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educação política da juventude A EXPERIÊNCIA DO PARLAMENTO JOVEM - 305 MARCOS ROBERTO DO NASCIMENTO Parlamento Jovem, juventudes e participação política Introdução O projeto Parlamento Jovem (PJ), além de buscar o desenvolvimento de valores demo- cráticos, participativos e de cidadania, busca despertar uma noção de política que faça sen- tido para os jovens. Num contexto de baixos níveis de participação política, de descrédito na política e nos políticos e de desconfiança nas instituições, especialmente nas de natu- reza política, parece necessário um resgate do sentido da política, não só para os jovens, evidentemente, mas especialmente para eles, dado que presente e futuro são determinan- tes da condição juvenil. Isso porque a condi- ção juvenil apresenta uma identidade em si mesma, o que torna o presente algo marcan- te do que é ser jovem, ao mesmo tempo em que as perspectivas de futuro são construídas a partir das representações dos jovens sobre si mesmos e sobre o que a sociedade espera deles e eles da sociedade. Um resgate do sentido verdadeiro da política deve ser resultado de um esforço coletivo, e ele mesmo deve fazer sentido. Afinal, que noção de política queremos evidenciar e para quê? Se por um lado Hannah Arendt (2007) considera que o sentido essencial da política é a liberdade, por outro, ela considera que esse sentido se perdeu a partir das duas ex - p

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educação política da juventude A EXPERIÊNCIA DO PARLAMENTO JOVEM - 305

MARCOS ROBERTO DO NASCIMENTO

Parlamento Jovem, juventudes e participação política

Introdução

O projeto Parlamento Jovem (PJ), além de buscar o desenvolvimento de valores demo-cráticos, participativos e de cidadania, busca despertar uma noção de política que faça sen-tido para os jovens. Num contexto de baixos níveis de participação política, de descrédito na política e nos políticos e de desconfiança nas instituições, especialmente nas de natu-reza política, parece necessário um resgate do sentido da política, não só para os jovens, evidentemente, mas especialmente para eles, dado que presente e futuro são determinan-tes da condição juvenil. Isso porque a condi-ção juvenil apresenta uma identidade em si mesma, o que torna o presente algo marcan-te do que é ser jovem, ao mesmo tempo em que as perspectivas de futuro são construídas a partir das representações dos jovens sobre si mesmos e sobre o que a sociedade espera deles e eles da sociedade.

Um resgate do sentido verdadeiro da política deve ser resultado de um esforço coletivo, e ele mesmo deve fazer sentido. Afinal, que noção de política queremos evidenciar e para quê? Se por um lado Hannah Arendt (2007) considera que o sentido essencial da política é a liberdade, por outro, ela considera que esse sentido se perdeu a partir das duas ex-

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periências modernas da política: o totalitarismo, como negação da liberdade, e os diferentes arranjos liberais, como limitação da liberdade. Tal resgate exige ainda o reconhecimento da autonomia do indivíduo livre e da pluralida-de de indivíduos. Exercício bastante difícil numa sociedade líquida cada vez mais individualista, consumista e limitada pelo medo e pelo risco.

Bauman (2001) fala de uma modernidade líquida que pode ser usada para interpretar a sociedade contemporânea. A modernidade líquida é o contínuo processo de liquefação dos sólidos culturais, sociais, políticos que travam o projeto de consolidação da economia de mercado como única forma de or-denamento social. A modernidade líquida é a base ficcional do modo de vida na sociedade de mercado.

A sociedade líquida de Bauman está associada às incertezas, à inseguran-ça produzida pela globalização negativa. Os tempos líquidos de Bauman (2007) apresentam cinco características que evidenciam as profundas mudanças na sociedade contemporânea: a) A passagem da fase sólida da modernidade para a líquida. Essa passagem coloca as organizações sociais em constante processo de instabilidade na medida em que não conseguem se reorganizar num espaço de tempo insuficiente para que as novas formas se estabeleçam. Dado o caráter de curto prazo das no-vidades que vão se sucedendo, não há tempo suficiente para que sejam estabelecidas formas de arcabouços de referência que orientem as ações humanas, bem como suas estratégias existenciais de longo prazo. b) O divórcio entre poder e política. O Estado moderno perdeu a capacidade de tomar decisões desvinculadas da dimensão planetária que o envolve, mesmo que tenham urgência e relevância local. A política, entretanto, não alcança essa dimensão, pois, como diz Bauman, permanece local. Grande parte das funções do Estado são transferidas para as forças imprevisíveis e volúveis do mercado “e/ou são deixadas para a iniciativa privada e aos cuidados dos indivíduos” (BAUMAN, 2007, p. 8), o que tem impacto direto sobre o sentido da política. c) O enfraquecimento da comunidade. A vida comum de uma população em um território soberano do Estado apre-senta-se cada vez mais frágil e sem substância. A solidariedade social é minada, e os mercados promovem a divisão e não a unidade. A sociedade passa a ser percebida como uma rede fluida em vez de uma totalidade sólida. d) O colapso do pensamento de longo prazo e o enfraquecimento

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das estruturas sociais. Essa característica leva à fragmentação da vida e à fugacidade dos hábitos. e) Os indivíduos são chamados a responder pe-los riscos causados pela volatilidade e instabilidade das circunstâncias. A conformidade às regras é substituída pela flexibilidade diante delas. Os in-divíduos devem estar prontos a “mudar de táticas e de estilo, abandonar compromissos e lealdades sem arrependimento – e buscar oportunidades mais de acordo com sua disponibilidade atual do que com as próprias preferências” (BAUMAN, 2007, p. 10). Cabe aos indivíduos buscarem a melhor forma de se manterem plenamente adaptados (úteis) ao mundo líquido-moderno. O ônus do insucesso, nesse caso, recai sobre os om-bros dos indivíduos. Uma sociedade cada vez mais fragmentada exige uma compreensão nova da política, seja para entender a dinâmica das instituições nesse contexto líquido-moderno, seja para criar novas formas de atuação e aprendizado político, especialmente quando a política é vista nestes tempos como o campo da desesperança, da impossibilidade do milagre, tal como Hannah Arendt o entende.

Para Bauman (2000) há uma crença no liberalismo de que não há alternativa, e essa ideia leva ao não agir, ao conformismo, e Arendt considera que é exatamente o milagre do agir humano que torna possível a política. Para ela, enquanto os homens puderem agir “estão em condições de fazer o improvável e o incalculável e, saibam eles ou não, estão sempre fazendo” (ARENDT, 2007, p. 44).

É nesse sentido que o Parlamento Jovem visa desenvolver valores demo-cráticos entre os jovens estudantes do ensino médio e superior, em Minas Gerais, aliados a uma noção de política que potencialize o agir livre, cons-ciente e autônomo dos jovens e que promova um maior entendimento do funcionamento das instituições políticas e da dimensão da política na vida dos indivíduos, especialmente dos jovens.

Não é tarefa fácil falar de política para jovens, tendo como objetivo a socia-lização política num contexto de desconfiança nas instituições políticas e descrédito dos políticos, especialmente porque esse projeto se desenvolve no âmbito da escola (universidade, Escola do Legislativo e escolas de ensino médio) e do Parlamento Estadual (Assembleia Legislativa de Minas Gerais). Se por um lado, como veremos a seguir, a escola é uma das instituições que

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os jovens mais valorizam, por outro, as instituições políticas são as de quem eles mais desconfiam. Portanto, resgatar o verdadeiro sentido da política e desenvolver valores democráticos entre os jovens é, antes de tudo, refletir sobre o papel das instituições políticas e sociais brasileiras, combinado ao processo de formação política dos jovens.

Também devemos entender o universo no qual os jovens representam a si mesmos e a sociedade. A juventude é uma categoria social, cultural e histo-ricamente constituída e por isso deve ter sua significação social reconhecida, indo além de sua percepção como meramente uma fase do ciclo de vida do indivíduo. A juventude apresenta seus aspectos simbólicos, mas, também, material, histórico e político. Tais aspectos devem ser compreendidos para sermos capazes de entender o que, do ponto de vista da participação política, os jovens consideram motivações para o agir político.

Este artigo pretende ser uma discussão sobre os dados de três pesquisas recentes no Brasil sobre o comportamento e as percepções dos jovens, destacando o tema da participação política e suas características relativas à condição juvenil. O artigo será composto por esta Introdução; uma seção que trata da discussão sociológica sobre a definição da condição juvenil; e outra que apresentará como as pesquisas caracterizam o comportamento e a percepção dos jovens sobre a política e as principais instituições que compõem o universo simbólico e material dos jovens, como a família e a escola.

Juventudes: os desafios do reconhecimento

Parece haver um consenso entre os estudiosos da temática da juventude de que não se pode falar de uma única juventude (CATANI; GILIOLI, 2008; DAYRELL, 2007; VELHO, 2006; ESTEVES; ABRAMOVAY, 2007; ABRAMO-VAY; CASTRO, 2006; ABRAMO, 2008, entre outros), mas da pluralidade de vivências juvenis. Apesar disso, há uma expectativa em torno de um certo modelo ideal de jovem, construído na década de 1960, que se baseia numa juventude de jovens escolarizados e de classe média. Esse modelo de ju-ventude marcou a década de 1960 por meio dos movimentos estudantis, da contracultura e do engajamento dos jovens em partidos políticos de esquer-da (ABRAMO, 2008). Para Abramo (2008)

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[...] é importante ressaltar que, em certa medida, a experiência dos jovens burgueses, que imprimiu o conteúdo da noção moderna de juventude, funciona até hoje como padrão ideal em torno do qual têm sido avaliadas as possibilidades de outros setores sociais de aceder a esta condição, de ‘viver a juventude’, como se diz, e também a partir do qual se medem as abreviações, extensões e interrupções da etapa, assim como os desvios e negações de seu conteúdo (p. 43).

Ainda que essa juventude esteja distante cultural, política e economicamen-te da dos anos 60 do século passado, persiste um certo ideal de juventude, mesmo que possamos admitir também que a própria noção de revolução tenha mudado.

De acordo com Esteves e Abramovay (2007), citando Pais (1997), há pelo menos duas linhas da sociologia da juventude que abordam juventude da seguinte maneira: por um lado, juventude é entendida como um grupo social definido pela idade, grupo homogêneo. Essa linha enseja análises de aspec-tos mais uniformes e constantes desse grupo etário. Por outro lado, há uma perspectiva que reconhece múltiplas culturas juvenis formadas por diferen-tes interesses e inserções na sociedade. Tem caráter difuso e vai além da idade. Apesar dos limites e possibilidades que cada uma dessas perspecti-vas trazem, é absolutamente possível a combinação das duas para compre-ender, de maneira mais ampla, as questões que envolvem essa categoria. Evidentemente que a dimensão simbólica da juventude é fundamental, mas como dizem os autores, citando Margullis e Urresti (1996),

“[...] reduzi-lo a essa dimensão empobrece o seu significado, desmaterializando-o. Des-se modo, o seu tratamento deve, obrigatoriamente, considerar as determinações ma-teriais, históricas e políticas inerentes a toda e qualquer produção social”. (ESTEVES e ABRAMOVAY, 2007, p. 24)

As dimensões simbólica e material da juventude nos remetem à pluralidade, à diversidade e às desigualdades inscritas em várias experiências e modos de vida dos jovens, demarcados por aspectos como gênero, raça/etnia, clas-se social, escolaridade etc.

Construir uma definição de juventude não é tarefa fácil, especialmente por-que envolve aspectos culturais e históricos (DAYRELL, 2007). A juventude é, ao mesmo tempo, condição social e um tipo de representação, não ca-

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bendo nesse conceito um caráter universal, expressando as transformações experimentadas pelos indivíduos num determinado grupo etário, que não reconheça a diversidade baseada nas “condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas, valores) e de gênero, e também das regiões geográficas, entre outros aspectos” (DAYRELL, 2007, p. 157). Sposi-to (2000), citado por Catani e Gilioli (2008), destaca que há significativas dife-renças entre a juventude de operários e de burgueses do início do século XX, e que estes últimos podiam desfrutar de crises de identidade e dedicar seu tempo livre ao lazer, aos estudos e ao consumo. Por outro lado, os jovens da classe operária deixavam precocemente suas famílias para ingressarem no mercado de trabalho e formar novas famílias. Velho (2007) chama a atenção para as possíveis semelhanças e diferenças entre os jovens frequentadores do Posto 9, em Ipanema, no Rio de Janeiro, e os jovens que frequentam um terreiro de candomblé, em Salvador. Aspectos da condição juvenil que tor-nam complexa e multifacetada a discussão sobre juventude.

É nesse emaranhado de possibilidades interpretativas que Dayrell (2007) de-fine juventude, entendendo-a como:

[...] parte de um processo mais amplo de constituição de sujeitos, mas que tem especificidades que marcam a vida de cada um. A juventude constitui um momento determinado, mas não se reduz a uma passagem; ela assume uma importância em si mesma (p. 158).

Nessa perspectiva, é visto como um sujeito social cuja ação no mundo é definida por um conjunto de relações sociais no qual o jovem está inserido e são determinadas histórica e socialmente (p. 159).

O reconhecimento da pluralidade das juventudes é, além do reconhecimento da diversidade cultural e da dinâmica histórica das sociedades, a evidência sociológica e antropológica da dinâmica dos grupos sociais interconectados em suas teias de interações. Essas interações se dão intra e intergerações, entre diferentes instituições (família, escola, Estado, Igreja etc.), produzindo múltiplos sentidos e delimitando fronteiras. Como diz Velho

É essa permanente e complexa negociação da realidade que envolve variáveis dos mais di-versos tipos – econômicas, políticas, de organização social e simbólica – que vai estabelecer fronteiras e classificações etário-geracionais. Estas, portanto, não são inevitáveis nem univer-

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sais, apresentando modalidades próprias em função de variáveis histórico-culturais (VELHO, 2006, p. 194).

A condição juvenil é uma construção social com limites históricos e culturais, apesar de haver uma diversidade de interpretações de culturas juvenis (CA-TANI; GILIOLI, 2008) que ora buscam a universalização dada pelos aspectos biopsíquicos, ora pelas delimitações etárias que são igualmente arbitrárias e variáveis. Abramo problematiza a noção de condição juvenil, considerando que essa noção é resultado de uma juventude que nasce na sociedade moderna ocidental “como tempo de preparação (segunda socialização) para a comple-xidade das tarefas de produção e a sofisticação das relações sociais que a sociedade industrial trouxe” (ABRAMO, 2008, p. 41). Sendo assim, a condição juvenil é uma fase intermediária entre a infância e a fase adulta, momento de preparação para assumir as obrigações e direitos do mundo do trabalho e do político. Entretanto, ainda que a experiência dos jovens burgueses tenha determinado o conteúdo da noção moderna de juventude – o entendimento de que a condição juvenil guarda elementos identitários próprios – a questão colocada pela autora já não é mais sobre “a possibilidade ou impossibilidade de viver a juventude, [mas] sobre os diferentes modos como tal condição é ou pode ser vivida” (ABRAMO, 2008, p. 44). Essa perspectiva enfatiza as diferen-ças e desigualdades que atravessam essa condição.

As juventudes pensadas apenas como uma fase intermediária entre a infância e a fase adulta se apresentam como um obstáculo para as políticas públicas e para a própria compreensão da diversidade da condição juvenil. De maneira geral, as políticas públicas no Brasil consideram os jovens como mais um segmento do seu público-alvo mais amplo (ABRAMOVAY; CASTRO, 2006), ou direcionadas para grupos de jovens considerados em situação de risco ou envolvidos em conflito com a lei (ABRAMOVAY; CASTRO, 2006; DAYRELL, 2007).

O reconhecimento da pluralidade das juventudes e de sua realidade históri-ca e cultural é fundamental para a compreensão das motivações e formas do agir político dos jovens contemporâneos. A seguir discutiremos sobre as características do comportamento e das percepções políticas dos jo-vens no Brasil apontadas pelas pesquisas nacionais mais recentes sobre essa temática.

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Juventudes e política no Brasil

Na última década foram realizadas pesquisas de abrangência nacional sobre o perfil da juventude brasileira. Unesco, Instituto Cidadania, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, entre outros, fizeram uma ampla investigação para subsidiar entidades da sociedade civil e organismos governamentais na ela-boração de políticas públicas. Apesar de as pesquisas sobre a temática da juven-tude datarem do início do século passado, parece haver grande interesse das instituições em compreender de maneira sistemática e abrangente a dinâmica desse contingente de pessoas. Universidades, Igreja, Estado, organismos inter-nacionais, organizações não governamentais têm demonstrado grande interes-se pela juventude e pelas temáticas pertinentes a essa categoria: características sociodemográficas; aspectos socioeconômicos; exclusões sociais, atividades de cultura, lazer e esporte; as identidades; referências políticas e associativas, engajamento religioso e participação política; sexualidade etc.

Interessa-nos aqui discutir algumas das análises e interpretações dos dados de algumas dessas pesquisas publicadas em livros (ABRAMOVAY, ANDRA-DE e ESTEVES, 2007; ABRAMO e BRANCO, 2008) e relatórios (INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS, 2006), destacando a discussão sobre a participação política dos jovens, a confiança nas ins-tituições e as percepções sobre a condição juvenil e suas interfaces com a pesquisa que desenvolvemos (MEDEIROS, MARQUES, NASCIMENTO, 2009). As três pesquisas abrangem jovens de ambos os sexos e de diferen-tes segmentos sociais da sociedade brasileira.

De acordo com o relatório da pesquisa do Instituto Brasileiro de Análises So-ciais e Econômicas (2005)1, os jovens brasileiros, de uma maneira geral, têm

1 A pesquisa Juventude Brasileira e Democracia – participação, esferas e políticas públicas foi realizada com jovens entre 15 e 24 anos de idade, entre julho de 2004 e novembro de 2005, para analisar os limites e as possibilidades da participação desses jovens em atividades políticas, sociais e comunitárias, considerando a importância da inclusão desses sujeitos para a consolidação do processo de democratização da sociedade brasileira. A investigação utilizou duas abordagens metodológicas: a primeira, um levantamento estatístico, por meio da aplicação de questionário, e um estudo qualitativo baseado na metodologia Choice Work Dialogue Methodology – Grupos de Di-álogo, em sete regiões metropolitanas (Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo) e no Distrito Federal.

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pouco interesse em participar formalmente da política. Evidentemente que esse não é um fenômeno exclusivo desse grupo populacional. Numa pers-pectiva mais ampla, a política é vista negativamente por grande parcela da população brasileira, o que leva a uma grande desconfiança nas instituições políticas e nos políticos(AVELAR, 2004; MOISÉS, 2005; INSTITUTO BRASILEI-RO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS, 2006). Assim, “muitas vezes há exagero quando se denuncia a ‘apatia juvenil’ e se deixa de perceber que a ‘crise de participação cidadã’ é fenômeno social ampliado que atinge todas as faixas etárias da população” (INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS, 2006, p. 8).

Outras pesquisas têm mostrado que, apesar de os jovens demonstrarem pouco interesse em participarem das instâncias da política convencional representativa, eles demonstram interesse por se informar sobre assun-tos políticos (INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔ-MICAS, 2006) e demonstram preferências pela democracia em relação a outros regimes de governo (KRISCHKE, 2008). De acordo com a pesquisa do Ibase, enquanto apenas 8,5% dos jovens se declararam politicamente participantes, 65,8% procuram se informar sobre política sem participar pessoalmente. Então, ao contrário do que se tem chamado de apatia ou apoliticismo dos jovens, o que se vê é que “as energias políticas da gera-ção mais jovem têm-se expandido por meio da participação não convencio-nal, em lugar de simplesmente regredir à ‘apatia’ ou ‘apoliticismo’ – como erroneamente previam os estudos usuais sobre o tema” (NORRIS, 2003, apud KRISCHKE, 2008, p. 342-43, grifo do autor). Em alguns países europeus os jovens tendem a participar politicamente de maneira não convencional (KRISCHKE, 2008) e, de certa forma, essa tendência também pode ser verificada entre os jovens brasileiros. Na Catalunha, apesar de algumas diferenças nas temáticas que mais preocupam os jovens catalães em rela-ção aos jovens brasileiros, salvo a temática do emprego, os jovens dessa região da Espanha têm interesse por política e participam sim, indo além do sistema eleitoral e se expressando por meio de canais mais flexíveis (GONZALÉZ, 2007)2. Krischke (2008) tem chamado de participação política não convencional aquela que se realiza fora do escopo institucional dos par-

2 Os temas que mais preocupam os jovens na Catalunha são: moradia (30,8%); precariedade e instabilidade no emprego (28,1%) e imigração (28,1%).

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tidos políticos e das eleições, englobando, por exemplo, ações que se dão no âmbito dos movimentos sociais, das manifestações públicas, assinatura de manifestos, entre outros. Os dados da pesquisa do Ibase mostram essa tendência, identificando as formas mais comuns de participação dos jovens no Brasil. Tomando a participação em grupos como o nível mais elementar de envolvimento coletivo voluntário de jovens, a pesquisa analisou a realida-de do associativismo juvenil, tendo como finalidade apreender o engajamen-to de jovens em entidades e movimentos. O que os dados demonstram é a preferência pela participação não convencional dos jovens brasileiros.

As principais atividades dos grupos estão relacionadas com aquelas de cunho religioso (42,5%), esportivo (32,5%) e artístico – música, dança e teatro – (26,9%). Em seguida, encontram-se as atividades menos citadas: estudantis (11,7%), de comunicação (6,3%), as relacionadas com melhorias no bairro (5,8%), de meio ambiente (4,5%), as político-

-partidárias (4,3%), o trabalho voluntário (1,3%) e outras atividades (0,8%) (INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS, 2006, p. 41).

Enquanto os jovens estão envolvidos, em maior número, com atividades de cunho religioso, esportivo e artístico, as atividades político-partidárias estão entre as últimas. A preferência por formas não convencionais de participação se manifesta nos espaços lisos3, não fechados. Para Fleury (2006), discu-tindo alternativas para a cultura política vigente na América Latina, onde a democracia tem sua principal forma de expressão no formato institucional político-jurídico do Estado Democrático de Direito, pressupõe-se uma cida-dania ativa que requer um outro tipo de institucionalidade para a democracia. Segundo a autora

Mais do que um conjunto de regras, a democracia implica o reconhecimento do outro, a inclusão de todos os cidadãos em uma comunidade política, a promoção da participação ativa e o combate a toda forma de exclusão. Enfim, a democracia requer o primado de um princípio de justiça social, além de sujeitos políticos e instituições (FLEURY, 2004).

A crítica que os jovens fazem às formas convencionais de participação polí-tica, da qual falam Castro e Vasconcelos (2007), é um chamado ao reconhe-cimento desse outro, o jovem, na sua forma de expressar e no agir político.

3 Pais (2007) chama de espaço liso os espaços de atuação dos jovens caracterizados como informais, em contraposição ao espaço estriado marcado pelo limite de um sistema fechado como se apresentam, na maioria dos casos, a escola e o próprio Parlamento.

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Parece-nos que é nesse sentido que o ativismo político dos jovens, ao con-trário de uma apatia sugerida, caminha na contemporaneidade. Soluções para as temáticas em torno das quais os jovens vão se aglutinando não passam necessariamente pela via das instituições políticas convencionais, o que não evidencia, entretanto, como dirão Castro e Vasconcelos (2007), uma negação dessa forma de participação política.

Quanto à pesquisa Juventude, juventudes: o que une e o que separa?, da Unesco (ABRAMOVAY; CASTRO, 2006)4, destacamos o texto sobre participação política e juventudes na contemporaneidade de Castro e Vas-concelos (2007) exatamente porque, além de ele analisar os dados sobre a forma como os jovens participam da política, os autores estabelecem uma forma de diálogo com os dados da pesquisa do Ibase e do Instituto Cidadania5.

Para Castro e Vasconcelos há um quadro de generalizações e simplificações sobre a não militância dos jovens brasileiros, ideia com o qual eles não con-cordam, especialmente no que diz respeito à participação formal. De acordo com os autores, os dados da pesquisa não demonstram que haja um “qua-dro de recusa participativa na esfera política, mas ausência de confiança nos canais institucionais e nas formas tradicionais de se fazer política” (CASTRO; VASCONCELOS, 2007, p.112). Evidentemente que a confiança nas institui-ções é fundamental para motivar a participação ativa na política, dado que os canais institucionalizados de participação são os que conferem legitimidade e legalidade às ações políticas no sistema político brasileiro.

4 A pesquisa Juventude, juventudes: o que une e o que separa?, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), foi realizada em 2004, e foram entrevistados jovens de 15 a 29 anos, de zonas urbanas e rurais. A pesquisa tinha por finalidade identificar quem eram os jovens brasileiros, por meio da investigação de percep-ções, projetos, necessidades e proposições sobre um elenco de temas diversos. É a única, entre as três selecionadas, que abrange os jovens na faixa etária de 25 a 29 anos, enquanto as outras abrangem os jovens de 15 até os 24 anos. Como a pesquisa do Ibase, utiliza técnicas de pesquisas quantitativa e qualitativa, por meio das abordagens de pes-quisa extensiva (questionário tipo survey) e compreensivas (entrevistas e grupos focais). Os artigos que vamos analisar foram publicados em Abramovay, Andrade e Esteves (2007), uma publicação voltada para a análise e interpretação dos dados dessa pesquisa.5 A pesquisa Perfil da Juventude Brasileira é uma iniciativa do Projeto Juventude/Instituto Cidadania e trata-se de um estudo quantitativo, realizado em áreas urbanas e rurais, junto com jovens de 15 a 24 anos. Os dados foram colhidos em novembro e dezembro de 2003. A perspectiva dessa pesquisa era servir como ferramenta nas análises e nos projetos desenvolvidos por instituições e agentes que estivessem voltados, direta ou indiretamente para a temática da juventude (ver ABRAMO; BRANCO, 2008).

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Apesar de os dados da pesquisa informarem que 27,3% dos jovens brasilei-ros declararam ter participado de alguma organização associativa e desses apenas 18,7% em associações do tipo corporativa (trabalhista e estudantil) e 3,3% partidária, os autores postulam que os jovens se mobilizam de outras formas que buscam assegurar sua manifestação em instâncias institucionali-zadas de representação de seus interesses. Isto é, os jovens, ainda que par-ticipem mais efetivamente de organizações do tipo religiosa (81,1%), organi-zacional – esportiva, ecológica, cultural, artística e assistencial – (23,6%), não abrem mão de participar nas organizações formais, quando há canais. Essa proposição é justificada, entre outras coisas, segundo eles, pelo fato de que

Uma das marcas atuais no campo de debates sobre políticas e juventude é o desloca-mento de políticas para juventudes, ou seja, a partir do Estado para a perspectiva de políticas de ou com juventudes, ou seja, políticas específicas para grupos de jovens e políticas que sejam decididas e formatadas com a participação dos jovens, combi-nando-se participação de grupos da sociedade, sendo que em alguns países haveria assembleias com representação juvenil e secretarias de juventude com a participação direta de jovens (CASTRO e VASCONCELOS, 2007, p. 106).

O fato de existirem órgãos de governo e de Estado voltados para a juventude (no Governo Federal existe a Secretaria Nacional de Juventude e no Estado de Minas Gerais existe a Secretaria Estadual de Esporte e Juventude) garan-te a participação de setores da juventude ligados a partidos, especialmente, e organizações não governamentais, movimentos sociais, entre outros. En-tretanto, essa realidade não se tem apresentado suficiente para fazer com que a percepção dos jovens mude em relação às instituições políticas ou que essa seja a opção preferencial dos jovens. De acordo com os dados da pes-quisa da Unesco, 84,6% dos jovens entrevistados não confiam nos partidos políticos, 76,7% não confiam no governo, 82% não confiam no Congresso Nacional e 79,9% não confiam nas assembleias legislativas e câmaras de ve-readores (CASTRO; VASCONCELOS, 2007, p. 101). A despeito disso, 68,8% dos jovens brasileiros acreditam que é possível mudar a situação do País pelo voto. A confiança no voto pelos jovens parece guardar um campo sobre o qual eles têm total domínio e sua escolha livre e individual parece revestida de uma força transformadora.6

6 Essa afirmação é pura especulação, uma vez que os dados não nos permitem fazê-la e não estamos fazendo nenhuma análise baseada em teorias sobre o voto.

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No que diz respeito aos dados sobre a participação dos jovens brasileiros em organizações associativas, os resultados dessa pesquisa destoa das outras duas pesquisas ora em análise (Ibase e Projeto Juventude/Instituto Cidadania). Enquanto se observa que nessas duas pesquisas a participa-ção dos jovens em organizações associativas tende a diminuir com o au-mento da idade, a pesquisa da Unesco mostra uma relativa estabilidade, com o nível mais elevado de participação de 28% no grupo etário de 21 a 23 anos e de 32,7% e de 21% entre o grupo de 15 a 17 anos nas pes-quisas do Ibase e Instituto Cidadania, respectivamente. Não entraremos no mérito das causas dessas diferenças, uma vez que tais discrepâncias podem resultar da metodologia aplicada em cada uma das pesquisas, o que não é tema de nossa discussão. Entretanto, o que o conjunto dos da-dos e as análises têm mostrado é que importa menos a discussão sobre o desinteresse dos jovens por política e mais a forma como eles participam da política, uma vez que os jovens têm enviado críticas às formas atuais de organização da política institucional no Brasil (CASTRO; VASCONCE-LOS, 2007, p. 101) e as formas não convencionais de participação dos jovens corroboram o que há de comum nas pesquisas: os jovens não são apolíticos.

Para Castro e Vasconcelos os jovens são capazes de ter uma postura crítica sobre o fazer político convencional, e o debate sobre políticas com juven-tudes passa necessariamente pela formação política dos jovens, tendo os partidos políticos papel imprescindível nesse processo. Aprender a zelar pela coisa pública e a cobrar do Estado é, exercendo a cidadania ativa, parte dessa formação (CASTRO; VASCONCELOS, 2007, p. 112).

O que se deve fazer, nesse sentido, é dar mais voz e visibilidade a essas manifestações do “fazer político dos jovens” e criar mecanismos legítimos que traduzam essas manifestações em decisões políticas voltadas para a formulação de políticas públicas que verdadeiramente dialoguem com os in-teresses dos jovens em sua pluralidade.

Se, por um lado, as instituições políticas são aquelas em que os jovens menos confiam a família é disparadamente a instituição em que os jovens brasileiros mais confiam, sendo que 98% dizem que confiam na família e 83% confiam totalmente. A escola aparece em segundo lugar quando

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90% dizem confiar no(a) professor(a) e 51% dizem confiar totalmente no(a) professor(a) (ABRAMO, 2008, p. 61). De acordo ainda com a pes-quisa, 72% dos jovens entrevistados consideram que a família é a mais importante para o seu amadurecimento. Essa centralidade da família na vida dos jovens deve ser destacada exatamente porque é na família que os indivíduos experimentam as primeiras noções de valores éticos e mo-rais, os quais terão repercussão no entendimento sobre a política e o processo de participação.

Do ponto de vista de uma certa perspectiva da cultura política, a família e a escola têm centralidade como agentes de socialização política. Nessa perspectiva, a família tende a influenciar direta (manifesta) ou indiretamente (latente)7 a formação de atitudes em relação à autoridade. Uma participa-ção precoce da criança em processos de tomada de decisão, por exemplo, aumentaria a probabilidade de uma participação ativa no sistema político quando ela se torna adulta (ALMOND; POWELL JÚNIOR, 1976). No caso da escola, a educação formal tende a afetar a consciência e as atitudes políticas dos indivíduos.

O que queremos enfatizar com o destaque da escola e da família no contexto das pesquisas sobre juventudes e política é que, se do ponto de vista teóri-co, família e escola têm grande poder de desempenhar papel formador de agentes políticos, do ponto de vista prático, elas são centrais para os jovens terem, na perspectiva deles, apoio e se desenvolverem.

Nesse sentido, a família não é uma questão a ser tematizada por eles como problemática, como é o caso da educação e do trabalho. A família é uma instituição percebida por eles, que dará suporte para enfrentar ques-tões como trabalho, educação, violência, relações amorosas, entre outras. Quando perguntados sobre quais os assuntos que mais lhes interessam, a educação (38%) e o emprego (37%) estão em primeiro lugar. Família aparece em sexto lugar, não porque eles se interessem pouco por ela, mas

7 Ao discutir sobre os pontos relevantes da socialização política, Almond e Powel Júnior consideram que a socialização política pode tomar a forma de transmissão manifesta e óbvia ou latente e oculta. No caso da manifesta ela envolve a comunicação aberta de informações, valores ou sentimentos referentes a objetos políticos. A latente refere-se à transmissão de atitudes não políticas que afetam as atitudes relativas a papéis e objetos similares no sistema político (ALMOND; POWEL JÚNIOR, 1976, p. 47).

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porque ela não é objeto de questionamento no sentido que eles dão para esses outros temas. Outro dado que corrobora essa interpretação é o fato de que, quando perguntados sobre quais os problemas que mais lhes preo-cupam atualmente, os jovens respondem que é violência (55%) e emprego (52%), seguidos da drogas e educação, 24% e 17%, respectivamente. No entanto, 48% dos jovens entrevistados consideram que o apoio da família é o fator mais importante para as suas vidas.

Destacamos esses dados e enfatizamos essa interpretação porque, ao analisarmos as informações de nossa pesquisa, constatamos, em primei-ro lugar, que a família se apresenta como um dos principais valores para os jovens que participaram do Parlamento Jovem e que, em segundo, educação, trabalho, violência, políticas públicas e protagonismo juvenil são temas recorrentes nas diferentes edições do PJ (MARQUES, NASCI-MENTO; MEDEIROS, 2009), com destaque para educação. Mais do que um valor em si ou um tema de interesse para os jovens, educação e em-prego são direitos que devem ser garantidos e protegidos pelo Estado. Para Abramo e Branco, “pode-se dizer que os jovens estão antenados com o seu tempo político e com as mobilizações sociais e disputas que se produzem em torno dos direitos sociais, ameaçados de diferentes mo-dos pelas transformações desencadeadas nos últimos anos” (ABRAMO; BRANCO, 2008, p. 66). Ao serem perguntados, por exemplo, sobre que direitos novos gostariam de criar, os mais citados foram o direito ao tra-balho e ao emprego e o direito à educação, 27% e 21%, respectivamente. Como dizem Marques, Nascimento e Medeiros

Os valores que orientam e se apresentam como substrato das propostas formuladas pelos jovens referentes à temática da educação são igualdade e universalismo e estão emba-sados no entendimento de que a educação tem valor por si só e que é expressão do de-senvolvimento da capacidade crítica e reflexiva dos sujeitos nela envolvidos professores e alunos [...] O universalismo da educação é aqui postulado como direito de todo ser humano em qualquer sociedade e cultura (MARQUES; NASCIMENTO; MEDEIROS, 2009, p. 7).

É interessante destacar que parece haver, direta ou indiretamente, algo em comum entre as pesquisas aqui discutidas no que diz respeito à percep-ção dos jovens brasileiros quanto à preocupação com questões de natureza coletiva. Isso se dá de maneira mais evidente no interesse dos jovens em

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participar para poder mudar a realidade, seja por meio do voto, seja de ações pontuais e movimentos sociais, organizações não governamentais, passea-tas, movimentos culturais, entre outros. Se, por um lado, os temas sobre o universo da política estrito senso ficam em último lugar, por outro, os jovens julgam que os direitos mais importantes são os direitos sociais contra os direitos individuais. É assim na pesquisa do Instituto Cidadania, em que 58% dos jovens indicaram os primeiros direitos como os mais importantes, contra 29% dos que indicaram os segundos.

Há temas que são mais discutidos numa esfera íntima de relações (família e amigos) e outras numa esfera pública. Educação, futuro profissional, vio-lência, ética e moral, sexualidade, afetividade e artes são os mais citados para serem debatidos com pais e amigos (ABRAMO; BRANCO, 2008, p. 382). Importante ressaltar que sexualidade e relacionamentos amorosos ganham total destaque no debate com os amigos, por motivos que pare-cem óbvios na sociedade brasileira. Ainda continuam sendo tabus esses temas, especialmente a sexualidade no âmbito da família e da escola. En-quanto sexualidade é um tema discutido com os pais ou responsáveis por 31% dos jovens, 45% discutem com os amigos. E os relacionamentos amorosos são discutidos por 30% e 51%, respectivamente. Os assuntos considerados importantes para serem discutidos pela sociedade, numa es-fera mais ampliada, são assuntos que têm amplitude social e política, como educação, violência, desigualdade e pobreza, cidadania e direitos humanos, drogas, política, racismo e futuro profissional. Temas como desigualdade e pobreza e cidadania e direitos humanos estão mais relacionados com os direitos sociais. Esses assuntos são indicados por, respectivamente, 45% e 58% dos jovens pesquisados.

Drogas e violência aparecem com destaque tanto na esfera íntima/priva-da quanto na esfera pública. Violência aparece sempre acima de 50% na menção dos jovens, atingindo o maior percentual quando discutido pela sociedade (63%). Já as drogas aparecem sempre acima de 40%. Talvez essa frequência na menção desses assuntos esteja relacionada à capi-laridade desses assuntos na sociedade brasileira, isto é, apesar de as drogas e a violência serem amplamente discutidas na sociedade brasileira contemporânea, elas são vivenciadas no âmbito da família e do indivíduo, especialmente no caso dos jovens. Abramo e Branco consideram que

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os temas drogas e violência são recorrentes porque são “temas que as-sumem tanta relevância entre os jovens, justamente porque acionam e permitem conectar múltiplas esferas de suas vivências e preocupações” (ABRAMO; BRANCO, 2008, p. 64).

Outro importante destaque é a política como assunto a ser discutido pe-los jovens. Colocada sempre entre os temas de menor interesse dos jo-vens, quando perguntados sobre qual o assunto eles consideram mais importante para serem discutidos pela sociedade, a política aparece em 4º lugar. 41% dos jovens consideram que política é um assunto importante a ser discutido pela sociedade. Esse dado expressa que, em primeiro lugar, os jovens se interessam por política sim, mas, em segundo, que ela está fortemente desvinculada da esfera íntima da vida dos jovens, porque está desvinculada da vida das famílias brasileiras. É nesse sentido que Castro e Vasconcelos consideram que os tempos contemporâneos são pautados por individualismos narcíseos, inseguranças, medos e orientações por consumo, além dos condicionantes estruturais, condições de vida que di-ferenciam os jovens entre si, e que tais elementos da contemporaneidade não atingem exclusivamente a juventude, tampouco influenciam apenas a participação política desse grupo, mas da sociedade como um todo. Por-tanto, a questão da participação política de jovens ou do seu interesse por política não pode ser considerada separadamente das características da participação política ou do interesse por política de outras parcelas popu-lacionais da sociedade (CASTRO; VASCONCELOS, 2007, p. 82).

Considerações finais

A participação política de jovens é caracterizada por múltiplas formas de participar que vão além das formas convencionais. São mais flexíveis, pon-tuais e mais esteticamente criativas. Os jovens se mobilizam de outras for-mas para fins que buscam assegurar sua representação e visibilidade nas esferas institucionalizadas da política. Isto é, os jovens não estão tão fora do escopo institucional da política, tampouco recusam essa forma de par-ticipação. Porém, as formas de participar mais flexíveis, não convencionais, mais abertas podem revelar mais propriamente a crítica e a desconfiança nas instituições políticas convencionais do que uma postura de negação dessas instituições. É importante avaliar como as instituições políticas se

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apresentam para os jovens: sempre com uma face por demais burocrática e limitadora, estriada, portanto.

As pesquisas discutidas aqui revelam um quadro bastante complexo da condição juvenil e evidenciam que não há uma única juventude, embora haja temas recorrentes de interesse dos jovens. Entretanto, devido à di-versidade e às desigualdades da condição juvenil, esses temas ganham matizes diferenciados em suas abordagens práticas.

Os resultados das pesquisas têm apontado para uma convergência entre os dados da pesquisa do PJ, mesmo que essa pesquisa seja exclusivamen-te qualitativa8, em relação aos temas de interesse e problemas levantados pelos jovens. Além disso, os temas mais comuns levantados pelos jovens (educação, violência, emprego etc.) também foram debatidos nas edições do PJ com elaboração de propostas, algumas inclusive dando origem a requerimentos, projetos de lei e leis,9 o que revela na pluralidade das juven-tudes elementos comuns. Entretanto, em razão da natureza e da finalidade do PJ – socialização política e formação política para a cidadania – o projeto tem se mostrado como um mecanismo interessante que alia os aspectos formais (convencional) e não formais (não convencional) da participação política. Essa sua característica não garante, por si só, a efetividade dos resultados.

A identidade do PJ é construída, até certo ponto, a partir da relação direta com o Parlamento como instituição política. No entanto, o PJ busca conju-gar práticas formais e informais de ação política, a fim de construir práticas que levem à mobilização de interesses. Ele também cria caminhos alter-nativos para o protagonismo juvenil a partir da prática política em novos moldes, inclusive conjugando elementos da democracia representativa e participativa.10

8 Exploramos aqui apenas os dados quantitativos das pesquisas analisadas.9 Na edição de 2006 do PJ, ocorrida nas cidades de Arcos e Pains, cujo tema foi Educação e Trabalho, as propostas geraram diversos requerimentos a órgãos competentes e um projeto de lei (PL 578/2007) que propõe alteração à lei que institui o Programa Primeiro Emprego em Minas Gerais. A proposição determina a aplicação de sanções no caso de descumprimento da legislação que trata da jornada de trabalho. (Para um apanhado dos desdobramentos do Parlamento Jovem, ver KELLES; MARQUES, 2010.)10 Sobre esse aspecto ver MARQUES; NASCIMENTO; MEDEIROS, 2009.

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O PJ vem contribuindo, por um lado, para que os jovens lancem um olhar crítico sobre a realidade política brasileira, estadual e local a partir do co-nhecimento sobre o funcionamento de suas instituições políticas, sobre as práticas dos parlamentares e sobre alguns fundamentos da política de-mocrática moderna, ao mesmo tempo em que, por outro lado, cria novos canais de sociabilidade política, partindo de questões tematizadas por eles mesmos.

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