pasta preta

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Dr rubens kara josé livro

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CAPÍTULO I

Meu nome é João Estano, moro na capital de um país latino, sou advogado e cuido de problemas familiares.

Alguns acham que deveria ser psiquiatra, tal meu interesse pelos problemas emocionais das pessoas. Minha cabeça é muito poderosa na imaginação e muitas vezes entro num problema e vou criando histórias partindo dele, que parecem reais. Sinto-me como se estivesse sintonizado a uma estação de TV, assistindo a um filme. Foi o que ocorreu com o fato que passo a relatar:

Num determinado dia, no final do expediente do escritório, estava colocando papéis na minha pasta preta de couro, quando tive estranha sensação de presença na sala. Eu tinha certeza de estar só, pois a secretária tinha se retirado há mais de meia hora. Acho que tenho sangue de pesquisador, pois sentei e tentei entender a origem daquela sensação. De repente, tive a impressão de ver um vulto na minha frente e veio à minha memória uma colega que tinha trabalhado na sala onde eu estava. Seu corpo grande, com aquele vestido longo era inconfundível e interroguei se seria o espírito dela ou simplesmente a impregnação de sua memória no couro da pasta que ela havia comprado para mim. Aos poucos, a imagem desapareceu.

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PASTA PRETA

Revisão de Mª Célia e Márcia

07/08/2005

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Aquilo me deixou impressionado; seria um aviso ou uma visita ou uma simples alucinação devido ao meu cansaço. Pelo sim pelo não, resolvi vender a pasta preta que minha amiga havia comprado, acreditando numa provável ligação entre elas, pois já tinha ouvido muitas histórias parecidas, como aquela de uma moça que comprou um espelho num antiquário e desde então passou a ter um forte desejo de pintar, chegando a entrar numa escola de artes. Depois, passou a sentir uma presença na sala em que estava o espelho e certo dia, viu um jovem ao lado dele. Voltou ao antiquário para saber quem tinha sido o último dono daquela peça e soube que fora um jovem e famoso pintor. A partir dessa constatação, adquiriu coragem e liberou sua intuição pintando lindas telas com o mesmo estilo do antigo dono do espelho.

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CAPÍTULO II

O Brechó

Continuando minha história, fui a uma casa que comprava e vendia objetos usados e ofereci minha pasta preta de couro, conseguindo um bom preço por ela.

Enquanto esperava o pagamento, fui fortemente atraído por outra pasta de estilo mais antigo, com fartas divisórias e finíssimo acabamento, que lhe conferiam uma aparência mais nova e cara que a minha. Perguntei o preço e, por coincidência, era exatamente o valor do cheque que havia recebido do lojista pela venda da minha pasta. Num gesto quase automático e de difícil explicação, devolvi o cheque e saí com a nova pasta, com uma sensação de alegria e confusão. Era como se estivesse volta à vida, vendo novamente o mundo. Em alguns momentos percebia alterações no andar e até tinha a impressão de ser mais alto. Isto, sem contar com os estranhos pensamentos que me surgiam à cabeça.

Os dias passaram. Minhas atividades normais ocuparam toda minha atenção e minha nova maleta se incorporou à minha rotina até que, em certa manhã, durante minha meditação, comecei a pensar jogar em ações, comprar dólares e me ver dentro de uma bela Mercedes ou num jatinho, que pareciam ser meus. Deixei-me usufruir, deliciosamente, daquelas “fantasias”.

De volta ao trabalho, passei o dia tentando evitar a separação de um casal, cujo maior problema era o ciúme doentio da orgulhosa, bonita e bem vestida esposa que, com grande loquacidade, exigia toda atenção do marido, a quem acusava de não amá-la.

No final do dia, com sensação do dever cumprido, pois os dois saíram aparentemente reconciliados, encerrei meu expediente com uma caminhada na praia.

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CAPÍTULO III

O Bar

Depois de muito caminhar, me sentei à mesa de um bar à beira da praia. Estava tomando, calmamente, meu chope quando senti uma presença ao meu lado. Tive a nítida visão de um senhor usando uma gravata de seda brilhante e de cabelos bem penteados, sentando-se na cadeira em frente a minha e uma voz soou, como que saindo da minha cabeça, dizendo: “eu sou o Sr. Frank”.

Ao seu lado, pude ver a minha nova pasta marrom de couro e conclui que aquele senhor deveria ser seu antigo dono. Estas visões não me assustavam, pois eu as tinha desde de criança por isto apanhei muito de minha mãe e fui levado a médicos, ate a um psiquiatra, um padre dizia que eu deveria ser exorcizado, mas nada alterou em minha vida, assim me familiarizei com o fato, simplesmente parei de contar e tudo voltou ao “normal”.

Assumindo a coragem do meu lado de pesquisador, perguntei-lhe quem era. Contou que, além de possuir grande riqueza, era executivo de uma multinacional e representava a empresa em minha cidade quando sofreu um acidente de carro. Quanto à pasta, era a que usava na época. Disse-me ainda que continuava ligado aos fatos terrenos por ter deixado muitas coisas incompletas e da resolução delas, dependia a sua total libertação. A obra mais importante e que ainda estava por realizar, seria a única coisa que teria valor no lado em que se encontrava. Tratava-se do projeto de uma fundação para o qual doaria parte de sua fortuna. Tudo estava escrito num testamento que ainda não fora aberto.

O interessante foi que o Sr. Frank inspirou-me tal segurança que passei a acreditar nele. Logo me veio a pergunta que vocês estão esperando: “e eu, onde entro nesta história?”.

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“Eu”, disse o Sr. Frank, “preciso de alguém que complete minha obra e você tem todas as condições para isso, porque acredita no que vê e ouve”.

“Primeiro, é necessário que você conheça meus antigos amigos que sabem da maioria dos meus planos e que podem dar-lhe toda a ajuda necessária para sua realização. Sempre acreditei na vida após a morte e por ter consciência do risco que corria, por excesso de atividades e viagens, preveni-me para poder completar meus planos, mesmo após a ausência da matéria. Para tanto, avisei amigos e assessores mais próximos que voltaria, mesmo depois de morto, para completar o que não completara em vida. Pedi a eles que não mexessem, no meu escritório e o deixasse fechado até que recebessem um sinal meu.Uma vez alguém de minha família tentou mexer, mas eu o impedi, dando-lhe tamanho susto, que até hoje deve ser a razão de seus pesadelos. No escritório está guardado o meu testamento. Lá há um cofre que nunca foi aberto, porém deixei o segredo bem guardado para ser encontrado por quem for completar minha obra. Dentro dele deixei muitas ações e boa quantia de dólares. Outros documentos importantes”. estão em um armário secreto que só eu sei “.

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CAPÍTULO IV

O Papel com Endereço

Estava entretido ouvindo o Sr. Frank, quando chegou um amigo e em seguida uma amiga, que desviaram minha atenção fazendo-me esquecê-lo por dois dias até que, ao pegar a pasta, encontrei em uma das suas divisões um papel com o nome e endereço de uma multinacional. Nele, constava nome e telefone de um executivo, Sr Lincoln e, ao lado dele, entre parênteses, estava escrito “Bill” e deduzi ser um apelido familiar, portanto pouca gente deveria conhecer.

O papel estava com muitas informações como se o Sr. Frank, prevendo o futuro, o tivesse colocado ali para ser lido pelo novo dono da pasta. Já que eu tinha resolvido entrar na empreitada, fui em frente e disquei para o telefone do Sr. Lincoln sem saber o que iria dizer.

Atendeu-me a melodiosa voz da secretária bem paga, a quem falei o nome do executivo. Ela perguntou quem queria falar e, devo ter pronunciado algo que não me lembro, pois muito solícita, pediu-me que ficasse tranqüilo que passaria a ligação imediatamente. Atendeu-me uma segunda secretária que, com muita delicadeza, informou que o executivo estava reunido com uma delegação da matriz, tratando de um assunto muito importante e que ligaria assim que terminasse. Pediu muitas desculpas como se eu fosse alguém muito importante.

Perplexo, desliguei o telefone e passei a atender outro casal problemático que queria se separar. O conflito tinha como causa aparente a dívida que tinham se envolvido com a compra de um apartamento. A esposa queixava-se que o marido não lhe dava mais atenção e há trinta dias não tinham nem relação sexual.

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Conversando com o marido, pude sentir a grande depressão em que se encontrava.Angustiado com a idéia de não conseguir quitar a dívida, tinha profundo medo da morte provocado por uma dor pré-cordial com hipertensão arterial moderada, que o acometeu há uma semana atrás. Suspeitando de angina, o médico aconselhou-o a fazer cateterismo e ele estava na dúvida se faria ou não, pois ouviu falar que poderia morrer durante o exame.

Além disso, estava magoado pela incompreensão da esposa, que se recusava a diminuir os gastos pessoais. Disse-me também, que tinha medo de perder o emprego, pois a situação da empresa em que trabalhava não era muito boa. Quando ficava só, suas crises de pânico se agravavam pelo medo de não ter quem o socorresse. Sempre perfeccionista, passou a sofrer constantes desarranjos intestinais devido à ansiedade. Conversamos muito e quando saiu do escritório, parecia mais calmo.

Eram 20horas quando me ligaram lembrando de uma reunião na associação filantrópica da qual sou secretário geral. Rapidamente, coloquei o livro de atas na nova pasta e saí. O atropelo era tanto que, mesmo usando a pasta marrom, não me lembrava do Sr. Frank e muito menos do Sr. Lincoln.

No dia seguinte fui surpreendido com o aviso de minha secretária de que o Sr. Lincoln me aguardava na ante-sala. Realmente foi um susto...o que faria aquele executivo vir ao escritório de um advogado que ele nem conhecia e que apenas tinha tentado lhe falar ao telefone? O que eu teria falado à telefonista naquele telefonema que a fez tão solícita e prestativa ao atender-me?

Curioso, pedi que entrasse. Pela aparência, demonstrava ser um funcionário do alto escalão e com um bom salário.

Seu olhar transmitia ansiedade e diria até, um certo medo. Tudo parecia incompatível com o porte atlético daquele homem de 1,80m, cabelos ligeiramente grisalhos e vestindo um terno que, seguramente, estava acima da minha capacidade econômica no momento.

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Cordialmente, convidei-o a sentar-se enquanto pedia à secretária que nos servisse água e café. Comecei fazendo comentários vagos tentando entender o que o trouxera até a mim. Mas sua angústia não permitiu o aquecimento da conversa e logo me perguntou como eu sabia que ele tinha o apelido “Bill”.

O assustado agora era eu. Não me lembrava de ter pronunciado este nome ao falar com sua telefonista.

Perguntei-lhe se não havia algum engano pois não me recordava deste nome e aturdido, nem me lembrei do bilhete que o Sr. Frank havia deixado na pasta preta e que dera origem a toda esta situação.

Já mais calmo, o Sr .Lincoln explicou-me se tratar de um apelido conhecido por poucos e desculpou-se alegando ter sido um engano de sua secretária. Em seguida seu celular tocou e percebi, pelo seu tom de voz, ser algo urgente que o fez sair às pressas sem tocar na água e no café e nem perguntar o motivo do meu telefonema, o que foi uma sorte, pois não saberia o que dizer.

Logo que saiu, fui à sala da secretária e pude ouvir a voz do executivo no corredor. Deduzi que enquanto aguardava o elevador, falava com alguém ao celular. Prestando atenção, pude ouvir parte da conversa com um tal de Robert que, mais tarde, soube se tratar de um advogado muito amigo deles. Sr. Lincoln dizia: - “Muito estranho, Robert, a secretária tem certeza de que ele me chamou por Bill, ela estava pálida quando me contou que até a voz era parecida. Tem outra coisa que você não vai acreditar: a pasta é a mesma ... a mesma...a pasta do Frank. Será que ele está cumprindo a promessa? Como?...é uma boa idéia; vamos tirar a prova dos nove aplicando nele a mesma brincadeira que Frank nos aplicou naquele restaurante; se for ele, seguramente não cairá, se não for acabará nossa dúvida. Aguarde-me hoje no jantar. Até mais”.

Ao voltar para minha sala vi um vulto, mais nítido do que das outras vezes e pela gravata, reconheci o Sr. Frank que logo foi dizendo: - “Que bom! Lincoln está assustado, mas começa a acreditar. Esta brincadeira, eu preguei nos dois e ri por muito tempo pelo vexame

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que os fiz passar. Já que querem, vamos fazer nova brincadeira com eles”.

Neste momento o inesperado aconteceu e, apesar da confusão, foi muito importante porque aumentou minha crença no que estava ocorrendo: minha secretária, ouvindo minha voz, deduziu que eu a estivesse chamando e, abruptamente, abriu a porta e me viu falando. Acompanhando meu olhar, ficou tremendamente pálida e desmaiou. Ao voltar à consciência, disse ter visto um vulto alto, de terno e gravata cor vinho, muito nitidamente. Fiquei um bom tempo tentando acalmá-la e explicando o que estava acontecendo. Aparentemente convencida, voltou para sua mesa sem nunca mais tocar no assunto e sempre batendo à porta antes de entra em minha sala.

Ah! A oitava maravilha do mundo deveria ser o silêncio das mulheres quando acreditam numa história.

Alguns dias depois, recebi um recado do Sr. Lincoln para que ligasse para seu celular. Liguei e uma voz firme e segura atendeu-me. Ao identificar-me, toda aquela segurança deu lugar a uma voz ansiosa que mostrava um medo quase infantil.

“Como vai Dr.? Desculpe-me pela pressa com que saí de seu escritório sem ao menos saber o motivo de sua ligação. Para me redimir, gostaria de convidá-lo para jantar comigo e meu amigo Robert. Qual seria o melhor dia para o senhor”?

Aquelas maneiras respeitosas deixavam-me sem jogo e comecei perceber que o Sr. Frank era realmente muito importante para eles e que lhes transmitiu perfeitamente o seu projeto a ponto de fazê-los acreditar que voltaria, mesmo depois de morto.

“Sim eu aceito, respondi. Poderia ser amanhã às 19h?”.

“Tudo bem”, respondeu Lincoln. “O aguardaremos na mesa 18 do restaurante Village”. Tremi, pois era um lugar muito badalado que estouraria meu cartão de crédito, mas mesmo assim concordei. “Ótimo” respondi, “estarei lá”.

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Assim que desliguei o telefone, senti uma mão encostando-se a meu ombro direito e uma voz soou dentro de minha cabeça: “é o mesmo restaurante onde lhes apliquei a peça. Vai ser divertido”. Era Frank.

Já estava começando a me acostumar com as ordens e casualidades produzidas por Frank, por isso resolvi “surfar” no fluxo das ondas de seu pensamento. Talvez, em outras palavras, seria dizer que estava seguindo minha intuição? Assim, não criei nenhuma resistência e no dia seguinte pus em prática seu plano e procurei nos jornais anúncio de rapazes de aluguel (não pensem mal de mim, estava apenas deixando fluir).

À tarde, chegou em meu escritório um rapaz que posso afirmar, sem medo: era bonito. Da minha altura, 1,70m aproximadamente, e físico caminhando para o atlético.

Mais uma vez, a voz de Frank soou dentro de mim dizendo que orientasse o rapaz a estar no restaurante Village, à mesa 18, no horário combinado e que se apresentasse com meu nome. Lincoln duvidaria, mas eu acreditava que pela rapidez do contato que teve comigo e pelo estado de ansiedade em que estava naquele momento, não deveria ter fixado bem a minha aparência, assim o rapaz deveria, com muita tranqüilidade, entregar meu cartão social. À mesa, se eles repetissem a brincadeira, estaria sentada uma linda loira. Provavelmente tentariam inovar, pois na vez anterior a moça era morena.

Quanto a mim, deveria sentar-me à mesa vinte, na companhia da mesma morena que Frank havia levado há dois anos atrás, quando lhes pregara a mesma peça. Deveria tomar o cuidado de ficar de costas para a mesa 18, usando uma peruca grisalha e calva no topo da cabeça e não esquecer de levar a pasta de couro marrom e colocá-la de forma bem visível sobre a mesa. A morena ficaria de frente a eles.

Com estas recomendações, liguei para agência de modelos que Frank indicara e, por sorte, aquela mesma garota morena de dois anos atrás estava disponível naquela noite. Ela recordava-se da

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brincadeira e deu muita risada, porém alegou que o preço seria um pouco mais alto porque deveria se produzir com a mesma roupa e penteado da época. Aceitei o preço e deixamos tudo combinado.

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CAPÍTULO V

O Restaurante

Cheguei um pouco antes.

Como Frank havia previsto, Lincoln tentara nos confundir colocando uma linda loira à mesa 18, que já conversava com o rapaz que eu havia contratado.

Conforme Frank determinou, sentei-me à mesa 20 e quase cai da cadeira quando aquela monumental morena se aproximou com um lindo sorriso como se fôssemos velhos conhecidos e eu o Mel Gibson. Recomposto, expliquei-lhe nosso plano, sem falar do Sr. Frank.

A brincadeira que eles nos pregariam, começaria quando a loira dissesse, ao rapaz, que aguardava o namorado que já estava atrasado, desculpando-se por ocupar sua mesa por engano; mas, assim que o namorado chegasse, ela se retiraria. Mas, ao invés do namorado chegar, ela receberia uma ligação, em seu celular, dizendo que ele não compareceria ao encontro, abrindo uma brecha para uma cantada de nosso rapaz. Assim que o garoto começasse a cantada, estimulado pela loira, ela faria um sinal aos amigos Lincoln e Robert que se aproximariam da mesa fazendo a maior gozação.

Eu era informado do desenrolar da trama pela morena que me acompanhava, já que eu estava de costas para a mesa deles.

Ao sinal da loira, Lincoln e Robert entraram e interessante que ambos, bem vestidos, usavam gravatas de cores muito fortes. Foi possível ouvir Lincoln, um pouco nervoso, dizer que o rapaz não era o Dr. Estano. Enquanto a morena me relatava a cena, o rapaz,

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gentilmente, apresentou meu cartão deixando os dois pálidos ao sentarem-se à mesa.

A voz soou dentro de mim pedindo que a morena fosse ao toalete e que, na volta, passasse pela mesa deles. Não agüentei e me virei um pouco de lado para ver o que aconteceria. Quando ela vinha voltando, Robert a viu de frente e soltou um grito: “olhe, Lincoln, olhe...”. Seu dedo tremia enquanto apontava o que lhe deveria parecer um espectro, pois era a moça da brincadeira de Frank.

Voltei à minha posição, de costas para eles, deduzindo que os olhares dos dois acompanhariam a morena até a nossa mesa e, sem dúvida, se deparariam com minha careca postiça e com a maleta em cima da mesa.

Logo ouvi um forte baque de corpo que caia no chão. Era Robert que, segundo me contaram depois, se levantara para ver melhor aonde a morena ia e ao se deparar com a minha figura e a maleta, desmaiara.

Enquanto todos se preocupavam com Robert, tive o ímpeto de pagar a conta e me retirar do restaurante junto com a jovem que me acompanhava. O rapaz, contratado por nós, saiu em seguida. Soube depois, que ao se recobrarem do susto, Robert e Lincoln correram para porta do restaurante à nossa procura.

Creio que estão curiosos para saberem o que fiz com a linda morena. Simplesmente, paguei o que lhe devia e nos despedimos.

Ao sair do estacionamento, vi o jovem que contratara e, oferecendo uma carona, pude saber detalhes do que havia ocorrido: “quando o telefone da loira tocou, ela disse ser o namorado avisando que não poderia vir ao seu encontro e, com muita classe, desabafou falando sobre seu relacionamento. Queixou-se que ele não lhe dava atenção e que tinha certeza que aquela desculpa de reunião era para encobrir algum encontro com uma das secretárias. Apesar de já suspeitar há algum tempo da infidelidade dele, nunca teve coragem de traí-lo. Com isto, deixou bem explícita a porta de entrada que ela abriu para que eu a cantasse, ao mesmo tempo em que fazia

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sinal aos senhores que estavam no bar do restaurante e que, ao se aproximarem, foi grande o susto do mais jovem, quando me viu e maior ainda quando lhe dei o cartão e embora confuso, sentou-se e começamos a conversar. Mas, o que chamou minha atenção foi a palidez do senhor mais velho ao apontar para a escultural morena que vinha às minhas costas. Só pude vê-la quando chegava em sua mesa. Ele só conseguia dizer: “Lincoln, olha... olha... é ela... é ela...”. Os dois foram se levantando para observar melhor a jovem que fingia não conhecê-los. Eu também fui olhando, quando o mais velho gemeu e começou a balbuciar: “a careca... a careca... a pasta... a pasta...” e desabou dos seus 1,90m e 110 quilos, derrubando copos, pratos e o caríssimo vinho que fiz questão de pedir”.

Logo que me viu sair do restaurante, aproveitou a confusão e foi atrás de mim, antes que o submetessem a um interrogatório que seria, sem dúvida, muito incômodo. Além disso, fora trazido ao restaurante por um carro da agência que só voltaria para buscá-lo uma hora depois e estava sem dinheiro para tomar alguma condução. Deixei-o em frente ao luxuosíssimo prédio da agência, o que demonstrava ser um negócio lucrativo.

Rindo sozinho, dirigi até o escritório, curioso para saber qual seria o desenrolar da história. Não senti a presença do Sr. Frank e deduzi que ele estivesse no bar do restaurante, rindo até não agüentar mais, do susto que pregou nos dois amigos.

Estava tão absorto que atravessei um sinal fechado, ouvi alguns gritos que por sorte não entendi, mas pelo retrovisor, senti no meu bolso a facada do guarda anotando no seu adorável talão.

Quando cheguei ao escritório, minha secretária mal me reconheceu e só aí percebi que ainda estava com terno diferente e não tinha tirado a peruca. Contei-lhe a história, e de tanto rir ela ficou tão vermelha que temi pelo seu colesterol alto e pela pressão arterial que costumava subir com qualquer emoção forte. Assim, depois de servi-la de um copo d’água com açúcar, esquecemos o fato, pois havia oito recados em minha mesa.

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CAPÍTULO VI

A Coincidência

Pura coincidência, diriam alguns, porém como não acredito em coincidência e sim em sincronicidade, que é quando os fatos acontecem se completando, um dos 8 recados era de um executivo de outra multinacional, procurando um detetive que também fosse advogado, para esclarecer alguns fatos que havia ocorrido com um grande amigo seu que trabalhava em outra multinacional. Mais tarde, ao fazermos o contrato, soube que se referia ao Sr. Frank, mas deixarei este trecho da história para outro livro.

Surpresos? De fato nunca disse que fosse detetive, mas a minha curiosidade e o hábito de ser minucioso nos casos, me levou a fazer o curso de detetives e esta passou a ser minha segunda atividade. Voltaremos a este caso mais tarde.

Neste mesmo dia, às 18h, quando a secretária já havia saído, atendi ao telefone e uma voz grossa e trêmula disse: - “É do escritório do Dr. João?”. Assim que me identifiquei, completou: - “sou o Dr. Robert, amigo do Sr. Lincoln, e gostaria de conversar com o senhor”.

Às 19h, aquele imenso senhor entrou esbaforido na ante-sala e, cismado, aguardei os acontecimentos. Pediu-me que explicasse o que estava acontecendo, pois segundo Lincoln, a pessoa que se apresentou no restaurante não era eu. Queria saber qual era a brincadeira. Percebi que estava jogando verde e fazendo perguntas, aparentemente tolas, para ter uma confirmação.

Deixei que ele se acalmasse e contei toda a história da venda da minha maleta e o que aconteceu após a compra da outra, a do Sr. Frank. Antes que continuasse, apareceu às suas costa um vulto que logo identifiquei pela gravata e vi, nitidamente, quando ele pôs o dedo indicador direito nos lábios, pedindo segredo. Entendi que

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Robert não deveria saber toda a verdade, assim expliquei que logo que recebi o convite para jantar com ele e Lincoln, tive uma intuição exata do que lhes aconteceu e da mesma forma, intuitivamente, me veio à cabeça o número do telefone da agência onde trabalhava a moça que me acompanhou.E foi esta a minha versão final . Com cara de interrogação, como quem não acreditasse na história, agradeceu e se retirou.

Eu sabia que algo mais deveria acontecer, pois seu objetivo era bem claro.

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CAPÍTULO VII

O Sonho

Nessa noite, tive um sonho ou um desdobramento e, ao acordar, lembrei nitidamente da conversa com aquele senhor de terno e gravata exuberante, o Sr. Frank. Contou-me que pediu sigilo para com o Dr. Robert porque, embora fosse considerado seu amigo, suspeitava de seu envolvimento em sua morte que foi tida como acidental. Era difícil acreditar em acidente, pois o motorista conhecia bem o carro e era muito cuidadoso, principalmente em viagens perigosas como a que fizeram ao descer uma grande serra, rumo ao litoral. Segundo constava, os freios falharam e caíram num enorme precipício. Como para espírito não havia barreiras, ele podia saber o real motivo.

Contou que Robert tinha um romance com sua secretária particular , e através dela, sabia de tudo o que ocorria. Assim, pôde fazer uma espionagem comercial para outra multinacional concorrente, permitindo que ganhasse concorrências importantes.

Numa desavença com Robert, a moça prometeu contar tudo ao Sr. Frank durante a viagem que fariam juntos, ao litoral. Robert participou seu medo aos outros intermediários na espionagem que se incumbiram de provocar o acidente, sem a participação direta dele.

A notícia da morte de Frank provocou, em Robert, um forte sentimento de culpa, pois eram amigos antigos e tinham trocado muitos favores.

O Sr. Frank percebeu que esta história toda estaria despertando, em Robert, o medo de uma provável vingança de sua parte. Robert não sabia o que fazer. Se ao menos tivesse algum sentimento transcendental, poderia orar por Frank e pedir perdão, abrindo um

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canal de comunicação onde ele poderia lhe dizer como Cristo: “Eu te perdôo, mas não repita mais este gesto de traição”.

No entanto, Robert estava corroído pela culpa, pois embora não estivesse diretamente envolvido no acidente, sua passividade o tornava conivente.

Ele deveria imaginar o que seus comparsas fariam para impedir a revelação de toda a trama urdida por eles. Assim, Robert temia sofrer a lei da ação e reação cósmica, já que toda a ação tem como correspondente uma reação igual e contrária.

Meu sonho foi interrompido por minha esposa ao virar-se na cama. Sobressaltado, acordei com a nítida lembrança de tudo o que ocorrera. O relógio marcava 3 horas da manhã e, ainda sonolento, levantei e escrevi toda a história que acabo de contar.

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CAPÍTULO VIII

A Irmã

Na segunda-feira, 28 de outubro, minha secretária anunciou uma jovem que queria falar comigo. Enquanto falava ao telefone, pude notar sua ansiedade na sala de espera e assim que desliguei, pedi que entrasse.

A moça loira, de 1,75m, muito bonita e elegante, sentou-se e foi diretamente ao assunto, demonstrando medo e angústia que se refletiam no estômago, pois a todo o momento levava a mão ao abdômen franzindo levemente a testa. Percebendo que eu notava o gesto, explicou que sofria de uma gastrite nervosa, de causa emocional e que as contrações que sentia, a levaram a uma endoscopia que detectou uma erosão na parede do estômago. Para vir até a mim, teve que lutar com sua timidez e a ansiedade de antecipação, não tinha conseguido dormir.

Veio à minha procura depois que soube dos últimos acontecimentos através de Clarice, secretária do Sr. Lincoln. Ela tinha sido amiga de sua irmã, Cristina, que morrera no acidente que matou o Sr. Frank.

. Contou-me que Clarice coordenava a manutenção dos carros dos executivos e que não se conformava de ter sido responsabilizada pelo desastre a ponto de sofrer um rebaixamento de cargo e salário.

No dia anterior, Clarice contou-lhe ter ouvido parte da conversa entre Lincoln e Robert a respeito de um estranho advogado que parecia saber algo sobre Frank e que estava com sua pasta. Isto aguçou sua curiosidade porque notou muita apreensão na conversa, como se os amigos tivessem medo de uma aparição do Sr. Frank ou que algo fosse revelado.

Como foi ela, uma das moças que atendeu ao meu primeiro

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telefonema ao Sr. Lincoln , descobriu quem eu era e passou meu telefone para a irmã da ex-amiga.

Enquanto a jovem falava, senti que vinha, por de trás dela, uma irradiação energética que passava uma sensação de alegria igual a que eu sentia nos meus cursos de captação da energia emitida pelos bons espíritos.

Reconheci quem era, pois logo visualizei a gravata e o vulto do Sr. Frank que sorria e abraçava a moça com muito carinho. Notei que ela possuia alguma sensibilidade quando olhou para trás e queixou-se de um frio esquisito, dizendo: “O senhor também sentiu?”. Para despistar, fingi encostar a porta como se estivesse entreaberta e disse: “são as brisas, este escritório está voltado para a face sul”. Isto a tranqüilizou, permitindo que continuássemos nossa conversa e quis saber quem eu era e qual minha relação com o Sr. Frank e sua irmã.

Neste momento, o dono da gravata fez um gesto de consentimento que me entusiasmou a contar toda a história para aquela jovem que poderia ser boa aliada. Seu rosto mudava de cor e aspecto, à medida que eu relatava os fatos. Seguindo minha intuição e os movimentos do vulto, omiti detalhes quanto ao projeto, ao inventário e ao cofre do Sr. Frank.

Quando fiz uma pausa para tomar água, ela aproveitou para falar. Parecia que estava engasgada há muito tempo, pois as palavras saíam, umas em cima das outras, e às vezes ela mal completava uma frase e já começava outra.

Assim, fiquei sabendo de sua intimidade com o Sr. Frank, ela era muita apaixonada por ele, disse que nunca falara sobre seus sentimentos a ninguém para não prejudicá-lo na empresa.

Nos últimos tempos, angustiava-se ao vê-lo sempre preocupado com os negócios, até que um dia comentou com ela e a irmã, pessoas de sua inteira confiança, sobre uma provável espionagem, pois tinha perdido grandes projetos para os concorrentes.

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Desconfiado de que fosse alguém muito próximo, mas não conseguindo imaginar quem, o Sr. Frank disse ter comunicado suas suspeitas, a respeito da fraude, ao departamento jurídico da empresa, cujo chefe era o Dr. Franz, advogado de idoneidade inquestionável. Ela e Clarice tinham esperanças que eu fosse algum amigo do Sr. Frank e que pudesse ajudá-las a esclarecer os fatos.

O feriado de finados já tinha acabado e nunca mais tive notícias da moça, do Sr.Lincoln, nem do Sr. Frank e esquecido deles, mergulhei no trabalho.

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CAPÍTULO IX

A Morte

Passados uns dois dias, li nas páginas policiais de um jornal a manchete da morte de uma jovem de 28 anos que teria sido vítima de latrocínio, seguido de estupro e homicídio. Ela foi encontrada, já em início de decomposição, numa praia remota. A foto que ilustrava a matéria foi cedida pela família e pude reconhecer Liz, a irmã da secretária de Frank.

Intrigado, fui ao Instituto Médico Legal e, através do laudo da autopsia, constatei que a morte tinha sido por estrangulamento, sem indícios de estupro ou qualquer agressão física como diziam os jornais.

O médico legista que, por coincidência, tinha sido meu professor no curso de detetive, atentou para alguns detalhes sobre o caso: a moça deveria conhecer o agressor, pois não reagiu; o assassino devia ser bem mais alto que ela, se observássemos as marcas deixadas no pescoço e a forma como sua coluna foi quebrada; o pescoço tinha uma leve escoriação no lado direito provocada por um anel ou outro objeto áspero do dedo do assassino e, finalmente, a roupa da vítima estava conservada e ainda tinha o anel de formatura na mão direita, apesar de ser uma jóia cara.

Com estas informações e preocupado com o rumo que o caso tomou, saí do IML com a firme convicção de que se tratava de assassinato praticado por uma organização e que, a esta altura, eu também corria perigo.

Lembrei-me de Clarice, secretária de Lincoln...Qual teria sido o fim dela? E, Liz, como a tal organização soube do envolvimento se seu relacionamento com Frank era sigiloso?

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Varias hipóteses me passaram pela cabeça: a primeira era que Lincoln estivesse sendo vigiado e que sabiam de toda sua vida particular; a segunda era que tivessem desconfiado da secretária de Lincoln; a terceira era que, desde o início, tenham passado a me vigiar e até grampeado meu telefone.

Enquanto pensava, me fixei na idéia de estar sendo seguido. Entrei num bar e sentei ao lado de uma vidraça que me dava ampla visão da rua. Enquanto tomava tranqüilamente meu refrigerante, de um ponto que tinha certeza que não seria visto por quem estivesse na rua, tentei achar alguém suspeito. Mesmo não tendo visto nada durante os 15 minutos que ali fiquei, resolvi ligar para Bob, um amigo detetive. Tomei o cuidado de usar o telefone do bar, acreditando na possibilidade do meu celular estar grampeado e resumi o caso para ele.

Cumprindo o combinado, pouco tempo depois, Bob estava perto do bar de onde me seguiria à distância, para averiguar minhas suspeitas.

Assim que nos aproximamos do meu escritório, telefonei-lhe de um telefone público antes de entrar no prédio.

Como esperava, Bob confirmou que eu estava sendo seguido por um Toyota com dois homens bem vestidos que pareciam ser profissionais no serviço.

Com o número da chapa do carro, pude telefonar a um amigo do Serviço de Trânsito que constatou que o carro era alugado e que o locador chamava-se Dr. Robert.

Apavorado, pois em 30 anos de profissão nunca tinha enfrentado situação semelhante, pensei num plano que os assustasse. Fui ao Clube Militar onde tenho muitos amigos, e várias vezes jogamos tênis e squash. De lá, telefonei para o quartel a procura de um coronel, meu conhecido, que me convidou par ir tomar um café com ele.. Em menos de dez minutos já estava entrando no quartel com a certeza de que isto os deixaria apreensivos. Num telefonema ao Bob, confirmei minha expectativa: eles não só continuavam

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me seguindo, como passaram a usar o celular muitas vezes, aparentando nervosismo.

Tive oportunidade de estreitar minha amizade com o Coronel, quando sua esposa faleceu. Não se conformava com a perda, a ponto de tentar pular de seu apartamento do 10º andar. Passei a visitá-lo com freqüência para jogarmos longas partidas de xadrez, me tornando uma das poucas pessoas com quem podia contar nessas horas, pois seu temperamento autoritário e orgulhoso o impedia de fazer amigos. Uma vez, presenciei uma de suas reações coléricas com um subordinado que não fizera o serviço como ordenara e, por sorte, eu estava lá para que pudesse se lamentar. Dizia-se arrependido e se justificava com o fato de não tolerar contrariedade, embora tivesse consciência de agir assim por insegurança e falta de confiança. Muitas vezes, isto o levava ao desespero e sua saída era o trabalho e , quando só, ouvia música.

Esta nossa afinidade me deixou a vontade para contar-lhe toda minha história.

Decidido a ajudar-me, chamou em sua sala um Capitão do Serviço de Informação, que logo traçou o seguinte plano: Como o Toyota estava nas proximidades do quartel, com dois homens suspeitos, poderia interceptá-los com uma patrulha da qual faria parte, exigir os documentos para identificá-los, anotar o número dos seus celulares e depois grampeá-los, através da companhia de telefone.

Mais tarde, soube por Bob, que os jovens ficaram assustadíssimos com o cerco das viaturas do exército e com a quantidade de soldados que saíram delas com metralhadoras. Bob pôde ver quando foram revistados, pegaram seus documentos e apreenderam suas armas, que foram devolvidas por estarem registradas em nome da multinacional em que Lincoln trabalhava. Os dois rapazes eram seguranças da companhia.

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CAPÍTULO X

O Grampo

O telefone dos seguranças de Lincoln foi grampeado pelo Capitão que, por segurança, passarei a chamar de Tom.

Conseguimos saber pouca coisa com o grampo, a não ser que os rapazes atendiam a um pedido do Dr. Robert, que era muito amigo do Sr. Frank, com o único objetivo de ser informado sobre tudo o que eu fazia e que visitas recebia. Descobri também, que meus telefones estavam livres.

Passados alguns dias, pararam de me seguir. Mas contratei Bob para me vigiar por um mês.Neste período fui à polícia para saber mais sobre o homicídio de Liz. Meu amigo, Tenente Flávio, mostrou-me todo o processo. Encontraram o corpo num matagal sem nenhum documento. A moça foi reconhecida por familiares que estavam à sua procura a muitos dias e fizeram seu reconhecimento no IML e a fotografia divulgada no jornal foi fornecida pelo irmão.

Como eu estava a fim de me aprofundar no caso, consegui o nome e endereço do irmão e fui a sua procura.

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CAPÍTULO XI

O Irmão

O irmão era um jovem de seus 24 anos, terminando o curso de Oficial da Academia Militar, desconfiado, que me recebeu mal e não quis falar sobre a morte de Liz. Estava muito triste por ter perdido a segunda irmã. Porém, depois de muita insistência, procurei-o por quatro vezes, resolveu me receber.

Só aceitou me atender porque sua mãe, ao arrumar as coisas de Liz, encontrou um diário. Nele, havia confidências a respeito do relacionamento íntimo dela com Frank, que o irmão desconhecia. Até as suspeitas de Frank sobre as fraudes das concorrências e da possibilidade dele ser morto, constava no diário. Falava que, caso a trama fosse descoberta, pois eram contratos milionários e, possivelmente, pessoas da Companhia estavam envolvidas, sua vida estaria em jogo.

O jovem estava preocupado com sua segurança e de sua família, caso o diário fosse descoberto. Comecei a ficar inseguro também. Afinal o diário falava de muitas coisas, citava nomes o que o tornava altamente comprometedor.

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CAPÍTULO XII

A Revelação

Sentia-me num beco sem saída quando aconteceu uma sincronicidade: enquanto falava com o irmão de Liz meu celular tocou, era o coronel dizendo que tinha coisas importantes a me contar e gostaria que nos encontrássemos naquele mesmo dia. Marquei para depois do almoço porque antes, deveria acompanhar minha esposa ao shopping.

Ao me despedir do jovem, recomendei-lhe cuidado e prometi ligar assim que tivesse novidades.

Eram mais ou menos cinco horas quando consegui chegar ao quartel e fui reconhecido pelo oficial na portaria que logo deixou que eu entrasse. O Coronel já me esperava com o chimarrão, pois era gaúcho e mantinha a tradição. Na sua sala também estava o Capitão com uma pasta cheia de papéis e mostrou-me todo o levantamento que fora feito após nossa última reunião.

Num determinado dia, o celular usado por um dos seguranças que foram interceptados pelo exército, foi entregue ao Dr. Robert, que sem saber que estava grampeado, fez uma ligação ao Lincoln e nesta conversa, fizeram uma retrospectiva da história, na tentativa de entenderem o que estava acontecendo e que fugia dos seus controles. Foi aí que o capitão pode tomar conhecimento de tudo o que ocorrera, nos dias que antecederam a morte de Frank: estavam fechando um grande contrato com uma empresa petrolífera. Lincoln, o advogado Robert e a secretária particular de Frank que se chamava Clarice, passaram todas as informações para a empresa concorrente que apresentou preço e condições melhores, ganhando a disputa.

Pouco antes de morrer, houve nova negociação, de maior vulto,

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porém Frank, sem que a secretária soubesse, tinha tomado todo o cuidado para pegar os possíveis traidores. Portanto, no dia de sua morte, ele já sabia do envolvimento de Lincoln e Robert, mas desconhecia o fato de a secretária fazer parte do grupo.

Tempos depois, quando o grupo tomou conhecimento da visita de Liz ao meu escritório, suspeitaram que ela soubesse de alguma coisa e Robert tratou de convidá-la para sair, dizendo que havia coisas importantes para lhe contar e a matou.

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CAPÍTULO XIII

A Secretária

Clarice, a secretária de Lincoln, ao saber da morte de Liz, conseguiu na empresa uma transferência para outro país.

O pessoal do exército informou que já havia passado as gravações da escuta para a polícia que, a esta altura, indiciava os envolvidos.

Fiquei aliviado, mas enquanto saboreava o chimarrão, fiquei pensando que tudo começara porque Frank tinha um plano a realizar, plano esse que não pôde concretizar em vida. E que só entrei na história, como se vocês lembram, por ter vendido uma pasta e me encantado por outra, que tinha sido de Frank. Frank havia me explicado que me induzira, através da intuição, a comprar sua pasta porque notou meus poderes paranormais que poderiam ajudá-lo a cumprir seus planos.

Perguntei-me: “o que acontecerá agora?”.

Nos dias seguintes, voltei às atividades normais e o caso mais interessante que se apresentou, foi o de uma jovem, muito obesa, que pedia o divórcio porque seu marido não entendia e não compactuava com sua necessidade de ajudar vizinhos, parentes e amigos. O marido não entendia o quanto isso lhe fazia bem e que a sensação de ser útil preenchia seu grande vazio. Quando ficava sozinha em casa, não parava de comer principalmente massas e doces.

Explicou que a causa disto tudo era o fato de não ter sido amada pela mãe que confundia amor com excesso de zelo, fazendo tudo por ela. Sufocava-a com sua possessividade. Tinha conseguido se casar porque engravidara e fugira de casa e que a vontade de ajudar os outros era a recompensa pelo amor que não tivera. O

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pai, sim, era seu grande companheiro, mas morrera há dez anos e nada preenchia a sua falta, ficando um imenso buraco dentro dela, como se uma parte sua tivesse morrido junto.

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CAPÍTULO XIV

A Volta da Secretária

Minha memória foi reativada quando minha secretária perguntou como estava o caso da multinacional.

A sincronicidade foi imediata pois o telefone tocou e era Clarice, a secretária de Lincoln que havia se mudado de país. Dizia que ela e o irmão de Liz queriam falar comigo em algum lugar fora da cidade.

Marcamos um almoço no dia seguinte. O restaurante escolhido ficava numa cidadezinha montanhosa vizinha a nossa, a trinta minutos de carro.

Procurei chegar antes para vistoriar o local, enquanto Bob os esperaria numa curva da estrada e embora não os conhecesse, descrevi o carro que os traria.

Não consegui entender porque tanto sigilo se a quadrilha já havia sido presa e o caso já estava quase esquecido.

De uma sacada do andar superior do restaurante, pude ver quando chegaram. Tentei falar com Bob, mas naquele lugar o celular não pegava. Queria descer para encontrá-los, só quando Bob chegasse; mas um funcionário do restaurante veio à minha direção perguntando-me se era o Dr. João, pois me chamavam e apontou um telefone fora do gancho no hall, junto ao bar.

Era Bob, muito ansioso, dizendo que atrás deles vinham dois carros suspeitos com quatro homens em cada um. Permaneci na sacada e vi quando os carros chegaram e os homens desceram sorridentes, cumprimentaram-se e foram recebidos pelo dono do restaurante.

Da sacada pude ouvi-los, ao subirem a escada. Eram cardiologista,

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amigos do dono da casa que vinham da Itália para um congresso e aproveitaram para visitá-lo.

Esperei Bob, e quando estacionou fiz um sinal positivo com o dedo, como faziam nas arenas romanas para não matar o contendor, mas para tranquilizá-lo.

Cheguei à mesa pedindo desculpas por minha curiosidade e fui logo perguntando quais eram as novidades. Sem rodeios, disseram que encontraram naquele diário de Liz, confidências de Frank sobre seus planos e da sua vontade de deixar um inventário dando direção ao seu dinheiro, caso morresse. E ainda mencionara aquela idéia de voltar, mesmo como espírito, para orientar a realização de seu projeto.

Distraidamente, abri a pasta para pegar um bloco de anotações sobre as mensagens de Frank e notei que a secretária ficou extremamente pálida ao vê-la comigo e, sensibilizada por lembrar dela sempre acompanhando Frank. Disse ter tido a impressão de vê-lo às minhas costas, com sua gravata chamativa e um sorriso no rosto.

Levantei-me, abaixei sua cabeça e coloquei torrões de açúcar em sua boca, pois além de pálida suava muito, embora estivesse com as mãos geladas e azuladas. Contou que quando criança, com seus 5 ou 6 anos, costumava ver vultos, e, apavorada, corria para o quarto dos pais que não entendiam e o pai a mandava de volta para sua cama. Desamparada, deitava-se aos pés da mãe que encolhia as pernas, e lá ficava sem que o pai percebesse.

A mesma sensação de medo se repetiu durante a ilusão de ter visto o vulto de Frank às minhas costas, embora gostasse muito dele. Ele sempre a apoiara na sua ambição de crescer na empresa.

A medida em que contava a história da pasta, intui que não deveria esconder nada dos dois e pude reproduzir tudo o que Frank havia contado a respeito do caso, me valendo de lembranças que só um detalhista como eu poderia juntar num diário.

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Este rótulo de perfeccionista e detalhista, muitas vezes me rendeu o título de chato. Quando marco um encontro, sempre chego com antecedência, pois meu sofrimento por antecipação é terrível. Não suporto me atrasar e nem esperar. Quando o compromisso é importante, na noite anterior chego a ir várias vezes ao banheiro com desarranjo intestinal. O pior é que exijo dos outros tanta perfeição quanto exijo de mim. Por mais que eu faça, tenho sempre a sensação de não ter cumprido meu dever, exatamente como deveria, o que me provoca grande sentimento de culpa Quando criança, eu acordava meus pais com crise de asma, e agora, tenho uma gastrite que controlo com remédios e terapia.

À medida que contava o caso, notava a alegria estampada nos olhos dos jovens que me ouviam atentamente, certos de que poderiam ajudar na realização dos planos de Frank. Curiosos para saberem o paradeiro do testamento, levantaram a hipótese dele ter deixado nas mãos de algum advogado amigo seu.

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CAPÍTULO XV

O Escritório

Só neste momento me lembrei, ou Frank tenha soprado no meu ouvido, a existência de um escritório particular que ele usava. Foi quando o irmão de Liz contou que ela escrevia sobre seus encontros com Frank no escritório, mas não notou se em algum momento ela citara o endereço.

No final de nossa conversa, os italianos já havian entornado várias garrafas de vinho e conversavam aos berros numa alegria contagiante, enquanto dois deles, com vozes de tenores, cantavam ao som do tocador de violão do restaurante.

No meio à algazarra nos despedimos. Eles queriam marcar uma outra reunião para dali a quinze dias, mas ansioso, pedi que antecipássemos para uma semana e, felizmente, concordaram.

Ao sairmos, fiz um sinal discreto ao Bob e nos retiramos.

No dia seguinte acordei cansado. Subi na balança do banheiro e me assustei, pois tinha engordado dois quilos.Isto sempre acontece quando me sinto sozinho. Minha esposa e filhinha tinham viajado de férias, e, ansioso, comi demais. Não gosto de solidão, minha tendência depressiva me faz sentir medo da morte e quando estou só, tenho pavor de pensar que não terei ninguém para me ajudar se precisar. Lembro-me sempre da história de meu avô: homem autoritário que numa crise de depressão, se atirou de um viaduto. Foi um susto na família que não esperava este ato.

Chegando ao escritório, encontrei um recado do irmão de Liz. Liguei imediatamente e ele disse que, relendo o diário da irmã, encontrou em alguns trechos o nome do prédio, o andar e o número do escritório particular de Frank. Antecipou-se e foi procurar o prédio

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no centro da cidade. No painel do saguão de entrada não havia nenhum nome. Com a desculpa de que procurava escritórios para alugar, conseguiu arrancar do zelador a informação de que aquele escritório era do Sr.Frank, e que, desde sua morte, estava fechado. Contou que um dia um parente tentou entrar, mas não soube o que aconteceu que fez o rapaz sair apavorado e nunca mais voltar. O irmão de Liz disse ter percebido que o porteiro sabia de algo, mas não querendo contar, sugeriu que ele conversasse com o síndico que era muito amigo do proprietário.

Antecipamos nossa reunião para o dia seguinte, em meu escritório. Embora tudo parecesse tranqüilo, mantive Bob em suas funções.

Surgiu-me a suspeita de estarmos sendo espionados, de saberem da atuação de Bob. Mas quem teria esse interesse, já que não tínhamos mais nada com a multinacional? Mesmo assim, pedi que Bob ficasse no mezanino do prédio de Frank observando nossa entrada, saída e se alguém nos seguia.

Novamente nossa fada madrinha apareceu: era meu amigo coronel, pedindo que o visitasse naquela mesma tarde, pois tinha notícias de que um braço da quadrilha, buscando documentos importantes, passou a nos seguir, desconfiando que soubéssemos de algo. Assim, tomaram conhecimento do escritório secreto de Frank.

O exército soube de tudo através do tal celular grampeado. Soube também, do plano que a quadrilha tinha para assaltar o escritório. Mas o capitão, demonstrando boa vontade, pediu aos seus amigos policiais que armassem uma emboscada aos bandidos.

Mais tarde, soubemos do sucesso da ação policial. Aqueles mesmos seguranças de Lincoln que tinham me seguido e que foram interceptados pelo exército, desta vez foram presos em flagrante, tentando entrar no escritório de Frank.

Tivemos que adiar nossa visita ao prédio para o dia seguinte, quarta-feira, às 15h.

Não preciso dizer que foi uma noite agitada. Tive pesadelo, falta

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de ar e medo de morrer. Acordei a uma hora da madrugada e só consegui dormir, quase sentado.Mas ás 14:30h, já estava em meu escritório a espera deles.

O jovem, logo que chegou foi contando que, escondido da mãe, abriu o guarda-roupa da irmã para tentar encontrar algo que pudesse ser importante. Achou roupas masculinas que, baseado na descrição que eu havia feito de Frank, deveriam ser dele. . Pegou uma gravata de cor carmim e, por alguma razão desconhecida pediu que eu a usasse. Não impus nenhuma resistência, embora tenha ficado esquisito porque Frank era bem mais alto que eu.

Como podíamos estar sendo seguidos, ao sairmos do meu escritório rumo ao de Frank, fizemos de tudo para despistar: entramos num shoping onde deixamos o carro estacionado, saímos pelo lado oposto e pegamos um táxi.

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CAPÍTULO XVI

Encontramos o Escritório

Eram quatro e meia da tarde quando entramos no prédio e o porteiro me olhou de forma estranha e não tirava os olhos da minha gravata e da maleta que eu carregava.

Não sabíamos bem que desculpa daríamos para entrar, mas acreditávamos que na hora tudo daria certo.

Percebi o vulto de Frank atrás do porteiro. Quando disse que gostaríamos de entrar no escritório, o homem ficou pálido e gaguejando algo, pegou o interfone. Em seguida pediu que nos dirigíssemos à uma sala no 2º andar e falássemos com o Sr. Rubimar, o síndico.

Sem pensar muito e em total silêncio chegamos à sala indicada onde fomos, cordialmente, recebidos por uma secretária que foi logo nos oferecendo água e café. Agradecemos e permanecemos em silêncio sem olharmos um para o outro, parecendo estarmos em estado de torpor. Não demorou, apareceu um senhor de cabelos totalmente brancos, talvez beirando os 80 anos, com ar de bondade no rosto. Soubemos depois, que era grau 33 da maçonaria.

Olhava fixamente para minha gravata e para a pasta, mas fingindo não perceber e com muita cautela e sabedoria levou a conversa no sentido de descobrir o nosso interesse na sala de Frank. Tomou o cuidado de chamar um amigo comum que também tinha escritório lá, e juntos, nos encheram de perguntas. Finalmente, depois de duas horas conseguimos convencê-los com a história das mortes de Frank e das duas irmãs do rapaz, sem precisarmos falar dos planos do amigo e do que esperávamos encontrar.

O Sr. Rubimar me pediu licença para abrir minha maleta. Num

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fundo falso encontrou um envelope e me entregou sem abri-lo. Contou-nos que, dias antes de sua morte, Frank chamara os dois amigos para contar-lhes da possibilidade de ser morto e instruí-los a manter o escritório fechado. Um ficaria com a chave da porta e, o outro, com a da tranca.Quando chegasse alguém vestindo sua gravata e carregando sua pasta, deveriam abrir o fundo falso, entregar-lhe o envelope e confiar-lhe as chaves.

Enquanto conversávamos, notava que o Sr. Rubimar ficava parado olhando às minhas costas. De certo tinha vidência e conseguia ver o vulto de Frank atrás de mim.

Creio serem estes os amigos íntimos de que Frank me falara.Os únicos que sabiam de sua morte e de seus planos.

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CAPÍTULO XVII

A Sala

Assim que nos despedimos dos dois amigos, fomos para o elevador que nos levaria ao 15º andar daquele prédio altíssimo de 25 andares. O silêncio entre nós era ainda maior do que quando chegamos à sala do Sr. Rubimar. Conseguia sentir o tremor de cada um de meus companheiros.

O 15º andar era diferente dos demais. Luxuoso, ostentava um corredor todo acarpetado de vermelho e as portas eram diferentes.

Paramos diante da porta 156. O rapaz com a chave da tranca e eu, com a outra. Tremíamos tanto que demoramos em abrir a porta que já tinha sido levemente forçada. Talvez pelo parente de Frank ou pelos capangas de Lincoln.

Era um escritório grande, de uns 60m². Tinha uma única sala, cozinha e banheiro. A mobília além de bonita era cara.

Assim que entramos, nós três tivemos a sensação de ver Frank sentado na poltrona da escrivaninha que ficava num dos cantos da sala. Era uma mesa antiga com muitas gavetas.

Do outro lado, um lindo barzinho...Quase voamos em cima da garrafa de vinho só para suavizar a tensão.

Todas as gavetas da escrivaninha tinham chave. Como que hipnotizados, começamos a andar num mesmo passo até que me sentei diante da mesa central e, num impulso, abri o tampo. Do lado esquerdo havia uma gaveta falsa e puxando-a com força, ela saiu nas minhas mãos. No fundo dela havia uma tramela que, ao tocá-la, pude ouvir barulho de chaves. Eram as chaves da escrivaninha.

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Só então me lembrei do envelope da maleta que estava no bolso do meu paletó. Enquanto eu o abria ouvi um grito de decepção de Clarice dizendo que todas as gavetas estavam vazias, exceto a última que continha um envelope parecido com o meu só que menor.

Abrimos os dois quase ao mesmo tempo. O lacre e a introdução eram iguais: “Olá, prazer em tê-los como amigos e protetores; não sabem o quão estou feliz aqui, do outro lado; tenho certeza de que, neste momento, também estarei nesta sala, olhando-os cheio de alegria. Por segurança, estes dois envelopes se completam; assim, cada um sozinho não teria nenhuma finalidade, caso meus planos falhassem. O que não ocorreu. Leiam, repetidamente, os dois ao mesmo tempo até entenderem.

Grande foi a nossa decepção na primeira leitura porque as frases eram incompletas e sem sentido.

Clarice e eu insistimos na leitura e várias vezes até que ela deu um sonoro grito que nos fez pular na cadeira, tal era nossa tensão muscular.

Desculpando-se, nos deu um gostoso beijinho na testa, dizendo: “matei a charada! Leiam uma linha de cada carta, começando pela do envelope maior”. De fato, a linha de uma se completava na da outra. Mas logo nossa animação foi frustrada, pois tudo estava em código e teríamos que decifrá-los.

Comecei a voltar no tempo e a recordar de alguns trechos de minhas conversas iniciais com Frank. Ele falara de um cofre cujo segredo estava escondido em algum canto; falou de um armário secreto e do testamento, mas não dera maiores detalhes.

Voltando à leitura das cartas, o código dizia: “de onde você está, siga três passos para a esquerda e um para a direita”. Deduzimos que o ponto de partida seria a cadeira da escrivaninha e, seguindo a orientação, ficamos em baixo de um lustre que podia ser aceso tanto no interruptor, como por uma cordinha de uns 50cm que havia, na ponta, uma bola de madeira leve para apoiar a mão ao

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puxá-la, facilmente alcançável.

A segunda linha dizia: “levantando as mãos em forma de oração, libertar o prisioneiro que muito tem a contar”.

Levantei as mãos, bati na madeira da bolinha e puxei a corda. Não sei se usei muita força ou se as peças estavam soltas de propósito, pois vieram, a bola e a corrente, em minhas mãos. Todos nós ficamos com aquela cara de interrogação até que, novamente, entrou a sabedoria feminina: “desenrosque a bola”. Logo que o fizemos, encontramos uma pequena chave que parecia de um cofre ou gaveta. O prisioneiro deveria ser a chave presa na bola. E o resto da frase “...que muito tem a contar” ? Talvez fosse uma referência ao conteúdo do cofre onde estavam os documentos que mostrariam muita coisa, deduzimos.

A frase seguinte dizia: “com a sabedoria do reflexo de seus olhos, encontrará a porta de entrada do túnel da mina”. Demoramos um pouco para decifrar o enígma quando fomos salvos pela vaidade feminina. Aproveitando nossa pausa para pensar melhor, Clarice olhou para o espelho e arrumou os cabelos, quando viu o reflexo de um quadro fixado na parede às suas costas. Virando-se, gritou apontando para o quadro que tinha na gravura, um túnel cravado numa montanha.

Partimos para outra frase: “dentro do túnel há um animal e dele só se vê a luz dos olhos”.De fato, olhando com muita atenção, podíamos ver um pequeno brilho naquele ponto escuro da tela que indicava ser uma pequena fechadura onde caberia a chavinha. Feito o teste, a chave girou normalmente, mas nada aconteceu.

A frase seguinte: “O prisioneiro esqueceu-se da sabedoria do dono do tesouro”. Ficamos no mato sem cachorro, até que a deusa percebeu que o S de sabedoria estava maiúsculo embora no meio da frase e que a letra i estava em itálico para a esquerda que, encontrando-se com o r, formava um n. De volta para a gravura, vimos que havia uma estrada em forma de S que chegava ao túnel, cuja entrada parecia um n, tendo um ponto em cima que era o pingo do i.

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Ansiosos, fomos para a outra frase: “o indicador segue a sabedoria do dono”. Com o indicador percorri o trajeto do S até o início do túnel, deslizei pelo n da entrada e apertei o pingo do i. Decepção, nada aconteceu.

Mas a frase seguinte dizia: “Após a sabedoria do dono, surgiu o dedo de sua mulher”. Os três gritaram juntos, pois era evidente que o ponto deveria ser apertado por mão feminina.Refiz o trajeto do S e do N e nossa amiga apertou o ponto. Nada. Por que dedo de mulher? A única diferença seria a unha comprida. Refizemos todo o roteiro e ela apertou o pingo com a ponta da unha. O túnel ficou iluminado, mostrando que o quadro era a porta do cofre.

Embora ouvíssemos um barulho de fechadura, a porta não se abriu e não adiantava puxar. A abertura deveria ser automática.

Fomos à próxima frase: “dê dois passos para trás e peça perdão três vezes e só assim terá a graça”. Loucura! Mas mesmo assim dei dois passos para trás e fiquei me perguntando o que seria pedir perdão. O rapaz sugeriu que eu me ajoelhasse três vezes. Obedeci e senti que meus joelhos batiam em algo no chão. Em seguida ouvimos um suave som de porta de ferro se abrindo.

A iluminação do cofre era embutida na parede. O espaço era grande e todo dividido com muitas pastas catalogadas, cuja organização facilitaria uma eventual pesquisa. Não vimos os dólares de que Frank falara, mas resolvemos fechar o cofre e voltarmos na tarde do dia seguinte, pois estávamos cansados e já passava das 20h.

Na tarde seguinte, chegamos no mesmo horário, depois de fazermos todas as voltas pela cidade para despistarmos possíveis seguidores. Bob, mudando de estratégia, ficou no prédio ao lado de onde poderia ver toda a rua e se alguém nos seguia.

Chegando ao escritório, fomos direto ao vinho, Pedimos permissão ao Frank, saboreamos três cálices cada um e, mais relaxados, fomos para o cofre e, repetindo o ritual de abertura, retiramos todas as pastas para ver uma a uma. Nelas, só encontramos escrituras de imóveis em nome de Frank, mas na última havia uma carta que

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dizia: “quem aqui chegou estará perto do ouro que a mãe alegrará”.

Ficamos perdidos porque o texto das cartas, que anteriormente nos orientaram, não nos serviriam nesta nova etapa. Como prosseguiríamos? “O ouro que a mãe alegrará”, talvez esta frase tivesse relação com os dólares de que Frank havia falado que estariam no cofre.

Recolocamos as pastas no mesmo lugar em que estavam para tentarmos entender o código.

Mais uma vez, nos valeu o instinto feminino. Ao contrário da objetividade dos homens que dificilmente olham para os lados e só em linha reta, as mulheres parecem periscópios e, fazendo o giro todo, se tornam mais observadoras. Assim, Clarice notou que a pasta que continha a carta estava em último lugar na estante e numa inclinação diferente das demais, de forma que sua ponta coincidia com o canto direito do cofre. Tivemos o trabalho de tirarmos todas as pastas novamente a fim de procurarmos algum botão ou alavanca naquele canto, mas não encontramos nada.

“A mãe alegrará”... Pela experiência anterior, a unha de mulher seria a chave, mas desta vez de nada adiantaria. Ora, nem sempre a mulher é mãe... Qual seria a diferença???

“O leite”, gritamos juntos. Imediatamente, o jovem foi comprar um litro de leite e sem saber o porquê, derramamos com cuidado naquele canto. A gordura do líquido criou uma nata num determinado ponto da madeira que, pressionado pela unha de Clarice, fez uma segunda porta se abrir. E lá estavam duas pilhas de dólares que somavam cem mil. Sem dúvida, era muito dinheiro e por isso tomamos o cuidado de recolocá-lo no mesmo lugar e, repetindo o ritual que abriu a segunda porta do cofre, a fechamos.

A questão agora era o testamento que, segundo Frank, também estava no escritório.

Enquanto guardávamos as pastas na estante do cofre, percebemos

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que a iluminação embutida vinha de uma única parede. O jovem resolveu tocar as paredes começando pela do fundo onde ficava a segunda porta e nada encontrou. Apalpou o teto, e nada. Ao passar pela lateral esquerda que estava escura, uma luz se acendeu destacando a inscrição: “no Monte, Moisés Recebeu os dez mandamentos”. Depois de um silêncio absoluto, pensei alto: monte é altura, provavelmente ele quis dizer no alto, talvez no teto... Enquanto pensava, vi o rapaz subindo numa cadeira e, favorecido por sua altura de 1,80m, insistiu em vasculhar o teto. Voltando à frase, notamos que as iniciais das palavras “monte” e “recebeu”, eram maiúsculas, formando MR.

Ficamos um bom tempo rodando a sala em busca das iniciais quando o garoto não se conteve e, balbuciando alguma coisa, apontava para uma estante cujas divisórias eram ligeiramente inclinadas formando um M. Olhando fixamente, encontramos a letra R talhada na parte superior do M. Com as mãos, contornamos as duas letras, mas não conseguimos nada. Com as pistas indicadas pelas letras M e R, faltava-nos o restante da frase: “...os dez mandamentos”.

Observando minuciosamente as duas letras, vimos que a última perna do R apresentava ondulações, que contadas, somavam dez. Seguindo os rituais anteriores deslizamos por todas e apertamos a décima. Logo uma porta na lateral direita da estante se abriu e lá encontramos uma pasta com o testamento.

Não percebemos o tempo passar, exceto quando o porteiro nos avisou que o prédio fecharia às 22 horas e que tínhamos apenas meia hora para nos retirarmos.

Por segurança, fizemos três cópias do testamento na copiadora do próprio escritório e colocamos o original no mesmo lugar. Marcamos novo encontro no dia seguinte.

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CAPÍTULO XVIII

O Gato

Eram 23 horas quando cheguei em casa. Ainda do lado de fora, pude ouvir o miado reprovador do nosso angorá. Sistemático e pontual como eu, o gato reclamava a reposição da ração que deveria ter sido feita às 21:30h. Satisfeito, pulou em meu colo para se esquentar. Antes, isso me incomodava até que o veterinário me explicou que os animais tinham a capacidade de tirarem do nosso corpo, toda a energia negativa. Só então comecei a perceber que o contato com ele me dava grande bem estar. Lembro-me de um dia em que estava com forte dor intercostal esquerda e que, ao sentar-me na poltrona, ele se aconchegou no ponto da dor, aquecendo o local e depois deu várias cabeçadas nas minhas costelas até a dor passar. Num artigo de uma revista americana, li que os médicos estavam recomendando a visita de animais de estimação aos pacientes. Houve até aquela história do gato que morreu depois de ficar por muitas horas ao lado do dono enfermo

Apesar do conforto do calor do gato, tomei um banho e depois de telefonar para minha esposa e filha, sentei-me sob a luz do abajour para ler o testamento. Comecei a sentir um frio intenso na nuca e arrepios pelo corpo todo, embora as janelas estivessem fechadas. Não demorou, vi o vulto e a gravata de Frank. Passei a ouvir frases como: “Obrigado... Agora podemos começar....Amanhã, tome cuidado”. Tentei ouvir mais alguma coisa, mas senti que ele não estava mais presente e, interessado na leitura do testamento, não prestei atenção à advertência.

Soube que o jovem e a secretária saíram juntos do escritório de Frank e como ela estivesse muito assustada, acharam melhor que ele a acompanhasse até sua casa.

A moça devia ter uns oito anos mais que ele, embora não se

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notasse a diferença. Ela morava com a mãe que tinha viajado a serviço do Alanon, grupo ligado aos alcoólicos anônimos, dando continuidade aos trabalhos do marido falecido há quatro anos que, como alcoólatra recuperado foi orador do AA até seus últimos dias. Este trabalho lhe fazia muito bem, nunca mais adoecera e rejuvenescida, estava terminando de escrever seu segundo livro para esposas de alcoólatras.

Os jovens só me disseram o horário que chegaram à casa da moça, que jantaram e, para relaxarem, tomaram um gostoso vinho da antiga adega do pai. Não falaram e eu não tive interesse de perguntar a que horas ela se sentiu segura para permitir que o rapaz fosse embora para casa.

O pulo do gato me tirou do cochilo e comecei a ler o testamento: “ ... ‘‘a todos que estejam aqui reunidos, comunico que deixo ao portador de minha pasta a quantia de US$ 10.000,00, além da Mercedes que está na garagem n° 82 deste escritório. Seus documentos estão em poder do Tabelião que elaborou este testamento. A cada pessoa que esteja acompanhando o atual dono de minha pasta, deixo US$ 5.000,00’’.

Neste momento parei a leitura, tal era minha alegria. Com tantas idas e vindas ao escritório de Frank, paralisei o meu. As minhas contas já estavam estourando e não sabia como pagá-las. Frank pensou em tudo!

Continuei a leitura do testamento que dizia: “Dentro do escritório há um planejamento a ser executado. Trata-se da obra que não consegui concluir. Os bens citados nas escrituras deverão ser convertidos em moeda, para junto com o dinheiro que deixei no cofre, somar a quantia necessária para a obra”. Deixo um salário de US$ 3.000,00 a cada um dos presentes que tenham colaborado com a descoberta deste testamento, para colaborarem com a obra.

Deixo ainda, uma aposentadoria de US$ 8.000,00 para ser dividida pelos mesmos elementos.

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Fiquei apreensivo com o novo quebra-cabeça que estava por vir: Onde estariam os projetos?

No dia seguinte, logo pela manhã, paguei as dívidas atrasadas com cheques pré-datados para dali a dois dias.

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CAPÍTULO XIX

A Fechadura

Eram 16h quando nos encontramos no escritório de Frank e, pela fisionomia alegre dos dois, deduzi que tinham lido o testamento.

“Olá”, disseram. “Que tal brindarmos com vinho?”.

Enquanto conversávamos sobre como acharmos o projeto, Clarice desviou o assunto questionando se mais alguém teria as chaves do escritório e se deveríamos trocar as fechaduras. Sem pensarmos muito, ligamos para o chaveiro que ficava ao lado do prédio.

O chaveiro estranhou a dificuldade para tirar a trava da tranca. Conforme puxava o miolo da chave, saia junto um fio que trazia na ponta um pequeno cartucho flexível, e, ao abri-lo, vimos todo o projeto.

Já havia me esquecido de Bob, até que o celular tocou. Aflito dizia: “cuidado, alguns indivíduos muito suspeitos estão subindo para o seu andar”. Ficamos apavorados, pois o chaveiro ainda estava mudando o miolo da fechadura e não tínhamos como trancar a porta.Trêmulos, ficamos juntos no centro da sala, mas antes tivemos o cuidado de esconder o projeto no meio dos livros.

Ouvimos o elevador se abrindo, som de vozes, risos e muitos passos; sem dúvida eram mais de dois, mas estranhamos a conversa porque, se fossem bandidos, viriam em silêncio.Vimos quando o grupo de homens, bem vestidos, passou por nossa porta e entrou no escritório ao lado. Caímos sentados num sofá junto à parede. Não agüentei e soltei um palavrão, xingando Bob.

Felizmente o chaveiro terminou o serviço e mal se retirou,

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começamos a ler o projeto.Eram 20h, quando bateram na porta. Creio ter ouvido nossos corações baterem a 140 por minuto. Olhamos para a porta e não vimos o olho mágico. Foi quando percebemos que o monitor da mesa não era uma TV, mas o visor de uma câmera que ficava no lado de fora do escritório.Assim que ligamos notamos que era um dos senhores que entrara na sala ao lado.Rapidamente, escondemos os documentos e, por idéia de Clarice, colocamos a garrafa de vinho sobre a mesa principal e enchemos os copos.

Abri a porta e me deparei com um senhor sorridente de uns setenta anos que, atendendo ao meu convite para que entrasse, logo foi se identificando como grande amigo de Frank. Segundo ele, Frank havia lhe pedido, pouco antes de morrer, que ajudasse a quem assumisse seu escritório.

Senti uma carga pesada e quente que me deu mal estar. Fiquei obnubilado, com pensamentos confusos frente aqueles olhos fortes que pareciam hipnóticos. Se ali estivesse algum vidente, diria que, daquele senhor, vinha uma energia mais preta do que piche.

Talvez ele tivesse nos convencido, não fosse um leve tom avermelhado ter surgido por trás dele, que me fez lembrar da frase de Frank, que só naquele momento tomava importância: “cuidado, amanhã!”.

Pedi licença e enquanto fui ao banheiro para jogar uma ducha fria na cabeça, veio-me uma frase: “Expulse-o”.

Já refeito e com certa raiva, voltei à sala onde Clarice, assumindo o papel de anfitriã, servia vinho ao visitante que, cinicamente, elogiava a safra dizendo já tê-la bebido com seu amigo, o dono da sala.

Usando minha experiência de advogado e detetive, fui entretendo o intruso com perguntas bobas enquanto enchia sua taça de vinho. Pelo jeito, ele não era acostumado ao álcool e logo ficou tonto o bastante para revelar que era amigo do porteiro, e que, através dele, ficou sabendo da nossa presença ali. Disse ainda que estava ocupando, temporariamente, o escritório ao lado que era de um

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amigo que estava viajando.

Minha intuição estava certa: ele mentiu ao dizer-se amigo de Frank. Assumindo minha posição forte e segura de advogado, agradeci sua boa vontade e dei a entender que a visita já estava encerrada.

Meu celular tocou e fiquei feliz, pois era minha esposa dizendo que havia chegado de viagem e me esperava para o jantar.

Quando desliguei o telefone percebi o olhar de interrogação de meus companheiros. Só então expliquei a minha atitude. Contei-lhes sobre a frase que ouvira de Frank no dia anterior e sobre o mal estar que o homem havia me provocado. Eles disseram ter tido a mesma impressão, mas que ficaram na dúvida quanto a veracidade do que o impostor dizia.

Eram 21,30h, minha esposa me esperava para o jantar e o prédio fecharia. Fizemos três cópias do projeto e nos despedimos.

Naquela noite preferi ir embora de metrô para poder pensar em tudo que me acontecera desde que decidi vender minha pasta. Realmente, a vida é uma estrada cheia de mistérios e, talvez por isto, seja divertido viver.

Lembrei-me do meu pai dizendo: “Filho, nunca tenha medo; aceite e enfrente os desafios, pois a grande experiência está no resultado de nossas ações. Considere que sempre estamos dando o melhor de nós mesmos e se o resultado não for satisfatório, vamos nos corrigir para fazermos melhor na próxima. Devemos ser persistentes nos nossos objetivos”.

Uma vez fui enganado por um falso amigo e ele me disse: Filho, na vida, somos sempre os líderes de nós mesmos, e o líder deve saber distinguir o joio do trigo. Não fique triste; você aprendeu.”.

Estava perdido nas minhas lembranças, quando Bob me ligou no celular. Disse-lhe que descansasse, pois o dia seguinte seria dia de finados e que nenhum de nós trabalharia. Que fosse a minha casa para falarmos sobre seu pagamento.

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Chegou minha estação, andei quatro quarteirões para chegar em casa e ser recebido com abraços e beijos. Felizes com os presentes que havia deixado, logo vieram as perguntas: Qual seria o grande negócio que eu teria feito para ter tanto dinheiro? Ou teria assaltado algum banco?

Depois de tantos dias de solidão, deixei as explicações para o dia seguinte para poder usufruir a companhia delas.

Amanheceu um dia lindo e tranqüilo e quando Bob chegou em minha casa, levei-o até a sala para entregar-lhe o referente a US$ 1.000,00 que lhe devia, além de um envelope contendo US$ 2.000,00, com a recomendação de que o abrisse quando chegasse em casa.

Naquela noite, minha esposa e eu lemos o projeto, juntos. Ela já sabia de toda a história e se interessava muito pela obra, por ser assistente social e voltada para o trabalho comunitário.

Tinha sido presidente da associação do nosso bairro e a maioria dos eleitores a acompanhava na votação dos políticos. Por isso, na época das eleições, acabava o nosso sossego. Muitos vinham à nossa casa pedir seu apoio.

Eu não tinha a mesma vocação que ela, mas ficava feliz com o bem estar que isto lhe proporcionava. Também não me importava de ser apresentado como o esposo da Dona.Sara, em algumas ocasiões. Apenas não concordava que ela sofresse com os problemas dos outros, a ponto de só descansar quando conseguia resolvê-los.

Muitas vezes, se sentindo cansada, dizia que todos sugavam sua energia. Até que, por stress, acabou pegando uma pneumonia. Sua ansiedade se refletia numa hipersensibilidade a tudo. Talvez isso fosse a causa de sua riniti.

Como eu tinha pânico da morte, ela gostava de ouvir o problema dos outros para tentar entender o meu, mas começava a sentir os mesmos sintomas e brincando, eu falava que ela era hipocondríaca. Tinha tonturas e, ao andar, sentia que flutuava como se não pisasse no chão. O otorrino diagnosticou labirintite.

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Eu era tudo para ela, no mundo. Contava com meu apoio e só divergíamos quanto ao excesso de sal e pimenta na comida, que ela sempre comia meio fria.

Mas, voltando à história, era um projeto imenso que já estava sendo estudado por uma empresa e que previa a construção de uma fábrica num dos terrenos do Sr. Frank, cuja infra-estrutura já estava preparada.

Seria uma grande fábrica que empregaria 10.000 funcionários diretos e outros tantos indiretos.

Mais tarde, soubemos que uma empresa estrangeira tinha sido consultada e dera o projeto como viável. Determinara até, os mercados externo e interno que absorveriam toda a produção, mostrando o quão visionário e inteligente tinha sido o Sr. Frank.

No meio da leitura do projeto, dei uma cochilada no sofá e tive um rápido sonho em que percebi toda a sabedoria e sutileza de Frank. Ao deixar o projeto na parte oca da porta, preso no miolo da chave, pretendia testar a inteligência e o cuidado de seus novos colaboradores.

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CAPÍTULO XX

Passados Dez Anos

Dez anos após e tudo ocorreu como ele queria. Não tivemos dificuldade porque o cartório acreditou em nós e providenciou todos os papéis necessários, inclusive os da Fundação que Frank havia começado e incumbiu-se de nos apresentar a todos que já trabalhavam no projeto.

Hoje sou um executivo; minha agenda está cheia de viagens internacionais, falo três idiomas fluentemente, dirijo dez mil funcionários diretos e muitos indiretos. Nossa fundação cresceu tanto que, junto à fábrica, temos uma universidade.

Expandimos por doze países onde temos escritórios e, em alguns, temos fábrica.

Minha esposa dirige toda a parte social; Clarice é a tesoureira de toda a organização e o rapaz dirige todo o esquema de segurança.

Sou feliz e creio que Frank pôde partir tranqüilo e realizado.

FIM

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