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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 PATRIMÔNIO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL: SISTEMAS LOCAIS URBANO-RIBEIRINHOS EM PARINTINS (AM) Estevan Bartoli Professor da Universidade do estado do Amazonas – UEA/Bolsista pela FAPEAM [email protected] INTRODUÇÃO No início da década de 1990, após período de arrefecimento das ações de coordenação e tentativas de ordenamento regional na Amazônia pelo Estado, ocorre a retomada, com menor intensidade e maior pontualidade de políticas governamentais concomitantes ao aparecimento de novos agentes produtores do espaço regional (BECKER, 2004). Assim, com novas territorialidades sendo produzidas em diferentes escalas, relacionadas tanto a padrões de uso do solo tradicionais, como na expansão da agricultura capitalizada e dos vetores tecno-ecológicos associados a usos alternativos dos territórios, consolida-se a tese defendida por Bertha Becker (2013) relativa à efetividade da floresta urbanizada. Diversas realidades atreladas às produções espaciais sub-regionais e urbanas foram se formando, num mosaico de cidades vinculadas às mais variadas frentes de expansão das atividades capitalistas, resultando no que Trindade Jr. (2010) chamou de urbanodiversidade. Junto a essas frentes de expansão recentes, ocorre a sobreposição a uma rede já existente, embrionária, nas palavras de Corrêa (2006) que re-dinamiza alguns pontos do território enfraquecendo outros. Urge como tendência a ser decifrada e analisada uma urbanização desarticulada (BROWDER & GODFREY - 2006), que necessitaria de uma teoria pluralista, devido à multiplicidade de processos produtores de realidades distintas criando subsistemas urbano-regionais que necessitam de estudos mais detalhados. Nesse contexto, nos guiamos por um pressuposto de mão dupla: de um lado, acreditamos que os avanços da geografia e da abordagem territorial sobre os Sistemas Locais Territoriais e possibilidades da ação coletiva, constituem uma contribuição importante para o estudo do território como elemento ativo no papel do Desenvolvimento 842

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PATRIMÔNIO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTOLOCAL: SISTEMAS LOCAIS URBANO-RIBEIRINHOS

EM PARINTINS (AM)

Estevan Bartoli

Professor da Universidade do estado do Amazonas – UEA/Bolsista pela FAPEAM

[email protected]

INTRODUÇÃO

No início da década de 1990, após período de arrefecimento das ações de

coordenação e tentativas de ordenamento regional na Amazônia pelo Estado, ocorre a

retomada, com menor intensidade e maior pontualidade de políticas governamentais

concomitantes ao aparecimento de novos agentes produtores do espaço regional (BECKER,

2004). Assim, com novas territorialidades sendo produzidas em diferentes escalas,

relacionadas tanto a padrões de uso do solo tradicionais, como na expansão da agricultura

capitalizada e dos vetores tecno-ecológicos associados a usos alternativos dos territórios,

consolida-se a tese defendida por Bertha Becker (2013) relativa à efetividade da floresta

urbanizada.

Diversas realidades atreladas às produções espaciais sub-regionais e urbanas

foram se formando, num mosaico de cidades vinculadas às mais variadas frentes de

expansão das atividades capitalistas, resultando no que Trindade Jr. (2010) chamou de

urbanodiversidade. Junto a essas frentes de expansão recentes, ocorre a sobreposição a

uma rede já existente, embrionária, nas palavras de Corrêa (2006) que re-dinamiza alguns

pontos do território enfraquecendo outros. Urge como tendência a ser decifrada e analisada

uma urbanização desarticulada (BROWDER & GODFREY - 2006), que necessitaria de uma

teoria pluralista, devido à multiplicidade de processos produtores de realidades distintas

criando subsistemas urbano-regionais que necessitam de estudos mais detalhados.

Nesse contexto, nos guiamos por um pressuposto de mão dupla: de um lado,

acreditamos que os avanços da geografia e da abordagem territorial sobre os Sistemas

Locais Territoriais e possibilidades da ação coletiva, constituem uma contribuição

importante para o estudo do território como elemento ativo no papel do Desenvolvimento

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Local; por outro lado, pretendemos repensar modelos de pesquisas que permitem

identificar melhor as variáveis que compõem o Patrimônio Territorial1 e territorialidades

produzidas por redes de sujeitos em cidades ribeirinhas, adotados na investigação em

curso2. A centralidade das cidades amazônicas, como vetor de desenvolvimento, estaria

sendo sub-valorizada em sua multiplicidade de manifestações e dinâmicas ainda pouco

estudadas.

Portanto, considerando os elementos que compõem o sistema territorial local,

entendido como produto do processo de co-evolução e interação de longa duração entre

relações sociais e ambiente (MAGNAGHI - 2010), consolidado pela mediação do trabalho e

da informação (RAFFESTIN - 2005) e interpretado como sistema ativo (DEMATTEIS e

GOVERNA – 2005), estabelecemos a utilidade dessa complementaridade para a análise da

situação-problema aqui apresentada e que podemos resumir, de forma preliminar, da

seguinte forma: durante o processo de urbanização em Parintins e o processo de

desterritorialização de populações oriundas de ambientes ribeirinhos, ocorreram produções

de territorialidades, em diversas manifestações socioespaciais que constituíram novas

relações sociais colaborativas, redes de sujeitos em variações escalares e organizacionais

diversas. Entre os grupos, quais conseguiram criar condições mínimas e articulações

variadas entre espaços urbanos e rurais, passíveis de serem potenciais Sistemas Locais

Territoriais e constituindo parte do Patrimônio Territorial Local? Assim, entendemos que a

capacidade recursiva (forma específica de interpretação do patrimônio por seu uso) foi

sendo alterada durante os processos de desterritorialização, ocorrendo readequações das

relações entre sujeitos e os usos do território local, incutindo novas territorialidades, de

cunho urbano.

Nossa preocupação no presente texto é levantar questões para análise das

1 Para Magnaghi (2010) Patrimônio Territorial é constituído de um sistema vivente de alta complexidade e como tal,deve ser tratado enquanto recurso por produzir riqueza, sintetizados pelo autor em três posicionamentos: 1)dissipação /destruição – liberação do vínculo territorial produzido pela urbanização; 2) conservação do território parageração futuras; 3) valorização, que significa produzir novos atos territorializantes que aumentam o valor dopatrimônio territorial, através da criação adicional de recursos. Para o autor, recursos territoriais são interpretados ealocados como fontes primárias de qualidade específica, local da produção durável de riqueza, concluindo que “arenovada atenção à identidade do lugar adquire um senso estratégico que se move nesse horizonte cultural:considerar o território como um horizonte que atinge a produção de riqueza atribuindo-lhe novos valores comorecurso e continuando, através da produção de novos atos territorializantes, um aumento constante de valor” (Ibid,p.98). Faz ainda uma distinção conceitual entre valor e recurso: Ou seja, entre patrimônio (entendido com valor deexistência) e recurso (entendido como forma específica de interpretação do patrimônio por seu uso).

2 Tese de doutorado em andamento pela Universidade estadual Paulista – campus de Presidente Prudente, soborientação do prof. Dr. Eliseu Savério Sposito.

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manifestações desses variados grupos na cidade (que são caracterizados como Sistemas

Locais), tomando os estudos iniciais realizados na cidade de Parintins (AM), como ilustrativos

na constatação de novas territorialidades.

Como resultado final, apontamos o nível de maturidade da Associação analisada

em relação ao capital social, e suas múltiplas interações com os recursos e espaços

sub-regionais. Pretendemos avançar para apontar níveis de diversidade, entendidos como

variabilidade potencial nas cidades ribeirinhas, aumentando a gama de escolhas possíveis

(DEMATTEIS – 2005), pois entendemos que o desenvolvimento local passa pela capacidade

de reduzir desigualdades sem reduzir a variedade de opções e liberdades (SEN - 2010).

AS CIDADES RIBEIRINHAS “INVISÍVEIS”

Vislumbrar alternativas aos preocupantes cenários de pobreza urbana vigentes

na Amazônia torna-se tarefa urgente, e a geografia como ciência deve propiciar

investigações e debates, levantar questões e ressaltar expressões, processos e movimentos

socioespaciais e socioterritoriais (FERNANDES – 2005; PEDON - 2009) que sejam passíveis de

ser caracterizados como espaços de resistência, territorialidades contra-hegemônicas, e até

mesmo identificar Sistemas Locais Territoriais (SLoT) como encampa Demmatteis (2008),

levando a possibilidade de mapear a densidade de relações existentes constituírem a

identidade regional ou, como aponta Magnaghi (2010), o “sedimento territorial”, que apesar

do baixo nível de interação entre os municípios do baixo Amazonas3, são os mais

significativos elementos possíveis de serem dinamizados por políticas públicas de

desenvolvimento local.

A invisibilidade urbana refere-se às numerosas visões, concepções e estratégias

implantadas com maior intensidade após o período militar, que sempre centralizaram os

recursos naturais e mais recentemente a temática ambiental em detrimento do fenômeno

urbano (STEINBRENNER-2007), pois pretendemos salientar, que nos interstícios da

urbanização Amazônica existem embates e conflitos entre as formas tradicionais das

populações tradicionais4 que, desterritorializadas com o êxodo, refazem e reconstroem

3 O Baixo Amazonas é constituído por sete municípios, são eles: Urucará, São Sebastião do Uatumã, Parintins,Barreirinha, Nhamundá, Boa Vista do Ramos e Maués.

4 “Populações classificadas como ‘tradicionais’, isto é, das que apresentam um modelo de ocupação do espaço e usodos recursos naturais voltados principalmente para a subsistência, com fraca articulação com o mercado, baseadoem uso intensivo de mão-de-obra familiar, tecnologias de baixo impacto derivadas de conhecimentos patrimoniais e,habitualmente, de base sustentável. [...] não têm registro legal de propriedade privada individual da terra, definindoapenas o local de moradia como parcela individual, sendo o restante do território encarado como área de uso

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estratégias recusrsivas nas cidades. Assim, a cultura rústica nos é de grande interesse, se

pretendemos rumar para modelos mais democráticos e criativos, no que infere na

dinamização de territorialidades ativas (GOVERNA, 2008) que propiciem visibilidade e

governança aos grupos e sujeitos não hegemônicos.

O urbano em meio à maior floresta tropical do planeta apresenta

particularidades atinentes à maneira com que as sub-regiões estiveram ligadas aos ciclos de

exploração de recursos naturais, e à paulatina integração e polarização às demais regiões

brasileiras. Nessa constante inserção reflexa na economia mundial com extrema

dependência (BECKER - 2013; BECKER e STENER – 2011; LOUREIRO - 2009), os destinos das

populações sempre estiveram atrelados às flutuações e fases da reprodução do capitalismo

nacional e internacional, desaguando na formação de uma população dispersa e de vínculo

específico ao conjunto de recursos territoriais5.

Como essas populações, ao migrarem para cidades tipicamente ribeirinhas,

re-estabelecem suas estratégias de sobrevivência e reproduzem suas práticas culturais em

espaços que tendem a rumar para uma imposição do predomínio da troca, do racionalismo

das formas e processos urbanos? Como esses sujeitos estabelecem suas relações em

espaços em constante transformação e como essas práticas podem ser viabilizadas e

traduzidas como elementos de resistência e/ou alternativa para construção de outros

cenários de modelos de governança6? Assim, o indivíduo e a multiterritorialidade que abarca

suas relações adquire importância, pois seus símbolos e valores reconfiguram o espaço, um

novo espaço, onde a cultura ganha dimensão antes sufocada para o universo

econômico-politico tradicional (HEIDRICH, 2010).

As territorialidades que pretendemos ressaltar, nos remetem a exercícios

imaginativos que rompam com as amarras dos universos institucionais que nos aprisionam,

como no utopismo dialético proposto por Harvey (2000, p.331), que tem a virtude de

ultrapassar as concepções simplistas das relações entre formas e processos, pois as formas

comunitário, com seu uso regulamentado pelo costume e por normas compartilhadas internamente” (ARRUDA,2000).

5 As populações alijadas dos núcleos dinâmicos da economia nacional, ao longo de toda a história do Brasil, adotaramo modelo da cultura rústica, refugiando-se nos espaços menos povoados, onde a terra e os recursos naturais aindaeram abundantes, possibilitando sua sobrevivência e a reprodução desse modelo sociocultural de ocupação doespaço e exploração dos recursos naturais, com inúmeros variantes locais determinados pela especificidadeambiental e histórica das comunidades que nele persistem (ARRUDA, 2000, p.274).

6 A governança urbana e territorial configura uma forma específica de organização da ação coletiva que funda suaconstrução de participação e coalizões de atores – públicos e privados – orientados para o reconhecimento de umobjetivo específico, definido conjuntamente (GOVERNA e SALONE -2002).

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espaciais pretendidas por planejadores ou governantes acabam sendo subvertidas e até

controladas pelos processos sociais a que pretendiam controlar. Exaltar os critérios da

virtualidade potencial que o espaço urbano possui passa pela identificação das redes de

sujeitos, que como sistemas de interação com os recursos locais, conservam memória e

historicidade em Cidades na Selva7, que nas palavras de Oliveira (2000, p.20), “não se

encontra no espaço que se está construindo, mas nos seus construtores, pois cada

fragmento do que se produz contém uma parte de quem o faz”. Esses artesãos do espaço,

são os produtores de embarcações artesanais, pescadores urbanos, artistas diversos, entre

tantos outros. Nesse ínterim, a busca de Sennet (2012) para o entendimento do “homo

faber”, enfoca como a sociedade moderna está desabilitando as pessoas na condução da

vida cotidiana, ressaltando a maneira com que as pessoas modelam o empenho pessoal, as

relações sociais e o ambiente físico, nos instigando a averiguar o papel das territorialidades,

como “conjunto de relações que os homens tem com a exterioridade e a alteridade, com a

ajuda de mediadores, para satisfazer suas necessidades, na esperança de obter maior

autonomia possível” (RAFFESTIN-2010, p.14).

Das recentes contribuições da Nova Sociologia Econômica (NSE) para o enfoque

territorial, que não aborda somente a racionalidade dos atores sociais, mas também

relações continuadas entre os agentes econômicos que reforçam a confiança e viabilizam a

cooperação (ABRAMOVAY, 2007; ORTEGA, 2008), ou abordagens da corrente

institucionalista, que enfatiza a criação de instituições que estabeleçam regras para a

coordenação de relações, salientamos a contribuição na geografia, aportes teóricos como o

de Harvey (2004), em Espaços de Esperança, que enfatiza os contínuos processos de

desterritorialização e reterritorialização promovidos pela Globalização capitalista, mas, que

permitem ao mesmo tempo, “reiventar” o território, e para isso, como aponta Benko (2002),

é preciso determinar a geograficidade (espaço) e a historicidade (tempo) para se apreendam

a particularidades dessa experiência. Assim, os Sistemas Locais em lugares “deprimidos”, ou

“opacos”, requerem metodologia específica que ressalte, sem cair em fatalismos culturais ou

panacéias localistas, as potencialidades locais que identifiquem a “idéia guia”, em torno da

qual deve ocorrer o pacto territorial, em que constrói uma identidade coletiva na busca do

desenvolvimento.

7 Cidades na Selva, livro originado da Tese de doutorado do prof. José Aldemir de Oliveira (2000), trata da produção dolugar na recente expansão da fronteira, com base analítica através do cotidiano relatado, procurando oentendimento das práticas socioespaciais.

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Qual é a função do território na determinação do processo de cooperação, nos

desenhos das articulações na rede de sujeitos? A perspectiva geográfica, aceitando as

variações das relações escalares entre sujeitos, aborda o “confinamento” espacial de certas

redes de interação, como alguns casos estritamente locais, como as Colônias de pescadores

urbanos e os Tilheiros (produtores de embarcações artesanais), podem conduzir a uma

política da proximidade, que não é suficiente para que vantagens se manifestem, mas

ocorrendo uma combinação de proximidade organizativa e de proximidade institucional

(SALONE - 2005). O problema, é que a maior parte da literatura atinente, se ocupa em

analisar casos de pujança e “sucesso” econômicos relacionados ao crescimento e vinculados

a paradigmas da competitividade capitalista. Portanto, surge a necessidade repensar

cidades ribeirinhas em seus contextos locais, mas que, entendidos como sistemas abertos,

enlacem estratégias transescalares.

SISTEMAS LOCAIS TERRITORIAIS URBANO-RIBEIRINHOS

Nosso objetivo, o de identificar, analisar, compreender e representar os

movimentos socioespaciais relacionados às re-territorializações ocorridas devido ao

processo de urbanização em Parintins através da perspectiva territorial, encampa os alguns

desafios, e entre eles, o de demonstrar formas de organização, de tecnologia, do caráter

cultural e identitário, da ação coletiva, e a especificidade do caminho de desenvolvimento

próprio de cada sistema territorial (DEMATTEIS, 2005), devendo sempre estar atentos à

natureza da ativação de redes locais, e a dificuldade de se pensar a existência de um

território como ator coletivo, principalmente em Parintins, onde os agrupamentos de

sujeitos, como portadores de projetos e intencionalidades específicas em relação aos

destinos que condicionam a reprodução social, territorial e cultural dos mesmos, em suas

múltiplas dimensões (econômica, política, cultural e relações com a natureza), são ainda

frágeis mas possíveis de ser potencializadas e incentivadas.

No modelo SLoT, o sistema local é pensado, por analogia, com o modelo

autopoiético, que é acenado como um sistema funcionalmente aberto e

operativamente fechado. Aquilo que permite realizar em seu interior um

equilíbrio entre conservação e inovação. Pode haver intercâmbio com o externo,

enquanto ator coletivo há uma capacidade autônoma de elaborar os sinais que

chegam do exterior e dar assim resposta coerente com o princípio da própria

organização interna, correspondente a sua própria particularidade identitária.

Como modelo, o SLoT é pensado como um pequeno mundo em cruzamento

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entre fluxos e informações seja horizontais ou verticais, que não o atrevessem

somente, mas que permitam imaginar no seu interior informação cultural

específica e de produzir inovação (DEMATTEIS, 2005-p.104).

O específico material-cultural do local, como carga “genético-evolutiva” das

relações de longa duração, é central como recurso específico, mas, na possível busca de

autonomia, evitar os erros em pesquisas de não considerar suficientemente o

entrecruzamento que se estabelece entre território e práticas sociais dominantes e as

subalternas (SOMMELLA & VIGANOTI, 2005), ou mesmo cair em mitos e simplificações

localistas, como salienta Brandão (2007), que minimizam os conflitos políticos e econômicos

locais, desconsiderando a tensão advinda da estrutura das classes sociais e do ambiente

macro-econômico.

Portanto, é importante evidenciar mudanças na organização territorial e do lugar

da ação política, ou reescalonamento (BRENNER, 2013) onde ocorre a rearticulação,

reorganização e redefinição da escala territorial. Os diversos atores, projetos e estratégias,

redefiniriam a especificidade do local, colocando em cheque a natureza do lugar? As

enormes disparidades de possibilidades (capacidade em que os agentes possuem em se

relacionar com outras escalas de processos), levam a uma coesão “territorializada” de

determinados grupos? Apesar das relações transecalares, qual seria a invariante

estruturante8 regional?

Os primeiros grupos estudados9 evidenciam a ativação do processo de

reterritorialização: a ativação do habitante produtor como protagonista da reconstrução do

valor territorial (MAGNAGHI, 2010) e que compõe o patrimônio territorial que é entendido

[...] valorização e transformação do processo participativo dos atores que se

definem como valor constituinte para a sociedade local, então, o patrimônio

territorial (que há integrado na nossa acepção à relação co-evolutiva e sinérgica

entre patrimônio cultural e natural), não é o catálogo singular de objetos,

monumentos, paisagem e coisas que compõem, mas o corpo de regras

estrutural que tem em vida a identidade do mesmo território e nele garantindo

sua reprodução (MAGNAGHI, 2010, p.153).

Ressalta-se a preocupação em retomar o objeto essencialmente geográfico em

8 Para a definição de invariante estruturante, ver Magnaghi (2010).

9 Os grupos escolhidos para análise, fora a Associação de artesãos de Parintins tratada no presente texto, estamosanalisando a Colônia de Pescadores do bairro São José, e a associação de produtores de barcos artesanais (Tilheiros),e os produtores indígenas de guaraná, da etnia Saterê-Maué.

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nossa abordagem, seja no diálogo com o chamado capital social (BAGNASCO-2007; PISELLI –

2007; FIELD- 2008) ou na busca de sua configuração e peso em cidades com predomínio da

atividade informal, em territorialidades urbano-ribeirinhas de fortes relações com o meio

rural. Em cidades com atividades predominantemente rurais, como as ribeirinhas, relatamos

as continuidades existentes das atividades ditas urbanas e seus sistemas de articulação

recursivas, numa dinâmica de complementaridade com o rural.

TERRITORIALIDADES ATIVAS E O CAPITAL SOCIAL

Para Boyer (2001, apud Muls- 2008) além do Estado e do mercado, as

comunidades, as redes e as associações integram a sociedade civil, se destacando como

níveis intermediários de coordenação de atividades produtivas. Seja pelas limitações do

Estado em dialogar com tais esferas ou pelo papel coercitivo do capital como processo em

acumular, e destruir formas produtivas pretéritas incapazes de competir, o viés

institucionalista insiste na capacidade, dialética nas palavras de Muls (2008- p.10), de

equilibrar forças heterônomas às variadas reações autônomas.

A percepção da reação autônoma é feita quando deslocamos o foco da análise

das funções macroeconômicas em direção às estratégias individuais e coletivas

dos atores. Essas estratégias só passam a ter um sentido como reação

autônoma quando podemos identificar sua convergência e sua coerência em

torno de uma dinâmica de reação. Há, portanto, um jogo dialético permanente

entre as restrições impostas pela heteronomia e as reações autônomas, cujo

espaço de ação é o território (MULS, p.10).

Individuar os possíveis sistemas de produção, como resultados da ação de seus

membros que ativam o capital territorial, é averiguar as relações, que aparecem como

dimensão intangível (DALLABRIDA - 2006). Ao entender que as relações sociais são

geradoras de estruturas de relação que podem se tornar recurso, ou seja, capital social que

facilita a ação (PISELLI, 2001), entende-se que durante as fases e ciclos produtivos

registrados na sub-região, diversas formas organizacionais (desde cooperativas de juta,

associações a sindicatos) tiveram diferentes formas de interação com os recursos

territoriais. O capital social, portanto, que pode ser ativado e desativado, sendo intangível e

não apropriável (BAGNASCO - 2001), pois possui diversas formas de territorialidades e

temporalidades específicas em cada contexto. Assim, diversas formas de territorialidades,

mediadas por técnicas, são construídas socialmente, desfeitas e refeitas. A duração das

interações e a ativação das mesmas é que nos dará indícios de relações (de longa duração?)

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entre movimentos socioespaciais (entendidos como portadores de capital social específico)

e os recursos territoriais locais (capital territorial). Nesse movimento, criar metodologia de

mensuração dos atributos territoriais relacionais e situacionais (capital social interagindo

com o capital territorial), nos levará a detectar quais grupos produtivos possuem inserção

com características de auto-sustentabilidade a serem incentivados e interpretados como

sistemas locais.

O Capital Social se apresenta como um recurso que deriva de estruturas sociais

específicas sob a qual os atores envolvidos utilizam para atingir seus interesses (BAKER,

1999 apud PORTES, 2000), e neste caso envolve disponibilidade, acesso e mobilização de

recursos por meio de relações sociais. Portanto, quanto maior a capacidade de um grupo de

se organizar e trabalhar conjuntamente, unindo esforços em torno de um bem ou recurso,

maiores são as possibilidades de sucesso dos processos de governança e maior é o seu

capital social.

Os atores que interagem e estabelecem coordenação de ações para resolver

determinados conflitos, obtem outras benesses: negociação das várias compensações,

interesses e partilha de informações na construção de conhecimento comum (BODIN &

CRONA,2009). A efetividade do capital social, portanto, implica em processos de governança,

que depende da colaboração de múltiplos atores sociais, em diferentes níveis e escalas de

organização (ARMITAGE, 2008).

Consolidar relações sociais entre os sujeitos que os faça interagir, densificando a

rede e número de laços existentes, acarreta maior potencial para a ação coletiva, pois facilita

a comunicação, confiança e reciprocidade, aumentando as possibilidades de ação conjunta,

melhorando o desenvolvimento de conhecimento através da exposição a novas idéias

devido à maior quantidade de circulação das informações (BODIN & CRONA, 2009).

Considerando a baixa visibilidade dos movimentos socioespaciais

urbano-ribeirinhos analisados (informalidade, fraca projeção e organização

representacional, dificuldades na formulação de projetos etc.) e a importância junto ao

milieu10 em sua diversidade interna, quais seriam os aspectos dos grupos estudados, que no

processo co-evolutivo desenvolvem territorialidades específicas, que denotam práticas

propícias a construção de cenários de desenvolvimento a serem identificados,

10 Para Governa (1997), “o milieu se revela enquanto tal somente fronte ao projeto de uma sociedade local quereinterpreta o patrimônio de longa duração ao próprio fim [...] transformação ativa da paisagem pode conservar acaracterística identitária”. Em complemento, para Dansero (2001) o conceito de milieu é essencial no modelo SLoT,constituindo o trâmite entre a rede de atores locais e o ambiente natural, revelando a sua natureza de mediador.

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potencializados e representados? A territorialidade aparece, portanto, como chave de leitura

a partir da definição clássica de Raffestin (1993):

(...) um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido”

territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os

homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial

por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas (...)

todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que

procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais

(RAFFESTIN, 1993, p. 158-159).

Deve-se considerar, portanto, os indícios de territorialidades ativas, embasadas

na ação coletiva de sujeitos que são mediadores na relação entre os atores e o território

(DEMATTEIS, 2001 apud GOVERNA - 2005) isto é, a ação coletiva que realiza a passagem a da

autonomia do sujeito individual a autonomia coletiva, que faz assim a relação entre atores e

entre atores e território construindo a identidade coletiva dos sujeitos, que permite a

mobilização dos mesmo e a valorização dos recursos específicos do sistema local territorial

(GOVERNA, 2005).

PATRIMÔNIO TERRITORIAL ENTRE O HABITANTE PRODUTOR EIDENTIDADES URBANO-RIBEIRINHAS: O CASO DA ASSOCIAÇÃO DEFIGURINISTAS E ARTESÃOS DE PARINTINS (AM)

Ao identificar os grupos produtivos de Parintins que tenham formação através

de práticas territoriais arraigadas à historicidade e cultura locais, desde Colônias de

pescadores, Cooperativas, Associações, ou produtores artesanais articulados em redes,

organizações, etc., interpretados como redes colaborativas, e posteriormente, analisando o

grau de adesão e articulação às territorialidades produzidas (“atos territorializantes”),

enfatizamos o tempo de existência e objetivos, intencionalidade e projeto/projeção do

grupo frente ao cenário local, historicidade das relações, temporalidades e relações

reticulares e transescalares, onde demonstrar se tal adensamento de projetos e de ação

coletiva são possíveis de ser induzidos como SLoTs (DEMATTEIS e GOVERNA, 2005, p. 31).

Introduzirmos aqui, questionamentos para averiguações sobre as

territorialidades produzidas: estratégias de reprodução do grupo (mediação da produção

territorial pelo trabalho e escalas de atuação), projeto de ação, recursos territoriais

utilizados (grau de sustentabilidade), natureza da existência e saber contextual frente ao

território, coesão social, e principalmente, referências às ações que se embasam em práticas

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culturais advindas de processos co-evolutivos e identitários junto ao território local, onde “a

modalidade de integração e a qualidade de relação recíproca entre este componente de

longa duração exprimem o valor relacional do território” (grifo nosso, MAGNAGHI, 2010, p.

100).

Iniciamos a aplicação de questionários aos membros do grupo visando

estabelecer tipologias em relação ao espaço e à produção de territorialidades, pretendendo

identificar, como propõe Saquet (2011, p.72): as apropriações (i)materiais, econômicas,

políticas e culturais, que podem ser resumidas em dois níveis: 1 - como dominação, controle,

propriedade, posse, parcelamento, delimitação; 2 – como uso, manejo, interferência,

relações intra e extra-grupo e relação ao espaço construído. Para entender a produção e

apropriação do território a partir do espaço, serão diagnosticadas as interações com o

espaço urbano, através da investigação das ações (RIBEIRO, 2000) dos grupos

(comportamento, resistência, estratégias, projetos, etc).

Outro ponto central de nossa investigação é entender as relações do trabalho

como mediação na produção de territórios e territorialidades (RAFFESTIN, 1993) visando

estabelecer o conjunto de técnicas de cada grupo produtor enquanto relacionamento com

os recursos locais, a relação com a natureza urbana entendida como socionatureza, ou

natureza “cyborg”, como propõe Swingedow (2001). O fluxograma da figura 1 esboça síntese

do percurso metodológico almejado.

Figura 1 – Fontes: Dallabrida (2006); Dematteis (2005); Governa (2005); Magnaghi (2010); Raffestin(2010); Swingedow (2001) – organizado pelo autor

Visamos assim, contribuir para avanços de metodologias de mensuração e

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avaliação de atividades urbanas em cidades ribeirinhas capazes de ser potencializadas, no

que tange aos desafios da busca por auto-sustentabilidade e a ganho de consciência do

território local (MAGNAGHI, 2010), relacionados com os condicionantes recentes,

continuidades e descontinuidades causados pelos novos “atos territorializantes” (Ibid) que

tais populações estiveram atreladas em suas diferentes fases e períodos (espacilidades e

temporalidades).

É possível assinalar a existência de pré-condições favoráveis para a formação,

constituição de SLoTs potenciais, não facilmente transformáveis em sinergia

territorial. Nesse caso, a presença daquilo que é um SLoT potencial, a procura

pode preceder de uma série de indícios que derivam da estabilidade no tempo

da característica humana e ambiental em relação entre eles, da substancial

pertinência da delimitação da continuidade de algumas destinações funcionais,

da característica de sujeito territoriais identificados no interior (como

auto-representação e auto-projeção da rede local) e seu exterior. Em tal

prospectiva fundamental aparece o confronto entre quanto o território é já

sedimentado em termos de entidade regional sobre o plano geomorfológico,

histórico, funcional, e a visão mais dinâmica do projeto que individua o seu

território de referimento, na convicção que tal confronto pode contribuir para a

valoração da territorialidade no desenvolvimento local (SOMMELLA E VIGANOTI,

2005 – p. 194).

Criada em fevereiro de 2001 e possuindo hoje 63 artesãos, a Associação de

Figurinistas e Artesãos de Parintins (ASFAPIN), assim como os dois outros grupos

identificados como possíveis Sistemas Locais (Tilheiros e Colônia de pescadores), houve

associação inicial movida por objetivos específicos, de melhorar as condições de produção e

vendas do grupo como possibilidade de sustento das famílias a partir do artesanato. Com

integrantes advindos de diversas localidades, desde indígenas, agricultores familiares recém

migrados, pescadores, antigos cultivadores de juta e malva, e moradores da cidade, a

associação teve como iniciativa buscar apoio para geração de empregos, tendo em vista a

baixa taxa de postos de trabalho oferecidos em Parintins, cuja economia é

predominantemente informal.

Conseguindo alguns avanços, como expor os produtos em feiras nacionais e

estandes de venda permanente no porto da cidade, e obtendo parcerias como órgãos como

SEBRAE, as entrevistas demonstraram o caráter ainda incipiente do grupo no que tange à

capacidade de mobilização na busca de objetivos mais ousados e melhora nas relações com

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outros grupos, ainda pautadas em vendas a atravessadores.

Com o objetivo de atingir valoração do grupo em análise, é necessária a

definição de parâmetros, que requer individuar do grau de ativação do recurso potencial

específico de um território local, como sugere Dematteis (2005 – p.111) nos itens destacados

abaixo. Nesse ínterim, o questionário piloto aplicado nos revelou:

a) Que o grupo conserva a memória histórica e identidade local, seja pelas

técnicas utilizadas, repassadas entre gerações, com considerável sentimento de

pertencimento do grupo relativo à importância da agregação dos sujeitos.

b) Detectamos que é possível combinar o conhecimento contextual com modo

de permitir a evolução de técnicas e modelo de gestão apropriado, tendo em vista os

pequenos, mas significativos avanços técnicos. Chamou a atenção a forte preocupação entre

os artesãos sobre o uso de matérias-primas que tenha origem regional e fontes renováveis,

além da extração certificada de cunho sustentável, como no caso da madeira Molongó, com

extração permitida pelo IBAMA.

c) Possui papel efetivo dos sujeitos participantes ainda insuficiente no que tange

à mensuração potencial de capital social formado, como detalharemos a seguir, tendo em

vista que não há por parte dos membros, ações que ultrapassem a esfera mercantil, assim

como os objetivos do grupo, que são ainda atrelados à potencialidade de comercializar,

demonstraram dependência de atravessadores no período fora do Festival Folclórico de

Paritins11.

d) A distribuição espacial do capital territorial ativado foi um dos critérios mais

profícuos, pelo aproveitamento de matéria prima regional fornecida por uma cadeia de

comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas, denotando a continuidade das relações entre o

espaço urbano e rural, fragmentadas com as seqüenciais crises e ciclos econômicos. Temos

como atributo fundamental na presente reflexão, o fato de repensar a cooperação entre

territórios como cenário possível de desenvolvimento, tendo em vista a baixa integração

entre os espaços sub-regionais desarticulados.

Tomando como referência o quadro de avaliação do nível de maturidade do

capital social a partir de Pretty e Ward (2001), tendo o primeiro critério com relação à visão

de mundo e senso-prático, identificamos que as normas internas e confiança se encontram

11 O Festival Folclórico dos Bois-Bumbá consiste na principal atividade turística do município e veio tomandoproporções e projeção nacional a partir da década de 1990. Ocorrendo no mês de junho, não foi capaz de incitar aatividade turística no restante do ano.

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no estágio12 de relativa-dependência, dependendo ainda de forças externas para a

realização de suas atividades e tomadas de decisão, além de ainda não conseguirem

reconhecer valores e princípios do próprio grupo, fomentando espaços de disputa e

rivalidade.

Sobre as conexões externas e redes que melhoram ou inibem os resultados de

governança sustentados por processos sociais, apesar da ampliação do círculo social dos

membros do grupo, percebemos que as relações ainda são mediadas por agentes externos,

fatores que, neste caso, implicam no baixo nível de governança.

No tema tecnologia e melhoramentos, o grupo também em estágio de

relativa-dependência apesar da preocupação com o melhoramento no uso de materiais

advindos de manejo sustentável, não ocorrem planos coletivos de experimentações e

inovações, nem geração de soluções internas. O mesmo estágio foi identificado para o

último critério, relacionado à expectativa de vida, onde os participantes afirmaram ainda

necessitar das iniciativas das entidades externas para a de problemas, com pouca

capacidade de lidar com as pressões externas.

Assim, de um modo geral, a evolução da maturidade do capital social da

Associação de Figurinistas e Artesãos de Parintins não ultrapassou o primeiro estágio, o que

justifica de certa maneira, as dificuldade e limitações apresentadas na projeção das ações do

grupo.

Pretendemos contribuir para a construção de um cenário estratégico que leve

em consideração evidenciar tensões, formas, movimento, e o comportamento que possam

constituir a base concreta da construção de outras abordagens sobre o espaço urbano em

cidades na Amazônia. Trata-se de verificar os projetos e explicitações de possíveis impulsos

que venham das várias práticas (passíveis de constituir oposição à globalização do “alto”),

interpretando-os em relação à valorização do patrimônio territorial e urbano, este último

entendido como conector privilegiado entre espaços diversos do entorno ribeirinho: o rio, as

várzeas, matas e comunidades.

O saber técnico pode assim ser colocado como ativador na construção de um

cenário de característica exploratória e processual, ligada aos movimentos para a dimensão

da interação com o saber comum e a uma abordagem reflexiva no curso da ação, abrindo

12 A proposta metodológica de Pretty e Ward (2001) se embasa em 5 temas para definição do estágio de maturidade dogrupo: worldviews of members; internal norms and trust; external linkages and networks; technologies andimprovements; group lifespan.

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vasto campo no papel e possibilidade de construção de cenários (campo operativo) com

projetos de território (FANFANI, 2007).

Criar representações cartográficas que evidenciem o grau de adesão do grupo

com o território, aparece como fator importante na mensuração da disputa por projetos de

territórios (ACSELRAD, 2008) em suas relações transescalares, levando em conta que as

representações visam estimular a visibilidade dos grupos existentes no espaço intra-urbano

de Parintins (que podem estar ou não relacionados aos recentes bairros oriundos por

ocupações irregulares nas duas ultimas décadas), ou das comunidades ribeirinhas que

foram incorporadas/afetadas pela expansão urbana e especulação imobiliária, levando em

conta a possibilidade de ler o espaço urbano a partir dos conflitos. Pretende-se desta

maneira, evidenciar a complexidade das relações intra-urbanas por parte dos agentes não

hegemônicos, além de chegar a um quadro síntese sobre as territorialidades dos grupos

sociais enquanto bens relacionais, componentes do capital territorial a serem

potencializados em projetos de desenvolvimento local. Seria o cartógrafo, um agente de

articulação social?

Por desdobrar essa realidade o geógrafo deve fazer em conta com os saberes

das populações locais (não mais lê-los sobretudo com uma base em estatísticas

unificadas), deve em qualquer maneira incorporar os conteúdos da geografia

vernacular nessa geografia científica. Nessa situação a geografia é por grande

parte uma interpretação do saber geográfico popular (QUAINI, 2007)

A respeito do universo de dados e das cartas temáticas setoriais, os elementos

considerados constitutivos do patrimônio (em quantidade, qualidade e relação) serão

tratáveis como potenciais recursos na construção de cenário de projeto (MAGNAGHI,

2010b).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: AFINAL, PARA QUAL PROJETO LOCAL?

Como estratégia recursiva dos sujeitos, construtores de territorialidades

potenciais de constituírem Sistemas Locais Territoriais, e tendo como mediação o trabalho

relacionado às historicidades dos membros da Associação, pudemos constatar que os

fragmentos territoriais urbanos conectados a ambientes de atividade tipicamente rurais,

constituem redes de interações pouco exploradas nas políticas de desenvolvimento

sub-regional, que no momento conta com Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural

no baixo Amazonas (ligados ao PRONAF e Territórios da Cidadania) onde políticas

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institucionais específicas ainda não foram criadas para os grupos e atividades urbanas, que,

no caso analisado, apesar de constituir capital social com baixo grau de maturidade

(relativa-dependência como frisamos), possui enorme capacidade de ativar redes

colaborativas, em possíveis pactos territoriais de complementação, frente à combalida

economia municipal parcialmente dependente do funcionalismo público.

A capacidade de redirecionar, criar mecanismos colaborativos em novos atos

territorializantes, que sejam formas de resistência ao paradigma da competitividade,

constituindo redes como formas de fortalecer outras ligações entre grupos mediadores a

favor dos sistemas Locais, que como territorialidades (trans-escalares, multidimensionais,

relacionais, e regidas por processos), não limitam seu desenvolvimento às relações

endógenas. Adensar tais redes, como portadoras de lógicas cooperativas, requer

mensuração de seus atributos territoriais, compostos por dimensões tangíveis e intangíveis,

que criteriosamente relacionadas às realidades locais são capazes de produzir inovações.

Sem viés nostálgico ou mitificando localismos infundados, mas abordando a

concepção de co-evolução e dinamicidade dos territórios de relações, processos, e de

formas de transformação da (sócio)natureza, de construção de temporalidades e

territorialidades, as potencialidades específicas, (depósitos de saberes contextuais relativos

à historicidade da ocupação do vale amazônico nos diversos sócio-ambientes), devem ser

intensificadas, rumo: à análise da retomada de consciência territorial pelos grupos através

dos atos territorializantes; exame da relevância social, pois gerada pela longa duração das

relações do grupo, que apesar de territorialidades reconstruídas, refazem antigas práticas. A

cidade criativa pode ser outra, que pela análise sub-regional em vista, dependerá da maior

capacidade de articulação, versus a fragmentação e desarticulação até então vigentes.

Salientamos, para o fortalecimento do Projeto Local, a urgência de mapear

territórios que não cooperam, para assim conectá-los em outra lógica, que estabeleça

diálogo entre os fragmentos territoriais, em complementaridades relacionais a outras

escalas.

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PATRIMÔNIO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL: SISTEMAS LOCAIS URBANO-RIBEIRINHOS EM PARINTINS (AM)

EIXO 3 – Desigualdades urbano-regionais: agentes, políticas e perspectivas

RESUMO

Com a consolidação da urbanização amazônica e a “invisibilidade” dos grupos produtivos urbanos

por políticas públicas, através da análise sobre os Sistemas Locais Territoriais e possibilidades da

ação coletiva no papel do Desenvolvimento Local, pretendemos repensar modelos que permitem

identificar melhor as variáveis que compõem os conceitos de Patrimônio Territorial e capital

territorial adotados na pesquisa em Parintins (AM). Visamos contribuir para a mensuração dos

atributos dos grupos como possíveis Sistemas Locais a serem incentivados, questionando sua

capacidade auto-organizativa enquanto interface necessária para ativar, e em certa medida ainda

produzir, recursos específicos (relacionais e transescalares) atrelados ao território local. Alguns

desafios são delineados: demonstrar formas de organização (capital social), de tecnologia, do

caráter cultural e identidade da ação coletiva, e a especificidade do caminho de desenvolvimento

próprio de cada sistema territorial, atrelados à possível busca de autonomia; evidenciar mudanças

na organização territorial; evidenciar a ativação do habitante produtor como protagonista da

reconstrução do valor territorial (MAGNAGHI, 2010). A Associação de artesãos analisada

apresentou estágio de relativa-dependência quanto à maturidade do grupo, e apresentou

articulação potencial no que tange à distribuição espacial do capital territorial ativado, pelo

aproveitamento de matéria prima regional fornecida por uma rede de comunidades ribeirinhas e

aldeias indígenas, denotando a continuidade das relações entre o espaço urbano e rurais.

Palavras-chave: Patrimônio Territorial, Desenvolvimento local, Sistemas Locais Territoriais

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