o evangelho de João nos declara quais são as

características dessas pessoas que podem ver e entrar no Reino de Deus, quando Jesus se

encontra a noite com Nicodemos, e discursa sobre o reino de Deus, as afirmações neste

discurso são: ―Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode

ver o reino de Deus‖. (João 3:3). ―Na verdade, na verdade te digo que aquele que não

nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus‖. (João 3:5). Na verdade

ele propõe uma conversão para o Reino, em que a pessoa deve se tornar uma criança

novamente. Comblin além de nos conceder algumas características importantes desta

pessoa, declara que existem alguns privilégios nesta conversão de sair do reino das trevas e

passar a ser cidadão deste Reino esperado e vivenciado por elas:

146

COMBLIN, José. A Vida Em Busca de Liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 60.

147

COMBLIN, José. A fé no Evangelho. São Paulo: Paulus Editora, 2010, pg. 15.

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―O privilégio das crianças está na sua pequenez, na sua carência total de

poder. O que constitui o modelo das crianças é a sua pequenez. Para

entrar no Reino de Deus é preciso ser pequeno ou tornar-se pequeno. É

preciso esperar o Reino de Deus como as crianças, isto é, sem poder

nenhum, de modo puramente receptivo. Ninguém pode entrar no Reino se

vem armado de poder. Somente quem se achar sem poder, poderá entrar.

O Reino de Deus não é a recompensa da sabedoria ou dos méritos dos

velhos: não existe nenhum mérito diante do Reino de Deus. Tudo é graça,

dom gratuito. As crianças esperam sem pretensão, sem capacidade de

fazer alguma coisa pelo Reino. Por isso, elas são o modelo. Desta

maneira, Jesus fez uma subversão total dos valores das religiões e das

filosofias. Diante do Reino de Deus todos os trabalhos de uma vida inteira

são como nada. É preciso deixar tudo isso e ficar pequeno pobre e sem

valor, sem pretensão como uma criança que espera tudo porque não pode

fazer nada por si mesma. O privilégio das crianças é que elas não sabem

fazer nada‖148

.

Para Comblin, a conversão ou o novo nascimento está diretamente ligado ao

Reino de Deus. Porém, não é um ato que acontece somente internamente e espiritualmente,

mas acontece no ser como um todo, quando há uma mudança de mente ao ponto de

produzir um novo ser humano ou uma nova criatura, que consiga se despir de todo poder

seja ele social, religioso ou político se colocando em igualdade com aquele que tem

ausência de tudo.

Para Comblin, pode-se definir o Reino de Deus como um movimento que vai ao

encontro do próximo para levá-lo à libertação e a vida verdadeira, que deve ser uma vida

igualitária e fraterna, ao ponto de vivenciar cada vez mais este Reino na terra, como nos

escritos do evangelista Mateus: ―Venha o teu Reino e faça sua vontade assim na terra como

no céu‖, (Mt. 6:10). O Reino de Deus pode ser definido, através do pensamento de

Comblin da seguinte forma: é um reino realizado na terra que transforma ou renova a

humanidade; é um apelo do próprio Deus, através da pessoa de Jesus, para que o homem se

148

COMBLIN, José. A Velhice a espera do Reino de Deus http://www.consciencia.net/a-velhice-e-a-espera-do-

reino-de-deus-por-jose-comblin/ acessado em 01/04/2012.

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mova em direção ao outro, levando vida para os miseráveis da sociedade, lutando sempre

contra a injustiça.

Para isso acontecer precisamos de pessoas com as características do reino, como

Comblin cita no texto acima, devem estar dispostas a não ter méritos de forma alguma, sem

pretensão de trocar seu trabalho, seja ele realizado na vida toda ou parte dela, se colocar na

posição de não saber fazer nada e depender de tudo para viver na espera que algo irá

acontecer, pois a espera é intimamente ligada à despreocupação de todas as coisas

imediatas. Não foi por acaso que Jesus foi reconhecido e aceito pelos pobres149

. O próprio

Jesus constatou: ―Como será difícil aos que tem riquezas entrar no reino de Deus.‖ E outra

vez Jesus afirma: ―Filhos como é difícil aos que confiam nas riquezas entrar no reino de

Deus. É mais fácil a um camelo passar pelo orifício duma agulha que a um rico entrar no

reino de Deus‖(Mc. 10, 24-25). Pode-se dizer que estas características são encontradas nas

crianças, mas também nos pobres. Portanto, o Reino de Deus também encontra essas

características nos pobres, pois são seres humanos como os outros.

―A vantagem que têm os olhos de Deus é que lhes falta o sentimento da

importância de si mesmos; acham normal servir e colocar-se a serviço de

outra coisa que não seja a sua própria pessoa. Essa é a disposição mais

difícil de conquistar por quem não a tem porque possui a preocupação de

defender os seus privilégios concedidos pela sociedade‖150

.

Qualidades que se remontam em crianças e pobres e que são as mais indesejáveis

hoje pela sociedade, porém, são as importantes para o Reino de Deus, que requer

dependência e esperança total.

149

COMBLIN, José. A fé no Evangelho. São Paulo: Paulus Editora, 2010, pg. 17.

150

COMBLIN, José. A Oração de Jesus. São Paulo: Paulus Editora, 2010.

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87

2.2.3 Os beneficiários do Reino (Vida)

Após a apresentação sobre o Reino e sua ação na terra, será necessário mais um

aspecto importante para a compreensão e profundidade do assunto: quem são os

beneficiários deste Reino. São encontrados como o necessitado, o que tem carência,

àqueles aos quais não é permitido um adequado desenvolvimento humano. A vida dessas

pessoas transcorre numa situação de fome e de exploração, de atenção insuficiente com

relação a sua saúde e a sua moradia, de acesso difícil à educação escolar, de baixo salário e

desemprego, de lutas pelos seus direitos e de repressão, de possuir uma maneira própria de

sentir, de raciocinar, de fazer amigos, de amar, de crer, de sofrer, de festejar e orar151

. No

Novo Testamento a palavra que mais se aproxima de pobre é “ptôchos152

” que significa

aquele que não somente carece do imprescindível, como é incapaz de consegui-lo através

de seu trabalho, sua miséria o reduz à mendicidade153

. A pobreza era vista, e ainda é, como

uma condição humana criada pela sorte ou pelo destino, aliás, uma realidade permitida pelo

―Deus quis‖, colocando a situação desses filhos e filhas de Deus em um estado de miséria,

como se não tivessem condições de uma redenção, ou libertação, usando de afirmações

para denegrir a imagem de Deus que cada pessoa tem ao ponto de serem chamados de

sobrantes da sociedade. Mas o Reino levanta profetas nesta terra ainda para denunciar as

falsas afirmações e lutar por uma sociedade mais saudável com relação ao próximo que

deixou de existir para alguns. Muitas vezes pobres são obscurecidos por várias afirmações

da classe dominante, para se defender por causa das suas riquezas ou pelo poder adquirido.

Comblin propõe uma denúncia para essa classe, que ofusca o evangelho da reconciliação:

151

GUTIÉRRREZ, Gustavo. Beber no próprio poço itinerário espiritual de um povo. Petrópolis: Editora Vozes,

1987, pg.138.

152

No grego do NT, o termo mais usado para referir-se aos pobres é ptôchos. Das 25 vezes que o termo aparece,

22 vezes refere-se aos afligidos e frágeis economicamente. Nos três lugares em que ptôchos se refere ao pobre

espiritual (Mateus 5.3; Cf. Gálatas 4.9; Apocalipse 3.17.), é adicionada alguma qualificação. E nos três casos em

que Jesus relaciona reino de Deus e ptôchos (Mateus 11.5 = Lucas 7.22; e Lucas 6.20), seu significado também

não é espiritual. A conclusão é que no NT e em Jesus, o termo pobre é uma categoria sociológica.

153

BALZ, Horst e SCHNEIDER, Gerhard. Diccionario Exegético del Nuevo Testamento. Salamanca Espanha:

Ediciones Sigueme S.A, 1988, pg. 1259.

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―Os ricos sempre procuraram desviar o sentido do evangelho. Inventaram

o conceito de pobreza espiritual. Pobres seriam os que não estão

apegados à riqueza, os que não se sentem ricos, os que têm sentimentos

de compaixão pelos pobres. Interpretam o versículo de Mateus sobre os

pobres em espírito como se o espírito fosse o imaterial, o mental, o

psicológico. Mas o espírito é vento, força, tempestade como no dia de

Pentecostes. Os pobres no espírito são os que são animados pelo Espírito.

Não são os pobres sentimentalmente‖154

.

Com esta denúncia Comblin demonstra que os ricos com seus pensamentos,

sentimentos e interpretações errôneas dos escritos dos evangelistas deixam claro quem são

eles e quais são seus objetivos. São pobres da presença de Deus e seus objetivos sempre

será construir abismos sociais entre eles e os carentes de vida. Por isso, a pobreza pode ser

definida como acúmulo de poucos155

. Apesar de Comblin deixar claro que ser pobre é

muito mais do que estar em uma posição econômica inferior, o termo é mais amplo e tem

outros fatores como sociais, políticos, emocionais e físicos que indicam a natureza da

pobreza. O autor propõe um desenraizamento da riqueza, ou seja, não estar apegado a esta.

A pessoa saberia dividi-la, pois o sentimento de compaixão que o Reino produz no ser

humano é um dos fatores principais que impulsiona o cristão a seguir uma práxis do reino e

um configurar-se segundo a mensagem e a pessoa do próprio Jesus, ou seja, se tornar pobre

com os pobres, parece aqui que houve uma escolha de Deus desta personagem, mas isso

não é verdade, ela se realizou por si mesma156

.

Comblin tem uma concepção do que significa o ser pobre, que vai além daquele

que está em dificuldade financeira, mas é aquele que se torna o alvo da injustiça social,

assim, se coloca ao lado deles, por isso, pôde escrever com autoridade e deu preferência

aos agricultores do nordeste, pobres, excluídos e aos que o ajudaram, se entregando e

morrendo entre eles. Assim, é possível concordar com o termo ―terrenalidade‖ da caridade

154

COMBLIN, José Os pobres e a libertação. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/42086-os-pobres-e-a-libertacao-

artigo-inedito-de-jose-comblin acessado em 04/02/2012.

155

DUPONT, Jacques. Jesus, Messias dos pobres, messias pobre, São Paulo: Paulinas, 1985, pg. 9. 156

COMBLIN, José. A Oração de Jesus. São Paulo: Paulus Editora, 2010, pg. 68.

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de Gustavo Gutiérrez, definido pelo movimento que vai ao encontro do outro, colocando

onde a opção do Reino de Deus é o trabalho em prol dos pobres, da seguinte forma:

―Podemos nos certificar da importância da passagem de Mateus 25: 31-46

para a experiência da Igreja. Ela muito nos ajudou a percebermos a

exigência da eficácia no servi-lo aos outros. Percepção não só da eficácia,

mas também – frente a uma versão espiritualista - daquilo que

poderíamos chamar a ―terrenalidade‖ da caridade cristã. A partir deste

texto, pudemos compreender que o encontro com o pobre, por meio de

obras concretas, é um passo obrigatório para o encontro com o próprio

Cristo‖157

.

Semelhantemente, é possível indicar que os beneficiários do Reino de Deus são

aquelas pessoas que ouvem, vêem e praticam o evangelho se solidarizando suprindo a

necessidade do próximo se tornando pobre, mas também o próprio objeto dessa

solidariedade, que são os pobres de fato.

2.3 A conversão como um processo para o Reino de Deus

A definição de conversão para o NT é mudar de vida, mudar de atitude, como está

escrito no Diccionario Exegético: é caso de mudança moral de uma pessoa, os termos se

referem a um caso concreto, de importância decisiva para a compreensão

neotestamentária158

. Segundo Wayne Grudem conversão é:

―nossa resposta espontânea ao chamado do evangelho, pela qual

sinceramente nos arrependemos dos nossos pecados e colocamos a

confiança em Cristo para receber a salvação. Para Grudem a palavra

conversão significa ―volta‖- aqui ela representa uma volta espiritual,

157

GUTIÉRRREZ, Gustavo Beber no próprio poço itinerário espiritual de um povo Petrópolis RJ Vozes 1987

pg. 125.

158

BALZ, Horst e SCHNEIDER, Gerhard Diccionario Exegético del Nuevo Testamento Salamanca Espanha

Ediciones Sigueme S.A. 1988 pg. 250.

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voltar se do pecado para Cristo. O voltar-se do pecado é chamado ao

arrependimento e o voltar-se para Cristo é chamado fé.‖159

Para o autor acima pode-se notar que a conversão está em âmbito somente

espiritual e moral, para a salvação eterna e definitiva, pois é uma ação que acontece de uma

vez por todas na vida da pessoa, mostrando assim uma transformação imediata.

A conversão deve ser uma ação que nos leve ao Reino de Deus, ela não é um ato

definitivo na vida do cristão e sim algo mais amplo, que deve ser levado a sério, pois

percebe-se a inconstância deste conceito quando temos que definí-lo. Segundo Comblin:

―os cristãos são pessoas em processo de conversão do pecado para santidade160

‖, esta

santidade não deve ser entendida como separação entre pecadores e santos, pois deve ser

compreendida, através do pensamento de Comblin, como identificação com os diferentes:

pobres, excluídos, sofridos e marginalizados, ou seja, os pecadores. Logo pode-se dizer que

ao conhecer, se identifica ao ponto de não se conformar com a situação do outro, tomando

uma decisão de ajudar concretamente. Por isso é proposto uma conversão progressiva e que

leva o convertido a assumir um serviço prático no movimento, que é o encontro com o

outro mais necessitado, podendo ser definido como Reino de Deus.

Este pensamento é orientado na direção da necessidade humana da conversão

onde quer que ela se encontre, seja: dentro e fora da Igreja, entre os respeitáveis e os

miseráveis, os cristãos e os não cristãos, os moços e os idosos, os intelectuais e os não

intelectuais, os de moral e os imorais; ele é dirigido à necessidade humana, e essa

necessidade é universal.

A conversão de uma pessoa deixa de ser verídica se esta permanecer centrada em

si mesma, afirmando sua independência, assim, vemos a vida denominada egocêntrica,

159

GRUDEM Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Edições Vida Nova, 1999, pg. 592.

160

COMBLIN, José. A Igreja e sua missão no mundo. São Paulo: Edições Paulinas, 1983, pg. 109.

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individualista ao ponto de satisfazer somente os seus desejos sem pensar no seu próximo.

Por este motivo a conversão não deve ser proselitista, como assim afirma Jones:

―Conversão não é proselitismo, pois o proselitismo é o mudar-se de um

grupo para outro sem qualquer mudança necessária de caráter e de vida. É

uma mudança de rótulo e não de vida. A conversão, por outro lado, é a

mudança de caráter e de vida seguida por outra mudança exterior de

fidelidade correspondente à transformação interior‖161

.

Além disso, o proselitismo degrada a conversão e ao confundirmos a conversão

exclusivamente com o estar dentro da igreja, e o não convertido por estar exclusivamente

fora da Igreja. Tal pensamento apenas nos faz permanecer neste erro fatal.

Schnackenburg, ao discutir sobre a conversão de Zaqueu, escreve sobre a irrupção

do Reino após a conversão do mesmo, afirmando que a conversão tem uma conotação

ainda não perfeita e nem plena, porém tem muito a ver com o reino de Deus e em algumas

parábolas, dando ênfase a misericórdia de Deus antes mesmo do juízo:

―a chamada para conversão faz parte da pregação de Jesus e na relação

com o reino de Deus, podemos ouvir suas ameaças de julgamento e

condenação, mas Jesus oferece primeiro a misericórdia de Deus para

todos, sem exceção. Embora ainda não esteja completa e perfeita, como

se vê nas parábolas‖162

.

Na afirmativa do autor, vemos nas parábolas referentes ao Reino um movimento,

que corrobora o pensamento de Comblin, dando como exemplo, sem entrar no mérito da

questão, as parábolas do filho pródigo e da ovelha perdida.

161

JONES, Stanley. Conversão. São Paulo: Imprensa Metodista, 1984, pg. 16.

162

SCHNACKENBURG, Rudolf. Reino y Reinado de Dios. Madrid Espanha: Ediciones Fax, 1974, pg. 76.

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Boff afirma que para o documento da reunião da terceira Conferência dos Bispos

Latinoamericanos realizada em 1979163

, a conversão é uma opção que desemboca no

serviço ao pobre, requer de fato conversão e purificação constante dos cristãos para

conseguir uma identificação cada dia mais plena com o Cristo pobre e com os pobres164

,

pois vemos as diferenças sociais aumentando e um abismo se formando entre as classes

sociais. Este é o caminho do discipulado verdadeiro que sofre, como Bonhoeffer diz que ―o

discípulo que não sofre se sente, ou passa a estar acima do seu Senhor e o discípulo sem

cruz deixa de ser seguidor de Jesus Cristo165

‖.

Gutiérrez apresenta uma breve síntese bíblica do anúncio de Deus na história, a

evolução dos compromissos e da reflexão cristã dos últimos dez anos, lembrando que estes

escritos foram publicados em 1979, época da ditadura e do sistema opressor na América

Latina. O autor introduz posições sobre a conversão que perduram até hoje, pois a

conversão se tornou somente uma atitude espiritual, moral e emocional em alguns casos,

porém:

[...] ―não é um gesto realizado de uma vez por todas, ela implica em uma

expansão e desenvolvimento, processo inclusive doloroso. Trata-se de uma

caminhada na qual se cresce em maturidade.‖ [...]. ―Converter-se para acolher

o Reino de Deus, Mas a conversão também constitui uma exigência para

163

A Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano realizou-se em Puebla de Los Angeles, no

México no período de 27 de janeiro à 13 de fevereiro de 1979. O encontro teve como preocupação básica: o que

é evangelizar, hoje e amanhã, na América Latina? A missão fundamental da Igreja é evangelizar, hoje, aqui, de

olhos abertos para o futuro. Em sua Mensagem aos Povos da América Latina, os bispos delegados afirmavam

que uma das primeiras perguntas que surgiram na reunião eclesial foi: ―Vivemos de fato o Evangelho de Cristo

em nosso continente?‖ Apesar de reconhecer a existência de ―grande heroísmo oculto‖ e ―muita santidade

silenciosa, confessavam que ―o cristianismo‖, que traz consigo a originalidade do amor, nem sempre é praticado

em sua integridade nem mesmo por nós cristãos‖. Clamam então à conversão e à instauração de uma civilização

do amor inspirada por Jesus Cristo, pois ―o amor cristão ultrapassa as categorias de todos os regimes e sistemas,

porque traz consigo a força insuperável do Mistério Pascal, o valor do sofrimento da cruz e as marcas da vitória e

da ressurreição‖.

164 BOFF, Leonardo. O caminhar da igreja com os oprimidos, Copacabana, Codecri, 1980, pg.130.

165 PADILLA, Carlos René. O que é Missão Integral? Viçosa: Ultimato, 2009, pg.94.

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proclamar com veracidade a Boa Nova. Mostrando-se sensível ao aspecto das

necessidades dos pobres.‖166

Também é demonstrado seu entendimento sobre o processo e da responsabilidade

assumida diante da sociedade quando o fenômeno da conversão está acontecendo na vida

da pessoa, certamente a via dolorosa da vida cristã, que é a conversão, nos levará a assumir

responsabilidade em acolher o Reino e se sensibilizar pela causa dos oprimidos da

sociedade. Gutiérrez sugere que o convertido tem autoridade para falar do evangelho ao se

converter e inicia uma ação transformadora nesta sociedade desigual, abrindo-se para o

próximo, Comblin compartilha através dos seus escritos que: ―a conversão não é para ser

vivida somente no interior e para ter uma vida privada167

‖. A conversão faz com que a

pessoa se desabroche para a sociedade e se preocupe com o outro, tornando assim o Reino

de Deus visível, faz com que reflita a sua autenticidade quando resulta em uma vida

dependente de Deus, interdependente dos outros e de toda a criação de Deus, tornando-se

participante do movimento que deixa sua conformidade e se aproxima do outro, tendo

como objetivo viver, dando sentido à vida, que é dedicar-se ao trabalho de levar homens e

mulheres ao Reino de Deus168

.

A conversão é um negar-se a si mesmo ao tomar sua cruz e segui-lo, permanecer

em movimento para socorrer o outro. Logo, a conversão não é para ser vivida somente no

interior da pessoa e para que tenha uma vida privada169

, mas é algo que dinamiza a vida,

faz com que o ser humano tenha outra visão de sua própria vida e do outro que sofre, tal

como Comblin nos diz:

―Jesus chama e reúne discípulos e os prepara para refazer no mundo

inteiro aquilo que ele mesmo faz. Desperta para a espera do reino de

Deus e pede uma conversão, uma mudança. Qual é essa conversão?

166

GUTIÉRREZ, Gustavo. A força histórica dos pobres. São Paulo: Editora Vozes, 1984, pg.108 e 230.

167

COMBLIN, José. Teologia da Missão. Petrópolis: Editora Vozes, 1973, pg.63.

168

COMBLIN, José. A vida: Em busca de liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 60.

169

COMBLIN, José. Teologia da Missão. Petrópolis: Editora Vozes, 1973, pg. 63.

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Mudar de vida, dedicar-se a anunciar o reino de Deus a todos. Fundar

uma vida social de irmãos na qual ninguém domina nem explora outros.

Nessa vida ninguém quer ser o primeiro, mas todos querem ser

servidores dos outros. Os discípulos vão começar essa vida entre eles e

convidar os outros a fazer a mesma coisa. É algo muito simples e muito

difícil de ser aceito. Como acreditar que esse método possa ser eficaz? No

entanto, a história mostra que tem eficácia, sempre parcial, precária,

provisória, que é preciso sempre recomeçar, mas que alguma coisa

acontece. Jesus não prometeu a realização completa da libertação, mas

ensina a buscá-la nesta terra, nesta vida, acreditando nela. Isso é ter fé.

Ter fé é acreditar que fomos chamados para construir o reino de Deus no

mundo tal como é, sem violência, sem dominação e que o método de

Jesus vale‖170

.

A conversão para Comblin vai além de um gesto cultural e definitivo na vida do

cristão, o autor acredita em conversão processual. Para Comblin isto consiste em uma

rejeição do antigo sistema religioso para adotar o ensinamento de Jesus. Converter-se é

trocar a lei antiga pela nova lei, contida no ensinamento de Jesus171

, substituindo o modelo

de vida antiga pelo novo modelo. Isto coloca a conversão como exigência simples e muito

difícil, que tem um compromisso em anunciar o Reino através das atitudes de

solidariedade, desembocando em uma política econômica, social igualitária sem

autoritarismo. Essa conversão deve produzir vida aos outros, convidando-os a fazerem

parte de uma vida nova, ou seja, sem violência através do Espírito Santo. Portanto, a

conversão além de ser um processo é a possibilidade de oferecer ao ser humano uma

maneira de poder vivenciar e cooperar neste mundo a irrupção de outra sociedade que pode

ser vivida nesta terra com os valores do Reino de Deus, transformando-se em práticas

concretas conforme expresso por Lohfink:

[...] ―a conversão que ele exige como consequência de sua mensagem do

Reino de Deus quer desencadear, dentro do povo de Deus, um

movimento, frente aos quais as revoluções costumeiras são bagatelas.

Pensemos, por exemplo, no apelo de Jesus para a não-violência absoluta.

Esta não-violência não é de modo algum, uma atitude meramente interior;

170

COMBLIN, José. Os pobres e a libertação. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/42086-os-pobres-e-a-libertacao-

artigo-inedito-de-jose-comblin acessado em 04/02/2012.

171

COMBLIN, José. A vida: Em busca de liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg.130.

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trata-se de práxis concreta. Também não é apenas assunto do indivíduo;

pressupõe homens que em conjunto levam a sério esta não-violência. Isto

é ainda mais claro no fato da renúncia à dominação! Não-violência e

renúncia ao domínio só se podem realizar no contexto da realidade social,

e elas querem transformar exatamente esta realidade. O apelo de Jesus a

não-violência e à renúncia à dominação já implica, portanto, a perspectiva

de uma nova sociedade, que está em contraste nítido com as sociedades

do mundo, marcadas pela violência e desejo de domínio‖172

.

Essa conversão é uma proposta de mudança radical de vida ao ponto de modificar

a sociedade onde o ser humano está inserido, contrastando a atual e não se adaptando a ela.

A conversão para Jesus está objetivamente articulada com o Reino de Deus, por ele

anunciado e presentificado pela sua prática173

. Essa prática deve ser a do amor ao inimigo,

conforme denominada por Comblin como conversão qualitativa, ou seja, é o sinal da

essência da conversão:

―Para passar do amor vivido diariamente ao amor aos inimigos e aos que

são diferentes, precisa-se passar por uma conversão qualitativa. Não basta

aumentar a dose de amor aos semelhantes, aos que estão perto para entrar

no amor aos inimigos. Trata-se daquilo que o evangelho chama de

conversão‖174

.

Para Comblin, a conversão conduz a pessoa para algumas direções e uma delas é

amar seu inimigo, estar reverso à violência, se comprometer com uma posição nova diante

da sociedade e de suas regras, mas sem perder de vista a necessidade dos pobres e cooperar

com os mesmos, como apresenta Galilea, que tem aprendido com sua experiência:

―A experiência permanente nos ensina que quando um cristão ou grupo

de cristãos inicia sua conversão, começa a levar a sério sua própria fé,

delineando-se em seguida, o problema dos pobres que os cercam. Que

172

LOHFINK, Gerhard. A Igreja que Jesus queria: Dimensão comunitária da fé cristã. São Paulo: Editora

Academia Cristã, 2011, pg. 183. 173

NEUTZLING, Inácio. O reino de Deus e os Pobres. São Paulo: Edições Loyola, 1986, pg.146.

174

COMBLIN, José. A Vida: Em busca da liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 149.

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fazer por eles, como comprometer-se, como compartilhar e solidarizar-se

com eles? As formas de ação nem sempre podem ser as mais maduras e

adequadas; o interessante é percepção religiosa do compromisso com os

pobres como elemento essencial do itinerário da conversão‖175

.

2.3.1 Metodologia de Conversão

Segundo Comblin, a ação de Jesus na terra foi a de chamar homens e mulheres

para a conversão prometendo a força do Espírito. Seria iniciar um caminho novo, o

caminho que ele mesmo mostrou o caminho da fraqueza e da força somente da palavra176

, e

assim, pode-se dizer que existiu uma metodologia e hoje existe outra metodologia de

conversão aplicada no meio cristão e existe neste fenômeno elementos fundamentais que

são comuns em várias conversões descritas da seguinte forma:

―Sempre é um apelo a uma pessoa individual, apelo para uma vida nova,

apelo para uma libertação. Uma pessoa descobriu o seu estado de pobreza

espiritual, de vazio de sentido de vida, percebeu a nulidade da sua

existência e este reconhecimento foi ajudado por outra pessoa, um crente

de convicção. Neste momento entra um apelo para uma vida nova‖177

.

Pode-se verificar claramente no método acima elaborado por Comblin que sempre

existirá a cooperação de uma ou mais pessoas e não somente a atuação do Espírito Santo,

além desses fatores, percebe-se também o reconhecimento da própria pessoa sobre seu

vazio e de sua pobreza espiritual onde começa o processo de conversão. Willian James

corrobora com esta afirmativa de Comblin, apoiando-se intensamente na tradição paulina

da estrada de Damasco, com esse ponto de vista:

175

GALILEA, Segundo. O sentido cristão do pobre. São Paulo: Edições Paulinas, 1979, pg. 28.

176

COMBLIN, José. A Vida: Em busca da liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 153.

177

COMBLIN José. Pastoral Urbana o dinamismo na evangelização. São Paulo: Editora Vozes, 1999, pg. 25.

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―James definiu a conversão como um processo pelo qual quem luta com

um sentimento de culpa e inferioridade torna-se alguém consciente de

estar correto e integrado em consequência de ter conseguido entender

melhor as realidades religiosas‖178

.

Finalmente é possível concluir que conversão para Comblin é um convite à

mudança radical de vida, um processo que pode durar a vida toda, pois se um cristão deixa

de mudar ele deixa de ser cristão179

, e não deve ser para a Igreja Instituição, mas pode

acontecer em qualquer ambiente, até mesmo em locais sacralizados pelas pessoas, porém

deve conduzir a pessoa a um movimento constante e continuamente recriado por Deus,

denominado Reino de Deus, libertando a pessoa primeiramente de si mesma, para poder

entrar e ver o Reino de Deus. Essa conversão ao Reino para Sobrino é uma exigência:

―As declarações programáticas sobre a exigência da conversão e de

seguimento, a declaração do mandamento do amor, proíbem que a

correspondência objetiva ao Reino que se aproxima seja pura fé ou pura

esperança. Diante do Reino que se aproxima é preciso mudar. Por mais

próximo que esteja o Reino e por mais obra de Deus que seja essa

aproximação, o homem deve corresponder-lhe através de uma mudança

radical em sua própria vida‖180

.

A conversão além de ser um convite radical e um processo, também é um apelo do

próprio Deus, através de Jesus, de conduzir o cristão a ter vida neste movimento em

direção ao pobre e necessitado, tendo amor prático. Esse fenômeno faz com que o

convertido tenha responsabilidades sociais, políticas e econômicas para com a sociedade

onde está inserido, transformando-a em uma nova sociedade. Sem esquecer que não se trata

de atitudes plenas e prefeitas, pois estamos nos referindo a ações humanas.

178

HARWTHORNE Gerald, MARTIN Ralph e REID Daniel G. Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo:

Edições Vida Nova, Paulus Editora e Edições Loyola, 2008, pg.262.

179

COMBLIN, José. Evangelizar. São Paulo: Paulus Editora, 2010, pg. 10.

180

SOBRINO, Jon. A Ressurreição da Verdadeira Igreja. São Paulo: Edições Loyola, 1982, pg.55.

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98

CAPÍTULO 3

CONVERSÃO E A JUSTIÇA SOCIAL

A Justiça Social integra hoje de modo fundamental a pauta política e econômica,

além de estar cada vez mais presente na agenda social181

. Ela é também uma grande

preocupação ética e se tornou hoje um grande compromisso eclesial. Apesar de Comblin

não ter o costume de trabalhar a definição nem tão pouco a etimologia da palavra ―Justiça‖,

percebe-se que o conceito de justiça social perpassa pelos seus escritos e muitas vezes com

grande indignação, devido as injustiças sociais ocorridas nos países da América Latina;

dessa maneira, o autor coloca claramente sua opinião sobre as classes dominantes e narra

um de seus costumes de quererem esconder o conceito de justiça, ou mesmo desvinculá-lo

da pobreza, dizendo:

―O uso ou não uso da palavra Justiça é um bom sinal de identificação. As

classes dominantes têm horror da palavra justiça. Elas se sentem

desafiadas. A pobreza ainda é uma palavra aceitável, mas nunca quando

está associada à palavra justiça‖182

.

Apesar da denúncia feita pelo autor e de este não definir a palavra ―Justiça‖,

acredito que ao elaborar, através do pensamento de Comblin, o conceito sobre a justiça

social, haverá uma possibilidade de entender melhor este tema que tem sido esquecido no

meio da cristandade. Além disso, neste capítulo se desenvolverá a ideia sobre conversão

relacionada à Justiça Social e a exclusão social gerada pela injustiça, sabendo que não é

somente a exclusão social o fator da injustiça, porém esta pesquisa não daria conta de

discutir sobre todos os fatores da injustiça social, tais como: racismo, crianças, mulheres,

homossexuais e outros. Pois, sabe-se que este tema vai além, visto que há várias

publicações sobre estes temas. Então, este capítulo se delimita ao tema da Justiça Social.

181

SELLA, Adriano. Ética da Justiça. São Paulo: Paulus Editora, 2003, pg. 05.

182

RICHARD, Pablo. Movimento Bíblico no povo de Deus e Crise Irreversível da Igreja hierárquica. (in) Novos

desafios para o Cristianismo a contribuição de José Comblin. São Paulo: Paulus Editora, 2012, pg. 40.

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Pretende-se também ao discorrer sobre o capítulo sugerir algumas indicações para a

implantação da Justiça Social.

De acordo com Platão, justiça é a união da função no homem individual e no

grupo social. Ela é a forma abrangente em ambos os casos183

, para o filósofo a justiça é

necessária para conciliar as demais virtudes, os deveres e direitos devem ser divididos de

acordo com a aptidão de cada um. Por outro lado, Aristóteles tinha um pensamento

diferente, de que a justiça é uma virtude suprema. Para ele o correto era uma repartição de

bens proporcional, ou seja, uma pessoa não deve sobressair-se sobre a outra184

, este

conceito está intrinsecamente ligado ao pensamento de Comblin sobre justiça Social, pois o

pensador entende que a divisão de bens sem ganância é uma das formas de se fazer Justiça

ao pobre necessitado.

Percebe-se juntamente com Comblin que, por mais que se discuta o conceito de

Justiça Social, acaba-se por não compreendê-lo e a prática de Justiça Social nas instituições

religiosas torna-se departamentalizada e reduzida somente aos bazares beneficentes e às

organizações assistencialistas que não mudam a situação social e econômica das pessoas.

Resume-se a apelos intermináveis para uma ajuda às pessoas carentes, que não as levam a

uma emancipação de vida sem envolvimento com o público chamado cristão. Com isso, a

Justiça Social perde sua essência; e se coloca do lado de fora dos muros da comunidade,

procurando outros meios para ser ouvida. Devido a isto acredita-se que um novo olhar para

este tema é de suma importância à esta sociedade insensível às dores do outro. Pode-se

dizer ainda que a pobreza do pobre não deve ser tratada com atitudes generosas que

somente alivie seus sentimentos, deve-se desenvolver ações concretas para a aplicação da

Justiça Social entre os pobres.

183

TILLICH, Paul. Amor, Poder e Justiça. São Paulo: Editora Fonte Editorial, 2004, pg. 60.

184

COENEN, Lothar, (Org.). O Novo Dicionário de teologia Internacional do NT. São Paulo: Editora Vida

Nova,1985, pg.527.

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100

3.1 Justiça: do Pecado para a Santidade

3.1.1 Pecado produz Injustiça

Pode-se afirmar como Comblin que a ―conversão é um processo do pecado para

santidade185

‖. Portanto, surge uma pergunta: O que é pecado? Para Comblin o pecado é o

sistema de dominação que reaparece sempre em toda a história, é o princípio de morte que

está presente em toda a sociedade e tende a corrompê-la186

, é o contrário da fraternidade e

do amor. Toda forma de dominação que diminui a vida é o mesmo que matar o outro187

, ou

seja, torna-se dominação, opressão e pecado. Pode-se dizer que a sociedade está envolvida em

um pecado estrutural, o qual compromete todas as suas áreas com a injustiça, como diz José

Comblin:

―O mundo fica no pecado em todas as suas estruturas: econômica, política,

cultural; o pecado impregna tudo, no sentido de que não depende do homem

individual pecar ou não pecar. O homem deve cometer a injustiça e sofrê-la

em virtude das estruturas do mundo. A economia está construída de tal modo

que não seja possível praticar a justiça. A política está elaborada em função da

ordem que se quer manter numa sociedade injusta. A força do Estado está a

serviço de situações injustas e opressoras. A própria cultura é feita para tornar

compreensível, aceitável e suportável a situação de pecado. Faz o possível

para ocultar os lados negativos e mostrar as belezas da sociedade estabelecida.

Trata-se de convencer o homem da necessidade de aceitar as coisas tais quais.

Quem pretende praticar a justiça precisa fugir destas ações‖188

.

Nota-se nos escritos acima a maneira como o autor articula o conceito de pecado, cujo

o mesmo passa a ser fator que não está mais sobre o ser humano como indivíduo, e sim,

185

COMBLIN, José. A Igreja e sua missão no mundo. São Paulo: Edições Paulinas, 1983, pg. 109.

186

COMBLIN, José. A Liberdade Cristã. São Paulo: Paulus Editora, 2009, pg. 51.

187

Entrevista com Pe. José Comblin ''A Igreja Católica suspeita da democracia'' Fonte Unisinos.

http://contribuicoes.blogspot.com.br/2011/01/entrevista-pe-jose-comblin.html acessado em 20/05/2012.

188

COMBLIN, José. A teologia da Missão. Petrópolis: Editora Vozes, 1980, pg 61.

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estruturalmente na sociedade, desenvolvendo desta maneira um processo de destruição da

humanidade. Além disso, o autor deixa claro que a sociedade quer ocultar o seu pecado, o lado

negativo, demonstrando somente as belezas. Porém, Comblin afirma: ―quem quer praticar a

justiça precisa fugir destas ações‖, com isso, temos uma afirmativa para visualizar como deveria

ser a prática da justiça. Além dessas afirmações constata-se também muito claramente nos

evangelhos, as controvérsias de Jesus com as autoridades de seu povo (Mat. 23, Jo. 7-8), e nos

comentários de Paulo, sobretudo na sua carta aos Romanos. O pecado é tudo o que destrói a

vida, ou seja, a prática da injustiça. Deus em Jesus quer dar vida, isto é, a própria prática da

justiça, aquele que deseja destruir a vida, também quer destruir a obra de Deus. Nota-se também

na morte do Cristo descrita nos evangelhos a injustiça sendo aplicada, ou melhor, o pecado de

provocar a morte de Deus encarnado, pendurando-o na cruz, tentando colocá-lo para fora da

sociedade. Este fato provoca a morte da justiça de Deus, gerando vítimas e cooperando com a

morte dos fracos, e tais atitudes não desapareceram e estão vivas ainda hoje no mundo189

, isto é,

ações contra os mais fracos, a história se repete em todas as épocas, o forte vencendo o fraco.

Porém , quando Cristo ressuscita, vence a injustiça, gera uma nova significação a respeito do

modo de ser e de viver sobre o fundamento da justiça. Leonardo Boff comenta a partir da

ressurreição de Jesus, rompe-se o circulo de opressão (injustiça), libertação (justiça),

opressão (injustiça), libertação (justiça):

―Pela ressurreição a verdade utópica do Reino de Deus torna-se tópica e

evento de certeza de que o processo de libertação não permanece numa

indefinida circularidade de opressão-libertação, mas desemboca numa

total e exaustiva libertação‖190

.

É necessário compreender que tudo que se levanta contra a justiça é também

contra o evangelho, certo deste fato, a conversão – segundo Comblin - deve colocar o

cristão em um movimento de realização de atos de justiça, uma vez que este teria recebido

189

SOBRINO, Jon Onde está Deus? São Leopoldo: Editora Sinodal, 2009, pg. 104.

190

BOFF, Leonardo. Teologia do Cativeiro e da Libertação. Petrópolis: Editora Vozes, 1980, pg. 177.

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a vida. Quem entra nesse movimento do Reino de Deus rompe com tudo o que destrói a vida,

rompe com seu egoísmo pessoal, com o egoísmo coletivo, o egoísmo da dominação que

configura a sociedade. Entra numa luta contra o pecado que está nele ou nela, e contra o pecado

inserido na sociedade que destrói a humanidade em todos os níveis.

Em termos bíblicos o Reino de Deus significa um movimento que leve uma sociedade

a ser justa, igual e abundante191

. Porém hoje, ainda temos um problema que esta em vigor, que

também tenta esconder o pecado, o qual Comblin denomina de ―espiritualismo suspeito192

e a Igreja denominou de espiritualismo do sofrimento; trata-se da confusão do discurso

entre pobreza material e pobreza espiritual, fruto de interpretações ultrapassadas em nossa

sociedade ocidental que tende ao discurso dicotômico. Na maioria dos casos, para justificar

a pobreza material ainda vemos o velho discurso ―de aparência‖ inofensiva de que a

pobreza material é substituída pela riqueza espiritual e eterna. Trata-se de uma teoria da

justificação ultrapassada que alimenta ainda mais o terror da sociedade sem piedade,

permeia a mentalidade dos cristãos; os quais, com essa crença, distorcem literalmente a

mensagem do Evangelho, e este discurso contribui com a insensibilidade e escraviza a

comunidade cristã à inércia. Por isso, precisamos ficar atentos e de sobreaviso contra os

discursos a respeito de um evangelho que não condiz com as boas novas de Jesus, que traz

justiça para humanidade.

3.1.2 Violência

Para Comblin, violência são atos produzidos pelo ódio, medo e ganância ao outro. Não

consiste em ter somente sentimentos negativos para com alguém, mas em destruir a pessoa do

outro193

. Então, pode-se dizer através desse pensamento que a exclusão social é uma das

191

PIXLEY, George V. O Reino de Deus. São Paulo: Edições Paulinas, 1986, pg. 117.

192

COMBLIN, José. Cristãos Rumo ao Século XXI nova caminhada de libertação. São Paulo: Paulus Editora,

1996, pg. 357.

193

COMBLIN José. A Vida: Em busca da liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg.146.

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maneiras usadas pela sociedade para destruir o outro, portanto , a exclusão é uma das diferentes

faces da violência. Esta se faz no silêncio, calando os oprimidos e miseráveis, violentando-os a

cada dia, décadas e até mesmo séculos, como se observa por meio da história, sem nenhuma

punição. Para se afirmar este fato, basta observar na atualidade como as penitenciárias estão

cheias de pessoas deixando sua propria vida dentro deste sistema carcerário por crimes

pequenos ou grandes, passíveis da possibilidade de resgatar sua dignidade. No entanto, estes que

estão sendo mortos pela fome e miséria não possuem o direito de revindicar a vida que lhe foi

roubada. Sella denuncia:

―Infelizmente, a maior penalização não é a penitenciária, mas a condenação

feita pela miséria, pela fome e pela concentração de renda. A cadeia deveria

resgatar a pessoa, enquanto a fome e a concentração de renda condenam a

pessoa à morte sem nenhum direito de defesa. O juíz decreta penas educativas

mediante a reclusão, enquanto o poderoso assina a pena de morte por

intermédio da fome e da concentração do lucro. Em suma, a pior injustiça não

é a jurídica, mas a social. Na primeira cabe o direito de recurso e de resgate,

na segunda é condenação cotidiana e maciça ao sofrimento e ao massacre. Esta constatada que a guerra que mais mata continua sendo a fome e a

miséria, ou seja, a guerra econômica‖194.

A exclusão social sempre existiu de alguma maneira na história, porém ,este problema

está escancarado hoje, ―tendo um desenvolvimento mais exacerbado com a modernidade

econômica e a migração do campo para as grandes cidades, pessoas se tornaram sobrantes195

‖,

criando um abismo entre ricos e pobres, denominado por Comblin de “apartheid social”:

―A tradicional distância social produziu, finalmente, uma situação de

“apartheid social”. Este é o desafio principal hoje. O ritmo da sociedade

é tal que tudo o que acontece, tudo o que se faz, todas as mudanças

introduzidas para resolver o problema, acabam aumentando a separação.

Tudo o que é assumido como saída para o “apartheid social” acaba

aprofundando-o. Trata-se de uma espécie de maquina que produz

194

SELLA, Adriano. Ética da Justiça. São Paulo: Paulus Editora, 2003, pg. 05.

195

COMBLIN, José Cristão Rumo ao Século XXI Nova caminhada de Libertação São Paulo: Paulus Editora,

1996, pg.355.

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exclusão e que ninguém pode parar. A cada ano que passa, os ricos

ganham ainda mais e os pobres cada vez menos, apesar de tantos

discursos de boas intenções‖196

.

Apesar de Comblin se referir a essa máquina incontrolável e destrutível dos seres

humanos e dos discursos de boas intenções para lutar contra a exclusão social, o autor

afirma que as ações não acontecem em consequência de um sistema que tem influenciado

até mesmo a Igreja que parece estar satisfeita com o mundo em que está e passa a refugiar-

se em seus recintos tranquilos, longe das perturbações deste mundo197

, ao ponto de viver

sem críticas à este sistema chamado ―neoliberalismo198

‖, que tem tentado esconder a

pobreza. O sistema neoliberal transformou o capitalismo, em sua fase mais avançada, numa

ditadura do capital199

, onde a causa mais importante é a busca do lucro, e todo o resto

(cultura, política, religião, humanidade e natureza) é colocado a serviço do lucro de alguns

poucos ricos e poderosos. Esse sistema está realizando um terrorismo social de dimensões

impressionantes. Por consequência, a economia mundial torna-se uma fábrica de pobres200

e os donos dessa economia não querem e não vão querer mudar, pois não desejam perder

seus status quo. Jon Sobrino corrobora que esta falta de iniciativa é ação clara da ambição

dos poderosos:

―Ambição é importante para não transformar as estruturas injustas em

armadilhas de desculpas, para que não haja necessidade também de

mudanças pessoais, mudanças em altos níveis de vida que se consideram

196

Ibidem pg.355.

197

Ibidem pg. 356;

198

Neoliberalismo é uma utopia ou teoria que pretende dar uma explicação total do ser humano e da sua história

em torno da economia. Faz da economia o centro do centro do ser humano a partir do qual todo o resto se

explica. Foi elaborada principalmente em Chicago sob a inspiração de Friedrich Hayek, austríaco radicado nos

Estados Unidos depois da guerra, e de Milton Friedman. Desde Chicago o neoliberalismo expandiu-se pelo

mundo inteiro e tornou-se, na década de 80, a base do pensamento único no mundo ocidental, Para saber mais

sobre o tema leia: Neoliberalismo Ideologia dominante na virada do século. Autor José Comblin, Editora Vozes.

199

SELLA, Adriano. A Justiça: Novo rosto da paz. São Paulo: Paulus Editora, 2006, pg.40.

200

COMBLIN, José O Caminho: um ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus Editora, 2005, pg.

149.

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como naturais, como normais. O que melhor explica como ―se produz‖ a

pobreza de nosso mundo é a injustiça objetiva que configura a sociedade,

por ser uma realidade estrutural, independente no fundamento das

intenções de pessoas‖201

.

Essas ideias são fixadas e divulgadas através de propagandas oficiais, sendo

repetidas pelo seguinte discurso: o modelo neoliberal será a salvação e resolverá os

problemas da pobreza202

, afirmando ainda que basta mais um pouco de paciência para

alcançar o desenvolvimento milagroso que os dirigentes fazem de conta que acreditam,

colocando o pobre em uma armadilha quase sem resistência. Estes por sua vez são

reprimidos, excluídos, negados e acusados. A TV se encarrega do entretenimento para que

esqueçam as suas misérias, além disso, mantém a população carente alheia aos problemas

reais. Pode-se afirmar que não há Justiça real sem que a moderna publicidade se coloque a

serviço do bem comum. Nota-se também que este sistema aumenta consideravelmente o

número de pobres na sociedade, e assim, Comblin denuncia o aumento considerável de

pobres dizendo:

―No entanto os pobres estão ai. Multiplicaram-se desde que se implantou

o modelo neoliberal, quase sem resistência, por uma traição das elites que

não fazem senão renovar a vergonha do sistema colonial. Os pobres estão

ai, não podendo ser escondidos – apesar das muitas tentativas nesse

sentido. São demais. Estão ai e existem. Já não podemos esconder essa

realidade. Sabemos que, no evangelho, para Jesus, essa existência é o

pecado básico da humanidade. Não é fatalidade, má sorte, necessidade

natural. A pobreza dos pobres está diretamente ligada à riqueza dos outros

que não querem partilhar‖203

.

Os pobres foram e estão sendo enganados por uma velha doutrina, chamada

resignação, esta concepção absorveu o homem e acusou o destino ou até Deus, pois não se

pode mudar o destino ou ir contra Deus. Como consequência, temos o desaparecimento do

compromisso pela justiça, fator que esta ética da resignação impõe, com uma nova

201

SOBRINO, Jon Onde está Deus? São Leopoldo: Editora Sinodal, 2009, pg. 102.

202

COMBLIN, José. Quais os desafios dos temas teológicos atuais? São Paulo: Paulus Editora, 2005, pg. 14.

203

Ibidem pg. 15

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roupagem, de modo que o povo possa engolir, sem revolta, a lógica e a ação do regime.

Para Sella essa velha doutrina:

―Levava os pobres a aceitar a miséria, vista como destino, fatalidade, se

não como vontade de Deus, é a única estrada para enfrentá-la parecia ser

constituída por formas de apoio, como a esmola ou a assistência social.

Hoje, a nova doutrina induz a crer que é preciso aceitar o status quo,

porque não há nada que possa mudá-lo‖204.

Então, pode-se pensar que esta velha doutrina com vestimentas novas é uma

violência contra o ser humano, que perdura por vários anos e parece interminável através

da história em todas as épocas. Nota-se que todas as tentativas de erradicação da pobreza

foram suprimidas e alguns que lutaram pelos pobres fizeram visando o poder, e assim,

pensaram somente em si, Comblin diz:

―A pobreza é a coisa mais natural do mundo, se consideramos a gênese da

humanidade. Por que os seres humanos não deveriam usar a sua

inteligência para explorar o próximo? Por que a luta pela vida não deveria

deixar vencedores e vencidos? [...] Todas as sociedades adaptaram-se a

um tipo ou a diversos tipos de pobreza que se inserem naturalmente no

tecido social. [...] Como vencer a pobreza? É como perguntar como

inverter toda a história de 5 bilhões de anos, desde que estourou o átomo

primitivo até os nossos dias? No entanto o desafio está ai. Em todas as

civilizações houve tentativas e revoluções. E o desafio persiste‖205

.

Parece um discurso pessimista do autor, deixando transparecer por meio da

história a insuficiência dessa teoria de lutar pelos pobres ou por fazer opção por eles, mas

temos que perceber, com o autor, que o problema da pobreza vai além do esforço de

alguns, mas sim é o elemento que está dentro da humanidade, pode-se chamar de ganância

ou egoísmo, isto desemboca na falta de amor para com o próximo, porque sempre – através

204

SELLA, Adriano. A Justiça: Novo rosto da paz. São Paulo: Paulus Editora, 2006, pg. 72.

205

COMBLIN, José. Cristãos Rumo ao Século XXI nova caminhada de libertação. São Paulo: Paulus Editora,

1996, pg. 348.

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da manipulação – a humanidade foi levada a não pensar nas saídas de sua situação de

pobreza, ou melhor, agiu e age como anestesia de vontade de mudança, domina a vida,

aprisiona a pessoa no cotidiano fazendo com que não se tenha energia para encontrar

alternativas possíveis para uma libertação.

Segundo Gutiérrez ―vivemos uma época de um espírito pouco militante e pouco

compromisso. Numa conjuntura neoliberal e pós-moderna arraigada num agressivo

individualismo, a solidariedade se mostra inoperante e como um resquício do passado206

‖.

Isto é o espírito com pouco compromisso ou quase nenhum, pois a orientação clássica é

literalmente manter os pobres na condição e no estado em que se encontram, submissos e

subservientes ao lócus idolátrico do mercado do consumo e dos prazeres do espetáculo,

com objetivo de destruir o pobre. Devido essa imagem imposta pelos gananciosos, o mal

continua estabelecido na sociedade e o assassinato de muitos permanece entre os seres

humanos. O mal e o sofrimento não vêm somente do mundo material em que o nosso corpo

está inserido. Há o mal que vem da sociedade na qual fazemos parte. Jesus viu que a causa

de muitos males que sofria o seu povo era provocada por membros e, sobretudo por

autoridades desse mesmo povo – que em lugar de conduzir para a vida, conduziam para o

sofrimento e a morte207

, atitudes injustas devido a ganância e o desejo de poder. Por isso,

Gutiérrez afirma que esse desafio persiste e precisa ser vencido através do amor ao

próximo:

―A pobreza evangélica começou a ser vivida como um ato de amor e

libertação para com os pobres deste mundo, como solidariedade com eles

e protesto contra a pobreza em que vivem, como identificação com os

interesses das classes oprimidas e como recusa da exploração que são

vítimas. Se a causa última da exploração e alienação do homem é o

egoísmo, a razão profunda da pobreza voluntária é o amor ao próximo. A

pobreza resultado da injustiça social, que tem no pecado a sua raiz mais

206

GUTIÉRREZ, Gustavo. Onde Dormirão os pobres? São Paulo: Paulus Editora, 1998, pg. 41.

207

COMBLIN, José O Caminho: um ensaio sobre o segmento de Jesus. São Paulo: Paulus Editora, 2005, pg.

157.

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profunda não é assumida para se fazer dela um ideal de vida, mas sim

para testemunhar o mal que ela representa‖208

.

Como se percebe nas citações a injustiça social é fruto da alienação do homem

gerada pelo egoísmo, e isto se estende por toda a humanidade, contamina todas as classes

sociais desenvolvendo um sistema de vantagens somente dos dominadores da sociedade,

transformando-os em insensíveis à vida do próximo.

3.1.3 Insensibilidade humana

Apesar de esta sociedade ser cruel, pelo sofrimento que produz nos oprimidos,

pela insensibilidade para com o sofrimento que gera, pelo mundo de abundância e de

grandes diferenças sociais existentes, ainda há uma proposta que pode ser considerada

utópica devido a esta insensibilidade que toma conta de todos na atualidade. Contudo pode-

se afirmar que se houvesse um pouco de humanidade, compaixão e amor gerando

disposição entre os humanos, bastariam distribuir apenas cerca de quatro por cento das

duzentas e vinte e cinco maiores fortunas do mundo209

, para dar fim e curar uma das mais

graves enfermidades do mundo que é a pobreza. Parece uma fórmula um tanto quanto

atrativa para quem se envolve e trabalha pelos pobres, porém as estruturas da sociedade

atual não permitem que isto de fato aconteça. Além disso, hoje se nota a concorrência e a

luta pelo acúmulo de riqueza em todas as classes sociais não importando o próximo e suas

necessidades, e assim, perde-se a essência da humanidade que deveria ser fraterna e

solidária.

Comblin acredita que a comunidade cristã de hoje também está perdida em como

desenvolver a sua própria identidade, e assim, perde seu objetivo, pois realiza algo que não

é sua essência e missão, ser um instrumento para implantação do Reino de Deus com

atitudes de justiça, paz e alegria no Espírito Santo, (Rom.14.17). Fechada em si mesmo,

experimentando uma dinâmica inerte e repetitiva de falar a si mesma, se contemplar e se

208

GUTIÉRREZ, Gustavo. A força Histórica dos Pobres. Petrópolis: Editora Vozes, 1981. Pg.84.

209

SELLA, Adriano. Ética da Justiça. São Paulo: Paulus Editora, 2009, pg. 29

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ouvir, torna-se insensível aos problemas do ser humano, visto que, encontra-se preocupada

com o crescimento numérico, com a perda de seus membros, e assim, aceita o mercado

como a dinâmica de sua vida deixando de lado o evangelho:

―Parece que a Igreja já não sabe mais qual é o evangelho que deve

proclamar. Há uma tendência muito forte para entrar na dinâmica do

mercado. Atualmente, há um mercado religioso. Há muita demanda

religiosa e muitas religiões oferecem métodos de terapias religiosas ou

caminhos cristãos que possam triunfar no mercado, satisfazendo a uma

demanda. Há uma tendência muito forte nesse sentido por parte dos

movimentos carismáticos e mesmo dos movimentos nascidos na geração

passada. Oferecem um evangelho ―ao gosto do consumidor‖. Dessa

maneira, o evangelho fica muito diluído. Muito amor a Jesus, mas a um

Jesus emocional, afetivo, sem conteúdo racional, um Jesus suspeito de

não ser nada mais do que uma projeção das frustrações afetivas tão

comuns nos tempos atuais. Há uma tendência para aceitar qualquer

evangelho, com a condição de que conquiste o mercado‖210

.

Percebe-se que a vida do ser humano para algumas comunidades cristãs não passa

de um número a ponto de transformar seus membros em clientes, este pode escolher a fé

desejada, dessa maneira não se responsabiliza por nada na sociedade e se individualiza nas

suas ações, tornando-se insensível à dor do outro e colocando a Justiça de lado.

Shedd, diz que se não houver amor prático para com próximo, isto é, o cristão se

torna insensível à necessidade do irmão. Este indivíduo não deve reivindicar o nome

―cristão‖ e compara essa deficiência a não existência do amor de Deus - o cristão acaba

por negar a própria existência de Deus:

―O NT, nega a qualquer indivíduo que se diga cristão ou o direito de

reivindicar o nome, caso seja indiferente às necessidades sofridas pela

família de Deus. Se fechar o coração à necessidade conhecida de um

irmão, ele estará negando a existência do amor de Deus em seu íntimo, (1

Jo. 3:17)‖211

,

210

COMBLIN, José. Vocação para a Liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 1998, pg. 10.

211

SHEDD, Russell. A Justiça Social. São Paulo: Edições Vida Nova, 1993, pg. 28.

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Acredita-se com a afirmativa apresentada que o amor não pode ser reduzido como

nos dias atuais e significar apenas um de seus elementos mais do que secundários: a esmola

ao pobre. O amor ao próximo, como essência do NT, não deve ficar nos escombros do

pensamento cristão, precisa encontrar o valor dessa ordem novamente, a forma que é

exigida: não fechar o coração, amar não apenas em palavras, mas em atos e em verdade (I

João 3.18). O que significa empenhar-se realmente pelo próximo, procurar a sua felicidade

com os meios e recursos não somente espirituais e eternos, mas sim recursos materias e

atuais. Conclui-se que no Evangelho não há amor sem justiça: o amor, num primeiro

momento impulsiona à prática da Justiça e leva ao reconhecimento efetivo dos direitos do

próximo.

Segundo Comblin, para essas ações acontecerem entre os seres humanos, se faz

necessário uma força derivada do exterior do homem, deve ser transcendente, elemento

divino, essa força brota do Espírito Santo para simplesmente dar vida,e não fazer shows

mirabolantes para os que assistem ao culto:

―A força do Espírito Santo não é para destruir adversários ou para reduzí-

los ao silêncio. Não é força para provocar admiração dos assistentes,

como se fosse para fazer uma demonstração de campeão dos milagres.

Essa força não existe para realizar o que o diabo oferece como tentação:

fazer milagres espetaculares para conquistar os aplausos da multidão. A

força do Espírito é a força da vida. Ela produz vida e faz com que também

possamos produzir vida‖212

.

Segundo Comblin, o papel principal do Espírito Santo é produzir vida, e para isso

acontecer precisamos nos abrir para o próximo que sofre injustiça e trabalhar para que este

tenha pelo menos o mínimo de dignidade para viver. Não sendo escravo das estruturas

impostas a esses amados de Deus, para isso, é necessário força, pois é um trabalho que

212

COMBLIN, José. A Vida: Em busca da liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 164.

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pode durar a vida inteira e não se pode desanimar, e isto, brota de alguém como o próprio

Deus que é santo e Justo.

3.2 Santidade produz Justiça

Se o pecado é uma investida para destruir a vida, investida esta que produz injustiça

social, a santidade é uma investida para dar a vida, e por esse motivo, realizar justiça social

identificando-se com os necessitados, pessoas com ausência de vida, injustiçados, considerados

pecadores e ajudá-los a se erguer e alcançar a vida abundante que Jesus promete.

Quando os judeus se tornaram discípulos de Jesus eles traziam toda a sua herança

moral, muito concentrada no Antigo Testamento: a insistência de fazer com que as pessoas

aplicassem toda a moral e todas as normas e as regras. Jesus não se preocupou muito com o

pecado, porque Deus perdoa213

. Ele teve simpatia pelos pecadores. Envolveu-se com eles

porque eram menosprezados, mal valorizados. Deu-lhes mais ânimo, vida, valor e força.

Pode-se dizer que santidade está intrinsecamente ligada com dar a vida e certamente com atos

de justiça. Então, o processo de conversão tem um papel fundamental para a implantação da

justiça na sociedade, ou ainda a justiça ocorre quando a sociedade se converte, dando passos

para extinguir as camadas sociais para sobreviver. Assim não haveria pobres nem ricos, tudo

seria de todos, com a ordem de sobreviver para agradar a Deus. Embora este ainda seja um dos

maiores desafios da justiça: desenvolver um sistema que englobe todos os fatores da sociedade,

como o econômico, político e o social tornando-a ou convertendo-a a ser mais igualitária e

humana. Comblin demonstra que há possibilidade de mudança, se houver o que podemos

chamar de amor político:

213

Entrevista com Pe. José Comblin ''A Igreja Católica suspeita da democracia'' Fonte Unisinos.

http://contribuicoes.blogspot.com.br/2011/01/entrevista-pe-jose-comblin.html, acessado em 20.05.2012.

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112

―Bastaria reduzir os privilégios dos poderosos. A prioridade atual é dos

acionistas. Bastaria colocar um teto máximo para o lucro dos acionistas, e

também um teto para o salário dos executivos, dos funcionários públicos –

como deputados, juízes, membros dos quadros do Estado. Bastaria lutar

contra exploração das obras públicas que fornecem a oportunidade de roubar

bilhões do Estado. Exemplos nesse sentido não faltam‖214

.

Essa proposta tem uma única direção: limitar os ganhos dos capitalistas e controlar a

máquina pública, e assim investir no patrimônio mais importante de qualquer país, o ser

humano, para isso acontecer é necessário que se mude os valores morais e esforço político. No

entanto, não há desejo nenhum dos dominadores em perder o que eles conquistaram através do

esforço dos mais fracos. Essa situação poderia mudar se os cristãos se unissem em prol da vida,

ou da justiça e elaborassem um grande protesto, com certeza algo mudaria. Parece utopia, mas

Comblin coloca o exemplo clássico da vida de Gandhi:

―É verdade que sozinhos pouco podemos. Gandhi conseguiu, Ele realizou o

seu projeto de independência da Índia contra todo o império britânico. Gandhi

se perguntava porque os cristãos desconheciam o evangelho e por que era

preciso que um pagão como ele fosse descobri-lo‖215

.

Gandhi elaborou um combate, descrito por Comblin, através da não violência, pois o

combate não era aniquilar alguém, mas remover a injustiça, o ódio e a miséria que fazem causa

comum na conspiração contra a autêntica felicidade e contra a paz verdadeira.

214

COMBLIN, José. A vida: Em busca de liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 147.

215

COMBLIN, José. A vida Em busca da Liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 148.

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113

3.2.1 A prática da Justiça através do amor ao próximo

A prática da justiça é amar, porque amar pode ser definido como a relação correta dos

homens, quando estabelecem determinadas relações: para possuírem mais vida e se tornarem

mais humanos216

e chegarem a agradar a Deus com seus feitos.

Para Comblin, o tema amor não foi muito tratado pela teologia latino-americana –

como pela Teologia em geral – durante o último meio século. Estamos em uma fase histórica

em que predomina a esperança – o cristianismo é vivido mais espontaneamente como

esperança217

. No entanto, não pode-se perder de vista a escala dos valores, pois o amor por mais

que esteja esquecido como prática ao outro, juntamente com Comblin vê-se a necessidade da

retomada do tema, amor ao próximo, como função primordial para implantação da justiça.

Na afirmativa de Gustavo Gutiérrez sobre justiça, o escritor deixa claro da seguinte

forma: ―Conhecer a Deus é fazer justiça218

‖. O conhecimento de Deus é o amor por Ele. Na

linguagem bíblica, conhecer não é fator puramente intelectual é estabelecer relações justas entre

os homens, é também reconhecer os direitos dos pobres – conhecer significa amar e pecado é

ausência de conhecer a Deus219

e quando isso não acontece pode-se dizer que Deus é ignorado.

É nesta ausência de conhecimento que se cria relações de injustiça e se opta pela opressão e luta

contra a libertação, ainda se fingindo crer em Deus. Para Comblin, o amor vem primeiro:

―Deus é amor e, por conseguinte, somente pode estar presente em nós por

dom de Deus. O conhecimento de Deus é diferente de qualquer outra

experiência de conhecimento. O amor não deriva do conhecimento como

acontece na vida diária: mas o amor vem primeiro e dele deriva o

216

ARAYA, Victorio. El Dios de los Pobres. São Pedro de Montes Oca, San José Costa Rica: DEI, 1985, pg.

141.

217

COMBLIN, José. O Caminho: um ensaio sobre o seguimento de Jesus São Paulo: Paulus Editora, 2005, pg.

137.

218

GUTIÉRREZ, Gustavo. A Força Histórica dos Pobres. Petrópolis: Editora Vozes, 1984, pg. 20.

219

Ibidem pg. 21.

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114

conhecimento. Quem conhece a Deus ama-o. Esse seria o caminho habitual

nas nossas relações humanas. Seria reduzir o amor a Deus ao nível dos amores

terrestres. Deus é diferente. Constantemente as pessoas religiosas tendem a

procurar amar a Deus da maneira como alguém ama outra pessoa. Por

exemplo, oferecem coisas que acham que devem agradar a Deus, porque

agradam aos amigos. Mas Deus não quer receber coisas. Quer que amemos

com o amor que dele procede‖220

.

Apesar dessa diferença de pensamentos entre os autores citados, ambos concordam que

amar é dar vida e ter vida comum relacionada a uma sociedade mais justa. Então, o Evangelho

expressa claramente que amar é fazer, os sentimentos, gestos e sinais simbólicos não são

suficientes. O que se valoriza no amor são os atos práticos, que produz resultados visíveis, o que

realmente beneficia o outro, e não somente falar ou sentir. Amar é uma opção de vida, e por isso

resulta de uma conversão – aquela que constitui a orientação definitiva da nossa vida221

.

Outra forma de amar é se solidarizar com o próximo, pode-se dizer que solidariedade

para Comblin não é dar algo ao outro e sim dar-se ao outro, ou seja, deixar se afetar pelo

sofrimento de outros seres humanos, fazendo com que as barreiras sociais sejam eliminadas e o

homem possa ser tratado como igual. Monsenhor Romero222

afirmou muitas vezes, de forma

220

COMBLIN, José. O Caminho: um ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus Editora, 2005, pg.

141.

221

Ibidem pg.140.

222

Monsenhor Óscar Arnulfo Romero: Nasceu na cidade de San Miguel em 15 de agosto 1917, Arcebispo de

San Salvador, em El Salvador. Romero assumiu a diocese de San Salvador no meio de um conflito bélico em

todo o país. De uma pastoral tradicional e com uma formação teológica conservadora. Ele teve que assumir

rapidamente uma liderança frente à situação que vivia seu povo. Assumiu então uma postura difícil de pastor e

profeta frente ao sofrimento causado pela pobreza extrema, a marginalização e a perseguição, levada até ao

extremo de tortura e martírio, que sofreu o povo. Sua última missa foi na segunda-feira, 24 de março de 1980. Às

seis e vinte e cinco da tarde, no momento do ofertório, quando o pão e o vinho são apresentados ao Senhor antes

de ser consagrado pelo oficiante, um franco-atirador mirou nele, e com a destreza de um criminoso treinado,

assassinou Monsenhor. Com um tiro na altura do coração, pretenderam dar fim ao profeta do povo que um dia

antes, na homilia dominical na Catedral de San Salvador, havia feito um chamado aos homens do exército, às

bases da Guarda Nacional e da Polícia para que deixassem de matar o seu povo. Disse: ―Nenhum soldado está

obrigado a obedecer uma ordem contra a lei de Deus... Já é tempo de recuperarem sua consciência e obedecerem

antes à sua consciência que à ordem do pecado‖. E acrescentou: ―Queremos que o governo leve a sério que de

nada servem as reformas que vão tingidas de sangue‖. Seu delito foi condenar as infâmias do governo, denunciar

a violência das forças militares e reclamar justiça para seu povo; e pagou esse delito com a sua vida. Seus

inimigos cobraram seu atrevimento profético silenciando sua voz naquela tarde, enquanto cumpria com seu

dever de pastor na capela do Hospital da Divina Providência. Suas demandas tornaram-se inaceitáveis para os

poderosos. Sua pregação em defesa dos mais necessitados não foi tolerada pelos opressores e violentos.

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lapidar: ―Se queremos que a violência cesse e que cesse todo mal-estar, temos que ir até a raiz. E

a raiz está aqui: na injustiça social‖. O problema da pobreza é fundamentalmente a justiça223

e

ela se realiza no amor ao próximo que se demonstra na solidariedade; e, na medida em que a

pessoa ama a Deus, agirá concretamente pelo amor ao outro; e, na medida em que ama o

conhece e age de modo particular com o pobre, com o marginalizado, com o rejeitado,

através do serviço. Ou seja, a conversão necessariamente nos leva a ser solidários e a favor

da justiça.

―De acordo com o evangelho, o encontro com Deus realiza-se no

encontro com o homem, de modo particular no encontro com o outro,

com o pobre, com o marginalizado, com o rejeitado. Se é verdade que o

cristianismo, como todas as religiões, inclui uma caminhada de

reconhecimento de Deus pela interioridade ou pela experiência da

natureza, é mais verdade o fato de que é mais específico do evangelho a

experiência de Deus na aproximação com o outro. O que Jesus ensina é o

encontro com Deus não pela mente ou por atitudes interiores, e sim pelo

agir concreto, pelo amor que é serviço‖224

.

Portanto, a justiça é amar a Deus e o próximo, e Cristo coloca essa ação como um

mandamento único, pois alguns podem amar pessoas, como ateus, e deixar de amar a Deus.

E outros, como místicos, amam a Deus e não conseguem amar as pessoas, porém esta

ordem leva um peso de aproximar as pessoas diferentes para próximo do amor que Deus

deseja para o ser humano, além dessa afirmativa, pode-se ver no amor cristão que não é

possível separar as dimensões horizontais e verticais da vida cristã, isto é, o amor a Deus

desemboca em serviço e amor ao outro, e assim, proporcionar justiça entre os seres

humanos, ocasiona vida para todos. Amar é dar vida ou pelo menos ajudar a ter mais vida,

já que somente Deus dá a vida. Amar é fazer com que aquele que estava rejeitado seja

aceito, aquele que estava excluído seja incluído. Em vista disso, o reino de Deus é amor e

vida. Amar é como fez Jesus: ―salvar‖. Jesus foi enviado como salvador, e também o

somos. O evangelista João escreve ―assim como o pai me enviou eu envio a vós‖, (João:

223

SOBRINO, Jon. Onde está Deus? São Leopoldo: Editora Sinodal, 2009, pg. 101.

224

COMBLIN, José. Viver na Cidade, Pistas para a Pastoral Urbana. São Paulo: Paulus Editora, 1996, pg. 15.

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116

20.21). A salvação consta de muitos aspectos diferentes225

. Há lugar na sociedade para

muitas pessoas dispostas a amar. Salvar é dar a vida, mesmo que essa prática de justiça se

torne exigente e radical a ponto de dar a própria vida, como exemplo da morte de Jesus

abrindo assim espaço para vida. Somente se abre espaço para vida do outro quando se abre

a vida para o próximo obter vida, como forma de justiça, quando se ama ao ponto de se

tornar fraco com aquele que é fraco. Deus se tornou fraco e com isso amou e Comblin

argumenta da seguinte forma:

―Deus torna-se fraco porque ama. Quem mais ama é sempre mais fraco.

Não será essa a grande característica das mulheres? Quase sempre amam

mais e, por isso, sofrem mais. Porém, nessa fraqueza consentida não

estará a maior liberdade? Nessa fraqueza a pessoa vence todo o egoísmo,

todo o desejo de prevalecer, toda a preguiça ao aceitar maiores desafios.

Exige mais de si própria, vai mais longe, além das forças. Ninguém tem

maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos.‖(Jo. 15. 13). Aí

está também a expressão suprema da liberdade‖226

.

A articulação da atualidade nessa sociedade é sempre estar em vantagem e

superioridade entre os outros, porém como insiste o autor, a força não determina a justiça

nem a violência, sejam elas quais forem o que estabelece a justiça é estar do lado dos fracos

e fazer com que eles sejam a resistência desse sistema que foi imposto, de que em tudo

precisamos vencer e ser alguém acima dos outros que não possuem vida.

3.2.2 Religião e Amor

Muitos identificam o amor a Deus com a prática dos atos da sua vida religiosa.

Acreditam que amam a Deus quando oram, recebem sacramentos, fazem ofertas, louvam,

promovem atos de reparação ou desagravo etc. Porém, para Comblin essa maneira de

identificar amor a Deus não passa de Religião com expectativas em outro mundo, e por

isso, não se luta pela justiça. Diante disto, Karl Marx fez duras críticas à religião, afirma

225

COMBLIN, José. A vida Em busca da liberdade São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg.156.

226

COMBLIN, José. Vocação para liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 1998, pg. 67.

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que a religião se trata do ópio dos povos, pois ao invés de acordar as populações na busca

de justiça social, tornou-se um poderoso sonífero religioso em consequência de sua

interpretação errônea da espiritualidade, para adormecer os povos oprimidos e para acordá-

los somente após a morte. No entanto, o verdadeiro amor vai além da religião, ele desperta,

anima e coloca as pessoas em ação de bondade para com o necessitado.

―Pois o verdadeiro amor de Deus é o amor ao próximo. Não há outra

maneira de amar verdadeiramente a Deus, pois a Deus ninguém vê, e, por

conseguinte, ninguém pode atingi-lo diretamente. O próximo a gente

pode ver. O amor é corporal, não é feito de atos puramente espirituais‖227

.

Isso não quer dizer que a religião não tenha sua importância. Ela forma a parte

essencial da vida do ser humano, porém precisa ser transformada pelo amor ao próximo,

isto é, uma religião para este mundo, e não para o vindouro, que tenha realizações práticas

para o outro. Para Comblin o ser humano não vive sem religião e por isso afirma:

―Sem religião a pessoa se sente sem rumo na vida, sem saber porque e

para que existe, e o que fazer neste mundo. O ser humano vive em relação

com a totalidade e não se contenta com uma existência limitada ao

visível, ao sensível. Precisa estar relacionado com a totalidade e com o

fundamento absoluto da existência‖228

.

Contudo se alguma religião não está orientada a amar o próximo ela pode ser

prejudicial, inútil e opressora gerando assim atos de injustiça. Há grande diversidade de

povos que elaboram religiões diferentes, porém em geral, as religiões possuem as mesmas

características que são básicas para sua existência, tais como: necessita de um mito, precisa

ter sacerdote ou sacerdotes, seres humanos com atitudes determinadas pela religião que se

sacralizam, regras como exigências a serem cumpridas; e, sem esses cumprimentos as

pessoas não se tornam membros, culto ou momentos cúlticos para adoração do mito

227

COMBLIN, José. O Caminho o ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus Editora, 2005, pg.

210.

228

Ibidem. pg. 212.

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fundante desta religião e o templo, um lugar sagrado como forma de segurança para os seus

adeptos.

Todavia, para Comblin o Evangelho vai além dessas exigências, não é religioso.

Jesus não fundou nenhuma religião. Não fundou ritos, não ensinou doutrinas, não

organizou um sistema de governo, aboliu o templo. Ele se dedicou a anunciar, a promover

o Reino de Deus. Ou seja, uma mudança radical de toda a humanidade em todos os seus

aspectos, contudo essa mudança acontece somente baseada no Amor a Deus e ao próximo.

Comblin ao determinar sua posição usa um texto da carta de João que diz: ―Filhinhos, não

amemos com palavras, nem com língua, mas com obras e em verdade,‖ (IJo. 3.18).

Afirmando:

―A expressão acima é muito forte. Pois toda religião é feita de palavras ou

de sinais – que são equivalentes às palavras. O que Deus quer não é uma

religião, mas o amor. Não é a Religião que salva e sim o amor. O amor

não consiste em dizer a Deus que o amamos, nem em multiplicar os sinais

de amor. Deus quer obras e não sinais. O amor é feito de obras. Essas

obras somente podem ter por objeto as pessoas humanas porque são as

únicas que podemos atingir com as nossas mãos. O amor se realiza

corporalmente, com o trabalho das mãos, da cabeça e dos pés – sempre

com o corpo‖229

.

Como autor escreve, ―o amor é feito de obras‖ e estas devem ser para o próximo,

por isso pode-se dizer: obra salvadora que não deve ser entendida somente no abstrato da

relação, mas em suprir a necessidade do outro, ao ponto de dar-lhe dignidade para viver

com todas as formas imagináveis e possíveis. Sabe-se que existem alguns discursos sobre a

salvação eterna que está em âmbito divino ou transcendente sem poder ser alcançado pelos

seres humanos, determinada como religião, porém existe outra salvação na atualidade, a

qual se faz com obras de amor para com o próximo, usando todos os artifícios para ver o

próximo melhor na vida determinada como verdadeira religião.

229

COMBLIN, José O Caminho o ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus Editora, 2005, pg.

142.

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Tudo para dizer que o amor está acima de qualquer religião, mas a religião é

necessidade humana e incorpora as figuras de todas as culturas. Trata-se de fenômeno

cultural, sem o qual os seres humanos não podem viver. O desafio desse tema para

Comblin está intrinsecamente ligado ao que vamos fazer com a apatia com relação ao amor

que a religião nos impõe, apesar de ser uma necessidade da vida:

―O desafio está em como saber usar a religião para anunciar o evangelho,

ou seja, para que os cristãos possam ir além da sua religião do amor ao

Deus pensado, e chegar ao amor ao próximo concreto - porque Deus se

situa no próximo. As religiões e, sobretudo as instituições religiosas,

tendem a considerar-se fins, achando que tudo deve concorrer para o seu

triunfo. Jesus foi muito claro, opondo-se a isso‖230

.

Se o ser humano não se libertar da religião, e se converter ao reino de Deus,

sempre estará em uma posição de contemplação e inércia para com o ser humano, mas o

amor ao próximo, com práticas claras de libertação é para o autor a essência de se aplicar a

justiça nesta sociedade.

3.2.3 Conversão, amor e justiça

A conversão ao Reino de Deus é um ato de amor e justiça para com os pobres:

―Por isso o amor ao pobre começa por um movimento em direção a ele.

Pode acontecer que a conversão se dê de modo imprevisto, motivada pelo

olhar de algum pobre que conseguiu furar a barreira de proteção existente.

Para a conversão acontecer, após alguém deixar-se atingir pelo olhar do

pobre, é necessário que ele dê o primeiro passo de ir ao encontro desse

pobre‖231

.

230

Ibidem, pg. 224.

231

COMBLIN, José. O Caminho: um ensaio sobre o seguimento de Jesus São Paulo: Paulus Editora, 2005,

pg.161.

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Para Comblin, existe uma barreira de proteção, ou seja, uma cegueira para o rico que é

fator quase intransponível, cegueira esta que impede o amor de ser realizado entre as classes,

sendo fator de injustiça, pois é ditado à classe mais abastada que o pobre é inimigo e pode lhe

afetar com sua violência, mas isso termina quando a conversão acontece transpondo as barreiras,

descobrindo que o pobre também é gente que sente, pensa e luta para sobreviver.

A conversão é um ato de amor e justiça, pois como o autor escreve: precisa

sempre se encontrar com a necessidade do outro, e por isso, há sempre um processo e um

caminho a perseguir. Taís como: a conversão da solidão do egoísmo para a vida

comunitária, uma vida inserida em inúmeros laços sociais. A conversão para Comblin

inclui uma mudança das estruturas do mundo, e assim, viver em comunidade na sua

totalidade do significado. Pode-se afirmar com propriedade que o alvo da humanidade é a

perfeição comunitária232

. Comunidade que acolhe e anuncia o Reino, para isso, a justiça deve

ser aplicada na sociedade. Ao aplicá-la a sociedade se forja como comunidade: Somente em

comunidade é que poderemos executar a justiça, escutar e anunciar o dom e a graça de Deus – o

chamado privilegiado para a superação de tudo o que rompe com a comunhão fraterna na sua

essência, esse rompimento é a violência no seu sentido real que por falta de amor vai se

tornando em opressão, injustiça, marginalização, discriminação, e outros valores, por ser ao

mesmo tempo a ruptura com Deus – e lutar pela implantação dos valores do Reino anunciado

por Jesus233

, que é a justiça plena, como fraternidade, partilha, solidariedade e libertação dos

oprimidos. Parece utopia, mas Comblin acredita que possa existir uma maneira denominada

reforma social e isso somente poderá ser aplicado através do amor que sempre exige mudanças

com relação ao próximo que sofre. O autor argumenta a respeito da Igreja ter um papel

fundamental:

―Não se deve esconder que qualquer reforma social supõe uma

redistribuição do produto nacional, particularmente do crescimento. É

impossível corrigir a injustiça sem tocar nos privilégios dos mais ricos,

sem impedir que o produto do crescimento caia sempre nas mesmas

232

BRUNNER, Emil. Justice and the Social Order. London: Lutterworth Press, 1949, pg. 45.

233

GUTIÉRREZ, Gustavo. A Força Histórica dos Pobres, Petrópolis: Editora Vozes, pg.147.

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mãos. Como conseguir pressionar de tal modo as classes privilegiadas

que aceitem sacrificar parte dos seus privilégios e parte dos seus sonhos

de riqueza ilimitada? Esse é o problema político que não incumbe à Igreja

resolver. Mas o que, isto sim, incumbe a Igreja é insistir na necessidade

de mudança‖234

.

Parece ser impossível a realização dessa tarefa de redistribuição de privilégios.

Condições técnicas para mudar, existem, o que falta é a vontade dos que detém o poder.

Claro que não é assim tão fácil abandonar voluntariamente os próprios privilégios, faz-se

necessário criar opções para que a justiça aconteça, para Comblin os articuladores dessa

mudança tão esperada não virá dos poderosos e abastados, ele acredita nos pobres que ainda

abrem espaços para os outros terem vida.

―Caminho semelhante, em relação aos desafios das mudanças sociais: não

virão de cima (dos grandes grupos econômicos ou do Estado e suas

instâncias, embora fragmentos destas últimas possam vir ocasionalmente

em socorro). Devem ser, antes buscadas e construídas junto aos ―de

baixo‖, pela via dos movimentos sociais, enquanto se mantiverem fieis à

causa libertadora dos pobres e marginalizados‖235

.

Ao se converter deve-se amar o encontro com o próximo e com suas necessidades

praticando a justiça, pois quem ama não consegue deixar o ser humano em suas misérias, e

sendo assim sempre teremos um processo ou um caminho pela frente. Assim como o texto

acima: a conversão deve levar as pessoas da solidão do egoísmo para a vida comunitária,

somente existe vida comunitária quando se aplica a solidariedade. A conversão deve levar

as pessoas a uma vida inserida em inúmeros laços sociais sem barreiras econômicas.

Segundo Jon Sobrino a conversão também é uma ação que nasce da justiça aos pobres e faz

com que a conversão permaneça:

234

COMBLIN, José. Cristão Rumo ao Século XXI Nova caminhada de Libertação São Paulo: Paulus Editora,

1996, pg. 357.

235

CALADO, Alder Júlio Ferreira Em busca de uma chave de leitura do legado de José Comblin

http://www.slideshare.net/concilio50anos/em-busca-de-uma-chave-de-leitura-do-legado-de-jos-comblin

acessado em 12.05.2012.

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―A prática da Justiça que tende a recriar as maiorias pobres causa

frequentemente o processo da própria conversão e de uma conversão

radical. A solidariedade com o pobre, ainda que seja realidade para servi-

lo, converte-se para os que buscam fazer-lhe justiça no serviço do pobre.

Os pobres, na complexa realidade de serem pobres, de serem exigência da

ruptura e – cristãmente – de serem sacramento do Senhor, seus rostos

sofredores, evangelizam os que num primeiro momento querem servi-los.

Desde a alteridade do pobre conseguem-se os impulsos efetivos e até

afetivos e as categorias conceituais para ser, agir e saber-se de outra

forma, isto é para a conversão, e para que esta se mantenha‖236

.

Somente através do amor que estes valores são praticados e visualizados se tornando o

princípio máximo da justiça e Tillich diz:

―O amor não faz mais do que a justiça exige, todavia, o amor é o princípio

máximo de justiça. O amor reúne, a justiça preserva o que está para ser unido.

Esta é a forma na qual e através da qual o amor realiza sua obra. A justiça em

seu significado máximo é justiça criativa, e essa criatividade é a forma de

reunião do amor‖237

.

Tillich diz que a justiça criativa é a maneira de reunir amor, mas vai além dessa união,

pois ela é a própria justiça de Deus que cria o direito, ele faz justiça a quem sofre violência e põe

em ordem quem comete o mal.

Então, amor ao próximo é a maior força para a transformação pessoal e social, mas a

realização deste amor deve-se traduzir pelos atos de não à violência.

3.2.4 O dizer não a Violência como fator de Justiça

Para Comblin a violência é o desejo de destruir o outro, então pode-se afirmar que o

ponto máximo da destriução de uma pessoa é a morte. O pensamento de Comblin sobre justiça é

236

SOBRINO, Jon. A Ressurreição da Verdadeira Igreja. São Paulo: Edições Loyola, 1982, pg. 61.

237

TILLICH, Paul. Amor, Poder e Justiça. São Paulo: Editora Fonte Editorial, 2004, pg. 73.

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levar a vida ao outro, ou seja, amar a Deus e amar o próximo são realizações de justiça, então no

amor não há espaço para violência na sociedade ou nas relações entre as pessoas, o escritor

propõe o perdão entre os homens para dar cabo com a vingança e assim terminar com a

violência:

―Aqui, a primeira expressão cristã, tipicamente cristã, é o perdão. O que

significa o perdão? É a rejeição da vingança. Os textos evangélicos não

podem ser mais claros (cf. Mt 5,38-42; 6,12.14-15; 18,21-22). No mesmo

sentido é uma aplicação da exortação "amai os vossos inimigos" (Mt

5,44; Le 6,27). Por que perdoar? Por que amar os inimigos? Porque o

objetivo final é a formação do Reino de Deus a partir dos seres humanos

que existem. Não podemos excluir de antemão os inimigos. A nossa

tarefa é conquistá-los porque eles também são chamados a trabalhar pelo

Reino de Deus e a entrar no caminho do amor. O perdão e o amor aos

inimigos têm por finalidade a sua conversão. A vingança suprime a

possibilidade de conversão‖238

.

Quando a tentativa é desviar-se da violência, tentamos muitas vezes levar uma vida

normal, mas como Sung diz: ―[...], a tentativa de esquecer que ela exista é impossível [...]‖, ―[...]

o medo frente a essa ―onipresença‖ é real [...]‖, ―[...] acreditar que ela não faz parte do pequeno

mundo que vivemos [...]‖ e ―[...] o fantasma que nos amedronta todos os dias [...], mas o nosso

esquecimento não é tão poderoso para nos proteger totalmente da violência.‖.239

A cristandade

precisa de uma proposta para estes medos, ódios e ganâncias que rondam a humanidade. Cristo

propõe uma sociedade nova e alternativa, onde a morte estiver estabelecida na sociedade a

proposta da nova deve ser trazer vida, onde há injustiça, trazer justiça, ou seja, uma

―Comunidade do Contraste‖ nas palavras de G. Lohfink, quando diz não à violência e age

ativamente com bondade em relação ao inimigo. Sung nos coloca o verso da Bíblia da seguinte

maneira: ―A mim pertence a vingança e a recompensa‖ (Dt. 32.35), propondo assim Deus como

o único detentor do direito de vingança, que não usa. Portanto, entende-se que quando a

humanidade assume o estilo de vida proposto pelo Cristo, ela não possui mais o direito de se

238

COMBLIN, José. O Caminho: um ensaio sobre o seguimento de Jesus. São Paulo: Paulus Editora, 1995,

pg.188.

239

SUNG Jung Mo. Semente de Esperança: A fé em um mundo em crise. Petrópolis: Editora Vozes, 2005, pg.

83.

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124

vingar, pois a vingança não está mais sobre o domínio dos homens e sim de Deus e com isso o

ciclo da violência termina.

Com essa afirmação Sung coloca a violência na esfera do transcendente e diz também

que essa proposta não daria conta de exaurir com a violência no âmbito da sociedade ou das

relações macrosociais. Ele acredita que a violência legítima neste caso tenha seu lugar, mas não

é um guia para uma prática de justiça conduzida pelo próprio Cristo. É necessária uma

conversão qualitativa, como define Comblin

―Não basta aumentar a dose desse amor aos semelhantes, aos que estão perto

para entrar no amor aos inimigos, trata-se daquilo que o evangelho chama de

conversão. É preciso que haja mudança de olhar e descobrir a quem

costumamos tratar como inimigo e a quem odiamos. A partir daí é preciso

querer mudar de comportamento. Esse amor não é inato não é espontâneo,

não se faz por si mesmo apenas por simples crescimento do amor com o qual

a gente nasce. A pessoa que faz essa conversão se expõe, expõe a própria

vida‖240

.

A proposta de Comblin para terminar com a violência da sociedade é uma forma

radical que começa no indivíduo influenciando toda sociedade com exemplos da própria vida,

se expondo ao outro. Moltmann concorda com os dizeres de Comblin quando afirma que a

conversão:

[...] ―influência as pessoas e as circunstâncias nas quais as pessoas vivem e

sofrem, portanto, o modo de vida pessoal e comunitário da mesma forma

como os próprios sistemas de vida nos quais os modos de vida estão

ordenados. Conversão é tendencialmente tão abrangente como o Reino de

Deus vindouro cuja proximidade anunciada a torna possível e necessária.

Conversão acontece, como discipulado de Cristo, integralmente, ―de todo o

coração, de toda alma e com todas as forças‖, como o amor de Deus ou então

ela não ocorre. Não existe conversão de coração dividido ou apenas em áreas

parciais da realidade que corresponde ao Reino de Deus‖241

.

240

COMBLIN José. A Vida: Em busca da liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg. 149.

241

MOLTMANN Jürgen. O Caminho de Jesus Cristo. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2009, pg. 147.

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Pode-se dizer hoje em dia que existe falta de amor entre as pessoas, que se dizem

imagem e semelhança de Deus, e não houve conversão no ser humano. Para Comblin e

Moltmann este modo não é utópico e sim realidade, e não ficaria no âmbito da transcendência

mas na responsabilidade humana de ter atitudes mais parecidas com o Cristo, tais como:

solidariedade, amor ao próximo e justiça. Quem todavia pensa até as últimas consequências nos

dizeres de Sung, Moltmann e Comblin, atende e age com a sabedoria do Sermão do Monte, que

com certeza está entrelaçada nos dizeres destes autores. Além disso, o Sermão do Monte não é a

ética da mentalidade porém afirma que tudo depende do fazer como o evangelista Mateus

escreve: ―Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao

homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha; E desceu a chuva, e correram rios, e

assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a

rocha. E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem

insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram

ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda‖. (Mateus 7.24-27). Se Jesus

tivesse apenas ensinado princípios de moral, nunca teria sido crucificado;242

quem não quiser

tomar nenhuma dessas atitudes, deve contradizer abertamente o evangelho.243

Moltmann

concorda com estas afirmações quando diz:

―Quem considera o Sermão do Monte irrealizável de princípio, este ofende a

Deus. Pois, Deus o Criador e amante da vida, não dá leis irrealizáveis. Quem

considera o Sermão do Monte realizável apenas no íntimo do coração, não,

porém no agir público, este acusa Jesus de mentiroso que cumpriu justamente

por causa do fazer. Quem o considera realizável apenas para si pessoalmente,

não, porém em sua responsabilidade por outros, este não conhece a Deus o

Criador. Finalmente, quem acha que somente um, a saber, o próprio Jesus,

conseguiu cumprir o Sermão, mas que todas as demais pessoas deverão

fracassar nessa tentativa, para serem revelados como pecadores, este suprime

a verdade da comunhão de Cristo, da qual consiste em ouvir e praticar a

palavra de Jesus‖244

.

242

COMBLIN José. O Povo De Deus. São Paulo: Paulus Editora, 1999, pg. 324.

243

LOHFINK Norbert. A Igreja dos meus sonhos. São Paulo: Edições Paulinas, 1985, pg. 94.

244

MOLTMANN Jürgen. O Caminho de Jesus Cristo. São Paulo: Editora Academia Cristã, 2009, pg. 177.

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G. Lohfink ao comentar o texto: ―Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a

outra; e ao que te houver tirado a capa, nem a túnica recuses‖ (Lucas 6.29), diz que existe uma

degradação da violência, partindo do final para o começo do texto: que vai do pedido descarado,

passando pela coação e a ameaça de processo, até chegar à brutalidade, isto é, a prática da

injustiça, mas para o autor existe somente uma saída para eliminação dessa violência: a

bondade.

[...] ―A Intenção das quatro sentenças é evidente. É inculcado nos ouvintes,

renuncie a qualquer sansão jurídica! Desista de qualquer retaliação! Não

responda à violência com violência! Quando é cometida injustiça contra você,

porém, não fique passivo e sem fazer nada! Vá ao encontro do seu adversário.

Responda à sua coação ou brutalidade com bondade transbordante. Talvez,

deste modo, consiga recuperá-lo. Estas exigências ganham uma expressão

especial pelo fato de não mencionar em casos extraordinários ou

relativamente raros, mas fatos tirados do dia-a-dia real dos ouvintes de Jesus‖

[...].245

.

Para Comblin, as citações acima não dariam conta de acabar ou minimizar esse

problema que ronda toda a sociedade, porém o autor apresenta algumas pistas quando colocam a

posição do homem em relação ao mercado, ou seja, a prática da injustiça na atualidade está

entrelaçada com a auto-estima das pessoas que estão afetadas pelo consumo e o desejo de

adquirir para ser alguém, sem se importar com a necessidade do próximo. Para o escritor esse

pensamento tem muito haver com o ―eu‖ da pessoa que está entrelaçada com a sociedade

capitalista, que desenvolve um novo conceito do ―ser alguém‖, se transformando em

proprietários para adquirirem segurança, se separando do outro ao ponto de visualizar o próximo

como seu inimigo, e assim o autor diz:

―Sobretudo numa sociedade capitalista em que se exaspera a consciência

de proprietários, as pessoas chegam a viver numa insegurança tão grande

em relação a sua personalidade, que a colocam nos bens exteriores e

acumulam para ter a impressão de ser. A pessoa acha que ―é‖ pelo que

―tem‖ e naquilo que ―tem‖. Tal personalidade consiste na autonomia e na

separação das pessoas. Nem percebemos que essa vontade de autonomia

245

LOHFINK Gerhard. A Igreja que Jesus queria: Dimensão comunitária da fé Cristã. São Paulo: Editora

Academia Cristã, 2011, pg. 83.

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leva a um verdadeiro esvaziamento da pessoa. Na medida em que a

pessoa se fecha em si mesma e nas suas propriedades, ela perde

consistência. Porém a insegurança é tal que a pessoa se apega

desesperadamente àquilo mesmo que a perde. Ser é, para ela, estar segura,

poder controlar, dominar. O indivíduo busca o seu ser naquilo que ele

pode dominar. Daí o símbolo da propriedade humana que é o muro ou a

cerca: o outro fica rejeitado como ameaça à pessoa, ao ―eu‖, que se

encontra na defesa do seu isolamento‖246

.

Segundo Sung há ainda possibilidades de sair desse individualismo e do medo da

relação. Em relação a isto, o autor propõe que é preciso animá-las a entender que valem mais do

que qualquer consumo, dizendo: a ―linha de trabalho fundamental é a de recuperação da

autoestima das pessoas desvinculadas da capacidade de consumo. Ajudar as pessoas a terem

experiências que lhes permitam perceber que são pessoas dignas não importando o que

consomem‖ 247

.

Ele também nos dá outras possibilidades práticas: as celebrações litúrgicas

participativas vibrantes ou outras atividades coletivas que possam contribuir com a catarse da

agressividade e violência já presente e que faz com que as pessoas se sintam parte de uma

comunidade ou de um grupo que as reconhece.248

Com esta prática, as pessoas podem se

desestressar e ter fôlego para continuar a vida de uma maneira aliviada das tensões do dia-a-dia

e podem visualizar melhor suas atitudes de forma a agirem com justiça para com as outras

pessoas.

Declara, contudo, a importância de não perder de vista as lutas sociais e políticas para a

construção de uma sociedade alternativa mais justa e solidária. O atual sistema de mercado é

violento e injusto, porque no seu funcionamento destrói muitas vidas e depende disso para

246

COMBLIN, José. O enviado do Pai. São Paulo: Paulus Editora, 2006, pg. 05

247

SUNG Jung Mo. Semente de Esperança: A fé em um mundo em crise. Petrópolis: Editora Vozes, 2005,

pg.96.

248

Idem pg. 97;

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crescer e se manter249

, não se importando com a vida do ser humano, a não ser que este se torne

um consumidor.

As opiniões dos autores acima parecem enfrentar uma diferença de conceito e de

atuações práticas na sociedade. Porém, a complementação dos pensamentos é a maneira correta

de refletir sobre os textos, pois, para influenciar uma comunidade que já está inserida e

envolvida com o pecado estrutural que é a injustiça, deve-se começar a transformação esperada

sempre pelo indivíduo para com a sociedade toda, sem atitudes individuais de recusa à

violência, de qualquer modo, seja contra o inimigo ou mercado que também não deixa de ser o

maior inimigo do pobre, não se desenvolverá uma sociedade mais humana, pacífica e justa.

3.2.5 Paz como resultado da Justiça

Para Comblin os seres humanos querem que a paz e a justiça reinem na terra e muitas

vezes esperam e oram incessantemente por isso, mas para o autor essa responsabilidade está

entre os homens, e diz:

―O desejo secreto de muitos é de que Deus nos retire a liberdade e

governe o mundo ele próprio com o seu poder divino. Somente assim

haveria paz e justiça na terra. Não haveria mais malfeitores nem guerras e

destruições. No entanto, Deus escolheu outro caminho. Quantas orações

são feitas pedindo a Deus que venha estabelecer a paz e a justiça! Mas

essas orações permanecem sem resposta, uma vez que a resposta já foi

dada. A paz e a justiça são da nossa responsabilidade. Somos uma

humanidade livre chamada a se fazer por si mesma‖250

.

249

Idem pg. 97;

250

COMBLIN, José. Da liberdade. Sociedade Arminiana da língua portuguesa.

http://arminianos.wordpress.com/tag/jose-comblin/ acessado em 20/05/2012.

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A pacificação da sociedade está ligada a Justiça Social, o que entendemos sobre esse

desdobramento em uma sociedade, como se declara acima: ou estarão do lado daquele que sofre

e dizer não aos fatores que geram violência. Certamente a paz fará parte da vida e do cotidiano

da humanidade, porém é necessário desenvolver uma ética da paz junto com a justiça, pois se

acredita juntamente com Comblin que a paz e justiça andam de mãos dadas, e para os tempos

atuais essa ética supõe um aprofundamento constante da dinâmica interna na sociedade da paz,

pois sendo ela uma realidade tão complexa, exige da pessoa o reconhecimento de que a paz é

uma conquista diária, uma constante superação de toda e qualquer maneira de violência que age

no ser humano e na sociedade. Enquanto continuarem a existir milhares de vítimas de injustiça

social não se conseguirá chegar à paz251

das boas novas.

A paz que o Evangelho propõe e tende a instaurar não é aceitação de qualquer situação

estabelecida, esta resulta da ordem fundada na justiça que é amor, harmonia e a colaboração

entre as classes, a manutenção da ordem e a paz social. Portanto, não quer dizer que a verdadeira

paz não é tanto ausência de conflitos ou submissão à ordem imposta, mas transformação das

pessoas dos seres vivos e dos seus sistemas e estruturas, o que envolve todas as dimensões da

existência, visando tornar possível a dignidade da vida. Assim a paz só pode ser entendida na

dinâmica do mandamento do amor ao próximo, tão importante quanto o amor a Deus (Mt. 22.

34-40). Esse amor exige do cristão um comportamento coerente e comprometido com a efetiva

construção da paz e a superação de toda e qualquer maneira de violência. Em um mundo

marcado pela violência entre pessoas e um mercado desenvolvido por uma cultura de morte faz-

se necessárias atitudes de paz entre os humanos para existir um comprometimento com a justiça.

Seja no nível pessoal de uma ética comprometida com o amor e doação, seja, ao mesmo tempo,

na construção de uma nova ordem onde a vida seja o bem supremo. Uma justiça criadora e

mantenedora de condições para o pleno desenvolvimento e realização das potencialidades

humanas.

Finalmente, a Justiça Social se instala com atitudes dos convertidos ao Reino de Deus

que deixam a ação de violência com os pobres, que é o pecado, para atos de amor ao ponto de

251

SELLA, Adriano. A justiça: novo rosto da paz. São Paulo: Paulus Editora, 2006, pg. 25.

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abrir espaços, para aqueles que nunca tiveram vida terem dignidade na sociedade e serem

aceitos e colocados como seres humanos, que é a santidade, para Comblin dignidade se instala

da seguinte maneira:

―A dignidade vem da importância do lugar que a pessoa ocupa na

sociedade. Sente-se digna a pessoa que sabe e pode fazer, cujas

capacidades são reconhecidas, que merece ser honrada. Todos os

movimentos sociais salientam este aspecto: Primeiro a dignidade, ter um

lugar na sociedade, ser tratado como pessoa. Essa dignidade humana

supõe uma transformação total da sociedade. A esperança aspira a isto:

um novo mundo, uma nova forma de convivência humana, em que todos

possam ser reconhecidos como seres humanos livres e iguais. No fundo

de cada ser humano existe essa aspiração a um mundo diferente‖252

.

Além desses fatos declarados pelo autor, pode-se dizer que o desastre que está imposto

na sociedade pode ser substituído pela felicidade ao ponto de vermos essas ações que destroem

o homem sendo substituídas por fatores primordiais para uma humanidade mais humana. Os

filhos e filhas de Deus não podem aprovar a indiferença à miséria, se alguém espera que o reino

lhe seja oferecido, se faz necessário viver essas atitudes aqui e agora como um mundo novo,

Comblin propõe:

―Felicidade é poder livrar-se da miséria, da violência, do temor e do

pecado. A felicidade consiste em poder participar das mudanças já a este

mundo, para que todos possam ter acesso aos bens que garantam vida

digna, e que não se acomoda esperando apenas a felicidade futura no

céu‖253

.

Gostaríamos de terminar com dois pensamentos, um do autor americano Ronald

Sider254

.

252

COMBLIN, José. O Caminho: um ensaio sobre o seguimento de Jesus São Paulo: Paulus Editora, 2005, pg.

32.

253

COMBLIN, José. A Vida: Em Busca de Liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg.61.

254

Ronald Sider James: Nasceu em 17 de setembro de 1939 na cidade de Ontário, teólogo ativista cristão. Ele é

frequentemente identificado por outros como da esquerda cristã, embora ele pessoalmente não aceite qualquer

inclinação política. Ele é o fundador de Evangélicos para a Ação Social, uma associação que visa desenvolver

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… ―quando se trata de injustiça no arraial cristão: ―Com tristeza, devo

confessar meu temor de que a maioria dos ‗cristãos‘ de todas as

categorias teológicas tenham dobrado os joelhos diante de Mamon. Temo

que, se tivessem que escolher entre defender seus luxos e seguir a Jesus

entre os oprimidos, eles imitariam o jovem rico‖.255

E outro, pelo motivo da acumulação de riqueza e o medo do futuro denunciado

pelo autor acima, Comblin nos afirma:

―Há pessoas que vivem construindo um futuro: o futuro da sua carreira

pessoal, da família, de uma causa, de uma instituição, da pátria, da nação,

do partido ou da revolução: sempre o futuro devora o presente. Perdem

até o gosto, o desejo, a arte de viver. Taís metas, porém, nunca são

alcançadas. A pessoa chega ao fim da vida sem perceber que a vida se

esgotou, que acabou o tempo que lhe fora dado: nem teve tempo para

viver. E, no fim da vida, o fim não obteve. Há uma maneira tão absoluta

de se dedicar a construir o futuro que o presente desaparece, enquanto

esse futuro não chega a ser realmente vivido por pessoas concretas: é um

horizonte que recua na medida em que a gente se aproxima dele‖256

.

soluções bíblicas para problemas sociais e econômicos, também fundou outra organização denominada Vida

Justa que se tornou um comitê de ação política que lutava por uma ética consistente a favor da vida e por isso

contra o aborto, pena de morte, armas nucleares e a pobreza. Ele também foi professor de teologia, holística e

ministério público da igreja no Seminário Teológico Palmer em Wynnewood, Pensilvânia e hoje é professor no

Eastern Batiptist Theological Seminary.

255

COMBLIN, José. A Vida: Em Busca de Liberdade. São Paulo: Paulus Editora, 2007, pg.234.

256

COMBLIN, José. O Espírito no Mundo. São Paulo: Editora Meditações Evangélicas, 1989, pg 44.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os conceitos de conversão e Justiça Social estão intrinsecamente ligados à vida de

Comblin. No decorrer de sua vida na América Latina vivenciou momentos de crise, críticas

e sofrimento, dentre eles, a ditadura no Brasil onde foi injustiçado por alguns da Igreja

devido à inveja dos próprios irmãos na fé. Por exemplo, quando em 1968 o documento

elaborado por Comblin para a reunião do CELAM, que se realizaria em Medellín, foi parar

nas mesas da Câmara dos Vereadores de Recife; o exílio em 1972, sendo expulso do Brasil

de uma forma brutal, sem ao menos poder se despedir dos amigos, e em 1980, quando mais

uma vez provou o exílio, agora do Chile devido à implantação da ditadura.

Percebe-se na vida deste corajoso homem, que apesar de todas as injustiças

impostas sobre ele, não deixou de lutar pela justiça, por uma vida mais digna para os

pobres e um mundo mais igualitário e justo. Diversas pessoas o inspiraram a ter essa fé que

o levou a lutar pelos menos afortunados, e dentre esses uma das maiores influências de sua

vida foi Ibiapina. Este santo homem que perdeu o pai e o irmão na guerra das

confederações do Equador observou seus familiares envolvidos com a luta pela libertação

da opressão que os estados sofriam do Império. Ele sempre foi determinado a lutar pela

justiça, passou por vários cargos públicos visando à defesa dos pobres, mas resolveu voltar

ao sacerdócio e estar do lado daqueles que não possuíam vida, os injustiçados, e assim,

deixou um legado de fé através das casas de caridades no sertão nordestino construídas

pelos irmãos de fé. Outra grande influência do padre belga com coração latino americano

foi Dom Hélder Câmara, que com coragem sempre se policiou ao lado dos pobres, como

também mostrou forte resistência diante das pressões da ditadura militar.

Pode-se dividir as atividades de Comblin na América Latina em dois momentos: o

primeiro foi dedicado à formação dos sacerdotes nos colégios e seminários e o segundo foi

totalmente dedicado à formação de missionários leigos e populares do mundo, onde ele

encontrou grande realização e vibração por ver alguns pobres sendo libertados das

opressões dos dominadores dos países onde passou. Neste período foi motivado por

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pessoas simples e semináristas cansados dos métodos tradicionais de formação de

sacerdotes. Ao coordenar grupos de estudantes que viveriam com os agricultores pobres

para desenvolver a partir do conhecimento empírico entre os pobres uma nova forma de

formação teológica denominada Teologia da Enxada, ele estabeleceu um marco para a

educação e formação teológica de seminaristas e leigos influenciados pela pedagogia de

Paulo Freire.

Preocupado com as ações na sociedade, também lutava para desenvolver uma

teologia mais próxima da vida das pessoas e não da eternidade. Pode-se encontrar no

pensamento de Comblin dois sentidos de teologia.. No sentido mais óbvio, a teologia se

relaciona com a atividade pastoral para desenhar suas questões a partir de situações

pastorais e modestamente oferecer ajuda. Sua opção por fazer a maioria de seus trabalhos

pastorais em associação com bispos voltados para as causas populares, ao invés de

seminários ou universidades, exemplifica este aspecto, assim como o grande número de

suas obras cujo ponto de partida é a situação pastoral da Igreja. No entanto, o sentido

fundamental – que norteia o pensamento de Comblin – e talvez o mais importante seja o da

―ação humana total‖, por referirem-se as ações de seres humanos livres que transformam a

situação em torno delas e juntos tornam-se profundamente humanos. A ação poderia ser a

mais modesta, como uma comunidade ou grupo de construção de casas, assim como esta

ação poderia ser tão grande quanto uma campanha nacional para acabar com a fome. Já em

1962, afirmava que a teologia é orientada para a ação e não simplesmente a ação pastoral

da Igreja, mas as ações para tornar o mundo mais humano.

Incansável, o padre morreu quando lecionava um curso para comunidades de base

na Bahia. Encontramos em sua obra sempre de modo coerente alguns temas constantes taís

como: do povo de Deus, da situação dos leigos na Igreja e o movimento de justiça entre os

seres humanos na sociedade, porque para este homem a Igreja foi enviada ao mundo e por

isso ela tem que estar e trabalhar para que o mesmo se torne fraterno e igualitário. É

possível indicar que a vida deste escritor foi uma luta obstinada através de sua palavra e

ação, pela conversão do povo para a igualdade fundamental de todos os seres humanos,

direito dos pobres e por uma sociedade mais justa.

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O pensamento de Comblin sobre conversão tem algo diferenciado em relação a

alguns teólogos por acreditar em um processo de conversão que é um convite à mudança

radical de vida, uma jornada que dura a vida toda, pois se um cristão deixa de mudar ele

deixa de ser cristão257

. Outro elemento referente à conversão é que a mesma nos

impulsiona para uma vida mais próxima dos necessitados, levando-nos da solidão do

egoísmo para a vida comunitária, no seu sentido amplo da palavra, ao ponto de se importar

com a comunidade maior que é a sociedade e sua dinâmica envolvida com estruturas de

pecado com grande poder de destruição do ser humano. A conversão impulsiona o ser

humano convertido a lutar contra toda estrutura posicionada para exterminar a vida do mais

fraco. Por isso, a conversão vai além de um ritual interno de uma religião, ela extrapola as

regras impostas e se firma no amor ao próximo, onde o Reino de Deus acontece. Comblin

acredita que a conversão não é para instituição religiosa, se fosse, seria apenas

proselitismo. Ao confundirmos o convertido com o frequentador de instituições religiosas e

o não convertido com aquele que está fora destas mesmas, cometemos um grande erro, pois

desconstruímos o significado de ―transformação existencial‖ ao ponto de ser mera adesão a

uma nova religião. Por isso, pode-se afirmar que a conversão não é o processo que leva o

ser humano a se tornar um frequentador da Igreja, mas sim o condutor ao pertencimento do

Reino de Deus.

Para Comblin, a Igreja como povo de Deus comete alguns equívocos por tentar

interpretá-la com categorias de comunidade e instituição, caíndo no erro de pensar que a

mesma é a única forma de se aproximar de Deus e agradá-lo. Assim acaba se

enclausurando em si mesma e consequentemente se tornando antropocêntrica e vazia não

se importando com o próximo e infelizmente não compreendendo a parte mais importante

do cristianismo que é a pessoa do Cristo. O profeta afirma: ―A Igreja fala para si, ouve a si

mesmo e contempla-se a si mesma258

‖, desta forma a missão acaba e a Igreja morre, pois

deveria ser um instrumento para inserir a humanidade no movimento de cooperação com o

próximo que sofre. Este movimento que se dinamiza através das atitudes de bondade dos

257

COMBLIN, José. Evangelizar. São Paulo: Paulus Editora, 2010, pg. 10.

258

COMBLIN, José. A teologia da Missão. Petrópolis: Editora Vozes, 1980, pg.20.

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cristãos em relação ao próximo necessitado, revelando assim a pessoa de Deus. Ele

denomina este movimento como Reino de Deus e, para ele, Reino é hoje uma palavra de

cunho pejorativo e deveria ser substituida pela terminologia Vida, já que a vida plena

almejada pelo ser humano deveria ser a vida desejada por Deus para suas criaturas. Afinal,

o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus para que todos pudessem viver

dignamente o dom da vida e, para isso, a sociedade deveria ser o lugar onde esta dinâmica

da Vida de Deus pudesse acontecer. Mas sabe-se que por razão da inconsistência e da

imperfeição humana esta vida para todos não acontece, porém, é possível sinalizar e

concretizar o Reino através de concretização da justiça entre os homens, pois, quando o ser

humano se converte a prática da justiça começa a ser cotidiana na vida dos que pertencem

ao Reino de Deus.

Através do pensamento de Comblin, pode-se expressar que os cidadãos deste

Reino são os pobres e os que cooperam com a libertação dos mesmos. Para ele, o Reino

pode ser alcançado quando deixamos a opressão, nos desnudamos de todo o poder e nos

tornamos dependentes de Deus, de suas ações e do próximo como se fossemos uma

criança.

A conversão ao Reino de Deus se dá quando o ser humano se encontra com Deus

no encontro com o próximo e se depara com a realidade sofrida, transformando esta como

desafio para própria vida, colocando-se em ação para ver o necessitado obtendo a vida que

Jesus prometeu. Assim, não há conversão ao Reino de Deus se a pessoa estiver fechada

nela mesma sem olhar para o outro.

Nesta dissertação, limitamo-nos a tratar a questão da Justiça Social através da

exclusão social focalizada somente nos pobres. Devido à sociedade estar envolvida em um

pecado estrutural, somente pode-se aplicar a Justiça Social quando se supera as leis

fundamentais dessa estrutura que exclui e gera destruição da vida, Por isso, é necessário

entender a dinâmica e a estrutura do pecado na sociedade. A violência é uma das dinâmicas

e potencialmente é uma realidade entre as pessoas injustiçadas que tem o acesso restringido

à comida, saúde e habitação. Tal violência ocorre silenciosamente e destrói os afligidos

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sem incomodar os que deveriam estar atentos ou que não querem perceber essa realidade,

com poder aniquilador mais letal do que qualquer guerra instalada no mundo. Além desta

luta, temos hoje um sistema chamado neoliberalismo que parece um gigante indestrutível

instalado no mundo econômico para criar regras e definir quem pode viver ou morrer, onde

a única regra de sobrevivência é ser consumidor, sem se importar com a pessoa como ser

humano. O neoliberalismo divide a sociedade em consumidores e sobrantes, excluindo os

pobres das condições que permitem viver. Esse sistema transforma a sociedade ao invés de

ser compassiva e solidária para os que sofrem numa gigantesca multidão insensível,

priorizando as coisas supérfluas, o acumulo de riqueza e outros valores em detrimento ao

acesso do atendimento das necessidades básicas do próximo.

A mídia está comprometida com seus próprios interesses exclusivamente

comerciais apoiando até a destruição desde que a mesma proporcione o lucro, alienando e

anestesiando o povo, perpetuando a miséria dos pobres, proclamando com veemência a

doutrina da resignação. Nessa situação de injustiça, muitas igrejas se limitam em anunciar

que todo sofrimento é causado porque ―Deus assim o quis‖, cooperando com o pensamento

dos dominantes da sociedade.

Tal doutrina da resignação desta estrutura pecaminosa se manifesta, como afirma

Comblin, nos sistemas políticos e econômicos, com suas engrenagens que fazem o possível

para ocultar os lados negativos e exibir somente as belezas da sociedade estabelecida,

procurando convencer o homem da necessidade de aceitar as coisas como são sem considerar a

possibilidade de mudança. Quem pretende praticar a justiça precisa fugir destas ações259

. Para

isso precisa-se determinar passos para a libertação necessária. Para o nosso autor, santidade

é uma maneira de se fazer justiça, pois a conversão é um processo do pecado para

santidade260

, portanto, justiça está entrelaçada com a santidade e a mesma tem alguns

fatores fundamentais nas relações de amor ao próximo, que procede de Deus e é a única

ordem de Jesus. Ao nos depararmos com este amor, devemos afirmar: quem ama não

259

COMBLIN, José. A teologia da Missão. Petrópolis: Editora Vozes, 1980, pg. 61.

260

COMBLIN, José. A Igreja e sua missão no mundo. São Paulo: Edições Paulinas, 1983, pg. 109.

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consegue ver seu próximo passar necessidade sem fazer nada e, por isso, precisa atuar a

fim de fazer cumprir o desejo de Deus que é a vida para todos e todas, igualdade social

entre as pessoas, compartilhando os bens e proporcionando a emancipação dos pobres. O

Evangelho expressa claramente que o amor é uma ação, os sentimentos, gestos e sinais

simbólicos não são suficientes. O grande valor do amor são os atos práticos que produzem

resultados visíveis e realmente beneficiam o outro e não somente um discurso ou sentimento.

Amar é uma opção de vida e por isso resulta de uma conversão – aquela que constitui

a orientação definitiva da nossa vida261

. Amar é dar vida, ou, pelo menos ajudar a ter mais

vida, já que somente Deus dá a vida. Amar é fazer com que o outro que não era seja - que

aquele que estava rejeitado seja aceito - aquele que estava excluído seja incluído, somente

amando podemos observar a justiça ser aplicada na sociedade através desta inclusão

proporcionada exclusivamente pelo amor.

A religião para Comblin é um fator primordial para qualquer sociedade e cultura,

porém, a inquietação deste profeta é o que fazer com a apatia e ausência de amor concreto

geradas pela religião. Religiões assim têm oprimido o povo e criado regras para que as

pessoas não amem quem está do lado de fora do ―arraial‖ da instituição religiosa. Se o ser

humano não se libertar desse tipo de religião e se converter ao reino de Deus, sempre estará

em uma posição de contemplação e inércia para com o outro, enquanto que a conversão ao

Reino é amor ao próximo, com práticas claras de libertação em busca de justiça nesta

sociedade. Amor ao próximo é a maior força para a transformação ou conversão pessoal e

social, mas a realização deste amor é traduzida pelos atos de não à violência.

Estes atos podem ser divididos em duas formas: o não à violência ao inimigo, ou seja,

perdoá-lo como Comblin apresentou. O perdão e o amor terminariam com o ciclo de vingança

entre os homens e resultariam num convite ao Reino de Deus, oferecendo a possibilidade de

conversão através desta atitude. A outra forma é dizer não à violência do ter e não do ser: a

261

COMBLIN, José O Caminho: um ensaio sobre o segmento de Jesus. São Paulo: Paulus Editora, 2005,

pg.140.

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pessoa acha que ―é‖ pelo que ―tem‖ e naquilo que ―tem‖. Tal personalidade consiste na

autonomia e na separação das pessoas. Nem percebemos que essa vontade de autonomia

leva a um verdadeiro esvaziamento do ser. Na medida em que a pessoa se fecha em si

mesma e nas suas propriedades ela perde consistência262. Através de sua história o autor

demonstra que precisamos experimentar uma forma de vida libertadora, sem dominação e

opressão. Isto tudo se dá pelo motivo lógico: a ganância que permeia esta sociedade está

exacerbada de tal forma que impede a aplicação efetiva da justiça. A paz é resultado da justiça

na sociedade e a mesma é desejada por todos e muitos oram para que Deus venha e implante sua

paz, mas essa é responsabilidade humana. Como Comblin afirma:

―No entanto, Deus escolheu outro caminho. Quantas orações são feitas

pedindo a Deus que venha estabelecer a paz e a justiça! Mas essas

orações permanecem sem resposta, uma vez que a resposta já foi dada. A

paz e a justiça são da nossa responsabilidade. Somos uma humanidade

livre chamada a se fazer por si mesma‖263

.

A Justiça Social se realiza quando o ser humano ama o próximo, e por

consequência deste fato não age com violência e abandona a insensibilidade, não

permitindo que o outro passe necessidade, ou seja, não há Justiça Social se o ser humano

passar a ser ou pensar que é maior ou melhor do que o seu próximo.

Por fim, a partir desta dissertação, faz-se necessário um aprofundamento das

implicações do conceito de conversão e Justiça Social nessa perspectiva cristã e acadêmica.

No presente trabalho foi exposta uma reflexão sobre alguns elementos importantes para

compreender os conceitos propostos, esperando que possa despertar interesse de outros

estudiosos e atuantes nas igrejas a criticar e revisar literaturas sobre esse assunto, como

também a uma ação pastoral e social que, comprometida com a causa do Reino de Deus,

262

COMBLIN, José. O enviado do Pai. São Paulo: Paulus Editora, 2006.

263

COMBLIN, José. Da liberdade. Sociedade Arminiana da língua portuguesa.

http://arminianos.wordpress.com/tag/jose-comblin/ acessado em 20/05/2012.

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seja solidária com os pobres e comprometida com uma sociedade desejosa de encontrar o

caminho da conversão, viabilizando a aplicação da justiça, assim na terra como no céu.

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