parte 2 civilização

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tu, caríssima amiga, Minha querida, querida amiga e na tua voz apreendo A linguagem de meu coração primeiro, e leio Meus primeiros prazeres nas luzes irradiantes De teus o1h05 ariscos, Oh! Por mais um pouco ainda Deixa-me contemplar em ti o que já fui uma vez, Querida, querida irmã! e esta súplica faço Sabendo que a natureza jamais traiu O coração que a amou. A chama do egoísmo romântico!-Tanto Byron quanto Worsdworth apaixonaram por suas irmãs. A inevitável proibição foi um desastre para ambos. Wordsworth sofreu mais. Byron, irrequieto e cínico, escreveu Doas Juan; quanto a Wordsworth, arrasado por ter de renuncia Dorothy, perdeu aos poucos a inspiração. Casou-se depois com antiga colega de escola e, apesar de ser feliz com ela, escreveu cada v menos obras que possam ser lidas sem esforço. Dorothy perdeu a razão. No mesmo ano em que a poesia inglesa tomou este rumo revolucionário, a pintura também produziu dois homens geniais, Turner e Comtable. Poucos meses antes de Wordsworth ir morar na região dos lagos, Turner pintara um quadro de Buttermere (195), uma de suas primeiras obras-primas. Entretanto Wordsworth está mais perto de Constable do que de Turner. Ambos eram homens do campo, com fortes apetites rigidamente controlados; ambos amaram a natureza com a mesma paixão física. Leslie, biégrafo de Constable, dizia: “Eu o vi admirar uma bela árvore com o mesmo êxtase com que tomaria nos braços uma linda criança”. Constable nunca duvidou de que a natureza significasse o mundo visível da árvore, da flor, do rio, do campo, do céu, exatamente como se lhes apresentavam aos sentidos. Parece ter atingido instintiva- mente a crença de Wordsworth de que confiar nas coisas naturais com autenticidade absoluta poderia revelar algo da grandeza moral do universo (38, em cores). Só através da concentração na superfície variável e luminosa das aparências é que descobriria. 9

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Page 1: Parte 2 civilização

tu, caríssima amiga,Minha querida, querida amiga e na tua voz apreendoA linguagem de meu coração primeiro, e leioMeus primeiros prazeres nas luzes irradiantesDe teus o1h05 ariscos, Oh! Por mais um pouco aindaDeixa-me contemplar em ti o que já fui uma vez,Querida, querida irmã! e esta súplica façoSabendo que a natureza jamais traiuO coração que a amou.

A chama do egoísmo romântico!-Tanto Byron quanto Worsdworth apaixonaram por suas irmãs. A inevitável proibição foi um desastre para ambos. Wordsworth sofreu mais. Byron, irrequieto e cínico, escreveu Doas Juan; quanto a Wordsworth, arrasado por ter de renuncia Dorothy, perdeu aos poucos a inspiração. Casou-se depois com antiga colega de escola e, apesar de ser feliz com ela, escreveu cada v menos obras que possam ser lidas sem esforço. Dorothy perdeu a razão.

No mesmo ano em que a poesia inglesa tomou este rumo revolucionário, a pintura também produziu dois homens geniais, Turner e Comtable. Poucos meses antes de Wordsworth ir morar na região dos lagos, Turner pintara um quadro de Buttermere (195), uma de suas primeiras obras-primas. Entretanto Wordsworth está mais perto de Constable do que de Turner. Ambos eram homens do campo, com fortes apetites rigidamente controlados; ambos amaram a natureza com a mesma paixão física. Leslie, biégrafo de Constable, dizia: “Eu o vi admirar uma bela árvore com o mesmo êxtase com que tomaria nos braços uma linda criança”. Constable nunca duvidou de que a natureza significasse o mundo visível da árvore, da flor, do rio, do campo, do céu, exatamente como se lhes apresentavam aos sentidos. Parece ter atingido instintiva- mente a crença de Wordsworth de que confiar nas coisas naturais com autenticidade absoluta poderia revelar algo da grandeza moral do universo (38, em cores). Só através da concentração na superfície variável e luminosa das aparências é que descobriria.

Turner, Buttermere

Aquele movimento e o espírito que impeleTodas as coisas pensantes, todos os objetos de todos os pensamentos E flui por todas as coisas.

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Tanto Wordsworth quanto Constable amavam os lugares onde haviam nascido e nunca se cansavam das coisas com que se encantaram quando crianças. Constable disse: “O som da água que escorre dos moinhos, diques velhos e podres, postes brilhantes, muros de tijolo, são imagens que me transformaram em pintor, e eu lhes sou grato”. Já estamos tão acostumados com essa abordagem da pintura que temos dificuldades em ver como era estranho gostar mais de postes brilhantes e diques podres do que de heróis de armadura, numa época em que todos os artistas sérios aspiravam a ir para Roma e pintar quadros sobre temas de Homero e Plutarco.

Constable, Salgueiros à Beira de um Rio

Constable odiava o grandioso e pomposo, e o seu culto da simplicidade, como Wordsworth, resvala às vezes para o lugar-comum. Seu quadro Salgueiros à Beira de um Rio (196) marca o início de uma série de pinturas medíocres, como os poemas de Wordsworth às pequenas papoulas e margaridas marcaram o início de sua má poesia. Esse quadro foi rejeitado pela Academia. “Tirem daí esse horror verde”, disseram Entretanto, seria uma das obras mais bem aceitas de Constable. duran cem anos. Quando ele se deixava levai pela emoção, transmitia temas rústicos (197) a qualidade por meio da qual “as paixões dos homens se incorporam nas formas belas e permanentes da natureza”, dizer de Wordsworth.

A vida simples era parte indispensável do novo culto à natureza, e inteiramente contrastante com as aspirações anteriores. A civilização, que estivera ligada durante tanto tempo a grandes mosteiros e palácios ou salões bem mobiliados, podia agora emanar de um cottage. Até Goethe, na corte de Weimar, preferiu viver numa pequena casa no jardim. E o cottage Dove era muito humilde. A sua porta não paravam carruagens, e isso me recorda que o culto da natureza está intimamente ligado ao hábito de andar a pé. No século XVIII, alguém que caminhasse sozinho seria visto com tanta desconfiança quanto hoje, nas ruas de Los Angeles. Mas os Wordsworth caminhavam muito. De Quincey calculou que, ao chegar à meia-idade, o poeta já percorrera trezentos mil quilômetros a pé. Até o pouco atlético Coleridge adquiriu esse hábito. Para eles não era nada andar vinte e cinco quilômetros, depois do jantar, para pôr uma carta no correio. Assim, durante

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mais de cem anos, as caminhadas pelo campo foram o exercício físico e espiritual dos intelectuais, poetas e filósofos. Dizem que os passeios à tarde já não fazem parte da vida intelectual nas universidades. Mas para muita gente caminhar ainda é um dos melhores meios de fuga da opressão do mundo material; e o campo, por onde Wordsworth passeava solitário, vive hoje tão cheio de peregrinos quanto Lourdes ou Benares.

As semelhanças entre Wordsworth e Constable, tão claras para nós, não ocorriam aos seus contemporâneos. Em parte, porque Constable foi pouco conhecido até 1825, época em que Wordsworth já perdera a inspiração. Suponho que seja, em parte, porque Constable pintava planícies, enquanto Wordsworth estava ligado às montanhas, como, aliás, todo o Culto da Natureza. Isso, associado à falta de acabamento em Constable, era o motivo do desprezo de Ruskin, que passou parte de sua vida elogiando Turner. Turner foi o expoente supremo daquela reação à natureza sentida por Gray diante da Grande Chartreuse, o que chamaríamos de pitoresco sublime. As vezes suas tempestades e avalanches parecem absurdas, como é absurda a retórica de Byron, mas tenho para mim que a nova religião exigia afirmações de força e sublimidade mais evidentes do que as fornecidas por papoulas e margaridas (40, em cores).

Não pensem que eu pretendo diminuir Turner. Ele foi um gênio de primeira grandeza e, sem contestação, o maior pintor que a Inglaterra já teve. Embora estivesse apto a trabalhai no estilo em voga, nunca perdeu a compreensão intuitiva da natureza. Ninguém sabia mais do que ele sobre as aparências naturais, e ele foi capaz de incluir nos seus conhecimentos enciclopédicos lembranças dos mais fugidios efeitos de luz, como alvoradas, tempestades, neblinas que se dissipam, jamais colocadas na tela até então.

Durante trinta anos explorou seus dons brilhantes numa série de quadros que maravilharam seus contemporâneos, mas são muito artificiais para o gosto moderno. Durante todo esse tempo, porém, Turner aperfeiçoava, para sua própria satisfação pessoal, um novo estilo de pintura, só aceito em nossos dias: a transformação de tudo em pura cor, a luz transmitida como cor, os sentimentos sobre a vida transmitidos como cor. É difícil, para nós, compreender o quanto esse processo era revolucionário. Devemos lembrar-nos de que durante séculos os objetos eram considerados reais porque eram sólidos; sua realidade era comprovada pelo toque, como fazem muitos ainda. E toda a arte que se prezasse almejava definir essa solidez através da modelagem ou de contornos firmes. Blake perguntava: “O que diferencia a honestidade da patifaria, senão a linha firme da retidão?”.

Constable, Meninos Pescando à Margem do Stour

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Turner, Ondas Quebrando na Costa a Sotavento

Monet, Nenúfares

A cor era considerada imoral, talvez corretamente, porque é um sensação imediata e produz seus efeitos independentemente das lembranças ordenadas, que são a base da moralidade. Entretanto, a cor de Turner não era, em absoluto, arbitrária, isto é, aquilo que chamamos cor decorativa, Começava sempre como registro de uma experiência concreta. Turner, como Rousseau, usava as sensações ópticas para descobrir a verdade. “Sinto, logo existo” é um fato que pode ser verificado nos seus quadros na Tate Callery. Quanto mais indefinidos, mais são “pura cor” e mais vivamente eles conferem à natureza um sentido total de verdade (41, em cores). Turner proclamou a independência da cor, acrescentando assim uma nova faculdade à mente humana.

Não creio que Turner tivesse consciência da sua relação com Rousseau. Mas Goethe, o outro grande profeta da natureza, significava muito para ele. Apesar de sua pouca instrução, leu com esforço as obras de Goethe, especialmente a Teoria da Cor, e concordava com Goethe quando afirmava sentir a natureza como um organismo, como algo que funciona de acordo com certas leis. Naturalmente, foi esta faceta de Turner que encantou Ruskin, e sua extensa defesa do pintor, a que deu o título enganador de Pintores Modernos, tornou-se uma enciclopédia de observação natural. Assim como a Idade Média produzira enciclopédias onde as observações inexatas serviam para provar a verdade da religião cristã, Ruskin acumulou observações acuradas sobre plantas, rochas, nuvens, montanhas, para provar que a natureza obedece a leis (198). Talvez obedeça mesmo. Mas não ao tipo de lei que o homem elaborou para si próprio. Ninguém, hoje, levaria a sério a crença de Ruslcin de que a natureza ou é uma manifestação da Lei Moral ou está sujeita a ela. Todavia, acredito que tenha extraído de suas observações uma moral tão convincente quanto as que podem ser extraídas das Sagradas Escrituras. Igualmente quando afirma: “Chamamos vida à força que leva várias partes da planta a se ajudarem mutuamente. Intensidade de vida é também intensidade de ajuda. A suspensão dessa ajuda é o que chamamos de corrupção”. Isso ajuda a explicar por que Ruskin foi considerado um dos maiores profetas de seu tempo nos cinqüenta anos que se seguiram à publicação de seu livro Pintores Modernos.

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Todos esses aspectos da nova religião da natureza encontram-se e se entrelaçam lá onde as antigas religiões focalizavam suas aspirações: o céu. Só que os adoradores da natureza, em vez de se concentrarem no movimento dos planetas ou na visão da morada celeste, concentravam-se nas nuvens. Em 1802, um quacre chamado Luke Howard apresenta um ensaio sobre A Modificação das Nuvens, tentando fazer com o céu o que Lineu fizera com as plantas. Goethe ficou tão encantado que escreveu um poema para Howard. Luke Howard também influenciou os pintores. Constable, ao ler o texto de Howard, sentiu confirmada sua crença de que as nuvens precisam ser coligidas e classificadas. Fez centenas de estudos de nuvens (199), anotando no verso o mês, a hora e a direção do vento, Ruskin dizia de si mesmo que “engarrafava nuvens com tanto cuidado quanto seu pai, comerciante de vinhos, engarrafava xerez”.

Ruskin, Desenho de Rocha Gnaisse

Constable, Estudo de Nuvens

Mas as nuvens são proverbialmente anárquicas. Até Ruskin, desesperado, desistiu. Por isso, daí por diante, o céu atraiu menos os pesquisa- dores analíticos do que os adoradores da natureza que se entregavam aos devaneios sensoriais de Rousseau. No dizer de um dos primeiros escritores do Romantismo, “a mente pode tornar-se em toda extensão algo como um cenário hemisférico de nuvens, cheio de formas permanente- mente mutáveis e amalgamadas”.

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Constable dizia que as nuvens são, na pintura de uma paisagem, o 6rgão principal do sentimento. Para Turner, tinham um sentido simbólico. Na sua obra, nuvens cor de sangue simbolizavam destruição. Fazia distinção entre os céus de paz e os céus de disc6rdia. O maior objetivo de sua vida era ver o Sol nascer sobre as águas. Possuiu várias casas de onde podia assistir a esse espetáculo. E o que mais o fascinava era a linha em que o céu toca a água, a união dos elementos que, pela harmonia de tons, parece alcançar a reconciliação de opostos. Para observar esses efeitos, vivia na costa de Kent — os vizinhos acreditavam tratar-se de um excêntrico capitão de barco, chamado Puggy Booth, que, mesmo depois de aposentado, não podia deixar de olhar o mar.

Turner, Chuva, Vapor, Velocidade

“Um diálogo entre o mas e o céu” é o título que Debussy deu a uma parte de sua La Mer. Foi escrita sessenta anos mais tarde, mas não parece chocante relacioná-la, aqui, com uma obra de arte muito anterior, porque Turner pintou num estilo completamente fora de seu tempo — foi, talvez, o primeiro grande artista a fazê-lo. Até quadros apresentados em exposições, como Chuva, Vapor, Velocidade (200), não têm relação alguma com o que se fazia na Europa, ou se faria durante um século. Em 1840, deviam parecer totalmente loucos e, de fato, a eles se referiam como “mais uma piada do sr. Turner”.

Turner foi educado na tradição do pitoresco, para a qual só algumas combinações notáveis na natureza constituíam material adequado à arte. Mas o pitoresco jamais criou raízes na França. Os pintores franceses preferiam Constable e citavam sua frase: “Nunca vi nada feio em minha vida”. Era uma espécie de igualitarismo, e Courbet, comunista convicto, pintou algumas das mais perfeitas transcrições da natureza, bem pr6ximas da forma de arte realmente democrática, o cartão-postal colorido. Durante quase cem anos, a pintura paisagística naturalista e direta permaneceu como o estilo mais popular de pintura, e acredito que perduraria ainda se algum pintor moderno soubesse fazê-la com convicção. Entretanto, foi substituída pela fotografia num momento decisivo, e os três grandes amantes da natureza do fim do século XIX, Monet, Cézanne e Van Gogh, tiveram que realizar uma transformação mais radical.

A visão arrebatada de Rousseau, que o levou a viver no mundo da sensação, contou mais um triunfo no século XIX. E o curioso é que surgiu também da observação de ondulações: o Sol se refletindo na água e o trêmulo reflexo dos mastros. Aconteceu em 1869, à margem do rio, no café La Grenouihiêre, onde Monet e Renoir se encontra freqüência. Antes disso, ambos seguiam o estilo naturalista corren mas ao repararem nas ondulações e nos reflexos, o paciente naturalisr sofreu uma derrota (201).

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Renoir, La Grenouillière

A única coisa a fazer era provocar uma impressão. E uma impressão de quê? Da luz, pois ela é tudo o que vemos. Muito tempo antes, o filósofo Hume chegara à mesma conclusão, mas os impressionistas não tinham a mínima idéia de estarem seguindo uma teoria filos6fica. Em um quadro, “a luz é o personagem principal”, palavras de Monet que deram uma espécie de unidade filosofo fica às obras desses pintores, de forma que os grandes momentos do impressionismo, além de nos encantarem vista, legaram algo novo às nossas faculdades humanas. Nossa consciência da luz se tornou parte daquela consciência geral, daquele refinamento da sensibilidade tão maravilhosamente descrita nos romances de Proust, que, numa primeira leitura, quase parecem nos dar novos sentidos.

Quando pensamos nos inúmeros belos quadros impressionistas espalhados pelo mundo e na mudança que provocaram na nossa maneira de ver, surpreende-nos que o movimento como tal tivesse durado tão pouco tempo. São sempre muito curtos os períodos em que os homens conseguem trabalhar juntos inspirados pelo mesmo objetivo, e nisto reside um3 das tragédias da civilização. Depois de vinte anos, o Impressionismo sofreu uma cisão. Uma corrente achou que a luz precisava ser transmitida cientificamente, em pinceladas de cores primárias, como um espectro. Esta teoria inspirou um pintor impecável, Seurat. Contudo, ela estava muito longe do encantamento inicial espontâneo pela natureza, do qual depende basicamente toda a pintura paisagística.

Do outro lado estava Monet, o primeiro e inabalável impressionista, na medida em que tentou uma espécie de simbolismo da cor para exprimir os efeitos mutáveis da luz, ao descobrir que o naturalismo puro se exaurira. Por exemplo, pintou uma série de fachadas de catedral, sob luzes diferentes — rosa, azul, amarela —, que me parecem distantes demais da experiência. Depois voltou-se para o jardim de nenúfares que construíra em sua propriedade. E a contemplação extasiante das nuvens refletidas na superfície da água foi o tema de suas últimas obras-primas (42, em cores).

Nas duas salas das Ninféias, em Paris, ele dá expansão às suas sensações numa forma contínua, como um poema sinfônico. O poema tem seu ponto de partida na experiência, mas o fluxo de sensações torna-se um fluxo de consciência. E como a consciência se converte em pintura?

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Esse é o milagre: por um conhecimento tão completo de todos os efeitos, que eles se tornam instintivos, e cada movimento do pincel deixa de ser um simples registro para ser também um gesto de auto-revelação. De qualquer forma, a força de vontade para efetivar esta transformação deve ter sido enorme, e talvez Monet jamais a realizasse sem o apoio de seu amigo Georges Clemenceau. Na luta para salvar seu país, sobravam forças, ao velho batalhador, para manter Monet trabalhando. Monet, que estava ficando cego, escreveu repetidas vezes que não podia continuar. Diante disso, Clemenceau safa do ministério em direção ao ateliê de Monet e lhe suplicava que retomasse o pincel. E Monet voltaria a mergulhar no poço de suas memórias e sensações. Mergulho total: eis a razão suprema por que o amor da natureza foi aceito corno religião durante tanto tempo. É uma das maneiras pelas quais podemos perder a nossa identidade no todo e atingir uma consciência mais intensa do ser.

Rude, Grupo no Arco do Triunfo, Paris

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