paredes antigas de alvenaria

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1 TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO ESTRUTURAL EM PAREDES ANTIGAS DE ALVENARIA João C. Almendra Roque Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Tecnologia e Gestão Departamento de Mecânica Aplicada Apartado 134, 5301- 857 Bragança e-mail: [email protected] Paulo B. Lourenço Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil Azurém, 4800-058 Guimarães INTRODUÇÃO A presença de estruturas de alvenaria antiga está difundida por toda a Europa, em centros históricos e urbanos, em diferentes tipos de estruturas como edifícios, igrejas, torres, campanários, arcos, muros, fortes, muralhas, etc. O valor patrimonial, cultural e arquitectónico que representam fez com que a sua conservação e manutenção sejam, hoje em dia, de grande interesse para quem os tutela. Os avanços que se realizam continuamente quer no domínio dos materiais, quer no projecto de estruturas são pensados, essencialmente, para a aplicação directa a novas concepções. No entanto, as construções antigas, além do valor patrimonial que representam, ocupam áreas significativas em muitos centros históricos urbanos, frequentemente em mau estado de conservação, pelo que urge proceder à sua requalificação com intervenções adequadas. TÉCNICAS DE REABILITAÇÃO ESTRUTURAL Em estruturas antigas, as intervenções estruturais devem não só repor (ou melhorar) a segurança estrutural como também respeitar a identidade cultural e o valor histórico das construções. O planeamento das intervenções deve adoptar uma metodologia de aproximação às estruturas que inclua uma apreciação geral, com

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Page 1: Paredes Antigas de Alvenaria

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TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO ESTRUTURAL EM PAREDES ANTIGAS DE ALVENARIA

João C. Almendra Roque

Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Tecnologia e Gestão

Departamento de Mecânica Aplicada

Apartado 134, 5301- 857 Bragança

e-mail: [email protected]

Paulo B. Lourenço

Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil

Azurém, 4800-058 Guimarães

INTRODUÇÃO

A presença de estruturas de alvenaria antiga está difundida por toda a Europa,

em centros históricos e urbanos, em diferentes tipos de estruturas como edifícios,

igrejas, torres, campanários, arcos, muros, fortes, muralhas, etc. O valor patrimonial,

cultural e arquitectónico que representam fez com que a sua conservação e manutenção

sejam, hoje em dia, de grande interesse para quem os tutela.

Os avanços que se realizam continuamente quer no domínio dos materiais, quer

no projecto de estruturas são pensados, essencialmente, para a aplicação directa a novas

concepções. No entanto, as construções antigas, além do valor patrimonial que

representam, ocupam áreas significativas em muitos centros históricos urbanos,

frequentemente em mau estado de conservação, pelo que urge proceder à sua

requalificação com intervenções adequadas.

TÉCNICAS DE REABILITAÇÃO ESTRUTURAL

Em estruturas antigas, as intervenções estruturais devem não só repor (ou

melhorar) a segurança estrutural como também respeitar a identidade cultural e o valor

histórico das construções. O planeamento das intervenções deve adoptar uma

metodologia de aproximação às estruturas que inclua uma apreciação geral, com

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informação de carácter qualitativo, seguida de uma análise mais rigorosa, geralmente de

carácter quantitativo, que conduza à identificação das características dos materiais e da

estrutura, bem como à origem das patologias apresentadas. À peculiaridade das

estruturas de alvenaria antigas parece adequar-se uma abordagem metodológica, por

etapas e realizada por equipas multidisciplinares, semelhante à utilizada em medicina

[6]:

• Anamnese: análise historial, documental e de outras informações relevantes;

• Diagnóstico: identificação das causas das anomalias e avaliação da segurança

estrutural;

• Terapia: escolha e aplicação da solução de intervenção;

• Controlo: acompanhamento e controlo da eficiência da intervenção.

Nesta perspectiva, e atendendo a que as intervenções em estruturas antigas, são

sempre perturbadoras do seu equilíbrio, comportando sempre um risco, a extensão das

intervenções deve ser a estritamente necessária para alcançar os objectivos traçados –

Princípio da Intervenção Mínima.

As técnicas de reabilitação estrutural podem diferenciar-se, de acordo com as

características dos materiais, em técnicas tradicionais ou inovadoras e, quanto aos

efeitos, em técnicas activas ou passivas. Relativamente aos efeitos salienta-se que

existem soluções mais vocacionadas para a melhoria das características mecânicas das

alvenarias e soluções mais aptas para a correcção de deficiências do comportamento

estrutural. Contudo, atendendo a que a maioria dos materiais utilizados nas intervenções

são, hoje em dia, diferentes dos originais, há três características fundamentais que

devem assegurar-se a este respeito [10]:

• Compatibilidade: as técnicas e os materiais utilizados devem minimizar a

alteração das características da rigidez da construção e do funcionamento

estrutural original (compatibilidade mecânico-estrutural), bem como evitar o

aparecimento de novas patologias, por apresentarem diferentes comportamentos

físicos e/ou químicos, relativamente aos materiais existentes (compatibilidade

físico-química);

• Durabilidade: a necessidade de preservação das estruturas antigas,

especialmente históricas, por um longo período de vida, justifica que as

exigências de durabilidade dos materiais a utilizar sejam mais severas que em

estruturas novas;

Page 3: Paredes Antigas de Alvenaria

3

• Reversibilidade: deve ser salvaguardada a possibilidade de poder remover, sem

provocar danos nos materiais originais, os novos elementos resultantes da

intervenção, no fim da sua vida útil ou no caso de revelarem sinais de

inadequabilidade.

As técnicas de reabilitação estrutural, mais utilizadas neste tipo de intervenções

estão, geralmente, associadas a soluções com injecções, pregagens, refechamento das

juntas, desmonte e reconstrução, rebocos armados e encamisamentos. De acordo com os

resultados disponíveis da investigação, e a experiência da sua aplicação, faz-se

seguidamente uma apresentação resumida destas técnicas.

As injecções constituem uma solução de reforço “passiva” e irreversível.

Preservam o aspecto original exterior das paredes pelo que são uma solução

frequentemente utilizada em intervenções sobre edifícios de reconhecido valor artístico

e/ou arquitectónico. É particularmente indicada para a reabilitação de alvenarias de

pedra onde exista uma fina rede de vazios interiores, comunicantes entre si.

Esta solução consiste na emissão de uma calda fluída (cimentícia, hidráulica ou

de resinas orgânicas), em furos, previamente efectuados e convenientemente

distribuídos, para preencher cavidades interiores, sejam elas fissuras ou vazios

(Figura 1). A granulometria das caldas de injecção depende da dimensão das fendas ou

vazios. Em geral, é usada uma calda de ligante com água sem areia. No entanto, se os

vazios são de grande dimensão, é preferível uma argamassa ou um betão de consistência

fluída.

(a) (b)

Figura 1- Injecção de alvenarias: (a) selagem de fendas; (b) consolidação material.

A eficácia desta técnica tem sido bem sucedida em alvenarias, com um índice de

vazios compreendido entre os 2% e os 15%. Abaixo de 2% os resultados são em geral

Page 4: Paredes Antigas de Alvenaria

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fracos, salvo os casos em que esta percentagem corresponda à presença de vazios de

grande dimensão. Na ausência de tais condições a injecção não é aplicável, ou é pouco

eficaz, havendo que recorrer a técnicas combinadas ou alternativas [8].

Como efeitos, salientam-se melhorias nas características mecânicas das

alvenarias com reflexos num melhor desempenho mecânico-estrutural. Parece ser a

técnica mais adequada para a reabilitação de paredes de alvenaria de pedra,

especialmente para paredes compostas, se combinada com pregagens transversais.

Requisitos como resistência, penetrabilidade e, especialmente, compatibilidade devem

ponderar-se na definição da calda adequada.

A prescrição de injecções carece de um conjunto prévio de procedimentos

experimentais, in-situ e em laboratório, para averiguar a sua adequabilidade e, afinar as

características da calda. As características e tipos de dano da alvenaria determinam as

características da calda e o processo de injecção a utilizar. De acordo com o processo

utilizado, as soluções de injecção podem classificar-se como:

- injecção sob pressão: é frequentemente utilizada em alvenarias, ainda que

degradadas, desde que possuam capacidade para conter o impulso da pressão aplicada.

A calda é injectada através dos tubos de adução procedendo, por norma, de baixo para

cima e dos extremos em direcção ao centro, para evitar desiquilíbrios que possam

afectar a estabilidade estrutural. Os pârametros correntes que o projecto de execução

deve estabelecer são o número e a distribuição de furos, a composição da calda e o valor

de pressão a adoptar na sua injecção;

- injecção por gravidade: destina-se a paredes fortemente degradadas e é realizada

mediante a emissão da calda através tubos de adução, inseridos nas fissuras, ou

cavidades da parede, ou mediante utilização de seringas hipodérmicas actuando sobre

tubos predispostos na parede;

- injecção por vácuo: é indicada para intervenções em pequenos elementos

arquitectónicos, ou em elementos de alguma forma removíveis (pináculos ou estátuas),

com requisitos de caldas muito fluídas (por exemplo as resinas orgânicas)

[8]. Neste processo, a penetração da calda faz-se por aspiração do ar nos tubos

superiores, enquanto se procede à injecção nos tubos inferiores.

Em estruturas antigas, as caldas inorgânicas, não-cimentícias, como a cal

hidráulica, devem ser preferidas por razões de compatibilidade com as argamassas

existentes. As argamassas orgânicas (poliester ou epoxy), mais fluídas, devem apenas

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ser usadas quando haja, sem comprometer a compatibilidade, maiores requisitos de

resistência.

Outra solução, frequentemente combinada com outras técnicas, é a utilização de

pregagens. Entende-se como pregagem a utilização de uma solução mecânica para

reforçar ou promover a ligação entre elementos que se pretendam colaborantes. Esta

técnica foi desenvolvida em Itália, após a II Guerra Mundial, para reforço e reabilitação

de estruturas antigas de alvenaria. Consistia na colocação de barras metálicas, com

protecção anti-corrosão, em furos de pequeno diâmetro, previamente abertos, que

cruzavam os elementos a reforçar. Após o posicionamento dos reforços, os furos eram

selados com caldas de injecção apropriadas. Esta solução generalizou-se, num vasto

campo de aplicações, com pregagens de características específicas, em reforços

localizados ou generalizados. Assim, as pregagens podem ser utilizadas para reforço da

alvenaria como material (pregagens generalizadas e pregagens transversais), para

melhorar ligações estruturais (pregagens costura) e ainda para melhorar a integridade

global da estrutura (pregagens longas).

A ancoragem/fixação das pregagens pode fazer-se por via química, com a

selagem dos furos com argamassas adequadas; por via mecânica, com adopção de

dispositivos de ancoragem exterior; ou com soluções que combinam a via química com

a mecânica.

As pregagens generalizadas podem modificar, substancialmente, as

propriedades mecânicas da alvenaria, tornado-a num material semelhante ao betão

armado, capaz de resistir a esforços de tracção e de corte, além de melhorar a resistência

à compressão (Figura 2). O seu uso tem um amplo campo de aplicações na manutenção

e reforço de estruturas de alvenaria. Existem, no entanto, algumas limitações. Paredes

ou elementos com espessuras de 0.50 m a 2.0 m podem ser reforçadas com sucesso.

Paredes em alvenaria de pedra, com espessura inferior a 0.50 m, são extremamente

difíceis de reparar, pelos danos provocados pela perfuração. Pelo contrário, as paredes

em alvenaria de blocos cerâmicos não apresentam grandes entraves à sua reparação.

Estruturas pesadas, com mais de 2 metros de espessura, raramente, necessitam deste

tipo de intervenção. Em alvenarias com argamassas fracas é conveniente uma prévia

injecção e tratamento das juntas antes de iniciar a perfuração [5].

Aconselha-se alguma prudência na avaliação e aplicação desta técnica, uma vez

que as soluções associadas são relativamente invasivas, de elevado custo e com

resultados práticos e durabilidade discutíveis [1].

Page 6: Paredes Antigas de Alvenaria

6

(a)

(b)

(c)

Figura 2 – Pregagens generalizadas: (a) furação; (b) e (c) reforço de elementos

estruturais.

As pregagens transversais constituem uma solução, essencialmente, utilizada

para o confinamento transversal de paredes de secção composta (Figura 3). Para o

efeito, são distribuídas e instaladas barras de aço, com tratamento anti-corrosão,

transversalmente à parede, dotadas de dispositivos de ancoragem nas extremidades que

facilitam a sua amarração. No caso das barras serem roscados na(s) extremidade(s) é

possível dar um pré-esforço. A eficácia do confinamento transversal depende da

distribuição e eficácia das ancoragens. Por serem uma solução prática e eficaz no

controlo da dilatação transversal das paredes as pregagens transversais são

frequentemente combinadas com outras técnicas de intervenção.

A sua aplicação em paredes de alvenaria de pedra, irregular, apresenta alguns

problemas relacionados com a instalação e ancoragem das barras, face à frequente falta

de correspondência das juntas em faces opostas da parede. Contudo, o seu desempenho

no confinamento parece ser mais eficiente que as injecções [8].

(a)

(b)

Figura 3 – Pregagens transversais: (a) confinamento da secção transversal; (b) pormenor de ancoragem mecânica.

Pregagem transversal

Contorno de inflexão

Page 7: Paredes Antigas de Alvenaria

7

As pregagens costura destinam-se, essencialmente, a melhorar a ligação entre

paredes ortogonais (Figura 4). Geralmente, são constituídas por tirantes curtos, em aço

duro, com protecção anti-corrosão. Quando utilizados na ligação em cunhal das paredes

(Figura 4-b) podem ter maior comprimento (cerca de 4 metros ou, até atingir o vão de

janela ou, vão de porta mais próximo) [3].

(a)

(b)

Figura 4 – Pregagens costura: (a) paredes ortogonais; (b) paredes de canto.

Os recentes sistemas de pregagens curtas são constituídas por varões de aço

inoxidável, inseridos em mangas de tecido de algodão, que albergam a argamassa de

selagem, facilitando a adaptação às irregularidades dos furos e, evitando, especialmente

em paredes de grande espessura, fugas da calda com as consequentes penalizações

económicas e irreversibilidade.

As pregagens longas, por seu lado, destinam-se a melhorar a ligação entre

paredes paralelas (Figura 5), reduzindo a possibilidade de movimentos horizontais

relativos entre si. Os seus efeitos manifestam-se no comportamento estrutural global,

nomeadamente, sob acções horizontais. Os nossos antepassados materializavam já estas

pregagens utilizando os vigamentos dos pavimentos, em madeira, com dispositivos

metálicos de ancoragem nas extremidades, para melhorar quer a ligação das paredes,

quer a ligação das paredes com os pavimentos (Figura 5-c).

Uma solução de reforço/reabilitação alternativa, ou complementar, às pregagens,

nomeadamente na melhoria das ligações parede-pavimentos, é a utilização de cintas

(geralmente com bandas metálicas ou compósitos FRP) exteriores ao edifício, aplicadas

ao nível dos pavimentos e do coroamento das paredes (Figura 5-d).

Page 8: Paredes Antigas de Alvenaria

8

As pregagens longas podem ter um carácter activo se forem pré-esforçadas

[Figura 5-b]. No entanto, geralmente, os níveis de pré-esforço aplicados são muito

baixos. A sua aplicação em intervenções de reabilitação de edifícios antigos correntes é

reduzida. Tal como as pregagens generalizadas, esta solução não é aconselhável para

paredes com espessuras inferiores a 50 cm, especialmente no caso das alvenarias de

pedra. Com efeito, o uso de pré-esforço, perpendicular ao plano das paredes (como é o

caso dos pregagens 3, na Figura 5-b) é condicionado pela fraca resistência ao

punçoamento das alvenarias. A sua aplicação carece de uma prévia avaliação destas

condições e da escolha da ancoragem de características adequadas, podendo justificar-se

a consolidação local da alvenaria.

(a)

(b)

(c) (d)

Figura 5 - Pregagens longas: (a) nº de pregagens em função das características do edifício [9]; (b) aspecto típico de reforço de um edifício com pregagens longas; (c) pregagens e ancoragens tradicionais [4]; (d) cintagem de edifício.

O nível de compressão axial imposto pelo pré-esforço, no plano das paredes, é

também limitado pela capacidade resistente da secção ou, por mecanismos de

instabilização. A este respeito, o efeito da compressão axial, em alvenarias de pedra

irregular, com fraca qualidade de assentamento e não convenientemente confinadas,

pode agravar a sua susceptibilidade a fenómenos de instabilização.

Cavilha metálica de ancoragem

Esticador

Viga de madeira

Chapa metálica (50 x 6 mm)

Barra aço ø20mm

Soldadura

Parafuso

Ancoragem de extremidade

Viga madeira

Page 9: Paredes Antigas de Alvenaria

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As pregagens longas (pré-esforçados ou não) podem ser interiores ou exteriores

aos elementos. A colocação pelo exterior dispensa o complexo equipamento de furação

e a perturbação inerente. Esta solução é utilizada, há séculos, para contrariar a

deformabilidade de paredes sob a acção do impulso de arcos ou abóbadas. A actual

disponibilidade de equipamentos de perfuração, de grande precisão e potência, permite

a abertura de furos de pequeno diâmetro e de grande extensão, o que facilita a colocação

de reforços interiores, em posições estratégicas, para corrigir patologias estruturais.

O refechamento das juntas é uma técnica vocacionada para o restabelecimento

da integridade das fachadas e/ou melhoria da sua protecção. Os seus efeitos reflectem-se

ainda em incrementos da resistência mecânica. Esta solução preconiza a substituição da

argamassa das juntas, degradadas. Consiste na remoção parcial da argamassa (extracção

e limpeza da argamassa das juntas, numa profundidade de 5 a 7 cm); lavagem das juntas

abertas, com água a baixa pressão e, finalmente, na reposição das juntas. Se a

intervenção é programada para ambas as faces da parede, a profundidade máxima da

extracção, não deve exceder 1/3 da espessura total (Figura 6). Neste caso, para que a

estabilidade das paredes não seja prejudicada, a remoção da argamassa das juntas, na

face oposta, só deve fazer-se depois da reposição das juntas na face reparada

inicialmente.

e/32/3 e e/3 e/3 e/3 e/3e/3e/3

Figura 6 – Fases de execução do refechamento das juntas em ambas as faces da parede.

Uma variante do refechamento das juntas, só exequível em paredes de junta

regular, é a sua combinação com a disposição de armadura nas juntas (Figura 7). Esta

solução, se combinada com pregagens transversais, melhora o comportamento em

serviço das estruturas com incrementos da resistência última, mesmo em casos com

elevados estados de compressão [2].

Page 10: Paredes Antigas de Alvenaria

10

(a) (b) (c)

Figura 7 – Paredes de junta regular. Refechamento das juntas reforçadas com armadura.

A possibilidade de substituição de elementos, ou partes de elementos, nas

alvenarias antigas, constitui uma vantagem para a sua manutenção. A substituição é

efectuada, mediante cuidadosa acção de desmonte e reconstrução, utilizando os

materiais originais, ou materiais novos, e argamassas pouco retrácteis como, por

exemplo, argamassas gordas de cal e areia ou de cimento, cal e areia [1]. É um processo

trabalhoso, mas muito eficaz, para melhorar a capacidade mecânica das alvenarias,

corrigir fendilhações, degradações localizadas ou, ainda, para melhorar a qualidade

construtiva das alvenarias (Figura 8).

A operação de desmonte exige um prévio escoramento, que suporte,

temporariamente, a zona que gravita sobre o elemento em reconstrução, até que este

possa, novamente, entrar em carga. Deve fazer-se por pequenos tramos e deixar-se

contornos irregulares, para facilitar a ligação com a alvenaria original.

O desmonte completo de elementos estruturais, em alvenarias de pedra sã,

requer algum cuidado construtivo na numeração prévia das peças e na sua reposição,

durante a reconstrução.

Figura 8 - Intervenções diferenciadas de desmonte e reconstrução em alvenarias de pedra ordinária, em função da sua qualidade construtiva [9]: Alvenaria de boa qualidade - colocação de pequenas pedras e refechamento das juntas; Alvenaria de fraca qualidade – desmonte e reconstrução completa.

Alvenaria de boa qualidade Alvenaria de fraca qualidade

Page 11: Paredes Antigas de Alvenaria

11

Os rebocos armados constituem uma das soluções técnicas mais usuais que

muito se têm desenvolvido com a experiência da sua utilização. Destinam-se a paredes

em bom estado geral, mas com acentuada degradação superficial. A execução dos

rebocos armados consiste na colocação de uma malha de armadura, fixada à parede,

através de pequenas pregagens, sobre a qual se aplica uma camada de argamassa de

revestimento com espessuras de 2 a 3 cm (Figura 9). Tradicionalmente são usadas,

como armadura, malhas de aço electrossoldadas, com varões de pequeno diâmetro, ou

malhas de metal distendido. No entanto, com o desenvolvimento de armaduras

sintéticas, como a rede de fibra de vidro, e o aparecimento das fibras curtas, sintéticas

ou de aço, dispõe-se hoje em dia de um leque alargado de opções.

Os rebocos armados reflectem-se na melhoria da ligação entre paredes, no

controlo da fendilhação, na resistência ao corte e na ductilidade. É, contudo, uma

solução que poderá ter condicionantes estéticas [7].

Figura 9 – Reboco armado. Pormenores da fixação da malha de reforço [7].

O encamisamento com betão armado é uma técnica muito invasiva, semelhante

aos rebocos armados, mas com espessuras superiores (aprox. 10 cm), e com maiores

requisitos de desempenho mecânico. Só deve prescrever-se nos casos em que se

esgotem as soluções alternativas de intervenção.

A utilização de elementos reticulados de betão (pilares e vigas) paralelos à

estrutura original, solução que assistimos com frequência, corresponde também, em

geral, a uma má solução associada à deficiente concepção das ligações entre os novos

materiais e os materiais existentes, especialmente em zonas sísmicas [1].

As fundações de estruturas antigas de alvenaria podem ser entendidas como um

prolongamento das suas paredes mestras, pelo que, algumas das técnicas referidas

Page 12: Paredes Antigas de Alvenaria

12

podem, também aqui, ser utilizadas. Contudo, intervenções de reforço/reabilitação de

fundações apenas se justificam quando se constate que, combinada ou isoladamente,

existem:

- alterações das condições de utilização e/ou da própria estrutura, com

aumento de carga nas fundações;

- condições para a ocorrência, ou agravamento, de possíveis assentamentos

diferenciais;

- degradações ou insuficiência das fundações existentes.

No entanto, ainda que um diagnóstico sustentado, com o reconhecimento das

características da fundação e do solo, permita concluir da origem das patologias no

comportamento das fundações, deve ponderar-se o seu reforço face à possibilidade de

optar por outras soluções. Com efeito, as intervenções de reabilitação das fundações

compreendem três tipos distintos de actuação:

a) sobre o terreno de fundação;

b) sobre as fundações;

c) adopção de medidas correctivas como a criação de juntas estruturais,

redução de cargas, amputação de ampliações, confinamento da estrutura, etc;

que podem, contudo, ser combinadas em soluções de intervenção mistas.

As intervenções de reabilitação/reforço das fundações existentes, designadas por

recalçamentos, podem classificar-se em dois grandes grupos, em função da sua

profundidade:

a) Recalçamentos superficiais;

b) Recalçamentos profundos.

Face à vulnerabilidade das estruturas antigas de alvenaria a movimentos,

associados a descompressões ou a assentamentos diferenciais, as operações de

recalçamento devem ser precedidas de especiais medidas de segurança, que minimizem,

eventuais, situações de risco. Devem, por exemplo, ser executados com a abertura

intercalada de pequenos poços laterais convenientemente escorados. Os recalçamentos

superficiais mais frequentes relacionam-se com:

- Aumento da área de contacto solo-fundação;

- Rebaixamento das cotas de fundação;

- Melhoria local dos solos subjacentes;

- Consolidação do material de fundação.

Page 13: Paredes Antigas de Alvenaria

13

Na Figura 10, apresentam-se alguns exemplos de intervenções de recalçamento

superficial.

(a)

(b)

(c)

Figura 10 – Recalçamentos superficiais [11]: (a) aumento da superficie de contacto; (b) rebaixamento e aumento da superfície de contacto; (c) consolidação da sapata e do solo subjacente com injecções confinadas por paredes-cortina de betão armado.

Por seu lado, os recalçamentos profundos justificam-se nos casos em que se

verifique:

- insuficiente capacidade resistente do solo de fundação superficial, não sendo,

economicamente viável a melhoria das fundações existentes ou do solo

imediatamente subjacente;

- dificuldade de execução de recalçamentos superficiais (níveis freáticos

elevados, solos instáveis, etc.);

- execução de ampliações sob a estrutura existente (novas caves, etc.);

- realização de obras nas proximidades (escavações, túneis, edifícios contíguos

com fundações a nível inferior, etc.) que possam afectar o bom

comportamento das fundações existentes;

- substituição ou reforço de estacas de madeira, em mau estado de

conservação.

Os recalçamentos profundos podem aplicar-se em fundações directas ou em

fundações indirectas (Figura 11). As soluções mais usuais recorrem a:

- microestacas que cruzam as fundações originais;

- estacas de betão armado:

a) instaladas sob a fundação original, através da abertura de poços

subjacentes, e colocadas em carga imediata com auxílio de macacos

hidráulicos;

Pilar de granito

Injecção química

Caixa de betãoarmado Injecção de

cimento

Alvenaria da fundação original

Fundação original

Pregagens para solidarizar a fundação original e os recalçamentos

Recalces adossados

Camada de betão de regularização Sapata em betão armado

Poço escorado Nível da fundação original Alvenaria nova para recalçamento

Page 14: Paredes Antigas de Alvenaria

14

b) para apoio das longarinas que suportam vigas transversais à fundação

existente;

c) para confinamento da fundação existente.

(a)

(b)

Figura 11 – Recalcamentos profundos: (a) , com microestacas, em fundações superficiais; (b) com microestacas ou com estacas de betão armado, em fundações indirectas [11].

O melhoramento dos solos, recorre a técnicas geotécnicas que actuam, não

sobre as fundações, mas sobre o solo que as suporta. Por estarem fora do âmbito deste

trabalho, e tratados em literatura específica, as técnicas e soluções de melhoria dos solos

terão aqui uma breve referência. Entre as técnicas mais utilizadas destacam-se:

- Injecções do solo;

- “Jet-gouting” (injecções localizadas a alta pressão);

- Inclusões rigídas localizadas (por exemplo micro-estacas ou estacas).

CONCLUSÕES

Realça-se a importância da necessidade da prévia caracterização da tipologia das

paredes e das fundações, das estruturas antigas de alvenaria, como forma de melhor

compreender o seu comportamento mecânico e a origem de muitas das suas patologias

e, finalmente, como forma de facilitar a sua intervenção com a escolha adequada de

técnicas e materiais.

Pavimento

Fundação original

Microestacas Ø aprox. 15 cm Barras de reforço Ø aprox. 20 mm

Maciços originais a desactivar

Estacas de betão armado

Maciço de encabeçamento

Maciços de betão

Estacas de madeira originais

microestacas

Travessa à parede

Page 15: Paredes Antigas de Alvenaria

15

As soluções apresentadas não esgotam, longe disso, as possibilidades de

intervenção. Não se trata de um receituário geral, mas de uma apresentação de possíveis

soluções, a adaptar a cada caso concreto. O empenho, a responsabilidade, o bom senso

do projectista e o respeito com que se encaram as especificidades destas estruturas

devem constituir a melhor base para qualquer intervenção.

O acompanhamento dos trabalhos de intervenção, durante e após a sua execução,

é aconselhável para controlar a adequabilidade da solução e a eventual necessidade de

intervenções complementares. Finda a intervenção, é necessário preconizar um

programa detalhado com procedimentos de manutenção e intervenções futuras.

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Page 16: Paredes Antigas de Alvenaria

16

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10. Roque, J. A., “Reabilitação Estrutural de Paredes Antigas de Alvenaria”. Tese de

Mestrado, Universidade do Minho, Setembro 2002. (disponível em:

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CIMNE, Barcelona, Nº 65, 3-5 Abril 2002 pp.207-220.