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PAULA a Valdense Por Eva Lecomte Publicadora Menonita Caixa Postal 105 75903-970 Rio Verde - GO Fone: (64) 3071-1831 www.publicadoramenonita.com.br e-mail: [email protected] 1 a Edição 2014

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PAULAa Valdense

PorEva Lecomte

Publicadora MenonitaCaixa Postal 105

75903-970 Rio Verde - GO

Fone: (64) 3071-1831

www.publicadoramenonita.com.br

e-mail: [email protected]

1a Edição2014

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Paula a Valdensefoi publicado originalmente em francêsdo qual foi traduzido ao inglês por W. M. Strong e publicado por diversas editoras sob o títuloPaula the Waldensiane traduzido para o português pelaPublicadora MenonitaCaixa Postal 10575901-970 Rio Verde – GO

ISBN 978-85-64791-14-5

1a Edição 2014

RESERVADOS TODOS OS DIREITOSNenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma — seja mecânico, eletrônico ou mediante fotocópia, gravação, etc. — nem apropriada ou estocada em siste-ma de banco de dados, sem a ex-pressa autorização da Publicadora Menonita.

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Índice

Prefácio 4Uma carta inesperada 5Recordações 11A chegada de Paula 29Os tesouros de Paula 35O relógio de Louis 43No meio das trevas 49Catalina adoece 69A moeda de cinco francos 79Um relance do céu 91Férias no campo 97A mãe do gato 107Um tesouro restaurado 119A professora e seu irmão 125Passado alguns anos 139O Bretão 147Salvo! 159A jovem professora 167A escola noturna 177A casa de Deus 183Na sua presença 189

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PrefácioEspero e confio que os jovens que lerão este livro re-

ceberão na leitura a mesma satisfação que eu recebi na escrita dele.

O Salvador da Paula deseja ser também o seu Salvador. A jovem Paula não era nem de longe uma pessoa perfeita, mas ela amava a Deus de todo o seu coração, e o seu pró-ximo como a si mesma.

Esta simples camponesa, jovem e forte, mas ainda assim tão branda e bondosa, às vezes me parece como as águas de um dos riachos da minha amada terra natal — pura e refrescante, passando sem alarde entre barrancos floridos. Foi pelo amor que ela “vencia”, como passaremos a ver!

Se um dia você vier para a minha terra eu teria o maior prazer em conhecer qualquer um dos leitores deste pequeno livro. Eu moro na pequena cidade de Villar, no fundo do vale, onde de todos os lados ficam as montanhas até onde alcançam as vistas. Para mim, este é o lugar mais bonito em toda a terra, e tenho certeza que Paula também pen-sava assim.

Então, adeus, prezado leitor jovem! Não quero detê-lo mais, pois tenho certeza que você está ansioso para co-nhecer a minha amiga Paula. Além do mais, eu suponho que você tenha feito o que eu teria feito quando tinha a sua idade, ou seja, já deve ter lido a história primeiro, e deixado este meu prefácio para ler por último — e por isso eu já tenho lhe perdoado!

E agora, querida Paula, que Deus lhe abençoe enquanto anda entre os meus jovens amigos que leem esta sua his-tória! A minha oração é que a sua história possa iluminar as vidas deles com a mesma luz celestial que já trouxe para tantos outros.

Eva LecomteVillar-Pellice, França.

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Primeira parte -– Capítulo 1

Uma carta inesperada

Nos corredores da minha memória há um quadro nítido da grande casa cinzenta onde passei minha

infância. Nos primeiros cento e poucos anos da sua existência, aquela casa havia sido o “Convento das Damas Alvas”, com as suas lendárias quatro galerias, olhando altivamente as habitações mais humildes da vila. Na frente, por onde passava a estrada que liga Rouen a Darnetal, havia um muro alto em volta de um pátio cuja entrada era guardada por dois portões de madeira maciça cravados com enormes ferrões.

A aridez desguarnecida deste pátio era, para dizer o mínimo, intimidante. Mas os campos férteis atrás da casa estendiam-se como um lindo tapete vasto e verde, marcado aqui e ali por pequenos vilarejos, coroados pela torre da igreja dos quais os sinos tocavam no domingo de manhã com uma convocação alegre para a oração e adoração. Muitos anos antes do início da nossa história, havia-se transformado o velho con-vento em uma linda moradia com um imenso jardim de um lado, delimitado por uma fileira de casinhas de tijolo à vista que pareciam tão pequenas que nos lembravam umas casinhas de boneca que víamos nos catálogos de Paris. Localmente eram conhecidas como as “Cabanas Vermelhas”.

O nosso jardim era separado destas moradias de nossos vizinhos por uma alameda de velhos olmos em cuja sombra havia uma fileira de bancos de pedra onde os velhos da vila ficavam sentados e recontavam para nós as histórias dos dias em que o convento prosperava. Algumas destas histórias causavam-nos calafrios, che-gando até a se insinuarem em nossos sonhos à noite.

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Paula a Valdense

Com o passar dos anos, as terras em volta do con-vento haviam caído nas mãos dos aldeões, cada uma das casinhas tendo um pequeno jardim na frente e uma ampla horta nos fundos.

É claro que o nosso jardim, que cobria toda a área defronte às cabanas vermelhas, era bem mais impo-nente; com a sua fonte, pavilhões coloridos e apiários movimentados. Na verdade, para nós este era o lugar mais encantador do mundo.

Eu não me lembro de todos os detalhes do que aconteceu naquele dia especial, mas tenho certeza que não me esquecerei daquele dia enquanto viver.

Nós estávamos tomando o chá da tarde no jardim. Teresa, a nossa velha serva, estava andando pra lá e pra cá na sua cozinha. Parece que ela nunca tinha tempo para comer sentada. Querida Teresa! Para mim ela sempre foi como uma mãe, pois nós havíamos per-dido a nossa querida mãe quando eu ainda era bebê.

Meu irmão e eu havíamos brigado por causa de alguma coisa insignificante pouco antes de papai nos chamar para tomarmos chá. É claro que não podíamos continuar a nossa disputa abertamente na sua frente, mas continuávamos a nossa guerra com chutes por debaixo da mesa.

Louis tinha dez anos de idade e eu estava com nove. Sendo que ele era mais velho, e ainda por cima, um menino, ele pensava que tinha o direito à última pa-lavra. Agora os chutes haviam substituído as palavras, mas como a alguma distância um do outro, os chutes não estavam causando muito estrago na canela um do outro. Mesmo assim, eu estava a fim de terminar a disputa e me abaixei o máximo na minha cadeira e desferi um baita chute. Com isto o seu rosto mudou de cor, e meu pai, incomodado com o barulho do chute, começou finalmente a perceber o que estava aconte-cendo. Não sei até onde teria chegado aquilo se não

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Uma carta inesperadafosse que naquele instante Teresa chegou com uma carta na mão, a qual entregou a meu pai. Enquanto Teresa levava a chaleira embora, papai abriu e leu a carta em silêncio.

Pela expressão do rosto de papai, percebi imedia-tamente que a carta continha notícias importantes. Com certeza Louis também percebeu isto, pois ele se esqueceu de devolver o meu chute.

Papai chamou:— Teresa!A boa senhora respondeu:— Já vou.Entregando a carta à velha senhora, papai disse:— Leia isto e me diga o que pensa.Teresa assentou-se à ponta da mesa entre mim e

Louis. Com o queixo na mão começou a ler a carta. Teresa não tinha muito estudo. Por isso ela leu a carta vagarosa e quase audivelmente.

Sua primeira pergunta foi:— Quem escreveu isto?Papai respondeu:— O pastor da vila.Teresa exclamou:— Um pastor! Ele não escreve muito bem, como

deveria um pastor, e com certeza a mãe dele pagou bem pelos seus estudos.

Papai deu um sorriso meio triste.— Você não compreendeu o que está escrito, Teresa?— Sim, claro; eu compreendi a metade do que está

escrito, e a outra metade eu consigo adivinhar.— Quer que eu lhe ajude?Teresa olhou para Louis com desdém:— Você! De jeito nenhum! Você nunca quer me

ajudar na cozinha, ou em fazer alguma tarefa. Você só está é curioso!

Com isto Teresa calou Louis e continuou a leitura.

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Inclinando a sua grande figura gorda cada vez mais perto da carta, sua fisionomia foi ficando mais séria à medida que alcançava o fim da quarta página onde o escrito era tão apertado que era difícil decifrar o que estava escrito. Quando ela finalmente ergueu a cabeça, os seus olhos estavam rasos de lágrimas. Disse:

— Coitada! Coitadinha!Papai perguntou:— E então o que você pensa?— O que penso? Penso que devemos mandar buscá-

-la imediatamente, para vir morar conosco, porque…— Quem? — interrompeu Papai. — Sim, Quem? Quem?— Conta, papai, por favor — rogou a minha irmã,

Rosa, uma moça séria com seus quinze anos.E enquanto ele não contava, as nossas interroga-

ções só se multiplicavam. Finalmente papai bradou:— Paciência, paciência. Vocês já ficarão sabendo.— Teresa, a senhora está ficando velha e mais uma

moça na casa só vai ser mais trabalho para a senhora e mais problemas para mim. Se ela…

Desde a morte prematura da nossa mãe, papai nunca mais havia dito o nome dela.

— Se ela estivesse aqui, eu não hesitaria, mas trazer mais uma órfã para esta família que já é órfã de mãe, não me parece justo.

— Não se preocupe, senhor; mais um pouquinho de trabalho não é problema para Teresa Rouland. Ela só vai ter que acordar um pouquinho mais cedo e dormir um pouquinho mais tarde.

— Está bem, Teresa, vou pensar no caso…e é um caso no qual devemos pensar bem.

— E por que o senhor diz isso? Para fazer o bem não é preciso ficar muito tempo refletindo.

— Bem, eu lhe digo por que hesito. Eu tenho certeza que têm outros que poderiam substituir melhor os pais

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Uma carta inesperadadesta menina órfã. Eu confesso que não me sinto nem um pouquinho capacitado de fazer isto.

— O senhor quer saber o que eu penso? O senhor diz para si próprio: “Desde quando a minha querida esposa faleceu, a vida é uma luta, e se não fosse os meus filhos eu já teria morrido de tristeza, mas por amor a eles eu sou obrigado a continuar trabalhando e vivendo. Então, com o meu coração partido e triste, quem sou eu para assumir uma responsabilidade além dos meus próprios filhos?”!

— Até que tem muita verdade nisto que a senhora diz, Teresa.

— Sim senhor. Mas isto é ruim. Bem ruim mesmo, se me permitir que o diga! Eu não deveria falar assim, pois não passo de uma pobre serva, mas não se es-queça, fui eu que criei a linda mulher cuja falta todos nós sentimos tão amargamente. Eu a conheci antes de o senhor a conhecer. Eu a amei como se fosse minha própria filha. E quando a coloquei no caixão, foi como se tivessem arrancado um pedaço do meu coração para enterrá-lo junto com ela. Ela era tão jovem para morrer, tão meiga, tão boa, e ainda por cima, tão maravilhosamente bela! Mas eu tive que enxugar as lágrimas o melhor que pude, pois sabia que havia muita coisa para ser feito; e eu jurei que honraria a memória da minha senhora, sempre fazendo o que eu sabia que ela teria aprovado. E agora, senhor, to-memos esta órfã, assim como o senhor bem sabe que a sua amada esposa faria se estivesse viva, pois é a filha da sua amada irmã…

A velha Teresa parou, um pouco envergonhada ao perceber a ousadia do que havia dito.

No entanto, o que mexeu mais conosco do que as palavras da nossa velha ama foi a emoção vibrante que nos tocou profundamente a todos.

Pegando na mão de Teresa, papai disse:

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— A senhora é uma mulher valente com um coração enorme. Eu escreverei uma carta imediatamente, pedindo que enviem esta menina para nós o quanto antes.

Volvendo-se para nós, ele acrescentou:— Sem dúvida vocês já adivinharam de quem é que

estamos falando. É a sua prima, Paula, que acaba de ficar sem o pai. Vocês devem recordar que a mãe dela faleceu, já faz alguns anos, e nós somos os seus parentes mais próximos. Os amigos do seu tio escre-veram esta carta, perguntando se eu consentiria em receber Paula em nosso lar. Dentro de poucos dias ela estará entre nós.

Ao abrirmos as bocas para fazer mil perguntas, papai nos silenciou, dizendo:

— Não, não! Por agora basta! Depois eu lhes conto os detalhes. Além do mais, eu já tenho que ir. Cuidem das suas tarefas e não se preocupem demais com a vinda da sua prima.

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Capítulo 2

Recordações

Naquela tarde eu não conseguia me concentrar nos meus estudos. Na verdade, a única coisa em que

conseguia pensar era minha prima, Paula! Eu não era uma aluna muito dedicada e sempre tirava as piores notas na classe. Em termos de dedicação aos estu-dos, Louis não era nada melhor do que eu, mas com a sua inteligência natural, ele sempre passava sem problemas. Já a Rosa era um modelo de paciência, dedicação e obediência. Eu me orgulhava muito do exemplo dela, com muito amor e admiração por ela, mas sem jamais ter a mínima vontade de imitá-la.

Depois que papai saiu, não se falou de mais nada a não ser a prima. Quando ela viria? Como ela seria? Ela se contentaria no nosso meio? Todas estas indagações ficavam sem respostas, pois conhecíamos muito pouco a respeito dela. Só sabíamos que ela vivia no vale dos valdenses; um lugar cujo povo se alimentava de pão preto e vivia em casas toscas que mais pareciam está-bulos. Eu nem tinha uma ideia clara de onde ficavam as montanhas do Piemonte. Já havia procurado no mapa, mas sem encontrá-los. Imaginava que ficava em algum lugar na região das fronteiras de França, Itália e Suíça.

Um detalhe eu havia conseguido descobrir: Paula era mais ou menos da minha idade. Que felicidade! Eu ficava repetindo este fato até que Louis pediu que calasse. Esta atitude da parte dele eu atribuí ao seu desgosto aparente pelo fato de Paula não ser rapaz, então fiquei repetindo; “Paula é igualzinho a eu!” até que Louis apelou:

— Por amor de qualquer coisa, Lisita, fique calada.

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Capítulo 4

Os tesouros de Paula

É claro que ao acordar na manhã seguinte a única coisa que eu conseguia pensar era “Paula, Paula,

Paula”. Eu vi que ela ainda estava dormindo e eu queria por tudo acordá-la, mas Teresa havia me advertido que deveria deixá-la dormir enquanto quisesse para des-cansar da sua longa viagem da véspera. Então eu abri as cortinas para iluminar o quarto e fiquei esperando.

Eu não fazia ideia de que horas eram. Teresa guar-dava o seu relógio debaixo do seu travesseiro e eu não conseguia dizer as horas pelo sol como Louis e Rosa faziam. Mas eu sabia que ainda era cedo pois as portas e janelas das cabanas vermelhas em frente à nossa casa ainda estavam quase todas fechadas. De vez em quando eu via algum operário passando com a sua marmita debaixo do braço. Dentre estes eu reparei um que nós conhecíamos como o “Bretão”, um alcoólatra violento que me causava terror, mas nesta manhã ele passou com passo firme, como uma pessoa normal.

O céu estava limpo e de um azul profundo, sem uma única nuvem à vista. Havia chovido durante a noite e em todas as árvores e arbustos havia milhares de gotas de água que brilhavam como jóias à luz do sol recém-nascido.

Dezenas de passarinhos cantavam suas canções ma-tinais nas grandes árvores da avenida e as fragrâncias das flores dos jardins dos operários vinham na brisa pela janela aberta. E quantas eram! Rosas, lírios, gerâ-nios, amor-perfeito, miosótis e outros. Da janela do meu quarto não era possível ver o nosso jardim, mas eu sabia que lá também havia uma profusão de flores, devido aos cuidados incansáveis de Teresa. Lá também estava o

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maior deleite da minha vida: o balanço que papai havia instalado numa macieira cinco anos antes. Oh, eu tinha certeza que Paula também a amaria; e como ela seria feliz entre nós! A cada pouco eu olhava para a cama, mas ela ainda dormia. Será que ela nunca acordaria? Assim eu pude examiná-la mais de perto. Que rosto bonito, com um toque de seriedade, enterrado no travesseiro, no qual tinha traços de umidade que traiam o fato que as lágrimas haviam se misturado ao seu sono.

Quando ela finalmente se acordou, já fazia tempo que tínhamos tomado café e papai havia saído para o serviço. Mas ela acordou feliz e sem vestígio algum das lágrimas. Ela comeu o desjejum com gosto, mas não antes de passar novamente por aquele ritual de unir as mãos e repetir aquela oração que os nossos ouvidos desacostumados haviam ouvido na noite anterior.

Teresa revirou os guarda-roupas das minhas irmãs em busca de algumas roupas um pouco mais modernas para vestir a nossa hóspede camponesa. Enquanto isto, Paula tagarelava alegremente, contando-nos muitas coisas sobre a sua vida naquele distante vale valdense em que havia vivido até então. Contou como no in-verno ela e seu pai haviam vivido no próprio estábulo na companhia das vacas, cabras, ovelhas, coelhos e etc. Era o próprio calor corporal dos animais que lhes mantinha aquecidos, assim economizando o custo do combustível que seria necessário se continuassem vi-vendo na sua casa. Relatou como às vezes as pessoas mais carentes do vilarejo vinham, trazendo os seus filhos, para passarem alguns dias com eles no estábulo para também economizarem o combustível. Falou dos tempos alegres que tiveram, brincando no pouco de espaço que havia entre os animais!

Sim, ela estudava também, na escolinha cujo pro-fessor era o próprio pai dela, o qual à tarde reunia os alunos em volta da mesa numa ponta do estábulo. À

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Capítulo 7

Catalina adoece

Teresa não estava enganada. Na semana seguinte Catalina ficou tão doente que papai até perdeu a

esperança da sua recuperação. Não podendo estar com ela durante os dias, ele mantinha uma vigília ao lado da sua cama por boa parte da noite. Se não fosse que a Teresa insistisse com ele para ir dormir pelo menos um pouco, é provável que ele próprio teria acabado sofrendo um colapso. Como me pareciam infindáveis aqueles dias, mesmo com o companheirismo da minha querida prima! Meu pai mal nos percebia, tanto que estava envolvido com a Catalina e o medo que tinha de perdê-la. Teresa também estava tão ocupada que não tinha tempo para nós.

Rosa parou de estudar para poder ajudar nos cui-dados da enferma e Paula também ficava em casa. Só eu que era despachada para as aulas a cada manhã, levando o meu lanche numa cestinha. No fim de cada dia quando voltava para casa tinha medo de chegar e ouvir más notícias de Catalina. Durante aqueles dias fiz muitas promessas e grandiosas resoluções de como trataria melhor e amaria mais a minha irmã se ela viesse a recuperar-se.

Um dia quando cheguei em casa às cinco da tarde fiquei surpresa ao ver papai em casa, já que ele nor-malmente só chegava do trabalho a umas oito horas. Ele estava tão triste e abatido que nem tive coragem de dar-lhe o abraço de costume. Teresa me encontrou na sala de jantar com a sua costumeira advertência:

— Não faça barulho, Lisita. Vá assentar-se quietinha.

Papai perguntou baixinho:

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Paula a Valdense

— Teresa, você acha que Catalina suportaria ver as crianças?

— Por que o senhor pergunta isto?— É porque eu queria que ela visse as meninas

mais uma vez, para se despedirem. Você sabe o que o médico disse.

— Que médico, que nada! Estes médicos não sabem de muita coisa não. Não perca as esperanças, Sr, eu sei que Catalina pode talvez não viver muitos anos, mas se Deus assim quiser ela ainda verá bons dias.

— Sim, mas você sabe o quanto ela está enfraque-cida. Temo que ela não sobreviverá a tantas compli-cações. Mesmo assim, como suportarei tanta aflição? Ela me relembra tanto da mãe dela. A mesma voz, os mesmos olhos azuis, até o sorriso é idêntico. E agora, seguir esta menina até o cemitério e voltar para esta casa onde ela jamais estará. Oh! O que eu faço! O que faço!

— O senhor já pensou em consultar o Médico dos médicos?

— Como assim, “Médico dos médicos”, quem é este?— O grande Médico é o Senhor Jesus. Entregue

Catalina nas mãos dele. Quando ele andava aqui nesta terra, todos os enfermos eram levados a ele para serem curados.

— Mas ele não está mais na terra.— É verdade, mas o seu poder continua tão eficaz

como era naquele tempo.— Teresa, parece que a senhora andou orando?— Sim senhor.— E quando foi que começou?— A partir do momento que Paula chegou, senhor.— Ah! Bem que suspeitava disso.— Por favor, senhor, não vá ralhar com ela. Se o

senhor soubesse o quanto ela lhe ama, e quanto ora pelo senhor e pela Catalina. Ah! Meu senhor, quantas

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Catalina adoecevezes ela me faz corar de vergonha.

— Como assim, minha querida Teresa?— É verdade, senhor. Eu antes pensava algo assim:

“Você, dona Teresa, é uma mulher até boa. Você já sofreu um bocado neste mundo. Você não maltrata ninguém. Com certeza poderá entrar no céu”. Mas quando vi Paula e a veracidade de sua religião, como ela ama mesmo a Deus; então, senhor, compreendi pela primeira vez na vida que era uma pecadora que merecia o inferno. Então orei a Deus, pedindo o perdão.

— E… ele lhe perdoou?— O Salvador promete, senhor, que quem vir a ele,

de maneira nenhuma lançará fora.Aparentemente papai estava incomodado demais

para ficar nervoso. Após alguns momentos de silêncio, perguntou:

— Onde Paula está?— Pedi que fosse à farmácia, senhor, para pegar

alguns remédios que o médico receitou para Catalina.— Quando ela chegar, mande-a para o quarto de

Catalina. Aguardarei lá até que, até que… Coitado do papai, nem conseguia terminar a frase.

Virando-se para mim, disse antes de sair da sala:— Quando Paula chegar, vá com ela para o quarto

da Catalina. Dentro de pouco Paula chegou. Jamais me esque-

cerei da angústia e terror que sentia quando Teresa, recomendando silêncio, nos levou para o lado do leito da minha irmã agonizante. Aparentemente Catalina nem percebeu a nossa chegada. Estava com os olhos fechados e o seu rosto estava tão pálido que me pa-recia que já estivesse morta. Mas papai acenou para chegarmos mais perto e colocando a mão na testa da minha irmã, chamou-a baixinho, numa voz embar-gada que traía a sua angústia.

— Catalina, minha filha, Lisita e Paula estão aqui