parte xxxiii

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império 161 operários estavam armados. Alguns preferiram não pôr a sua vida em risco e depuseram as armas. Mas outros não se conformaram: puxaram das espadas e dos escudos e avançaram para os inimigos. Haviam entre 20 a 30 operários por indústria, sendo que cerca de metade decidiu lutar. As indústrias, assim como as outras construções da Quinta da Perfeição (menos a casa do dono), eram iluminadas por candeeiros de vidro e ferro com um pedaço espesso de madeira no seu interior para arder e dar luz. Um dos candeeiros da indústria da madeira, no centro da Quinta da Perfeição, foi derrubado durante o combate entre os soldados da Quinta da Confusão e os operários da indústria e partiu-se em cima de uma pilha de tábuas de madeira, soltando o pedaço de madeira ardente em cima das tábuas. O fogo lavrou de imediato, e a cada segundo tornava-se maior. Os conflitos na indústria cessaram assim que os animais se deram conta do fogo, e aliados e inimigos tentaram apagá-lo. No entanto, era tarde. O fogo já engolira as tábuas de madeira e espalhava-se pelo chão da indústria, também ele em madeira. Os animais de ambas as facções da guerra perceberam à sua custa a grande desvantagem das construções de madeira: a mais pequena das chamas, em contacto com a construção, podia transformar-se num grande incêndio e destrui-la no espaço de minutos. Usando as torneiras da indústria e baldes, os animais tentaram deter o avanço das chamas. Não foram capazes de o apagar por duas razões: o fogo alcançara sacas de carvão (o minério usado para alimentar as máquinas a vapor, desconhecido para a Quinta da Confusão) e ganhara novo impulso; e para além disso este já alcançara as paredes e começara a subir para fora do alcance dos animais. Ao fim de alguns minutos, os animais deram-se por vencidos. Tiraram para o exterior tudo o que puderam salvar, e depois abandonaram a construção condenada. Por fim retomaram os combates, deixando a indústria a arder. Quinze minutos após o começo do incêndio este alcançou toda a estrutura, lavrando com intensidade em todo o lado. Uma enorme fogueira que iluminava a noite e dava luz aos combates que se desenrolavam na Quinta da Perfeição. Mas a fogueira era também uma bomba – relógio: a qualquer momento, as máquinas enfraquecidas pelo calor poderiam rebentar. Importa dizer que as máquinas da indústria da madeira nunca chegaram a ser desligadas, e mesmo debaixo do fogo continuaram a trabalhar. Mas este tornou-se de tal forma intenso que o calor começou a derreter o ferro, que ficou cada vez menos capaz de aguentar a pressão do vapor a circular pelas máquinas. Por fim, uma das máquinas cedeu e explodiu numa nuvem de vapor, chamas, metal incandescente e carvão ardente. A onda de choque enfraqueceu fatalmente as máquinas à volta, que explodiram uma fracção de segundo depois da primeira e espalharam da mesma forma a devastação por toda a indústria. Entre a primeira e a última explosão não decorreu mais de 1 segundo, o que resultou numa única explosão de vapor e chamas

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Parte XXXIII de «O nascimento de um império»

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Page 1: Parte XXXIII

Quinta da Confusão – O nascimento de um império

161

operários estavam armados. Alguns preferiram não pôr a sua vida em risco e depuseram as armas. Mas outros não se conformaram: puxaram das espadas e dos escudos e avançaram para os inimigos. Haviam entre 20 a 30 operários por indústria, sendo que cerca de metade decidiu lutar. As indústrias, assim como as outras construções da Quinta da Perfeição (menos a casa do dono), eram iluminadas por candeeiros de vidro e ferro com um pedaço espesso de madeira no seu interior para arder e dar luz. Um dos candeeiros da indústria da madeira, no centro da Quinta da Perfeição, foi derrubado durante o combate entre os soldados da Quinta da Confusão e os operários da indústria e partiu-se em cima de uma pilha de tábuas de madeira, soltando o pedaço de madeira ardente em cima das tábuas. O fogo lavrou de imediato, e a cada segundo tornava-se maior. Os conflitos na indústria cessaram assim que os animais se deram conta do fogo, e aliados e inimigos tentaram apagá-lo. No entanto, era tarde. O fogo já engolira as tábuas de madeira e espalhava-se pelo chão da indústria, também ele em madeira. Os animais de ambas as facções da guerra perceberam à sua custa a grande desvantagem das construções de madeira: a mais pequena das chamas, em contacto com a construção, podia transformar-se num grande incêndio e destrui-la no espaço de minutos. Usando as torneiras da indústria e baldes, os animais tentaram deter o avanço das chamas. Não foram capazes de o apagar por duas razões: o fogo alcançara sacas de carvão (o minério usado para alimentar as máquinas a vapor, desconhecido para a Quinta da Confusão) e ganhara novo impulso; e para além disso este já alcançara as paredes e começara a subir para fora do alcance dos animais. Ao fim de alguns minutos, os animais deram-se por vencidos. Tiraram para o exterior tudo o que puderam salvar, e depois abandonaram a construção condenada. Por fim retomaram os combates, deixando a indústria a arder. Quinze minutos após o começo do incêndio este alcançou toda a estrutura, lavrando com intensidade em todo o lado. Uma enorme fogueira que iluminava a noite e dava luz aos combates que se desenrolavam na Quinta da Perfeição. Mas a fogueira era também uma bomba – relógio: a qualquer momento, as máquinas enfraquecidas pelo calor poderiam rebentar.

Importa dizer que as máquinas da indústria da madeira nunca chegaram a ser desligadas, e mesmo debaixo do fogo continuaram a trabalhar. Mas este tornou-se de tal forma intenso que o calor começou a derreter o ferro, que ficou cada vez menos capaz de aguentar a pressão do vapor a circular pelas máquinas. Por fim, uma das máquinas cedeu e explodiu numa nuvem de vapor, chamas, metal incandescente e carvão ardente. A onda de choque enfraqueceu fatalmente as máquinas à volta, que explodiram uma fracção de segundo depois da primeira e espalharam da mesma forma a devastação por toda a indústria. Entre a primeira e a última explosão não decorreu mais de 1 segundo, o que resultou numa única explosão de vapor e chamas

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império

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grande e devastadora. A base das paredes, já enfraquecida pelas chamas, foi arrasada pela explosão e a indústria não conseguiu aguentar-se em pé. Em segundos, a construção não passava de um monte de destroços em chamas. Quinze minutos bastaram para destruir por completo uma estrutura de 1.000 m3, com 20 metros de comprimento, 10 de largura e 5 de altura. Mas as consequências da explosão da indústria da madeira não ficaram por aí. Algumas fagulhas voaram 250 metros até atingirem as outras 2 indústrias da Quinta da Perfeição, incendiando-as. Tal como na indústria da madeira, o fogo rapidamente ficou descontrolado e se propagou velozmente pelas estruturas. A feira foi também atingida, mas os seus ocupantes reagiram a tempo e, apesar de grande parte da parede da frente ter ficado queimada, a feira foi salva. Assim, enquanto os incêndios na Quinta da Perfeição continuavam a lavrar nas indústrias, os seus habitantes lutavam arduamente contra os invasores que se viam em dificuldades para vencer a Batalha da Quinta da Perfeição. Das 5 construções que podiam ser usadas como fortificação 3 estavam inutilizadas, e a 4ª (a feira) dava grande resistência. O abrigo nocturno foi a única construção que pôde ser ocupada pelos soldados da Quinta da Confusão, mas a estrutura foi insuficiente para dar a vitória da batalha à quinta. Às 19:40, vinte minutos após o começo da Batalha da Quinta da Perfeição, os invasores admitiram a derrota. Cem inimigos tinham morrido, mas o exército da Quinta da Confusão perdera 75 animais. Vinte e cinco contra 75 era derrota certa, pelo que a Quinta da Confusão preferiu desertar. Deixando para trás uma indústria destruída e outras duas em chamas à beira de explodirem, os 25 soldados da Quinta da Confusão cavalgaram de regresso à sua quinta.

Ilustração 19 – Mapa da Quinta da Perfeição durante a Batalha da

Quinta da Perfeição. Legenda:

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império

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Da esquerda para a direita: Em cima – Indústria das armas; Indústria da

madeira; Indústria dos minérios. No centro: Abrigo nocturno; Celeiro \

Feira \ Casa da Moeda \ Casa do porco 56. Em baixo: Casa do dono

Vermelho – Construções destruídas; Laranja – Construção danificada;

Verde-claro – Construção que permaneceu intacta; Castanho – Casa

do dono; Amarelo – Zona de combates; Azul-escuro – Território da

Quinta da Perfeição

Batalha da Quinta da Perfeição

• Data: 19:20 – 19:40 do Dia 6 • Local: Quinta da Perfeição • Resultado: Derrota da Quinta da Confusão • Combatentes: Quinta da Confusão X Quinta da Perfeição • Forças: Quinta da Confusão – 100 soldados; Quinta da

Perfeição – 175 animais • Líderes: Quinta da Confusão – Nenhum; Quinta da Perfeição

– Nenhum • Baixas: Quinta da Confusão – 75 soldados; Quinta da

Perfeição – 100 animais

Depois de duas grandes vitórias militares, chegara a hora de a Quinta da Confusão conhecer a derrota. A Batalha da Quinta da Perfeição saldara-se, para o país que a provocara, numa grande perda de vidas e num fracasso estratégico. Para além dos mortos na batalha, a Quinta da Confusão havia perdido o acesso à tecnologia da máquina a vapor com a destruição das indústrias. Havia, no entanto, uma boa notícia: a Quinta da Perfeição perdera uma centena de habitantes, e decerto não resistiria a mais uma ou duas batalhas. Mas essas batalhas não iriam ocorrer tão cedo, pois os animais da Quinta da Confusão estavam cansados de tantas batalhas e de tantas mortes. Por enquanto, tudo voltaria ao que era antes da Guerra contra a Quinta da Perfeição. Mais logo se veria o que fazer.

Os 5 animais que descobriram a uva decidiram também fazer uma indústria na Quinta da Confusão, à semelhança da Quinta da Perfeição. Assim, pediram ajuda a um cientista para fazerem o projecto da indústria. Esta seria quase igual às indústrias da Quinta da Perfeição: 20 metros de comprimento, 10 metros de largura mas apenas 2,5 metros de altura. Estufas pertencentes aos futuros empregados da indústria forneceriam as uvas, que basicamente seriam apenas separadas dos cachos, lavadas e embaladas antes de seguirem para a feira. O projecto não tardou a ficar

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império

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pronto, pelo que agora se tinha de escolher o local onde ficaria a indústria. O sítio tinha de ficar relativamente perto da feira, de preferência na mesma margem da empresa. Mas, se a indústria fosse ocupar o terreno agrícola de alguém, era preciso compensar monetariamente o proprietário. Após alguns minutos de procura, achou-se o local perfeito. Situava-se 100 metros a este da feira, e não iria afectar nenhum terreno agrícola. Assim, a construção podia começar. Os 5 animais arranjaram materiais e começaram a trabalhar, sob a orientação do cientista que os ajudara a fazer o projecto. Escavaram os buracos para os alicerces, abateram árvores, cortaram-nas de forma a darem cilindros de madeira e por fim colocaram-nos nos buracos. Estes foram tapados com terra, e a construção começou a ser feita em cima deles. Para que os alicerces mantivessem a construção presa ao solo, pregou-se o chão aos alicerces. Os 5 animais calculavam que deveriam acabar as obras antes do fim do Dia 6. Assim, iluminados por tochas, continuaram os trabalhos na Indústria da uva.

Após 1 tarde de viagem, os donos finalmente alcançaram ao hotel de 4 estrelas em Madrid onde tinham reservado quarto. A estreia do filme «Matadouro: a História de um Industrial», adiada para o dia 6 de Janeiro por causa da Fuga do Mercado, tinha caído no esquecimento para os donos quando estes se preparavam para partir para Madrid. Um SMS de Fernando Carvalho, protagonista do filme em conjunto com a sua esposa Margarida, lembrou-os do evento. Com efeito, os donos conheciam o actor desde o seu nascimento (os pais viviam em Carrazeda de Ansiães, e eram também membros da SCCA), e Afonso Gomes era mesmo o padrinho do actor. O casal Carvalho tinha uma grande amizade com a família Gomes, tanto que os protagonistas do filme «Matadouro: a História de um Industrial» até tinham os nomes de António Gomes e da sua mulher Maria. Os donos queriam muito ir à estreia, pois aquele era o primeiro filme em que Fernando tinha o papel principal, assim como Margarida. Assim, deixaram as malas em casa e partiram para o Porto, mesmo a tempo de verem o começo do filme. Este falava de um empresário (o protagonista) que era a pessoa mais rica de Portugal, cuja fortuna viera de uma série de matadouros possuídos por ele em Lisboa. Graças a um negócio de um amigo seu o empresário sofreu um duro golpe na sua reputação, que lhe levou a maioria da fortuna e dos matadouros. Restou-lhe apenas um, o Matadouro do Porto, com o qual começou a reerguer a sua fortuna e a sua reputação. Mas o amigo era na verdade um poderoso traficante de droga que o queria derrubar para se apoderar do seu império financeiro, depois de ter derrubado outros milionários e empresários com campanhas difamatórias e outras estratégias. O empresário, para não ser «mais um na lista», teve que lutar com todas as suas forças contra o seu inimigo. Essa parte do filme incluía um tiroteio no Matadouro do Porto, uma perseguição a 250 km\h na

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Auto-estrada nº3 e uma luta no avião privado do traficante, no final do filme. Este morria nessa cena, quando a aeronave se despenhava no Rio Douro após o empresário ter saltado de pára-quedas e alvejado repetidamente os motores. Ao ter eliminado um poderoso traficante de droga e posto na cadeia os seus cúmplices, o empresário recuperou toda a sua reputação, os seus matadouros e a sua fortuna. Os donos gostaram bastante da actuação de Fernando e de Margarida, assim como de Eduardo Dias que fazia o papel de traficante e inimigo do protagonista.

Mas a estreia continuava. Os actores responderam depois às perguntas dos jornalistas numa conferência de imprensa, na qual participou o casal Gomes que deu o nome ao empresário do filme e à esposa. Os donos tinham trazido a câmara fotográfica e filmaram toda a entrevista. Uma coisa que os fez rir foi o facto de os jornalistas ficarem de boca aberta ao verem a agilidade com que António Gomes e a mulher, ambos com 90 anos, subiram ao palco para serem entrevistados. Com efeito, os dois eram pessoas activas: todos os dias faziam caminhadas e passeios de bicicleta pelas zonas verdes do Porto. Isso, aliado a décadas de vida no campo com comida fresca e saudável, muito ar puro e trabalhos no campo que faziam as vezes de exercícios físicos, ajudava o casal a manter-se rejuvenescido. O médico do casal tinha-lhes inclusive dito que ambos poderiam alcançar os 110 anos de idade11. Foi isso que o casal disse aos jornalistas, quando lhes perguntaram porque motivo tinham tanta agilidade para a sua idade. À conferência de imprensa seguiu-se um almoço entre os actores e os convidados, que acabou por durar mais do que o previsto porque os participantes começaram a conversar entre si e nunca mais pararam. Por fim, os donos acharam que estava na hora de partir. Ao irem para o Porto distanciaram-se de Madrid, pelo que agora tinham mais de 600 km e 7 horas de viagem pela frente. Por isso, não ficaram muito tempo no restaurante onde decorria o almoço depois de terem comido. Despediram-se, entraram na carrinha e hora e meia depois alcançaram a Quinta da Confusão. A 3ª Batalha da Quinta da Confusão ainda não tinha ocorrido, pelo que a casa dos Gomes estava intacta. Estes entraram na vivenda, carregaram a carrinha com as malas e em menos de 10 minutos estavam de novo em viagem. Agora, após várias horas de viagem, os donos finalmente conseguiram alcançar o hotel onde iriam ficar. Tinha sido um dia cheio, com 750 km percorridos e quase 9 horas de viagem. Cansados, fizeram o check-in e levaram as malas para o quarto. Mas, como ainda era cedo para irem dormir, decidiram passear por Madrid. Os museus e outros pontos de

11 Somente pouco mais de 1.000 pessoas alcançaram a idade de 110

anos. Todos os que chegam a essa idade são designados por

supercentenários.