parte xxiii

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império 111 Um segundo cientista, que trabalhava na agricultura, notou que as ervas que colhera e que estava a encaixotar para vender na feira estavam sujas com terra na base. Era algo comum, e os que os agricultores faziam era lavarem as ervas na ribeira. O cientista, no entanto, achou que para os agricultores que trabalhavam longe da ribeira isso era demorado, porque o agricultor tinha que encaixotar as ervas, ir para a ribeira com a sua carroça, tirar as ervas das caixas, lavá-las, voltar a metê-las nas caixas e só depois podia seguir para a feira. O ideal seria ter um recipiente cheio de água na plantação onde se pudesse lavar as ervas, para se seguir directamente para a feira sem mais atrasos. O cientista ainda pensou nos baldes, mas depois achou que era preciso algo maior. Mas o quê, exactamente? Então, o animal lembrou-se de uma coisa que vira na casa dos donos. Numa vez em que estava a espreitar pela janela da casa dos donos vira Aníbal a sair da casa de banho, e antes de este apagar a luz do espaço o animal viu uma coisa que se parecia com um enorme recipiente dentro da casa de banho. Para observar melhor esse objecto, o cientista foi à casa dos donos, que tinham saído de manhã cedo para a sede da Sociedade de Caça de Carrazeda de Ansiães, e testou todas as portas e janelas até encontrar uma aberta. Entrou por aí e dirigiu-se de imediato para a casa de banho. Acendeu a luz que vira Aníbal apagar, da vez em que vira o objecto, e deparou-se logo com a banheira. Usando uma régua que trouxera mediu-a, e depois de anotar as medidas abandonou a casa pela mesma janela por onde entrara. Depois, criou um molde para o objecto e, usando o alto-forno de um amigo, criou a primeira banheira. Índice de Tecnologia: Militar-1 (escudos de árvore) Transportes-2 (Aéreos-0) (Marítimos-1) (barco a remos de Modelo 1) (Terrestres-1) (carroça de 2 rodas) Civil-11 (arado, foice, madeira, caixa de madeira, ferro, pregos, balde, escada, botijas de ar, machado, banheira) Construções-5 (estufas, abrigo nocturno, Casa da Moeda, feira, altos- fornos) Ao contrário dos objectos inventados nas horas anteriores, a banheira não teve um sucesso tão fulminante, pois não era um objecto realmente necessário para os agricultores. Era útil, mas não era absolutamente necessário ao seu trabalho. Para além disso, era bastante demorado o processo de se encher a banheira com baldes (a banheira tinha 2 metros de comprimento por 75 cm de largura e 50 cm de profundidade, comportando 750 litros de água), pois eram precisas dezenas de viagens entre a ribeira e

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Parte XXIII de «O nascimento de um império»

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império

111

Um segundo cientista, que trabalhava na agricultura, notou que as ervas que colhera e que estava a encaixotar para vender na feira estavam sujas com terra na base. Era algo comum, e os que os agricultores faziam era lavarem as ervas na ribeira. O cientista, no entanto, achou que para os agricultores que trabalhavam longe da ribeira isso era demorado, porque o agricultor tinha que encaixotar as ervas, ir para a ribeira com a sua carroça, tirar as ervas das caixas, lavá-las, voltar a metê-las nas caixas e só depois podia seguir para a feira. O ideal seria ter um recipiente cheio de água na plantação onde se pudesse lavar as ervas, para se seguir directamente para a feira sem mais atrasos. O cientista ainda pensou nos baldes, mas depois achou que era preciso algo maior. Mas o quê, exactamente? Então, o animal lembrou-se de uma coisa que vira na casa dos donos. Numa vez em que estava a espreitar pela janela da casa dos donos vira Aníbal a sair da casa de banho, e antes de este apagar a luz do espaço o animal viu uma coisa que se parecia com um enorme recipiente dentro da casa de banho. Para observar melhor esse objecto, o cientista foi à casa dos donos, que tinham saído de manhã cedo para a sede da Sociedade de Caça de Carrazeda de Ansiães, e testou todas as portas e janelas até encontrar uma aberta. Entrou por aí e dirigiu-se de imediato para a casa de banho. Acendeu a luz que vira Aníbal apagar, da vez em que vira o objecto, e deparou-se logo com a banheira. Usando uma régua que trouxera mediu-a, e depois de anotar as medidas abandonou a casa pela mesma janela por onde entrara. Depois, criou um molde para o objecto e, usando o alto-forno de um amigo, criou a primeira banheira.

Índice de Tecnologia:

Militar -1 (escudos de árvore) Transportes-2 (Aéreos-0) (Marítimos -1) (barco a remos de Modelo 1) (Terrestres-1) (carroça de 2 rodas) Civil -11 (arado, foice, madeira, caixa de madeira, ferro, pregos, balde, escada, botijas de ar, machado, banheira) Construções-5 (estufas, abrigo nocturno, Casa da Moeda, feira, altos-fornos)

Ao contrário dos objectos inventados nas horas anteriores, a banheira não teve um sucesso tão fulminante, pois não era um objecto realmente necessário para os agricultores. Era útil, mas não era absolutamente necessário ao seu trabalho. Para além disso, era bastante demorado o processo de se encher a banheira com baldes (a banheira tinha 2 metros de comprimento por 75 cm de largura e 50 cm de profundidade, comportando 750 litros de água), pois eram precisas dezenas de viagens entre a ribeira e

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a banheira para a encher. O cientista percebeu que a sua invenção estava destinada ao fracasso se não fizesse nada, e tentou pensar noutra invenção que ajudasse a banheira a ter mais sucesso. Então, lembrou-se de um pormenor. Os donos conseguiam ter água em sua casa, mas ninguém os vira a tirá-la da ribeira com baldes. Então, como a obtinham sem a ir buscar a lado nenhum? O cientista voltou à casa dos donos para investigar, e não tardou a descobrir a razão: canalizações. O animal constatou que na casa dos donos se obtinha água simplesmente abrindo a torneira, e tentou copiar esse sistema. Passou as medidas dos canos para o papel, criou um molde para eles e fundiu as primeiras canalizações, usando o mesmo alto-forno que fundira a primeira banheira da quinta. Para os instalar, o animal escavou uma pequena vala que ia da sua plantação até à ribeira e depois foi metendo os canos lá dentro, unindo-os em seguida. Quando a canalização ficou pronta, tapou tudo com terra e abriu ligeiramente a torneira da sua banheira. A peça deixou de imediato escorrer um fio de água, provando que a nova invenção do cientista era um sucesso.

Índice de Tecnologia:

Militar -1 (escudos de árvore) Transportes-2 (Aéreos-0) (Marítimos -1) (barco a remos de Modelo 1) (Terrestres-1) (carroça de 2 rodas) Civil -12 (arado, foice, madeira, caixa de madeira, ferro, pregos, balde, escada, botijas de ar, machado, banheira, canalizações) Construções-5 (estufas, abrigo nocturno, Casa da Moeda, feira, altos-fornos)

A invenção dos canos não passou despercebida aos fabricantes de instrumentos da Quinta da Confusão, que passaram a usar os seus altos-fornos para os fabricar. As canalizações acabaram por ser uma invenção com mais sucesso do que as banheiras, visto que ao fim de pouco tempo já havia km de canalizações espalhadas pela quinta. Quer para irrigar as plantações de ervas, quer para encher banheiras ou simplesmente para beber água, os agricultores compravam canos e instalavam-nos nos seus terrenos, aumentando ainda mais os lucros da feira. Mas as canalizações também tiveram a função pretendida pelo cientista que os inventou: ajudar a banheira a ter mais sucesso. A banheira, agora que já podia ser cheia sem se fazer uma única viagem à ribeira, teve mais sucesso por parte dos agricultores. Mas o inventor da banheira percebeu que, apesar de o instrumento ser usado para lavar as colheitas de ervas, havia um novo uso que estava a ganhar sucesso: banhos quentes. Os agricultores usavam a banheira para poderem tomar banhos de água quente quando podiam

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descansar, atando dois paus em X com ervas enroladas, que formavam cordas mais ou menos resistentes. Formavam 4 desses X, e depois punham um pau em cima de cada par de X. Por fim, era só por a banheira em cima dos paus. As cordas improvisadas tinham que ter muitas ervas para não cederem sob o peso da banheira cheia de água e do ocupante. Depois de a banheira estar em cima da estrutura improvisada, o agricultor enchia-a com a água que queria, e depois acendia uma fogueira por debaixo da estrutura (a única razão para a sua construção era, de facto, para se poder acender uma fogueira por debaixo da banheira). Por fim, era só esperar que a água aquecesse e podia-se subir para dentro da banheira. O inventor do instrumento teve que concordar que os banhos eram, de facto, um excelente uso para a banheira, e rapidamente arranjou uma para também tomar um banho. O bizarro da situação era que nenhum animal da Quinta da Confusão sabia que a função das banheiras era precisamente servirem para se tomar banho, mas isso não os impediu de a usarem para se aquecerem no rigoroso Inverno transmontano.

14:00

A Corrida ao Fogo durara poucas horas, mas trouxera grande desenvolvimento para a Quinta da Confusão. Desencadeada pela descoberta de métodos para se fazer fogo, o episódio histórico trouxera o método de fundição do ferro, e com ele todos os instrumentos de ferro que se seguiram, como um novo tipo de arado e as canalizações. Os animais da Quinta da Confusão ganharam qualidade de vida, e a feira ganhou dinheiro, muito dinheiro. Todavia, essa pequena época de prosperidade terminou com a chegada de um novo animal à Quinta da Confusão: um touro. Um grande touro, de pêlo preto e chifres compridos, que subitamente apareceu no norte da Quinta da Confusão. Os animais dessa zona ficaram surpreendidos com tal animal, pois nunca tinham visto um touro, e rodearam-no para o observarem melhor. Mas o touro não reagiu bem à multidão de animais. Sentindo-se ameaçado, investiu para a frente e atirou o primeiro animal que alcançou 5 metros para o ar com os chifres. Aí, os outros animais perceberam que o touro era uma ameaça, e tentaram dominá-lo. Mas o touro defendia-se dando coices, investindo contra os animais ou empinando-se e saltando sempre que algum animal o conseguia montar. Rapidamente estes perceberam que não conseguiam dominar o touro, e não tiveram outra hipótese senão fugir para longe do seu alcance. Muitos animais, tal como se fizera durante a I e a II Guerras dos Animais, fugiram para a margem direita da ribeira na esperança de estarem a salvo do touro. Mas enganavam-se. O touro era capaz de nadar, tal como os animais da Quinta da Confusão, e por isso a ribeira não representava

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qualquer protecção para os animais. As únicas hipóteses de os animais perto do touro lhe escaparem era subirem a uma árvore, a uma carroça ou refugiarem-se numa construção. Havia excepções a estas hipóteses de salvação. As estufas não ofereciam protecção nenhuma, pois o touro investia contra elas e facilmente rompia o plástico e partia os arcos de madeira que sustentavam a estrutura. Um barco na água também oferecia salvação, pois o touro não conseguia subir para bordo quando estava na ribeira. Era óbvio, depois de tudo isso, que já não se estava na Corrida ao Fogo, mas sim na III Guerra dos Animais. Que outro nome se podia dar à estadia do touro na Quinta da Confusão, que só causara problemas desde a sua chegada?

17:30

Duas horas e meia após a chegada misteriosa do touro, vindo sabe-se lá de onde, a situação na Quinta da Confusão não via sinais de melhorar. Várias estufas tinham sido danificadas ou mesmo destruídas pelo touro, e o precioso plástico que as compunha, que não se podia fabricar na Quinta da Confusão e que só havia numa quantidade limitada (a mesma que fora encontrada no Dia 2 nas ruínas do Celeiro-forte), era tão pouco na feira que a empresa o vendia a preços muito elevados, mais de 500 euros por cada folha (uma estufa precisava de pelo menos 2 folhas de plástico). A destruição das estufas retardava o crescimento das ervas lá plantadas, o que se saldava em milhares de euros em prejuízos para os agricultores, no total. As restantes construções da quinta mantinham-se a salvo, incluindo os altos-fornos. Mas o touro, quando investia contra os animais, por vezes falhava e acertava nas construções da quinta, fazendo estragos nas paredes com os chifres e a cabeça. Era necessário repor as tábuas de madeira danificadas, e isso naturalmente dava prejuízos. Os animais ansiavam por algo que fosse capaz de dominar o touro, mas ninguém via a maneira de se fazer isso com sucesso. Até que os animais do norte da Quinta da Confusão olharam para o horizonte e viram vários automóveis a virem na direcção da quinta, entre eles a carrinha dos donos. Nunca os animais ficaram tão satisfeitos por verem surgir os donos. Assim que eles pararam a carrinha e saíram do veículo, foram rodeados por dezenas de animais aflitos, a pedir-lhes ajuda para dominarem o perigoso animal à solta (os animais nem sequer sabiam que animal era). Os donos, pela descrição dos animais, perceberam que o animal de que falavam era um touro, e como a Quinta da Confusão nunca tinha tido touros, os donos foram em busca do animal invasor armados com cordas. Atrás deles foram os outros membros da Sociedade de Caça de Carrazeda de Ansiães, que tinham vindo à quinta dos Gomes para caçar aves. A Quinta da Confusão era o local de caça às aves predilecto dos membros do clube, mas nesse dia a quinta tinha um outro

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desafio: domar um perigoso touro que andava à solta pela quinta, e que nem os animais conseguiam dominar. Por fim, os donos encontraram o animal ao pé da Casa da Moeda. Animais e pessoas juntaram-se para verem o combate entre os dois Gomes e o touro, que não hesitou em investir contra os dois. Mas nenhum deles vacilou. Afonso desviou-se para o lado, e Aníbal saltou para o dorso do touro e agarrou-se aos chifres do animal.

O touro, quando percebeu que tinha Aníbal em cima, tentou com todas as suas forças livrar-se dele. Saltou para a frente e para trás, empinou-se, fez trinta por uma linha para atirar Aníbal ao chão. Mas este, campeão em montar cavalos selvagens entre a Sociedade de Caça de Carrazeda de Ansiães, mantinha-se como se estivesse colado ao touro. Afonso também ajudava, atirando a sua corda com um laço na ponta contra a cabeça do touro. Mas o touro era ágil a escapar, e Afonso falhou todas as tentativas. Aníbal ia dizendo frequentemente «já montei cavalos que deram mais luta», mas a verdade era que o touro estava a ser um adversário à sua altura. Por várias vezes este esteve quase a cair, mas conseguiu sempre aguentar-se no touro. Até que, exausto e com as mãos suadas de tanto se agarrar aos chifres do touro, Aníbal cedeu. O touro empinou-se e ele, não aguentando mais, caiu para trás e aterrou pesadamente na neve. Mas nessa altura Afonso interveio. O touro, ao sentir-se liberto de Aníbal, distraiu-se por alguns segundos e, quando se deu conta, a corda de Afonso voou e o laço apanhou o pescoço do robusto animal. Este empinou-se e tentou escapar, mas Afonso agarrou-se firmemente à corda e o touro arrastou-o pela quinta durante mais de 100 metros. O Gomes deslizou pela neve rebocado pelo animal, esforçando-se para não largar a corda, e atrasou-o tempo suficiente para os outros membros da Sociedade de Caça de Carrazeda de Ansiães alcançarem o touro e o prenderem com mais cordas. Mas, apesar de ter 14 cordas a prenderem-lhe o pescoço e os chifres (os membros do clube eram 15), o touro ainda tentou escapar. Os 14 membros da SCCA puxaram com força as cordas, no entanto o touro continuou a avançar rebocando as 14 pessoas. Por fim, Aníbal, o membro que faltava, deu o golpe final. Foi a casa buscar uma espingarda tranquilizante, carregou-a com 3 dardos e disparou contra o touro. Ao terceiro disparo o touro cedeu ao anestesiante e caiu pesadamente no chão. Os 14 membros da SCCA rebocaram então o touro até ao algeroz da casa dos donos, e tiraram-lhe todas as cordas menos uma. Por fim, ataram-na ao algeroz e o touro ficou preso. Os animais aplaudiram a vitória, pois assim viam-se livres de uma ameaça. Como prémio pela proeza, a feira deu 1.000 euros a cada membro da SCCA, incluindo os donos. O bizarro era que as notas entregues aos donos faziam parte da remessa de 10.000 euros entregue pelos mesmos, no dia anterior, à feira, por decisão do 2º Conselho da Quinta da Confusão. Assim, um quinto dessa remessa voltou para os donos. Os membros da SCCA foram então caçar aves, como estava planeado ao irem à Quinta da Confusão.