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  • Parte III - O estado de bem-estar no contexto atual As polticas sociais e as polticas de sade no contexto do processo de globalizao

    Ana Luza Viana

    SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros GERSCHMAN, S., and VIANNA, MLW., orgs. A miragem da ps-modernidade: democracia e polticas sociais no contexto da globalizao [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1997. ISBN 85-85676-38-8. Available from SciELO Books .

    All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

    Todo o contedo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio - Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.

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  • As polticas sociais e as polticas de sade no contexto do processo de globalizao

    Ana Luza Viana

    Pode-se afirmar que as polticas sociais foram e so expresses de um tipo especfico de interveno estatal,1 cujo momento mais emblemtico foi aquele do ps-guerra, quando se consolidou o assim chamado Welfare State nos pases do capitalismo avanado. Dessa forma, o Welfare State pode ser conceituado, nesse perodo, como o Estado que oferecia proteo governamental mnima em nveis de renda, alimentao, sade, habitao e educao, assegurados a cada cidado como um direito, no como caridade (Wilenky, 1975).

    Como se sabe, os modernos sistemas de proteo social surgiram de forma paralela ao nascimento dos Estados nacionais e dos processos de modernizao/industrializao; porm, foi no perodo do ps-guerra que emergiu a forma mais visvel e emblemtica desse tipo de Estado, conhecido por sua vasta e ampla interveno no campo das polticas sociais. Este Estado Social, que sucedeu ao Estado liberal-democrtico, na verdade, expressava um tipo particular de arranjo entre o Estado, o mercado e a sociedade, simbolizando, como bem afirmou Ardig (apud La Rosa, 1990), um grande fato civil baseado em um duplo compromisso: entre o Estado e o mercado e entre democracia e capitalismo. Assim, o Welfare State pode ser visto nesse perodo como um elemento estrutural das economias capitalistas contemporneas, exatamente como uma determina-da forma de articulao entre o Estado, o mercado e a sociedade, assentada sobre um crculo virtuoso que se estabelecia, por um lado entre produtividade versus salrio versus demanda versus lucro versus investimento, e por outro, entre salrio versus contribuio versus benefcios; o consumo e a democracia de massa "alimentavam" esse ciclo de bem-estar (Jessop, 1993). Por isso se associa a essa etapa do capitalismo os nomes de Keynes e Beveridg, como representativos das polticas econmicas (de pleno emprego) e sociais (redistributivas) do perodo.

    1 Segundo LEMIEUX ( 1 9 9 4 ) , as polticas pblicas, na rea social, ou em outra rea, podem ser definidas "comme des tentatives de rgulation de situations prsentant un problme public, dans une collectivit ou entre des collectivits".

  • Conforme Ferrera (1993a), so representativos desse perodo histrico quatro tipos de Welfare Slate, quatro padres de interveno do Estado na rea social: o universal; o ocupacional; e as suas respectivas formas mistas. O primeiro, vigorando na Escandinvia, definia-se pela prevalncia da modalidade seguridade 2 para o fornecimento da assistncia pensionstica e sanitria; o segundo, de tipo ocupacional, caracterizava-se pela prevalncia da forma seguro nos dois tipos de assistncia, sendo o modelo da Europa continental. Os tipos mistos definem-se pelo uso de ambas as modalidades - seguro e seguridade - , em duas reas da poltica social - a assistncia pensionstica e sanitria.3

    Assinale-se que esses modelos tiveram no perodo do ps-guerra a sua consolidao e expanso, a partir das reformas implantadas nos Seguro Nacional e Seguro Ocupacional, que vigoraram de 1920 at o final da Segunda Grande Guerra, nos pases desenvolvidos.

    A expanso dos modelos de proteo social - de tipo vertical (maior nmero de benefcios para uma mesma populao coberta), horizontal (expanso da populao cober-ta) e quantitativa (benefcios maiores) - foi a tnica desse perodo, justamente quando o tipo de crescimento proposto (baseado no consumo de massa de bens durveis, com formas de produo de tipo fordista/taylorista, com alto grau de interveno estatal no financia-mento e na regulao do crescimento, referendados por grandes pactos sociais entre sindicatos, partido e governo) propiciou tanto um financiamento abundante para as polticas sociais, como consenso social para a distribuio de benefcios atravs de grandes aparelhos estatais altamente centralizados.

    Porm, como se sabe, a crise da segunda metade dos anos 70 trouxe mudanas importantes para o padro de desenvolvimento capitalista, impondo uma nova revoluo tecnolgica, ao lado de um processo acelerado de internacionalizao do comrcio de bens e servios, dos investimentos diretos produtivos e do capital financeiro.

    Jessop (1993) resume as principais tendncias da economia mundial contempornea em cinco pontos: o rpido crescimento e difuso de novas tecnologias; a passagem do modo de produo fordista, baseado em processos laborais rgidos e consumo de massa estandar-dizado, para um novo modo ps-fordista, onde predominam processos flexveis e consumo diferenciado; elevada internacionalizao dos fluxos comerciais, industriais e sobretudo

    2 Trs modalidades bsicas de ao so constituidoras dos sistemas de proteo social: a forma assistncia, a forma seguridade e a forma seguro. Elas se distinguem pelo tipo de cobertura oferecida, perfil de financiamento e tipo de prestao. Assim, a forma assistncia tem cobertura marginal, o financiamento proveniente de recursos fiscais e sua prestao ocorre de forma ad hoc. A forma seguridade define-se pela cobertura universal, com financiamento fiscal e prestao homognea de soma fixa. O seguro oferece cobertura de tipo ocupacional, com financiamento contributivo e prestao oferecida de forma contributiva/redistributi va. As diferentes reas da poltica social (previdncia, sade, educao, habitao etc.) podem oferecer bens e servios sob uma dessas trs modalidades ou atravs de uma combinao de formas. Entretanto, quando o conjunto da rea social oferece bens e servios com a predominncia de uma dessas trs formas, configura-se um padro especfico de poltica social, que pode ser o WS de tipo universal, quando predomina a forma seguridade, ou ocupacional, quando predomina a forma seguro. Ver FERRERA (1993a).

    3 O tipo universal misto define-se pelo uso das modalidades seguridade e seguro na assistncia pensionstica e sanitria, sendo o padro dominante na Inglaterra, Nova Zelndia e Canad; o tipo ocupacional misto o padro dominante na Itlia, Sua, Holanda e Irlanda. Ver FERRERA (1993a).

  • financeiros; a reestruturao espacial da atividade econmica em torno de trs plos de crescimento (Europa, Estados Unidos e sia); e a globalizao do risco, isto , a emergncia de riscos que envolvem ameaa para vrios pases (como so as questes referentes ao meio ambiente).

    Este novo padro de desenvolvimento, formado a partir de mudanas significativas no padro tecnolgico, financeiro e de produo capitalista, ocasionou uma globalizao dos mercados; isto , uma integrao internacional dos mercados de bens, servios e capital. Dessa forma, Strange (1993) afirma que a globalizao pode ser definida como um "processo dinmico" que emerge com a mudana estrutural da economia poltica global. Por sua vez, essa mudana altera - de modo significativo - a gama de opes disponveis para os governos nacionais, as empresas comerciais, as classes sociais, e os indivduos isolados, segundo a sua posio particular nessa economia global.

    Nesse contexto, pode-se afirmar que uma das mudanas mais importantes foi o estabelecimento de novas relaes de equilbrio entre os trs elementos institucionais do capitalismo - o Estado, o mercado e as empresas - , como os denominou Therborn (1995).

    Assinale-se que, atualmente, os processos de desindustrializao, de desenvolvimen-to da economia dos servios e as novas formas de gerenciamento empresarial, definiram novos padres de relacionamento entre esses elementos institucionais: a supremacia atual dos mercados (monetrio e financeiro), diferentemente do que ocorreu em outros padres de desenvolvimento capitalista (Therborn, 1995). Dessa forma, o alargamento atual dos mercados financeiros tem como conseqncia o enfraquecimento dos dois outros elemen-tos institucionais - Estado e empresas - na medida em que estes no conseguem operar na escala em que os mercados hoje operam, e nem concentrar capital como eles o concentram, pois os mercados internacionalizados geram hoje mais capital que os Estados e as empresas.

    Inaugura-se, portanto, a partir dos anos 80, um novo padro de desenvolvimento capitalista, com importantes conseqncias para o perfil recorrente de atuao estatal na rea social, afetando de forma considervel o espao onde as polticas sociais tradicional-mente se organizavam: o Estado.

    Segundo Ferrera (1993b),

    o ncleo originrio e fundamental do WS, responsvel pela concesso ou conquista de especficos direitos de proteo, s entendido a partir de uma ordem territorial e do Estado nacional; e so os problemas e interesses da integrao social, estabilidade poltica e crescimento econmico do Estado nacional que delimitaram a evoluo qualitativa e quanti-tativa das polticas sociais nesse ltimo sculo.

    Dessa maneira, o perodo atual de crise dos modelos de WS - o Universal e o Ocupacional - , pois as condies que estavam presentes quando da consolidao e expanso desses modelos (como o crescimento industrial de pleno emprego, a estrutura demogrfica equilibrada, a estrutura familiar nuclear, situaes socioculturais peculiares, e o apogeu do Estado nacional) ou se encontram fortemente abaladas ou no resistiram s novas situaes criadas pelo processo de globalizao.

  • Em particular, a transio ps-industrial e as transformaes no mercado de trabalho esto a impor limites bastante srios de atuao para ambos os modelos, ao inibir os canais clssicos de financiamento das polticas sociais (tanto de origem fiscal quanto contributi-va), atravs da reduo dos recursos disposio do Estado. Este fato liga-se diminuio dos recursos a serem extrados da esfera produtiva - pilar das atuais estruturas tributrias nacionais - , tendo em vista que a especulao financeira produz hoje muito mais capital que a esfera produtiva; e diminuio dos recursos que podem ser obtidos atravs do trabalho - pilar das estruturas contributivas - , pela reduo do emprego, tendo em vista o novo padro tecnolgico desta fase atual de desenvolvimento capitalista.

    Por outro lado, o consenso social democrata est sendo substitudo por um novo consenso - o neoliberal - , isto , uma nova superestrutura ideolgica e poltica correspon-dente a essa imensa transformao histrica que vive o capitalismo moderno (Therborn, 1995). O antigo consenso baseado no pleno emprego, em polticas redistributivas e extensa participao dos partidos e sindicatos nos pactos sociais garantidores do crescimento econmico era extremamente adequado aos modelos de poltica social baseados em ampla interveno da esfera pblica.

    O novo consenso, medida que propugna pelo privilegiamento da eficincia e eficcia, como instrumentos de diminuio de custos, na liberdade de escolha e na competio pblico e privado (Dahrendorf, 1988), no prioriza a interveno estatal como forma nica de solucionar as desigualdades sociais. Assim, esses modelos de poltica social tm sido alvo fcil dos neoliberais em sua defesa do Estado mnimo e das liberdades de escolha individual e do prprio mercado, como elementos centrais na busca, para eles, da igualdade com equilbrio.

    Alm disso, as velhas premissas onde os dois modelos de WS desenvolveram-se esto em transformao e exigem novas solues. Assim, a economia em rpido crescimento foi substituda por um crescimento lento ou nulo, onde a conteno de custos passa a ser uma varivel importante nas decises de polticas pblicas. A sociedade industrial foi substitu-da pela sociedade ps-industrial, ocasionando, como vimos, o desenvolvimento da econo-mia de servios, modos de produo mais descentralizados, consumos diferenciados e flexibilizao das relaes de trabalho. A antiga diviso de trabalho entre os dois gneros provoca uma redefinio das relaes de gnero e a busca por uma nova conciliao entre vida profissional e reproduo social. A antiga estrutura demogrfica, em relativo equil-brio, vem sendo substituda pelo envelhecimento populacional e pelo fenmeno da migra-o acelerada do sul para o norte, o que impe novas limitaes e controles de custo. O aumento das expectativas sobre a extenso de benefcios tende a ser substitudo por novos encargos por parte dos beneficirios, introduzindo diferenciaes nos sistemas de proteo social. E o enfraquecimento dos Estados nacionais leva a que se introduzam novas relaes centro-periferia, dentro de um mesmo pas e em escala global (Ferrera, 1993a).

    Assim, a crise dos dois modelos - o Universal e o Ocupacional - , sem que, contudo, at o momento tenha surgido alguma forma institucionalizada que substitua as duas velhas formas de proteo social. Segundo Ferrera (1993a), a crise atual tem afetado mais o modelo universal, por ser este mais sensvel subida dos custos, e tambm por sua maior rigidez institucional, quando comparado ao modelo ocupacional. Este ltimo pode ainda recorrer

  • a formas mais flexveis de atuao, atravs de uma "balcanizao" de seus entes constitu-tivos; isto , atravs de uma fragmentao e de uma diversificao maior nas formas de proteo at ento oferecidas.

    Abre-se, portanto, a possibilidade para que apaream novas formas de solidariedade, mais leves e seletivas, capazes de superar as contradies e limites dos dois antigos modelos.

    A tendncia de que apaream novos modelos, de forma a dar conta das tendncias atuais de globalizao/fragmentao. Esses novos modelos podem vir a ser representados por um mix de: universalismo e particularismo; universalismo leve e ocupacional pesado; standard (supra) nacional e diversificao subnacional (Ferrera, 1993a).

    Entretanto, o aparecimento de um novo modelo difcil, tendo em vista as atuais transformaes socioeconmicas e o contexto institucional e poltico-partidario desse final do sculo em que se caminha, a passos largos, do universalismo nacional para o particula-rismo subnacional.

    Em suma, a longa crise econmica, as transformaes do perodo ps-industrial, o crescimento da proporo de mulheres na populao economicamente ativa, e os novos fluxos migratrios, alteraram a estratificao ocupacional e a prpria estrutura de confor-mao das classes sociais nos pases maduros. O enfraquecimento dos Estados nacionais e os processos de descentralizao, como fenmenos universais, estabeleceram novas dimenses para a relao centro-periferia dentro de um mesmo pas e mesmo internacio-nalmente. E novas configuraes polticas - substitutivas das antigas estruturas sindicais e partidrias - introduziram novos atores na arena de deciso das polticas pblicas.

    Entretanto, quando se examina o desenvolvimento recente dos WS, v-se que as reestruturaes efetuadas no plano econmico, e as prprias propostas do consenso neoliberal para a rea social no produziram alteraes de peso nos principios bsicos de funcionamento dos antigos modelos. As razes que esto sendo apontadas para explicao desse fato referem-se: ao envelhecimento da populao, que impe, para os sistemas de previdncia, a distribuio de pesados benefcios; s atuais taxas de desemprego no capitalismo maduro, que favorecessem extensos gastos em seguro-desemprego e em (re)qualificao de mo-de-obra e formao profissional; s prprias desigualdades propi-ciadas pelas polticas neoliberais, fazendo com que pesadas polticas sociais compensat-rias tivessem que emergir; e prpria magnitude do Estado Social, como empregador de parcela considervel da populao econmicamente ativa, ocasionando uma certa rigidez na forma de proviso de bens e servios sociais. Esses fatos tambm explicam, por sua vez, o ascenso proporcional dos gastos sociais na renda nacional dos pases desenvolvidos, em perodos mais recentes (Mdici, 1994).

    O certo, porm, que nos defrontamos com um problema maior: talvez o processo de globalizao afete mais as clssicas funes do Estado na rea econmica e menos o seu papel na rea social, pois, como bem assinalou Ferrera (1993b), no espao nacional, e sob a gide do Estado-nao, que esto referidos os direitos/deveres concernentes proteo social.

    Por outro lado, sabemos hoje que mais Estado no significa mais pblico e menos desigualdade, e que menos Estado tambm no significa mais eqidade. A existncia do

  • Estado no suficiente para o alargamento da esfera pblica - aquela que deve representar o interesse geral, a proviso de bens coletivos e o universalismo - , mas, por outro lado, sem ele no se criam espaos pblicos que representem mais do que interesses particulares. E aqui aparece o problema da constituio de formas estatais universais: ser que a criao de um Estado universal no precede a formao de polticas sociais igualitrias? Isto , no ser condio importante de viabilizao de polticas sociais de corte universal a criao de aparatos pblicos capazes de ao autnoma e eficiente e que no sejam prisioneiros de interesses de grupos, partes e particularidades?

    O certo que novos modelos de proteo social que prescindam de algum grau de intervencionismo estatal e do referimento a algum espao territorial so difceis de se formar. Isso, talvez, explique, em parte, porque as polticas neoliberais, que acompanharam o processo de transformao econmica, foram at o momento to incuas para a rea social, no mundo desenvolvido - pelo menos na forma como os governos neoliberais o desejaram.4

    Por isso, o desafio da (re)construo e Reforma do Estado continua mais vivo do que nunca. Sem ele o discurso sobre poltica social assume um carter cada vez mais seletivo, focalizado, compensatrio e ao sabor das caridades privadas, nacionais e internacionais, voltando-se para formas pr-modernas de proteo social.5

    AS POLTICAS DE SADE NESSE CONTEXTO

    A poltica de sade, como no poderia deixar de ser, no ficou imune a esse cenrio e s profundas transformaes polticas e econmicas operadas nas economias mais desenvolvidas, nesses ltimos quinze anos.

    Assim, desde a segunda metade dos anos 70, a proposta de reforma dos sistemas de sade tem sido a tnica das polticas para a rea, como forma, fundamentalmente, de diminuir os custos da ateno mdica e de se racionalizar os gastos dos sistemas de sade, ao lado do apelo para a ampliao da universalizao.

    Dessa forma, em quase todos os pases ocorreram pequenas e maiores reformas nos

    4 JESSOP (1993) advoga mudanas no WS a partir da evoluo do modo de produo fordista para o ps-fordista. Esse processo promoveria inovaes tecnolgicas e de reorganizao das atividades do Welfare, acompanhando a flexibilizao do mercado de trabalho e as novas competitividades estruturais. Assim, nos anos 80, um "Workfare State schumpteriano" substituiria o "Welfare State keynesiano".

    5 Alguns autores, como ROSE (1993), evocam que a proteo social produto do Estado, do mercado e da unidade familiar, criticando-se a viso estatocntrica do WS. Alega ROSE que pensar o WS, como um produto oriundo exclusivamente do Estado, significa ignorar a importncia do mercado ou do ncleo familiar na criao de redes de proteo social. O autor aponta o exemplo do Japo, onde h uma tradio de proteo interna estrutura familiar, que passa de gerao a gerao, resultando em indicadores prximos da Sucia (para esperana de vida, por exemplo). Entretanto, o que esses autores ignoram que o aparecimento do Estado, no centro das polticas sociais, foi proveniente de distores nas formas de proteo oferecidas pelo mercado; e, o que mais bvio, que as formas familiares so bastante desiguais, tendo em vista o prprio perfil de distribuio de renda e os processos histricos-culturais inerentes a cada pas.

  • sistemas pblicos de sade, sem que, contudo, se alterassem alguns princpios bsicos de funcionamento dos sistemas de ateno em sade, como o universalismo, o financiamento e a regulao estatal.

    Entretanto, em dois pases, smbolos da aplicao das polticas neoliberais, ou pelo menos da formulao e difuso do discurso neoliberal - Estados Unidos e Inglaterra - , paradoxalmente, as reformas no introduziram, ainda, mudanas de peso, ou at mesmo caminharam em um sentido contrrio do que propugnavam as orientaes contemporneas para as polticas sociais.

    A reforma inglesa de 1990 introduziu a concorrncia dentro do espao pblico, ao delegar maior autonomia e responsabilidade para o nvel local, incentivando a competio entre prestadores pblicos e privados. So os mecanismos de mercado que passam a orientar a gesto (delegada aos general practitioners e aos distritos sanitrios) do sistema de sade, onde a demanda que organiza o sistema sanitrio (Ug, 1995). Porm, no se afetou a idia de universalismo e nem se desresponsabilizou o Estado com o financiamento e a regulao do sistema.

    A reforma americana, introduzida pelo governo de Bill Clinton, em 1993, instituda atravs do The Health Security Act, criou o carto de Segurana Sanitrio universal, financiado com recursos de empregadores, empregados e Estado, visando a neutralizar os graves problemas que o sistema anterior apresentava - em breves traos, altos gastos, baixa cobertura e grandes iniqidades. Por outro lado, definiu-se que o modelo a ser adotado privilegiar regional health alliances, formadas por cooperativas de consumidores de planos de sade privados (Ug, 1995). Assim, nesse pas, a reforma foi muito mais no sentido de criar mecanismos de acesso a servios j desenvolvidos em muitos pases, mas dentro ainda de uma tica privada para o financiamento e a oferta de servios.

    Outras reformas importantes ocorreram em vrios pases, entre o final dos anos 80 e incio dos 90, podendo-se afirmar que a palavra de ordem foi a da flexibilizao e do incentivo a formas de gerenciamento competitivas, mas mantendo-se o acesso universal e o mix contributivo/fiscal no financiamento dos sistemas.

    Talvez, o trao mais comum em todas as reformas tenha sido a da descentralizao da operao dos servios e a tentativa de aumentar as responsabilidades das esferas subnacionais de governo para com a ateno sade. Este movimento de delegar maior autonomia e responsabilidade para os nveis regionais e locais tem sido uma constante ao longo dos processos contemporneos de reforma dos sistemas de sade, como forma, inclusive, de se resolver a crise de financiamento do sistema, aumentando a participao dessas esferas locais no gasto pblico em sade.

    O certo, porm, que pouco se avanou na reduo dos gastos, e em alguns pases, ao contrrio, esses continuaram a se expandir (Mdici, 1994). Mais uma vez, as explicaes se ligam s mudanas na estrutura demogrfica e no perfil de morbimortalidade da populao mundial; crescente complexificao tecnolgica da assistncia mdica; no substituio de procedimentos e mo-de-obra, nessa rea, quando da incorporao de novas tecnologias; e ao comportamento da demanda por servios mdicos - inelstica aos aumentos de renda e sendo determinada pela prpria oferta. Ou seja, a rea da sade

  • evidencia um problema especfico de custos crescentes, no sentido que a oferta determina a demanda - sendo a primeira impulsionada pela gama de novas descobertas tecnolgicas nessa rea.

    Dessa forma, pode-se avaliar que os avanos das reformas dos sistemas nacionais de sade estiveram muito mais na proposta da descentralizao e da flexibilizao, como sinnimo de novos parcerias entre o pblico e o privado, e menos na reduo dos gastos pblicos, sendo certo, porm, que os mecanismos regulatrios e de controle se expandiram e se sofisticaram bastante ao longo desses anos.

    Por isso, retorna-se aqui ao problema apontado no final do item anterior: possvel reduzir o papel do Estado e de sua responsabilidade pela ateno sade dos cidados, como induzem, ou desejam induzir, o enfraquecimento da esfera estatal - no plano econmico - e as novas orientaes polticas para a rea social, advindas do discurso e das prticas neoliberais?

    Em resposta a essa questo, pode-se afirmar que as reformas, mesmo quando introduzidas por governos conservadores, no alteraram as bases fundamentais em que foram construdos os modernos sistemas de proteo, a incluindo os sistemas de sade, medida em que o papel e as funes da esfera estatal no interior dessa poltica pouco se modificaram.

    As pesquisas de opinio que tm sido feitas nos pases desenvolvidos (Ferrera, 1993a) mostram um grande apoio da populao aos seus sistemas nacionais, podendo-se afirmar que, em alguns pases, tais sistemas funcionam como smbolos de coeso nacional e de solidariedade social. Nesse sentido, Fleury (1994) aponta que "aqueles que consolidaram fortes sistemas de proteo social (...), hoje apresentam uma irredutvel resistncia a submeter as polticas sociais aos ditames do capital industrial, dado o complexo arco de interesses, consolidado em torno da proteo social".

    Por isso que mesmo com todas as limitaes impostas pelo processo de globalizao para o funcionamento de polticas sociais de corte mais redistributivas, tais polticas pouco se modificaram at o momento, pois evocam ainda smbolos de uma solidariedade construda a duras penas em seus espaos nacionais.

    Talvez, o que se deva investigar, se os processos de descentralizao efetuados no podero introduzir pesadas diferenciaes nos padres anteriores de atendimento.

    Aqui, aparecem as hipteses de Ferrera de um universalismo nacional mais fraco, ao lado de diferenciaes regionais mais pesadas: mix de universalismo e particularismo e standard nacional e diversificao subnacional.

    Abrem-se, portanto, as possibilidades dessa combinao - standard nacional e diversificao regional - em todos os pases, onde so os nveis subnacional - regional ou local - que passam a deter, cada vez mais, a responsabilidade pela assistncia sanitria.

    O problema residiria, ento, no fato desse processo se fazer sem controles previamen-te estabelecidos: o exemplo do Canad paradigmtico, no sentido de mostrar a utilidade

  • de controles centralizados em uma nica instncia decisria como um dos "elementos-cha-ve" para a eficcia administrativa, tcnica e financeira dos sistemas nacionais de sade.

    Assinale-se, ainda, que se for irreversvel, o processo de descentralizao - decorrente de profundas mudanas espaciais dentro do territrio nacional, das recorrentes crises de financiamento nos sistemas nacionais de sade e das propostas de novos modelos gerenciais e assistenciais - esse processo s ser eficaz se ocorrer uma maior integrao dos diferentes nveis de governo. Como bem assinalaram Labra & Buss (1995),

    o grau de xito da tendncia atual radical descentralizao dos servios depende enteada pas muito mais do padro histrico de relacionamento poder central/unidades polticas-ad-ministrativas e da existncia ou no de uma cultura societal comunitria do que da capacidade da autoridade central de impor uma nova racionalidade centrfuga aos servios.

    Qualquer movimento que desage em propostas exclusivamente locais para a sade passvel de imensas distores, irracionalidades e desperdcios de recursos, como bem demonstram trabalhos recentes de anlises do processo de descentralizao das polticas de sade na Amrica Latina (casos chileno, argentino e brasileiro).

    Por ltimo, cabe ressaltar que o xito dos processos de flexibilizao, que procuram novos tipos de parceria entre o pblico e o privado, tambm, parafraseando Labra & Buss, altamente dependente dos padres histricos de relacionamento pblico/privado em cada pas, e da existncia (ou no) de uma cultura fundada no interesse pblico, onde a atuao do setor privado seja passvel de controle social.

  • Referncias Bibibliogrficas

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