parte1 recursos hidricos

190

Upload: eduardo-garcia

Post on 27-Sep-2015

16 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Diagnostico de recursos hídricos - Brasil. 1a. Parte

TRANSCRIPT

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    2

    Braslia, DF

    Nov. 2004

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    3

    Apresentao

    O processo de desenvolvimento de uma regio ou de um pas depende, em parte, da forma

    como forem planejados, gerenciados e conservados-manejados seus ambientes e recursos naturais. Se as atividades e estratgias dessa gesto e conservao se fundamentarem em evidncias tcnico-

    cientficas e critrios consistentes de componentes essenciais; se forem descentralizadas e tiverem a

    efetiva participao das comunidades para legitim-las; e se o arcabouo legalinstitucional for eficaz e eficiente, ento o desenvolvimento tender a ser sustentvel. Essa a mensagem das snteses de

    diagnsticos e de fundamentos legais e tcnicos do documento que segue.

    Dentre os recurso naturais, destacam-se os hdricos como componentes essenciais vida, no

    apenas pela sua relao direta e determinante de quase todas as atividades humanas e funes do meio ambiente-ecolgicas, mas, pela importncia como fator de garantia do equilbrio dos ecossistemas e

    como condio necessria sobrevivncia dos seres vivos quando asseguradas as condies desse

    equilbrio, os fatores de auto-depurao e auto-regulagem e a manuteno da estabilidade do sistema ambiental, em particular, do sistema hidrolgico.

    Com os cenrios e estados que se observavam na transio para o novo milnio, caracterizados por perdas e degradaes da qualidade e quantidade de corpos de guas e por impactos negativos decorrentes de usos-consumos para abastecimento domstico, industrial, irrigao, pesca (...) e com as perspectivas criadas com a legislao no final da dcada de 90, fui

    considervel a mobilizao da sociedade para a proteo, conservao e manejo dos recursos naturais,

    com fundamentos em novos paradigmas de descentralizao e participao social, de instruo e educao para fundamentar aes e intervenes, de certa solidariedade financeira para a proteo e conservao e de atividades baseadas em fatos e critrios para a gesto integrada.

    Essa mobilizao fruto de uma crescente preocupao com a proteo ambiental, nacional e internacional, que conquista uma posio na agenda poltica. Uma resposta dessa mobilizao e

    sensibilizao fui a instituio de mais de 100 comits de bacias hidrogrficas, no 2002, empenhados

    e com disposio de mudar situaes caticas a partir de fundamentos da Poltica Nacional de

    Recursos Hdricos (PNRH). Essa Poltica fui instituda pela Lei Federal 9.433/97 e, para implement-la, criou o Sistema nacional de Gerenciamentos de Recursos Hdricos (SINGRH).

    Tais fundamentos levam aos planejamentos e gerenciamentos integrados e estratgicos dos

    recursos hdricos em bacias antropizadas, na medida em que se registrem descompassos e atritos entre as necessidades crescentes de recursos hdricos, satisfeitas, muitas vezes, sem ordenamentos

    nem critrios de conservao e manejo desses ambientes (bacias), estoques (fontes ou reservas) e

    recursos (fluxos hdricos) e as disponibilidades totais fixas, com variaes (mudanas) no tempo, no espao e de formas ou estados da gua, nem sempre compatveis com as necessidades, antrpicas e

    meio ambiente-ecolgicas. Essa a idia no documento quando trata dos problemas no setor de

    recursos hdricos e estabelece que no haver desenvolvimento enquanto no se tenham solues

    consistentes, solues baseadas na educao e na preveno proteo, seguidas ou acompanhadas da conservao e manejo exigidos e possveis em cada bacia, com o apoio e participao da

    comunidade.

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    4

    Com freqncia, tem-se diagnosticado que a principal causa do descompasso ou da falta de

    conciliao entre disponibilidades e necessidades de gua em determinados locais e regies foram os planejamentos e gerenciamentos inadequados e ineficientes desses ambientes (cenrios), estoques

    (reservas) e recursos (fluxos); fui a ausncia de uma viso integrada (sistmica), com aes e

    estratgias no-negociadas e centralizadas; foi, em fim, o desconhecimento de intensos inter-relacionamentos e dinmicas de componentes dos sistemas, evidenciado nas aes e estratgias de

    intervenes no meio ambiente sem considerar estruturas e ajustes dinmicos desses sistemas.

    necessrio entender e reconhecer que, apesar da gua, em termos globais, ser um recurso

    abundante em relao aos usos - consumos, existem reas carentes ou com intensiva demanda que a tornam um bem limitado e motivo de conflitos entre usurios-consumidores locais e entre regies e

    pases com escassez de gua. Nesses locais e regies cada vez mais freqentes, a escassez dos recurso

    hdricos , por vezes, uma resposta da forma desordenada e irresponsvel como se deu seu uso e manejo, causadores do catico estado de degradao da qualidade e de reduo da quantidade em

    determinados locais.

    Com o aumento espacialmente concentrado de necessidades de gua em determinados regies e com disponibilidades, em tese constantes, mas, na prtica, reduzidas, tornou-se necessria a

    interveno pblica para resolver os contenciosos entre os mltiplos usurios, disciplinar o aumento

    de sistemas de suprimentos (extraes, tratamentos...) que tecnologicamente so cada vez mais

    eficientes e atribuir valores econmicos aos recursos hdricos. Esses recursos, apesar de reconhecidos como econmicos, mas, por no terem valores de mercado, tm sido indevidamente considerados

    bens livres em regies com limitaes para o consumo e com alternativas de uso entre setores que apresentam demandas competitivas.

    Na prtica o preo que se paga pelo consumo de gua em centros urbanos e industriais para

    cobrir despesas de captao, tratamento, armazenamento e distribuio, alm dos custos

    administrativos de empresas que realizam esses servios e acrescentam utilidades aos recursos hdricos entre a fonte (captao) e o usurio-consumidor (destino final). Nesse preo (tarifa) no est

    includo o valor intrnseco da gua, o valor da utilidade que ela gera como, p. ex., ao satisfazer uma

    necessidade no abastecimento humano ou industrial, como insumo, com a utilizao do princpio

    usurio pagador ou ao aproveitar seus atributos como os de capacidade de diluir e assimilar materiais de esgotos e resduos (...) mediante processos fsicos, qumicos e biolgicos da

    autodepurao, com a utilizao do princpio poluidor-pagador, entre outras utilidades e

    correspondentes compensaes na forma de um preo. Tal preo seria determinado pelo mercado, pelas foras de oferta e demanda, na sua funo de atribuir valores s utilidades de bens limitados e

    com alternativas de alocaes e usos entre os multiusurios.

    A mensagem do documento que segue da gua como um bem de domnio pblico, isto , um

    bem do domnio nacional pertencente Unio, aos Estados (...) cujo uso pode ser gratuito (p. ex., para os uso-consumos no significativos) ou retribudo (p. ex., em uso-consumos significativos),

    conforme sejam as leis da Unio, dos Estados (...) a cuja administrao pertencer e que a cobrana

    pelo uso um instrumento necessrio a ser implementado em harmonia e complementao com outros instrumentos e critrios para se atingir os objetivos da PNRH na bacia e para responder s aspiraes

    e anseios da sociedade quanto proteo, melhor alocao e conservao-manejo dessas riquezas.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    5

    Trata-se de um bem inalienvel, imprescritvel, dotado de valor econmico (portanto, um bem

    econmico) e de uso comum, limitado em suas reservas e com escassez crescente em seus fluxos em determinada regies onde se impem a utilizao com disciplina para preservar fontes e otimizar

    usos, com hierarquia para atender uma ordem de prioridades e com critrios no atendimento, bem

    como com fundamentos tcnico-cientficos para a preservao/ proteo e a conservao e manejo desses recursos no contexto do meio ambiente. As fontes e fluxos so vulnerveis degradao ou s

    perdas de atributos como os de qualidade e quantidade em regies onde eles se tornam essenciais e

    valiosos. clara, ilustrada e repetida, pelo seu propsito didtico, essa mensagem no documento que

    segue.

    As caractersticas dos recursos hdricos exigem cuidados especiais (no manejo) e usos

    criteriosos (no consumo) para assegurar a disponibilidade, no apenas s presentes geraes (o que,

    no incio do novo milnio, j era crtico em certos locais), mas, tambm, para as futuras, ao garantir a manuteno de estados naturais de qualidade e quantidade dessas fontes e recursos em seus melhores enquadramentos.

    Os reconhecimentos de ameaas, de perdas e de desperdcios e a defasagem da cincia e tecnologia para adicionar, com sustentabilidade, utilidades e valores aos recursos hdricos, bem como

    para buscar melhorias nos sistemas hdricos ou novas fontes que possam aliviar as presses de usos

    consumos desses sistemas, impem desafios como os implcitos em mudanas de comportamentos sociais para se ter uma nova cultura contra o desperdcio e na conscientizao para, de forma cvico-cidado e responsvel, induzir ou provocar essas mudanas e apoiar as tomadas de decises em

    critrios racionais de proteo e preveno dessas riquezas pela educao e de conservao e manejo tcnico-operacional desses recursos no contexto da bacia hidrogrfica.

    Trata-se de uma gesto integrada que no apenas respeite e internalize as dimenses meio

    ambiente e ecolgica, mas, tambm, as dimenses scio-cultural, econmica, poltico-institucional

    (...) regional. Isso significa adotar a unidade territorial da bacia hidrogrfica como referncia de planejamento e gesto compatvel com a lgica dessa gesto; significa assegurar a complexidade e

    integridade dos hidroecossistemas no meio natural. Nessa gesto h de se reconhecer e considerar

    que as simplificaes tendem menor estabilidade e se traduzem em maior fragilidade dos sistemas

    naturais.

    Recursos hdricos no Brasil: s nteses de diagnsticos f sicos e de fundamentos legais e tcnicos para a cobrana faz parte de um conjunto de documentos elaborados, entre outras instituies, pela Secretaria de Recursos Hdricos, pela Agncia

    Nacional de guas, pelos Conselhos Nacional e Estaduais de Recursos Hdricos, por rgos de pesquisa como a Embrapa e de ensino como as universidades (...) que so orientados para esclarecer,

    ilustrar e difundir a essncia (fundamentos) de medidas normativas e, em especial, de informaes

    instrutivas tcnico-cientficas para novos conhecimentos de um processo educativo permanente.

    Essas medidas e informaes so direcionadas para o manejo integrado e para a conservao

    criteriosa dos recursos hdricos, compreendendo aes participativas, alm da mobilizao e

    conscientizao social prvias, e a descentralizao, com competncia e responsabilidade, para atuar,

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    6

    governos e sociedade e de forma integrada, na unidade de planejamento territorial, a bacia

    hidrogrfica, na busca de interesses comuns e de solues sustentveis.

    Uma caracterstica do documento que segue sua forma ilustrada e exemplificada, procurando

    ou evidenciando as racionalidades e lgicas das medidas e informaes como so as de preveno /

    precauo, educao / conscientizao e de esforos cooperativos e integrados de setores pblicos e privados que se encontram, interagem e se devem entenderharmonizar na bacia.

    A medidas (aes, atividades, estratgias...) e informaes (p. ex., as tcnico-cientficas para

    novos conhecimentos que sustentam essas medidas) em hiptese de estudo, so formas mais eficientes

    de evitar problemas ou de corrige-los, com maior efetividade, bem como de reverter tendncias de degradaes e destruies que se registram em diversas formas e intensidade, devidas s

    simplificaes dos hidroecossistemas ou s aparentes convenincias econmicas e setoriais de atores

    na bacia. As simplificaes e convenincias pretendem justificar obras como as de retificao de leitos / cursos, recalques e transposies de guas (...) numa viso imediatista, poltico-setorial e

    desconjuntada de uma estrutura sistmica, de uma viso de longo prazo e de consideraes

    importantes do ambiente natural no qual se encontra a fonte hdrica supridora.

    Na nfase que se da no documento possvel observar a funo e contribuio da pesquisa para

    o gerenciamento na abordagem sistmica, no apenas para orientar a ao disciplinadora e educativa

    em base s informaes de equilbrios, fragilidades, potencialidades (...), mas, para gerar-

    disponibilizar tcnicas, tecnologias e novos servios das inovaes requeridas em instrumentos integrveis de proteo e de conservao e manejo da PNRH; esses instrumentos conceitualizados de

    maneira insistente e ilustrados no documento que segue so:

    a) Os Planos de Recursos Hdricos; so planos diretores que se constituem em instrumentos essenciais de planejamento estratgico visando a, segundo a Lei 9.433/97, fundamentar e

    orientar a implementao dessa poltica e o gerenciamento dos recursos hdricos.

    Esses instrumentos atendem s recomendaes de Dublin (Conferncia Internacional sobre a gua e Meio Ambiente; jan. 1992; Dublin, Irlanda) no que diz:

    o gerenciamento de recursos hdricos consiste num processo de planejamento integrado que leva em considerao tanto as necessidades de longo prazo quanto horizontes mais curtos,

    incorporando consideraes ambientais, econmicas e sociais, igualmente as necessidades de

    todos os usurios, assim como os imperativos de preveno e mitigao das catstrofes

    associadas s gua, constituindo-se, finalmente, em parte indissocivel do processo de planejamento do desenvolvimento.

    Os Planos so instrumentos polticos com amplos alicerces tcnico-cientficos, elaborados por bacia hidrogrfica, por Estados e para todo o Pas, conforme prescreve a Lei 9.433/97, de tal forma que as aes e estratgias de uma instncia, p. ex., as que se realizam numa bacia

    hidrogrfica, tais como os diagnsticos (...), as anlises de alternativas de crescimento (...), o

    balano entre disponibilidades e necessidades (...), as metas de racionalizao (...), as

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    7

    medidas-programas-projetos que se propem na bacia (...), as prioridades para outorga (...) e

    as diretrizes-critrios de cobrana (...) se integrem e complementem ou potencializem para alcanar o objetivo desejvel e possvel da PNRH nessa instncia territorial.

    Dessa forma, o Plano estabelece diretrizes para alcanar o cenrio desejado e possvel na

    evoluo da gesto dos recursos hdricos, tanto no contexto da bacia quanto de reas especiais de planejamento, bem como prope a implementao de programas nacionais e regionais e a

    adequao das polticas pblicas, relacionadas com o assunto, para se ter a utilizao-consumo

    racional e sustentvel dos recursos hdricos em vrias instncias.

    Isso exige, no caso da elaborao do Plano Nacional, certa flexibilidade, sem perda de objetividade, para a implementao de medidas, programas e projetos em ambientes, cenrios

    e clientes heterogneos e diferenciados e, por vezes, singulares, como so as regies

    hidrogrficas do Pas. Essa exigncia da norma federal representa um marco regulatrio quando estabelece princpios e diretrizes que devem nortear a atuao dos rgos do SINGRH em todo

    o Pas; o norteamento se baseia em informaes consistidas e com tecnologias apropriadas s bacias.

    Formular uma poltica com fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos no to facial

    quanto implement-la em dimenses territoriais muito extensas, complexas e com problemas

    e condies que precisam solues locais e especficas, portanto, sem possibilidades para serem

    contemplada, de forma integral, na PNRH que tem carter nacional e abordagem genrica.

    Trata-se de grandes desafios para enfrentar no apenas as dificuldades polticas (p. ex., entre

    os entes da federao), administrativas e financeiras para operacionalizar essa Poltica, mas, da

    P&D para fazer esses diagnsticos, anlises, balanos e estabelecer prioridades e diretrizes da PNRH em cada bacia de forma que se possam atingir os objetivos em cada caso e instncia

    territorial e estes sejam integrveis no contexto nacional.

    b) A Outorga de direito de uso dos recursos hdricos, como instrumento de gesto, que atenda, entre outras, questo da disponibilidade de gua na bacia, buscando assegurar o controle

    quantitativo e qualitativo de seus uso-manejos e o efetivo exerccio dos direitos de acesso aos

    outorgados com esse bem, portanto, com incidncia em usos considerados significativos.

    Em muitos casos, as consideraes do que significativo em termos de derivaes ou captaes (...); extrao de gua de aqfero (...); lanamento de esgotos em corpos de gua (...);

    aproveitamentos (...) e outros usos que alterem o regime, a qualidade ou a quantidade (...); bem

    como o condicionamento da outorga s prioridades estabelecidas nos Planos so desafios da P&D para gerar / disponibilizar as informaes e tecnologias ali exigidas com certa

    endogeneidade e plena consistncia dessa outorga s condies da bacia.

    c) A cobrana criteriosa do uso dos recursos hdricos, sem a conotao de um imposto ou de uma taxa ou de um instrumento punitivo, mas, como o ato de cobrar determinado valor acordado entre usurios-consumidores significantes, para reconhecer a gua como um bem

    econmico e incentivar a racionalizao do seu uso-consumo na bacia.

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    8

    Os atos do reconhecimento (...) e do incentivo (...) se fundamentam na lgica no apenas dos

    instrumentos legais, mas, na lgica, racionalidade e convenincia dessa cobrana para criar as condies de equilbrio entre disponibilidades e necessidades, assegurar o equilbrio do sistema natural, promover sua utilizao racional, induzir a localizao espacial de atividades

    na bacia hidrogrfica, fomentar processos produtivos tecnologicamente limpos e ainda servir como fonte de receitas para financiar estudos, aes e projetos do Plano de Recursos Hdricos

    na bacia. Este um dos aspectos essenciais tratados e sintetizados no documento que segue.

    d) o Sistema de Informaes sobre os recursos hdricos com dados e informaes atualizadas e

    consistidas devidamente tratadas em bancos e sistemas, necessrias para fundamentar a tomada de decises em tempo hbil e com efetividade, entre outros instrumentos da PNRH que

    exigem aportes, subsdios e contribuies, da pesquisa para o desenvolvimento.

    A legislao brasileira de recursos hdricos, a partir da Lei 9.433 / 97, institucionaliza a gesto participativa entre os nveis federal, estadual e de bacia, introduz dispositivos de participao num

    sistema administrativo baseado nos mecanismos da democracia representativa exercitada num comit

    e traz desafios e oportunidades na construo de um novo estilo de desenvolvimento sustentvel ao incorporar ordem jurdica novos conceitos, tais como:

    a) A bacia hidrogrfica como unidade de planejamento e gesto participativa e representativa em

    vrios nveis: local, regional, estadual e nacional, esclarecendo-se que no existe o conceito de

    bacia hidrogrfica federal ou de bacia hidrogrfica estadual.

    A bacia hidrogrfica, no documento que segue, est associada ao conceito amplo de

    territorialidade que ultrapassa a idia de um espao naturalmente delimitado e onde se situa um

    sistema hidrogrfico. Compreende o ambiente de vida, de ao e de pensamento de uma comunidade integrada nesse sistema, associado aos processos de construo da identidade

    comunidade natureza. Essa identidade , em parte, a base, justificativa ou define a motivao e a forca para a conservao e manejo integrado do meio ambiente e seus recursos, constituindo-se, portanto, um alvo especial e de interesse de polticas sociais de desenvolvimento.

    O espao geogrfico socialmente construdo, culturalmente marcado e natural -

    institucionalmente delimitado a bacia hidrogrfica no contexto amplo de um territrio. Da

    porque se enfatize, no documento, a importncia da educao ambiental na conservao e manejo e da conscientizao e participao social na gesto integrada de ambientes e recursos

    nesse espao, nesse territrio.

    b) A gua como um bem econmico passvel e possvel de ter a sua utilizao cobrada com base em critrios tcnicos e operacionais e em instrues normativas legais de vrios nveis,

    buscando a racionalidade na alocao de seu uso consumo entre os fins alternativos que por ela competem.

    Essa complexa competio tratada, no documento que segue, com tcnicas de agrupamento, de caracterizao do grupo representativo de um subespao, de inter-relacionamento entre

    variveis do grupo e de sistemas, simulao e anlise de risco, aplicadas em estudo de casos

    com amostras pilotos.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    9

    c) A gesto das guas delegada a comits e conselhos de recursos hdricos, com a participao

    da Unio, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municpios, dos usurios dos recursos hdricos e da sociedade civil organizada e devidamente representada nesses comits.

    As informaes tcnico-tecnolgicas da bacia nessa gesto, ao transpassarem as aes e

    interesses desses participantes e colocarem suas racionalidades no debate, facilitaro a negociao e o entendimento para uma gesto integrada, disciplinada e consistente em

    determinado momento e sempre passveis de melhorias no futuro.

    d) Ao definir seus objetivos, a Lei 9.433 / 97 registra como o primeiro deles: assegurar atual e s futuras geraes a necessria disponibilidade [trata-se de uma previso ou prognstico com contedo e endereamento social, de solidariedade] de gua, em padres [vale dizer, critrios]

    de qualidade adequados aos respectivos usos em cada bacia.

    Deve-se entender que a referncia explcita s geraes futuras na definio do objetivo reflete a preocupao dessa poltica com a sustentabilidade e com o atendimento de necessidades

    mediante o uso-consumo criterioso de gua no longo prazo, compreendendo, portanto, as

    futuras geraes.

    Estes, entre outros importantes conceitos e fundamentos modernos, fazem da poltica brasileira

    de recursos hdricos uma pea-chave do desenvolvimento sustentvel, sem, contudo, isenta de

    complicaes, limitaes, omisses (...) que demandam um contnuo aperfeioamento e

    aproximao-integrao com outras polticas do desenvolvimento.

    Um aspecto bsico dessa pea-chave legal sua clara ou explcita identificao com a busca e

    viabilizao da equidade social praticada com respeito (obedincia racional) capacidade de suporte

    do sistema hidrolgico integrado no ecossistema e no meio ambiente, bem como o propsito de valorizao da atuao de atores regionais representados no comit da bacia, ao lado de representantes

    estaduais e federais.

    Concomitante com esses novos conceitos e fundamentos surgem novos instrumentos e mecanismos para disciplinar o uso - consumo crescente dos recursos hdricos dominados, em casos

    freqentes, pelos conflitos de interesses entre mltiplos usurios, pela notvel escassez em

    determinadas regies do Pas e/ou em determinados perodos do ano e, principalmente, pelo

    desperdcio de gua doce (em alguns setores como, p. ex., na irrigao da agricultura pode alcanar 59,0% ou mais, da gua utilizada) representando uma sria ameaa ao desenvolvimento sustentvel

    e proteo manuteno do meio ambiente; reduzir, p. ex., os altos ndices de perdas da gua por evaporao, infiltrao (...) de sistemas de irrigao agrcola faz parte dos desafios da P&D na definio e implantao da gesto integrada e da poltica de recursos hdricos.

    No documento que segue se apresentam regras bsicas, at 2004, de organizao e

    funcionamento de um dos instrumentos de gesto, a cobrana e suas implicaes em vrios e

    diferenciados setores e clientes que atuam e interagem na bacia hidrogrfica. Esse instrumento deve ser considerado no apenas como um meio de arrecadao monetria, mas, principalmente de

    disciplinamento e de educao, induzidas por um fator econmico (a cobrana) gerador de um fundo,

    em tese, com benefcios revertidos fonte, portanto, quando tais recursos sejam aplicados

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    10

    integralmente na bacia hidrogrfica que os gerou e com ele se deve beneficiar, conforme indicaes

    do correspondente Plano de Recursos Hdricos.

    A destinao desse fundo econmico na prpria bacia hidrogrfica visa, entre outros propsitos:

    a) educar (conscientizar) e mudar comportamentos de no-conservao e de inadequado manejo

    de fluxos hdricos, bem como de no-proteo de fontes de guas e de ambientes, praticados por usurios, com efeitos negativos para o sistema hidrolgico;

    b) incentivar a racionalizao econmica do uso - consumo quando o usurio-consumidor tenha

    que considerar esses recursos como insumos valiosos e insubstituveis em seus processos e

    funes, esperando-se, com essa racionalizao, contribuir para coibir desperdcios e buscar tecnologias poupadoras de gua; e

    c) obter recursos financeiros para o financiamento de programas e intervenes contemplados nos

    Planos de Recursos Hdricos, para garantir a proteo / preservao (de fontes) e a conservao e manjo (de fluxos).

    As aes de proteo / preservao de estados do meio ambiente que a gesto requer impem, segundo o documento que segue, consideraes e conhecimentos especiais, como, p. ex., s do ciclo hidrolgico e dos movimentos - interaes das guas, caractersticas de uma regio ou bacia na

    definio de outorga e na cobrana pelo seu uso; neste sentido, so necessrios, entre outros, os

    seguintes:

    a) Dados e informaes, com consistncia e qualidade, relativas s funes e s interaes contnuas de guas superficiais e guas subterrneas para determinar quantitativos das

    reservas de recursos hdricos ma bacia; a outorga e cobrana devem ser feitas com base nessas

    determinaes mais provveis e de menores riscos, aliada s presses de usos consumos conforme sejam os enquadramentos dos corpos em suas classes dominantes; os dados e

    informaes devem ser suficientes para eliminar incertezas e trabalhar com riscos calculados

    em nveis aceitveis por todos.

    b) O entendimento da relao lenol fretico perenidade do corpo de gua e do papel dos depsito de gua subterrnea na garantia da sustentabilidade desse corpo em perodo crticos

    como os de secas, em que o instrumento de outorga de direitos de uso da gua tem sua maior

    influncia ou impacto (isto , qualquer alterao das propriedades fsicas, qumicas e biolgicas do meio ambiente, causada por qualquer forma (...) ou por atividade humana que, direta ou

    indiretamente, afetam a sade, a segurana e o bem-estar da populao; as atividades sociais e

    econmicas; a biota; as condies estticas e sanitrias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos desse meio) no sistema hidrolgico e no sistema ambiente - ecolgico.

    c) O conhecimento dos limites de suporte do ambiente para no se aproximar, ao conceder essa

    outorga, sobre-explotao de guas subterrneas que podero ocasionar o rebaixamento do

    lenol fretico, com efeitos nocivos em nascentes e rios e nos sistemas superficiais de guas no atendidos (afetao de recargas) por essas fontes.

    d) O conhecimento de parmetros (estimativas) para a gesto integrada de guas superficiais e

    subterrneas, entre outras informaes e conhecimentos exigido na gesto.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    11

    Deve-se observar, pelas exigncias de conhecimentos para a definio operacional e aplicao

    da poltica de recursos hdricos na bacia que o instrumento de cobrana est inserido e integrado, no apenas em sua origem terico-legal, mas, em especial na sua operacionalizao ou implantao, com

    outros instrumentos como so os planos de recursos hdricos, o sistema de informaes e a outorga,

    todos com fundamentos tcnico-cientficos que os transpassam e serve de alicerce para a ao conjunta e integrada desses instrumentos bsicos na gesto dos recursos hdricos; do sinergismo

    depende a efetividade desses instrumentos.

    Em muitos aspectos os instrumentos da poltica de recursos hdricos no somente se devem

    integrar e complementar, mas, sinergizar, potencializando efeitos positivos dessa integrao e da ao conjunta do setor pblico, que controla essa outorga, e da gesto participativa e descentralizada

    privada, que apoio, monitora (...), feita nessa unidade de planejamento e gesto, a bacia, e, repetindo,

    sem dissociao dos aspectos quantitativos e qualitativos e das vrias fontes desses recursos.

    Da porque seja necessria uma cuidadosa arquitetura no desenho e na aplicao dos

    instrumentos da PNRH num contexto sistmico para que, p. ex., elementos de um plano de gua

    como so o diagnstico e as prioridades de alocao estejam e sejam consistentes com os elementos de cobrana e outorga condicionadas, entre outros fatores ou fenmenos, pelo ciclo hidrolgico

    correspondente e pelas possveis e sustentveis captaes de gua de mltiplos usurios e

    consumidores. oportuno indicar no documento que segue que apenas se apresenta uma sntese de

    somente um aspecto, a cobrana pelo uso da gua.

    Aspectos especficos, numa abordagem sistmica, somente poderiam ser definidos para uma

    aplicao especfica, com a caracterizao de uma determinada bacia hidrogrfica e onde fosse

    possvel evidenciar as caractersticas naturais, os condicionantes de outorga para lanamento e captao e a cobrana criteriosa pelo uso consumo da gua num contexto integral e sistmico. Outros aspectos considerados (a outorga, o plano etc.) no documento servem de referncia para a

    apresentao sistmica do instrumento destacado, a cobrana.

    A partir de uma situao concreta e bem delimitada de uma bacia hidrogrfica ser possvel caracterizar, p. ex., as fronteiras estruturais de um sistema isto , o limite do espao fsico da estrutura

    definida por fatores com so os divisores de guas e as fronteiras de sistemas, isto , os espaos alm

    dos limites estruturais como so os campos de interaes ao considerar, entre outros fatores, as relaes entre as guas superficiais e subterrneas de uma determinada bacia.

    Essa contextualizao de sistemas em seu aspecto espacial importante para entender o

    conceito de fronteira emergente que resulta quando determinadas partes do sistema comeam a agir formando zonas entre o espao interno e o espao externo do sistema. Tais zonas tm caractersticas

    e funes de uma nova estrutura emergente. Nela e para o caso considerado no documento, pela

    ausncia de consistncia e integrao dos componentes do sistema hdrico e hidrolgico, registram-

    se conflitos entre atores e setores usurio - consumidores da gua. Neste sentido, o documento que segue provocador e se constitui uma referncia para outros estudos que visem integrar esses

    instrumentos e reduzir os conflitos dentro e na fronteira emergente.

    A introduo de instrumentos numa bacia hidrogrfica, como so os de outorga e cobrana integrados no plano de recursos, inserem-se no contexto da evoluo de um sistema que aberto,

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    12

    auto-organizado e com capacidade para evoluir; tal evoluo vinculada a dois conceitos cuja relao

    cronolgica: o campo de emergncia e o campo de interao.

    Tanto a evoluo como as caractersticas e os critrios dos conceitos sistmicos so tpicos de

    uma bacia hidrogrfica; portanto, no poderiam ser tratados num documento simplista de uma

    realidade altamente complexa e diversificada como a dos recursos hdricos no Brasil. Esse tratamento poder ser definido no conceito amplo de territorialidade para cada bacia.

    O que o leitor, estudante atento, encontrar no documento uma clara incitao ou provocao

    reflexo para pensar na gesto do uso racional e criteriosa dos recursos hdricos em suas melhores e sustentveis opes de alocaes na bacia, mediante a adoo de critrios tcnicos operacionais e o desdobramento e implantao de instrumento como os de cobrana consistente com a outorga de

    direitos de uso, o Plano de Recursos Hdricos e o enquadramentos dos corpos de gua, entre outros

    contemplados na poltica de recursos hdricos e nas polticas ambientais que se integrem para o desenvolvimento na bacia.

    Deve-se adiantar que o tema de planejamento e gerenciamento de guas muito vasto,

    complexo e, em certos aspectos, em constante aperfeioamento /adequao de conceitos, de metodologias,de critrios e fundamentos legai na unidade de planejamento, entre outros, que os

    tornam processos caractersticos de uma bacia.

    Concomitante com essas mudanas e evoluo, ter-se-o novas e mais eficientes propostas de

    planejamento e gerenciamento dos recursos hdricos, verificando-se que, em cada fase dessa evoluo, h necessidade de fazer balanos, ajustes e novas reflexes para adequ-los, com

    oportunidade, realidade, s convenincias e s possibilidades de cada bacia.

    Deve-se observar que o documento, elaborado conforme normas da ABNT, tem um claro endereamento: o estudante; com a preparao, em todos os nveis, auxiliares, tcnicos e

    profissionais, e nas diversas reas de atuao, que se pode garantir a atuao e a efetividade de

    processos e resultados integrados e complementares, articulados e cooperativos, coordenados e negociados, (...) para o desenvolvimento sustentvel, sem frmulas mgicas, porque no existem,

    nem padres lineares, porque contrariam a realidade da diversidade, mas, com o privilgio e incentivo

    criatividade e com a consistncia de critrios adequados realidade.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    13

    SUMRIO

    SEGUNDA PARTE: Diagnsticos Setoriais Abastecimento urbano, saneamento bsico e dessedentao animal Irrigao agrcola Setor industrial Hidreltrico Pesca Navegao Meio ambiente - ecolgico

    TERCEIRA PARTE: Anlise de sistemas setoriais

    Hidrolgico e climatolgico Abastecimento humano Irrigao agrcola Setor industrial Setor hidreltrico Pesca Navegao Meio ambiente Matriz de coeficientes tcnicos Simulao

    RECOMENDAES E CONCLUSES APNDICE Glossrio: recursos naturais ANEXO Legislao brasileira do meio ambiente

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    14

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    15

    RESUMO

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    16

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    17

    Este documento fui preparado e oferecido ao estudante,

    com a expectativa e o desejo de que possa contribuir para

    sua educao reflexiva, por isso o texto provocador e incita discusso; contribuir para a preveno de danos pela

    educao, para a proteo de estados valiosos pela racionalidade de aes, estratgias, comportamentos e intervenes e para a conservao e manejo criteriosos

    quando fundamentados em princpios consistentes;

    contribuir, em especial, para a conscientizao como

    cidado responsvel, com uma nova cultura de solidariedade, de respeito ao meio ambiente e de negociao

    na construo do desenvolvimento.

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    18

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    19

    1 INTRODUO

    A expresso recursos hdricos 1 est associada, em geral, ao volume de gua que pode ser

    utilizado pelo homem e pelas diversas formas de vida, muitas delas, condicionantes da existncia humana e de atividades dessa existncia, entre outras, as econmicas, sem requerer complexos e

    dispendiosos processos como os de dessalinizao 2 que, apesar de estarem disponveis e serem

    possveis de aplicar em cerca de 97,4% de guas de oceanos e mares, isto , no equivale a 16 litros de gua salgada imprpria para o consumo por 1 litro de gua com possibilidades de consumo, por

    serem intensivos no apenas em tecnologias avanadas, mas, em volumosos investimentos, tornam-

    se, com freqncia, opes inviveis para aumentar a disponibilidade de gua doce 3 na maioria dos

    pases.

    1 O conceito gua, substncia essencial de vida que em seu estado puro, apresenta-se lquida e incolor, inspida

    e inodora; em sua forma natural se encontra combinada com inmeras substncias ionizadas, gases, componentes orgnicos e materiais em suspenso, incluindo microorganismos e materiais coloidais; os

    contedos adicionais aos seus elementos bsicos H2O podero variar conforme seja a natureza dos solos, fatores

    climticos e condies ambientais, continentais e antrpicas que influencias fontes e fluxos. Trata-se de

    excelente solvente, utilizada, por iso, para diluio e assimilao. Essa substncia se relaciona, com freqncia,

    com o meio ambiente e a natureza pelas funes que desempenha, sejam ecolgicas para manter, p. ex., a

    umidade do solo ou servir de meio para a biota, ou qualquer outra. O conceito recursos hdricos, mais restrito,

    refere-se, entre outras, funo econmica desempenhada pela gua como, p. ex., um fator de produo na

    irrigao ou para mover uma turbina hidreltrica, abastecer o consumo humano etc. Ao conceito de recursos

    hdricos, segundo o Banco Mundial (2004. Fonte: http://www.bancomundial.org.br/

    index.php/content/view/6.html; acessa em 06 jun, 2004), foi agregada a idia de mercadoria objeto de

    negociao (commodity), um dos fundamentos para a privatizao (no considerada no Brasil) e a negociao, com base em instrumentos como os de outorga de direitos de uso e pagamento por esse uso

    significativo. Raffestin (1993), considera os recursos hdricos, como qualquer outro recurso, motivo de relaes

    de poder e/ou de conflitos. O autor anota que o controle e posse , sobretudo, de natureza poltica, pois interessa

    coletividade, sendo que as relaes conflituosas se do tanto em grandes escalas como, p. ex., em zonas

    irrigadas submetidas repartio desses recursos, como em menores escalas, quando se disputam pequenas

    bacias hidrogrficas. Conclui o autor que o tipo de relao de poder, a forma de administrao e a gesto desses

    recursos, so fatores primordiais de controle do territrio.

    2 Entenda-se por dessalinizao o processo de separao de sais da gua salgada e a converso em gua com

    possibilidades de uso - consumo no abastecimento domstico, agrcola (irrigao), industrial (...). Esse processo

    pode compreender mudanas de estado (destilao trmica, compresso do vapor e congelamento); a utilizao

    de membranas seletivas como a eletrodilises e a osmose inversa, isto , a dessalgao que usa alta presso para

    forar a gua a passar de uma soluo muito concentrada para uma mais diluda, atravs de uma membrana semi-permevel, e a utilizao de processos qumicos como os de intercmbios inicos e os dissolventes

    seletivos.

    3 Entenda-se gua doce aquela que contm muito pouco sal, igual ou inferior a 0,05%, como so guas de rios,

    lagos e lagoas, em comparao com a gua salobra que tem entre 0,05% e 3,00%. Em algumas referncias

    consultadas, definida como a gua que contm menos de 0,1% de resduos minerais, com propores variveis

    de carbonatos, bicarbonatos e sulfatos

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    20

    Entretanto, ocorrem fenmenos naturais que possibilitam o desenvolvimento humano e de seres

    vivos e processos naturais dependentes desses recursos. Dois desses fenmenos so o ciclo evolutivo das guas e a reverso parcial da precipitao. Por esse ciclo se renova mediante o intercmbio

    atmosfera-terra e depura permanentemente uma pequena frao das guas existentes no mundo.

    Para cada regio, segundo Rosegrant, Cai e Cline (2002; p. 23), a renovao total da gua inclui a renovao interna (fluxos de rios e descargas de guas subterrneas de precipitao local) e os

    influxos superficiais e recargas de guas subterrneas provenientes de outras regies; a partir desses

    conceitos, define-se o total de gua disponvel.

    O processo de renovao da gua (ver ciclo hidrolgico; Figura 2) se d graas ao da energia solar que por ano evapora em torno de 577,0 mil km3, sendo aproximadamente 87,1%

    proveniente dos oceanos e 12,9% dos continentes. O vapor fica condensado em gotculas (as nuvens)

    mantidas em suspenso pela turbulncia do ar e por correntes atmosfricas (movimentos entre centros

    de alta e baixa presso).

    Com a rpida renovao dos rios se tem acesso no apenas aos 2.100 km3 de guas estocadas (porm, em movimento) nas suas calhas, mas, tambm, s descargas globais de longo perodo.

    Segundo Shiklomanov (1998) a estimativa da demanda global, no incio do novo milnio, era de 3.940km3, o que representava menos de 10,0% do volume total disponvel de gua, portanto, sem

    problemas de escassez hdrica, porm, a m distribuio espacial e temporal determinavam que

    algumas reas experimentassem a escassez desses recursos.

    Com a populao mundial, no final da dcada de 90, em torno de 5,4 bilhes de habitantes, a

    disponibilidade mdia de gua era de aproximadamente 7.777,8 mil m3 por pessoa e por ano, o que

    aparentemente seria satisfatrio para o atendimento s necessidades, ao considerar certas referncias

    como as de ndices de escassez hdrica. 4

    Contudo, essas referncia de escassez no so suficientes nem tranqilizadoras se considerada

    uma perspectiva ou viso de longo prazo, entre outras razes pelo escasseamento de gua doce em

    4 Com relao escassez hdrica existem padres aceitos internacionalmente que consideram a faixa de

    disponibilidade de gua entre 1.000 e 2.000 m3 por pessoa e por ano, como sendo de potencial escassez,

    enquanto que disponibilidades inferiores aos 1.000 m3 seriam de escassez real. O conceito de estresse hdrico

    est baseado em necessidades mnimas de gua para manter certa qualidade adequada de vida, baseada na

    estimativa de 100 l/ hab/dia (36,5 m3/hab./ano), segundo Beekman (1999). Com base nessa estimativa, as

    escalas de estresse seriam: mais de 1.700 m3/hab./ano: ocasionalmente se teriam problemas de falta de gua;

    1.000 a 1,770 m3/hab./ano: estresse peridico; 500 a 1000 m3/hab./ano: regime crnico de gua; menos de

    500 m3/hab./ano: situao de escassez afetando atividades e sade. Em estudos das Naes Unidas (ONU,

    1997) a escassez hdrica definida como uma razo entre a retirada de gua e a disponibilidade hdrica anual. Conforme esse critrio, uma razo menor que 10,0% indica pequenos problemas de gerenciamento dos recursos;

    uma faixa entre 10,0% a 20,0%, indica que a disponibilidade hdrica est se tornando um fator limitante e se

    fazem necessrios investimentos; maiores retiradas de gua que definam uma razo superior aos 20,0% em

    relao ao disponvel indicam que so necessrias aes e estratgias de gerenciamento tanto do suprimento

    (gerenciamento dos recursos hdricos disponveis) como do atendimento s necessidades para contornar

    problemas de conflitos de uso - consumo.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    21

    determinadas regies em conseqncia de sua irregular distribuio espacial (geogrfica) e temporal

    (ao longo do ano) muitas vezes em desencontro com as necessidades que se verificam nos centros de consumo e durante o transcurso do ano; pelo volume relativamente constante da gua; pelo crescente

    uso 5 consumo desses recursos em acirradas competies entre usurios, setores e regies; e pelo

    aumento da poluio e de desperdcios, entre outros fatores, tornando-os, alm de bens econmicos, bens sociais e bens estratgicos para o desenvolvimento, alm de essenciais para a natureza. nessa

    perspectiva que se apresentam as snteses de fundamentos fsicos para uma reflexo de futuros

    dirigentes: os estudantes.

    A escassez de recursos hdricos em certas regies do mundo, 6 inclusive em determinadas

    regies do Brasil com elevadas presses de usos - consumos e despeito de sua privilegiada dotao

    natural de gua, motivada, em grande parte, por:

    a) Crescimentos desordenados da populao e de setores industriais (...) ao longo ou nas proximidade de rios, lagos, nascentes (...) e em reas nem sempre bem abastecidas por esses

    recursos ou sem condies suficientes para suportar esses crescimentos sem impactos negativos

    tolerveis.

    b) Estilos e hbitos de vida humana associados aos usos consumos esbanjadores de gua com qualidade, observados em determinados setores da populao (os que indevidamente e com

    pouca conscientizao da necessidade de conservao e manejo podem faz-lo pelo abuso de

    poderes, entre outros o econmico) e em atividades econmicas nem sempre com benefcios sociais distribudos, portanto, atividades que captam indevidamente um benefcio social.

    Os bons hbitos na utilizao consumo da gua e na proteo de fontes, aliados tradio, cultura e informaes com vis para a proteo desses recursos, determinam, em parte, benefcios sade que podem ser acrescidos pelos investimentos em saneamento bsico. A

    efetivao desses benefcios se faz pela educao ambiental que ao resgatar e socializar esses bons hbitos e ao combater, com efetividade, os estilos e hbitos esbanjadores potencializam tais investimentos e contribuem para a qualidade do meio ambiente.

    5 Neste documento se diferencia e destaca o uso (vale dizer, a utilizao) do consumo dos recursos hdricos; no

    rigor e para a maioria das vezes em que o conceito aparece no texto, o termo deveria ser utilizao, ou seja, o

    emprego do recurso com gerao de utilidade, empregar utilmente, tornar til (...), mas, esse rigor e pelo uso

    generalizado e at por ser mais prtica a palavra de grafia menor, aceita-se o verbo usar.

    6 Estimativas da Organizao Mundial da Sade em 2003, consideram que mais de um bilho de pessoas no

    tero acesso gua tratada e 3,4 milhes morrero por ano, por causa de doenas que poderiam ser evitadas com o saneamento bsico e a melhoria da qualidade da gua. Na virada para o novo milnio, aproximadamente

    1,3 bilhes de pessoas no tinham acesso gua, com 10,0%, 19,0% e 30,0% da populao da China, ndia e

    frica do Sul, respectivamente, nessa categoria. Segundo a Worldwatch Institute, os sanitrios so mais raros

    em muitos pases: 33,0% da populao do Brasil no dispem desse atendimento; 49,0% na Indonsia e 84,0%

    na ndia. Em termos gerais, no sculo XX a populao cresceu trs vezes, enquanto os consumo de gua cresceu

    seis vezes

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    22

    c) Utilizaes, consumos e manejos, com freqncia, feitos sem critrios consistentes (apenas com

    base em pressupostos ou em imaginados e virtuais potenciais) e adequados s condies e s possibilidades locais ou regionais, nem com o sentido de comprometimento e responsabilidade

    necessrios, por parte desses usurios consumidores, sobre a necessidade da conservao e manejo.

    A conservao e o manejo dos recursos hdricos e seus ambiente como nascentes e matas

    ciliares devem ter, alm de suporte tcnico-cientfico consistente e lgica na demonstrao do

    uso racional, um forte vnculo e base slida na educao ambiental; e

    d) Implantao crescente de atividades econmicas nem sempre compatveis com a manuteno de fontes (reservas) de gua e que, portanto, comprometem a qualidade ambiental e causam

    prejuzos sade, segurana ambiental e qualidade de vida humana, entre outros efeitos

    negativos, de um considervel passivo atribudo ao uso consumo perdulrio dos recursos hdricos.

    Essas motivaes, entre outras, impem a proteo, o planejamento, o gerenciamento e a

    conservao e manejo integrados e sustentados desses recursos para reverter esse quadro de crescimentos, de estilos e hbitos, de usos-consumos e de implantao de atividades insustentveis

    no horizonte de longo prazo.

    Reverter esse quadro faz parte de uma condio necessria para se ter uma situao em que se

    possa garantir a disponibilidade, conforme seja o enquadramento dos corpos de gua em classes e segundo os usos preponderantes, quando sejam protegidas as fontes de gua pela garantia da

    continuidade do ciclo renovador das guas. Essa garantia est associada, em parte, s mudanas de

    hbitos consumistas e s aes que evitem / eliminem os desperdcios e a poluio hdrica, responsveis, em parte, pela diminuio dessa disponibilidade.

    A diminuio da disponibilidade de gua em determinadas regies e/ou perodos do ano, como

    efeito direto e aliada degradao de fontes e ciclos renovadores desses fluxos como decorrncia de acelerados processos de urbanizao, industrializao, desflorestamento (...) so fatores

    determinantes e significativos que devem ser criteriosamente considerados no planejamento e na

    gesto integrada e harmnica dos recursos hdricos base essencial do desenvolvimento regional

    sustentado em vrias dimenses.

    Essa gesto tem fundamentos em critrios tcnico-cientficos obtidos de estudos como os

    hidrolgicos; climatolgicos; limnolgicos; de propriedades do solo que se relacionam no apenas

    com as atividades produtivas, mas, com os estados das guas em suas formas de reteno, movimentao, profundidade, natureza qumica etc; da biota e de atividades econmicas e scio-

    culturais dependentes desses recursos.

    A gesto depende, em especial, da educao ambiental, da descentralizao de aes e

    estratgias integradas e da participao da comunidade conscientizada nessa gesto, viabilizadas ou potencializadas por critrios tcnico-cientficos, tanto de diagnsticos como dos estudos

    (perspectivas, evolues, tendncias etc.) de cenrios futuros, combinando-os com os instrumentos e

    fundamentos normativos e com a disposio (recursos) vontade(deciso) poltica necessrias para reverter esse quadro.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    23

    O governo deve proporcionar as condies para se ter a educao ambiental necessria, na qual

    o indivduo e a comunidade tenham conhecimento e conscincia do que a gua representa como fator essencial vida e da necessidade, vale dizer, de imprescindibilidade, de sua proteo, conservao e

    manejo no contexto integrado do meio ambiente. Alm disso, o governo deve favorecer e incentivar

    os meios necessrios para que as pessoas possam adquirir novos valores (p. ex., o dos recursos hdricos), habilidades competncias (p. ex., disposio para a utilizao criteriosa da gua no cotidiano e novas formas de reciclagem) e experincias, capazes de torn-las aptas a agir, tanto

    individual como coletivamente, a identificar e resolver (buscar solues negociadas, algumas delas singulares e a maioria regionais) os problemas na bacia.

    Parte desses conhecimentos e das habilidades est na funo de gesto da utilizao consumo dos recursos hdricos. Trata-se de uma funo complexa de muitos fatores e interaes; de objetivos

    e interesses, as vezes conflitantes; de tecnologias e estruturas produtivas, nem sempre disponveis, quando a referncia a qualidade ambiental; e de restries sociais, econmicas, financeiras e

    ambiente-ecolgicas (...), com freqentes atritos, desencontros (...) a serem tratados nos dilogos

    racionais e sustentveis nas lgicas de fatos e na disposio vontade de buscar e privilegiar os acordo.

    A imposio de proteo das fonte ou reservas de gua, de mudanas de hbitos perdulrios e

    de reduo / eliminao de desperdcios e poluio hdrica a resposta de generalizada e crescente

    preocupao com a gua por parte da sociedade conscientizada e de profissionais e organizaes nacionais e internacionais, seja pelo risco de desprovimento de fluxos em qualidade e quantidade para

    o consumo quando negativamente afetadas as fontes, seja pelos elevados e insustentveis nveis de

    poluio e de perdas nos sistemas (consumos domsticos, distribuio urbana, irrigao agrcola (...) ou por desmatamentos em reas de nascentes que deveriam ser protegidas etc.) e que, por isso,

    comprometem essas reservas ou afetam os processos de renovao dos fluxos ao reduzirem as

    recargas naturais de guas.

    Em outro sentido, a imposio se segue s informaes de diagnsticos da falta de conciliao

    entre as disponibilidades (muitas vezes consideradas virtuais, portanto, no conhecidas para se definirem referncias de monitoramento, controle e aes como as de outorga de direitos de uso de

    recursos hdricos) e as demandas desses recursos em acelerados crescimentos, notveis descontroles e ausncia de monitoramentos, caracterizando-se, assim, a falta de planejamento e gerenciamento

    integrados ou estes sendo inadequados e ineficientes ou, ainda, desarticulados com relao realidade

    em que se encontram e utilizam esses recursos.

    Historicamente a gua foi gerida pelos prprios usurios - consumidores na busca de

    alternativas para se ter o equilbrio entre disponibilidades e necessidades, cada lado com suas caractersticas prprias e, em geral, com notveis assimetrias: abundncia em regies com menores

    necessidades; maiores disponibilidades em perodos do ano com menores exigncias de consumo e, portanto, picos de necessidades em perodos crticos de disponibilidades de gua.

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    24

    No incio das civilizaes dos povos se tinha abundncia dos recursos hdricos de tal maneira

    que todos aqueles que dele necessitassem pudessem utiliz-los 7 e realizar suas prprias aplicaes

    necessrias para a captao, transporte, operao e manuteno desses recursos prximo do local de

    sua utilizao. A gesto podia ser comunitria ou privada, conforme fossem a convenincia e o tipo

    de organizao social de cada povo.

    Mas, com o escasseamento relativo desses recursos em certos locais; as novas funes

    econmicas estratgicas e sem valor de mercado em regies com elevadas e crescentes utilizaes; e perante a necessidade de resolver os conflitos entre usurios consumidores / beneficirios privados e comunitrios, surgiu a necessidade da interveno pblica para disciplinar acessos e usos de maneira criteriosa e conforme caractersticas e condies regionais; buscar e monitorar o equilbrio entre

    disponibilidades enecessidades dos recursos hdricos; e determinar os fundamentos e instrumentos da interveno num processo conciliador e integrador de gesto. Tal gesto, ao buscar a convivncia harmoniosa, deve garantir o suprimento de gua para as presentes e futuras geraes,

    alm assegurar a continuidade dos processos naturais dependentes ou condicionados disponibilidade

    de gua.

    Para entender a necessidade da interveno pblica necessrio entender a natureza da gua e

    de seus processos (ciclos, movimentos...), com base em dados e fatos da realidade regional, das

    disponibilidades (fixas) e das necessidade (crescentes) 8 a serem organizadas e disciplinadas, as

    funes da gua nos sistemas antrpicos naturais e os problemas criados nos sistemas hdricos e hidrolgicos, tambm, numa viso sistmica, devendo-se considerar e aprender as lies dessas

    intervenes, tanto de pases desenvolvidos como em processo de desenvolvimento (ver GARCIA,

    1995; LANNA, 2001; ROSEGRANT, CAI E CLINE, 2002).

    Parte do entendimento dos problemas nos recursos hdricos est na desconsiderao ou omisso

    da gua como um recurso natural essencial Terra e indispensvel dos ecossistemas, constitudo

    7 No Brasil, a partir da dcada de 50, verificou-se um significativo aumento na utilizao consumo dos recursos hdricos tido, com freqncia, como inesgotveis bens de acesso livres, despeito de normas em

    vigncia na poca como as contempladas no Cdigo de guas. Em termos econmicos, os conceitos de bens

    de acesso livre, bens pblicos e bens privados, entre outros, so bsicos e diretamente relacionados com o

    assunto do documentos, tratados, portanto, no texto.

    8 Barth (1987) sintetiza o uso consumo da gua em dois grupos, conforme seja a forma: com derivaes para as finalidades de abastecimento urbano (baixo consumo, em torno de 10%, sem contar as perdas em redes e a

    alta exigncia de qualidade), abastecimento industrial (mdio consumo, em torno de 20%, exigncias mdias

    de qualidade e alto poder de poluio dependendo do tipo de industria), irrigao (alto consumo, at 90% em funo das altas perdas no sistema de irrigao, exigncias mdias de qualidade e alto poder de poluio pelo

    carreamento de agrotxicos e fertilizantes) e dessedentao de animais (baixo consumo, em torno de 10%,

    requisitos mdios de qualidade e alteraes na qualidade difusas), entre outros; e sem derivaes, em atividades

    como a gerao hidreltrica, navegao, recreao e pesca, entre outras, em geral com menores requisitos ou

    exigncias de qualidade e sem impactos nas guas; outras finalidades na categoria sem derivaes para

    diluio assimilao de esgotos e usos de preservao ambiental.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    25

    insumo de produo e levado condio de bem dotado de valor econmico (social 9 e estratgico).

    Nessa condio e, concomitante com os conflitos em torno do acesso e a utilizao - consumos abusivos, esses recursos vm sendo seriamente afetados em seus estados de qualidade e quantidade, tanto em suas fontes e reservas como em seus fluxos, em muitos casos, sem os devidos

    enquadramentos. 10

    Observe-se que conhecer esse enquadramento e internaliz-lo nas prticas de uso-consumo e de manejo faz parte do entendimento que se requer para a gesto integrada e para a

    conservao e manejo desses recursos.

    Esse bem, insumo e recurso tem caractersticas peculiares que devem ser consideradas no

    atendimento de objetivos fundamentais e universais, como um bem de valor social, tais como:

    a) O acesso facilitado para todos; esse acesso quando orientado com base em critrios (um deles

    o do enquadramento dos corpos de gua) e indicadores de prioridades (o custo de

    oportunidade poderia ser um deles, na rea econmica) permite uma melhor alocao ou uma distribuio racional, justa e oportuna da gua nas suas melhores opes de uso-consumo numa bacia hidrogrfica.

    Conforme disposio da Lei 9.433/97 e dado o domnio pblico e o valor econmico desses recursos, o seu aproveitamento, com garantia de acesso para todos e melhor aproveitamento

    9 Em 2004, a Igreja Catlica, em sua Campanha da Fraternidade com o tema A gua fonte de vida, queria a

    formulao de uma Lei do patrimnio hdrico brasileiro para destac-lo como um bem de valor social, numa

    tentativa de contraposio da gua como um bem de valor econmico; isso, apesar dos recursos serem

    consagrados como um bem de domnio pblico, modificando o texto do Cdigo de gua ao extinguir o domnio

    privado. O arcabouo legal brasileiro estabelece os fundamentos como um bem pblico, limitado e que deve

    proporcionar o uso mltiplo estabelecendo critrios em caso de escassez. De certa forma, isso compreende os

    propsitos da Campanha.

    10 O enquadramento dos corpos de gua em determinadas classes (p. ex., a qualificao das guas em doce, salobra e salina), segundo seus usos preponderantes, um instrumento de gesto previsto em lei (Lei 9.433/97;

    art. 9o). Tem com o propsito assegurar s guas qualidade compatvel com os seus usos mais exigentes a que forem destinadas e diminuir os custos de combate poluio das guas, mediante aes preventivas permanentes. Ao se estabelecerem essas classes se devem considerar as normas da legislao ambiental pertinentes (p. ex., instrues, critrios e resolues como as do Conama no. 20/86 e do CNRH no. 12/2000,

    entre outras), bem como desenvolvido em conformidade com o plano de recursos hdricos da bacia e os planos

    estadual (Distrital), regional e nacional e, se no existirem ou forem deficientes, em estudos especficos. Esses

    planos, por serem guias de intervenes e sintetizarem aspectos do planejamento e gesto num contexto de

    longo prazo, devem ser cuidadosamente preparados, inclusive, ao considerar as interdependncias de usos e

    usurios, ter e lidar com a possibilidade de que nem sempre os diversos uso podem ser compatibilizados ou

    integrados; assim, uma determinada obra contemplada num plano como p. ex., uma barragem poder ter

    propsitos e efeitos diferentes se for para controle de enchentes ou para abastecimento urbano ou para diluio de dejetos ou para irrigao ou para hidreletrificao ou para a melhoria de navegao etc. A opo de uso em

    um local e perodo do ano poder condicionar as possibilidades de outros e em outros locais e perodos. Essa

    interdependncia a que se destacada neste documentos com tcnicas como as de estruturas matriciais de

    indicadores, sistemas e simulao para sintonizar (integrar, compatibilizar...) classes de guas (enquadramentos) com opes de usos e usurio, ordenando-os conforme critrios ao caso aplicveis para se

    ter uma alocao eficiente.

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    26

    social, passa a ser sujeito ao controle do Estado, mediante instrumentos como os de outorga dos

    direitos de uso com implicaes de cobrana de um valor a ser pago pelo usurio consumidor / beneficirio por esses recursos.

    Apesar da importncia e convenincia de um rgo pblico centralizar a coordenao de aes

    e estratgias da PNRH para se ter uma viso global sistmica (harmnica de seus componentes) e a integrao participao de usurios da melhor forma possvel, bem como para buscar os equilbrios ou harmonias de contrastes de usos consumos capitalistas e usos consumos de bens naturais com funes sociais e estratgicas, o sucesso dessa poltica est condicionado,

    em parte, participao e ao apoio da sociedade civil no planejamento e gesto dos recursos hdricos tratando, nos comits, desses assuntos, entre outros.

    A PNRH reconhece que o gerenciamento s pode ser feito de forma integrada e co-responsvel

    compartilhada, enfatizando a participao da sociedade civil em rgos colegiados de discusses, de acordos e de encaminhamento de solues para os conflitos na bacia.

    Consistente com esse reconhecimento necessrio que o municpio promova a organizao

    dos usurios, com aes de divulgao de informaes (educao em todos os nveis e formas) e conscientizaes orientadas para a proteo de fontes e para a conservao e manejo de fluxos.

    Deve-se observar que com essa parceria pblico privada sociedade possvel se ter uma viso mais ampla (sistmica), porm, prxima da bacia, destacando as interdependncias de

    usos- consumos e orientando os focos no apenas em cursos de guas, mas, no meio ambiente e nos recursos naturais, na organizao e estruturao social, econmica, poltico-

    organizacional (...) da regio.

    Nesse contexto, o papel poltico do comit na bacia , dar suporte tcnico-cientfico aos intervenientes com diversidade de pensamentos e de interesses e viabilizar a ao poltica

    mediante formas administrativas peculiares; planos municipais que congreguem todos os usos

    - consumos setoriais traduzidos nos planos de recursos.

    b) O suprimento de gua adequado e seguro ao usurio beneficirio / consumidor feito, tambm, com base em critrios tcnico-cientficos e em fundamentos do planejamento (plano

    diretor de bacia, p. ex.) e gesto, bem como em princpios e critrios legais ao caso aplicveis

    e com os devidos desdobramentos na bacia.

    Parte desses princpios condiciona a segurana do suprimento de gua ao cliente outorgado,

    podendo ser suspenso esse direito quando requerido pelo interesse coletivo; este interesse

    prevalece sobre o interesse privado beneficiado pelo direito outorgado para a utilizao de um bem de domnio pblico; entender essa condio faz parte da regra ou processo outorga cobrana.

    c) O tratamento e destino conveniente e sustentvel pelo meio ambiente de efluentes para no

    comprometer, em nveis de riscos de perdas ou em perdas permanentes, as fontes hdricas e para assegurar a perpetuidade desse atendimento com base no enquadramento dos corpos

    hdricos, na disponibilidade de gua no local ou regio e no interesse coletivo.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    27

    Na transio para o novo milnio e em escala mundial, registrava-se significativa parte da

    populao excluda de gua com qualidade para beber e uma parte, ainda maior, sem servios adequados de saneamento bsico.

    Para o caso do Brasil e segundo o IBGE (2004):

    as polticas governamentais para o setor de saneamento bsicos, at a dcada de 60, foram caracterizadas por medidas espordicas e localizadas, muitas vezes em detrimento das demandas por bens e servios. Com a precariedade de atendimento, os efeitos da falta de investimentos se fizerem

    sentir nas altas taxas de mortalidade infantil e no agravamento da deteriorao sanitria.

    Nas dcadas seguintes houve significativas melhorias, porm, no incio do novo milnio

    persistiam as deficincias (p. ex., apenas 33,5% dos domiclios eram atendidos por rede geral de

    esgotos) e, principalmente, eram mantidos os grandes desequilbrios inter-regionais, quanto ao saneamento ambiental.

    11

    Com o incio da dcada de 80, segundo Assuno e Bursztyn (1001), comea a tomada de conscincia da vulnerabilidade dos recursos hdricos diante do excesso de lanamento de cargas poluidoras e do aumento significativo das captaes de gua; isso desencadeou um processo de discusses que culminaram, em 1997, com a Lei no. 9.433, em vigncia e em que se estabelece a

    gesto descentralizada e participativa e se instituem vrios instrumentos para viabilizar essa gesto

    no contexto da Bacia e do SINGRH.

    Tanto o abastecimento de gua para o consumo humano (isto , a gua potvel) como o

    saneamento bsico, repetindo, deveriam ser servios universais garantidos pela administrao

    pblica. A Poltica Nacional de Recursos Hdricos visa, no que a ela couber, assegurar esse atendimento. Que o que a ela compete? Entre outras, implantar as aes (atividades), conforme

    dispositivos e situaes, tais como:

    a) em situaes de escassez, o uso prioritrio dos recursos hdricos o consumo humano (...) (art. 1o. Inciso III; Lei 9.433/97); o destaque da funo social desses recursos no contexto da

    poltica, complementada pela ao da P&D para determinar a situao de escassez e o

    ordenamento no uso desses recursos; essa ao se relacionam com a melhor soluo no

    11 Entenda-se por saneamento o conjunto de medidas visando a preservar ou modificar as condies do meio

    ambiente com a finalidade de prevenir doenas e promover a sade; outras atividades do saneamento so o

    controle de animais e insetos e o saneamento de alimentos, locais de trabalho, escolas e habitaes O

    saneamento ambiental o conjunto de aes articulas (medidas) com o objetivo de alcanar nveis crescentes e

    sustentveis de salubridade ambiental, isto , alcanar a qualidade das condies em que vive a populao em relao capacidade de inibir, prevenir ou impedir doenas e favorecer a sade e o bem-estar, compreendendo

    o abastecimento de gua; a coleta, tratamento e a disposio dos esgotos e resduos slidos e gasosos, bem como

    os demais servios de limpeza; o manejo das guas; o controle ambiental de vetores e reservatrios de doenas;

    e a disciplina de ocupao e uso do solo em condies que maximizem a promoo e a melhoria das condies

    de vida. O saneamento bsico se restringe ao abastecimento de gua e disposio de esgotos, mas h quem

    inclua a coleta do lixo nesta categoria.

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    28

    abastecimento de gua: a soluo coletiva no contexto do sistema pblico de guas (manancial,

    captao, aduo, tratamento, reservao, distribuio etc.);

    b) assegurar atual e s futuras geraes a necessria disponibilidade de gua, em padres de qualidade adequados aos respectivos usos (art. 2o., inciso I; o destaque da funo no desenvolvimento sustentvel; determinar a necessria disponibilidade e os padres (vale dizer, os critrios em cada caso) de qualidade adequados aos respectivos usos so motivos de

    pesquisas e respostas da P&D;

    c) assegurar s guas qualidade compatvel com os usos mais exigentes a que forem destinadas (art. 9o.; inciso I); o destaque da racionalidade na alocao dos recursos aplicados em suas melhores opes, conforme as caractersticas (diagnsticos e cenrios) da bacia hidrogrfica;

    d) a outorga de direito de uso de recursos hdricos poder ser suspensa parcial ou totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, nas seguintes circunstncias: (...) necessidade premente de gua para atender a situaes de calamidade, inclusive as decorrentes de condies

    climticas adversas; e necessidade de atender a usos prioritrios, de interesse coletivo, para as

    quais no se disponha de fontes alternativas (art. 15), entre outras.

    Os recursos hdricos no mundo esto restritos a uma pequena parcela de guas doces, em torno

    de 2,5% a 2,6%; isso corresponde a aproximadamente 1.386,0 milhes de km3 ou um pouco mis de

    trs quartas partes da superfcie da Terra. Essa parcela est distribuda em: 0,59% em lenis e 1,98%

    em geleiras e icebergs; o restante imprpria para o consumo. Contudo, guas salobras e salgadas, alm da gua doce, esto em constantes mudanas permitindo a renovao de estoques (ver ciclo

    hidrolgico).

    Mas, nem mesmo essa relativamente pequena frao fcil ou diretamente aproveitada pelo homem. No final das contas o que resta cerca de 0,013% do total das guas, distribudo em 0,005%

    na forma de umidade do solo; 0,007% em lagos; e 0,001% na atmosfera e rios, entre outros receptores

    ou corpos de gua. Isso representa em torno de 8,5 milhes de km3 de gua (GARCIA, 1998; citao de vrias fontes). Desse total, aproximadamente 48,0% so guas subterrneas encontradas at 800m

    de profundidade, 49,0% abaixo dos 800m de profundidade e apenas 1,5% se encontram nos rios e

    lagos, 0,6% na umidade do solo e 0,7% no vapor de gua da atmosfera.

    Trata-se, portanto, conforme indicam as poucas estatsticas acima apresentadas, de um recurso limitado em termos relativos e, por vezes, escasso, em termos absolutos, em determinadas regies

    e/ou perodos do ano ou com possibilidades (por vezes, probabilidades) de ser escasso em outras

    regies e perodos, se no forem tomadas, com oportunidade temporal, adequao tcnico-cientfica e eficincia operacional-administrativa, as medidas necessrias;

    12

    12 Cada caso poder requer determinadas medidas, mas, em geral, essas medidas esto agrupadas em aes estratgias de planejamento e gerenciamento estratgicos; aes polticas com exeqibilidades tcnica e

    operacional; educao ambiental com base em informaes consistidas para a instruo, conscientizao (...); engajamento social (participao) com conscientizao e suficiente motivao.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    29

    Essas providncias devem garantir a efetividade e viabilidade de intervenes no sistema

    hdrico e dizem respeito s medidas de proteo, com eficcia, de fontes ou reservas e de otimizao, com eficincia, dos fluxos desses recursos em bases sustentveis.

    Parte dessas medidas se encontram no arcabouo legal que fundamentam as aes e estratgias

    de intervenes no cenrio de atores (usurios, consumidores), ambientes (base fsica) e objetos-meios. Outra parte, tal vez maior, est na mudana de paradigmas; na definio (local, regional...) e

    implantao do uso consumo com base em critrios; na regenerao ou recuperao de fontes (mananciais) para aliviar a presso; na reutilizaes do recursos para fins menos exigente; e, em

    especial, na educao conscientizao da comunidade para cuidar desses recursos.

    As mudanas de hbitos e comportamentos13

    .ocorrem (por lgica ou deciso racional, como

    respostas a estmulos, por presso de controle-punio etc.) por vrios fatores, tais como a educao

    e a induo (presso) por instrumentos como os de poluidor-pagador 14

    e usuriopagador, conforme previsto na Lei 6.938 / 1981 (art. 4. e inciso VII), com a imposio, ao poluidor e ao predador, da obrigao de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usurio, da contribuio pela utilizao

    de recursos ambientais com fins econmicos.

    13 Mudanas de hbitos e comportamentos de usurios-consumidores e de segmentos da sociedade se tornam

    necessrias e com certa urgncia para se alcanar, criando formas de agir e de se comportar adequadas no trato

    com a gua e o meio ambiente; sero novos hbitos e comportamentos para evitar o desperdcio em atividades

    inteis ou mal planejadas; para eliminar os abusos como os que se registram, p. ex., durante o banho (um banho

    demorado pode consumir de 90 a 180 litros); descarga de banheiro (no Brasil, uma descarga representa 20 litros

    cada vez que acionada); uso de torneiras (18 a 20 l /minuto); e lavado de loucas, roupa, veculos, bem como

    a utilizao de gua tratada em atividades como a irrigao de jardins. Em sistemas de distribuio para o

    abastecimento de gua urbano e para irrigao agrcola, essas perdas podem alcanar valores muitos altos que poderiam, na maioria dos casos, serem reduzidas ou evitadas. Em mdia, segundo padres adotados em sistema

    de abastecimento de gua, a populao de alta e mdia renda de Rio de Janeiro, consume em mdia 300

    l/hab/dia; a populao de baixa renda, 180 l/hab./dia; e populao de favelas, 100 l / hab.dia. Em Braslia, o

    consumo mdio aumentou 7 l/hab./ano, passando de 695 l/hab./dia, em 1970, para 765 l/hab./dia, em 1990.

    14 A imposio, ao poluidor e ao predador de um bem, processo, sistema ambiente-ecolgico (...), da obrigao

    de recuperar e/ou indenizar os danos causados, pressupe no apenas quantificar esses danos, perdas,

    deteriorao (...), mas, traduzi-los em valores monetrios ou em aes de recuperao ou equivalentes de

    compensao. Portanto, a determinao do princpio de que, em exercendo uma atividade produtiva e causar

    dano ao meio ambiente, devam-se internalizar os custos na atividade poluidora na intensidade necessria para

    indenizar o dano ao meio ambiente tm diversos pressupostos em muitos casos no atendidos at o final da

    dcada de 90; o conhecimento de um mecanismo de restaurao ou de compensao do prejuzo; o valor

    monetrio da indenizao e o procedimento de cobrana e aplicao para o cumprimento do princpios; estes, entre outros, so desafios da P&D. No princpio de usurio-pagador h, tambm, pressupostos tcnico-

    cientficos crticos, alm de outras questes como o fato do usurio consumidor estar utilizando um bem de todos para auferir um benefcio privado ou particular. O uso gratuito desse bem representa um enriquecimento

    ilcito por parte desse usurio, ao limitar o possvel uso de outros consumidores desse bem. O poluidor que usa

    sem custo o meio ambiente e seus recursos invade a propriedade de todos e confisca o direito de propriedade

    alheia, alm de socializar externalidades pecunirias e tecnolgicas.

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    30

    importante destacar o efeito da educao e da efetiva participao da comunidade educada

    (motivada pela conscientizao que traz a instruo) no planejamento, gesto e tomada de deciso na bacia hidrogrfica como sendo fatores decisivos de sucesso de um plano de gesto.

    Nesse sentido Souza (1995; complementado), aponta que a cobrana de uso como instrumento

    de gesto ambiental deve relacionar-se com o planejamento regional e com o ordenamento do uso do territrio (funes do Municpio). Isso pressupe o conhecimento e a observncia das caractersticas

    do meio ambiente, nesse planejamento, entre outras, a capacidade de suporte (recuperao, auto-

    depurao...) de cada local numa bacia ou sistema. Somente dessa forma, a cobrana poder

    proporcionar um estmulo para a localizao eficiente de atividades que depende da gua, para a busca de processos produtivos limpos e de inovaes tecnolgicas voltadas economia dos ambientes e recursos naturais.

    Um aspecto que se destaca neste documento e que ainda, no incio do novo milnio, no estava suficientemente estimulado, desenvolvido e utilizado, o relativo educao para a conscientizao

    da necessidade de conservao, manejo integrado e proteo de ambientes e recursos naturais.

    A educao fundamental numa proposta de desenvolvimento sustentvel amplo; o conceito de ampliao da sustentao do desenvolvimento relaciona outros conceitos como os de participao

    social (comunitria), cooperao de atores para um propsito comum, igualdade de oportunidades

    para todos como as de desenvolvimento integral individual, fortalecimento de grupos socialmente

    vulnerveis e desenvolvimento institucional, entre outros.

    Na proposta de desenvolvimento amplo se tm vrias estratgias, uma delas o compromisso

    com a incluso social. Nesse sentido, a meta no poderia ser a de aumento de taxas de crescimento

    de atividades que dependem dos recursos naturais, mas, o de garantia de acesso e utilizao consumo desses recursos para todos ou de ampliao das oportunidades no atendimento (p. ex.,

    abastecimento de gua); poderia ser a ampliao de uma base produtiva regional com competitividade

    e integrabilidade no projeto nacional.

    A conscientizao social e empresarial, em fase de crescimento e consolidao no final da

    dcada de 90, com a percepo, entre outras, de que os recursos hdricos so limitados diante de

    necessidades prementes e crescentes em certas regies levou a criar mecanismos para planejar e

    gerenciar esses recursos da melhor forma possvel. Acrescenta-se a essa percepo que tal forma no linear e nem extrapolvel e homognea, mas, deve ser afeioada s caractersticas, condies e

    possibilidades fsicas (...) de cada bacia e s condies scio-culturais e econmicas (...) das

    comunidades compreendidas pela bacia. Essa melhor forma deve ser delineada conforme as caractersticas que se definem no planejamento e gerenciamento de ambientes e recursos.

    Em ambientes limpos e sem presses antrpicas no presente, com gua suficiente para suprir qualquer atividade, econmica ou no, no h problemas que solucionar, mas, sim possveis estados e condies favorveis a perpetuar. Entretanto, na medida em que as necessidades se aproximam ou mesmo ultrapassam as disponibilidades de recursos, como ocorre em regies ridas, ou quando os

    usos consumos competem entre si, surge, inevitavelmente, o problema de tomada de deciso sobre quem deve ter acesso gua, quem deve ser racionado e como deve ser feito esse acesso e racionamento para reduzir / eliminar desperdcios, poluio, perdas (...) e conflitos.

  • Recursos hdricos no Brasil: snteses de diagnsticos fsicos e de fundamentos

    legais e tcnicos para a cobrana

    31

    Com a especificidade necessria que cada bacia hidrogrfica possa requerer no cenrio amplo

    e diversificado brasileiro e seguindo s reformas do Estado com alguns traos indicativos que se contrapem certas tendncias de estatizao dos recursos hdricos, busca-se o equilbrio entre

    dominialidades da administrao pblica federal e estadual e, em especial, entre aes do Estado e

    privadas, confluindo e se integrando em um comit de bacia hidrogrfica que possa interpretar as especificidades regionais no contexto de aes e disposies gerais de polticas.

    Em outros pases, com a iniciativa privada em evidncia e destaque do bem econmico

    (commodity) no mercado, busca-se um mercado capaz de definir a eficincia de alocao de recursos

    escasso para a sociedade, como so os recursos hdricos em muitos locais, mediante um sistema de preo, com base no conceito econmico de custo de oportunidade

    15 dos usurios-consumidores como

    fator de alocao da gua em situaes de escassez, considerando, simultaneamente, a eficincia

    econmica e a eqidade social, entre outros.

    Em pases em que o mercado da gua no existe como o caso do Brasil o Estado assume o

    papel de regulao, correo ou normatizao, utilizando instrumentos como so os de outorga de

    direitos de uso de ambientes e recursos e polticas que disciplinam o acesso e uso da gua.

    Como aliado dos instrumentos (fundamentos, critrio...) de polticas dos recursos hdricos e do

    meio ambiente se tem a participao responsvel da sociedade e a conscientizao social e

    empresarial como potencializadoras dessas polticas. Essa conscientizao, no final da dcada de 90

    e ainda que em face de desenvolvimento, colocou o assunto da gua sendo um dos mais polmicos no seio de fruns de profissionais, pblicos e privados, abordando temas como os de usos consumos e manejos criteriosos e racionais desses recursos, a fiscalizao ambiental (integral e harmnica, portanto, no contexto de outros recursos do meio ambiente) e a concesso de outorga e pagamento pelo uso da gua, sendo que nesta ltima, haviam inmeras preocupaes.

    Uma dessas preocupaes era a falta de estudos para efetivar, pela sua racionalidade e

    convenincia, essa cobrana, sem se constituir um imposto e com garantia para que fosse revertida na prpria bacia hidrogrfica que o gerou. Em outros casos, a preocupao se orientava para que a

    outorga e cobrana, esta ltima, repetindo, com a desejvel garantia de sua aplicao na bacia, estivessem devidamente integradas no plano diretor da bacia hidrogrfica correspondente.

    Ainda era possvel observar preocupaes, naqueles fruns e na sociedade, quanto regulamentao do uso consumo dos recursos hdricos, destacando-se alguns desafios como os de garantir o aporte regularizado de ndices normais de vazo e o uso-consumo racional em atividade como as de irrigao agrcola, em face da crescente competio com os outros setores da economia dependentes desses recursos, bem como as de controle dos efeitos desses consumos no meio

    15 O custo de oportunidade pode ser entendido como o valor da prxima melhor oportunidade de alocao de

    um recurso. Assim, quando a deciso para utilizar os recursos hdricos na atividade A exclui a escolha de uma

    melhor opo na atividade B e, por isso, no se aproveitam tais benefcios, incorre-se num custo de

    oportunidade do recurso utilizado em A. Representa, portanto, aquilo que se sacrifica por no se dar ao recurso

    a melhor aplicao alternativa.

  • Pr i mei r a p ar t e : i n t r od u o, p r ob l emas , h i p t es e, met o d ol og i a e c onc ei t os

    32

    ambiente, mantendo-os dentro de certos limites, com segurana, compatveis com a capacidade de

    suporte, recuperao e provimento de gua pelo sistema hidrolgico.

    Os conceitos de estoques (fontes e reservas de gua) e de fluxos (excedentes de recursos hdricos com propriedades de qualidade e fornecimento regularizado para o aproveitamento) podem

    ser vistos analogicamente como uma aplicao em poupana: a receita de juros (fluxo) continuar perptua enquanto a poupana (a aplicao inicial de capital) seja mantida; significa a conservao

    do fluxo e a preservao / proteo de estoques; se essa aplicao for acrescida (com melhorias nas

    reservas naturais provenientes, p. ex., de inovaes tecnolgica que incorporem novas fontes como

    as de guas salobras, p. ex.), os juros devero crescer proporcionalmente; caso haja retiradas do principal (da fonte), a receita se reduz; se a poupana se exaure por sucessivos saques (sucessivas agresses, poluies, perdas (...), decorrentes de desmatamento em cabeceiras, extraes excessivas

    de guas de lenis freticos etc.) a receita de juros (o fluxo de gua) desaparecer. Em algumas reas do mundo esse o panorama: rios caudalosos dos EUA no passado no atingem o final de seu curso

    no incio do novo milnio.

    As medidas de conservao e de proteo / preservao devero articular, complementar e potencializar diversos tipos de mecanismos, instrumentos e fundamentos - critrios de ordens

    variveis, tais como os jurdicos, econmicos, gerencial-administrativos e scio-culturais, entre

    outros. Isto significa que os mecanismos de comando e controle estabelecidos na legislao brasileira,

    aliados aos de educao, conscientizao e mobilizao social relacionados com as aes estratgias de descentralizao, integrao, articulao e democratizao (internalizao), tornam-se

    indispensveis para a gesto dos recursos hdricos no contexto do desenvolvimento sustentvel.

    A efetiva e comprometida ao das comunidades na bacia hidrogrfica como protagonistas prximos e diretos do processo de planejamento e gesto participativa e compartilhada necessria;

    isto poder ser alcanado quando essas comunidades tenham o suficiente conhecimento e

    entendimento da importncia de sua participao nesse planejamento e gesto.

    A condio de suficincia, nessa participao, vai depender da forma como se articulem,

    complementem e sinergizem mecanismos, instrumentos e atores do compromisso comunitrio

    orientado para planejar e gerir esses recursos. So interesses, foras e propsitos de atores que devem buscar, quanto possvel, sadas comuns e sustentveis, evidenciadas no tratamento sistmico, em que diferentes usurios -consumidores estejam e atuem de forma consistente com a

    diversidade (limitaes, potencialidades...) natural de sistemas hdricos e hidrolgicos

    potencializveis, muitas vezes, pelos resultados consistidos da C&T e P&D.

    Em relao participao da sociedade no planejamento e gesto dos recursos hdricos, a

    experincia internacional tem mostrado que a mobilizao e a formao de comits de bacias

    hidrogrficas (ou outras formas aproximadas ou equivalentes como so os fruns, parlamentos de

    gua etc.) levam tempo, podendo requerer dcadas at que a sociedade esteja suficientemente motivada e mobilizada para participar do planejamento e gerenciamento, no que ela compete, os

    recursos hdricos que lhe pertencem (bens pblicos) e cuja propriedade representada pelo Estado.

  • Recurs