paul tillich dogma

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  • 7/27/2019 Paul Tillich Dogma

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    INTRODUOo CONCEITO DE DOGMA

    Toda experincia humana envolve pensamento, simplesmente porque a vidaintelectual e espiritual dos seres humanos manifesta-se pela linguagem. A linguagem pensamento expresso em palavras faladas e ouvidas. ~o h existncia humanasem pensamento. O emocionalismo, tantaa.zezes dominante nas religies, n..Q~mais jmportante do qll~ento. ~ menos, isso sim. E reduz a religio aonvel da experincia subumana da realidade.

    Schleiermacher ressaltava a funo do "sentimento" na religio e Hegel ado "pensamento", fazendo surgir a tenso entre ambos. Hegel dizia que at mesmoos ces possuem sentimentos, mas apenas o homem, pensamento. Essa tensosurgiu de um mal-entendido no intencional do que Schleiermacher queria dizercom "sentimento", coisa que ainda se repete hoje em dia. Mas o mal-entendidoexpressa a verdade que o homem no pode viver sem pensamento. O ser humanotem que pensar mesmo se for o mais piedoso dos cristos sem qualquer educaoteolgica. At na religio damos nomes a objetos especiais; fazemos distinoentre os diversos atos da divindade; relacionamos os smbolos entre si e explicamosos seus significados. Todas as religies se utilizam da linguagem, e onde hlinguagem h tambm termos universais ou conceitos que precisamos usar mesmonos mais primitivos nveis de pensamento. Convm observar que esse conflitoentre Hegel e Schleiermacher j fora antecipado, no sculo terceiro de nossa era,por Clemente de Alexandria quando disse que se os animais tivessem religio, elaseria muda, sem palavras.

    A realidade recede o pensamento, mas tambm verdade que o pensamentomolda a realidade. So in!erdependentes; um no pode ser abstrado pelo ou ro.No podemos nos esquecer iSSO quando tratarmos da trindade e da cristologia.Baseados em muito pensamento, os padres da igreja chegaram a concluses queinfluenciam a vida de todos os cristos, desde os tempos primitivos at hoje.

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    I uni m desenvolvimento de pensamento metodol6 ico segund u Slca ue se utiliza de certos met pa tar com expen nelas.

    \1 1 1 I 1 \ ) P nsa~nto metodolg@ se ex ressa, por meio da fa~ou de escri-. munlcado a outras p~oas, roduz out.r.iD.aSoeo og1&9s. rata-se de um

    1 \ \) 1 1 1 11 \ ti u O m i s primitivo do pensamento, ldealmente, tal procedimento11\ hl~" I I ma teol6gicos. Ora, os sistemas no so feitos para permanecermosI, lU' prendem dentro de determinados sistemas comeam a sentir, ~e-I t i IIHIlI1l tempo, que os sistemas se transformam em priso. Se vocs cr.la-11 \ I I m a teol6gicos, como eu criei a minha teologia sistemtica, er eClso

    \1 1 111 I iema para no se aprisionar nele. No obstante, o ~~ ~cess~-\1 ]I r . iu fi de sua c.on istn ia. Na mmha experirrcia- estudantes que maisI I 1 1 1 11 ntra o carter s is temtico de minha teologia so os que se mostram

    \ I \ \1 1 1 fi lentes quando descobrem que dois enunciados de minha autori~ ~e11 1 1 1'\ 11 7 .m entre si. Sentem-se frustrados quando encontram pontos vulnerveis

    1 1 1 trutura do sistema. E ento, quando consigo supera r essa cont radio, acham1 \ 1 ,t u tentando apris ion-los maldosamente no meu sis tema. Trata-se de curiosa

    I' H ~ . Mas uma reao compreensvel. uando se considera o si stema respostaI IIIt1VI l e final, ele se torna ior do que qualquer priso. Mas se e~ten ermos

    t 1 \\ I como esforo de reunir conceitos eo ogicos em formas consistentes depl', I, sem contradies, ele se torna inevitvel. Mesmo se pensarmos fra~-

    I 11 nturlamente, como certos filsofos e telogos (alguns at mesmo extraordi-1\ I ), ada fragmento conter o sistema implicitamente: ?uando lemos os/ '1 1 1 m mtos de Nietzsche - em minha opinio o melhor fil s of o que escreveuli C tilo - encontramos todo um sistema de vida implcito em cada umd J N se pode, pois, evitar o sistema, a no ser que se escolha dizer asneiras1 11 1 rever de modo contraditr io . Naturalmente, s vezes isso acontece.

    . ema corre o peri o no s de se transformar em pri so, mas tambmde movimentar dentro de si mesmo. Pode se separar da realida e e se trans-1 1 11 1 11 1 1 ' em algo, por assim dizer, acima da realidade que pretende descrever.1 '0 1 '1 nt meu interesse no se limita aos sistemas enquanto sistemas, mas noptlt! 'I' que tm para expressar a realidade da igreja e da sua vida.

    1 \ doutrinas da igreja tm sido chamadas de dogmas. Em outros tempos, I' tlp de curso se chamava "histria do dogma". Agora o conhecemos p~lo

    11(11)1 de "histria do pensamento cristo". Trata-se apenas de mudana de desig-1 \ 1 1< ,) 1 1 Na verdade, ningum ousar ia discorrer sobre a histria com~leta. d_op 1 \ umcnto de todos os telogos que j exi stiram e ainda existem na igreJ~ crista.I I li' limo num ocean de idias contraditrias. O ropsito deste curso_ e outro.V IlI) ) xnrninur o, P 'I) UOl 'lItOS que se tornaram ex resses aceitas da vida da

    ILI' (I "IIIIVIII "d\ ma" queria izer originalmente.

    ( ) ( '\1 1 1 " 10 ti' I) 1 1 1 1 1 lu , 11 1 1 r i' III II'U ')1 11 " L I I I ' 'Ju mund 'tdUl',Mil li J U' ]lIC vivem n se mund secular tm medo dos dogmas da igreja.M o nu a cnas elas. H tambm pessoas, membros de igrejas, que tambm tmm d d . dogmas. Os "dogmas" so como essas capas vermelhas que os tourei rosu arn para provocar os touros na arena; provocam raiva ou agressividade, e, svezes, at mesmo luta. Acho que essa luta se d mais entre gente fora da igrejacom a igreja. Para entender essas coisas precisamos examinar a histria doconceito de dogma, que bastante curiosa.

    ~eiro passo compreender a palavra "dogma". Vem do vocbulogrego doken que significa "pensar, imaginar ou ter uma opinio". Nas escolasfilosficas gregas, anteriores ao cristianismo, dogmata eram as doutrinas especficasque diferenciavam uma escola de outra, os acadmicos (Plato), os peripatticos(Aristteles), os esticos, os cticos e os pitagricos. Cada escola tinha suasprprias idias fundamentais. Se algum desejasse se tornar membro de umadelas, tinha que acei tar, pelo menos, os pressupos tos bs icos que a dist inguiam dasoutras. Assim, nem mesmo as escolas filosficas deixavam de ter suas dogmata.

    ~mQdo semelhante. as doutrinas crists foram efitefiidas como -de gma t a ,distinguindo a escola crist das escolas f ilosficas), Aceitava-se tal situao comonatural; no se parecia com a capa vermelha do to~iro nem produzia sentimentosan~O dogma cristo, no perodo primitivo da histria da igreja, expres-sava as crenas dos cristos quando ingressavam nas congregaes locai s correndomuitos riscos e transformando tremendamente as suas vidas. Assim os dogmasno eram declaraes tericas individuai s; expressavam uma realidade especfica,a realidade da igreja.

    Em segundo lugar, todos os dogmas foram formulados nega tivamente, paracombater interp~0S errneas .aparecidas dentro da prpria igreja, B o caso,por exemplo, do Credo Apostlico. Tomemos o primeiro artigo desse credo,"Creio em Deus Pai Todo Poderoso, Criador do cu e da terra". No se trataapenas de uma declarao voltada para si mesma. Representa, ao mesmo tempo,a rejeio do dualismo, formulada depois de uma luta de vida e morte por maisde cem anos. O mesmo se pode dizer dos demais dogmas. Quanto mais tardiosforem mais claramente mostraro esse carter negativo. Podemos cham-Ios ded tinas rotetoras ais retendiam proteger a substncia da mensa em bblica.At certo ponto essa substncia era fui a, muito embora houvesse uma basefixa que era a con issao e esus como o risto. Alm disso tudo mais era mut-vel. Quando surgiam novas doutrinas que pareciam ameaar a confi sso funda-menta l, a s dout rinas protetoras eram-lhe acrescentadas. Foi assim que o dogmafoi se desenvolvendo. L..u..tg.otambm reconhecia esse fato: os dogmas no resul-taram de interesses tericos, mas da necessidade de se proteger a substncia damensagem crist.

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    Uma vez que essas novas formulaes protetoras estavam sujeita lnt rpr -IlI,: S errneas, sempre havia a necessidade de formulaes tericas mais pr ec isas .Nuo se podia realizar essa tarefa sem a ajuda d ilS"ficos. Foi assimque muitos conceitos filosficos entraram nos dogmas cristos. o que asI . S as se interessassem por eles enquanto conceitos filosf icos. Lutero era mui tof"II11 CO ares eito. Dizia abertamente ue no ostava de termos ~"h moousius", e outros do mesmo ti o embor .. e a necessidade e seuli O, certamente imprprio, porque no tnhamos termos melhores . Novas formu-lacs tericas precisam ser feitas sempre que a substncia da f comece a serum a ada por doutrinas ou teologias inadequadas.

    Deu-se mais um passo na tra.dess, ceito Os do mas comearam acr aceitos como lei cannica da igrea. A egundo cnon.L., opensamento ou do com orlamento. A lei cannica a lei ec lesistica qual todoss que pertencem igreja devem se submeter. Assim, o dogl!li}..J:eCebe..sa~~Na Igreja Romana o dogma faz parte da lei cannica. Sua autoridade emana dodomnio da lei. Foi assim que se desenvolveu a Igreja Romana. A prpria palavra"romana" conota esse desenvolvimento legalista.

    Entretanto.ja.enorme reao contra o dogma nos ltimos quatro sculos noteria havido se talvez no tivesse surgido um novo fato; a aceita o da lei P.CIe..--sistica pela sociedade medieval como lei civil. Com isso, a pessoa que quebraa lei can n ca das ou nnas no s herege, discordando das doutrinas funda-mentais da igreja, mas criminoso contra o Estado. Foi precisamente o que produziua reao radical na poca moderna contra o dogma. Posto que o herege noapenas subverte a igreja, mas tambm o Estado, no lhe basta a excomunho;deve ser entregue s autoridades civis para ser punido como criminoso. foi con.!!.aessa situao que o iluminismo se rebelou. A Reforma, na verdade, no mudarae~ procedmeilt. No hCIUvia, porm, de que desde o iluminismo todo opensamento liberal se caracterizou pela recusa do dogma. Essa atitude teve oapoio do desenvolvimento da cincia. Para que a cincia e a filosofia pudessemcrescer criativamente era preciso que tivessem completa liberdade.

    Na sua famosa Histria do dogma, Adolfo von Harnack j perguntava se odogma no estava no fim em vista da desintegrao sofrida desde o incio doiluminismo. Tinha conscincia da existncia de dogmas ainda no protestant ismoortodoxo, mas acreditava que o ltimo momento da histria do dogma haviachegado nessa desintegrao do dogma provocada pelo il~smo. Desde entono teria havido mais dogma no protestantismo. claro que Harnack tii1i'e'mm nt um c 1 1 to ba :mrre!lmlfado de dogmrr; no sentido das doutrinas trini-Ido 'ri II I 11 tio ireja antiga. Ao contrrio de Harnack, Reinhold Seeberg"f!I'IIllHI '111 o I cnvolvlm nto do dogma no terminou com o iluminismo e que11111ri 11 1'1 '0 /I .

    I Imlo ""11 1 dt i rU II ") 1 "'( ,)1 t lIH 1 11 1111 11 1I1 111 11 S t ' ju l fi de passar por d'( 1 11 1 1 11 (1 I 1 1''' li I 11111 1 11 11 0 tnnto 'ollll i lm 111 Imas de f. As igrejas quer m ub I' l'(" 01 ' 11 111 I U nao C 111SUBS ufl/'ll1t1C;dogmticas fundamentais. Em geral, esse' .xum S t o conduzidos a partir de lIJ11Uviso muito limitada da teologia, sem verdadeira compreenso do desenvolvimentdo pensamento cristo, desde os tempos da ortodoxia protestante. Muitos dessesestudantes se revoltam interiormente contra esses exames da f, muito emborano devessem se esquecer de que esto entrando num grupo particular, diferentede outros grupos. Em primeiro lugar, trata-se de um grupo cristo e no pago;de um grupo protestante ou catlico; dentro do protestantismo o grupo serepiscopal ou batista, ou qualquer outro. Com esse exame a igreja demonstrajustificado interesse em receber os que acei tam os seus fundamentos, uma vez quesero seus representantes. Qualquer clube de futebol exige que seus jogadoraceitem as regras e padres do esporte. Por que deveria a igreja deixar a qu es tcompletamente aberta aos sentimentos arbitrrios dos indivduos? Tal si tua ono seria possvel.

    U~ das tarefas da teologia sistemtica consiste em auxiliar as igrejas aresolver esse problema a fim de que no dependam to unilateralmente dos te -ljos dos sculos dezes~s e dezessete. Quem en"'ft1rp~lgreja eve aceitarcertas idias fun~amentais. No se trata, porm, de exigir dos ministros a aceitaode certo conjunto de dogmas. Como poderiam eles afirmar que no tm dvidassobre tais dogmas? Se no tivessem dvidas dificilmente seriam bons cristosporque a vida intelectual to ambgua como a vida moral. E quem ousari~~c~e1'-&lme~eito? Como, ento, chamar-se de j~ctualmenteperfeito? O : . t l . 1 ! d.e dvida um elemento da rpria f. Compct;-igrejaaceitar os que consideram a .e questo de sua preocupao suprema, a qualquerem servir com toda a sua fora. Mas se a igreja fica querendo saber o quec-...daum acredi~ respeito desta ou daquela doutrina, aca ar R!'2.Y~ando tde onestidade. Se algum afirmar que concorda completamente com determinadadoutrina, por exemplo, a do nascimento virginal, ser desonesto ou deixou depensar. Como ningum pode deixar de pensar, tem necessariamente que duvidar.Eis a o problema. Acredito que a nica soluo possvel no mundo protestanteconsiste em entender esse conjunto de doutrinas como representao de nossapreocupao suprema, a qual queremos servir num determinado grupo, quetambm se fundamenta na mesma preocupao suprema. Mas ningum jamaispoder prometer que no vai duvidar diante de qualquer uma dessas doutrinas.

    O..Jio.gmas-na..de.x.eriam ser abolidos, mas interpretados de tal maneira g .\ . l Cno venham a ser poderes repressivScresfmados a prodUZIr aeS;-nestidade cfuga. Ao contrrio, so expresses profundas e maravilhosas da verdadeira vida

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    da igreja. Nesse sentido, procurarei demonstrar que na discusso desses dogmas,mesmo quando expressos nas frmulas mais abstratas por meio de difceis con-ceitos gregos, estamos tratando de coisas nas quais a igreja acreditava expressaremadequadamente sua vida e devoo na luta de vida ou morte contra o mundopago e judaico, l fora, e contra todas as tendncias desintegradoras aparecidasem seu interior. gnclt lJ afirmando a necessidade de termos o dogma em altaestima' h certa grandiosidade no oogma. as n deveria sercm;'preendidocomo conjunto de doutrinas especficas s quais teramos que subscrever. aIatitude contrariaria o ~spjrits>~dodQg~ e prito do cristianismo.

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