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DOSSIÊ BM - NOSSA SENHORA DO CARMO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA / MG - DISTRITO SEDE 201 As meninas são organizados por dona Maria dos Reis Nascimento, mãe do capitão Ubiratan e Madrinha do terno e pelas Madrinhas da Bandeira: Francelina, Cristina, Beatris e Vanessa. Em seguida a bateria: os homens vestidos de branco com faixas azul e cor de rosa tocam os maracanãs, as meia luas os repiliques e os surdos sob a regência do apito e bastão do Amador, Segundo Capitão. Os três capitães se revesam organizando o terno, ditando o rítmo, as músicas, organizando o transito dos carros - transitam por todo o terno. Em alguns momentos, alguns caixeiros descançam e carregam as caixas sem tocá-las, em geral auxiliados por garotos que acompanham o terno. Geralmente as caixas se revesam, parado totalmente de tocar em pequenos intervá-los. As meninas dançam também o tempo todo, com pequenos intervalos revesados de descanço. 09. Grupos Sociais Envolvidos: Irmandade do Rosário e São Benedito, Abaçá de Nanã e Oxum, Tenda Coração de Jesus, moradores dos bairros Martins, Dona Zulmira e entorno 10. Organizadores: Presidente: Raimundo dos Reis da Silva (Pacu) Madrinha: Maria dos Reis da Silva (Yá Mariinha, Mãe Mariinha) 1º Capitão: Ubiratan César Nascimento 2º Capitão: Amador 3º Capitão: Gil Madrinha da Bandeira: Francelina Capitão de Caixaria: Marcos Paulo Secretária: Vanessa Tesoureiros: Adilson e Fabiano Ajudantes: Mariinha (D. Zulmira), Brígida Oradoras: Patrícia e Cristina 11. Participantes: Aproximadamente 100 integrantes. 12. Local de Realização: Rua Cambuquira, 651 – Bairro Oswaldo 13. Data/ periodicidade de ocorrência: A “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, começava por volta do dia 15 de setembro, atualmente ela começa por volta do dia 10 de agosto. Por causa da mudança da data da festa de novembro para outubro, a campanha também começa mais cedo. A festa do Congado realizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário no centro da cidade de Uberlândia, atualmente ocorre no último domingo e segunda-feira de outubro, antes era no segundo domingo e segunda-feira de novembro. Ocorre também uma festa na igreja de São Benedito, no bairro Planalto no mês de maio. Várias festas em outras cidades ocorrem em diversas datas ao longo do ano, sendo visitadas pelos ternos de Uberlândia. 14. Informações Complementares: O Congado é um ritual afro-brasileiro que nasce dos cortejos de coroação de reis, do culto aos ancestrais africanos e das celebrações de santos da Igreja Católica.

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As meninas são organizados por dona Maria dos Reis Nascimento, mãe do capitãoUbiratan e Madrinha do terno e pelas Madrinhas da Bandeira: Francelina, Cristina,Beatris e Vanessa. Em seguida a bateria: os homens vestidos de branco com faixasazul e cor de rosa tocam os maracanãs, as meia luas os repiliques e os surdos soba regência do apito e bastão do Amador, Segundo Capitão. Os três capitães serevesam organizando o terno, ditando o rítmo, as músicas, organizando o transitodos carros - transitam por todo o terno. Em alguns momentos, alguns caixeirosdescançam e carregam as caixas sem tocá-las, em geral auxiliados por garotosque acompanham o terno. Geralmente as caixas se revesam, parado totalmente detocar em pequenos intervá-los. As meninas dançam também o tempo todo, compequenos intervalos revesados de descanço.09. Grupos Sociais Envolvidos:

Irmandade do Rosário e São Benedito, Abaçá de Nanã e Oxum, Tenda Coração deJesus, moradores dos bairros Martins, Dona Zulmira e entorno10. Organizadores:

Presidente: Raimundo dos Reis da Silva (Pacu)Madrinha: Maria dos Reis da Silva (Yá Mariinha, Mãe Mariinha)1º Capitão: Ubiratan César Nascimento2º Capitão: Amador3º Capitão: GilMadrinha da Bandeira: FrancelinaCapitão de Caixaria: Marcos PauloSecretária: VanessaTesoureiros: Adilson e FabianoAjudantes: Mariinha (D. Zulmira), BrígidaOradoras: Patrícia e Cristina11. Participantes: Aproximadamente 100 integrantes.12. Local de Realização: Rua Cambuquira, 651 – Bairro Oswaldo13. Data/ periodicidade de ocorrência:

A “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, começava por volta dodia 15 de setembro, atualmente ela começa por volta do dia 10 de agosto. Porcausa da mudança da data da festa de novembro para outubro, a campanha tambémcomeça mais cedo. A festa do Congado realizada na Igreja de Nossa Senhora doRosário no centro da cidade de Uberlândia, atualmente ocorre no último domingo esegunda-feira de outubro, antes era no segundo domingo e segunda-feira denovembro. Ocorre também uma festa na igreja de São Benedito, no bairro Planaltono mês de maio. Várias festas em outras cidades ocorrem em diversas datas aolongo do ano, sendo visitadas pelos ternos de Uberlândia.14. Informações Complementares:

O Congado é um ritual afro-brasileiro que nasce dos cortejos de coroação de reis,do culto aos ancestrais africanos e das celebrações de santos da Igreja Católica.

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Uma dança ritual executada por guardas ou ternos de Congo, Moçambique, Marujo,Marinheiro e Catupé. Os dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora doRosário e a São Benedito, aos antepassados e aos santos de sua devoção,principalmente aos santos negros Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas tambémSão Domingos, Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada ternose diferencia do outro nas cores das roupas e dos acessórios, nos ritmos dasmúsicas, nos instrumentos e na forma da dança.Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro Capitão,apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão e apitocomanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma sériede músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outrasaprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicasde cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” quenão podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas nocoração”, só são executadas em cerimônias reservadas.O trajeto do Congado é uma manifestação pública da fé, do pertencimento aomovimento cultural afro-brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompemos muros que cercam suas comunidades e ganham a cidade, comemorando amanutenção de suas famílias e de sua cultura. O ritual composto por elementos da cultura bantu é reelaborado no Brasil sobinfluência do contato com outros povos africanos, europeus e nativos. O Congadoem Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate da imagem de NossaSenhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a) Nossa Senhora doRosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,eles não acreditam.Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, elestentam tirá-la, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres e tentam levá-lapara uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem, então o ternode Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao serlevada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Um terno deMoçambique, todo vestido de branco, descalço, com gungas nos pés, canta paraela, que então submerge e lhes acompanha, eles então constroem uma capelapara ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique entãose retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão, contada por Maria ConceiçãoCardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma que ao tentar capturar escravosfugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra um grupode negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima em frentea uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava encravada numgalho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas elespermanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamamum padre para ir até o local verificar o fato.

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E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa

Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta, vestido de

branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.

O Moçambique é, por isso, a Guarda Real. Isto é, são os ternos de Moçambique os

responsáveis por conduzir as imagens dos santos, bem como os reis durante a

procissão. É responsável por levantar o mastro na porta da Igreja dando início ao

Congado, é quem geralmente conduz os casais reais até a procissão e também no

encerramento da festa. Ouvi de diversos capitães em Uberlândia, que quem conduz

o casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”. A coroa além de representar a

realeza, também é símbolo de Nossa Senhora e confere a quem a utiliza a autoridade

para conduzir os reis e santos. A coroa também está associada aos Pretos Velhos,

na Umbanda, representa o poder e a sabedoria dos anciões. O Catupé faz a guarda

do Moçambique e pode substituí-lo nessas funções.. As músicas, as roupas e

adereços e o trançar de fitas característico do terno de Marinheiros e Marujos, fazem

referência ao mar que traz os negros para o Brasil e de onde Nossa Senhora é

retirada, e às atividades do Marinheiro.Os ternos de Congo são de louvação, os

tocadores de maracanãs e caixas fazem performances saltando com os

instrumentos, mas esta performance, atualmente, também é reproduzida por outras

guardas.Segundo os integrantes do Marinheiro de São Benedito a performance

dos saltadores ou caixeiros de frente, em que os dançadores pulam com as caixas

revezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de significação.

Quando estão ajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando, estão

agradecendo as graças recebidas. Axé é energia vital, essencial para existência.

Uma das características diferenciadoras dos ternos de Congo que vem se

extinguindo em Uberlândia é o uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas

confeccionados em madeira e couro, percutidas com uma vareta), bem como o

uso de pandeiros, adufes e instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos,

banjos e sanfonas.

A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os modelos militares

ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado Capitão, mas em

outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras funções, tais como,

Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha do Terno, Madrinha

da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno para terno, tanto em

número como em funções e significações. “Antigamente” a função de Primeiro

Capitão era designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas,

o Presidente era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente,

vice-presidente geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo

capitão, madrinha.

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O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre bem comtodo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente éresponsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscaisprotegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha doterno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas tambémtransita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha dabandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmenteas mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.Os Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, naorganização dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente tambémimpunham um bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro eSecretários, exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelospróprios Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores edançadores. As Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendocoreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas.“Antigamente” esta função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitasmulheres relatam que se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro dabandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seriaa responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupase rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar.Desmaios e doenças dificultariam a execução da função. Caberia a menina seafastar quando não fosse mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. Hojeno entanto esta tradição não é mantida pela maioria dos ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha das cores, dos instrumentos, dosacessórios e dos ritmos, outros vêm nesses elementos traços distintivos dos ternos.As roupas e acessórios são usados apenas nos dias de festa, durante a campanha,cada um se veste a seu modo. As meninas geralmente fazem roupas que podemser usadas no cotidiano, já que todo ano elas fazem duas trocas de roupa: umapara o domingo e outra para a segunda. Alguns ternos modificam os modelos desuas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta dos homens durante algumperíodo. Constatei a preocupação de anciões quanto à manutenção das roupasconsideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que mais inova é a dasbandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementosidentificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quandoocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços.Os ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos –se estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia.Aqueles registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade.Um representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisõesda Irmandade.

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A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica e as subvençõesgovernamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data de realização da festa,faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horários de realização demissas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é na verdade umreinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosse um “reino”ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à um tipo deguarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui o seu“diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniões coma Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputatorna-se muito clara em muitos momentos.Disputam a ocupação do espaço na praça da igreja, qual a execução mais perfeitadas músicas, qual o maior número de componentes, qual a melhor organização edisposição dos soldados na apresentação, qual a melhor e mais bonita indumentária,ocorre disputa na demarcação do território onde realizaram sua campanha, etc.Em alguns momentos verdadeiras batalhas orquestrais ocorrem: os ternos seenfrentam com os instrumentos, o apito e a expressão corporal dos capitães deixamclara a luta enquanto os soldados rufam seus tambores.Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são confeccionadosou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam ensaios, novenas,leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria Municipal Afro-Racial(CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam outras cidades em festa.A campanha é o período que precede a festa.Geralmente é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável poragendar os leilões e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilõesarrecadam “prendas”, geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes,roupas, etc, que serão leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-se os instrumentos e cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e doapito de seus capitães realizando jornadas noturnas que extrapolam os limites dosbairros para realizar as novenas e os leilões. Estes deslocamentos pela cidadeenchem a noite com as sonoridades dos instrumentos. Algumas pessoas saem naporta das casas para ver os ternos passarem, nos seus ensaios para o dia dafesta.Cada terno possui o seu “território”, demarcado pelas casas dos amigos queoferecem prendas para o leilão ou solicitam a visita da bandeira para a realizaçãoda novena. Cada terno possui um quartel, que pode ser a casa de um dos capitãesou de pessoas ligadas ao terno. O “território” dos ternos extrapola, inclusive asfronteiras das cidades, pois cada terno possui uma agenda de festas e encontrosformando distintas redes de sociabilidade. Os ternos também costumam visitarsuas cidades de origem.

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Quando um terno se encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos trêsações diferentes: 1 – se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;2 – se os ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida,poderá haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um ternoimpede o outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja.3 – se os ternos ainda não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantaremum para o outro saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haverneste caso uma espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente parasaber qual dos capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.O trajeto até a casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia dafesta. Durante o trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitãesensinam as músicas aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum acriação de músicas novas para apresentarem no dia da festa. A composição podeser feita por capitães, madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas amentores espirituais. Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não serexecutadas no dia da festa. Existem também músicas específicas para cadaocasião: para chamar o dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão,para abençoar o interior da casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito,em louvor a Nossa Senhora do Rosário, que relembram os antepassados, que falamde fenômenos climáticos, para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis eRainhas, de despedidas, para quando ocorre um encontro com outro terno seja eleamigo ou não e uma infinidade de outras possibilidades, variando de terno paraterno.Existem duas versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeiraconsidera o Distrito de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde seoriginaram os ternos de Congado do município, na época, o arraial de São Pedrode Uberabinha. Segundo Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o primeiro terno demoçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito pelosmoradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariampara o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,levando consigo as celebrações do Congado.A segunda versão indica que o movimento do Congado se iniciou no Sertão daFarinha Podre, por volta de 1874, através do “Mestre André”. Esse senhor reuniaos negros da região do Rio das Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto àNossa Senhora do Rosário, padroeira dos negros, pedindo para libertá-los daescravidão. O início do movimento ocorre por volta de 1876, período de expectativae temor quanto à abolição da escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em1881 foi decretada a lei nº 2040, conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885a “Lei do Sexagenário” ou “Lei Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de umprocesso que culminou na própria abolição da escravatura, em 1888.

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O município de Uberlândia se localiza na região do Triângulo Mineiro, área conhecida

no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha Podre. Esta região era denominada

de Sertão da Farinha Podre por causa dos sacos de palha com farinha, encontrados

pelos colonizadores, enterrados ou pendurados nas árvores. Das histórias contadas

sobre a origem deste nome, existe uma que afirma que quando as bandeiras se

aproximavam os indígenas e quilombolas que aqui habitavam escondiam sua

farinha, base de sua alimentação, com esperança de poderem voltar algum dia

para suas aldeias e ter alimentos até a nova plantação dar seus frutos. Eles se

refugiavam nas matas e esperavam os bandeirantes abandonarem suas moradias

após arrasá-las com saques e incêndios. Muitas aldeias tinham que mudar

constantemente sua localização, abandonando sacos de farinha pelo caminho de

sua fuga. Por causa de sua localização geográfica, o Sertão da Farinha Podre

passou a ser um entreposto para os avanços das bandeiras. Local de de descanso

e comércio de tropas uma parada na rota de tropeiros e mineradores em direção a

Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora escondida pelos quilombolas e/ou

indígenas apodrecia com a ação do tempo, e depois era encontrada pelos novos

habitantes do lugar. Por causa da grande quantidade de mantimentos apodrecidos

encontrados, a região da bacia do rio Paranaíba que abrange o atual Triângulo

Mineiro e parte do sul do estado do Goiás, ganhou o nome de Sertão da Farinha

Podre.

O Sertão da Farinha Podre era povoado por vários núcleos quilombolas distribuídos

como pontos de uma rede. Os documentos oficiais referem-se a diversos deles

como pertencentes ao Quilombo do Campo Grande. O Quilombo do Ambrósio,

localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio arqueológico é tombado pelo patrimônio

histórico, foi como uma célula central de onde partiam os integrantes que formavam

os outros núcleos da rede. A historiografia oficial considera que o Quilombo do

Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo referido como o maior núcleo,

comportando até mais de “mil negros, e grande número de negras e crias”. Os

documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e de “outros menores”

informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta “homens capazes, e dos

mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado (hoje Patrocínio), Sta

Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a destruição do Quilombo

do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois mais trezentos homens

da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José, Sabará e Vila Nova da

Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando que todas as

comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca”.

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Embora, os documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição

destes quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando

um novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje

se localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821,

possuindo ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande. Mas a

construção de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios arqueológicos

destes quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas próximas aos rios

para se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de acordo com os

elementos oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes possibilitasse a

permanência (agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às tropas de

comerciantes e viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A região ainda

preserva na toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado e Quilombo).

A ocupação efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX,

sendo a produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois

possibilitaram a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam

vários municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial

da cidade de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição

de sesmarias do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O

marco inicial da atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a

João Pereira da Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque

para a “Alves Carrejo”, intensificou a ocupação da região.

Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após aquisição de área de dez alqueires entre

o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá, obteve, juntamente com Francisco Alves

Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de uma capela curada,

consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião da Barra. No ano de

1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha, pela lei provincial n.

602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da paróquia, em 1857,

ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela, composto de terras

doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido 100 alqueires da

Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do arraial se São

Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja Matriz, em terrenos

aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883 foram doados,

ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego Uberabinha, próximo

aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa Senhora da Abadia

(Lourenço, 1986:16)

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Em 31 de agosto de 1888, a então freguesia foi transformada em vila, com o nome

de São Pedro do Uberabinha, tendo sido instalada oficialmente em 1891. Em 24

de maio de 1892, a vila foi elevada à categoria de cidade pela lei nº 23. Em 1895,

a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a cidade de Uberlândia e se verifica o

desenvolvimento da produção agropecuária e de indústrias, com destaque para a

produção de charque (Brasileiro, 2001: 253). “Nas duas primeiras décadas do século

XX foram instaladas em Uberlândia indústrias ligadas à produção rural. Têm-se

registro das seguintes indústrias, existentes em 1922: beneficiadoras de arroz e

algodão, serrarias, carpintarias, charqueadas, curtumes e outros estabelecimentos

de produção de couro e carne, além de fábricas de banha, sabão, calçados e

arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale ressaltar que o fornecimento de energia elétrica

teve início em 1909, aumentando a possibilidade da instalação de várias fábricas.

Em 1929, a cidade recebeu o nome de Uberlândia, através da lei nº 843. Na década

de 1930, a abertura de estradas de rodagem em direção às áreas de exploração

de diamantes do Rio Araguaia intensificou o desenvolvimento da área, que se tornou

ponto de troca e abastecimento de caravanas e compradores de diamantes . Em

1933 , iniciou -se a construção da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeira

Santa Terezinha foi escolhida para substituir os antigos padroeiros da cidade Nossa

Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolida

em 1943, dando lugar a estação Rodoviária, que hoje sedia a Biblioteca Municipal

. Em 1940, cidade passa por um rápido crescimento e adensamento populacional,

e desde então tem se configurado importante centro regional, localizado em local

estratégico, próximo a seis capitais (Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Belo

Horizonte, São Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seu crescimento anual do P I

B de 5, 09%, superior ao crescimento de Minas Gerais (2,17%) e do Brasil (2,28%).

Hoje, a cidade se destaca pelo desenvolvimento dos setores de agro industria,

tecnologia da informação, setor atacadista - distribuidor, e mais recentemente, de

biotecnologia, sendo também considerado pólo na área de ensino superior.

Há referências históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosário

tenha sido iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foi

concluída, tendo sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte.

Em decorrência do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu a

construção da nova Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobe

e telha comum, situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairro

General Osório (atual bairro fundinho).”

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Já em meados de 1890, o então presidente da Irmandade do Rosário passou a

comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantas estimulou a participação da

comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem, 2001).

Com o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foi

composta uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolher

uma mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário. A capela anterior foi demolida

e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela com projeto de

autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a Capela Nossa Senhora do

Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi

tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e

entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com

apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de Nossa Senhora do Rosário

passou por processo de restauração no de 2006.

15. Referências:

* Anais da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –

Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El

Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,

Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/

98)

*Brasileiro, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação Cultural

Palmares, 2001.

* Laudo IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do Antigo

Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg

*Lucas, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado

Mineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP,

1999.

*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no

Século XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e

2005, através da lei municipal de Incentivo à Cultura.

*Martins, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada

do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.

*Lima Jr., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.

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*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores e

Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.

*Martins, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:

1997.

*Moura, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió:

Edufal, 2001.

*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,

1981

*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo

“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor,

São Paulo, 1998.

16. Atualização das informações:NT

17. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: Rua Cambuquira, 651 – Bairro

Oswaldo

06. Responsável: Maria dos Reis da Silva (Yá

Mariinha, Mãe Mariinha)

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Congo Catupé

de N.S.R e S.B.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

07. Designação: Bandeira de Nossa Senhora do Rosário, Bandeira de SãoBenedito, Bandeira do Catupé08. Localização Especifica: Quando não está em campanha ficam guardadasem uma caixa de papelão no quarto de Yá Mariinha.09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa10. Época: 200211. Autoria: Ignorada12. Origem: Ignorada13. Procedência: Ignorada14. Material / Técnica: haste de madeira jacarandá, tecido pelúcia na frente ecetim no verso, acabamento em diversos tamanhos de lantejoulas, miçangas,imagens impressas em papel plastificado, renda, franjas.15. Marcas / Inscrições / Legendas: Imagem de Nossa Senhora do Rosário,Imagem de São Benedito, Imagem de uma coroa e Dizeres “Congado N.sa S.ra doRosário, Catupé”.16. Descrição: O Congo Catupé de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito,vulgarmente conhecido por Catupé do Martins trouxe no ano de 2006 três bandeiras:uma cor-de-rosa com imagem de Nossa Senhora do Rosário, uma azul com imagemde São Benedito e uma branca com bordados de uma coroa e com os dizeres“Congado N.sa S.ra do Rosário, Catupé”. Todas três com haste de madeirajacarandá, torneado e com frisos nas laterais. A bandeira de identificação do ternoé toda de cetim, bordada com lantejoulas de vários tamanhos com finalização emfranja. As outras duas elaboradas em tecido de pelúcia na frente e cetim no verso,com extremidade de baixo com franjas. As imagens impressas graficamente empapel plastificado e costurado com acabamento em renda, lantejoulas e miçangas.Bordado de lantejoulas, miçangas, e “unhas”.

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17- Condições de segurança:( X) Boa( ) Razoável( ) RuimObs:

18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

(X ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

19- Documentação fotográfica

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente (X ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

21- Dimensões: Altura: 62 cm

Largura: 48 cm

Comprimento da haste: 66 cm

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22. Análise do Estado de Conservação: Bandeira em bom estado de

conservação.Não apresenta perdas, não apresenta sinais de infestação por insetos

ou de mofo.

23. Intervenções – Responsável / Data: NT

24. Características Técnicas: Três bandeiras com imagens religiosas, todas três

com haste de madeira jacarandá torneada e com frisos nas laterais. A bandeira de

identificação do terno é toda de cetim, bordada com lantejoulas de vários tamanhos

com finalização em franja. As outras duas elaboradas em tecido de pelúcia na frente

e cetim no verso, com extremidade de baixo com franjas. As imagens impressas

graficamente em papel plastificado e costurado com acabamento em renda,

lantejoulas e miçangas. Bordado de lantejoulas, miçangas, e “unhas”.

25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística

específica).

26. Características Iconográficas:Nas bandeiras do Congado figuram as imagens

e/ou os nomes de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e em alguns casos

outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos,

etc.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo

que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo

Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas

menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a

santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles

criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,

pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam

o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo

Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o

nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é

dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário

e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os brancos

Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário,

comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora

do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é Jesus,

mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os

negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com seu Zezão,

São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do

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Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão

introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o

que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como

mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,

uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,

capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi

de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com

seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.

Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado

ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto

pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um

dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.

Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o

Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve

aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e

aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico

Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em

Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como

escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os

conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os

invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um

grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a

alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa

Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse

que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e

parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais

tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara

Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham

com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra

existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia

para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que

no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria

aqui o seu reino, supera a condição de escravo e constrói uma das bases do

movimento negro. Muitos negros se mantinham escravos e cooperavam no

movimento liderado por Chico Rei para a libertação de seu povo. Os negros

então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se deslocam

com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,

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ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje

como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de

escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre

um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca

pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos

quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de

socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões

antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado

de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas

comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos mitos do Congado, a

principal referencia ao São Benedito é em relação à alimentação, ele provém o

sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais ligado à saúde, à

manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo em vida, uma espécie

de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi contado por seu Charqueada,

um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia, ancião do terno Moçambique

Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita, o senhor dono da fazenda

onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele preparasse uma refeição para

seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão suficiente para tanto. Na despensa

não havia banha e o arroz e o feijão eram pouco. O Benedito então pede o auxílio

divino e logo obtém resposta do Todo Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro

e retirar um naco com toucinho e carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça

até o rabo do porco e então preparar a comida. E assim o Benedito fez.

Milagrosamente, a carne do porco que fora retirada se reconstituiu na mesma hora,

permanecendo o porco vivo. Todos os escravos se alimentaram até saciar a fome

e depois de banquetear tocaram e dançaram em agradecimento ao São Benedito.

O patrão, vendo tamanha festança, foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi

que conseguira arranjar tanto alimento. O Benedito então lhe relatou como conseguira

a banha e o toucinho. O patrão não acreditando no milagre ameaçou castigar o

Benedito, mas quando foi golpeá-lo o São Benedito levita e fica suspenso no ar...

Este mito traz o Benedito enquanto “multiplicador dos alimentos”, realizador de

“milagres” extraordinários, figura louvada pelos seus. Esta narrativa é compartilhada

pela maioria dos congadeiros, sendo que São Benedito é considerado o santo da

cozinha, da alimentação, do sustento, da fartura, por isso sua imagem geralmente

é colocada na cozinha, para que na casa não falte o alimento. É prática em várias

partes do território nacional, colocar café para o São Benedito, é comum ver sua

imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado popularmente é tomar

o café do Benedito, que é um café amargo

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destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos

congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é

tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora do

Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração da

vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e

também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já

partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros

falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,

ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de

Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o

Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na

inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os

momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas mães foi muito

combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais, mas encontra

solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música muito difundida

tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto protetor

de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia, eu gritava

por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito fundante do

Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa Senhora do

Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora do

Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para verem,

eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também presenciam a

santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local.

Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la para uma

capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno de Congo,

todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser levada para

a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique,

todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então submerge e lhes

acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem uma capela e ali

Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique então se retira

sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão, contada por

Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma

que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de

capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários,

com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora

do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os

negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se nada os

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pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam um padre

para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e Congos

não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o

Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e

lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.

27. Dados Históricos: As bandeiras têm suas origens nas insígnias, sinais

distintivos de poder ou de comando, usadas desde a antiguidade e que poderiam

ser figuras recortadas em madeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras

bandeiras da história do homem costumavam representar um grupo sócio-cultural

através de imagens e de cores dotadas de significados, a que a comunidade

respectiva confere alto valor. As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China

e foram introduzidas no Ocidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido,

no mundo ocidental, foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium

(insígnia, bandeira, estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros

com imagens, carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande

difusão do seu uso foi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu

estandarte. Foi na Idade Média que bandeiras e estandartes começaram a

representar reinos e regiões. As bandeiras foram usadas tanto em períodos de paz

como de guerra. Sendo um símbolo identificador eram usados pelos exércitos

aliados. Para não se confundirem uns com os outros e evitarem o temido fogo amigo,

usavam um pedaço de pano hasteado num estandarte, com as cores e sinais de

identificação do batalhão ou companhia envolvida. De acordo com seu tamanho ou

uso, a bandeira tem uma palavra sinônima. Estandarte é utilizado para insígnias

militares, mais especificamente para identificar os corpos de cavalaria. O Pendão

é uma bandeira grande, armada em vara, atravessada horizontalmente sobre o

mastro e levada em procissões. O Gonfalão é uma bandeira de guerra com partes

que prendem perpendicularmente a uma haste com três ou quatro pontas pendentes.

Os Estandartes do Congado mesclam elementos das bandeiras militares e

religiosas e são utilizados para identificar o terno que os conduz e para louvar os

santos de sua devoção.

28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas.

29. Informações Complementares: Falar em Bandeira no congado é um pouco

complexo, pois possui pelo menos três significados. Bandeira pode se referir à

jornada, ao trajeto, à caminhada realizada nas campanhas e festas. Também pode

ser utilizado para se referir à bandeira em tecido no formato retangular de

aproximadamente 60 x 40 cm que trás estampado imagens dos santos, com um

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cabo de madeira na extremidade superior por onde a bandeireira (virgem, menor

de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira sempre acompanha o terno, abrindo-

lhe os caminhos, tanto em dias de campanha quanto no dia da festa. Bandeira

também pode referir-se ao estandarte em formato retangular de aproximadamente

1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado por um mastro que o eleva à

aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas cujas pontas as Bandeireiras

seguram enquanto dançam e que traz identificações do terno e homenagens aos

santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só saem em dia de festa. . O

tecido das bandeiras e estandartes são trocados periodicamente, geralmente de

dois em dois anos. As Bandeireiras ou Andorinhas são meninas que conduzem as

fitas do estandarte fazendo coreografias. “Antigamente” esta função só era

desempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que se a menina

não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos acidentes poderiam

acontecer. Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa.

Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderia

sofrer danificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças também

dificultariam a execução da função. Caberia a menina se afastar quando não fosse

mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. A execução desta função

indevidamente poderia acarretar problemas ainda maiores para os ternos, como

esquecer música ou errar a “batida”. Hoje, no entanto, esta tradição não é mantida

pela maioria dos ternos.

30. Atualização das informações:

31. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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220

BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: residência do Sr. Übiratan César

Nascimento

06. Responsável: Ubiratan César Nascimento

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Congo Catupé

de N.S.R e S.B.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

07. Designação: Bastão08. Localização Especifica: sala09. Espécie: Objeto ritualístico10. Época: década de 194011. Autoria: família Matinada12. Origem: Uberlândia13. Procedência: Uberlândia14. Material / Técnica: bastão em madeira com sulcos horizontais; extremidadesuperior arredondada, redução do diâmetro a partir da parte superior; pequenasflores de metal afixadas no bastão e dispostas em forma horizontal, próximas daextremidade superior.15. Marcas / Inscrições / Legendas: sulcos horizontais e flores de metal afixadasna parte superior.16. Descrição: bastão em madeira com sulcos horizontais; extremidade superiorarredondada, redução do diâmetro a partir da parte superior; pequenas flores demetal prateadas, afixadas no bastão e dispostas em forma horizontal, próximas daextremidade superior.17- Condições de segurança:( X) Boa( ) Razoável( ) Ruim18- Proteção Legal:( ) Federal( ) Estadual( ) Municipal( x ) Nenhuma( ) Tombamento Isolado( ) Tombamento em Conjunto

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19- Documentação fotográfica

20- Estado de Conservação:( ) Excelente (X ) Bom( ) Regular ( ) PéssimoObs:21- Dimensões:Comprimento: 1m22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: bastão em madeira com sulcos horizontais;extremidade superior arredondada, redução do diâmetro a partir da parte superior;pequenas flores de metal afixadas no bastão e dispostas em forma horizontal,próximas da extremidade superior.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagensde Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em algunscasos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, SãoDomingos, etc.

Fotos do Terno de Congo Catupé de N.S.R e S.B.

Uberlândia/MG Ano 2007

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Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma função

ritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,

pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,

segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e

pessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa

Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se

legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio,

filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros

pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora

do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu

terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a

festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os

pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa

Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade

de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito

que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário

algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De

acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do

Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão

introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o

que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como

mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,

uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,

capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi

de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com

seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.

Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado

ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto

pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um

dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.

Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o

Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve

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aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e

aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico

Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em

Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como

escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os

conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os

invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um

grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a

alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa

Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse

que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e

parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais

tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara

Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham

com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra

existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia

para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que

no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a

condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros

se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para

a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros

urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções

de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e

outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro

se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do

sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua

lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente

desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova

forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma

quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam

permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das

expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos

mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à

alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais

ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo

em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito

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me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar

café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.

Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café

amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles

pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito

é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora

do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração

da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e

também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já

partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros

falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,

ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de

Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o

Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na

inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os

momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

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mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me

batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito

fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa

Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa

Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os

pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também

presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não

sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la

para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno

de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser

levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de

Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,

contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de

Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,

um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,

fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde

Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato

tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se

nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam

um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e

Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o

Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e

lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.

27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos

ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes

significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado

pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história

bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do

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Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza

a detenção do comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e

controle do poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como

instrumento de invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão

com estrias no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito

grego Esculápio e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder

de curar, adotado pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de

Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da

magia e da adivinhação e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas

mudanças de vida”, duas serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o

mal, masculino e o feminino. O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um

cajado com incisões, fissuras que lembram o entalhe de um reco-reco.

28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô

Mitológico – São Paulo: Siciliano, 1988

29. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentos

utilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger as

músicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões são

utilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas por

muitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,

fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando a

apresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros com

carrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,

Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,

alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada de

são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-se

uma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam as

pontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.

Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueiros

tocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocando

suas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,

bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de um

espaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaço

com bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos o

moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.

30. Atualização das informações:

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Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

31. Ficha Técnica

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BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: residência do Sr. Übiratan César

Nascimento

06. Responsável: Ubiratan César Nascimento

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Congo Catupé

de N.S.R e S.B.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

07. Designação: Bastão

08. Localização Especifica: sala

09. Espécie: Objeto ritualístico

10. Época: década de 1940

11. Autoria: família Matinada

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica: bastão de madeira sulcado, com cordões de lágrimas

afixados

15. Marcas / Inscrições / Legendas: sulcos horizontais ao longo do bastão,

especialmente na parte superior.

16. Descrição: bastão em madeira com sulcos horizontais, a maioria na parte

superior, redução do diâmetro a partir da parte superior; extremidade superior

arredondada; cordões de contas de lágrimas prateadas afixados no corpo do

bastão.

17- Condições de segurança:

( X) Boa

( ) Razoável

( ) Ruim

Obs:

18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

(X ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

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20- Estado de Conservação:

( ) Excelente (X ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

21- Dimensões:

19- Documentação fotográfica

Comprimento: 1m22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: bastão em madeira com sulcos horizontais e gradualdiminuição do diâmetro, com extremidade superior arredondada; cordões de contasde lágrimas afixados no corpo do bastão.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagensde Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em algunscasos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, SãoDomingos, etc.

Fotos do Terno de Congo Catupé de N.S.R e S.B.

Uberlândia/MG Ano 2007

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Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma função

ritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,

pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,

segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e

pessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa

Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se

legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio,

filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros

pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora

do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu

terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a

festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os

pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa

Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade

de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito

que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário

algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De

acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do

Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão

introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o

que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como

mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,

uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,

capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi

de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com

seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.

Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado

ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto

pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um

dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.

Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o

Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve

Page 31: parte 02 de 02 A - PAG 1 a 636 - uberlandia.mg.gov.br · DOSSIÊ BM - NOSSA SENHORA DO CARMO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA / MG - DISTRITO SEDE 203 E como na primeira versão, brancos

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aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e

aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico

Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em

Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como

escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os

conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os

invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um

grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a

alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa

Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse

que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e

parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais

tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara

Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham

com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra

existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia

para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que

no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a

condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros

se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para

a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros

urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções

de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e

outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro

se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do

sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua

lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente

desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova

forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma

quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam

permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das

expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos

mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à

alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais

ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo

em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito

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me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar

café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.

Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café

amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles

pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito

é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora

do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração

da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e

também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já

partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros

falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,

ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de

Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o

Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na

inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os

momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

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mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me

batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito

fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa

Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa

Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os

pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também

presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não

sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la

para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno

de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser

levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de

Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,

contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de

Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,

um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,

fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde

Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato

tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se

nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam

um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e

Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o

Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e

lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.

27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos

ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes

significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado

pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história

bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do

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234

Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza

a detenção do comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e

controle do poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como

instrumento de invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão

com estrias no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito

grego Esculápio e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder

de curar, adotado pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de

Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da

magia e da adivinhação e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas

mudanças de vida”, duas serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o

mal, masculino e o feminino. O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um

cajado com incisões, fissuras que lembram o entalhe de um reco-reco.

28. Referências Documentais:

Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô Mitológico – São Paulo: Siciliano,

1988

29. Informações Complementares:

Os bastões e os apitos são os instrumentos utilizados pelos capitães de Congado

para conduzir seus soldados e reger as músicas executadas pelos tambores. Nos

ternos de Moçambique os bastões são utilizados não apenas por capitães como

acontece na maioria dos ternos, mas por muitos dançantes, que formam uma ala

fazendo coreografias. . Em muitas guardas, fiscais e madrinhas utilizam os bastões

alinhados ao final do desfile, fechando a apresentação do terno. Alguns bastões

são em formato de cobra, outros com carrancas de Pretos Velhos, outros com

imagens de Nossa Senhora Aparecida, Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos

e inscrições diversas, fitas de cetim, alguns enfeitados com contas de lágrima, com

ervas (alecrim, arruda, espada de são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos

centros de Umbanda pratica-se uma dança-ritual muito parecida com a realizada

pelos moçambiqueiros: tocam as pontas dos bastões no alto, revezando com

batidas no chão, dançando em círculo. Quando hasteiam os mastros dando início à

festa do Congado, os moçambiqueiros tocam os mastros com seus bastões. Alguns

ternos realizam coreografias colocando suas coroas nos bastões e erguendo acima

da cabeça. A condução de reis e rainhas, bem como dos santos numa procissão

pode em alguns casos vir dentro de um espaço delimitado por condutores de

bastões. Quando se quer delimitar um espaço com bastões, os dançantes os

colocam na horizontal e com as mãos o moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão

do outro, formando uma corrente.

30. Atualização das informações:

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Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

31. Ficha Técnica

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BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: residência do Sr. Übiratan César

Nascimento

06. Responsável: Ubiratan César Nascimento

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Congo Catupé

de N.S.R e S.B.

07. Designação: Bastão

08. Localização Especifica: sala

09. Espécie: Objeto ritualístico

10. Época: década de 1940

11. Autoria: família Matinada

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica: bastão em madeira com sulcos horizontais na parte superior;

seis fitas de cetim entrelaçadas e afixadas no topo do bastão.

15. Marcas / Inscrições / Legendas: sulcos horizontais ao longo do bastão,

especialmente na parte superior.

16. Descrição: bastão em madeira com sulcos horizontais, a maioria na parte

superior, redução do diâmetro a partir da parte superior; extremidade superior

arredondada; cordões de contas de lágrimas prateadas afixados no corpo do

bastão.

17- Condições de segurança:

( X) Boa

( ) Razoável

( ) Ruim

18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

(X ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

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237

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente (X ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

21- Dimensões:

19- Documentação fotográfica

Comprimento: 1m

22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,

sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.

23. Intervenções – Responsável / Data: NT

24. Características Técnicas: bastão em madeira com sulcos horizontais e gradual

diminuição do diâmetro, com extremidade superior arredondada; cordões de contas

de lágrimas afixados no corpo do bastão.

25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística

específica).

26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagens

de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em alguns

casos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São

Domingos, etc.

Fotos do Terno de Congo Catupé de N.S.R e S.B.

Uberlândia/MG Ano 2007

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238

Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma função

ritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,

pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,

segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e

pessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa

Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se

legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio,

filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros

pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora

do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu

terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a

festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os

pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa

Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade

de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito

que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário

algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De

acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do

Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão

introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o

que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como

mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,

uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,

capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi

de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com

seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.

Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado

ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto

pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um

dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.

Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o

Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve

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239

aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e

aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico

Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em

Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como

escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os

conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os

invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um

grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a

alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa

Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse

que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e

parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais

tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara

Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham

com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra

existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia

para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que

no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a

condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros

se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para

a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros

urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções

de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e

outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro

se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do

sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua

lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente

desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova

forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma

quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam

permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das

expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos

mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à

alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais

ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo

em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito

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me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar

café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.

Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café

amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles

pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito

é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora

do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração

da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e

também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já

partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros

falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,

ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de

Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o

Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na

inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os

momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

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mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me

batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito

fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa

Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa

Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os

pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também

presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não

sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la

para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno

de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser

levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de

Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,

contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de

Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,

um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,

fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde

Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato

tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se

nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam

um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e

Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o

Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e

lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.

27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos

ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes

significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado

pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história

bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do

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Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza

a detenção do comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e

controle do poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como

instrumento de invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão

com estrias no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito

grego Esculápio e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder

de curar, adotado pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de

Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da

magia e da adivinhação e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas

mudanças de vida”, duas serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o

mal, masculino e o feminino. O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um

cajado com incisões, fissuras que lembram o entalhe de um reco-reco.

28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô

Mitológico – São Paulo: Siciliano, 1988

29. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentos

utilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger as

músicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões são

utilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas por

muitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,

fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando a

apresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros com

carrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,

Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,

alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada de

são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-se

uma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam as

pontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.

Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueiros

tocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocando

suas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,

bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de um

espaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaço

com bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos o

moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.

30. Atualização das informações:

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Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

31. Ficha Técnica

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BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: residência do Sr. Übiratan César

Nascimento

06. Responsável: Ubiratan César Nascimento

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Congo Catupé

de N.S.R e S.B.

07. Designação: Bastão08. Localização Especifica: sala09. Espécie: Objeto ritualístico10. Época: década de 194011. Autoria: família Matinada12. Origem: Uberlândia13. Procedência: Uberlândia14. Material / Técnica: bastão em madeira com sulcos horizontais; fitas de cetimafixadas no topo do bastão; ramos de assa-peixe afixadas com fita crepe na partesuperior; crucifixo formado por contas prateadas, na lateral do bastão.15. Marcas / Inscrições / Legendas: crucifixo feito com contas prateadas, nalateral do bastão.16. Descrição: bastão em madeira com sulcos horizontais; fitas de cetim, nasprata, dourado, cor-de-rosa e azul, afixadas no topo do bastão; ramos de assa-peixe afixadas com fita crepe na parte superior; crucifixo formado por contasprateadas, na lateral do bastão.17- Condições de segurança:(X) Boa( ) Razoável( ) RuimObs:18- Proteção Legal:( ) Federal( ) Estadual( ) Municipal(X ) Nenhuma( ) Tombamento Isolado( ) Tombamento em Conjunto

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

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245

19- Documentação fotográfica

20- Estado de Conservação:( ) Excelente ( X ) Bom( ) Regular ( ) PéssimoObs:21- Dimensões:Comprimento: 1m22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em regular estado deconservação, com fitas com avançado estado de degradação, uso inadequado defita crepe, mas sem sinais de rachaduras ou ataques de insetos.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: bastão em madeira com sulcos horizontais e gradualdiminuição do diâmetro, com extremidade superior arredondada; cordões de contasde lágrimas afixados no corpo do bastão.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagensde Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em algunscasos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, SãoDomingos, etc. Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma funçãoritualística.

Fotos do Terno de Congo Congo Catupé de N.S.R e S.B.Uberlândia/MG

Ano 2007

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Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que

os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo

Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas

menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a

santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles

criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo,

pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam

o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo

Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o

nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é

dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os

pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa

Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade

de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito

que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário

algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De

acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do

Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão

introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o

que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como

mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,

uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,

capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi

de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com

seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.

Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado

ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto

pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um

dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.

Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o

Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve

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aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e

aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico

Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em

Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como

escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os

conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os

invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um

grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a

alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa

Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse

que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e

parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais

tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara

Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham

com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra

existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia

para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que

no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a

condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros

se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para

a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros

urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções

de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e

outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro

se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do

sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua

lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente

desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova

forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma

quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam

permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das

expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos

mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à

alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais

ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo

em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito

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me foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar

café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.

Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café

amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles

pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito

é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora

do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração

da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e

também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já

partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros

falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,

ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de

Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o

Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na

inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos os

momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

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mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me

batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito

fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa

Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa

Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os

pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também

presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não

sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la

para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno

de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser

levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de

Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,

contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de

Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,

um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,

fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde

Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato

tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se

nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam

um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e

Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o

Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e

lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.

27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos

ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes

significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado

pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história

bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do

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Mar Vermelho. O bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza

a detenção do comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e

controle do poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como

instrumento de invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão

com estrias no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito

grego Esculápio e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder

de curar, adotado pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de

Hermes, “deus dos viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da

magia e da adivinhação e responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas

mudanças de vida”, duas serpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o

mal, masculino e o feminino. O símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um

cajado com incisões, fissuras que lembram o entalhe de um reco-reco.

28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O Tarô

Mitológico – São Paulo: Siciliano, 1988

29. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentos

utilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger as

músicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões são

utilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas por

muitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,

fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando a

apresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros com

carrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,

Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,

alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada de

são Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-se

uma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam as

pontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.

Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueiros

tocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocando

suas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,

bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de um

espaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaço

com bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos o

moçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.

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30. Atualização das informações:NT

31. Ficha TécnicaLevantamento

Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: Rua Cambuquira, 651 – Bairro

Oswaldo

06. Responsável: Maria dos Reis da Silva (Yá

Mariinha, Mãe Mariinha)

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Acervo: Congo Catupé

de N.S.R e S.B.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

07. Designação: Estandarte de Nossa Senhora do Rosário e Estandarte de SãoBenedito08. Localização Especifica: Quando não está em campanha ficam guardadosem uma caixa de papelão no quarto de Yá Mariinha.09. Espécie: Estandarte/Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa10. Época: 200211. Autoria: família Matinada12. Origem: Uberlândia13. Procedência: Uberlândia14. Material / Técnica: estrutura de alumínio, tecido pelúcia, cetim, amorim , tintasde tecido, brim, fitas de cetim, ilhoses, cordão de cortina, miçangas, vidrilhos,lantejoulas, renda15. Marcas / Inscrições / Legendas: Imagem de Nossa Senhora do Rosário,coroa, dizeres “Congado de Nsa Sra do Rosário – Catupé, 50 anos”; Imagem deSão Benedito, cruz, dizeres “Catupé 50 anos”.16. Descrição: O Congo Catupé de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito,tambám conhecido por Catupé do Martins é o único terno a utilizar dois estandartes.Um cor-de-rosa com imagem de Nossa Senhora do Rosário na frente e no versoum círculo elaborado em brim com uma coroa os dizeres “Congado de Nsa Sra doRosário” e bordado em lantejoulas e miçangas “Catupé 50 anos”. O outro estandarteé azul com imagem de São Benedito na frente e no verso uma cruz elaborado embrim e bordado em lantejoulas e miçangas os dizeres “Catupé 50 anos”. A imagensforam reproduzidas em tinta para tecido em retângulo de Amorim, a de N. S. doRosário assinada por Antônio Carlos e a de São Benedito assinada por Daisy.Ambos estandartes elaborados em tecido de pelúcia na frente e cetim no versocom franjas na parte posterior e ilhoses metálicos na parte superior por onde serãopresas as fitas de cetim conduzidas pelas bandeireiras.

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17- Condições de segurança:

(X) Boa

( ) Razoável

( ) Ruim

Obs:

18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

(X ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

19- Documentação fotográfica

Em ambos flores bordadas com lantejoulas, miçangas, vidrilhos e “unhas”, com

detalhes bordados à máquina, cordão de cortina enrolado e costurado ladeando

as imagens. A estrutura elaborada em alumínio e sustentada por um talabar de

tecido no dia da festa.

Fotos do Terno de Congo de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito

Uberlândia/MG Ano 2007

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20- Estado de Conservação:( ) Excelente (X ) Bom( ) Regular ( ) PéssimoObs:21- Dimensões:Altura da estrutura: 2,0 mAltura do tecido: 1, 24 mLargura: 0,91 m22. Análise do Estado de Conservação: Estandarte em bom estado deconservação, sem sinais de desgaste por insetos ou mofo.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: Dois estandartes elaborados em tecido de pelúciana frente e cetim no verso com franjas na parte posterior e ilhoses metálicos naparte superior por onde serão presas as fitas de cetim conduzidas pelas bandeireiras.Em ambos flores bordadas com lantejoulas, miçangas, vidrilhos e “unhas”, comdetalhes bordados à máquina, cordão de cortina enrolado e costurado ladeandoas imagens. A estrutura elaborada em alumínio e sustentada por um talabar detecido no dia da festa.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos estandartes do Congado figuram as imagens e/ou os nomes de Nossa Senhorado Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens como a de SantaIfigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.Cada santo é associado aelementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que os congadeiros dizem é adona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo Câmara Cascudo é uma virgemmártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas menos favorecidas. A festa doCongado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a santa negra, mas os brancos nãoaceitaram e para que a festa se legitimasse eles criam a imagem de Nossa

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Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo, pesquisador do Congado e

dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam o rosário que é de Santa

Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, criando

assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo Seu Zezão, capitão do

terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o nome de Santa Ifigênia

porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é dela. Seu Zezão conta

que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque somente os padres sabiam

da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do Rosário e de São

Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os brancos Chico Rei

comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário,

comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora

do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é Jesus,

mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os

negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com seu Zezão,

São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do Rosário como um soldado,

um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a história de Chico

Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o que mais chama atenção é

a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como mártir sempre foi referido

como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo

negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio, capaz de decapitar um

bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a

confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-

se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às

críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona

a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos

pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos

poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.

Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o

Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve

aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e

aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico

Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em

Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como

escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os

conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os

invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um

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grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a

alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa

Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse

que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e

parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais

tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara

Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham

com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra

existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia

para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que

no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a

condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros

se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para

a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros

urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções

de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e

outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro

se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do

sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua

lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente

desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova

forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma

quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam

permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das

expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos

mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à

alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais

ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo

em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi

contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia,

ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita,

o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele

preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão

suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão eram pouco.

O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo Poderoso

que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco

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com toucinho e carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do

porco e então preparar a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne

do porco que fora retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco

vivo. Todos os escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear

tocaram e dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha

festança, foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar

tanto alimento. O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho.

O patrão não acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando

foi golpeá-lo o São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito

enquanto “multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários,

figura louvada pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos

congadeiros, sendo que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da

alimentação, do sustento, da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada

na cozinha, para que na casa não falte o alimento. É prática em várias partes do

território nacional, colocar café para o São Benedito, é comum ver sua imagem

próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do

Benedito, que é um café amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido

em pequenos goles pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc.

O café do Benedito é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere.

Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à

proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para

pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes

queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a

congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à

vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa

Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.

Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e

pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção

em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me

batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito

fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa

Senhora do Rosário e possui pelo menos duas

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versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um

garoto a vê submergir, chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele

chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, eles tentam

tirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que

conseguem retira-la da água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar

e volta para o mar. Vem então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair

da água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a

“fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique, todo vestido de branco e

descalço, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles a levam

devagar até o local onde constroem uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário

permanece, o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas, lhe

fazendo reverência; b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso,

do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar

escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra

um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima

em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava

encravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los,

mas eles permanecem imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados

com a visão voltam para a cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o

fato. E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa

Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de

branco, de pés descalços, que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá

as costas ao se retirar de sua presença.

27. Dados Históricos:

As bandeiras têm suas origens nas insígnias, sinais distintivos de poder ou de

comando, usadas desde a antiguidade e que poderiam ser figuras recortadas em

madeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras bandeiras da história do

homem costumavam representar um grupo sócio-cultural através de imagens e de

cores dotadas de significados, a que a comunidade respectiva confere alto valor.

As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China e foram introduzidas no

Ocidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido, no mundo ocidental,

foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium (insígnia, bandeira,

estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros com imagens,

carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande difusão do seu uso

foi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu estandarte. Foi na

Idade Média que bandeiras e estandartes começaram a representar reinos e

regiões. As bandeiras foram

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usadas tanto em períodos de paz como de guerra. Sendo um símbolo identificador

eram usados pelos exércitos aliados. Para não se confundirem uns com os outros

e evitarem o temido fogo amigo, usavam um pedaço de pano hasteado num

estandarte, com as cores e sinais de identificação do batalhão ou companhia

envolvida. De acordo com seu tamanho ou uso, a bandeira tem uma palavra sinônima.

Estandarte é utilizado para insígnias militares, mais especificamente para identificar

os corpos de cavalaria. O Pendão é uma bandeira grande, armada em vara,

atravessada horizontalmente sobre o mastro e levada em procissões. O Gonfalão

é uma bandeira de guerra com partes que prendem perpendicularmente a uma

haste com três ou quatro pontas pendentes. Os Estandartes do Congado mesclam

elementos das bandeiras militares e religiosas e são utilizados para identificar o

terno que os conduz e para louvar os santos de sua devoção.

28. Referências Documentais:

* ANAIS da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –

Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El

Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,

Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/

98)*BRASILEIRO, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação

Cultural Palmares, 2001.* LAUDO IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do

Remanescente do Antigo Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg *LUCAS, Glaura. Os

Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado Mineiro – Arturos e

Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-USP, 1999.*MARRA, Fabíola

Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século XX em Uberlândia

– MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005, através da lei municipal

de Incentivo à Cultura.*MARTINS, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A

História de Minas Roubada do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.*LIMA

JR., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante.

Bairro Patrimônio: Salgadores e Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal

de Cultura, 1983.*MARTINS, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo:

Perspectiva: 1997.*MOURA, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do

Brasil – Maceió: Edufal, 2001.*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música

Africana. Rio de Janeiro: Funart, 1981*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura

Religiosa do Século XIX no antigo “Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção

do Grau de Doutor, São Paulo, 1998.

29. Informações Complementares: O Estandarte é uma espécie de Bandeira -

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Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

e falar em Bandeira no congado é um pouco complexo, pois possui pelo menos

três significados. Bandeira pode se referir à jornada, ao trajeto, à caminhada

realizada nas campanhas e festas. Também pode ser utilizado para se referir à

bandeira em tecido no formato retangular de aproximadamente 60 x 40 cm que trás

estampado imagens dos santos, com um cabo de madeira na extremidade superior

por onde a bandeireira (virgem, menor de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira

sempre acompanha o terno, abrindo-lhe os caminhos, tanto em dias de campanha

quanto no dia da festa. Bandeira também pode referir-se ao estandarte em formato

retangular de aproximadamente 1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado

por um mastro que o eleva à aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas

cujas pontas as Bandeireiras seguram enquanto dançam e que traz identificações

do terno e homenagens aos santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só

saem em dia de festa. As Bandeireiras ou Andorinhas são meninas que conduzem

as fitas do estandarte fazendo coreografias. “Antigamente” esta função só era

desempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que se a menina

não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos acidentes poderiam

acontecer. Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por denunciar a farsa.

Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria bandeira poderia

sofrer danificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças também

dificultariam a execução da função. Caberia a menina se afastar quando não fosse

mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. A execução desta função

indevidamente poderia acarretar problemas ainda maiores para os ternos, como

esquecer música ou errar a “batida”. Hoje, no entanto, esta tradição não é mantida

pela maioria dos ternos.

30. Atualização das informações:

31. Ficha Técnica

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CONGO CRUZEIRO

DO SUL

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BENS IMATERIAIS

04. Natureza: Festas Populares/ Celebrações/

Cultos Afro-brasileiros

05. Propriedade: Custódio José Izídio

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. Designação: Terno

Congo Cruzeiro do Sul

06. Informe Histórico:O primeiro Capitão e Presidente do terno Congo Cruzeirodo Sul, seu Custódio José Izídio, é referência para diversos congadeiros deUberlândia. Nascido em Uberlândia em 02/09/1937 Custódio José Izídio é casadocom a madrinha do terno Congo Cruzeiro do Sul, Maria Aparecida Izídio, nascidaem Araguari no dia 08/05/1940. Seu Custódio foi soldado e capitão do terno Congode Camisa Verde, tendo comandado o terno Congo de Camisa Verde por quatroanos. Nos dois últimos anos em que seu Custódio foi capitão do Camisa Verde acidade de Uberlândia contou com dois ternos Congo de Camisa Verde, pois D.Fátima havia dito que não sairia com o terno e acabou colocando o seu CamisaVerde na rua. Os informantes não souberam precisar as datas, mas pode-se afirmarque o fato de ter saído dois ternos Congo de Camisa Verde em Uberlândia emprincípios da década de 1960, data que se consegue fazendo as contas de outrasinformações. Seu Custódio fica um ano parado, dança treze anos no Sainha e ficaparado aproximadamente vinte anos até fundar o terno em 2002, ano em que sofrederrame cerebral. Os filhos de Seu Custódio dançaram no terno de Moçambiquedo Seu Protássio, quando moravam no bairro Tibery. Seu Custódio lembra que oMoçambique do Seu Protássio usava as cores branca, azul e rosa. Em 2002 oterno Congo Cruzeiro do Sul é registrado na Irmandade de Nossa Senhora doRosário e começam os preparativos para organização do terno. O terno CongoCruzeiro do Sul é registrado no cartório no ano de 2006, ano em que saem pela

primeira vez na festa de Nossa Senhora do Rosário com o terno montado.

07. Documentação fotográfica:

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

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07. Documentação fotográfica:

08. Descrição: Utilizam capa, bandeira e estandarte vinho, calça e sapatos brancos,camisa de cetim lilás. A Capa em cetim possui uma longa franja branca e estrelasbordados à máquina em branco. Alguns soldados utilizam chapéus brancos combordados em vinho. Entre os acessórios utilizados pelas meninas estão as luvasbrancas e arranjos florais nos cabelos. Os soldados utilizam caixas chamadas demaracanã. Seu Custódio diz estar precisando arranjar soldados que saibam tocaros outros instrumentos do terno de Congo, que são: viola, cavaquinho, cuíca,pandeiro e sanfona.09. Grupos Sociais Envolvidos:Família de seu Custódio e moradores do bairroDom Almir e adjacências.10. Organizadores:Presidente e Primeiro Capitão Custódio José IzídioMadrinhaMaria Aparecida Izídio2º Capitão Eliane Izídio11. Participantes:.aproximadamente 20 integrantes12. Local de Realização: Rua Consolação, 55 – Dom Almir13. Data/ periodicidade de ocorrência: A “campanha” do Congado, como oscongadeiros dizem, começava por volta do dia 15 de setembro, atualmente elacomeça por volta do dia 10 de agosto. Por causa da mudança da data da festa denovembro para outubro, a campanha também começa mais cedo. A festa doCongado realizada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário no centro da cidade deUberlândia, atualmente ocorre no último domingo e segunda-feira de outubro, antesera no segundo domingo e segunda-feira de novembro. Ocorre também uma festana igreja de São Benedito, no bairro Planalto no mês de maio. Várias festas emoutras cidades ocorrem em diversas datas ao longo do ano, sendo visitadas pelosternos de Uberlândia.14. Informações Complementares: O Congado é um ritual afro-brasileiro quenasce dos cortejos de coroação de reis, do culto aos ancestrais africanos e dascelebrações de santos da Igreja Católica. Uma dança ritual executada por guardasou ternos de Congo, Moçambique, Marujo, Marinheiro e Catupé. Os

Fotos do Quartel Terno Congo Cruzeiro do Sul

Uberlândia/MG Ano 2007

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dançantes prestam homenagem à Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito,

aos antepassados e aos santos de sua devoção, principalmente aos santos negros

Santa Ifigênia e N. S. Aparecida, mas também São Domingos, Nossa Senhora da

Guia, Nossa Senhora d’Abadia, etc. Cada terno se diferencia do outro nas cores

das roupas e dos acessórios, nos ritmos das músicas, nos instrumentos e na forma

da dança.Prevalesse o canto antifonal, isto é, um solista, geralmente o Primeiro

Capitão, apresenta o tema e o coro responde. O Segundo Capitão com seu bastão

e apito comanda os soldados na execução instrumental. Cada Capitão “puxa” uma

série de músicas que podem ser elaboradas por ele ou pelo grupo e ainda outras

aprendidas com outros ternos ou com os antepassados. Algumas músicas são

“tradicionais” do terno, passadas de capitão para capitão. Outras são específicas

de cada guarda. Existem também cantorias que são consideradas “segredo” que

não podem ser reveladas para “os de fora” e que são aprendidas e “guardadas no

coração”, só são executadas em cerimônias reservadas.O trajeto do Congado é

uma manifestação pública da fé, do pertencimento ao movimento cultural afro-

brasileiro-mineiro-uberlandese. Os congadeiros rompem os muros que cercam

suas comunidades e ganham a cidade, comemorando a manutenção de suas

famílias e de sua cultura. O ritual composto por elementos da cultura bantu é

reelaborado no Brasil sob influência do contato com outros povos africanos, europeus

e nativos. O Congado em Uberlândia, é fundamentado no mito da aparição e resgate

da imagem de Nossa Senhora do Rosário e possui pelo menos duas versões: a)

Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama

os pais para verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que

também presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la, mas ela não sai do local.

Chegam brancos e padres e tentam levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do

altar e volta para o mar. Vem, então o terno de Congo, todo colorido e canta para

ela sair da água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta

a “fugir” para o mar. Um terno de Moçambique, todo vestido de branco, descalço,

com gungas nos pés, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles

então constroem uma capela para ela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece,

o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas. b) a segunda versão,

contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, afirma

que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de

capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários,

com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora

do Rosário estava encravada num

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galho. Os capitães do mato surram os negros e tentam capturá-los, mas eles

permanecem imóveis. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam

um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e

Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o

Moçambique que canta, vestido de branco e lhe construiu uma igreja e não lhe dá

as costas ao se retirar de sua presença.O Moçambique é, por isso, a Guarda Real.

Isto é, são os ternos de Moçambique os responsáveis por conduzir as imagens dos

santos, bem como os reis durante a procissão. É responsável por levantar o mastro

na porta da Igreja dando início ao Congado, é quem geralmente conduz os casais

reais até a procissão e também no encerramento da festa. Ouvi de diversos capitães

em Uberlândia, que quem conduz o casal real é o Moçambique ou “Congo de coroa”.

A coroa além de representar a realeza, também é símbolo de Nossa Senhora e

confere a quem a utiliza a autoridade para conduzir os reis e santos. A coroa também

está associada aos Pretos Velhos, na Umbanda, representa o poder e a sabedoria

dos anciões. O Catupé faz a guarda do Moçambique e pode substituí-lo nessas

funções. As músicas, as roupas e adereços e o trançar de fitas característico do

terno de Marinheiros e Marujos, fazem referência ao mar que traz os negros para o

Brasil e de onde Nossa Senhora é retirada, e às atividades do Marinheiro. Os ternos

de Congo são de louvação, os tocadores de maracanãs e caixas fazem

performances saltando com os instrumentos, mas esta performance, atualmente,

também é reproduzida por outras guardas. Segundo os integrantes do Marinheiro

de São Benedito a performance dos saltadores ou caixeiros de frente, em que os

dançadores pulam com as caixas revezando entre ajoelhar-se e saltar é cheia de

significação. Quando estão ajoelhados, estão pedindo axé e quando estão pulando,

estão agradecendo as graças recebidas. Axé é energia vital, essencial para

existência. Uma das características diferenciadoras dos ternos de Congo que vem

se extinguindo em Uberlândia é o uso de cuíca e de tamborins (caixinhas quadradas

confeccionados em madeira e couro, percutidas com uma vareta), bem como o

uso de pandeiros, adufes e instrumentos harmônicos como violões, cavaquinhos,

banjos e sanfonas.A organização das guardas, a hierarquia dos ternos, segue os

modelos militares ou políticos. Na maior parte dos ternos, o “regente” é chamado

Capitão, mas em outros recebe o distintivo de General ou Guia. Existem outras

funções, tais como, Presidente, Fiscal, Conselheiro, Secretário, Tesoureiro, Madrinha

do Terno, Madrinha da Bandeira, Soldados, Bandeireiras, etc. que variam de terno

para terno, tanto em número como em funções e significações. “Antigamente” a

função de Primeiro Capitão era

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designada em alguns ternos de Marechal e as bandeireiras de Juizas, o Presidente

era conhecido como o Dono do terno. As designações presidente, vice-presidente

geralmente tem seu equivalente como primeiro capitão, segundo capitão,

madrinha.O primeiro capitão se desloca o tempo todo se certificando se tudo corre

bem com todo o terno e também puxa as músicas. O segundo capitão geralmente

é responsável por reger a bateria, é o maestro. Dois outros capitães ou fiscais

protegem as laterais e também se locomovem entre os dançadores. A madrinha do

terno geralmente segue a frente, junto à virgem que carrega a bandeira, mas também

transita pelo terno auxiliando na medida em que se faz necessário. A madrinha da

bandeira auxilia as bandeireiras. Elas também são responsáveis pelas crianças,

no Marinheirão existe a função de capitão das crianças, outras pessoas, geralmente

as mães também cuidam das delas, carregando-as no colo quando se cansam.Os

Fiscais auxiliam na condução do terno, na execução das músicas, na organização

dos dançadores. São os imediatos do Capitão, geralmente também impunham um

bastão e trazem um apito. As funções de Presidente, tesoureiro e Secretários,

exigidas para o registro oficial, geralmente são desempenhados pelos próprios

Capitães, Madrinhas e Fiscais.Os Soldados são os tocadores e dançadores. As

Bandeireiras conduzem as Bandeiras ou estandartes e suas fitas fazendo

coreografias, também podem ser chamadas de Andorinhas. “Antigamente” esta

função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitas mulheres relatam que

se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da bandeira, muitos

acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seria a responsável por

denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa se rasgar, a própria

bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar. Desmaios e doenças

dificultariam a execução da função. Caberia a menina se afastar quando não fosse

mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. Hoje no entanto esta tradição

não é mantida pela maioria dos ternos.Alguns atribuem sentidos místicos à escolha

das cores, dos instrumentos, dos acessórios e dos ritmos, outros vêm nesses

elementos traços distintivos dos ternos. As roupas e acessórios são usados apenas

nos dias de festa, durante a campanha, cada um se veste a seu modo. As meninas

geralmente fazem roupas que podem ser usadas no cotidiano, já que todo ano elas

fazem duas trocas de roupa: uma para o domingo e outra para a segunda. Alguns

ternos modificam os modelos de suas roupas todo ano, outros mantém a vestimenta

dos homens durante algum período. Constatei a preocupação de anciões quanto à

manutenção das roupas consideradas tradicionais dos ternos. A indumentária que

mais inova é a das

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bandeireiras, geralmente as roupas dos soldados possuem elementos

identificadores dos ternos e não mudam de um ano para o outro, a mudança quando

ocorre é gradativa. A indumentária é um dos elementos identificadores dos ternos,

por isso a Irmandade do Rosário intervém na escolha das cores e adereços. Os

ternos só recebem a Carta de Comando – ordem para participar dos festejos – se

estiverem filiados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Uberlândia. Aqueles

registrados em cartórios participam do Reinado sem o aval da Irmandade. Um

representante da Igreja, geralmente o pároco, participa diretamente das decisões

da Irmandade. A Irmandade é o elo de ligação dos ternos com a Igreja Católica e

as subvenções governamentais. A Irmandade gerencia a festa, decide data de

realização da festa, faz e refaz o estatuto da Irmandade e da Festa, decide horários

de realização de missas, procissões etc. A diretoria da Irmandade do Rosário é na

verdade um reinado, onde os cargos são hereditários. Cada terno é como se fosse

um “reino” ou “estado”, “clã”, “facção”, um batalhão, um pelotão, pertencente à um

tipo de guarda. Com organização e agenda de rituais própria. Cada terno possui o

seu “diplomata”, geralmente um capitão, que fará sua representação nas reuniões

com a Irmandade e os órgãos governamentais ou financiadores.Apesar de muitos

congadeiros negar que exista rivalidade entre os ternos, a disputa torna-se muito

clara em muitos momentos. Disputam a ocupação do espaço na praça da igreja,

qual a execução mais perfeita das músicas, qual o maior número de componentes,

qual a melhor organização e disposição dos soldados na apresentação, qual a

melhor e mais bonita indumentária, ocorre disputa na demarcação do território onde

realizaram sua campanha, etc. Em alguns momentos verdadeiras batalhas

orquestrais ocorrem: os ternos se enfrentam com os instrumentos, o apito e a

expressão corporal dos capitães deixam clara a luta enquanto os soldados rufam

seus tambores.Durante “campanha” do Congado, como os congadeiros dizem, são

confeccionados ou reformados acessórios, roupas e instrumentos. Realizam

ensaios, novenas, leilões, reuniões com a Irmandade e com a Coordenadoria

Municipal Afro-Racial (CoAfro). Fazem benzições, trabalhos espirituais. Visitam

outras cidades em festa. A campanha é o período que precede a festa.Geralmente

é o Presidente do terno ou a Madrinha quem fica responsável por agendar os leilões

e novenas. Os donos da casa onde serão realizados os leilões arrecadam “prendas”,

geralmente alimentos, produtos de higiêne, bebidas, quitutes, roupas, etc, que serão

leiloados a favor do terno. Reúnem-se os dançadores, afinam-se os instrumentos e

cada terno sai do seu quartel sob o comando do bastão e do apito de seus capitães

realizando

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jornadas noturnas que extrapolam os limites dos bairros para realizar as novenas e

os leilões. Estes deslocamentos pela cidade enchem a noite com as sonoridades

dos instrumentos. Algumas pessoas saem na porta das casas para ver os ternos

passarem, nos seus ensaios para o dia da festa.Cada terno possui o seu “território”,

demarcado pelas casas dos amigos que oferecem prendas para o leilão ou solicitam

a visita da bandeira para a realização da novena. Cada terno possui um quartel,

que pode ser a casa de um dos capitães ou de pessoas ligadas ao terno. O

“território” dos ternos extrapola, inclusive as fronteiras das cidades, pois cada terno

possui uma agenda de festas e encontros formando distintas redes de sociabilidade.

Os ternos também costumam visitar suas cidades de origem.Quando um terno se

encontra com outro no trajeto pode acontecer pelo menos três ações diferentes: 1 –

se os ternos forem amigos, se cumprimentam e até mesmo tocam juntos;2 – se os

ternos tiverem algum tipo de diferença, rixa, ou questão a ser resolvida, poderá

haver uma espécie de confronto, um duelo de instrumentos, ou um terno impede o

outro de atravessar uma rua ou passar na porta da igreja. 3 – se os ternos ainda

não se conhecerem pode acontecer dos Capitães cantarem um para o outro

saldando as bandeiras e se identificando. Pode também haver neste caso uma

espécie de duelo em que os capitães disputam cordialmente para saber qual dos

capitães é mais experiente ou qual a bateria faz mais evoluções.O trajeto até a

casa da novena é utilizado para realizarem o ensaio para o dia da festa. Durante o

trajeto até as casas onde se realizarão as novenas, os capitães ensinam as músicas

aos novatos e ensinam a tocar os instrumentos. É comum a criação de músicas

novas para apresentarem no dia da festa. A composição pode ser feita por capitães,

madrinhas ou dançadores do terno ou ainda ser atribuídas a mentores espirituais.

Muitas músicas tocadas durante a campanha podem não ser executadas no dia da

festa. Existem também músicas específicas para cada ocasião: para chamar o

dono da casa, para agradecer as prendas para o leilão, para abençoar o interior da

casa, músicas de novena, em louvor a São Benedito, em louvor a Nossa Senhora

do Rosário, que relembram os antepassados, que falam de fenômenos climáticos,

para solicitar a saída da bandeira, para saldar Reis e Rainhas, de despedidas,

para quando ocorre um encontro com outro terno seja ele amigo ou não e uma

infinidade de outras possibilidades, variando de terno para terno.Existem duas

versões para a origem do Congado em Uberlândia. A primeira considera o Distrito

de Miraporanga (antiga Santa Maria) o local de onde se originaram os ternos de

Congado do município, na época, o arraial de São Pedro de Uberabinha. Segundo

Paulino (In Brasileiro, 2001:31), o

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primeiro terno de moçambique surgiu em Miraporanga, não sendo inicialmente aceito

pelos moradores de São Pedro do Uberabinha. A Igreja do Rosário de MIrapóranga,

construída em 1850, foi fundada por escravos, que posteriormente se mudariam

para o futuro bairro Patrimônio em Uberlândia, às margens do Rio Uberabinha,

levando consigo as celebrações do Congado.A segunda versão indica que o

movimento do Congado se iniciou no Sertão da Farinha Podre, por volta de 1874,

através do “Mestre André”. Esse senhor reunia os negros da região do Rio das

Velhas e Olhos D’Água, tocando tambor em culto à Nossa Senhora do Rosário,

padroeira dos negros, pedindo para libertá-los da escravidão. O início do movimento

ocorre por volta de 1876, período de expectativa e temor quanto à abolição da

escravatura no Brasil Império. Vale lembrar que em 1881 foi decretada a lei nº 2040,

conhecida como a “Lei do Ventre Livre” e em 1885 a “Lei do Sexagenário” ou “Lei

Saraiva Cotegipe”, as quais participaram de um processo que culminou na própria

abolição da escravatura, em 1888. O município de Uberlândia se localiza na região

do Triângulo Mineiro, área conhecida no século XVIII e XIX como Sertão da Farinha

Podre. Esta região era denominada de Sertão da Farinha Podre por causa dos

sacos de palha com farinha, encontrados pelos colonizadores, enterrados ou

pendurados nas árvores. Das histórias contadas sobre a origem deste nome, existe

uma que afirma que quando as bandeiras se aproximavam os indígenas e

quilombolas que aqui habitavam escondiam sua farinha, base de sua alimentação,

com esperança de poderem voltar algum dia para suas aldeias e ter alimentos até

a nova plantação dar seus frutos. Eles se refugiavam nas matas e esperavam os

bandeirantes abandonarem suas moradias após arrasá-las com saques e incêndios.

Muitas aldeias tinham que mudar constantemente sua localização, abandonando

sacos de farinha pelo caminho de sua fuga. Por causa de sua localização geográfica,

o Sertão da Farinha Podre passou a ser um entreposto para os avanços das

bandeiras. Local de de descanso e comércio de tropas uma parada na rota de

tropeiros e mineradores em direção a Goiás e Mato Grosso. A farinha que fora

escondida pelos quilombolas e/ou indígenas apodrecia com a ação do tempo, e

depois era encontrada pelos novos habitantes do lugar. Por causa da grande

quantidade de mantimentos apodrecidos encontrados, a região da bacia do rio

Paranaíba que abrange o atual Triângulo Mineiro e parte do sul do estado do Goiás,

ganhou o nome de Sertão da Farinha Podre. O Sertão da Farinha Podre era povoado

por vários núcleos quilombolas distribuídos como pontos de uma rede. Os

documentos oficiais referem-se a diversos deles como pertencentes ao Quilombo

do Campo

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Grande. O Quilombo do Ambrósio, localizado na zona rural de Ibiá, cujo sítio

arqueológico é tombado pelo patrimônio histórico, foi como uma célula central de

onde partiam os integrantes que formavam os outros núcleos da rede. A historiografia

oficial considera que o Quilombo do Ambrósio tenha sido destruído em 1746, sendo

referido como o maior núcleo, comportando até mais de “mil negros, e grande número

de negras e crias”. Os documentos oficiais que narram a destruição deste núcleo e

de “outros menores” informam o número de três oficiais e duzentos e sessenta

“homens capazes, e dos mais desocupados” reunidos nas freguesias de Brumado

(hoje Patrocínio), Sta Rita, Carijos, Congonhas, Ouro Branco e Prado. E para a

destruição do Quilombo do Campo Grande foram enviados quatrocentos e depois

mais trezentos homens da cidade de Mariana, São João de El Rey, São José,

Sabará e Vila Nova da Raynha. Sendo que estas comitivas levavam cartas solicitando

que todas as comarcas lhes fornecessem “munições de guerra e de boca” Embora,

os documentos oficiais relatem expedições bem sucedidas na destruição destes

quilombos, deixam a entender que muitos quilombolas fugiam recomeçando um

novo quilombo em áreas não ocupadas pelo homem branco. A área onde hoje se

localiza Uberlândia só foi ocupada pelo homem branco a partir de 1821, possuindo

ainda reminiscências dos antigos quilombos do Campo Grande. Mas a construção

de hidrelétricas tem destruído paulatinamente os vestígios arqueológicos destes

quilombos que geralmente escolhiam áreas estratégicas próximas aos rios para

se instalar. Os quilombolas escolhiam sua localização de acordo com os elementos

oferecidos pelo ambiente buscando áreas que lhes possibilitasse a permanência

(agricultura e pecuária de subsistência, assaltos às tropas de comerciantes e

viajantes e contrabando) e a defesa da comunidade. A região ainda preserva na

toponímia referências aos antigos quilombos (Pau Furado e Quilombo). A ocupação

efetiva desta área pelo homem branco ocorreu a partir do século XIX, sendo a

produção pecuária e a agricultura de subsistência primordiais, pois possibilitaram

a instalação das fazendas e dos arraiais que futuramente constituiriam vários

municípios e distritos. O arraial de São Pedro do Uberabinha, núcleo inicial da cidade

de Uberlândia, formou-se no início do século XIX, a partir da aquisição de sesmarias

do governo da Província de Minas Gerais por algumas famílias. O marco inicial da

atual cidade foi a antiga Sesmaria de São Francisco, doada a João Pereira da

Rocha, em 1821. A chegada de outras famílias, com destaque para a “Alves Carrejo”,

intensificou a ocupação da região. Em 1846, Felisberto Alves Carrejo, após

aquisição de área de dez alqueires entre o Córrego São Pedro e o Córrego Cajubá,

obteve, juntamente com

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Francisco Alves Pereira, aprovação do Bispado de Goiás para a construção de

uma capela curada, consagrada a Nossa Senhora do Carmo e a São Sebastião

da Barra. No ano de 1852 foi criado o Distrito de Paz do São Pedro do Uberabinha,

pela lei provincial n. 602, e em 1853 a primeira capela foi concluída. A criação da

paróquia, em 1857, ocorreu no mesmo ano da formação do patrimônio da capela,

composto de terras doadas por um grupo de moradores locais que haviam adquirido

100 alqueires da Fazenda do Salto (Vale, 1998: 252). As primeiras edificações do

arraial se São Pedro do Uberabinha se concentravam ao redor do largo da Igreja

Matriz, em terrenos aforados do patrimônio de Nossa Senhora do Carmo. Em 1883

foram doados, ainda, doze alqueires de terra à margem esquerda do córrego

Uberabinha, próximo aos limites do arraial, destinados ao patrimônio de Nossa

Senhora da Abadia (Lourenço, 1986:16). Em 31 de agosto de 1888, a então

freguesia foi transformada em vila, com o nome de São Pedro do Uberabinha, tendo

sido instalada oficialmente em 1891. Em 24 de maio de 1892, a vila foi elevada à

categoria de cidade pela lei nº 23. Em 1895, a Estrada de Ferro Mogiana atingiu a

cidade de Uberlândia e se verifica o desenvolvimento da produção agropecuária e

de indústrias, com destaque para a produção de charque (Brasileiro, 2001: 253).

“Nas duas primeiras décadas do século XX foram instaladas em Uberlândia

indústrias ligadas à produção rural. Têm-se registro das seguintes indústrias,

existentes em 1922: beneficiadoras de arroz e algodão, serrarias, carpintarias,

charqueadas, curtumes e outros estabelecimentos de produção de couro e carne,

além de fábricas de banha, sabão, calçados e arreios” (Lourenço, 1986: 20). Vale

ressaltar que o fornecimento de energia elétrica teve início em 1909, aumentando a

possibilidade da instalação de várias fábricas.Em 1929, a cidade recebeu o nome

de Uberlândia, através da lei nº 843. Na década de 1930, a abertura de estradas

de rodagem em direção às áreas de exploração de diamantes do Rio Araguaia

intensificou o desenvolvimento da área, que se tornou ponto de troca e abastecimento

de caravanas e compradores de diamantes . Em 1933 , iniciou -se a construção

da nova igreja Matriz concluída em 1941. A padroeira Santa Terezinha foi escolhida

para substituir os antigos padroeiros da cidade Nossa Senhora do Carmo e São

Sebastião da Barra. A antiga igreja Matriz foi demolida em 1943, dando lugar a

estação Rodoviária, que hoje sedia a Biblioteca Municipal . Em 1940, cidade passa

por um rápido crescimento e adensamento populacional, e desde então tem se

configurado importante centro regional, localizado em local estratégico, próximo

a seis capitais (Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Belo Horizonte, São

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Paulo e Brasília ). De 1985 a 1996, o seu crescimento anual do P I B de 5, 09%,

superior ao crescimento de Minas Gerais (2,17%) e do Brasil (2,28%). Hoje, a cidade

se destaca pelo desenvolvimento dos setores de agro industria, tecnologia da

informação, setor atacadista - distribuidor, e mais recentemente, de biotecnologia,

sendo também considerado pólo na área de ensino superior.Há referências

históricas de que a primeira Capela de Nossa Senhora do Rosário tenha sido

iniciada pelo Padre João Dantas Barbosa, em 1876, a qual não foi concluída, tendo

sido definitivamente levantada na atual praça Cícero Dr. Duarte. Em decorrência

do abandono da capela anterior, entre 1891 e 1893, ocorreu a construção da nova

Capela do Rosário “com estrutura de madeira, tijolos de adobe e telha comum,

situada no centro da cidade e com fachada voltada para o bairro General Osório

(atual bairro fundinho).” Já em meados de 1890, o então presidente da Irmandade

do Rosário passou a comandar a nova procissão. O vigário Pio Dantas estimulou a

participação da comunidade negra nas festividades religiosas. (Ibidem, 2001)Com

o crescimento da cidade, a segunda capela precisou ser ampliada. Foi composta

uma comissão responsável por angariar donativos particulares e recolher uma

mensalidade cobrada da Irmandade do Rosário. A capela anterior foi demolida e,

no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela com projeto de

autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a Capela Nossa Senhora do

Rosário foi re-inaugurada. Em 1985, a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi

tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e

entre 1987 e 1988, foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com

apoio do IEPHA/MG (Vale, 1998:257). A Capela de Nossa Senhora do Rosário

passou por processo de restauração no de 2006.

15. Referências:

* ANAIS da Biblioteca Nacional – Volume 108 – Rio de Janeiro, 1988 pg. 47-113 –

Carta de Gomes Freire de Andrade para o Capitão-mor da Vila de S. João de El

Rey Manuel da Costa Golvea, 27 de junho de 1746. Mss. APM, Códice SC84,

Registro da providoria da Fazenda de Minas Gerais p.111 (Ver laudo IPHAN 004/

98)

*BRASILEIRO, Jeremias. Congadas de Minas Gerais – Brasília: Fundação Cultural

Palmares, 2001.

* LAUDO IPHAN 004/98 – Dossiê do Tombamento do Remanescente do Antigo

Quilombo do Ambrósio – Ibiá – Mg

*LUCAS, Glaura. Os Sons do Rosário – Um Estudo Etnomusicológico do Congado

Mineiro – Arturos e Jatobá. Dissertação de Mestrado, São Paulo: ECA-

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273

USP, 1999.

*Marra, Fabíola Benfica. Álbum de Família: Famílias Afro-descendentes no Século

XX em Uberlândia – MG – CD-Rom produzido entre os anos de 2004 e 2005,

através da lei municipal de Incentivo à Cultura.

*Martins, Tarcisio José. Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada

do Povo. São Paulo: Gazeta Maçônica, 1995.

*Lima Jr., Walter. Chico Rei. Embrafilmes, 1986.

*LOURENÇO, Luis Augusto Bustamante. Bairro Patrimônio: Salgadores e

Moçambiqueiros. Uberlândia: Secretaria Municipal de Cultura, 1983.

*Martins, Leda M. Cantares – Afrografias da Memória. São Paulo: Perspectiva:

1997.

*Moura, Clovis (org). Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil – Maceió: Edufal,

2001.

*RIBEIRO, Maria de Lourdes Borges. A Música Africana. Rio de Janeiro: Funart,

1981

*VALE, Marília Brasileiro Teixeira. Arquitetura Religiosa do Século XIX no antigo

“Sertão da Farinha Podre”. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do Grau de Doutor, São

Paulo, 1998.

16. Atualização de Informações:

17. Ficha Técnica:

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: Rua Consolação, 55 – Dom Almir

06. Responsável:Custódio José Izídio

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. AcervoTerno Congo

Cruzeiro do Sull

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

07. Designação: Bandeira do Congo Cruzeiro do Sul

08. Localização Especifica: Especifica: Quando não está em campanha fica

guardada no quarto do casal

09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa

10. Época: 2006

11. Autoria: Ignorada

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica: cabo de madeira, tecido veludo vinho, franja branca, imagem

de papel plastificado, passamanaria branca ao redor da imagem, estrelas de cetim

branco, lantejoulas em formato de estrela.

15. Marcas / Inscrições / Legendas: Salve S.S. do Rosário bordado com cordão

de lantejoulas brancas.

16. Descrição: Bandeira em tecido de veludo vinho com franja branca nas

extremidades. Imagem de Nossa Senhora do Rosário industrializada, impressa

em papel plastificado com passamanaria branca ao redor da imagem. Quatro

estrelas de cetim branco, dispostas ao redor da imagem com lantejoulas em formato

de estrela nas cinco pontas da estrela de cetim e dispostas por toda a bandeira

que é sustentado por cabo de madeira. A inscrição Salve S.S. do Rosário bordado

com cordão de lantejoulas brancas fica encoberta pela franja de cetim branca.

17- Condições de segurança:

( ) Boa

( x) Razoável

( ) Ruim

Obs:

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19- Documentação fotográfica

18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

( x ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente (X ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

21- Dimensões:

Altura: 70 cm

Largura: 51 cm

22. Análise do Estado de Conservação: Bandeira em bom estado de

conservação.Não apresenta perdas, não apresenta sinais de infestação por insetos

ou de mofo.

23. Intervenções – Responsável / Data: NT

24. Características Técnicas: Bandeira em tecido de veludo com franja branca

nas extremidades. Imagem religiosa industrializada, impressa em papel plastificado

com passamanaria branca ao redor da imagem. Quatro estrelas de cetim, dispostas

ao redor da imagem com lantejoulas em formato de estrela nas cinco pontas da

estrela de cetim e dispostas por toda a bandeira que é sustentado por cabo de

madeira. Inscrição bordads com cordão de lantejoulas encoberta pela franja de

cetim.

25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística

específica).

Fotos do Terno de Congo Cruzeiro do Sul

Uberlândia/MG

Ano 2007

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26. Características Iconográficas:Nas bandeiras do Congado figuram as imagens

de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e em alguns casos outras imagens

como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São Domingos, etc.Cada

santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia, pelo que os

congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia, segundo Câmara

Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros e pessoas menos

favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a santa

negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles criam

a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo, pesquisador

do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam o rosário

que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do Perpétuo

Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo Seu

Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o nome

de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é dela.

Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque somente os

padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do

Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os

brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora

do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa

Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é

Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia

trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com

seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do Rosário como

um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a

história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o que mais

chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como mártir

sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos, uma

espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio, capaz

de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais

ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão

percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio

às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele

questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto

pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um

dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.

Diversas outras pessoas

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tomam este comportamento como prática. Fazer o Congado sem “fundamento”

seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve aprendizado constante e um

“verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e aprender todas as lições

antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico Rei, que é o criador da

Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em Moçambique, mas na perda de

uma batalha fora apreendido e vendido como escravo, trazido para o Brasil. Os

escravos trazidos de Moçambique eram os conhecedores das técnicas de

mineração, “farejavam as minas”, como diziam os invasores europeus. Chico Rei,

após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um grande conhecedor do processo

de mineração conseguiu comprar com ouro a alforria de familiares e amigos, e

construir uma capela em homenagem à Santa Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto).

Após descobrir algumas minas Chico Rei disse que não trabalharia mais se o seu

senhor não trouxesse para junto de si seu filho e parentes que estavam distantes,

vendidos para outros senhores de escravos. Mais tarde conseguiu comprar a alforria

de diversos outros escravos. Segundo Câmara Cascudo “No dia de Reis, em Vila

Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham com as carapinhas polvilhadas de

ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra existente no Alto da Cruz, onde

havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia para a libertação de outros

escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que no Brasil passa a ser chamado

de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a condição de escravo e constrói uma

das bases do movimento negro. Muitos negros se mantinham escravos e

cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para a libertação de seu povo.

Os negros então alforriados passam a viver nos centros urbanos nascentes e/ou se

deslocam com as expedições desempenhando funções de carpinteiro, pedreiro,

ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e outras profissões tidas hoje

como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro se retira do sistema de

escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do sistema capitalista. Ocorre

um rompimento com a escravidão, mas não com sua lógica, pois há uma busca

pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente desta. Nos movimentos

quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova forma de associação e de

socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma quebra com os padrões

antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam permanecer em estado

de vigília por causa das constantes investidas das expedições contra suas

comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos mitos do Congado, a

principal referencia ao São Benedito é em relação à alimentação, ele provém o

sustento das famílias, dá força. São Benedito está

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mais ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo

mesmo em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me

foi contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de

Uberlândia, ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada,

que certa feita, o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou

que ele preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a

provisão suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão

eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo

Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne

de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar

a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora

retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os

escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e

dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,

foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.

O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não

acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o

São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto

“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada

pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo

que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,

da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na

casa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocar

café para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.

Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café

amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles

pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito

é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora

do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração

da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e

também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que já

partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeiros

falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,

ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de

Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o

Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela

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proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em

todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas mães

foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais, mas

encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música muito

difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto

protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia, eu

gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito fundante

do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa Senhora

do Rosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora

do Rosário estava dentro do mar, um garoto a vê submergir, chama os pais para

verem, eles não acreditam. Então ele chama os Marinheiros, que também

presenciam a santa submergir, eles tentam tirá-la com suas cordas, mas ela não

sai do local. Chegam brancos e padres que conseguem retira-la da água e levá-la

para uma capela, mas a santa “foge” do altar e volta para o mar. Vem então o terno

de Congo, todo colorido e canta para ela sair da água, ela submerge, mas ao ser

levada para a capela dos brancos, volta a “fugir” para o mar. Então um terno de

Moçambique, todo vestido de branco e descalço, canta para ela, que então

submerge e lhes acompanha, eles a levam devagar até o local onde constroem

uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário permanece, o terno de Moçambique

então se retira sem lhe dar as costas, lhe fazendo reverência; b) a segunda versão,

contada por Maria Conceição Cardoso, do Moçambique Rosário de Fátima, de

Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar escravos fugidos na serra da Montanhesa,

um grupo de capitães do mato encontra um grupo de negros, vestidos de branco,

fazendo rosários, com contas de lágrima em frente a uma árvore de umbaúba onde

Nossa Senhora do Rosário estava encravada num galho. Os capitães do mato

tentam surrar os negros e capturá-los, mas eles permanecem imóveis, como se

nada os pudesse atingir. Apavorados com a visão voltam para a cidade e chamam

um padre para ir até o local verificar o fato. E como na primeira versão, brancos e

Congos não conseguem levá-la, Nossa Senhora do Rosário acompanha apenas o

Moçambique que canta vestido de branco, de pés descalços, que anda devagar e

lhe constrói uma igreja e não lhe dá as costas ao se retirar de sua presença.

27. Dados Históricos: As bandeiras têm suas origens nas insígnias – sinais

distintivos de poder ou de comando – usadas desde a antiguidade, poderiam ser

figuras recortadas em madeira ou metal, ou pintadas nos escudos. As primeiras

bandeiras da história do homem costumavam representar um grupo sócio-cultural

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280

através de imagens e de cores dotadas de significados que a comunidade

respectiva confere alto valor. As bandeiras fixadas a um mastro surgiram na China

e foram introduzidas no Ocidente Medieval pelos Islâmicos. As bandeiras de tecido,

no mundo ocidental, foram criadas pelos romanos e eram denominadas vexillium

(insígnia, bandeira, estandarte). Desde a antiguidade os povos usaram mastros

com imagens, carregados na mão ou fixados nos carros de combate. A grande

difusão do seu uso foi feita pelos romanos e cada divisão da legião tinha o seu

estandarte. Foi na Idade Média que bandeiras e estandartes começaram a

representar reinos e regiões. As bandeiras foram usadas tanto em períodos de paz

como de guerra. Sendo um símbolo identificador eram usados pelos exércitos

aliados. Para não se confundirem uns com os outros e evitarem o temido fogo amigo,

usavam um pedaço de pano hasteado num estandarte, com as cores e sinais de

identificação do batalhão ou companhia envolvida. De acordo com seu tamanho ou

uso, a bandeira tem uma palavra sinônima. Estandarte é utilizado para insígnias

militares, mais especificamente para identificar os corpos de cavalaria. O Pendão

é uma bandeira grande, armada em vara, atravessada horizontalmente sobre o

mastro e levada em procissões. O Gonfalão é uma bandeira de guerra com partes

que se prendem perpendicularmente a uma haste com três ou quatro pontas

pendentes. Os Estandartes e bandeiras do Congado mesclam elementos das

bandeiras militares e religiosas e são utilizados para identificar o terno que os conduz

e para louvar os santos de sua devoção.

28. Referências Documentais: Fotografias e entrevistas realizadas com Custódio

José Izídio, Maria Aparecida Izídio e Eliane Izídio

29. Informações Complementares: Falar em Bandeira no congado é um pouco

complexo, pois possui pelo menos três significados. Bandeira pode se referir à

jornada, ao trajeto, à caminhada realizada nas campanhas e festas. Também pode

ser utilizado para se referir à bandeira em tecido no formato retangular de

aproximadamente 60 x 40 cm que trás estampado imagens dos santos, com um

cabo de madeira na extremidade superior por onde a bandeireira (virgem, menor

de 10 anos) segura. Esta pequena bandeira sempre acompanha o terno, abrindo-

lhe os caminhos, tanto em dias de campanha quanto no dia da festa. Bandeira

também pode referir-se ao estandarte em formato retangular de aproximadamente

1,5 m de altura por 1m de comprimento, sustentado por um mastro que o eleva à

aproximadamente 2,5m de altura donde pendem fitas cujas pontas as Bandeireiras

seguram enquanto dançam e que traz identificações do terno e homenagens aos

santos. Geralmente o estandarte e as Bandeireiras só

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281

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

31. Ficha Técnica30. Atualização das informações:

saem em dia de festa. . O tecido das bandeiras e estandartes são trocados

periodicamente, geralmente de dois em dois anos. As Bandeireiras ou Andorinhas

são meninas que conduzem as fitas do estandarte fazendo coreografias.

“Antigamente” esta função só era desempenhada pelas garotas virgens. Muitas

mulheres relatam que se a menina não fosse virgem e levasse a fita ou o mastro da

bandeira, muitos acidentes poderiam acontecer. Nossa Senhora do Rosário seria

a responsável por denunciar a farsa. Adereços de cabelo poderiam cair ou a roupa

se rasgar, a própria bandeira poderia sofrer danificações, como quebrar, rasgar.

Desmaios e doenças também dificultariam a execução da função. Caberia a menina

se afastar quando não fosse mais “digna” de carregar a bandeira do Congado. A

execução desta função indevidamente poderia acarretar problemas ainda maiores

para os ternos, como esquecer música ou errar a “batida”. Hoje, no entanto, esta

tradição não é mantida pela maioria dos ternos.

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282

BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: Rua Consolação, 55 – Dom Almir

06. Responsável:Custódio José Izídio

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. AcervoTerno Congo

Cruzeiro do Sull

17- Condições de segurança:( X) Boa( ) Razoável( ) Ruim18- Proteção Legal:( ) Federal( ) Estadual( ) Municipal( x ) Nenhuma( ) Tombamento Isolado( ) Tombamento em Conjunto

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

07. Designação: Bastão Iansã das Águas

08. Localização Especifica: Ao lado da cama do Casal

09. Espécie: Objeto ritualístico

10. Época: 2006

11. Autoria: Edson José Izído, filho de seu Custódio

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica:madeira, esmalte sintético branco, vermelho e verde, conchas

de mariscos presas com palha da costa, coroa de arame, fitas de cetim vermelho,

terços azul e feito com contas de lágrima, crucifixo metálico

15. Marcas / Inscrições / Legendas: rosto entalhado

16. Descrição: bastão em madeira, coberto com esmalte sintético branco, com

detalhes de entalhe do rosto pintados de vermelho na boca e verde nos olhos.

Diversas conchas de mariscos presas com palha da costa no alto, com coroa de

arame. Pequenas fitas vermelhas de cetim distribuídas ao longo de todo bastão

com dois terços um azul e outro feito com contas de lágrima, enrolados. Um crucifixo

metálico dependurado e vários outros pintados com esmalte sintético vermelho.

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

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283

19- Documentação fotográfica

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente (X ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

21- Dimensões:

Comprimento 1 m.

22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,

sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.

23. Intervenções – Responsável / Data: NT

24. Características Técnicas: Bastão em madeira, coberto com esmalte sintético,

com detalhes de entalhe do rosto pintados: boca e olhos. Diversas conchas de

mariscos presas com palha da costa no alto, com coroa de arame. Pequenas fitas

de cetim distribuídas ao longo de todo bastão com dois terços, um deles feito com

contas de lágrima enroladas. Um crucifixo metálico dependurado e vários outros

pintados com esmalte sintético.

25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística

específica).

26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagens

de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em alguns

casos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, São

Domingos, etc. Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma função

ritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,

pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,

segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir

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284

da Etiópia, devoção de negros e pessoas menos favorecidas. A festa do Congado

acontecia em louvor à Santa Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram

e para que a festa se legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo o Cláudio, filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de

Camisa Verde, os negros pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na

imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa

Senhora do Rosário. Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia,

ele colocou em seu terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam

reconhecer que a festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para

aceitarem o terno porque somente os padres sabiam da “verdadeira história” de

Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele,

para haver união entre os pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa

Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção.

Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino

nos braços de São Benedito que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se

Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o

pescoço do menino. De acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao

lado de Nossa Senhora do Rosário como um soldado, um general. Esta

surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a história de Chico Rei e trata de

uma negociação entre os santos. Mas, o que mais chama atenção é a mudança do

papel de São Benedito. Este, tido como mártir sempre foi referido como uma figura

bondosa e que multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo negro. Agora São

Benedito é tomado como um militar frio, capaz de decapitar um bebê branco em

nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a confirmação desta

versão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-se claramente a

existência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às críticas aos

pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona a “ciência”

dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos pesquisadores

como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos poucos detentores

dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado. Diversas outras pessoas

tomam este comportamento como prática. Fazer o Congado sem “fundamento”

seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve aprendizado constante e um

“verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e aprender todas as lições

antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico Rei, que é o criador da

Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em Moçambique, mas na perda de

uma batalha fora apreendido e vendido como

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escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os

conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os

invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um

grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a

alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa

Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse

que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e

parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais

tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara

Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham

com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra

existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia

para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que

no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a

condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros

se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para

a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros

urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções

de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e

outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro

se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do

sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua

lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente

desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova

forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma

quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam

permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das

expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos

mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à

alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais

ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo

em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi

contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia,

ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita,

o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele

preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão

suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz

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e o feijão eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém respostado Todo Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinhoe carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e entãopreparar a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco quefora retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos osescravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram edançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança,foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento.O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão nãoacreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo oSão Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto“multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvadapelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendoque São Benedito é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento,da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que nacasa não falte o alimento. É prática em várias partes do território nacional, colocarcafé para o São Benedito, é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café.Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do Benedito, que é um caféamargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos golespelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc. O café do Beneditoé tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhorado Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geraçãoda vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto etambém uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes queridos que jápartiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a congadeirosfalecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte,ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe deDeus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante oCongado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e pela proteção nainevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção em todos osmomentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas mães foi muitocombatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais, mas encontrasolo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música muito difundidatanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto protetorde Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me batia, eu gritavapor Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito fundante doCongado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa Senhora doRosário e possui pelo menos duas versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora doRosário estava dentro do mar,

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um garoto a vê submergir, chama os pais para verem, eles não acreditam. Entãoele chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, eles tentamtirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres queconseguem retira-la da água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altare volta para o mar. Vem então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sairda água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a“fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique, todo vestido de branco edescalço, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles a levamdevagar até o local onde constroem uma capela e ali Nossa Senhora do Rosáriopermanece, o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas, lhefazendo reverência; b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso,do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturarescravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontraum grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrimaem frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estavaencravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los,mas eles permanecem imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavoradoscom a visão voltam para a cidade e chamam um padre para ir até o local verificar ofato. E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, NossaSenhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta vestido debranco, de pés descalços, que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dáas costas ao se retirar de sua presença.27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetosritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentessignificados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizadopelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na históriabíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho. Obastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza a detenção docomando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e controle dopoder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como instrumento deinvocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão com estriasno sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito grego Esculápioe representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder de curar, adotadopela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de Hermes, “deus dosviajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da magia e da adivinhaçãoe responsável pelos golpes de sorte e pelas súbitas mudanças de vida”, duasserpentes enroladas simbolizam os opostos: o bem e o mal, masculino e o feminino.O

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Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

31. Ficha Técnica

30. Atualização das informações:

símbolo da eternidade na mitologia egípcia é um cajado com incisões, fissuras quelembram o entalhe de um reco-reco.28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O TarôMitológico – São Paulo: Siciliano, 198829. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentosutilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger asmúsicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões sãoutilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas pormuitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando aapresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros comcarrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada desão Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-seuma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam aspontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueirostocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocandosuas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de umespaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaçocom bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos omoçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.

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BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: Rua Consolação, 55 – Dom Almir

06. Responsável:Elaine Izídio

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. AcervoTerno Congo

Cruzeiro do Sull

18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

( x ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento emConjunto

07. Designação: Bastão de capitão

08. Localização Especifica: Ao lado da cama da Eliane

09. Espécie: Objeto ritualístico

10. Época: aproximadamente 1960

11. Autoria: Custódio José Izídio

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica:madeira, esmalte sintético lilás, crucifixos em esmalte

sintético branco, fitas de cetim branco e lilás, crucifixos de contas de lágrimas

encravados no alto do bastão, terço de contas de madeira

15. Marcas / Inscrições / Legendas: NT

16. Descrição: bastão em madeira com quinas, coberto com esmalte sintético

lilás com crucifixos pintados com esmalte sintético branco. Quatro crucifixos de

contas de lágrimas encravados no alto do bastão. Fitas de cetim branco e lilás e

terço de contas de madeira pendem, presos no alto. Este bastão pertenceu ao seu

Custódio, foi elaborado por ele na época em que dançava no Congo de Camisa

Verde.

17- Condições de

segurança:

( x) Boa

( ) Razoável

( ) Ruim

Obs:

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

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19- Documentação fotográfica

20- Estado de Conservação:( ) Excelente ( x ) Bom( ) Regular ( ) PéssimoObs:21- Dimensões:omprimento 1m.22. Análise do Estado de Conservação: Bastão em bom estado de conservação,sem sinais de desgaste por insetos ou rachaduras.23. Intervenções – Responsável / Data: NT24. Características Técnicas: Bastão em madeira com quinas, coberto comesmalte sintético com crucifixos pintados com esmalte sintético. Quatro crucifixosde contas de lágrimas encravados no alto do bastão. Fitas de cetim e terço decontas de madeira pendem, presos no alto.25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilísticaespecífica).26. Características Iconográficas:Nos bastões do Congado figuram as imagensde Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e de Preto Velho, e em algunscasos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida, SãoDomingos, etc. Mesmo quando não apresentam imagem, guardam a mesma funçãoritualística.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia ou Ifigênia,pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa Ifigênia,segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de negros epessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à SantaIfigênia, a santa negra, mas os brancos

Fotos do Terno Congo Cruzeiro do Sul

Ano 2007 Uberlâdia -MG

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291

não aceitaram e para que a festa se legitimasse eles criam a imagem de Nossa

Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio, filósofo, pesquisador do Congado e

dançador do Terno de Camisa Verde, os negros pegam o rosário que é de Santa

Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, criando

assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo Seu Zezão, capitão do

terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu terno o nome de Santa Ifigênia

porque as pessoas precisavam reconhecer que a festa é dela. Seu Zezão conta

que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque somente os padres sabiam

da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa Senhora do Rosário e de São

Benedito. Segundo ele, para haver união entre os pretos e os brancos Chico Rei

comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa Senhora do Rosário,

comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade de Nossa Senhora

do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito que não é Jesus,

mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário algum dia trair os

negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De acordo com seu Zezão,

São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do Rosário como um soldado,

um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão introduz a história de Chico

Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o que mais chama atenção é

a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como mártir sempre foi referido

como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos, uma espécie de Cristo

negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio, capaz de decapitar um

bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi de mais ninguém a

confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com seu Zezão percebe-

se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico. Em meio às

críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado ele questiona

a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto pelos

pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um dos

poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.

Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o

Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve

aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e

aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico

Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em

Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como

escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os

conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os

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invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um

grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a

alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa

Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse

que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e

parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais

tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara

Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham

com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra

existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia

para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que

no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a

condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros

se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para

a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros

urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções

de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e

outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro

se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do

sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua

lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente

desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova

forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma

quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam

permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das

expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos

mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à

alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais

ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo

em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi

contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia,

ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita,

o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele

preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão

suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz

e o feijão eram pouco. O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta

do Todo Poderoso que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco

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com toucinho e carne de um dos porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do

porco e então preparar a comida. E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne

do porco que fora retirada se reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco

vivo. Todos os escravos se alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear

tocaram e dançaram em agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha

festança, foi ter com o Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar

tanto alimento. O Benedito então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho.

O patrão não acreditando no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando

foi golpeá-lo o São Benedito levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito

enquanto “multiplicador dos alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários,

figura louvada pelos seus. Esta narrativa é compartilhada pela maioria dos

congadeiros, sendo que São Benedito é considerado o santo da cozinha, da

alimentação, do sustento, da fartura, por isso sua imagem geralmente é colocada

na cozinha, para que na casa não falte o alimento. É prática em várias partes do

território nacional, colocar café para o São Benedito, é comum ver sua imagem

próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado popularmente é tomar o café do

Benedito, que é um café amargo destituído de qualquer forma de adoçantes, bebido

em pequenos goles pelos congadeiros e participantes de celebrações, festas, etc.

O café do Benedito é tomado como uma bebida capaz de proteger a quem a ingere.

Nossa Senhora do Rosário está sempre relacionada à chuva, às riquezas, à

proteção, à geração da vida e também à morte. Recorrem a Nossa Senhora para

pedir um bom parto e também uma “boa morte”, a ela intercedem a favor dos entes

queridos que já partiram. Em todas as festas que presenciei houve homenagens a

congadeiros falecidos no período entre festas. Nossa Senhora está vinculada à

vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave Maria”, isto fica explicito: “Santa

Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte.

Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa Senhora do Rosário pela vida e

pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem saúde para os seus, proteção

em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande Mãe. O culto às deusas

mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e demais religiões patriarcais,

mas encontra solo fértil nas tradições afro-descendentes e católicas. Uma música

muito difundida tanto no Congado como na Capoeira e na religiosidade ressalta o

aspecto protetor de Nossa Senhora: “No tempo do cativeiro, quando o senhor me

batia, eu gritava por Nossa Senhora, ai meu Deus, quando a pancada doía.” O mito

fundante do Congado em Uberlândia é um relato da aparição e resgate de Nossa

Senhora do Rosário e possui pelo menos duas

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versões aqui sintetizadas: a) Nossa Senhora do Rosário estava dentro do mar, um

garoto a vê submergir, chama os pais para verem, eles não acreditam. Então ele

chama os Marinheiros, que também presenciam a santa submergir, eles tentam

tirá-la com suas cordas, mas ela não sai do local. Chegam brancos e padres que

conseguem retira-la da água e levá-la para uma capela, mas a santa “foge” do altar

e volta para o mar. Vem então o terno de Congo, todo colorido e canta para ela sair

da água, ela submerge, mas ao ser levada para a capela dos brancos, volta a

“fugir” para o mar. Então um terno de Moçambique, todo vestido de branco e

descalço, canta para ela, que então submerge e lhes acompanha, eles a levam

devagar até o local onde constroem uma capela e ali Nossa Senhora do Rosário

permanece, o terno de Moçambique então se retira sem lhe dar as costas, lhe

fazendo reverência; b) a segunda versão, contada por Maria Conceição Cardoso,

do Moçambique Rosário de Fátima, de Ibiá - MG, afirma que ao tentar capturar

escravos fugidos na serra da Montanhesa, um grupo de capitães do mato encontra

um grupo de negros, vestidos de branco, fazendo rosários, com contas de lágrima

em frente a uma árvore de umbaúba onde Nossa Senhora do Rosário estava

encravada num galho. Os capitães do mato tentam surrar os negros e capturá-los,

mas eles permanecem imóveis, como se nada os pudesse atingir. Apavorados

com a visão voltam para a cidade e chamam um padre para ir até o local verificar o

fato. E como na primeira versão, brancos e Congos não conseguem levá-la, Nossa

Senhora do Rosário acompanha apenas o Moçambique que canta vestido de

branco, de pés descalços, que anda devagar e lhe constrói uma igreja e não lhe dá

as costas ao se retirar de sua presença.

27. Dados Históricos: Os bastões, cajados, cedros, caduceus, varas são objetos

ritualísticos utilizados pelas mais diversas religiões com os mais diferentes

significados. O cedro é símbolo de poder utilizado pelos reis. O cajado é utilizado

pelos pastores como apoio nas caminhadas e é símbolo de magia como na história

bíblica de Moisés que utiliza seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho. O

bastão é um instrumento de ataque e de defesa e também simboliza a detenção do

comando de uma situação. Um símbolo fálico, emblema de poder e controle do

poder, representa a vontade e a força dominante. Utilizado como instrumento de

invocação e também para dirigir, controlar e cortar energias. O bastão com estrias

no sentido diagonal e com uma serpente enrolada é símbolo do mito grego Esculápio

e representa a sabedoria, a renovação do conhecimento e o poder de curar, adotado

pela medicina e pela farmácia como seu símbolo. No mito de Hermes, “deus dos

viajantes, patrono dos ladrões e dos trapaceiros, protetor da magia e da adivinhação

e responsável

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pelos golpes de sorte e pelas súbitas mudanças de vida”, duas serpentes enroladassimbolizam os opostos: o bem e o mal, masculino e o feminino. O símbolo daeternidade na mitologia egípcia é um cajado com incisões, fissuras que lembram oentalhe de um reco-reco.28. Referências Documentais: Sharman-burke, Juliet e Greene, Liz. O TarôMitológico – São Paulo: Siciliano, 198829. Informações Complementares: Os bastões e os apitos são os instrumentosutilizados pelos capitães de Congado para conduzir seus soldados e reger asmúsicas executadas pelos tambores. Nos ternos de Moçambique os bastões sãoutilizados não apenas por capitães como acontece na maioria dos ternos, mas pormuitos dançantes, que formam uma ala fazendo coreografias. . Em muitas guardas,fiscais e madrinhas utilizam os bastões alinhados ao final do desfile, fechando aapresentação do terno. Alguns bastões são em formato de cobra, outros comcarrancas de Pretos Velhos, outros com imagens de Nossa Senhora Aparecida,Santa Efigênia e São Benedito, crucifixos e inscrições diversas, fitas de cetim,alguns enfeitados com contas de lágrima, com ervas (alecrim, arruda, espada desão Jorge), etc. Nas festas de Pretos Velhos nos centros de Umbanda pratica-seuma dança-ritual muito parecida com a realizada pelos moçambiqueiros: tocam aspontas dos bastões no alto, revezando com batidas no chão, dançando em círculo.Quando hasteiam os mastros dando início à festa do Congado, os moçambiqueirostocam os mastros com seus bastões. Alguns ternos realizam coreografias colocandosuas coroas nos bastões e erguendo acima da cabeça. A condução de reis e rainhas,bem como dos santos numa procissão pode em alguns casos vir dentro de umespaço delimitado por condutores de bastões. Quando se quer delimitar um espaçocom bastões, os dançantes os colocam na horizontal e com as mãos omoçambiqueiro liga o seu bastão ao bastão do outro, formando uma corrente.

30. Atualização das informações:NT

31. Ficha Técnica

Levantamento Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Larry Guimarães de O. Filho (Formatação, estagiário de arquitetura)

Larissa Gontijo T. Cunha (Formatação, estagiário de arquitetura)

Elaboração Data: Abril de 2007

Fabíola Benfica Marra (Historiadora)

Revisão Data: Abril de 2007

Anderson Henrique Ferreira (Historiador)

Gisele Pinto de Vasconcelos Costa (Arquiteta)

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BENS MÓVEIS E INEGRADOS

04.Propriedade: Particular

05. Endereço: Rua Consolação, 55 – Dom Almir

06. Responsável:Custódio José Izídio

01. Município: Uberlândia

02. Distrito: Sede

03. AcervoTerno Congo

Cruzeiro do Sull

07. Designação: Estandarte do Congo Cruzeiro do Sul

08. Localização Especifica: Quando não está em campanha o tecido fica guardada

no quarto do casal e a estrutura de madeira, junto com os instrumentos no cômodo

comercial desativado.

09. Espécie: Bandeira /Distintivo/Insígnia Religiosa/ Estandarte

10. Época: 2006

11. Autoria: Ignorada

12. Origem: Uberlândia

13. Procedência: Uberlândia

14. Material / Técnica: estrutura de alumínio com ponteira de plástico, solda, rebite,

tecido veludo vinho, bordados em tecido cetim azul, bege, marrom e rosa, lantejoulas

em formato de estrelas, aplicações de letras com cordão de esferas metálicas,

franja branca.

15. Marcas / Inscrições / Legendas: braço entre nuvens, mão segurando rosário.

Salve Nossa Senhora do Rosário. Cruzeiro do Sul

16. Descrição: Estandarte com estrutura de alumínio soldado, rebitado e com

ponteira de plástico. Tecido veludo vinho, na frente bordados em tecido cetim azul,

bege, marrom e rosa representando um braço que aparece entre nuvens com a

mão segurando um rosário, estrelas de cetim branco. Aplicações de letras com

cordão de esferas metálicas formando as inscrições Salve Nossa Senhora do

Rosário e Cruzeiro do Sul. Na parte de trás do estandarte estrelas em tecido cetim

branco e um quarto de lua crescente em azul, lantejoulas em formato de estrelas

dispostas em toda a bandeira. Franja branca nas extremidades.

17- Condições de segurança:

( X) Boa

( ) Razoável

( ) Ruim

SECRETARIA MUNICIPALDE CULTURA

INVENTÁRIO DE PROTEÇÃODO ACERVO CULTURAL

Minas Gerais-MG

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19- Documentação fotográfica

18- Proteção Legal:

( ) Federal

( ) Estadual

( ) Municipal

( x ) Nenhuma

( ) Tombamento Isolado

( ) Tombamento em Conjunto

20- Estado de Conservação:

( ) Excelente (X ) Bom

( ) Regular ( ) Péssimo

Obs:

21- Dimensões:

Altura:1,55 m

Largura: 0,85m

Comprimento da haste: 1 m

22. Análise do Estado de Conservação: Estandarte em bom estado de

conservação, sem sinais de desgaste por insetos ou mofo.

23. Intervenções – Responsável / Data: NT

24. Características Técnicas: Estandarte com estrutura de alumínio soldado,

rebitado e com ponteira de plástico. Tecido de veludo com bordados de cetim na

frente, estrelas de cetim branco. Aplicações de letras com cordão de esferas

metálicas formando as inscrições. Na parte de trás do estandarte há ilustrações

em tecido de cetim e lantejoulas em formato de estrelas dispostas em toda a

bandeira. Franja nas extremidades.

25. Características Estilísticas: Estilo popular (sem característica estilística

específica).

Fotos do Terno Congo Cruzeiro do Sul

Ano 2007 Uberlâdia -MG

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26. Características Iconográficas:Nos estandartes do Congado figuram as

imagens e/ou os nomes de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedito e em

alguns casos outras imagens como a de Santa Ifigênia, Nossa Senhora Aparecida,

São Domingos, etc.Cada santo é associado a elementos distintos. Santa Efigênia

ou Ifigênia, pelo que os congadeiros dizem é a dona da festa do Congado. Santa

Ifigênia, segundo Câmara Cascudo é uma virgem mártir da Etiópia, devoção de

negros e pessoas menos favorecidas. A festa do Congado acontecia em louvor à

Santa Ifigênia, a santa negra, mas os brancos não aceitaram e para que a festa se

legitimasse eles criam a imagem de Nossa Senhora do Rosário. Segundo o Cláudio,

filósofo, pesquisador do Congado e dançador do Terno de Camisa Verde, os negros

pegam o rosário que é de Santa Ifigênia e colocam na imagem de Nossa Senhora

do Perpétuo Socorro, criando assim a imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Segundo Seu Zezão, capitão do terno Congo de Santa Ifigênia, ele colocou em seu

terno o nome de Santa Ifigênia porque as pessoas precisavam reconhecer que a

festa é dela. Seu Zezão conta que deu muito trabalho para aceitarem o terno porque

somente os padres sabiam da “verdadeira história” de Santa Ifigênia, de Nossa

Senhora do Rosário e de São Benedito. Segundo ele, para haver união entre os

pretos e os brancos Chico Rei comprou a coroa de Santa Ifigênia para coroar Nossa

Senhora do Rosário, comprando assim a sua benção. Como garantia da fidelidade

de Nossa Senhora do Rosário colocaram um menino nos braços de São Benedito

que não é Jesus, mas um menino branco do povo. Se Nossa Senhora do Rosário

algum dia trair os negros, São Benedito deve cortar o pescoço do menino. De

acordo com seu Zezão, São Benedito está sempre ao lado de Nossa Senhora do

Rosário como um soldado, um general. Esta surpreendente narrativa de Seu Zezão

introduz a história de Chico Rei e trata de uma negociação entre os santos. Mas, o

que mais chama atenção é a mudança do papel de São Benedito. Este, tido como

mártir sempre foi referido como uma figura bondosa e que multiplicava os alimentos,

uma espécie de Cristo negro. Agora São Benedito é tomado como um militar frio,

capaz de decapitar um bebê branco em nome da proteção dos negros. Não ouvi

de mais ninguém a confirmação desta versão mitológica. Quando se conversa com

seu Zezão percebe-se claramente a existência de uma disputa pelo capital simbólico.

Em meio às críticas aos pesquisadores e aos trabalhos existentes sobre o congado

ele questiona a “ciência” dos “verdadeiros” “fundamentos” de sua prática ritual tanto

pelos pesquisadores como pelos capitães dos outros ternos. Insinuando ser ele um

dos poucos detentores dos conhecimentos tidos como “fundamentos” do Congado.

Diversas outras pessoas tomam este comportamento como prática. Fazer o

Congado sem “fundamento” seria um ultraje. O convívio nos quartéis envolve

aprendizado constante e um “verdadeiro” capitão precisa passar por esta escola e

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aprender todas as lições antes de ousar montar o seu próprio terno.O lendário Chico

Rei, que é o criador da Irmandade do Rosário em Minas Gerais, era rei em

Moçambique, mas na perda de uma batalha fora apreendido e vendido como

escravo, trazido para o Brasil. Os escravos trazidos de Moçambique eram os

conhecedores das técnicas de mineração, “farejavam as minas”, como diziam os

invasores europeus. Chico Rei, após enriquecer seu senhor e demonstrar ser um

grande conhecedor do processo de mineração conseguiu comprar com ouro a

alforria de familiares e amigos, e construir uma capela em homenagem à Santa

Ifigênia em Vila Rica (Ouro Preto). Após descobrir algumas minas Chico Rei disse

que não trabalharia mais se o seu senhor não trouxesse para junto de si seu filho e

parentes que estavam distantes, vendidos para outros senhores de escravos. Mais

tarde conseguiu comprar a alforria de diversos outros escravos. Segundo Câmara

Cascudo “No dia de Reis, em Vila Rica, as negras do cortejo de Chico Rei vinham

com as carapinhas polvilhadas de ouro lavá-las e deixar o ouro numa pia de pedra

existente no Alto da Cruz, onde havia uma imagem de Santa Ifigênia. O ouro servia

para a libertação de outros escravos.” (1972, p.449). O Rei “Moçambiqueiro” que

no Brasil passa a ser chamado de Chico Rei recria aqui o seu reino, supera a

condição de escravo e constrói uma das bases do movimento negro. Muitos negros

se mantinham escravos e cooperavam no movimento liderado por Chico Rei para

a libertação de seu povo. Os negros então alforriados passam a viver nos centros

urbanos nascentes e/ou se deslocam com as expedições desempenhando funções

de carpinteiro, pedreiro, ferreiro (serralheiro), barbeiro, quituteiras, vendedores e

outras profissões tidas hoje como “liberais”. Observem que nesta narrativa, o negro

se retira do sistema de escravidão utilizando a linguagem que está nas bases do

sistema capitalista. Ocorre um rompimento com a escravidão, mas não com sua

lógica, pois há uma busca pela inserção do negro no sistema capitalista decorrente

desta. Nos movimentos quilombolas, onde este sujeito excluído busca uma nova

forma de associação e de socialização fora da sociedade opressora, ocorre uma

quebra com os padrões antes impostos. Mas os negros quilombolas precisavam

permanecer em estado de vigília por causa das constantes investidas das

expedições contra suas comunidades. Mas esta é uma outra história.Voltando aos

mitos do Congado, a principal referencia ao São Benedito é em relação à

alimentação, ele provém o sustento das famílias, dá força. São Benedito está mais

ligado à saúde, à manutenção da vida material, é um mártir negro e santo mesmo

em vida, uma espécie de Cristo Negro. Um dos mitos de São Benedito me foi

contado por seu Charqueada, um dos congadeiros vivo mais antigo de Uberlândia,

ancião do terno Moçambique Pena Branca. Conta seu Charqueada, que certa feita,

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o senhor dono da fazenda onde o Benedito era cozinheiro mandou que ele

preparasse uma refeição para seus muitos escravos, mas não lhe deu a provisão

suficiente para tanto. Na despensa não havia banha e o arroz e o feijão eram pouco.

O Benedito então pede o auxílio divino e logo obtém resposta do Todo Poderoso

que lhe diz para ir até o chiqueiro e retirar um naco com toucinho e carne de um dos

porcos, que fosse desde a cabeça até o rabo do porco e então preparar a comida.

E assim o Benedito fez. Milagrosamente, a carne do porco que fora retirada se

reconstituiu na mesma hora, permanecendo o porco vivo. Todos os escravos se

alimentaram até saciar a fome e depois de banquetear tocaram e dançaram em

agradecimento ao São Benedito. O patrão, vendo tamanha festança, foi ter com o

Benedito e inquiriu dele como foi que conseguira arranjar tanto alimento. O Benedito

então lhe relatou como conseguira a banha e o toucinho. O patrão não acreditando

no milagre ameaçou castigar o Benedito, mas quando foi golpeá-lo o São Benedito

levita e fica suspenso no ar... Este mito traz o Benedito enquanto “multiplicador dos

alimentos”, realizador de “milagres” extraordinários, figura louvada pelos seus. Esta

narrativa é compartilhada pela maioria dos congadeiros, sendo que São Benedito

é considerado o santo da cozinha, da alimentação, do sustento, da fartura, por isso

sua imagem geralmente é colocada na cozinha, para que na casa não falte o alimento.

É prática em várias partes do território nacional, colocar café para o São Benedito,

é comum ver sua imagem próxima a uma xícara de café. Outro ritual realizado

popularmente é tomar o café do Benedito, que é um café amargo destituído de

qualquer forma de adoçantes, bebido em pequenos goles pelos congadeiros e

participantes de celebrações, festas, etc. O café do Benedito é tomado como uma

bebida capaz de proteger a quem a ingere. Nossa Senhora do Rosário está sempre

relacionada à chuva, às riquezas, à proteção, à geração da vida e também à morte.

Recorrem a Nossa Senhora para pedir um bom parto e também uma “boa morte”,

a ela intercedem a favor dos entes queridos que já partiram. Em todas as festas

que presenciei houve homenagens a congadeiros falecidos no período entre festas.

Nossa Senhora está vinculada à vida e à morte, ao rezar a última estrofe da “Ave

Maria”, isto fica explicito: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores

agora e na hora de nossa morte. Amém.” Durante o Congado intercedem à Nossa

Senhora do Rosário pela vida e pela proteção na inevitável hora da morte. Pedem

saúde para os seus, proteção em todos os momentos, recorrem a ela como à Grande

Mãe. O culto às deusas mães foi muito combatido pelo judaísmo, islamismo e

demais religiões patriarcais, mas encontra solo fértil nas tradições afro-

descendentes e católicas. Uma música muito difundida tanto no Congado como na

Capoeira e na religiosidade ressalta o aspecto protetor de Nossa Senhora: “No