paris - capital do século xix

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31 uJa\ k& '&jdnilO fut.olcg'~ 1. PARIS, CAPITALDO SÉCULOXIX :I< Os magasills de rJollvealltés, os primeiros estabelecimentos a manterem grandes estoques de mercadorias, começam a aparecer. São os precur- sores das grandes casas comerciais, };: a época sobre a qual Balzac es- creveu: "O grande poema da (estaiageni1 canta as suas estrofes de cores; desde a Madeleine até a porta Saint-Dénis"3.- As galerias são centros comerciais de mercadorias de luxo. Em sua de- coração, a arte põe-se a serviço do comerciante. Os contemporâneos não se cansam de admirá-Ias, Por longo tempo continuaram a ser um local de atração para os forasteiros. Um Guia ilustrado de Paris afirma: "Estas galerias são uma nova invenção do luxo industrial, são vias co- berlas de vidro e com o piso de mármore, passando por blocos de pré- dios, cujos proprietários se reuniram para tais especulações. Dos dois lados dessas ruas, cuja iluminação vem do alto, exibem-se as lojas mais elegantes, de modo tal que uma dessas passagens é uma cidade em miniatura, é até mesmo um mundo em miniatura", "As águas são azuis e as plantas são róseas; doce é contemplar o enturdcccr. Passeia-se. As grandes damas vão pnsscar; atrás delas pequenas damas vão se passando." 1 NGUYEN-TRoNG-Hmp, Paris capitale de Ia France. Rec/lei! de verso Hanói, 1897. Poésie XXV. As galerias são o cenário das primeiras iluminações a gás. A segunda condição para o surgimento das galerias é dada pelos pri- mórdios da construção com ferro. Nessa técnica, o Empire viu lima con- tribuição para a renovação da arte no antigo sentido grego. Boelticher, o teórico da arquitetura, expressa uma convicção generalizada quando afirma que "o princípio formal da sabedoria helênica há de entrar em vigor em função das formas artísticas do novo sistema". O Empire éo estilo do terrorismo revolucionário, para o qual o Estado é um fim em si mesmo. Assim como Napoleão reconheceu bem pouco a natureza fun- cional do Estado enquanto instrumento de dominação da classe burguesa, tampouco os arquitetos daquela época reconheceram a natureza funcional do ferro, com o qual o princípio construtivo principia a sua dominação na arquitetura. Nas vigas de sustentação esses construtores imitam colu- nas pompeianas e nas fábricas eles imitam moradias, assim como mais tarde as primeiras estações ferroviárias tomam por modelo os chalés, "A construção adota o papel de subconsciente." Nem por isso deixa de co- meçar a se impor o conceito de engenheiro, do engenheiro oriundo das guerras da revolução, começando então as lutas entreconstrutore deco- rador, J::cole Polytechnique e J::cole des Beaux-Arts, Com o ferro aparece, pela primeira vez na história da arquitetura, um material artificial. A isto subjazuma evolução cujo ritmo se acelera no decorrer do século. Isto recebe o decisivo impulso quando fica claro que a locomotiva, com a qual se faziam experiências desde o final dos I. Fourier ou as passagens "As mágicas colunas desses palácios moslram ao amador, por todos os lados. nos objetos que expõem seus portais: a indústria, rival das artes mortais." 2 NOllvea/lrtableallxde Paris. Paris. 1828.I, p. 27. A maioria das galerias de Paris surge no decênio e meio após 1822. A primeira condição para o seu florescimento é a alta do comércio têxtil. · Reproduzido de BENJAMIN. Waher. Paris, die Hallptstadt des XIX. lahrhunderts. en: -. Gesallllllelte Scllriftell. v. V, t. 1. Org. por Rolf Tiedemann. Frankfurt a.M., Suhrkamp Vcrlag, 1982. p. 45-59. J ["Die Wasser sind blall und die Gewachse sind rosa; der Abend ist süss anzus- chauen;/Man geht spazieren. Die grossen Damen gehen spazieren; hinter ihnen ergehrl! sic:h kleine Damen."] 2 ["De ces palais les colonnes magiques/ A I'amateur montren! de toutes parts,! /D9I1S les objets qu'étalen! leurs portiques,lQue I'industrie est rivale des arts,"] 8 [ULegrand poeme de I'étalage chante ses strophes de couleuTs depuis Ia Madeleine jusqu'à Ia porte Saint-Denis."]

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Page 1: Paris - Capital do Século XIX

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uJa\k& '&jdnilO

fut.olcg'~1. PARIS,CAPITALDO SÉCULOXIX :I<

Os magasills de rJollvealltés, os primeiros estabelecimentos a manteremgrandes estoques de mercadorias, começam a aparecer. São os precur-sores das grandes casas comerciais, };: a época sobre a qual Balzac es-creveu:

"O grande poema da (estaiageni1canta as suas estrofes de cores; desde aMadeleine até a porta Saint-Dénis"3.-

As galerias são centros comerciais de mercadorias de luxo. Em sua de-coração, a arte põe-se a serviço do comerciante. Os contemporâneos nãose cansam de admirá-Ias, Por longo tempo continuaram a ser um localde atração para os forasteiros. Um Guia ilustrado de Paris afirma:

"Estas galerias são uma nova invenção do luxo industrial, são vias co-berlas de vidro e com o piso de mármore, passando por blocos de pré-dios, cujos proprietários se reuniram para tais especulações. Dos doislados dessas ruas, cuja iluminação vem do alto, exibem-se as lojas maiselegantes, de modo tal que uma dessas passagens é uma cidade emminiatura, é até mesmo um mundo em miniatura",

"As águas são azuis e as plantas são róseas;doce é contemplar o enturdcccr.Passeia-se. As grandes damas vão pnsscar;atrás delas pequenas damas vão se passando." 1

NGUYEN-TRoNG-Hmp,Paris capitale de Ia France.Rec/lei! de versoHanói, 1897. Poésie XXV.

As galerias são o cenário das primeiras iluminações a gás.A segunda condição para o surgimento das galerias é dada pelos pri-

mórdios da construção com ferro. Nessa técnica, o Empire viu lima con-tribuição para a renovação da arte no antigo sentido grego. Boelticher,o teórico da arquitetura, expressa uma convicção generalizada quandoafirma que "o princípio formal da sabedoria helênica há de entrar emvigor em função das formas artísticas do novo sistema". O Empire é oestilo do terrorismo revolucionário, para o qual o Estado é um fim emsi mesmo. Assim como Napoleão reconheceu bem pouco a natureza fun-cional do Estado enquanto instrumento de dominação da classe burguesa,tampouco os arquitetos daquela época reconheceram a natureza funcionaldo ferro, com o qual o princípio construtivo principia a sua dominaçãona arquitetura. Nas vigas de sustentação esses construtores imitam colu-nas pompeianas e nas fábricas eles imitam moradias, assim como maistarde as primeiras estações ferroviárias tomam por modelo os chalés, "Aconstrução adota o papel de subconsciente." Nem por isso deixa de co-meçar a se impor o conceito de engenheiro, do engenheiro oriundo dasguerras da revolução, começandoentão as lutas entre construtore deco-rador, J::cole Polytechnique e J::cole des Beaux-Arts,

Com o ferro aparece, pela primeira vez na história da arquitetura,um material artificial. A istosubjazumaevolução cujo ritmose acelerano decorrer do século. Isto recebe o decisivo impulso quando fica claroque a locomotiva, com a qual se faziam experiências desde o final dos

I. Fourier ou as passagens

"As mágicas colunas desses paláciosmoslram ao amador, por todos os lados.nos objetos que expõem seus portais:a indústria, rival das artes mortais." 2

NOllvea/lrtableallxde Paris. Paris. 1828.I, p. 27.

A maioria das galerias de Paris surge no decênio e meio após 1822.A primeira condição para o seu florescimento é a alta do comércio têxtil.

· Reproduzido de BENJAMIN.Waher. Paris, die Hallptstadt des XIX. lahrhunderts.en: -. Gesallllllelte Scllriftell. v. V, t. 1. Org. por Rolf Tiedemann. Frankfurta.M., Suhrkamp Vcrlag, 1982. p. 45-59.J ["Die Wasser sind blall und die Gewachse sind rosa; der Abend ist süss anzus-chauen;/Man geht spazieren. Die grossen Damen gehen spazieren; hinter ihnenergehrl! sic:h kleine Damen."]2 ["De ces palais les colonnes magiques/A I'amateur montren! de toutes parts,!/D9I1S les objets qu'étalen! leurs portiques,lQue I'industrie est rivale des arts,"]

8 [ULegrand poeme de I'étalage chante ses strophes de couleuTsdepuis Ia Madeleinejusqu'à Ia porte Saint-Denis."]

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"Cada época sonha a seguinte." 4MICHBLET.Avenirl Avenir!

originariamente elas serviam a finalidades comerciais, com ele se tornammoradias. O phalall.l'terese toma uma cidade feita de galerias. No rigo-roso mundo das formas do Empire, Fourier estabelece o colorido idíHodo Biedermeier G. O seu brilho se mantém, ainda que mais pálido, atéZola. Este acolhe as idéias de Fourier no seu Travail, assim como emTllére.\'{!Raqllill se despede das grandes galerias. Contrapondo-se a CarIGrün, Marx defendeu Fourier, destacando a sua "colossal visão dos ho-mens". Também foi ele quem chamou a atenção para o humor de Fou-der. Em seu Le'faJla, leal! Paul é de fato tão afinado com o pedagogoFourier quanto Scheerbart em seu Glasarcllitektllr [Arquitetura do vidro]com o utopista Fourier.

anos 20, só era utilizávelsobre trilhos de ferro. O trilho se toma a pri-meira peça montável de ferro, sendo o precursor da viga de sustentação.Evita-se o ferro nas moradias, mas ele é empregado nas galerias, salasde exposições e estações de trem - construções que serviam para finsde trânsito. Simultaneamente se amplia o campo de aplicação arquitetõ-nica do vidro. Os pressupostos sociais para o seu crescente empregocomo material de construção só são descobertos, no entanto, 100 anosdepois. Ainda na Glasarchitektur [Arquitetura do vidro] de Scheerbart( 1914) ele aparece em termos de utopia.

A forma de um meio de construção que, no começo, ainda é domi-nada pela do modo antigo (Marx), correspondem imagens na consciênciacoletiva em que o novo se interpenetra com o antigo. Essas imagens sãoimagens do desejo e, nelas, a coletividade procura tanto superar quantotransfigurar as carências do produto social, bem como as deficiências daordem social da produção. Além disso, nessas imagens desiderativas apa-rece a enfática aspiração de se distinguir do antiquado - mas isto querdizer: do passado recente. Tais tendências fazem retroagir até o passadoremoto a fantasia imagéticaimpulsionadapelo novo. No sonho, em queante os olhos de cada época aparece em imagens aqnela que a seguirá,esta última comparece conjugada a elementos da prato-história, ou seja,a elementos de uma sociedade sem classes. Depositadas no inconscienteda coletividade, tais experiências, interpenelradas pelo novo, geram autopia que deixa o seu rastro em mil configurações da vidq, desde cons-truções duradouras até modas fugazes.

Tais circunstâncias tornam-se recognoscíveis na utopia de Fourier.Seu impulso basilar reside no surgimento das máquinas. Mas isto nãose expressa de modo imediato em seus textos: eles partem tanto da imo-ralidade da atividade comercial quanto da falsa moral posta a seu ser-viço. O phalanstere deveria reconduzir homens a condições de vida emque a moral se tornasse desnecessária. Sua organização extremamentecomplexa aparece como maquinaria. As engrenagens das passiolls, aintrincada interação das passions mécallistes com a passioft cabaliste sãoprimitivas elaborações teóricas feitas, por analogia com a máquina, no~mbito da psicologia. Essa maquinaria feita de seres humanos produzCocagne, o país onde corre leite e mel, o primevo símbolo do desejoa que a utopia de Fourier deu um novo alento.

Nas passagens Fourier viu o cânone arquitetõnico do phalarzstere.A sua reestruturação reacionária por Fourier é significativa: enquanto

11. Daguerre ou os panoramas

"Sol, toma cuidado!" oA. J. WIERTZ.OC'/lvreslittéraires. Paris, 1870. p. 374.

Assim como a arquitetura começa a se emancipar da arte com aconstrução em ferro, assim por sua vez a pintura o fez com os panora-mas. O apogeu na difusão dos panoramas coincide com o surgimento dasgalerias. Era incansável o empenho de, mediante artifícios técnicos, fazerdos panoramas pontos de uma imitação perfeita da natureza. Procurava--se reproduzir a alternância das horas do dia na paisagem, o surgimentoda lua, o fraga r das cascatas. David aconselha seus discípulos a dese-nharem os panoramas segundo a natureza. A medida que os panoramasprocuram reproduzir na natureza representada alterações enganosamentesimilares,eles prenunciam, para além da fotografia, o cinema mudo e ocinema sonoro.

Contemporânea aos panoramas, há uma literatura panoramática. Aela pertencem: Le fillre des Cent-et-UII,Les Français peillts par eux--mêmes, Le diable à Paris, La grande ville. Nesses livros prepara-se ocoletivo trabaUlo beletrístico para o qual Girardin criou um espaço com ofolhetim dos anos 30. Eles se compõem de vários esboços, cujo revesti-mento anedótico corresponde às figuras plasticamente situadas no pri-meiro plano dos panoramas e cujo fundo informativo corresponde aoscenáriospintados. Mesmodo ponto de vista social, essa literatura é pano-

GEstilo burguês da primeira metade do século XIX, à época da monarquia. Foiuma forma de "evasionismo romântico", num estilo idílico e culto, mas respeitandoa vigilância policial do absolutismo, Contrário ao estilo "império", ficou conhecidona França como estilo "restauração", no qual voltam as linhas curvas, desaparecemos adornos de bronze e se busca a comodidade e a descontrnção. (N. do T.)o ["So!eil, prends garde à toi!"]'["Chnqne époque rêve Ia suivante,"]

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ramica. Pela última vez, o operário aparece nela fora de sua classe,comoum figurante de um idílio.

Os panoramas anunciam uma revolução no relacionamentoda artecom a técnicae são, ao mesmotempo, a expressãode um novo sentimentode vida. O morador da cidade, cuja supremacia política sobre o mora-dor do campo tantas vezes se manifesta ao longo do século. tenta trazero campopara a cidade. Nos panoramas,a cidadese abreem paisagem.como mais tarde ela o fará, de maneira ainda mais sutil, para o flânellr.Daguerreé um discípulode Prévost, o pintor de panoramas. cujo estabe-lecimcntose enconlra na Pnssagcmdos Panoramas. Descriçãodos pnno-ramasde Prévost e Daguerre. No mesmoano ele torna públicaa invençãoda daguerreotipia.

Arago apresenta a fotografianum discurso na Câmara, Prenuncia oseu lugar n8 história da técnica, Profetiza as suas aplicaçõescientíficas.Os artistas começam, contudo, a debater o seu valor artístico, A foto-grafia leva ao aniquilamentoda grande corporação dos pintores de retra-tos miniaturais. Isso não acontece apenas por motivos econômicos. Emseus primórdios,a fotografiaera artisticamentesuperior ao retrato minia-tural pintado. A razão técnica disso reside no longo tempo de exposição,que exigia a máxima concentração do retratado. A razão social dissoreside na circunstânciade que os primeiros fotógrafos pertenciam à van-guarda e dela é que provinha em grande parte a sua clientela. A dian-teira de Nadar em relação aos seus colegas de profissão caracteriza-seem seu projeto de fotografar o sistema de canalização de Paris, Comisso, pela primeira vez, a objetiva ousa fazer descobertas. Sua impor-tância se torna tanto maior quanlo mais problemática se percebe ser ocaráter subjetivo da informação pictórica e gráfica em relação à novarealidade técnica e social.

A ExposiçãoUniversalde 1855 dedica, pela primeira vez, uma apre-sentação especial à "fotografia". No mesmo ano, Wierlz publica o seugrande artigo sobre a fotografia, atribuindo a ela a função de iluminarfilosoficamentea pintura. Como seus próprios quadros mostram, ele en-tendia tal "iluminação" no sentido político. Wiertz pode ser consideradoo primeiro que, se não a previu, ao menos postulou a montagem comouma utilização da fotografia para fins de agitação. Com o desenvolvi.mento dos meios de comunicação,diminui o significadoinformativo dapintura. Reagindo contra a fotografia, ela começa por enfatizar os ele-mentos do colorido da imagem, Quando o expressionismocede lugar aocubismo,a pintura se arranjou um novo domínio em que a fotografia ini-cialmente pôde segui-Ia. A fotografia amplia, por sua vez, a partir dametade do século, consideravelmentea esfera mercantil, lançando nomercado uma quantidade imensa de figuras, paisagense eventos que nãoeram sequer utilizáveisou enlão só serviampara ilustrar uma mensagem.

Para aumentar as vendas, tem renovado os seus objetos alterando a téc-nica das tomadas, o que acaba determinando toda a posterior história dafotografia.

lU. Grandvilleou as exposições universais

"Sim, quando o mundo inteiro,de Paris até a China,Estiver,6 divinoSaint-Simon,em tua doutrina,A id;ldede ouro há de renascer com todo o esplendor.Os rios mlnriio chá, rulnriío alé chocolate,Suculentoscarneirosencheriioas planíciesE solhasazuisnadarãopelo rio Sena;Os espinafresvirão ao mundo já guisados,Com gostosospães torrados postos ao redor;As árvores produzirãoos frutos já em compota,Açafrão e lemperosverdespoderão ser ceifados;Vinho há de nevar, galinha até há de chover,E do céu os paios cairão em nossopapo."7

LANOLBet VANDERDURCH,Louis-Bronze et le Saint.-Simonien(Théâtredu Palais-Royal27 février1832).

Exposições universais são centro de peregrinação ao fetiche merca-doria. "A Europa se deslocou para ver mercado!;ias" 8, afirma Taineem 1855. As exposições universais foram precedidas por exposições na-cionais da indústria, a primeira das quais ocorre em 1798 no Campo deMarte. Ela decorreu do desejo de "divertir as classes trabalhadoras, tor-nando-se uma festa de emancipação para elas". Aí, o operariado tem oprimado enquanto freguesia. Ainda não se formara o quadro da indús-tria da diversão. Essc cspaço é ocupado pela festa popular. A referidaexposição foi inaugurada com o discurso de Chaptal sobre a indústria.- Os saint-simonianos,que planejavama industrializaçãode todo o pla-neta, acolherama concepçãodas exposiçõesuniversais. Chevalier, a pri-meira autoridade nesse novo setor, é discípulo de Enfantin e editor dojornal sail1t~simonianoGlobe. Os saint-simonianospreviram a evoluçãoeconômica mundial, mas não a luta de classes. Participaram nos em-preendimentos industriais e comerciais por volta de meados do século,mas nada fizeram nas questões concernentes ao proletariado.

As exposiçõesuniversais transfiguram o valor de troca das merca-dorias. Criam uma moldura em que o valor de uso da mercadoria passa

7 ["Oui, quand le monde entier, de Paris jusqu'en Chine,/O divin Saint-Simon, seradans Ia doctrine,lL'âge d'or doit renaitre avec toul son éclat,/Les fleuves roulerontdu thé, du chocolat;/Les moutons tout rôtis bondiront dans Ia plaine,lEt les brochetsau bleu nageront dons Ia Seine;/Les épinards viendront au monde fricassés,/Avecdes croulons frits tout autour concassés;/Les arbres produiront des pommes encompotes,lEt I'on moissonnera des carricks et dcs boltes;/Il neigern du vio, ilpleuvra des poulets./Et du ciel les canards tomberont aux navets."]8 [UL'Europe s'est déplncé pour voir des merchandises."]

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para segundo plano. Inauguram uma fantasmagoria a que o homem seentrega para se distrair. A indústria de diversões faciJita isso, elevando-oao nível da mercadoria. O sujeito se entrega às suas manipulações, des-frutando a sua própria alienação e a dos outros.

A entronizaçào da mercadoria e da aura de dissipação que a envolve,eis o secreto tema c!a arte de Grandville, A isso corresponde a defasagementre o seu elemento utópico e o seu elemento cínico. As suas sutilezasna representação de objetos mortos correspondem ao que Marx chamoude "argueiros teológicos" da mercadoria. Eles se sedimentam marcada-mcnte na "specialité" - designação de uma espécie de mercadoria sur-gida a essa época na indústria de luxo. Sob o lápis de Grandville, a natu-reza toda se transforma em "cspecialidades", cm especiarias. Ele asapresenta dentro do mesmo espírito com que o reclame - também estapalavra surgiu naquela época - começa a apresentar os seus artigos.Ele acaba demente.

IV. Luís Filipe ou o intel'ieur

"A cabeça. . .Como um ranúnculo, repousaNa mesa da noite." o

BAUDI!LAIRI!. "Une martyre".

"Moda: Dona Mortel Dona Morte'"

LI!OPARDI.Dialog 1.IVischender Mode und detn Tod.

Sob Luís Filipe, o homem privado pisa o palco da história. A am-pliação do aparelho democráticoatravés da justiça eleitoral coincidecoma corrupção parlamentar organizada por Guizot. Protegida por ela, aclassedominante faz história fazendoos seus negócios. Estimula a cons-trução de ferroviaspara beneficiaras ações que possui. Apóia o governodesse Luís Filipe como o governo do empresário. Com a Revolução deJulho, a burguesia realizou seus objetivos de 1789 (Marx).

Pela primeira vez, o espaço em que vive O homem privado se con-trapõe ao local de trabalho. Organiza-seno interior da moradia. O es-critório é seu complemento. O homem privado, realista no escritório,quer que o interieur sustente as suas ilusões. Esta necessidadeé tantomais aguda quanto menos ele cogita estender os seus cálculos comerciaisàs suas reflexões sociais. Reprime ambas ao confirmar o seu pequenomundo privado. Disso se originam as fantasmagorias do "interior", dainterioridade. Para o homem privado, o interior da residênciarepresentao universo. Nele se reúne o longínquo e o pretérito. O seu salon é umcamarote no teatro do mundo.

Digressão sobre Jugefldstil (art nouveau)10. O abalo do interieurocorre por volta da virada do século com o art llOUI'eall.De acordo coma sua ideologia,ele parece, no entanto, representar a plenitude do inte-riellr. A transfiguração da alma solitária se apresenta como sua meta.Em Van de Velde, a casa aparece como expressão da personalidade.Para essa casa, o ornamento é o que a assinatura é para um quadro. Osignificadoreal do art nOllveallnão encontra sua expressãonessa ideolo-gia. Representa a última tentativa de fuga de uma arte sitiada em suatorre de marfimpela técnica. Mobilizatodas as reservasda interioridade.Expressa-sena linguagemmediúnicadas linhas, nas flores como símboloconcreto da desnuda natureza vegetativa,que se contrapõe a um ambientetecnicamente armado. Os novos elementos da construção com ferro,formasde sustentação,interessama esseestilomodernista.Ele procura

As exposiçõesuniversaisconstroemo universo das mercadorias. Asfantasias de Grandville transferem para o universo o caráter da merca-doria. Elas o modernizam. O anel de Saturno se torna um terraço metá-lico, no qual os moradores de Saturno espairecem ao anoitecer. A antí-tese literária dessa utopia gráfica é representada pelos livros do seguidord3 Fourier, o naturalista Toussenel. - A moda prescreve o ritual se-gundo o qual o fetiche mercadoria pretende ser venerado. Grandvilleestende tal pretensão aos objetos de uso cotidiano e inclusiveao cosmos.Ao levá-Ias até os seus extremos descobre a sua natureza. Ela consistena contraposição ao orgânico. Relaciona o corpo vivo ao mundo inor-gânico. Percebe no ser vivo os direitos do cadáver. Seu nervo vital é ofetichismo,subjacente ao sex-appealdo inorgdnico. O culto à mercado-ria coloca-o a seu serviço.

Para a Exposição Universal de Paris de 1867, Vietor Hugo redigeum manifesto "Aos povos da Europa". Os interessesdeles foram defen-didos antes, e de um modo mais claro, pelas delegaçõesde trabalhadoresfranceses, das quais a primeira foi enviada para a Exposição Universalde Londres de 1851 e a segunda, com 750 membros, para a de 1862.Esta última foi importante, pois contribuiu indiretamentepara que Marxfundasse a Associação Internacional de Trabalhadores. - A fantasma-goria da cultura capitalista alcança o seu desdobramento mais brilhantena Exposição Universal de 1867. O Império está no apogeu do seupodt:r. Paris se afirma"como a capital do luxo e da moda. Offenbachprescreveo ritmo da vida parisiense. A opereta é a irônica utopia de umduradouro domínio do capital.

o ["La tête .. .ISur Ia table de nuit, comme une renoncule,/Repose."]10 Ar/ lIou\'eau - estilo desenvolvido na Europa e EUA entre 1890-1910. Inicial-mente denominado s/yle modeme na França, a partir de 1895, com a inauguraçãoem Paris de uma loja de objetos decorativos, passa a ser divulgado o nome artnouveau. Na Alemanha foi chamado Jugends/il (eslilo jovem), devido à revistaJugend. fundada em Munique em 1896. Caracteriza-se pela exuberância da decoraçãovegetal (Cloral), formas ondulantes, contornos sensuais e requintados, ritmo gra.cioso, linhas finas e contínuas. (N. do T.)

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através do ornamento recuperar essas formas para a arte. D cimento lheacena a perspectiva de novas configurações plásticas potenciais na arqui-tetura. Por essa época, o centro de gravidade do espaço existencial sedesloca para o escritório. O seu contraponto, esvaziado de realidade,constrói seu refúgio no lar. O supra-sumo do Jllgelldstil é dado peloBallmeister So/ness: a tentativa do indivíduo no sentido de rivalizar, comsua interioridade, a técnica, o que o acaba levando ao naufrágio.

Essa poesia não é nenhuma arte nacional e familiar; pelo contrário, oolhar do alegóricoa perpassar a cidade é o olhar do estIanhamento. :so olhar do f/ânellr, cuja forma de vida envolve com um halo reconcilia-dor a desconsoladaforma de vida vindoura do homem da cidade grande.O f/âneuraindaestáno limiartanto da cidadegrandequantoda clásseburguesa. Nenhuma delas ainda o subjugou. Em nenhuma delas ele sesente em casa. Ele busca o seu asilo na multidão. Em Poe e Engelsencontram-se as primeiras contribuiçõespara a fisionomia da multidão.A multidãoé o véu através do qual a cidade costumeiraacena ao fldneurenquanto fantasmagoria. Na multidão, a cidade é ora paisagem, oraninho acolhedor. A casa comercial constrói tanto um quanto outro, fa-zendo com que a j/âlleríe se torne útil à venda de mercadorias. A casacomercial é a última grande molecagemdo fIdnellr.

Com o jlânellr, a intelectualidadeparte para o mercado. Pensa queé para dar uma olhada nele; na verdade, porém, já para encontrar umcomprador. Nessa fase intermediária, em que ainda tem um mecenas,masjá começaa se familiarizarcom o mercado,ela aparececomo boheme.À indefinição de sua posição econômica corresponde a falta de definiçãode sua posição política. Isto se expressa de modo mais palpável nosconspiradoresprofissionais, que pertencem de modo total e completo àboheme. O seu campo inicial de trabalho é o exército, mais tarde será apequena burguesia, ocasionalmente o proletariado. Mas essa camada en-contra os seus adversários entre os autênticos líderes do proletariado. OManifesto comunista acaba com a sua existência política. A poesia deBaudelaire extrai a sua força do pathos da rebelião dessa camada. Ali-nha-se no lado do associa!. A sua única comunhão sexual ele a realizacom uma prostituta.

"Creio '" em minh'alma: a Coisa." 11

LÉONDEUBEL.Oeuvres.Paris, 1929. p. 193.

O interior da residência é o refúgio da arte. O colecionador é overdadeiro habitante desse interior. Assume o papel de transfiguradordas coisas. Recai-lhe a tarefa de Sísifo de, pela sua posse, retirar dascoisas o seu caráter de mercadorias. No lugar do valor de uso, empresta--lhe tão-somente um valor afetivo. O colecionador sonha não s6 estarnum mundo longínquo ou pretérito, mas também num mundo melhor, emque os homens estejam tão despojados daquilo que necessitam quanto nocotidiano, estando as coisas, contudo, liberadas da obrigação de seremúteis.12

O interior não é apenas o universo do homem privado, mas tam-bém o seu estojo. Habitar significa deixar rastros. No interior, eles sãoacentuados. Colchas e cobertores, fronhas e estojos em que os objetosde uso cotidiano imprimam a sua marca são imaginados em grande quan-tidade. Também os rastros do morador ficam impressos no interior. Daínasce a história de detetive, que persegue esses rastros. A "Filosofia domobiliário", bem como as novelas de detetive apontam Poe como o pri-meiro fisionomista de tal interieur. Os criminosos das primeiras novelasde detetive não são cavalheirosnem apaches, mas pessoas privadas per-tencentes à burguesia.

"~ fácil descer o Averno." 14

VlRofuo. Eneida.

"Tudo para mim se torna ale~oria." 13BAUDELAIRI!. "Le cygne".

O típico da poesia de Baudelaire é que as imagensda mulher e damorte se interpenetramnuma terceira, a de Paris. A Paris de seus poemasé uma cidade submcrsa,mais submarinado que subterrânea.Aí estão bemmarcados os elementos primevos da cidade - a sua formação topo-gráfica, o antigo leito abandonado do rio Sena. O decisivoem Baude-laire é, no entanto,um substratosocial,no "idíliofúnebre"da cidade:o moderno. O moderno é um acento primordial de sua poesia. Com osp/ee1lele deixa o ideal em pedaços ("Spleen et Idéal"). Mas é exata-mente o moderno que semprecita a história primeva. Isso ocorre aí atra-vés da ambigüidadeinerente às relações e aos eventos sociais da época.Ambigüidadeé a imagem visível e aparente da dialética, a lei da dialé-tica em estado de paralisação. Essa paralisia é utópica e, por isso, a

v. Baudelaireou as ruas de Paris

, O engenho de Baudelaire, nutrindo-se da melancolia, é alegórico.Pela primeira vez, com Baudelaire, Paris se torna objeto da poesia lírica.

11 ["1e crois ... à monãme:Ia Chose."] .12Benjamin operacionaliza aqui a categoria da "aura". O estudo deste tema estádesenvolvido em KOTIlE,Flávio R. Benjamin & Adorno: confrontos. São Paulo,Ática, 1978. p. 33 et seqs. (N. do T.)18["TOllt pour moi devient allégorie."] 14 ["Facilis descensus Averno."]

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imagemdialética é uma quimera, a imagemde um sonho. Tal imagemépresentificadapela mercadoria enquanto fetiche puro ri simples. Tal ima-gem é presentificadapelas passagense galerias,que são tanto casa quantorua. Tal imagem é presentificada pela prostituta, que, em hipostáticaunião, é vendedora e mercadoria.

quer ela encante os ouvidos ou agrade o olhar;tenho o amor da primavera em flor: fêmeas e rosas'" 18

BARONHAUSSMANN."Confession d'un lion devenuvieux",

"Viaio para conhecer a minha geografia." I~

Apontamentos de um louco. (MARCI!LRÉ.1A.L'artchez les fOI/s.Paris, 1907.p. 131.)

O último poema das Flores do mal: "Le voyage". "6 morte, velhacapitã, já é tempo! Alcemos a âncora/" 16 A derradeira viagem do flil-neur: a morte. Sua meta: o novo. "Ao fundo do desconhecidopara en-contrar o novo!" 17 O novo é uma qualidade que independe do valor deuso da mercadoria. .e a origem da falsa aparência, que pertence de modoinalienável e intransferível às imagens geradas pelo inconsciente coletivo..e a quintessência da falsa consciência, cujo incansável agente é a moda.Essa falsa aparência de npvidade se reflete, como um espelho em outro,na falsa aparência do sempre-igual,do eterno retorno do mesmo. O pro-duto desse processo de "reflexão" é a fanta~magoria da "história da cul-tura", em que a burguesia saboreia a sua falsa consciência. A arte, quecomeça a pôr em dúvida a sua tarefa e deixa de ser "i/lséparable de f'uti-lité" [inseparávelda utilidade] (Baudelaire), precisa fazer do novo o seuvalormáximo.O seuarbiterrerumnovarum [árbitro das coisasnovas]éo snobe. Eleé para a arte o que o dalldy é para a moda. '

Assim como no século XVII a alegoria se torna o cânone das ima-gens dialéticas, no século XIX é a nOllveaU/é que exerce o mesmo papel.Do lado dos magasins de nOllvealltésse colocam os jornais. A imprensaorganiza o mercado dos valores espirituais, provocando logo uma alta.Os inconformadosprotestam contra a entrega da arte ao mercado. Elesse agrupamem tomo da bandeirade ['art pour ['arf. Dessapalavradeordemse originaa concepçãode obradearte total,que tentaimpermea-bilizar a arte contra o desenvolvimentoda técnica. Os ritos de consagra-ção com que a arte é celebrada são o contrapeso da dispersão que ca-racteriza n mercadoria. Ambas fazem abstração da existência social dohomem. Baudelairesucumbeà seduçãode Wagner.

"O reino florescente das decorações, .O encanto da paisagem, da arquiteturaE de todo o cfeito do cenário repousamSobre a lei da perspectiva pura." 10

FRANZ BI:IIILI!.Tlleater.Katechisrnus. MUnchen, p.74.

"Tenho o culto do Belo, do Bom, das coisas grandiosas,da bela natureza inspirando a grande arte,

O ideal urbanfstico de Haussmann eram as visões em perspectivaatravés de longas séries de ruas. Isso corresponde à tendência que semprede novo se pode observar no século XIX, no sentido de enobrecer neces-sidades técnicas fazendo delas objetivos artísticos. As instituições da do-minação laica deveriam encontrar a sua apoteose no traçado das aveni-das; antes de serem inauguradas eram recobertas por uma lona e depoisdesencobertas como monumentos. J '

A atuação de Haussmann insere-se no imperialismo napoleônico.Este favorece o capital financeiro. Paris vivencia um florescimento daespecu}ação.Especular na Bolsa ocupa o lugar dos jogos de azar herda-dos da sociedade feudal. Às fantasmagorias do espaço a que o fldneurse entrega correspondem as fantasmagorias do tempo pelas quais o joga-dor se deixa levar. O jogo transforma o tempo em ópio. Lafargue explicao jogo como uma imitação miniatural dos mistérios da conjuntura econô-mica. As expropriações feitas por Haussmann dão vida a uma enganosaespeculação. As sentençasda Corte de Cassação, inspirada pela oposiçãoburguesa e orleanista, aumentam .0 risco financeiro da haussmannização.

Haussmann trata de encontrar apoio para a sua ditadura e colocarParis sob um regime de exceção. Em 1864, num discurso na Câmara,expressa o seu ódio contra a desarraigada população da grande metró-pole. Esta aumenta constantemente atr~vés dos seus empreendimentos.A elevação dos aluguéis empurra o proletariado para os arrabaldes. Atra-vés disso, os bairros perdem a sua fisionomiaprópria. Surge o cinturãovermelho. Haussmann deu a si mesmo o nome de "artiste démolissellr"[arlista demolidor]. Sentia-se como que chamado para a sua obra, o queenfatiza em suas memórias. Assim, ele faz com que Paris se torne umacidade estranha para os próprios parisienses. Não se sentem mais emcasa nela. Começa-se a tomar consciência do caráter desumano da grande

VL Haussmann ou as barricadas

la.["J'ai le culte du Beau, du Bicn, des grandes choses,/De Ia belle nature Inspirantle grand art,lQu'iI enchante l'orcille ou charme le rcgard;/J'ai I'amour du printcmpscn fleurs: femmes et roses!"110["Das Bllithenreich der Dekorationem,lDer Reiz der Landschaft, der Archltekturl/Und allcr Szeneric-ECCektberuhenl Auf dem Oesetz der Perspektive nur."}

15 ["Je voyage pour connaitre ma geographie."l16 ["O Mort, vieux capitaine, iI est temps! levons I'ancrel"}17 ["Ali fnlllJ de l'Inconnu pour trouver du Nouveaul"j

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metrópole. Paris, a monumental obra de Maxime Du Champs, deve oseu nascimento a essa consciência. As lérémiades d'un Haussmannisédão-lhe a forma de uma lamentação bíblica.

A verdadeira finalidade das obras de Haussmann era tornar a cidadesegura em caso de guerra civil. Ele queria tornar impossível que nofuturo se levantassem barricadas em Paris. Com essa intenção Luís Filipejá introduzira o calçamento com madeira. Mesmo assim, as barricadasdesempenharam um papel na Revolução de Fevereiro. Engels se ocupacom a tática das lutas de barricada. Haussmann quer impedi-Ias de duasmaneiras: a largura das avenidas deveria tornar impossível erguer bar-ricadas e novas avenidas deveriam estabelecer um caminho mais curtoentre as casernas e os bairros operários. Os contemporâneos batizam esseempreendimento de "embelissement stratégique" [embelezamento estraté-gico].

"Vencendo. ó República. à astúcia,Faças ver, agora, a essas perversõesA lua grande face ue Medusa,Em meio a rubros clarões." 20

Canção de operários por valia de 1850. (AOOLFSTAHR.Zwel Monate /11Paris. Oldenburg, 1851. lI,p. 199.)

apontasse o caminho, assim também é, por outro lado, a força imediatae o entusiasmo com que assumem a tarefa de construir uma nova socie-dade. Esse entusiasmo, que alcança o seu apogeu na Comuna, conquistatemporariamente para o operariado os melhores elementos da burguesia,levando-o depois, no entanto, a ficar sujeito aos piores elementos dela.Rimbaud e Courbel colocam-se do lado da Comuna. O incêndio de Parisé a digna conclusão da obra de destruição de Haussmann.

"Meu bom pai esleveem Paris."KARLGUTZKOW.Brlefe aus Paris. Leipzig, 1842.I, p. 58.

Balzac foi O primeiro a falar das ruínas da burguesia. Mas s6 o sur-realismo liberou-as à contemplação. O desenvolvimento das forças pro-dutivas deixou em pedaços os símbolos dos desejos do século anterior,antes mesmo que desmoronassem os monumentos que os representavam.No século XIX, tal desenvolvimento emancipou as formas configuradorasda arte, assim como no século XVI as ciências se livraram da filosofiaJ:O início disso é dado pela arquitetura enquanto construção de engenheiro. 'Em seguida vem a fotografia enquanto reprodução da natureza. As cria- 4-ções da fantasia se preparam para se tomarem práticas enquanto criaçãopublicitária. Com o folhetim, a poesia se submete à montagem. Todosesses produtos estão a ponto de serem encaminhados ao mercado en-quanto mercadorias. Mas eles ainda vacilam no limiar. Desta época éque se originam as passagens e os interiores, os salões de exposição e ospanoramas. São reminiscências de um mundo onírico. A avaliação doselementos oníricos à hora do despertar é um caso modelar de raciocíniodialético. Por isso é que o pensamento dialético é o 6rgão do despertarhist6rico. Cada época não apenas sonha a seguinte, mas, sonhando, seencaminhapara o seu despertar. Carrega em si o seu próprio fim e -comoHegeljá o reconheceu- desenvolve-ocom astúcia. Nas como-ções da economia de mercado, começamos a reconhecer como ruínas osmonumentos da burguesia antes mesmo que desmoronem.

As barricadas ressurgem com a Comuna. Mais fortes e mais segu-ras do que nunca. Atravessam as grandes avenidas, chegando com fre-qüência à altura do primeiro andar e protegendo as fronteiras que seencontram atrás delas. Assim como o Manifesto comunista encerrava aera dos conspiradores profissionais, assim também a Comuna liquida coma fantasmagoria que domina a primeira época do proletariado. Atravésdela dissipa-se a ilusão de que seria tarefa da revolução proletária com-pletar de braços dados com a burguesia a obra de 1789. Tal ilusão do-mina o período de 1831 a 1871, do Levante de Lyon até a Comuna. Aburguesia jamais compartilhou desse erro. A sua luta contra os direitossociais do proletariado já começa na Grande Revolução e coincide como movimento filantr6pico que a encobre e que experimenta o seu desdo-bramento sob Napoleão IH. Surge então com ele a monumental obradessa corrente: Ouvriers européens de Le Play. Ao lado da encobertatomada de posição que é a filantropia, a todo momento a burguesiapássou a assumir a aberta posição da luta de classes. Já em 1831 elareconhece no loumal des Débats: "Cada fabricante vive em sua fábricacomo os donos das plantações entre os seus escravos". Se é a desgraçados antigos levantes de operários que nenhuma teoria da revolução lhes----20["Fais voir, en déjouant Ia ruse,lO république à ces pervers/Ta grande facede M-'onsl'lAu milieu de rouges éclairs."l