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Grupo Temático 1: Transparência, Governo Aberto e Participação BARRETO, A. R. M.; TEIXEIRA, E. M. B. 139 PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO PÚBLICA DE MOSSORÓ-RN Adna Raquel de Morais Barreto 1 Ester Medley Bezerra Teixeira 1 RESUMO Com o processo de redemocratização após o período ditatorial e a elaboração da Constituição de 1988, o modelo de administração pública patrimonialista passou a ser substituído pelo modelo gerencial priorizando a eficiência e a participação popular na elaboração das políticas públicas. O presente artigo aborda por meio de breve revisão bibliográfica como esta transformação ocorreu na gestão pública do Brasil e em seus municípios, onde essa participação se mostra mais acentuada e efetiva. Além disso, o trabalho se propôs a investigar as formas de participação social implementadas no município de Mossoró/RN, realizando, para tanto, levantamento dos dados disponíveis nos canais oficiais de informação da Prefeitura Municipal e trabalhos anteriores que abordaram a temática na mesma localidade. Como resultados, apresenta-se uma análise da efetividade das ações desenvolvidas, bem como das dificuldades encontradas na consolidação de uma gestão democrática no município. Palavras-Chave: Políticas Públicas. Gestão Pública. Participação Popular. 1 Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA).

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Grupo Temático 1: Transparência, Governo Aberto e Participação BARRETO, A. R. M.; TEIXEIRA, E. M. B.

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PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO PÚBLICA DE

MOSSORÓ-RN

Adna Raquel de Morais Barreto1 Ester Medley Bezerra Teixeira1

RESUMO Com o processo de redemocratização após o período ditatorial e a elaboração da Constituição de 1988, o modelo de administração pública patrimonialista passou a ser substituído pelo modelo gerencial priorizando a eficiência e a participação popular na elaboração das políticas públicas. O presente artigo aborda por meio de breve revisão bibliográfica como esta transformação ocorreu na gestão pública do Brasil e em seus municípios, onde essa participação se mostra mais acentuada e efetiva. Além disso, o trabalho se propôs a investigar as formas de participação social implementadas no município de Mossoró/RN, realizando, para tanto, levantamento dos dados disponíveis nos canais oficiais de informação da Prefeitura Municipal e trabalhos anteriores que abordaram a temática na mesma localidade. Como resultados, apresenta-se uma análise da efetividade das ações desenvolvidas, bem como das dificuldades encontradas na consolidação de uma gestão democrática no município. Palavras-Chave: Políticas Públicas. Gestão Pública. Participação Popular.

1 Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA).

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1 INTRODUÇÃO

A participação social, que também pode ser chamada dos cidadãos, popular,

democrática, comunitária, entre outros, é conceituada por Milani (2008, p. 554) como

a prática de inclusão dos cidadãos e das Organizações da Sociedade Civil no

processo decisório de políticas públicas. Projetos de desenvolvimento e políticas

públicas locais considerados progressistas e inovadores têm se preocupado em

fomentar a participação dos diferentes atores sociais e criar uma rede de

informação, elaboração, implementação e avaliação das decisões políticas.

No Brasil, a Constituição de 1988 demarcou o processo de alargamento da

democracia, resultando na criação de espaços públicos e crescente participação da

sociedade civil nos debates e decisões sobre a formulação de políticas públicas.

Foram estabelecidas a participação direta por meio de referendo, plebiscito e

iniciativa popular; e a democracia participativa a partir de representação paritária de

atores governamentais e da sociedade civil em Conselhos Gestores de Políticas

Públicas, em todos os níveis de governo. (CASTRO, 2010, p. 23)

Desde então, a participação social tem sido reafirmada no Brasil como

fundamental na garantia da efetiva proteção social contra riscos e vulnerabilidades,

bem como dos direitos sociais. Além da garantia dos direitos sociais nos campos da

educação, saúde, assistência social, previdência social e trabalho, com maior ou

menor sucesso, a constituição trouxe inovações institucionais que visavam

assegurar a presença dos múltiplos atores sociais na formulação, gestão,

implementação e controle das políticas públicas. (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005,

p. 374-375)

Para Fedozzi et al (2012, p. 21), a participação, individual e coletiva, é

fundamental para a manutenção do Estado democrático, sendo este não apenas o

conjunto de instituições representativas, mas uma sociedade participativa. Dessa

forma, considerando que os municípios foram outorgados, na constituição, como as

centralidades de execução de políticas sociais, devido principalmente a estratégica

proximidade do cidadão com o governo local (BARBOSA, 2010, p. 1), este trabalho

foi realizado com o intuito de verificar as formas de participação social

implementadas no município de Mossoró/RN e analisar a efetividade de seus

resultados. Para tanto, a metodologia utilizada consistiu em breve revisão

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bibliográfica sobre os temas que envolvem a participação social na gestão pública e

sobre como ela tem se desenvolvido no país de uma forma geral e, de forma mais

isolada, nos municípios; além do levantamento dos dados disponíveis nos canais

oficiais de informação da Prefeitura Municipal de Mossoró, bem como em outros

trabalhos realizados na área.

2 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Saravia e Ferrarezi (2006, p. 28) definem política pública como um fluxo de

decisões públicas, destinadas a manter o equilíbrio social ou introduzir desequilíbrios

que modifiquem uma realidade específica. Pode ter diversas finalidades de alguma

forma desejadas pelos grupos que participam do processo decisório. Milani (2008, p.

574) esclarece que uma ação pública não se restringe à ação governamental, mas

trata-se de uma ação coletiva em que atores governamentais e não-governamentais

tomam parte de um processo político sobre um assunto de natureza pública e o nível

de intensidade dessa ação pública está associado ao grau com que os atores

envolvidos estão comprometidos com uma política pública específica.

Para Pereira (2009, p. 3), o que garante a inviolabilidade de uma política é o

seu caráter político, que indica sua legitimidade democrática e normativa, assim

como o fato desta não ser redutível ao poder discricionário dos governantes; ao jogo

de interesses particulares e partidários; ao clientelismo ou aos azares da economia

de mercado. A política pública compromete todos (inclusive a lei, que está acima do

Estado) e envolve tanto o Estado no atendimento de demandas e necessidades

sociais, quanto à sociedade no controle democrático desse atendimento.

O discurso sobre a participação social começou a surgir nos manuais de

agências internacionais de cooperação para o desenvolvimento, que apontava a

necessidade do uso de ferramentas participativas no âmbito nos programas de

reforma do Estado e políticas de descentralização, e também por parte de governos

locais que afirmavam que a participação dos cidadãos poderia promover estratégias

de inovação e de radicalização da democracia local. Além de se encontrar presente

no campo acadêmico e intelectual como resposta aos impactos nocivos do Estado-

providência na construção de uma cidadania ativa. (MILANI, 2008, p. 554)

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Silva, Jaccoud e Beghin (2005, p. 375) apontam três motivos pelos quais a

participação social é necessária à garantia dos direitos sociais, à proteção social e à

democratização das instituições: o primeiro é que a participação social é

responsável por promover a transparência na deliberação e visibilidade das ações,

contribuindo para democratização do sistema decisório; em segundo lugar, permite a

maior expressão e visibilidade das demandas sociais, permitindo que haja avanço

na promoção da igualdade e equidade nas políticas públicas; e, por fim, proporciona

à sociedade a oportunidade de intervir nas ações estatais, utilizando diferentes

movimentos e formas de associativismo, podendo defender a manutenção e

alargamento de direitos, demandar ações e executá-las.

Gohn (2004, p. 24) reforça que a participação da sociedade civil na esfera

pública não deve ter o intuito de substituir o Estado, mas sim de lutar para que este

cumpra seu dever, que é o de propiciar educação, saúde e demais serviços sociais

com qualidade e para todos. Dessa forma, a participação da sociedade civil é

importante não apenas para ocupar o espaço dos representantes de interesses

econômicos, mas principalmente para democratizar a gestão da coisa pública,

invertendo as prioridades da administração para políticas que atinjam às reais

necessidades da sociedade e não apenas questões emergenciais.

A participação social tem, portanto, relevância tanto na expressão de

demandas da sociedade como na democratização da gestão e execução das

políticas públicas. É ela que redefine a forma de interação entre os espaços

institucionais e a sociedade civil organizada, garantindo que não haja nem a recusa

à participação da sociedade, nem uma participação polarizada por parte desta, e

nem sua absorção pela máquina estatal, porque o Estado participa da negociação

entre os diferentes grupos da sociedade, mediando os conflitos e divergências nas

formas de equacionamento e resolução das questões sociais. (SILVA; JACCOUD;

BEGHIN, 2005, p. 375; GOHN, 2004, p. 29)

3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL

Até o início de seu processo de democratização, o Brasil foi considerado um

país com baixa propensão associativa, fato este que pode estar relacionado às

formas verticais de organização da sociabilidade política, herdadas do processo de

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colonização. Dessa forma, a esfera pública do país constituiu-se fraca e ampliadora

da desigualdade social gerada pela esfera privada. Somente na década de 1970

surgiria uma sociedade civil autônoma e democrática, acompanhada do crescimento

de associações civis, defesa da autonomia organizacional em relação ao Estado e

de formas populares de apresentação de demandas e negociação com o Estado.

(AVRITZER, 2006, p. 2)

Após a redemocratização vivida pelo Brasil e a promulgação da Constituição

de 1988, foi estabelecido no país um novo modelo de gestão de políticas públicas,

pautado na participação organizada da sociedade civil, na elaboração e controle da

implementação das políticas e, principalmente, fiscalização da aplicação dos

recursos públicos. Tornou-se necessário redimensionar a definição do que é

democracia. A democracia, outrora limitante da participação popular ao simples ato

de escolher seus representantes através do voto, é hoje insuficiente para explicar as

novas práticas políticas e a ampliação da participação da sociedade nas decisões e

atos públicos.

Esta redefinição foi acompanhada da elaboração de novos mecanismos que

promovessem a participação popular de modo a conferir e garantir maior eficiência

nas ações do governo. A democracia participativa proporciona novo fôlego na luta

contra a exclusão social e no alcance de uma cidadania mais efetiva. (ROCHA,

2011, p. 173)

A Constituição Federal promulgada em 1988 transportou essas características

democráticas para a gestão das políticas públicas, sugerindo um novo formato

fundamentado nos princípios da descentralização, municipalização e participação da

sociedade civil desde a deliberação das diretrizes das políticas até o planejamento,

execução e controle dos programas e projetos. (TEIXEIRA, 2007, p. 155)

Algumas formas de participação popular na tomada de decisões sobre

políticas públicas, que são estimuladas na CF/88, são o princípio de cooperação

com associações e movimentos sociais no planejamento municipal e de participação

direta da população na gestão administrativa da saúde, previdência, assistência

social, educação e criança e adolescente. Porém, é válido destacar que, apesar da

abrangência desses princípios ser nacional, a cultura política de cada região, estado

e município afeta a condução bem sucedida de políticas públicas participativas,

assim como a forma pela qual se dá essa participação. (MILANI, 2008, p. 561)

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Orçamentos participativos, conselhos de políticas públicas, fóruns e redes de

desenvolvimento local, círculos de estudos, conferências de construção de

consenso, pesquisas deliberativas e júris de cidadãos são exemplos das inúmeras

experiências de participação social que podem ser citadas. Estas tanto podem estar

ligadas ao processo de construção da cidadania e à promoção do protagonismo

autônomo da sociedade civil, como a iniciativas do poder público com a finalidade de

descentralização e modernização do Estado. (MILANI, 2008, p. 561)

Pereira (2007, p.10, 13) aponta algumas mudanças na forma de atuação do

Estado brasileiro nas políticas urbanas. Primeiramente, a construção de espaços

híbridos, em que há o compartilhamento dos poderes institucionais entre o Estado e

a sociedade civil, como é o caso do Orçamento Participativo e dos conselhos de

políticas e/ou de desenvolvimento urbano; Cooperações entre diferentes níveis de

governo, nas quais cada uma conserva suas prioridades e especificidades,

garantidas pela participação das comunidades na elaboração e execução dos

programas e no distanciamento gradativo do Governo Federal após a

descentralização constitucional. Mas, apesar de existir a responsabilização dos três

Poderes, na prática, eles ainda não possuem agendas comuns pré-estabelecidas; E,

por fim, contratos público-privados locais, em que as comunidades se tornam

partícipes e corresponsáveis pela elaboração, gestão e acompanhamento de

projetos.

De acordo com Avritzer (2006, p. 23), existem no Brasil cerca de 10.000

conselhos de políticas públicas, originadas no processo Constituinte e na legislação

que se seguiu especialmente nas áreas de saúde, assistência social e meio

ambiente. Esses conselhos são mecanismos de deliberação pública criados no

interior do Poder executivo para a participação da sociedade civil, além de

representantes de provedores de serviços privados. São instituídos nas três

instâncias da federação e por isso possuem o maior grau de institucionalidade

formal dentre as demais experiências participativas. Neles, os participantes possuem

a prerrogativa de, juntamente com o poder público, deliberar sobre as políticas,

exercer controle direto e regular as ações do governo.

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4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NOS MUNICÍPIOS

Apesar da democracia deliberativa, intimamente associada ao conceito de

participação social, ter sido concebida como uma macroteoria, são muitas as

dificuldades para a sua prática em processos de amplo curso e larga escala, como

nacional ou regionalmente. De forma que as investigações a esse respeito têm se

dado em públicos mais restritos, como é o caso de municípios. Ainda assim, são

poucas as experiências de práticas deliberativas em sua totalidade, especialmente

em um contexto de alta desigualdade socioeconômica, como é o do nosso país.

(FEDOZZI et al, 2012, p. 24)

No início do processo de democratização no Brasil, o associativismo cresceu

nas grandes cidades e três grandes tipos de associações redefiniam a forma de

fazer política: associações religiosas; associações de classe média, que a partir do

começo dos anos 1990 seriam conhecidas como ONG’s criadas fundamentalmente

a partir de uma reestruturação da ação da esquerda brasileira durante o processo de

democratização; e associações populares concentradas em áreas como o

associativismo comunitário e o associativismo ligado a temas específicos, tais como

saúde e habitação. Entretanto, não existem muitos dados disponíveis sobre

organização da sociedade civil em pequenas cidades brasileiras. Na região

Nordeste, os poucos dados mostram que mesmo em cidades que possuem políticas

sociais participativas, há um baixo grau de associativismo. (AVRITZER, 2006, p. 5)

Com a CF/88 o Brasil atingiu o ápice da descentralização fiscal, e a

municipalização de políticas públicas foi se consolidando ao longo dos anos 1990,

assumindo diferentes ritmos de acordo com a área. Porém, isso não resultou

necessariamente em uma democratização do poder local, nem refletiu em uma

melhoria da gestão das políticas. Na maioria dos casos, o potencial transformador

da descentralização foi reduzido por consequência dos poucos controles da

sociedade sobre as ações do poder público, além da baixa qualidade da burocracia

municipal. Contudo, houve também efeitos positivos advindos das inovações

experimentadas nas políticas públicas realizadas por governos locais, como o

Orçamento Participativo, o Programa Bolsa Escola, o Programa Mãe Canguru,

dentre outros. (ABRUCIO; FRANZESE, 2007, p. 7-8)

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Barbosa (2010, p.4) ressalta que a descentralização deveria ser um indicador

de transformações no sentido da política pública, já que tinha a participação social

como decisiva no âmbito da formulação, execução e gestão das ações. De forma

que não poderia se restringir a uma simples passagem de atribuições entre entes

federativos, pois preconizava o empoderamento cidadão baseado na gestão

territorial de proximidade.

Gohn (2004, p. 24) elenca quatro razões pelas quais a participação social é

relevante no contexto local: a primeira delas é que, para ele, uma sociedade

democrática só é possível pelo caminho da participação dos indivíduos e grupos

sociais organizados; e que é a partir do plano micro que se dá o processo de

mudança e transformação na sociedade; o plano local é onde se concentram as

energias e forças sociais da comunidade, onde ocorrem as experiências,

constituindo a fonte do verdadeiro capital social; e é no território local que se

localizam instituições importantes no cotidiano de vida da população, como as

escolas, os postos de saúde etc., sendo fundamental na definição de objetivos que

respeitem as culturas e diversidades específicas, que criem laços de pertencimento

e identidade sociocultural e política.

5 PARTICIPAÇÃO POPULAR NA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL DE

MOSSORÓ-RN

Mossoró, localizada na região oeste do Rio Grande do Norte, é a segunda

cidade mais populosa do estado, 259.815 habitantes, segundo dados do último

censo do IBGE (2010). Possui IDH de 0,720 e, portanto, considerada de médio

desenvolvimento urbano. Suas principais atividades econômicas são a fruticultura

irrigada e a indústria salineira.

No cenário político Mossoró permanece sob o controle de grupos oligárquicos

tradicionais, em especial os Rosados, que se alternam e influenciam na

administração da cidade, direta e indiretamente, há mais de 60 anos. Como traço

característico e predominante do modo de governar dos Rosados está a criação de

instituições públicas de natureza cultural como meio de sobrevivência política.

(ALMEIDA, 2009, p. 9)

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A participação popular pode ser vista, nos últimos anos, não só nos discursos

progressistas e democráticos, pois se tornou referência para todos partidos inseridos

em um sistema de governo democrático e vêm se apresentando nos discursos e

ações da direita e esquerda.

Na Lei Complementar n° 001/2000, que dispõe sobre a organização do

quadro administrativo da Prefeitura Municipal de Mossoró, fica claro o esforço pela

adequação da gestão municipal ao novo modelo gerencial, pautado nos princípios

neoliberais e na ampliação do conceito de cidadania por meio da participação

popular, que ganhou maior espaço no Brasil em 1995 no governo de Fernando

Henrique Cardoso. (MENEZES, 2009, p. 5)

O orçamento participativo é o exemplo mais difundido no Brasil de abertura da

gestão à participação popular. Pode ser considerado uma construção coletiva onde

as classes mais desfavorecidas têm a oportunidade de participar e assumir uma

função executiva definindo e fiscalizando as ações que elas consideram prioridades.

Por meio do orçamento participativo é possível criar uma articulação eficiente entre

Estado e sociedade, mesmo quando as relações predominantes do governo sejam

inicialmente clientelistas. (ALMEIDA, 2009, p. 7)

O primeiro programa de orçamento participativo em Mossoró foi denominado

de Orçamento Cidadão e implantado em 1999, no segundo mandato de Rosalba

Ciarlini, com o intuito de promover a participação de organizações e lideranças

comunitárias no processo de elaboração do orçamento do município. Foi promovida

a discussão e exposição dos princípios e normas legais pertinentes a Administração

Pública e orçamento, de modo que, em razão dos limites financeiros, a população

pudesse apontar as prioridades na aplicação dos recursos. Estava inserida no

escopo do programa também a apresentação das atividades, projetos e obras que

estavam sendo realizadas, assim como as despesas do município. (ALMEIDA,

2009, p. 10)

No entanto, não foram destinados ao Orçamento Cidadão (OC) recursos

financeiros ou elaborados instrumentos legais que permitissem a criação de uma

organização administrativa da prefeitura que gerenciasse o programa, além disso, os

resultados não se tornaram de conhecimento da população. Almeida (2009, p. 12)

afirma que o “OC foi utilizado apenas enquanto instrumento para apoiar a

administração municipal no processo de elaboração do orçamento municipal”.

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A participação popular não esteve presente na elaboração final do orçamento,

sendo este elaborado exclusivamente pela prefeitura, ao cidadão coube apenas

informar sua necessidade, não participando da elaboração nem da execução.

Entretanto, como aponta Avritzer (2006, p. 24), deve ser papel dos participantes

deliberar, exercer controle e regular as ações do governo.

Além disso, com o não cumprimento das obras escolhidas como prioridades

pela população as reuniões foram suspensas. Fica presente nestes fatos a distorção

dos princípios do orçamento participativo, pois aparentemente o programa assume

um papel apenas de projeto de marketing elaborado pela prefeita para se adequar

às reinvindicações da população. O modelo de orçamento participativo, referência

nacional não conseguiu se consolidar. No segundo mandato de Rosalba Ciarlini

(2001-2004) não foram registradas ações relacionadas ao programa Orçamento

Cidadão. (ALMEIDA, 2009, p. 14)

A ação do governo municipal de Mossoró é regida pelas formas racionais

desprezando a importância da criação de mecanismos que assegurem a

participação, tomada de decisões e acesso da população aos programas municipais.

(MENEZES, 2009, p. 6)

Em 2004, Fafá Rosado, pertencente ao mesmo grupo político de Rosalba

Ciarlini é eleita para a chefia do executivo municipal e embora tivesse o mesmo

discurso pautado na democracia participativa não trouxe maiores avanços para este

modelo. Apenas no final de seu segundo mandato algum avanço foi feito neste

sentido. Foi sancionada em agosto de 2012 a Lei n° 2910 que estabelece o

Orçamento Cidadão como forma de participação popular na elaboração da lei

orçamentária anual (LOA). Por meio deste dispositivo a Prefeitura Municipal de

Mossoró se responsabiliza pela implementação de mecanismos que possibilitem a

participação da população em forma de consultas devendo o resultado destas serem

contemplados na elaboração da LOA. Além disto, fica estabelecido que as despesas

decorrentes da aplicação desta lei devem ser previstas no Orçamento do Município

ou financiadas por créditos adicionais. No entanto, esta lei nunca foi cumprida e a

população segue sem poder de opinião direta na elaboração do orçamento

municipal.

Em 2013, durante a breve administração de Cláudia Regina, eleita com apoio

de Fafá Rosado, foi lançado o Orçamento Interativo, estabelecido em 20% do

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Orçamento Geral do Município. A proposta do projeto era que a população, por meio

de formulário eletrônico disponível no portal da Prefeitura de Mossoró durante dez

dias, podia apontar quais obras e serviços propostos para o desenvolvimento urbano

e bem-estar social deveriam ser priorizados pela Prefeitura Municipal no ano de

2014. Mais uma vez a participação popular se restringe ao seu aspecto meramente

consultivo.

Já durante a administração de Francisco José Júnior (2013-2016) foi instituído

pela Lei n° 3.369/2015, o Fórum Permanente de Planejamento e Gestão Estratégica

denominado Projetando a Mossoró do Futuro que tinha como objetivo ampliar o

diálogo e a participação popular no planejamento e avaliação das ações do

município por meio de reuniões em vários pontos da cidade que promoviam o

contato direto do prefeito, vereadores e secretários com a sociedade civil. No

entanto, a transparência prometida e o cumprimento na aplicação de ações

propostas pela população não puderam ser observados.

Além da ausência de mecanismos que assegurem efetivamente a

participação popular na elaboração das ações municipais e o não cumprimento

daqueles já existentes, outro fator que entrava a gestão participativa é a falta de

transparência da administração.

A transparência promove o aprimoramento da execução de políticas e

legitimidade dos governos, além de fornecer aos cidadãos os meios necessários

para acompanhar e desempenhar um controle social das políticas públicas,

estimulando a responsabilidade compartilhada da gestão, garantindo resultados

melhores e de menores custos, assegurando o cumprimento das decisões tomadas

e proporcionando o acesso igualitário ao processo de elaboração das políticas

públicas e aos serviços públicos. (SOUZA et al., 2013, p. 7)

A legislação busca se adequar aos anseios de participação nas decisões da

gestão pública criando dispositivos que garantam o acesso à informação. Foi diante

deste objetivo que foi elaborada a Lei Complementar n° 131/2009 que estabelece a

disponibilização, em tempo real, de informações detalhadas sobre a execução

orçamentária e financeira da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (SOUZA

et al., 2013, p. 3).

O Portal da Transparência da Prefeitura de Mossoró apresenta várias falhas,

sendo esta a razão pela qual foi emitida pelo Ministério Público do Rio Grande do

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Norte, em fevereiro de 2016, recomendação para a correta adequação do Portal

solicitando o atendimento à Lei Complementar n° 131/2009 e, entre outros pontos, a

disponibilização atualizada dos dados detalhados relacionados à despesas e gastos

da prefeitura. Um ano após a emissão da recomendação ainda é possível encontrar

estas deficiências. O portal apresenta links indisponíveis, não discrimina os bens ou

serviços, apenas o valor pago aos favorecidos. Além disto, a página de orçamento

não é atualizada há um considerável espaço de tempo, não disponibilizando o Plano

Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual vigentes, o que

dificulta ao cidadão o conhecimento acerca das políticas que devem ser

implementadas na cidade e como acontece a utilização dos recursos arrecadados

pela prefeitura.

O município de Mossoró foi avaliado com nota zero na segunda e última

edição da avaliação da Escala Brasil Transparente (EBT), indicador desenvolvido

pela Controladoria-Geral da União (CGU) que avalia o grau de cumprimento dos

dispositivos da Lei de Acesso à Informação. Ainda ocupa a 45ª posição entre os

municípios do Rio Grande Norte no ranking da transparência do Ministério Público

Federal.

Fica evidente, portanto, o descompromisso por parte da prefeitura em facilitar

para a população o acesso às informações relacionadas a utilização de recursos

públicos.

6 CONCLUSÃO

Diante do que foi anteriormente exposto, assim como aponta Menezes (2009,

p. 7), “embora a política social na cidade de Mossoró tenha adotado um novo perfil

institucional, ainda encontramos lacunas a serem preenchidas quanto à adoção dos

princípios da eficiência, resultados, qualidade de serviços e foco no cidadão”.

A experiência do orçamento participativo de Mossoró não alterou o modo

hegemônico e clientelista da articulação entre representantes e população, nem a

cultura política e a organização da sociedade. A dificuldade na ampliação da

participação popular pode ser explicada, em parte, pela ausência de uma tradição de

associativismo em Mossoró e ausência de estímulos que promovam o

associativismo pelo poder público. A participação de lideranças comunitárias,

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quando ocorre, é apenas consultiva, limitada à definição de prioridades sem espaço

para tomada de decisões.

A permanência de uma mesma família no controle direto ou indireto do poder

máximo municipal dificulta a abertura política para participação popular e inserção

de novos atores sociais, valores e modos de administração que possam renovar a

gestão pública. Diante disto, torna-se necessário que a população rompa com a

cultura de eleger o mesmo grupo político. Esta consciência política só será

alcançada por meio da busca por informações relacionadas às ações da prefeitura

em seus mais variados meios.

O fortalecimento do associativismo da população também pode promover a

ampliação e respeito aos espaços de opinião pública. É necessário, portanto, investir

na criação e manutenção dos conselhos comunitários e participação destes na

elaboração de ações municipais.

REFERÊNCIAS ABRUCIO, Fernando Luiz; FRANZESE, Cibele. Federalismo e políticas públicas: o impacto das relações intergovernamentais no Brasil. Tópicos de economia paulista para gestores públicos, v. 1, p. 13-31, 2007. ALMEIDA, Lindijane de S. Bento. A questão da participação na gestão municipal de Mossoró/RN. In: XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, 2009, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos...Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Sociologia, 2009. Disponível em: <http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=226&Itemid=171> Acesso em: 05 jan. 2017. AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil e participação social no Brasil. Brasil em Três Tempos. DCP/UFMG, Belo Horizonte, 2006. BARBOSA, Jorge Luiz. Políticas Públicas, Gestão Municipal e Participação Social na Construção de uma Agenda de Direitos à Cidade. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, v. 14, 2010. Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-331/sn-331-51.htm> Acesso em: 28 jan. 2017. CASTRO, Marina Pimenta Spínola. Participação social, democracia e deliberação pública – as experiências das Conferências Nacionais. Belo Horizonte, 2010. FEDOZZI, Luciano et al. Participação, cultura política e cidades. Sociologias, Porto Alegre, v. 14, n. 30, p. 14-44, 2012.

Grupo Temático 1: Transparência, Governo Aberto e Participação BARRETO, A. R. M.; TEIXEIRA, E. M. B.

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