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6º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS (ABRI) “Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição” Área Temática: Ensino e Pesquisa em Relações Internacionais PARTICIPAÇÃO DA MULHER NO ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIA POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO BRASIL Marcos Vinícius Isaias Mendes, Coppead/UFRJ. Ariane Roder Figueira, Coppead/UFRJ. Belo Horizonte MG Julho, 2017

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6º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS (ABRI)

“Perspectivas sobre o poder em um mundo em redefinição”

Área Temática: Ensino e Pesquisa em Relações Internacionais

PARTICIPAÇÃO DA MULHER NO ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIA POLÍTICA E

RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO BRASIL

Marcos Vinícius Isaias Mendes, Coppead/UFRJ.

Ariane Roder Figueira, Coppead/UFRJ.

Belo Horizonte – MG

Julho, 2017

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Participação da mulher no ensino e pesquisa em Ciência Política e

Relações Internacionais no Brasil

MENDES, Marcos Vinícius Isaias1.

FIGUEIRA, Ariane Roder2.

Resumo

Este artigo busca mapear e analisar a participação da mulher na produção científica brasileira

das áreas de Ciência Política e Relações Internacionais, no período de 2006 a 2016. Para

tanto, foram avaliadas a participação de mulheres na produção de teses e dissertações

advindas dos 37 programas de pós-graduação incluídos na área de Ciência Política e

Relações Internacionais da CAPES (considerando programas acadêmicos e profissionais),

bem como a sua representatividade nos quadros docentes e de coordenadoria desses

programas. Além disso, é avaliada a participação de mulheres como autoras de artigos

científicos publicados nas 15 revistas brasileiras classificadas qualis A1 e A2, categorizadas

nesta mesma área pela CAPES, bem como a frequência em que aparecem nomes de

mulheres como mais citados nos periódicos investigados. O método empregado foi a

bibliometria, em que se dimensionou quantitativamente esses 5 indicadores. Todos esses

fatores foram observados em formato longitudinal e explorados em perspectiva comparada

com os dados que expressam a totalidade. O debate de gênero nas relações internacionais

constituiu-se como alicerce teórico central do trabalho, possibilitando o desenvolvimento de

uma análise crítica dos dados empíricos coletados. Assim sendo, busca-se contribuir com a

área, ao evidenciar um retrato contemporâneo do papel desempenhado pela mulher nessa

área do conhecimento no Brasil, auxiliando, com isso, no preenchimento de um espaço ainda

pouco explorado pela literatura.

Palavras-chave: Mulher; Participação; Gênero; Ciência Política; Relações Internacionais

1 Mestre em Administração pelo Instituto Coppead de Pós Graduação e Pesquisa em

Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Bacharel em Gestão de Comércio

Internacional, e Bacharel em Administração, ambos pela Faculdade de Ciências Aplicadas da

Universidade Estadual de Campinas, Unicamp. E-mail: [email protected]

2 Doutora e Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, USP. Bacharel em

Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Unesp. Professora do

Instituto Coppead de Pós Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, UFRJ. Email: [email protected]

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Introdução

Em 1965 a socióloga americana Alice Rossi publicou, na revista Science, um artigo cujo título

apresentava a intrigante questão: Women in Science: Why So Few? (Rossi, 1965). Nesse

trabalho, ela argumentava que, até aquele momento, a sociedade americana já havia tomado

consciência das desvantagens sociais causadas pela raça e pela classe social, no entanto,

ainda permanecia insensível em relação às desvantagens causadas pelo gênero.

Aproximadamente 30 anos depois, a mesma revista publicou uma edição especial dedicada

às mulheres, e, em seu editorial de abertura, Daniel Koshland Jr. observou que o papel da

mulher na ciência vinha sendo debatido dentro e fora da academia. No entanto, apontou que

uma grande mudança ainda era necessária para derrubar as barreiras históricas impostas à

mulher, na ciência e em outras áreas da sociedade tradicionalmente dominadas pelos homens

(Koshland Jr., 1993)

A preocupação demonstrada pela Science permanece atual. Apesar de avanços em algumas

áreas, como a crescente participação de mulheres nas carreiras científicas (Batista e Righetti,

2017) e no mercado de trabalho (Leone e Teixeira, 2010), a mulher ainda sofre desvantagens

em uma multiplicidade de áreas. As disparidades de gênero continuam presentes em muitas

frentes e por diversas razões. Por exemplo: a sub-representação das mulheres nas carreiras

intensivas em matemática e outras ciências exatas (Ceci, Williams e Barnett, 2009), falta de

oportunidades educacionais, e de encorajamento por parte de pais e maridos (Koshland Jr.,

1993), maternidade e responsabilidades familiares (Urry, 2005), discriminação subconsciente

e medidas de produtividade (particularmente na academia) que privilegiam homens (Henley,

2015), para citar apenas alguns.

Nessa conjuntura, e em face às enormes disparidades ainda presentes, o campo dos “estudos

de gênero” alcançou grande destaque na Academia. Esses estudos tiveram origem nas ondas

feministas que emergiram no final do século XIX e tomaram consistência no século XX

(Narain, 2014). Visando inicialmente ao direito ao voto feminino, essas correntes evoluíram

para o debate de questões de maior escala como o fim da discriminação e políticas de

igualdade entre os sexos e, mais recentemente, para questões muito mais amplas e profundas

como a influência da etnia, da nacionalidade, da classe social e da religião como fontes de

diferenças entre as mulheres, e os debates sobre “identidade de gênero”.

Com a evolução desses estudos, hoje é possível falar em diversos tipos de “feminismos”,

agrupados desde correntes teóricas que afloram do socialismo mais radical até trabalhos

embasados no progressismo liberal, com estudos empregando as mais diversas

metodologias, de psicanalíticas (Lago, 2001) a positivistas (Reiter, 2015). Observa-se,

inclusive, uma vasta gama de periódicos focados nos estudos de gênero, com destaque para

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os americanos Gender and Society e Journal of Sex Research, e para os britânicos

Psychology of Women Quarterly e Feminist Theory, todos com alto fator de impacto. No meio

desse grande espectro, é possível identificar uma área de estudos que Lopes (1998)

reconhece como “feminismo e ciência” ou “estudos feministas da ciência”.

Um dos estudos de maior relevo sobre as mulheres na ciência foi A Cyborg Manifesto:

Science, Technology and Socialist-feminism in the late twentieth century (Haraway, 1991).

Nele, Donna Haraway defende a necessidade de “um mundo sem gênero”, fazendo uma

comparação entre seres humanos e ciborgues, ou seja, sem a utilização de categorias (como

o gênero) para reproduzir padrões exclusivistas que compartimentalizam identidades e

capacidades em hierarquias de poder historicamente construídas. Em outras palavras,

defende a ideia de uma ciência sem gênero. Trabalhos mais recentes também trataram da

questão, como Henley (2015), que estudou as principais barreiras existentes nos Estados

Unidos que impedem as mulheres de avançarem em carreiras científicas, e Urry (2015), que

analisou particularmente a baixa adesão de mulheres nas ciências naturais e tecnológicas,

como Física, Astronomia e Engenharia.

No Brasil, esses estudos tiveram suas origens em autoras como Fanny Tabak (Vasconcellos

e Lima, 2016), pioneira em estudos sobre a participação da mulher na política e na educação

superior no país. E foram continuados em estudos como Lopes (1998), que argumentou em

favor da construção sistemática e do fortalecimento da área de estudos sobre a mulher/gênero

nas ciências no Brasil, Velho e Leon (1998), que avaliaram de forma quantitativa a

participação de mulheres no corpo docente de quatro institutos da Unicamp, e Leta (2003),

que analisou a participação da mulher nos quadros discente e docente da UFRJ e da USP,

bem como a participação de pesquisadoras como líderes nos grupos de pesquisa cadastrados

no CNPq, concluindo que as mulheres estão sub-representadas em diversos âmbitos no

cenário científico brasileiro.

Especificando um pouco mais, considerando os estudos de gênero apenas na Ciência Política

(CP) e nas Relações Internacionais (RI), a literatura demonstra um grande avanço nas últimas

décadas. E as contribuições são diversificadas, indo desde a inserção do feminismo no debate

sobre segurança internacional (Sjoberg, 2010; Narain, 2014), até a contribuição do gênero

nos métodos de ensino pesquisa em Relações Internacionais (Stienstra, 2000; Mertus, 2007;

Reiter, 2015). Contudo, estudos dessa natureza ainda são incipientes no Brasil. Apesar de

algumas contribuições, como a de Mendes (2011), cuja monografia analisou a participação

da mulher na política e na diplomacia no Brasil, e a de Monte (2013), que se propôs a discutir

o gênero como categoria de análise para as Relações Internacionais, não foram encontrados

estudos brasileiros empíricos ou teóricos de grande expressão nessa temática.

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Nesse contexto, este artigo busca ajudar a preencher essa lacuna na literatura brasileira de

CP e RI. O objetivo central é mapear a participação da mulher na produção científica dessas

áreas através de cinco indicadores de análise: participação na autoria de dissertações de

mestrado e de teses de doutorado, presença no corpo docente e em cargos de coordenadoria

de programas de pós-graduação, autoria em artigos publicados em periódicos de alta

relevância, e autoria entre os artigos mais citados nesses mesmos periódicos. O período

considerado para a análise são os anos de 2006 a 2016, os programas de pós-graduação

considerados são os 37 categorizados pela CAPES nas áreas de CP e RI, e são considerados

os 15 periódicos brasileiros classificados em 2015 pela CAPES como A1 ou A2, ou seja, os

de maior qualidade. Com isso, o artigo visa a contribuir com a produção de um diagnóstico

sobre essa área do conhecimento no Brasil, com ênfase na representatividade da mulher, não

adentrando, porém, nas causas sociais, políticas e/ou econômicas que tenham influenciado a

maneira como esse retrato está configurado no país.

Para atingir esse propósito, o paper está dividido em seis seções além desta introdução. As

três próximas abordam, breve e respectivamente, a trajetória da participação das mulheres

na ciência, os estudos de gênero na CP e nas RI, e o contexto brasileiro relativamente a essas

questões. A seção seguinte trata do método utilizado na pesquisa, e é seguida pela seção de

resultados. Apresentamos em seguida algumas implicações deste estudo e sugestões de

estudos posteriores, nas considerações finais.

1. Mulheres na Ciência: breve histórico, principais percalços e políticas de inserção

Rossi (1965) analisou em profundidade a conjuntura de participação feminina em carreiras

nas ciências naturais, engenharia e medicina nos Estados Unidos da década de 1960. Ao

constatar o baixíssimo quantitativo de mulheres nessas profissões, a autora empreendeu-se

na busca das causas desse fenômeno. Entre os achados, identificou: prioridade dada ao

casamento e à família; “efeito” interrupção da carreira, associado à significativa retirada de

mulheres do mercado de trabalho entre as idades de 24 e 44 anos (normalmente os mais

produtivos da carreira), para exercerem o “papel” de mães e esposas; e a função maternal,

que fazia com que muitas mulheres abandonassem as carreiras nos anos iniciais de seus

filhos.

Segundo a mesma autora, parte dos motivos para isso residia na educação diferenciada entre

meninos e meninas. Segundo ela, as quatro principais habilidades para um cientista (alta

habilidade intelectual – especialmente espacial e matemática –, persistência no trabalho,

extrema independência e separação com relação às outras pessoas), eram desenvolvidas em

maior grau em meninos (influenciados a serem competitivos, assertivos, independentes e

dominantes na interação com outras crianças) que em meninas (estimuladas a possuir

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atitudes passivas, serem tímidas e dependentes). Dessa forma, Rossi (1965) acreditava que

uma maior inserção de mulheres em carreiras científicas dependia de uma educação que as

estimulasse, perpassando desde a instrução dada pelos pais a uma mudança na mentalidade

social, que normalmente atribuía papeis diferenciados para meninos e meninas.

Para Haraway (1991), o problema da sub-representação da mulher na ciência é produto de

um processo histórico mais amplo, de distribuição assimétrica de poder, inferiorizando não

apenas mulheres, mas também certas nacionalidades, etnias e classes sociais. Assim, para

essa autora, existe uma “informática da dominação”, para a qual a produção científica é uma

das ferramentas de controle, acessível apenas às hierarquias superiores. A autora defende,

a partir daí, que a “escrita” (entendida aqui como uma metáfora para a produção científica) é

uma das maneiras de combate a esse processo. Ou seja, produzir ciência per se já seria uma

forma de luta através da qual a mulher expressaria sua posição, seus interesses, suas

necessidades e críticas, em busca de um “mundo sem gênero”, ou uma realidade na qual o

gênero não carregue consigo matizes de poder desproporcionalmente distribuídas.

Um estudo recente da Associação Americana de Mulheres Universitárias (Hill, Corbett e Rose,

2010) demonstrou que fatores sociais e ambientais contribuem significativamente para a sub-

representação das mulheres na ciência, em consonância com o apontado por Rossi (1965).

Fatores como o estereótipo de que meninos são melhores que meninas em matemática têm

alta influência na performance em testes como o SAT (Scholastic Assessment Test) e nas

opções futuras de carreira, desencorajando mulheres a escolherem estudar engenharia ou

outros campos científicos.

Outros percalços enfrentados pelas mulheres em carreiras científicas, ou que as impedem de

optarem por tais carreiras, foram sistematicamente analisados na literatura. Dentre eles:

vieses inconscientes associados a funções “masculinas” e “femininas” (Rossi, 1965; Hill,

Corbett e Rose, 2010); trade-off família versus carreira (Ceci et al 2009); relações de poder

assimétricas (Haraway, 1991); critérios de sucesso e de produtividade acadêmica que

privilegiam homens, oportunidades limitadas de orientação acadêmica e falta de suporte

institucional para mães (Henley, 2015; Urry, 2015) e discriminação (Koshland Jr., 1993).

Em paralelo, um conjunto de políticas vem sendo propostas para facilitar a inserção de

mulheres na ciência. Por exemplo: políticas institucionais que reduzam o peso para as

mulheres, como trabalho por meio período enquanto possuírem filhos muito jovens (Koshland

Jr., 1993), medidas de produtividade que considerem atividades acadêmicas como ensino e

orientação de pós-graduandos tanto quanto a produção de artigos, uma vez que as pesquisas

indicam que mulheres dedicam-se mais àquelas atividades (Urry, 2015), apoio e incentivo

familiar, e educação que estimule o desenvolvimento de competências relacionadas à ciência,

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como curiosidade, habilidades espaciais e matemáticas e independência (Rossi, 1965; Urry,

2015; Hill, Corbett e Rose, 2010).

2. Estudos de gênero na Ciência Política e nas Relações Internacionais

A inserção do gênero como fonte metodológica e pedagógica na CP e nas RI vem sendo

discutida há algumas décadas. Particularmente nas RI, alguns autores têm se engajado no

debate sobre maneiras possíveis de se ensinar “gênero” nessa disciplina. Nesse sentido,

Stienstra (2000) explorou quatro abordagens para isso: 1) see no evil, read no evil, teach no

evil, na qual o gênero é irrelevante; 2) add women and stir: incorpora as mulheres, não o

gênero, no debate das RI, explorando apenas algumas questões “seletas” relacionadas à

teoria feminista, quando conveniente; 3) multiple paradigms, que reconhece a multiplicidade

de abordagens possíveis nas RI, considerando a inter-relação entre elas e, assim,

reconhecendo variadas formas de feminismos e variadas abordagens para o gênero na

disciplina; 4) creating gendered IR: na qual conceitos como política, poder, autonomia e

cooperação são redefinidos de modo a refletir as relações de gênero, intrincadas por critérios

como raça, religião, classe social e localização geográfica; envolve uma enorme

complexidade analítica, exigindo que os métodos e recursos das RI sejam repensados.

Em linha similar, Mertus (2007) identificou três variantes do feminismo nas RI. Uma primeira

abordagem, que ela denomina equality feminism, busca identificar as situações nas quais as

mulheres são “invisíveis” nas RI, exceto quando exercem papeis tipicamente masculinos;

semelhante à abordagem add women and stir de Stientra (2000), essa vertente defende que

a inclusão de mais mulheres em todas as áreas de representatividade seria suficiente para

satisfazer as demandas do feminismo. A segunda abordagem, por outro lado, reconhece a

existência de assimetrias de gênero na própria base do sistema político internacional, de

maneira que a definição dos problemas e grupos relevantes para as RI reflete os interesses

do “masculino” em detrimento do “feminino”. Por fim, a terceira abordagem reconhece

problemas epistemológicos na raiz do conhecimento gerado em RI, que adota uma

perspectiva tipicamente top-down (focada no Estado, na soberania e no poder) e negligencia

análises do tipo bottom-up (indivíduos, movimentos e grupos sociais, relações humanas),

portanto, geralmente desconsiderando ou obscurecendo a subordinação feminina.

Além dessas diferentes categorias de feminismo e das multíplices abordagens do gênero, os

acadêmicos de RI têm utilizado o gênero para debater questões clássicas na Política

Internacional. Um caso de destaque são as contribuições feitas na área de Segurança

Internacional, conforme pode ser verificado em trabalhos como Tickner (1992, 2001), Sjoberg

(2010) e Narain (2014). Particularmente em seu livro Gender in International Relations:

Feminist Perspectives on Achieving Global Security (Tickner, 1992), a professora J. Ann

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Tickner desafia a visão de autores realistas como Hans Morgenthau e Kenneth Waltz acerca

da militarização do Estado como estratégia de segurança global, bem como as tentativas

neorrealistas de aplicar o positivismo às RI, utilizando modelos como a escolha-racional e a

teoria dos jogos, com a justificativa de inserir “rigor científico” na disciplina. Contrariamente a

essas abordagens, Tickner (1992) entende que essa objetividade carrega consigo

“suposições masculinas”, desconsiderando as subjetividades inerentes à produção do

conhecimento em RI. Segundo ela: “feminist reformulations of the definition of security are

needed to draw attention to the extent to which gender hierarchies themselves are a source of

domination and thus an obstacle to a truly comprehensive definition of security” (Tickner, 1992

apud Narain, 2014, p.190).

Outra contribuição interessante e original é a de Colgan (2017), que investiga o nível em que

vieses de gênero existem no ensino das RI em nível de pós-graduação. Em seu estudo, o

autor observou influencias significativas do gênero dos docentes no modo em que as

disciplinas da área são lecionadas, sumarizadas em dois achados: 1) docentes mulheres

indicam trabalhos de autoras mulheres mais expressivamente do que docentes homens o

fazem; 2) docentes mulheres são mais relutantes em indicar sua própria produção como

leituras obrigatórias que os docentes homens. Reiter (2015), por sua vez, analisou uma

literatura, emergente a partir dos anos 2000, que insere o positivismo nos estudos de gênero

em RI. Segundo ele, embora a literatura não positivista de gênero esteja na origem desse

debate nas RI, a literatura positivista veio para complementá-la, especialmente pelo rigor

desses estudos, e por considerarem questões que tradicionalmente o positivismo

desconsiderou.

Com relação à Ciência Política de modo geral, o debate de gênero vem se inserindo na área

principalmente nas últimas décadas. Dahlerup (2010) destacou que a CP desconsiderou esse

debate até a década de 1970, porém, atualmente, trabalhos dessa natureza são apresentados

em quase todas as conferências do European Consortium for Political Research (ECPR), que

inclusive vem realizando um evento específico para o debate de gênero, a European

Conference on Politics and Gender, cuja 5ª edição será realizada em junho de 2017, em

Lausanne na Suíça. Ritter e Mellow (2000) destacam que os estudos de gênero têm

receptividades variadas nas diferentes áreas da CP nos Estados Unidos. Dividindo a área em

quatro subcampos (Teoria Política, Política Americana, Política Comparada e Política

Internacional), essas autoras verificaram grandes disparidades nos tipos e quantidades de

trabalhos produzidos em cada subcampo, identificando que apenas na Teoria Política os

estudos de gênero foram integralmente aceitos. Mais recentemente, porém, autores como

Mazur (2016) observaram que o debate vem se estabelecendo gradativamente nos demais

subcampos, como é o caso da Política Pública Comparada.

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3. Estudos de gênero e a participação da mulher na Ciência: o panorama do Brasil

Uma matéria recentemente publicada no jornal Folha de São Paulo trouxe a impactante

informação de que as “mulheres já produzem metade da ciência do Brasil” (Batista e Righetti,

2017). A matéria apresentou o dado de que 49% dos artigos científicos produzidos no país

são de autoria feminina, conforme apontado pela Elsevier no relatório Gender in the Global

Research Landscape (Elsevier, 2017).

Apesar dessa notícia positiva, os estudos produzidos no país relacionando gênero e ciência

não foram otimistas até bem recentemente. Lopes (1998), por exemplo, destacou que o

problema se iniciava pela negligência por parte dos cientistas sociais e historiadores da

ciência sobre a questão das mulheres / gênero nas ciências. No mesmo ano, Velho e Leon

(1998) diagnosticavam como precária a situação da mulher na ciência brasileira, partindo de

uma pesquisa de campo com docentes da Unicamp: “as mulheres ainda são minoria apesar

de certo crescimento desde os anos 70; concentram-se em algumas áreas do conhecimento,

particularmente naquelas de menor status, tendo presença muito fraca em outras; avançam

lentamente na carreira acadêmica, dificilmente atingindo o topo da mesma” (Leon, 1998, p.

343).

Nesse contexto, uma série de outros estudos foi produzida para examinar o fenômeno. Em

termos teóricos, Oliveira (2008) analisou como o gênero pode trazer novas contribuições para

as diferentes áreas da ciência. Segundo ela, os estudos de gênero podem expandir as

categorias de análise das ciências sociais e da saúde, incluindo questões como rotina diária,

experiência e emoção. Propôs, ainda, considerar o gênero como uma categoria relacional (de

atitude, comportamento e, geralmente, envolvendo aspectos subjetivos como identidade e

sexualidade).

Também foi produzida uma variedade de estudos empíricos sobre a temática. Leta (2003)

estudou a representatividade de mulheres nos quadros administrativos da USP, nos cursos

de graduação da UFRJ e como coordenadoras de grupos de pesquisa cadastrados no CNPq,

identificando que, além de sub-representadas nos quadros docentes e discentes, são menos

contempladas com bolsas de produtividade. Leta e Lewison (2003), por sua vez, analisaram

a produção científica de mulheres brasileiras entre 1997 e 2001, nas áreas de astronomia,

imunologia e oceanografia. A conclusão foi que, apesar de publicarem números similares de

papers, com impactos potenciais similares, e com a mesma probabilidade de participarem em

colaborações internacionais, os homens ainda recebem mais bolsas de pesquisa, sugerindo

a permanência de discriminações de gênero nos campos avaliados.

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Mais recentemente, Grossi et al (2016) avaliaram o panorama geral das mulheres na Ciência

no Brasil entre 2000 e 2013. Identificaram um crescimento constante no número de mulheres

que concluem o doutorado, e verificaram que elas se concentram particularmente em três

áreas: Ciências Biológicas, Ciências da Saúde e Humanidades. Apesar dos avanços, as

autoras observaram que as mulheres ainda enfrentam enormes obstáculos no país para se

inserirem e progredirem nas carreiras científicas.

4. Método de pesquisa

Com o objetivo de verificar o nível de participação da mulher na produção científica brasileira

nas áreas de Ciência Política e Relações Internacionais no período de 2006 a 2016, realizou-

se uma bibliometria. Para operacionalização da análise foram considerados alguns

indicadores. Primeiramente, foram investigados os 37 programas de pós-graduação

categorizados pela CAPES nas áreas de Ciência Política e Relações Internacionais,

consultados na Plataforma Sucupira em 14 de março de 2017. O objetivo nesta primeira fase

de pesquisa foi explorar três indicadores, sendo eles:

Participação da mulher na produção de dissertações de mestrado entre os anos de

2006 e 2016;

Participação da mulher na produção de teses de doutorado entre os anos de 2006 e

2016;

Quadro atual de representação da mulher em cargos docentes e de coordenadoria

desses programas.

Para a coleta de dados nessa primeira fase, houve a necessidade de contornar o problema

da ausência de informações cadastradas sobre o material produzido (teses e dissertações)

em todos os programas. Sendo assim, optou-se pela estratégia de buscar esses dados

através da análise dos currículos lattes de todos os docentes cadastrados em tais programas,

a fim de observar as teses e dissertações concluídas sob a supervisão desses docentes.

Foram 563 professores analisados na totalidade. Nesta fase, foram desconsideradas

orientações em outros programas fora da área investigada. Os dados foram organizados

dividindo-se essas orientações por sexo (do docente e do orientando), e por ano, construindo

uma ampla base de dados. Quando tivemos dificuldade de identificar o sexo do orientando,

analisamos seu currículo lattes. Quando persistia a dúvida, contabilizamos o orientando como

do sexo masculino, para não interferir (para cima) na participação da mulher. Não tivemos

dificuldade na identificação do sexo de nenhum docente. Essa mesma base de dados

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forneceu subsídios para avaliar a representatividade feminina nos quadros docentes e de

coordenadoria desses programas.

Já a segunda fase da pesquisa foi relacionada à produção científica de mulheres em

documentos publicados nos 15 periódicos categorizados pela CAPES como A1 e A2

(catalogados no quadriênio 2013-2016). Para isso, foram considerados outros dois

indicadores:

Participação da mulher na produção de artigos científicos, considerando as diversas

naturezas possíveis: artigos, resenhas, entrevistas, cartas, dentre outros, entre os

anos de 2006 e 2016;

Frequência de mulheres na autoria de artigos mais citados produzidos entre os anos

de 2006 e 2016.

Para coleta e análise desses dados foram consultados e catalogados todos os números

publicados dentro do marco temporal investigado. Na sequência, objetivando observar a

existência de mulheres entre os autores mais citados nas 15 revistas científicas investigadas,

procedeu-se da seguinte forma. Realizou-se consulta1 na página de periódicos CAPES, no

campo “Buscar por base”, sendo selecionado “SciELO Citation Index (Web of Science)”2. Em

seguida, no campo pesquisa básica escreveu-se o nome da revista sob investigação,

selecionando o índice de busca “nome da publicação”. Além disso, no campo “tempo

estipulado” foram selecionados os anos de 2006 a 2016, sendo avaliadas revista por revista.

Na página de resultados, os artigos foram classificados por “Número de citações – maior para

menor”, sendo catalogados os 3 artigos mais citados de cada revista, verificando-se a

existência de autores do sexo feminino. Os resultados foram tabulados MS Excel, podendo

ser observado na tabela 3.

5. Resultados de pesquisa

5.1. Participação da mulher na produção de dissertações de mestrado

Dentro do período investigado, no que tange ao aspecto de dissertações produzidas nas áreas

de Ciência Política e Relações Internacionais, houve certo equilíbrio, quando comparamos a

1 Essa consulta foi realizada no dia 19 jun. 2017.

2 Observamos que caso tivéssemos feito a pesquisa usando a base “Web of Science - Coleção Principal

(Thomson Reuters Scientific)”, o número de citações seria superior, já que essa base é mais ampla que

a Scielo. No entanto, optamos por utilizar a Scielo porque todos os 15 periódicos investigados são

indexados nessa base, mas nem todos são indexados na Thomson Reuters Scientific.

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produção feminina com a masculina. Houve, inclusive, um quadro de melhora em tempos

recentes. Se em 2006 o total de dissertações produzidas por mulheres (67) era bem similar

ao total produzido por homens (77), atualmente esses valores estão convergindo e, nos anos

de 2014 e 2016, foram ultrapassados, constatando-se, respectivamente, 154 e 153

dissertações escritas por mulheres, e 132 e 144 escritas por homens.

Gráfico 1. Dissertações escritas por homens e mulheres, 2006-2016.

Fonte: Autores

Quando o foco é direcionado para os docentes orientadores, no entanto, as disparidades são

mais evidentes. Em 2006, 27,1% das dissertações de mestrado em CP e RI foram orientadas

por mulheres, ao passo que em 2016 esse percentual evoluiu para 35,7%, o mais alto no

período considerado. Evidentemente, esses dados devem ser comparados com o total de

docentes homens e mulheres no período para se ter uma análise mais apurada da situação.

Em termos absolutos, do total de 2338 dissertações de mestrado catalogadas entre 2006 e

2016, 1247 (53,3%) foram escritas por homens, e 1091 (46,7%) por mulheres. Com relação

aos orientadores, 1625 (69,5%) desses trabalhos foram supervisionados por homens, e

apenas 713 (30,5%) por mulheres.

0

50

100

150

200

250

300

350

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Dissertações Mulheres

Dissertações Homens

Total

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11

Gráfico 2. Dissertações orientadas por homens e mulheres, 2006-2016.

Fonte: Autores

5.2. Participação da mulher na produção de teses de doutorado

Quando consideramos a produção de teses de doutorado, os números desfavorecem ainda

mais as mulheres. Elas escreveram menos teses de doutorado que os homens em todos os

anos considerados. Os anos em que houve maior aproximação foram 2007, com 13 teses

escritas por mulheres e 20 por homens, e 2011, em que 40 trabalhos foram escritos por

mulheres e 48 por homens. Porém, vale a pena observar que entre 2006 e 2016 o número de

teses defendidas por mulheres cresceu 600% (de 6 para 42), ao passo que o crescimento no

número de teses escritas por homens foi apenas 205,3% (de 19 para 58).

Gráfico 3. Teses escritas por homens e mulheres, 2006-2016.

Fonte: Autores

0

50

100

150

200

250

300

350

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Orient. Diss. Mulheres

Orient. Diss. Homens

Total

0

20

40

60

80

100

120

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Teses Mulheres

Teses Homens

Total

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Os números são mais discrepantes quando focamos no sexo dos orientadores. Além de terem

orientado menos teses em todos os anos considerados, houve pequena variação percentual

na participação feminina em orientações desse tipo (24% em 2006 para 28% em 2016).

Novamente, cabe observar que tais dados devem ser comparados com o percentual de

homens e mulheres no corpo docente dos programas de pós-graduação analisados.

Gráfico 4. Teses orientadas por homens e mulheres, 2006-2016.

Fonte: Autores

Ao todo foram defendidas 778 teses de doutorado no período, das quais 491 (63,1%) tiveram

autoria masculina e 287 (36,9%), autoria feminina. Ou seja, a divergência é maior que em

relação às dissertações de mestrado, desfavorecendo as mulheres. Ademais, 596 (76,6%)

teses foram orientadas por homens, e 182 (23,4%) por mulheres.

5.3. Representatividade da mulher em cargos docentes e de coordenadoria

Foram considerados os 37 programas de pós-graduação categorizados pela CAPES na área

de Ciência Política e Relações Internacionais em todo o Brasil. Desse total, 32 pertenciam à

modalidade acadêmica, e 5 à modalidade profissional. Dos programas da modalidade

acadêmica, 20 possuíam mestrado e doutorado, e 12 possuíam apenas mestrado.

Em termos absolutos, esses 37 programas reuniam um total de 592 docentes, sendo 207

mulheres (35%) e 385 homens (65%). Além disso, apenas 4 desses programas possuíam

mais mulheres que homens entre seus professores, e 2 deles apresentavam quantidades

iguais. Ou seja, a esmagadora maioria (31, ou 83,7%) possui mais homens que mulheres em

seu corpo docente.

0

20

40

60

80

100

120

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Teses Orient. Mulheres

Teses Orient. Homens

Total

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Tabela 1. Perfil dos Docentes dos Programas de Pós Graduação em Ciência Política e Relações

Internacionais no Brasil

Perfil dos

docentes Programas

Total

> 50% mulheres Cartografia Social e Política da Amazônia (UEMA), Políticas

Públicas (UEM), Análise e Gestão de Políticas Internacionais (PUC-

Rio), Políticas Públicas (UFRGS).

4

50% mulheres Políticas Públicas e Direitos Humanos (UFRJ) e Relações

Internacionas (UERJ). 2

Entre 50% e 30%

mulheres

Ciência Política (UFPEL), Relações Internacionais (UnB), Relações

Internacionais (UFPB), Relações Internacionais (USP), Relações

Internacionais (PUC-Rio), Relações Internacionais (UFSC),

Relações Internacionais (PUC-MG), Relações Internacionais (UFU),

Ciência Política (UFMG), Ciência Política (UFG), Ciência Política

(UFSCar), Ciência Política (Unicamp), Ciência Política (UERJ),

Ciência Política (UFRGS), Ciência Política (UFPA), Políticas

Públicas (UNIPAMPA).

16

< 30% mulheres

Políticas Públicas (UFABC), Políticas Públicas (UFPE), Gestão de

Políticas Públicas e Segurança Social (UFRB), Economia Política

Internacional (UFRJ), Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS),

Ciência Política (UnB), Ciência Política (UFCG), Ciência Política

(UFPE), Ciência Política (USP), Ciência Política (UFF), Ciência

Política (UFPI), Ciência Política (UFPR), Relações Internacionais

(San Tiago Dantas), Relações Internacionais (UFBA), Ciência

Política e Relações Internacionais (UFPB).

15

TOTAL 37

Fonte: Autores

Em relação à gestão desses programas, 11 deles eram coordenados por mulheres (29,7%) e

26 eram coordenados por homens (70,3%). Ou seja, os cargos de direção ainda são

essencialmente masculinos.

5.4. Participação da mulher na produção de artigos científicos

Através de nossa análise verificamos que as mulheres participaram da produção de 50,8%

dos artigos publicados nos 15 periódicos considerados, entre 2006 e 2016. No entanto,

observamos uma alta variabilidade na participação da mulher entre essas revistas. Por

exemplo, revistas como a Saúde e Sociedade e os Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos

Chagas), que tiveram altos percentuais de mulheres entre seus autores (85,2% e 72,6%,

respectivamente) contrastam com periódicos como a Revista de Economia Política e a Novos

Estudos CEBRAP, que apresentaram as menores participações femininas no período (23,7%

e 28,7%, respectivamente).

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Tabela 2. Participação de Mulheres (M) na Produção de Artigos Publicados entre 2006 e 2016.

Periódico Estrato M Total M (%) Total (%)

Dados (Rio de Janeiro. Impresso) A1

133

327 40,7 % 100 %

Opinião Pública (UNICAMP. Impresso) A1

104

215 48,4 % 100 %

Revista Brasileira de Ciências Sociais (Online) A1

174

501 34,7 % 100 %

Revista Brasileira de Política Internacional (Online) A1

100

273 36,6 % 100 %

Brazilian Political Science Review A2

70

191 36,6 % 100 %

Caderno CRH (UFBA. Impresso) A2

235

501 46,9 % 100 %

Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas. Impresso)

A2

377

519 72,6 % 100 %

Contexto Internacional (on-line) A2

87

228 38,2 % 100 %

História, Ciências, Saúde-Manguinhos (Impresso) A2

621

1.068 58,1 % 100 %

Lua Nova (Impresso) A2

101

281 35,9 % 100 %

Novos estudos CEBRAP (Online) A2

128

446 28,7 % 100 %

Revista de Administração Pública (Impresso) A2

371

672 55,2 % 100 %

Revista de Economia Política (Online) A2

112

472 23,7 % 100 %

Revista de Sociologia e Política (Online) A2

143

427 33,5 % 100 %

Saúde e Sociedade (Online) A2

869

1.020 85,2 % 100 %

TOTAIS

3.625

7.141 50,8 % 100 %

Legenda: Foram considerados artigos que apresentaram pelo menos uma mulher como autora,

independente da ordem de autoria.

Fonte: Autores

Por outro lado, a análise longitudinal (ano a ano) não mostrou muita variabilidade percentual

entre os artigos com autoria feminina em relação ao total de artigos publicados pelos 15

periódicos. O menor percentual foi verificado em 2006, quando 220 artigos com autoria

feminina foram publicados, sobre um total de 503 artigos (43,7% de autoria feminina), e o

maior percentual ocorreu em 2013, com 386 artigos de autoria feminina frente a 691 artigos

na totalidade (55,9% de autoria feminina).

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5.5. Frequência de mulheres na autoria de artigos mais citados

Na análise desse indicador, verificamos os três artigos mais citados publicados entre 2006 e

2016, em cada um dos 15 periódicos avaliados. Examinamos quantos desses artigos

possuíam a participação de mulheres como pelo menos um dos autores. Do total de 15

revistas, 8 possuíam exatamente 1 artigo de autoria feminina entre os três mais citados, 5

possuíam exatamente 2 artigos nessa mesma situação, e em duas dessas revistas (Cadernos

de Pesquisa e Lua Nova) os três artigos mais citados tiveram a participação de pelo menos

um autor do sexo feminino.

Tabela 3. Frequência de Mulheres como Autoras nos 3 Artigos Mais Citados por Periódico.

Artigos com

Autoria Feminina

Periódicos Total

0 - -

1

Opinião Pública (UNICAMP. Impresso), Novos estudos CEBRAP

(Online), Revista de Economia Política (Online), Saúde e

Sociedade (Online), Brazilian Political Science Review, Revista de

Administração Pública (Impresso), Dados (Rio de Janeiro.

Impresso), Revista Brasileira de Política Internacional (Online)

8

2

Revista Brasileira de Ciências Sociais (Online), Caderno CRH

(UFBA. Impresso), Revista de Sociologia e Política (Online),

Contexto Internacional (on-line), História, Ciências, Saúde-

Manguinhos (Impresso)

5

3 Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas. Impresso),

Lua Nova (Impresso) 2

Legenda: Foram considerados os três artigos mais citados entre todos aqueles publicados entre 2006

e 2016, nos 15 periódicos analisados.

Fonte: Autores

Além disso, dos 45 artigos considerados (15 revistas x 3 artigos por revista), 24 tiveram pelo

menos uma autora mulher (53,3%) e 21 tiveram apenas autores homens (46,7%). Ademais,

quando analisamos a média de citações dos artigos com autoria feminina (18,83), o resultado

é muito similar à média de citações dos artigos sem a participação de mulheres (19,57). Sendo

assim, esses dados revelam uma alta relevância da produção científica de mulheres nesses

periódicos, identificados como os de maior qualidade nas áreas de CP e RI no país.

Considerações Finais

Este artigo buscou trazer um diagnóstico recente sobre a participação da mulher na produção

científica brasileira dentro da área de Ciência Política e Relações Internacionais, seguindo,

para tanto, alguns critérios de mensuração dentro de um período de 10 anos (2006 a 2016).

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Esses dados foram subsidiados por um debate teórico que tem perpassado diversas áreas da

Ciência, e de maneira crescente, destacando o papel da mulher nas diversas esferas da

sociedade, seus direitos, as vitórias já conquistadas e os desafios ainda presentes.

Alguns estudos brasileiros buscaram dar enfoque à questão de gênero dentro de diferentes

áreas do conhecimento, mas não foram evidenciadas análises direcionadas às áreas de

Ciência Política e Relações Internacionais que tivessem o mesmo enfoque deste trabalho.

Neste sentido, os dados apresentados neste estudo revelaram que há, em todos os

indicadores avaliados, uma trajetória ascendente da participação da mulher dentro dessas

áreas do conhecimento. No entanto, cabem algumas ressalvas. Nas dissertações produzidas

houve, em tempos recentes, um certo equilíbrio de gênero, o que não se verificou no caso

das teses de doutorado, cuja predominância masculina é bastante evidente. Outra distorção

de representatividade entre os gêneros foi nas orientações de mestrado e doutorado, que

denotam que, a despeito de haver formação acadêmica similiar (titulação) entre os docentes,

os homens predominam em cargos ou funções estratégicas dentro das organizações, tais

como orientadores e também como coordenadores de programas de pós-graduação.

A diferenciação, contudo, sobre o dominância masculina nas áreas ocorreu na produção de

artigos científicos e na frequência de mulheres na autoria de artigos mais citados. Por

exemplo, as mulheres apresentaram participação bastante elevada (53,3%) na autoria dos

artigos mais citados, em relação aqueles trabalhos com autoria excluivamente masculina

(46,7%). Ou seja, elas têm uma produção consideravelmente alta nos periódicos científicos

classificados como A1 e A2 no Qualis Capes. Cabe destacar, porém, que devido a avaliação

“cega” dos pareceristas desses periódicos, não há como eles saberem se o autor do artigo é

homem ou mulher, o que favorece a extração do peso da variável gênero no julgamento e na

tomada de decisão sobre a publicação.

Por fim, cabe ressaltar algumas possibilidades futuras de estudos que visem complementar

esse diagnóstico, ampliando o marco temporal ou o número de indicadores de análise ou,

ainda, fazendo retrato de outras áreas do conhecimento. Surveys direcionadas a compreender

o fenômeno a partir da análise de percepção, estudos comparados dentro da mesma área do

conhecimento com outros países, ou com outras áreas do conhecimento, ou ainda estudos

qualitativos que visem a trazer uma observação mais aprofundada do fenômeno

complementarão os reultados deste, e possibilitarão uma interpretação mais holística do

fenômeno investigado.

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