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PATRIMÔNIO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTOLOCAL: SISTEMAS LOCAIS URBANO-RIBEIRINHOS
EM PARINTINS (AM)
Estevan Bartoli
Professor da Universidade do estado do Amazonas – UEA/Bolsista pela FAPEAM
INTRODUÇÃO
No início da década de 1990, após período de arrefecimento das ações de
coordenação e tentativas de ordenamento regional na Amazônia pelo Estado, ocorre a
retomada, com menor intensidade e maior pontualidade de políticas governamentais
concomitantes ao aparecimento de novos agentes produtores do espaço regional (BECKER,
2004). Assim, com novas territorialidades sendo produzidas em diferentes escalas,
relacionadas tanto a padrões de uso do solo tradicionais, como na expansão da agricultura
capitalizada e dos vetores tecno-ecológicos associados a usos alternativos dos territórios,
consolida-se a tese defendida por Bertha Becker (2013) relativa à efetividade da floresta
urbanizada.
Diversas realidades atreladas às produções espaciais sub-regionais e urbanas
foram se formando, num mosaico de cidades vinculadas às mais variadas frentes de
expansão das atividades capitalistas, resultando no que Trindade Jr. (2010) chamou de
urbanodiversidade. Junto a essas frentes de expansão recentes, ocorre a sobreposição a
uma rede já existente, embrionária, nas palavras de Corrêa (2006) que re-dinamiza alguns
pontos do território enfraquecendo outros. Urge como tendência a ser decifrada e analisada
uma urbanização desarticulada (BROWDER & GODFREY - 2006), que necessitaria de uma
teoria pluralista, devido à multiplicidade de processos produtores de realidades distintas
criando subsistemas urbano-regionais que necessitam de estudos mais detalhados.
Nesse contexto, nos guiamos por um pressuposto de mão dupla: de um lado,
acreditamos que os avanços da geografia e da abordagem territorial sobre os Sistemas
Locais Territoriais e possibilidades da ação coletiva, constituem uma contribuição
importante para o estudo do território como elemento ativo no papel do Desenvolvimento
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Local; por outro lado, pretendemos repensar modelos de pesquisas que permitem
identificar melhor as variáveis que compõem o Patrimônio Territorial1 e territorialidades
produzidas por redes de sujeitos em cidades ribeirinhas, adotados na investigação em
curso2. A centralidade das cidades amazônicas, como vetor de desenvolvimento, estaria
sendo sub-valorizada em sua multiplicidade de manifestações e dinâmicas ainda pouco
estudadas.
Portanto, considerando os elementos que compõem o sistema territorial local,
entendido como produto do processo de co-evolução e interação de longa duração entre
relações sociais e ambiente (MAGNAGHI - 2010), consolidado pela mediação do trabalho e
da informação (RAFFESTIN - 2005) e interpretado como sistema ativo (DEMATTEIS e
GOVERNA – 2005), estabelecemos a utilidade dessa complementaridade para a análise da
situação-problema aqui apresentada e que podemos resumir, de forma preliminar, da
seguinte forma: durante o processo de urbanização em Parintins e o processo de
desterritorialização de populações oriundas de ambientes ribeirinhos, ocorreram produções
de territorialidades, em diversas manifestações socioespaciais que constituíram novas
relações sociais colaborativas, redes de sujeitos em variações escalares e organizacionais
diversas. Entre os grupos, quais conseguiram criar condições mínimas e articulações
variadas entre espaços urbanos e rurais, passíveis de serem potenciais Sistemas Locais
Territoriais e constituindo parte do Patrimônio Territorial Local? Assim, entendemos que a
capacidade recursiva (forma específica de interpretação do patrimônio por seu uso) foi
sendo alterada durante os processos de desterritorialização, ocorrendo readequações das
relações entre sujeitos e os usos do território local, incutindo novas territorialidades, de
cunho urbano.
Nossa preocupação no presente texto é levantar questões para análise das
1 Para Magnaghi (2010) Patrimônio Territorial é constituído de um sistema vivente de alta complexidade e como tal,deve ser tratado enquanto recurso por produzir riqueza, sintetizados pelo autor em três posicionamentos: 1)dissipação /destruição – liberação do vínculo territorial produzido pela urbanização; 2) conservação do território parageração futuras; 3) valorização, que significa produzir novos atos territorializantes que aumentam o valor dopatrimônio territorial, através da criação adicional de recursos. Para o autor, recursos territoriais são interpretados ealocados como fontes primárias de qualidade específica, local da produção durável de riqueza, concluindo que “arenovada atenção à identidade do lugar adquire um senso estratégico que se move nesse horizonte cultural:considerar o território como um horizonte que atinge a produção de riqueza atribuindo-lhe novos valores comorecurso e continuando, através da produção de novos atos territorializantes, um aumento constante de valor” (Ibid,p.98). Faz ainda uma distinção conceitual entre valor e recurso: Ou seja, entre patrimônio (entendido com valor deexistência) e recurso (entendido como forma específica de interpretação do patrimônio por seu uso).
2 Tese de doutorado em andamento pela Universidade estadual Paulista – campus de Presidente Prudente, soborientação do prof. Dr. Eliseu Savério Sposito.
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manifestações desses variados grupos na cidade (que são caracterizados como Sistemas
Locais), tomando os estudos iniciais realizados na cidade de Parintins (AM), como ilustrativos
na constatação de novas territorialidades.
Como resultado final, apontamos o nível de maturidade da Associação analisada
em relação ao capital social, e suas múltiplas interações com os recursos e espaços
sub-regionais. Pretendemos avançar para apontar níveis de diversidade, entendidos como
variabilidade potencial nas cidades ribeirinhas, aumentando a gama de escolhas possíveis
(DEMATTEIS – 2005), pois entendemos que o desenvolvimento local passa pela capacidade
de reduzir desigualdades sem reduzir a variedade de opções e liberdades (SEN - 2010).
AS CIDADES RIBEIRINHAS “INVISÍVEIS”
Vislumbrar alternativas aos preocupantes cenários de pobreza urbana vigentes
na Amazônia torna-se tarefa urgente, e a geografia como ciência deve propiciar
investigações e debates, levantar questões e ressaltar expressões, processos e movimentos
socioespaciais e socioterritoriais (FERNANDES – 2005; PEDON - 2009) que sejam passíveis de
ser caracterizados como espaços de resistência, territorialidades contra-hegemônicas, e até
mesmo identificar Sistemas Locais Territoriais (SLoT) como encampa Demmatteis (2008),
levando a possibilidade de mapear a densidade de relações existentes constituírem a
identidade regional ou, como aponta Magnaghi (2010), o “sedimento territorial”, que apesar
do baixo nível de interação entre os municípios do baixo Amazonas3, são os mais
significativos elementos possíveis de serem dinamizados por políticas públicas de
desenvolvimento local.
A invisibilidade urbana refere-se às numerosas visões, concepções e estratégias
implantadas com maior intensidade após o período militar, que sempre centralizaram os
recursos naturais e mais recentemente a temática ambiental em detrimento do fenômeno
urbano (STEINBRENNER-2007), pois pretendemos salientar, que nos interstícios da
urbanização Amazônica existem embates e conflitos entre as formas tradicionais das
populações tradicionais4 que, desterritorializadas com o êxodo, refazem e reconstroem
3 O Baixo Amazonas é constituído por sete municípios, são eles: Urucará, São Sebastião do Uatumã, Parintins,Barreirinha, Nhamundá, Boa Vista do Ramos e Maués.
4 “Populações classificadas como ‘tradicionais’, isto é, das que apresentam um modelo de ocupação do espaço e usodos recursos naturais voltados principalmente para a subsistência, com fraca articulação com o mercado, baseadoem uso intensivo de mão-de-obra familiar, tecnologias de baixo impacto derivadas de conhecimentos patrimoniais e,habitualmente, de base sustentável. [...] não têm registro legal de propriedade privada individual da terra, definindoapenas o local de moradia como parcela individual, sendo o restante do território encarado como área de uso
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estratégias recusrsivas nas cidades. Assim, a cultura rústica nos é de grande interesse, se
pretendemos rumar para modelos mais democráticos e criativos, no que infere na
dinamização de territorialidades ativas (GOVERNA, 2008) que propiciem visibilidade e
governança aos grupos e sujeitos não hegemônicos.
O urbano em meio à maior floresta tropical do planeta apresenta
particularidades atinentes à maneira com que as sub-regiões estiveram ligadas aos ciclos de
exploração de recursos naturais, e à paulatina integração e polarização às demais regiões
brasileiras. Nessa constante inserção reflexa na economia mundial com extrema
dependência (BECKER - 2013; BECKER e STENER – 2011; LOUREIRO - 2009), os destinos das
populações sempre estiveram atrelados às flutuações e fases da reprodução do capitalismo
nacional e internacional, desaguando na formação de uma população dispersa e de vínculo
específico ao conjunto de recursos territoriais5.
Como essas populações, ao migrarem para cidades tipicamente ribeirinhas,
re-estabelecem suas estratégias de sobrevivência e reproduzem suas práticas culturais em
espaços que tendem a rumar para uma imposição do predomínio da troca, do racionalismo
das formas e processos urbanos? Como esses sujeitos estabelecem suas relações em
espaços em constante transformação e como essas práticas podem ser viabilizadas e
traduzidas como elementos de resistência e/ou alternativa para construção de outros
cenários de modelos de governança6? Assim, o indivíduo e a multiterritorialidade que abarca
suas relações adquire importância, pois seus símbolos e valores reconfiguram o espaço, um
novo espaço, onde a cultura ganha dimensão antes sufocada para o universo
econômico-politico tradicional (HEIDRICH, 2010).
As territorialidades que pretendemos ressaltar, nos remetem a exercícios
imaginativos que rompam com as amarras dos universos institucionais que nos aprisionam,
como no utopismo dialético proposto por Harvey (2000, p.331), que tem a virtude de
ultrapassar as concepções simplistas das relações entre formas e processos, pois as formas
comunitário, com seu uso regulamentado pelo costume e por normas compartilhadas internamente” (ARRUDA,2000).
5 As populações alijadas dos núcleos dinâmicos da economia nacional, ao longo de toda a história do Brasil, adotaramo modelo da cultura rústica, refugiando-se nos espaços menos povoados, onde a terra e os recursos naturais aindaeram abundantes, possibilitando sua sobrevivência e a reprodução desse modelo sociocultural de ocupação doespaço e exploração dos recursos naturais, com inúmeros variantes locais determinados pela especificidadeambiental e histórica das comunidades que nele persistem (ARRUDA, 2000, p.274).
6 A governança urbana e territorial configura uma forma específica de organização da ação coletiva que funda suaconstrução de participação e coalizões de atores – públicos e privados – orientados para o reconhecimento de umobjetivo específico, definido conjuntamente (GOVERNA e SALONE -2002).
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espaciais pretendidas por planejadores ou governantes acabam sendo subvertidas e até
controladas pelos processos sociais a que pretendiam controlar. Exaltar os critérios da
virtualidade potencial que o espaço urbano possui passa pela identificação das redes de
sujeitos, que como sistemas de interação com os recursos locais, conservam memória e
historicidade em Cidades na Selva7, que nas palavras de Oliveira (2000, p.20), “não se
encontra no espaço que se está construindo, mas nos seus construtores, pois cada
fragmento do que se produz contém uma parte de quem o faz”. Esses artesãos do espaço,
são os produtores de embarcações artesanais, pescadores urbanos, artistas diversos, entre
tantos outros. Nesse ínterim, a busca de Sennet (2012) para o entendimento do “homo
faber”, enfoca como a sociedade moderna está desabilitando as pessoas na condução da
vida cotidiana, ressaltando a maneira com que as pessoas modelam o empenho pessoal, as
relações sociais e o ambiente físico, nos instigando a averiguar o papel das territorialidades,
como “conjunto de relações que os homens tem com a exterioridade e a alteridade, com a
ajuda de mediadores, para satisfazer suas necessidades, na esperança de obter maior
autonomia possível” (RAFFESTIN-2010, p.14).
Das recentes contribuições da Nova Sociologia Econômica (NSE) para o enfoque
territorial, que não aborda somente a racionalidade dos atores sociais, mas também
relações continuadas entre os agentes econômicos que reforçam a confiança e viabilizam a
cooperação (ABRAMOVAY, 2007; ORTEGA, 2008), ou abordagens da corrente
institucionalista, que enfatiza a criação de instituições que estabeleçam regras para a
coordenação de relações, salientamos a contribuição na geografia, aportes teóricos como o
de Harvey (2004), em Espaços de Esperança, que enfatiza os contínuos processos de
desterritorialização e reterritorialização promovidos pela Globalização capitalista, mas, que
permitem ao mesmo tempo, “reiventar” o território, e para isso, como aponta Benko (2002),
é preciso determinar a geograficidade (espaço) e a historicidade (tempo) para se apreendam
a particularidades dessa experiência. Assim, os Sistemas Locais em lugares “deprimidos”, ou
“opacos”, requerem metodologia específica que ressalte, sem cair em fatalismos culturais ou
panacéias localistas, as potencialidades locais que identifiquem a “idéia guia”, em torno da
qual deve ocorrer o pacto territorial, em que constrói uma identidade coletiva na busca do
desenvolvimento.
7 Cidades na Selva, livro originado da Tese de doutorado do prof. José Aldemir de Oliveira (2000), trata da produção dolugar na recente expansão da fronteira, com base analítica através do cotidiano relatado, procurando oentendimento das práticas socioespaciais.
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Qual é a função do território na determinação do processo de cooperação, nos
desenhos das articulações na rede de sujeitos? A perspectiva geográfica, aceitando as
variações das relações escalares entre sujeitos, aborda o “confinamento” espacial de certas
redes de interação, como alguns casos estritamente locais, como as Colônias de pescadores
urbanos e os Tilheiros (produtores de embarcações artesanais), podem conduzir a uma
política da proximidade, que não é suficiente para que vantagens se manifestem, mas
ocorrendo uma combinação de proximidade organizativa e de proximidade institucional
(SALONE - 2005). O problema, é que a maior parte da literatura atinente, se ocupa em
analisar casos de pujança e “sucesso” econômicos relacionados ao crescimento e vinculados
a paradigmas da competitividade capitalista. Portanto, surge a necessidade repensar
cidades ribeirinhas em seus contextos locais, mas que, entendidos como sistemas abertos,
enlacem estratégias transescalares.
SISTEMAS LOCAIS TERRITORIAIS URBANO-RIBEIRINHOS
Nosso objetivo, o de identificar, analisar, compreender e representar os
movimentos socioespaciais relacionados às re-territorializações ocorridas devido ao
processo de urbanização em Parintins através da perspectiva territorial, encampa os alguns
desafios, e entre eles, o de demonstrar formas de organização, de tecnologia, do caráter
cultural e identitário, da ação coletiva, e a especificidade do caminho de desenvolvimento
próprio de cada sistema territorial (DEMATTEIS, 2005), devendo sempre estar atentos à
natureza da ativação de redes locais, e a dificuldade de se pensar a existência de um
território como ator coletivo, principalmente em Parintins, onde os agrupamentos de
sujeitos, como portadores de projetos e intencionalidades específicas em relação aos
destinos que condicionam a reprodução social, territorial e cultural dos mesmos, em suas
múltiplas dimensões (econômica, política, cultural e relações com a natureza), são ainda
frágeis mas possíveis de ser potencializadas e incentivadas.
No modelo SLoT, o sistema local é pensado, por analogia, com o modelo
autopoiético, que é acenado como um sistema funcionalmente aberto e
operativamente fechado. Aquilo que permite realizar em seu interior um
equilíbrio entre conservação e inovação. Pode haver intercâmbio com o externo,
enquanto ator coletivo há uma capacidade autônoma de elaborar os sinais que
chegam do exterior e dar assim resposta coerente com o princípio da própria
organização interna, correspondente a sua própria particularidade identitária.
Como modelo, o SLoT é pensado como um pequeno mundo em cruzamento
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entre fluxos e informações seja horizontais ou verticais, que não o atrevessem
somente, mas que permitam imaginar no seu interior informação cultural
específica e de produzir inovação (DEMATTEIS, 2005-p.104).
O específico material-cultural do local, como carga “genético-evolutiva” das
relações de longa duração, é central como recurso específico, mas, na possível busca de
autonomia, evitar os erros em pesquisas de não considerar suficientemente o
entrecruzamento que se estabelece entre território e práticas sociais dominantes e as
subalternas (SOMMELLA & VIGANOTI, 2005), ou mesmo cair em mitos e simplificações
localistas, como salienta Brandão (2007), que minimizam os conflitos políticos e econômicos
locais, desconsiderando a tensão advinda da estrutura das classes sociais e do ambiente
macro-econômico.
Portanto, é importante evidenciar mudanças na organização territorial e do lugar
da ação política, ou reescalonamento (BRENNER, 2013) onde ocorre a rearticulação,
reorganização e redefinição da escala territorial. Os diversos atores, projetos e estratégias,
redefiniriam a especificidade do local, colocando em cheque a natureza do lugar? As
enormes disparidades de possibilidades (capacidade em que os agentes possuem em se
relacionar com outras escalas de processos), levam a uma coesão “territorializada” de
determinados grupos? Apesar das relações transecalares, qual seria a invariante
estruturante8 regional?
Os primeiros grupos estudados9 evidenciam a ativação do processo de
reterritorialização: a ativação do habitante produtor como protagonista da reconstrução do
valor territorial (MAGNAGHI, 2010) e que compõe o patrimônio territorial que é entendido
[...] valorização e transformação do processo participativo dos atores que se
definem como valor constituinte para a sociedade local, então, o patrimônio
territorial (que há integrado na nossa acepção à relação co-evolutiva e sinérgica
entre patrimônio cultural e natural), não é o catálogo singular de objetos,
monumentos, paisagem e coisas que compõem, mas o corpo de regras
estrutural que tem em vida a identidade do mesmo território e nele garantindo
sua reprodução (MAGNAGHI, 2010, p.153).
Ressalta-se a preocupação em retomar o objeto essencialmente geográfico em
8 Para a definição de invariante estruturante, ver Magnaghi (2010).
9 Os grupos escolhidos para análise, fora a Associação de artesãos de Parintins tratada no presente texto, estamosanalisando a Colônia de Pescadores do bairro São José, e a associação de produtores de barcos artesanais (Tilheiros),e os produtores indígenas de guaraná, da etnia Saterê-Maué.
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nossa abordagem, seja no diálogo com o chamado capital social (BAGNASCO-2007; PISELLI –
2007; FIELD- 2008) ou na busca de sua configuração e peso em cidades com predomínio da
atividade informal, em territorialidades urbano-ribeirinhas de fortes relações com o meio
rural. Em cidades com atividades predominantemente rurais, como as ribeirinhas, relatamos
as continuidades existentes das atividades ditas urbanas e seus sistemas de articulação
recursivas, numa dinâmica de complementaridade com o rural.
TERRITORIALIDADES ATIVAS E O CAPITAL SOCIAL
Para Boyer (2001, apud Muls- 2008) além do Estado e do mercado, as
comunidades, as redes e as associações integram a sociedade civil, se destacando como
níveis intermediários de coordenação de atividades produtivas. Seja pelas limitações do
Estado em dialogar com tais esferas ou pelo papel coercitivo do capital como processo em
acumular, e destruir formas produtivas pretéritas incapazes de competir, o viés
institucionalista insiste na capacidade, dialética nas palavras de Muls (2008- p.10), de
equilibrar forças heterônomas às variadas reações autônomas.
A percepção da reação autônoma é feita quando deslocamos o foco da análise
das funções macroeconômicas em direção às estratégias individuais e coletivas
dos atores. Essas estratégias só passam a ter um sentido como reação
autônoma quando podemos identificar sua convergência e sua coerência em
torno de uma dinâmica de reação. Há, portanto, um jogo dialético permanente
entre as restrições impostas pela heteronomia e as reações autônomas, cujo
espaço de ação é o território (MULS, p.10).
Individuar os possíveis sistemas de produção, como resultados da ação de seus
membros que ativam o capital territorial, é averiguar as relações, que aparecem como
dimensão intangível (DALLABRIDA - 2006). Ao entender que as relações sociais são
geradoras de estruturas de relação que podem se tornar recurso, ou seja, capital social que
facilita a ação (PISELLI, 2001), entende-se que durante as fases e ciclos produtivos
registrados na sub-região, diversas formas organizacionais (desde cooperativas de juta,
associações a sindicatos) tiveram diferentes formas de interação com os recursos
territoriais. O capital social, portanto, que pode ser ativado e desativado, sendo intangível e
não apropriável (BAGNASCO - 2001), pois possui diversas formas de territorialidades e
temporalidades específicas em cada contexto. Assim, diversas formas de territorialidades,
mediadas por técnicas, são construídas socialmente, desfeitas e refeitas. A duração das
interações e a ativação das mesmas é que nos dará indícios de relações (de longa duração?)
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entre movimentos socioespaciais (entendidos como portadores de capital social específico)
e os recursos territoriais locais (capital territorial). Nesse movimento, criar metodologia de
mensuração dos atributos territoriais relacionais e situacionais (capital social interagindo
com o capital territorial), nos levará a detectar quais grupos produtivos possuem inserção
com características de auto-sustentabilidade a serem incentivados e interpretados como
sistemas locais.
O Capital Social se apresenta como um recurso que deriva de estruturas sociais
específicas sob a qual os atores envolvidos utilizam para atingir seus interesses (BAKER,
1999 apud PORTES, 2000), e neste caso envolve disponibilidade, acesso e mobilização de
recursos por meio de relações sociais. Portanto, quanto maior a capacidade de um grupo de
se organizar e trabalhar conjuntamente, unindo esforços em torno de um bem ou recurso,
maiores são as possibilidades de sucesso dos processos de governança e maior é o seu
capital social.
Os atores que interagem e estabelecem coordenação de ações para resolver
determinados conflitos, obtem outras benesses: negociação das várias compensações,
interesses e partilha de informações na construção de conhecimento comum (BODIN &
CRONA,2009). A efetividade do capital social, portanto, implica em processos de governança,
que depende da colaboração de múltiplos atores sociais, em diferentes níveis e escalas de
organização (ARMITAGE, 2008).
Consolidar relações sociais entre os sujeitos que os faça interagir, densificando a
rede e número de laços existentes, acarreta maior potencial para a ação coletiva, pois facilita
a comunicação, confiança e reciprocidade, aumentando as possibilidades de ação conjunta,
melhorando o desenvolvimento de conhecimento através da exposição a novas idéias
devido à maior quantidade de circulação das informações (BODIN & CRONA, 2009).
Considerando a baixa visibilidade dos movimentos socioespaciais
urbano-ribeirinhos analisados (informalidade, fraca projeção e organização
representacional, dificuldades na formulação de projetos etc.) e a importância junto ao
milieu10 em sua diversidade interna, quais seriam os aspectos dos grupos estudados, que no
processo co-evolutivo desenvolvem territorialidades específicas, que denotam práticas
propícias a construção de cenários de desenvolvimento a serem identificados,
10 Para Governa (1997), “o milieu se revela enquanto tal somente fronte ao projeto de uma sociedade local quereinterpreta o patrimônio de longa duração ao próprio fim [...] transformação ativa da paisagem pode conservar acaracterística identitária”. Em complemento, para Dansero (2001) o conceito de milieu é essencial no modelo SLoT,constituindo o trâmite entre a rede de atores locais e o ambiente natural, revelando a sua natureza de mediador.
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potencializados e representados? A territorialidade aparece, portanto, como chave de leitura
a partir da definição clássica de Raffestin (1993):
(...) um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido”
territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os
homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial
por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas (...)
todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que
procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais
(RAFFESTIN, 1993, p. 158-159).
Deve-se considerar, portanto, os indícios de territorialidades ativas, embasadas
na ação coletiva de sujeitos que são mediadores na relação entre os atores e o território
(DEMATTEIS, 2001 apud GOVERNA - 2005) isto é, a ação coletiva que realiza a passagem a da
autonomia do sujeito individual a autonomia coletiva, que faz assim a relação entre atores e
entre atores e território construindo a identidade coletiva dos sujeitos, que permite a
mobilização dos mesmo e a valorização dos recursos específicos do sistema local territorial
(GOVERNA, 2005).
PATRIMÔNIO TERRITORIAL ENTRE O HABITANTE PRODUTOR EIDENTIDADES URBANO-RIBEIRINHAS: O CASO DA ASSOCIAÇÃO DEFIGURINISTAS E ARTESÃOS DE PARINTINS (AM)
Ao identificar os grupos produtivos de Parintins que tenham formação através
de práticas territoriais arraigadas à historicidade e cultura locais, desde Colônias de
pescadores, Cooperativas, Associações, ou produtores artesanais articulados em redes,
organizações, etc., interpretados como redes colaborativas, e posteriormente, analisando o
grau de adesão e articulação às territorialidades produzidas (“atos territorializantes”),
enfatizamos o tempo de existência e objetivos, intencionalidade e projeto/projeção do
grupo frente ao cenário local, historicidade das relações, temporalidades e relações
reticulares e transescalares, onde demonstrar se tal adensamento de projetos e de ação
coletiva são possíveis de ser induzidos como SLoTs (DEMATTEIS e GOVERNA, 2005, p. 31).
Introduzirmos aqui, questionamentos para averiguações sobre as
territorialidades produzidas: estratégias de reprodução do grupo (mediação da produção
territorial pelo trabalho e escalas de atuação), projeto de ação, recursos territoriais
utilizados (grau de sustentabilidade), natureza da existência e saber contextual frente ao
território, coesão social, e principalmente, referências às ações que se embasam em práticas
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culturais advindas de processos co-evolutivos e identitários junto ao território local, onde “a
modalidade de integração e a qualidade de relação recíproca entre este componente de
longa duração exprimem o valor relacional do território” (grifo nosso, MAGNAGHI, 2010, p.
100).
Iniciamos a aplicação de questionários aos membros do grupo visando
estabelecer tipologias em relação ao espaço e à produção de territorialidades, pretendendo
identificar, como propõe Saquet (2011, p.72): as apropriações (i)materiais, econômicas,
políticas e culturais, que podem ser resumidas em dois níveis: 1 - como dominação, controle,
propriedade, posse, parcelamento, delimitação; 2 – como uso, manejo, interferência,
relações intra e extra-grupo e relação ao espaço construído. Para entender a produção e
apropriação do território a partir do espaço, serão diagnosticadas as interações com o
espaço urbano, através da investigação das ações (RIBEIRO, 2000) dos grupos
(comportamento, resistência, estratégias, projetos, etc).
Outro ponto central de nossa investigação é entender as relações do trabalho
como mediação na produção de territórios e territorialidades (RAFFESTIN, 1993) visando
estabelecer o conjunto de técnicas de cada grupo produtor enquanto relacionamento com
os recursos locais, a relação com a natureza urbana entendida como socionatureza, ou
natureza “cyborg”, como propõe Swingedow (2001). O fluxograma da figura 1 esboça síntese
do percurso metodológico almejado.
Figura 1 – Fontes: Dallabrida (2006); Dematteis (2005); Governa (2005); Magnaghi (2010); Raffestin(2010); Swingedow (2001) – organizado pelo autor
Visamos assim, contribuir para avanços de metodologias de mensuração e
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avaliação de atividades urbanas em cidades ribeirinhas capazes de ser potencializadas, no
que tange aos desafios da busca por auto-sustentabilidade e a ganho de consciência do
território local (MAGNAGHI, 2010), relacionados com os condicionantes recentes,
continuidades e descontinuidades causados pelos novos “atos territorializantes” (Ibid) que
tais populações estiveram atreladas em suas diferentes fases e períodos (espacilidades e
temporalidades).
É possível assinalar a existência de pré-condições favoráveis para a formação,
constituição de SLoTs potenciais, não facilmente transformáveis em sinergia
territorial. Nesse caso, a presença daquilo que é um SLoT potencial, a procura
pode preceder de uma série de indícios que derivam da estabilidade no tempo
da característica humana e ambiental em relação entre eles, da substancial
pertinência da delimitação da continuidade de algumas destinações funcionais,
da característica de sujeito territoriais identificados no interior (como
auto-representação e auto-projeção da rede local) e seu exterior. Em tal
prospectiva fundamental aparece o confronto entre quanto o território é já
sedimentado em termos de entidade regional sobre o plano geomorfológico,
histórico, funcional, e a visão mais dinâmica do projeto que individua o seu
território de referimento, na convicção que tal confronto pode contribuir para a
valoração da territorialidade no desenvolvimento local (SOMMELLA E VIGANOTI,
2005 – p. 194).
Criada em fevereiro de 2001 e possuindo hoje 63 artesãos, a Associação de
Figurinistas e Artesãos de Parintins (ASFAPIN), assim como os dois outros grupos
identificados como possíveis Sistemas Locais (Tilheiros e Colônia de pescadores), houve
associação inicial movida por objetivos específicos, de melhorar as condições de produção e
vendas do grupo como possibilidade de sustento das famílias a partir do artesanato. Com
integrantes advindos de diversas localidades, desde indígenas, agricultores familiares recém
migrados, pescadores, antigos cultivadores de juta e malva, e moradores da cidade, a
associação teve como iniciativa buscar apoio para geração de empregos, tendo em vista a
baixa taxa de postos de trabalho oferecidos em Parintins, cuja economia é
predominantemente informal.
Conseguindo alguns avanços, como expor os produtos em feiras nacionais e
estandes de venda permanente no porto da cidade, e obtendo parcerias como órgãos como
SEBRAE, as entrevistas demonstraram o caráter ainda incipiente do grupo no que tange à
capacidade de mobilização na busca de objetivos mais ousados e melhora nas relações com
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outros grupos, ainda pautadas em vendas a atravessadores.
Com o objetivo de atingir valoração do grupo em análise, é necessária a
definição de parâmetros, que requer individuar do grau de ativação do recurso potencial
específico de um território local, como sugere Dematteis (2005 – p.111) nos itens destacados
abaixo. Nesse ínterim, o questionário piloto aplicado nos revelou:
a) Que o grupo conserva a memória histórica e identidade local, seja pelas
técnicas utilizadas, repassadas entre gerações, com considerável sentimento de
pertencimento do grupo relativo à importância da agregação dos sujeitos.
b) Detectamos que é possível combinar o conhecimento contextual com modo
de permitir a evolução de técnicas e modelo de gestão apropriado, tendo em vista os
pequenos, mas significativos avanços técnicos. Chamou a atenção a forte preocupação entre
os artesãos sobre o uso de matérias-primas que tenha origem regional e fontes renováveis,
além da extração certificada de cunho sustentável, como no caso da madeira Molongó, com
extração permitida pelo IBAMA.
c) Possui papel efetivo dos sujeitos participantes ainda insuficiente no que tange
à mensuração potencial de capital social formado, como detalharemos a seguir, tendo em
vista que não há por parte dos membros, ações que ultrapassem a esfera mercantil, assim
como os objetivos do grupo, que são ainda atrelados à potencialidade de comercializar,
demonstraram dependência de atravessadores no período fora do Festival Folclórico de
Paritins11.
d) A distribuição espacial do capital territorial ativado foi um dos critérios mais
profícuos, pelo aproveitamento de matéria prima regional fornecida por uma cadeia de
comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas, denotando a continuidade das relações entre o
espaço urbano e rural, fragmentadas com as seqüenciais crises e ciclos econômicos. Temos
como atributo fundamental na presente reflexão, o fato de repensar a cooperação entre
territórios como cenário possível de desenvolvimento, tendo em vista a baixa integração
entre os espaços sub-regionais desarticulados.
Tomando como referência o quadro de avaliação do nível de maturidade do
capital social a partir de Pretty e Ward (2001), tendo o primeiro critério com relação à visão
de mundo e senso-prático, identificamos que as normas internas e confiança se encontram
11 O Festival Folclórico dos Bois-Bumbá consiste na principal atividade turística do município e veio tomandoproporções e projeção nacional a partir da década de 1990. Ocorrendo no mês de junho, não foi capaz de incitar aatividade turística no restante do ano.
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no estágio12 de relativa-dependência, dependendo ainda de forças externas para a
realização de suas atividades e tomadas de decisão, além de ainda não conseguirem
reconhecer valores e princípios do próprio grupo, fomentando espaços de disputa e
rivalidade.
Sobre as conexões externas e redes que melhoram ou inibem os resultados de
governança sustentados por processos sociais, apesar da ampliação do círculo social dos
membros do grupo, percebemos que as relações ainda são mediadas por agentes externos,
fatores que, neste caso, implicam no baixo nível de governança.
No tema tecnologia e melhoramentos, o grupo também em estágio de
relativa-dependência apesar da preocupação com o melhoramento no uso de materiais
advindos de manejo sustentável, não ocorrem planos coletivos de experimentações e
inovações, nem geração de soluções internas. O mesmo estágio foi identificado para o
último critério, relacionado à expectativa de vida, onde os participantes afirmaram ainda
necessitar das iniciativas das entidades externas para a de problemas, com pouca
capacidade de lidar com as pressões externas.
Assim, de um modo geral, a evolução da maturidade do capital social da
Associação de Figurinistas e Artesãos de Parintins não ultrapassou o primeiro estágio, o que
justifica de certa maneira, as dificuldade e limitações apresentadas na projeção das ações do
grupo.
Pretendemos contribuir para a construção de um cenário estratégico que leve
em consideração evidenciar tensões, formas, movimento, e o comportamento que possam
constituir a base concreta da construção de outras abordagens sobre o espaço urbano em
cidades na Amazônia. Trata-se de verificar os projetos e explicitações de possíveis impulsos
que venham das várias práticas (passíveis de constituir oposição à globalização do “alto”),
interpretando-os em relação à valorização do patrimônio territorial e urbano, este último
entendido como conector privilegiado entre espaços diversos do entorno ribeirinho: o rio, as
várzeas, matas e comunidades.
O saber técnico pode assim ser colocado como ativador na construção de um
cenário de característica exploratória e processual, ligada aos movimentos para a dimensão
da interação com o saber comum e a uma abordagem reflexiva no curso da ação, abrindo
12 A proposta metodológica de Pretty e Ward (2001) se embasa em 5 temas para definição do estágio de maturidade dogrupo: worldviews of members; internal norms and trust; external linkages and networks; technologies andimprovements; group lifespan.
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vasto campo no papel e possibilidade de construção de cenários (campo operativo) com
projetos de território (FANFANI, 2007).
Criar representações cartográficas que evidenciem o grau de adesão do grupo
com o território, aparece como fator importante na mensuração da disputa por projetos de
territórios (ACSELRAD, 2008) em suas relações transescalares, levando em conta que as
representações visam estimular a visibilidade dos grupos existentes no espaço intra-urbano
de Parintins (que podem estar ou não relacionados aos recentes bairros oriundos por
ocupações irregulares nas duas ultimas décadas), ou das comunidades ribeirinhas que
foram incorporadas/afetadas pela expansão urbana e especulação imobiliária, levando em
conta a possibilidade de ler o espaço urbano a partir dos conflitos. Pretende-se desta
maneira, evidenciar a complexidade das relações intra-urbanas por parte dos agentes não
hegemônicos, além de chegar a um quadro síntese sobre as territorialidades dos grupos
sociais enquanto bens relacionais, componentes do capital territorial a serem
potencializados em projetos de desenvolvimento local. Seria o cartógrafo, um agente de
articulação social?
Por desdobrar essa realidade o geógrafo deve fazer em conta com os saberes
das populações locais (não mais lê-los sobretudo com uma base em estatísticas
unificadas), deve em qualquer maneira incorporar os conteúdos da geografia
vernacular nessa geografia científica. Nessa situação a geografia é por grande
parte uma interpretação do saber geográfico popular (QUAINI, 2007)
A respeito do universo de dados e das cartas temáticas setoriais, os elementos
considerados constitutivos do patrimônio (em quantidade, qualidade e relação) serão
tratáveis como potenciais recursos na construção de cenário de projeto (MAGNAGHI,
2010b).
CONSIDERAÇÕES FINAIS: AFINAL, PARA QUAL PROJETO LOCAL?
Como estratégia recursiva dos sujeitos, construtores de territorialidades
potenciais de constituírem Sistemas Locais Territoriais, e tendo como mediação o trabalho
relacionado às historicidades dos membros da Associação, pudemos constatar que os
fragmentos territoriais urbanos conectados a ambientes de atividade tipicamente rurais,
constituem redes de interações pouco exploradas nas políticas de desenvolvimento
sub-regional, que no momento conta com Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural
no baixo Amazonas (ligados ao PRONAF e Territórios da Cidadania) onde políticas
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institucionais específicas ainda não foram criadas para os grupos e atividades urbanas, que,
no caso analisado, apesar de constituir capital social com baixo grau de maturidade
(relativa-dependência como frisamos), possui enorme capacidade de ativar redes
colaborativas, em possíveis pactos territoriais de complementação, frente à combalida
economia municipal parcialmente dependente do funcionalismo público.
A capacidade de redirecionar, criar mecanismos colaborativos em novos atos
territorializantes, que sejam formas de resistência ao paradigma da competitividade,
constituindo redes como formas de fortalecer outras ligações entre grupos mediadores a
favor dos sistemas Locais, que como territorialidades (trans-escalares, multidimensionais,
relacionais, e regidas por processos), não limitam seu desenvolvimento às relações
endógenas. Adensar tais redes, como portadoras de lógicas cooperativas, requer
mensuração de seus atributos territoriais, compostos por dimensões tangíveis e intangíveis,
que criteriosamente relacionadas às realidades locais são capazes de produzir inovações.
Sem viés nostálgico ou mitificando localismos infundados, mas abordando a
concepção de co-evolução e dinamicidade dos territórios de relações, processos, e de
formas de transformação da (sócio)natureza, de construção de temporalidades e
territorialidades, as potencialidades específicas, (depósitos de saberes contextuais relativos
à historicidade da ocupação do vale amazônico nos diversos sócio-ambientes), devem ser
intensificadas, rumo: à análise da retomada de consciência territorial pelos grupos através
dos atos territorializantes; exame da relevância social, pois gerada pela longa duração das
relações do grupo, que apesar de territorialidades reconstruídas, refazem antigas práticas. A
cidade criativa pode ser outra, que pela análise sub-regional em vista, dependerá da maior
capacidade de articulação, versus a fragmentação e desarticulação até então vigentes.
Salientamos, para o fortalecimento do Projeto Local, a urgência de mapear
territórios que não cooperam, para assim conectá-los em outra lógica, que estabeleça
diálogo entre os fragmentos territoriais, em complementaridades relacionais a outras
escalas.
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PATRIMÔNIO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL: SISTEMAS LOCAIS URBANO-RIBEIRINHOS EM PARINTINS (AM)
EIXO 3 – Desigualdades urbano-regionais: agentes, políticas e perspectivas
RESUMO
Com a consolidação da urbanização amazônica e a “invisibilidade” dos grupos produtivos urbanos
por políticas públicas, através da análise sobre os Sistemas Locais Territoriais e possibilidades da
ação coletiva no papel do Desenvolvimento Local, pretendemos repensar modelos que permitem
identificar melhor as variáveis que compõem os conceitos de Patrimônio Territorial e capital
territorial adotados na pesquisa em Parintins (AM). Visamos contribuir para a mensuração dos
atributos dos grupos como possíveis Sistemas Locais a serem incentivados, questionando sua
capacidade auto-organizativa enquanto interface necessária para ativar, e em certa medida ainda
produzir, recursos específicos (relacionais e transescalares) atrelados ao território local. Alguns
desafios são delineados: demonstrar formas de organização (capital social), de tecnologia, do
caráter cultural e identidade da ação coletiva, e a especificidade do caminho de desenvolvimento
próprio de cada sistema territorial, atrelados à possível busca de autonomia; evidenciar mudanças
na organização territorial; evidenciar a ativação do habitante produtor como protagonista da
reconstrução do valor territorial (MAGNAGHI, 2010). A Associação de artesãos analisada
apresentou estágio de relativa-dependência quanto à maturidade do grupo, e apresentou
articulação potencial no que tange à distribuição espacial do capital territorial ativado, pelo
aproveitamento de matéria prima regional fornecida por uma rede de comunidades ribeirinhas e
aldeias indígenas, denotando a continuidade das relações entre o espaço urbano e rurais.
Palavras-chave: Patrimônio Territorial, Desenvolvimento local, Sistemas Locais Territoriais
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