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^Saoj/òsé dos Campos “H I S T Ó R I A Cí^C I D A D E C oordenação G eral da S érie M aria A parecida Papali e V aléria Z anetti Volume II Câmara Municipal de São José dos Campos: Cidade e Poder organizado por M aria A parecida P apali IDmôWaDQD Universidade do Vale do Paraíba

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^ S a o j / s d o s C a m p o sH I S T R I A C^C I D A D E

C o o r d e n a o G e r a l d a S ri eM a r i a A p a r e c i d a Pa p a l i e Va l r i a Z a n e t t i

Volume IICmara Municipal de So Jos dos Campos: Cidade e Podero r g a n i z a d o porM a r i a A p a r e c i d a Pa p a l i

IDmWaDQDUniversidade do Vale do Paraba

p a t r o c n i oMinistrio de

Minas e Energia

^ O f o S d o s CAMPOS yH I S T R I A e r^C I D A D E

C o l e o D i r i g i d a p o rM a r i a A p a r e c id a Pa p a l i e Va l r ia Z a n e t t i

Volume II

Cmara Municipal de So Jos dos Campos: Cidade e PoderC o o r d e n a o G e r a l d a C o l e o M a r i a A p a r e c id a Pa p a l i e Va l r ia Z a n e t t i O r g a n i z a d o r a d o V o l u m e I I M a r i a A p a r e c id a Pa p a l i

(M FcdipUniversidade do Vale do Paraba

2009

Copyright 2009 Os autores

C o o r d e n a o G e r a lProfa. Maria da Ftima Ramia Manfredini

P r o j e t o G r f i c o e c a p a Carlos Magno da Silveira Magno Studio Design Grfico

E d i t o r a o E l e t r n i c a Patrick Vergueiro

R e v i s oTeruka Minamissawa

ISBN: 978-85-7586-050-2

C172Cmara Municipal de So Jos dos Campos: Cidade e PoderOrganizado por Maria Aparecida Papali; coordenao geral dasrie: Maria Aparecida Papali e Valria Zanetti: So Jos dosCampos: Univap, 2009.200 p.: il.; 22 cmSrie: So Jos dos Campos: Histria e cidade, v. 1

1. So Jos dos Campos, SP - Histria I. TtuloII. Ttulo da srie III. Papali, Maria Aparecida,IV. Zanetti, Valria

CDU: 981.56

-CfemtUva'S o J o s d o s C a m p o s

Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central da Univap

S u m r i o

Palavra do Reitor Baptista Gargione Filho 11

Mensagem da Petrobras 15

Mensagem da Cmara Municipal de So Jos dos Campos

Agradecimentos 19

Apresentao da Srie 23Maria Aparecida Papali e Valria Zanetti

Sobre as Coordenadoras da Srie 27

Sobre os Autores do Volume II 29

Apresentao do Volume II 33Maria Aparecida Papali

1. As Cmaras Municipais no Brasil:Estado e Poder (1492 - 1930) 37 Maria Jos Acedo dei Olmo

2. Cmara Municipal de So Jos dos Campos: Histria, Olhares e Recortes (1767 - 1890) 53Maria Aparecida Papali e Valria Zanetti

3. So Jos do Parahyba: Fragmentos de uma Vila,Construo de uma Histria (1803 - 1819) 81 Tatiane Nunes Tefilo, Alessandro Santana da Cunha, Diego Emlio Alves Ardes e Norma Alvarenga

4. Entre Vila e Cidade: So Jos dos Campos no Final do Sculo XIX 123Shirley Gomes da Silva, Kelly Garcia, Nathalie Furtado Dias Pimentel e Vanessa Cristina Morais Oliveira

5. So Jos dos Campos e oNovo Modelo de Cidade (1900 - 1930) 155Solange Vieira, Leonardo Silva Santos, Andressa Capucci Ferreira,Douglas Ribeiro de Morais e Fbio Zanutto Candioto

6. Anexo: Lista de Presidentes da Cmara Municipal de So Jos dos Campos (1767 a 2009) 189

P a l a v r a d o R e i t o r

B a p t i s t a G a r g i o n e F i l h o

s t e o s e g u n d o v o l u m e da seqncia de sete livros f " da srie So Jos dos Cam pos: H ist ria e C idade, co-

ordenada pelas professoras M aria A parecida Papali e V alria Zanetti.

O ttulo deste volume II Cmara Municipal de So Jos dos Campos: Cidade e Poder.

As Cmaras Municipais, poderes locais no Brasil - colnia, foram instrumentos muito eficientes para a monarquia portuguesa dominar, manter e consolidar a sua presena e controlar, a distncia, os poderes locais a partir de cada vila do territrio.

Em 1767 foi concedida a elevao da Aldeia de So Jos do Paraba condio de Vila, o que lhe deu o direito de erigir uma Cmara, fato originador da Cmara Municipal de So Jos dos Campos.

E assim a Cmara passou a legislar e interferir na vida de toda a aldeia, desde questinculas a problemas fundamentais e at questes religiosas e espirituais.

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fcil imaginar como era problemtico m anter a subordinao do Brasil, como colnia, pas imenso, com populao constituda por imigrantes em pequena parte e por ndios predominantemente, esparsos pelo territrio e alheios existncia de um distante governo portugus.

A formao das Vilas, sem passar pela condio de freguesia, como foi o caso de So Jos dos Campos, era ditada tambm pelo interesse da Coroa Portuguesa de assegurar a presena de ndios alfabetizados como eleitores. E as Cmaras representavam a existncia e presena da Corte Real Portuguesa ao longo de todo o territrio da colnia.

O maior desafio do livro decorre, paradoxalmente, de pretender relatar tudo o que se passou em So Jos dos Campos a partir da sua condio de Vila, nos sculos 18 e 19.

um detalhado relato dos fatos ocorridos, p rincipalm ente ao longo desses sculos, bem como no sculo 20, at 1930. So 181 faces de pginas, na verso a que tivemos acesso, extrem am ente densas de inform aes e que sero referncia a futuros interessados, que pretenderem colher dados esclarecedores do que foi a vida na Vila de So Jos no perodo abrangido pelo livro.

O livro til como um a descrio do que ocorreu no Brasil em perodo to longo (1492/1930) e quais as conseqncias geradas para So Jos dos Campos e o Vale do Paraba.

interessante a descrio de So Jos dos Campos, por volta de 1860, por Emilio Zaluar: A vila, apesar de achar-se edifi- cada sobre um a belssima eminncia, no sobressai m uito nem m ostra grande desenvolvimento, pois as casas so quase todas baixas, as ruas desiguais e mal alinhadas, e os dois largos que nela se encontram no tm as necessrias sadas e falta-lhes o

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adorno de alguns edifcios que atualm ente se acham em construo, como a cadeia, a casa da cmara e a igreja m atriz.

Hoje So Jos dos Campos uma outra cidade, fruto do em penho de prefeitos competentes que souberam administr-la.

Aos que desejarem em preender essa cam inhada de cinco sculos, do observatrio que foi a Cmara da Aldeia e a seguir da cidade, de So Jos dos Campos o livro oferece a possibilidade nica de entender o que foi essa vivncia de cinco sculos, com base em levantam ento de dados laboriosam ente executado pelos autores.

Baptista Gargione Filho, Prof. Dr.Reitor da Univap

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M e n s a g e m d a P e t r o b r a s

tempo, a poltica e a memria imperecvel de So Jos

dos Campos

/ | o e x a m i n a r m o s o tempo aprendemos muito sobre Z J ns mesmos. O tempo, apesar de intangvel, se mani- -A . festa e pode ser percebido fisicamente por aprisionar

em sua poeira todos os sentimentos. Basta um olhar sobre o tem po passado para que as emoes ligadas a um fato aflorem e nos permitam reviver, repensar, reconstruir solues e caminhar com firmeza em direo ao futuro.

Histria e memria, tempo, lembrana e esquecimento. Segundo Olga Matos, para os gregos a mais dolorosa experincia a do esquecimento. O heri grego, dotado de beleza e coragem, morre a bela morte e torna, pelo ato nobre, a sua memria sempre viva. A morte em combate transforma-se em glria im perecvel. O heri grego enfrentava a morte sem angstia, pois a rememorao sem limite o torna imortal.

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A m em ria poltica de So Jos dos Campos diz m uito sobre o que a cidade hoje. As discusses, debates e decises polticas tom adas ao longo do tem po foram essenciais para a formao cultural e para o fortalecim ento democrtico experim entado no presente.

A memria d sentido existncia e estabelece as conexes necessrias que projeta-nos ao futuro de forma menos vulnervel. Portanto podemos dizer que a memria nos ajuda na tomada incessante de decises ao longo de nossas vidas.

A memria, portanto, um dos principais elementos ligados condio hum ana e capaz de continuar a construo da civilizao e faz-la avanar ou retroceder. A lembrana e o esquecimento so as duas faces da mem ria que devemos considerar na evoluo social.

A PETROBRAS mais uma vez se orgulha de patrocinar e contribuir para que a histria de So Jos dos Campos seja resgatada e colocada disposio da sociedade.

Paul Edman de AlmeidaGerente de Comunicao da PETROBRASRefinaria Henrique Lage

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M e n s a g e m d a C m a r a M u n i c i p a l d e S a o

J o s D o s C a m p o s

yk v a i l o n g e o 28 de julho de 1767, quando o O uvidor- Geral, Dr. Salvador Pereira da Silva, procedeu eleio dos vereadores, dos juizes e do procurador da ento Vila de So Jos do Paraba.

A Cmara, como registra a histria, sempre teve decisiva participao na vida de So Jos dos Campos. Os vereadores eleitos em 1767, Vicente de Carvalho, Verssimo Corra e Luiz Batista, se preocuparam com o crescimento e segurana da ento vila. A primeira ao da Cmara foi trabalhar para que a estrada real passasse por aqui. Outros empreendimentos foram liderados pela Cmara, como a implantao de lavouras de caf, pecuria, autorizao para uso de sesmarias (terrenos abandonados), criao de leiles de estanco (comercializao de mercadorias), etc.

Alis, na poca do Imprio as Cmaras eram prestigiadas pelo governo e os livros de histria no registram um fato que teve como pano de fundo a atuao do chamado Senado das Cmaras - elas se coligavam e formavam verdadeiros exrcitos,

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como aconteceu em 1821/1822. Essa ao garantiu a autoridade de D. Pedro, Prncipe Regente, dando condies para que ocorresse o Grito do Ipiranga (ou de Independncia).

Falar sobre histria olhar o retrovisor de vida. Se caminhamos com segurana nos dias de hoje, alcanando objetivos que colocam esta terra na linha de vanguarda, certamente isso se deveu ao trabalho de muita gente, dentre elas a Cmara Municipal, que sempre foi uma aliada da comunidade, buscando satisfazer seus anseios e pensamentos.

A Cmara sempre foi o crebro criador de propostas que abraaram os ideais de crescimento da cidade. Um claro exemplo disso foi a Lei de Regalias, do vereador Jos Benedito de Vasconcelos, que abriu espao para a vinda de indstrias, sendo a primeira delas a Fbrica de Louas Santo Eugnio Bondio. Nessa esteira vieram outras que sedimentaram pouco a pouco o progresso joseense.

So Jos dos Campos hoje um a terra de empreendedores.Cabe histria, atravs de fatos, registrar o empenho de todos

que se irmanaram fraternalmente para fazer desta um exemplo em todos os campos. Sem esse esprito de unio no teramos conseguido alternativas para resolver os problemas. E sem um passado compromissado com o presente e de olho no futuro no iramos alcanar os resultados que hoje beneficiam a todos.

O compromisso da Cmara sempre ser o de abastecer a comunidade com propostas que atendam o bem comum. E a histria tem feito justia a esse trabalho!

O livro A Cmara Municipal de So Jos dos Campos: Cidade e Poder mais um resgate desse trabalho que enobrece a Casa e a faz crescer no ntimo da sociedade como elemento imprescindvel para o progresso e democracia.

Jos Carlos de OliveiraSecretrio-Geral da Cmara Municipal de So Jos dos Campos

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A g r a d e c i m e n t o s

/ i g r a d e c e r n o um a tarefa fcil. A seo de Z J agradecim entos sempre a mais difcil de ser elabo- -A . rada, sobretudo em se tratando de um empreendimen

to que necessita da ajuda de muita gente empenhada em divulgar a histria do municpio. Por mais que expressemos, com palavras, nosso reconhecimento, no conseguiremos demonstrar nossa gratido a todos que nos acompanharam nessa edio. Para no correr o risco da injustia, agradecemos a todos que estiveram envolvidos nessa pesquisa fornecendo-nos fontes, indicaes de leituras, abrindo caminhos e facilitando a rdua tarefa do pesquisador. Em particular, agradecemos ao Gerente Geral e ao Gerente de Comunicao da Petrobras, senhores Cludio Pimentel e Paul Edman de Almeida pelo acolhimento de um grande sonho e por torn-lo um a realidade.

Agradecemos ao Magnfico Reitor da Universidade do Vale do Paraba, Prof. Dr. Baptista Gargione Filho e seu Vice-Reitor, Prof. Dr. Antonio de Souza Teixeira Jnior, nossos grandes incentiva-

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dores; bem como s nossas diretoras da Faculdade de Educao e Artes e do IP&D (Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento), Prof Msc.Valdelis Nunes Pereira e Profa Dra Sandra Fonseca da Costa. Pr-Reitora de Cultura e Divulgao Acadmica da Univap, Profa Maria da Ftima Ramia Manfredini, seremos eternamente gratas pelo apoio incondicional em prol da Histria e particularmente pelo amparo aos nossos ambiciosos projetos. Aos nossos parceiros da Cmara Municipal de So Jos dos Campos somos gratas pela confiana. Em particular, agradecemos aos vereadores Walter Hayashi e Dilermando Di, que acompanharam nossa trajetria durante seus exerccios como presidentes da Cmara. Ao Secretrio Geral da Cmara, Sr. Jos Carlos de Oliveira, agradecemos pelo carinho e amizade sempre presentes. Ao vereador Alexandre da Farmcia, atual presidente, agradecemos o efetivo e imprescindvel suporte da instituio. No poderamos deixar de mencionar a ajuda que o Ncleo de Pesquisa Pr-Memria vem recebendo da funcionria da Cmara, Hglide Arruda Costa. Gostaramos, juntamente com nossos estagirios, de manifestar publicamente nosso agradecimento efetiva atuao do senhor Alosio Fres (in memoriam), motorista da Cmara, que prontamente se disps a nos conduzir pelos acervos de pesquisa; m anifestamos nosso pesar por no t-lo mais como condutor de nossas histrias. Gostaramos tambm de lembrar e agradecer (in memoriam) o amigo e jornalista Jorge Licurce, o qual sempre se interessou pelas pesquisas do Projeto Pr-Memria. A jornalista Isabela Rosemback agradecemos o empenho, profissionalismo e divulgao das pesquisas produzidas junto ao Ncleo de Pesquisa Pr-Memria. Ao pessoal da Fundao Cultural Cassiano Ricardo, sempre solcito aos nossos pedidos, somos gratas pelo fornecimento das fontes histricas e pela prestimosa ateno com

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que recebe nossos pesquisadores. Em particular, gostaramos de agradecer ao presidente da FCCR, Mrio Domingos de Moraes, ao presidente do DPH, engenheiro Victor Chuster, historiadora e arquivista Ndia Del Monte Kojio e ao historiador Antnio Carlos Oliveira Silva. Agradecemos imensamente a colaborao das competentes professoras Maria Jos Acedo dei Olmo e Zuleika Stefnia Sabino Roque. No poderamos deixar de m encionar nesta coleo, a im portante coparticipao de nossos estagirios e ex-estagirios do Ncleo de Pesquisa Pr-Memria, dedicados estudiosos da histria do municpio. Em particular, atuando conosco nesta edio, agradecemos Solange Vieira, Tatiane Nunes Tefilo, Shirley Gomes da Silva e ao Diovane Ribeiro de Brito. Por fim, agradecemos a todos os colaboradores deste volume.

As coordenadoras

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A p r e s e n t a a o d a S r i e

S o J o s d o s C a m p o s : H i s t r i a e C i d a d e

s p r e s e n t a r a c o l e o So Jos dos Campos: Histria Z J e Cidade significa muito para ns, pois resultado de .A . um projeto acalentado h muitos anos, a realizao de

um sonho. Somos docentes do curso de Histria da Univap, coordenamos o Ncleo Pr-Memria So Jos dos Campos e desenvolvemos pesquisas no Laboratrio de Pesquisa e Documentao Histrica do IP&D, alm de atuarmos no Programa de Mestrado em Planejamento Urbano e Regional da Univap. Enfim, junto com colegas e alunos da graduao e da ps-graduao realizamos pesquisas e levantamos documentao sobre a histria da cidade de So Jos dos Campos h muitos anos.

Sa b e m o s o q u a n t o necessrio e importante para a cidade que escolas, bibliotecas pblicas e universidades possam ter acesso a essa vasta pesquisa que vem sendo realizada sobre a histria da cidade. Os poucos livros disponveis nas instituies sobre a histria

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de So Jos nem sempre contam com o rigor de uma pesquisa de carter cientfico e embasamento metodolgico criterioso. Nossa coleo tem como principal objetivo suprir essa demanda, com a publicao de sete livros de temas variados sobre a histria de So Jos, os quais sero lanados entre 2008 e 2010 e distribudos nas escolas, bibliotecas pblicas e universidades. Para a viabilizao desse projeto contamos com o patrocnio da Petrobras, apoio ao qual seremos sempre gratas.

O p r i m e i r o l i v r o d a c o l e o , intitulado Os Campos da Cidade: So Jos Revisitada, busca traar um panorama geral sobre a cidade, em mltiplos aspectos. So vrios captulos com temas variados, descortinando a cidade de So Jos dos Campos, trazendo inovaes historiogrficas e olhares singulares sobre sua histria.

O s e g u n d o l i v r o , Cmara Municipal de So Jos dos Campos: Cidade e Poder tem o objetivo de contar a histria do poder legislativo de So Jos dos Campos, tema importante para a histria da cidade. Desde a criao do Projeto Pr-Memria, em 2004, as Atas da Cmara Municipal de So Jos dos Campos vm sendo objeto de investigao de nossas equipes de bolsistas, constituindo hoje um rico acervo documental sobre a histria poltica da cidade.

O t e r c e i r o l i v r o , So Jos dos Campos: de Aldeia a Cidade, tem uma misso difcil e ao mesmo tempo complexa e desafiadora, pois seu objetivo trazer tona as discusses sobre os primrdios da nossa ento Aldeia de So Jos da Parayba, os conflitos entre indgenas e colonos, sua transformao em Vila, at se tornar cidade no final do sculo XIX. Tudo isso contando com a escassa

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documentao que temos do perodo, mas que, garimpando documentos aqui e ali, acabamos por traar o cenrio da poca.

No q u a r t o l i v r o , Fase Sanatorial de So Jos dos Campos: Espao e Doena, talvez esteja contida a prpria alma da histria da cidade. Perodo rico para a compreenso de toda a lgica urbanstica e industrial de So Jos, o perodo sanatorial encerra contradies e memrias de um tempo que a cidade muitas vezes quis apagar. Neste livro busca-se evidenciar, registrar, discutir e refletir sobre uma poca que deixou marcas profundas na construo identitria da cidade.

O q u i n t o l i v r o , Crescimento Urbano e Industrializao em So Jos dos Campos, trata principalmente da vocao industrial de So Jos dos Campos e da crescente urbanizao que se processa na cidade, principalmente a partir da dcada de 1960, com a chegada de grandes indstrias nacionais e multinacionais. Grandes indstrias nacionais que se instalam em So Jos dos Campos, como a Refinaria Henrique Lage (Petrobras) e a Embraer, so neste livro priorizadas para estudo.

No s e x t o l i v r o , Escola e Educao em So Jos dos Campos: espao e cultura escolar, buscamos identificar a histria da educao e do cotidiano escolar em So Jos dos Campos desde o sculo XIX at nossos dias, sob os mais variados aspectos. A educao no poderia deixar de ser tema de um livro sobre a histria da cidade, dada a relevncia em que consiste a educao para toda nossa sociedade.

No s t i m o l i v r o , So Jos dos Campos: cotidiano, gnero e re

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presentao, abordaremos temas ligados s novas tendncias historiogrficas, como a participao das mulheres em vrios momentos histricos, trabalhos com memrias e identidades, representaes sociais, trabalhos com fontes diversas como imagens, monumentos, cultura popular, entre outros. um livro que busca olhar So Jos dos Campos atravs da diversidade, atravs de muitas linguagens.

As coordenadoras

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S o b r e a s C o o r d e n a d o r a s d a S r i e

/ a r i a A p a r e c i d a P a p a l i h isto riad o ra , " J \ / E doutora em H istria Social pela PUC/SP, mestre

em H istria do Brasil pela PUC/SP, professora da Universidade do Vale do Paraba desde 1993, coordenadora do Laboratrio de Pesquisa e Docum entao Histrica do IP&D da Univap, vinculada ao G rupo de Docum entao Histrica (Gedoch) da Univap, docente do Program a de M estrado em Planejam ento Urbano e Regional; membro fundadora do Projeto Pr-M em ria, Autora do livro Escravos, Libertos e rfos: a construo da liberdade em Taubat (1871-1895). So Paulo: Annablume, 2003.

V a l r i a Z a n e t t i historiadora, graduada pela UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), mestre em Histria Social pela PUC/RS, doutora em H istria Social pela PUC/ SP, autora do livro Calabouo Urbano: escravos e libertos em Porto Alegre (1830-1860). Passo Fundo: Universidade de Passo

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Fundo, 2002; professora e coordenadora do curso de Histria da Universidade do Vale do Paraba, membro do Laboratrio de Pesquisa e Documentao Histrica do IP&D; vinculada ao Grupo de Documentao Histrica (Gedoch) da Univap, docente do Programa de Mestrado em Planejamento Urbano e Regional da Univap.

S o b r e o s A u t o r e s d o V o l u m e I I

f ~M jg a r i a J o s A c e d o d e l O l m o historiadora, " / 1 / I graduada pela USP; mestre em Histria Social

f pela PUC/SP; membro fundadora do Projeto Pr- Memria, professora do curso de Histria da Univap e autora de vrios livros paradidticos.

S h i r l e y G o m e s d a S i l v a graduanda em Histria pela Universidade do Vale do Paraba e estagiria do Ncleo de Pesquisa Pr-Memria So Jos dos Campos desde 2009.

S o l a n g e V i e i r a licenciada em Pedagogia; graduanda em Histria pela Universidade do Vale do Paraba e estagiria do Ncleo de Pesquisa Pr-Memria So Jos dos Campos desde 2008.

T a t i a n e N u n e s T e f i l o graduanda em H istria pela Universidade do Vale do Paraba e estagiria do Ncleo de Pesquisa Pr-M em ria So Jos dos Campos desde 2008.

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A le s s a n d r o S a n ta n a d a C u n h a possui licenciatura em Histria pela Universidade do Vale do Paraba; ps-graduando do curso de Especializao em Cultura Popular Brasileira pela Universidade do Vale do Paraba; foi estagirio do Ncleo de Pesquisa Pr-Memria So Jos dos Campos de 2007 a 2008; e apresentou com o trabalho de concluso de curso Brasileiro at a Medula dos Ossos: Nacionalismo e Autoritarismo em Cassiano Ricardo, em 2008.

L e o n a r d o S i l v a S a n t o s possui licenciatura em Histria pela Universidade do Vale do Paraba; ps-graduando do curso de Especializao em Cultura Popular Brasileira pela Universidade do Vale do Paraba; foi estagirio do Ncleo de Pesquisa Pr- Memria So Jos dos Campos em 2008 e apresentou como trabalho de concluso de curso Campo, Pobreza e Doena: Vises de cidade em So Jos dos Campos por meio do Correio Joseense (1920- 1921), em2008.

D i e g o E m l i o A l v e s A r d e s possui licenciatura em Histria pela Universidade do Vale do Paraba; co-autor do captulo A Aldeia Sublevada, ou a Cidade em Construo: Resistncia Indgena na Aldeia de So Jos do Paraba, publicado no livro Histori(cidade)s: Um Olhar Multidisciplinar, em 2008; foi estagirio do Ncleo de Pesquisa Pr-Memria So Jos dos Campos de 2005 a 2006 e apresentou como trabalho de concluso de curso Subverso na Aldeia: Indgenas de So Jos do Paraba Contra a Administrao Civil (1760- 1780), em 2006.

F b i o Z a n u t t o C a n d i o t o licenciado em Histria pela Universidade do Vale do Paraba; foi estagirio do Ncleo de

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Pesquisa Pr-Memria So Jos dos Campos (2004 a 2005) e autor da monografia A Luz da Modernidade Joseense: A Light em So Jos dos Campos (1935-45), apresentada no curso de Histria da Univap em 2004.

A n d r e s s a C a p u c c i F e r r e i r a mestranda em Histria Social pela USP onde desenvolve pesquisa com processos criminais relativos a escravos no perodo final do regime escravista (1871- 1888), do municpio de Jacare, sob orientao da Prof1 Dr.a Maria Helena P. T. Machado; possui licenciatura em Histria pela Universidade do Vale do Paraba; foi estagiria do Ncleo de Pesquisa Pr-Memria So Jos dos Campos em 2005 e autora do trabalho de concluso de curso Experincias de Liberdade, Histricos de Vida: Relaes Escravas em Taubat (1870 - 1888), apresentada no curso de Histria da Univap em 2005.

D o u g l a s R i b e i r o d e M o r a i s possui licenciatura em Histria pela Universidade do Vale do Paraba (2006); atualmente desenvolve o projeto Educao Patrimonial atravs do Stio, levando escolas e alunos de universidades para visitao no Stio Arqueolgico So Francisco em So Sebastio, litoral de So Paulo; foi estagirio do Ncleo de Pesquisa Pr-M emria So Jos dos Campos de 2004 a 2006 e autor de Na Fronteira do Intangvel: Propostas para Anlise Semitica do Stio Arqueolgico So Francisco - So Sebastio, apresentado como trabalho de concluso de curso em 2005.

K e l l y G a r c i a possui licenciatura em Histria pela Universidade do Vale do Paraba; foi estagiria do Ncleo de Pesquisa Pr- Memria So Jos dos Campos de 2006 a 2007 e autora de Imprensa

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Catlica em So Jos dos Campos: A Caridade (1916-1918), apresentado como trabalho de concluso de curso em 2007.

N a t h a l i e F u r t a d o D ia s P im e n te l possui licenciatura em Histria pela Universidade do Vale do Paraba; foi estagiria do Ncleo de Pesquisa Pr-Memria So Jos dos Campos de 2006 a 2007 e autora de O perfil do crime em So Jos dos Campos por meio do Jornal Correio Joseense (1920- 1927), apresentado como trabalho de concluso de curso em 2007.

V a n essa C r is t in a M o r a is d e O liv e ir a possui licenciatura em Histria pela Universidade do Vale do Paraba; foi estagiria do Ncleo de Pesquisa Pr-Memria So Jos dos Campos de 2006 a 2007 e autora de A Elevao da Aldeia de So Jos dos Campos do Paraba (1767 - 1770), apresentado com o trabalho de concluso de curso em 2007.

N o r m a A l v a r e n g a possui licenciatura em Histria pela Universidade do Vale do Paraba; foi estagiria do Ncleo de Pesquisa Pr-Memria So Jos dos Campos em 2004 e co-autora de O Jacarehyense, apresentado como trabalho de concluso de curso em 2006.

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A p r e s e n t a o d o V o l u m e II C m a r a M u n i c i p a l d e S o J o s

d o s C a m p o s : C i d a d e e P o d e r

f ' / * p r e s e n t a r o S e g u n d o Volume da Srie So Jos dos Z J Campos: Histria e Cidade, volume intitulado: Cmara - . Municipal de So Jos dos Campos: Cidade e Poder

motivo de muita comemorao. Este livro foi produzido por professoras e alunos do Curso de Histria da Univap que compe o Ncleo de Pesquisa Pr-Memria, um a parceria entre a Cmara Municipal de So Jos dos Campos, a Fundao Cultural Cassiano Ricardo e a Universidade do Vale do Paraba, por meio do Laboratrio de Pesquisa e Documentao Histrica do IP&D. Quando a parceria foi efetivada e nosso Projeto teve incio, em maro de 2004, nossos primeiros alunos bolsistas comearam seus trabalhos fazendo as transcries das Atas da Cmara de So Jos dos Campos, iniciando com a mais antiga a que tivemos acesso, ou seja, a de 1803. A partir da, sucessivamente, outros bolsistas tiveram acesso s Atas da Cmara da cidade e assim, nosso Laboratrio de Histria, no IP&D, transformou-se em um

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local de aprendizado. Nossos alunos da graduao foram alados categoria de aprendizes de historiador, com todo o significado que o termo contm.

Nossos meninos, como so carinhosamente chamados, aprenderam m uito bem a lio: esto produzindo histria em nvel de excelncia, para m uito alm de simples aprendizes; so verdadeiros historiadores. Fazem pesquisa, articulando valiosas leituras com ricas fontes primrias, levantando questionam entos, reflexes; em hiptese alguma abrindo mo do olhar crtico e perspicaz sobre seu objeto de estudo, postura condizente com o ofcio que escolheram. Esto cientes de que, ser historiador demanda a busca constante pelo no envolvimento emocional com as fontes e objetos de pesquisa. preciso buscar pelo distanciamento, em bora todo historiador tam bm saiba que inexoravelmente sua viso de m undo estar presente em suas anlises e reflexes.

So nesses limites, muitas vezes tnues, imbricados, que ns, historiadores, atuamos. Quantas vezes nos emocionamos, entre risos e aplausos, diante de um documento novo, inusitado, aquele documento de que tanto necessitamos e de repente o temos em nossas mos. No entanto, ao trabalharm os esse mesmo documento, na produo historiogrfica, temos que balizar nosso emocional com boa dose de razo. E isso ocorre quando pensamos em metodologia, em teoria, em historiografia, em todos os suportes que iro colocar nossos ps no cho e nossa cabea devidamente comprometida com nosso ofcio de historiadores. Mas tudo isso sem perder a alegria, sem perder o entusiasmo, qualidades tam bm imprescindveis a todo bom historiador.

Com alegria e muito entusiasmo conclumos que as Atas da Cmara de So Jos dos Campos mereciam um lugar de destaque

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em nossos estudos. Afinal, foram os primeiros documentos a serem transcritos e analisados. Com olhares de historiadores, buscamos a histria e histrias de So Jos, entrecruzando olhares, evidenciando momentos nicos, perscrutando o possvel, procurando pelos caminhos da cidade...

Maria Aparecida Papali

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As C m a r a s M u n i c i p a i s n o B r a s i l : E s t a d o e P o d e r ( 1 4 9 2 - 1 9 3 0 )

Maria Jos Acedo dei Olmo

/ | o r i g e m d a s C m a r a s M u n i c i p a i s , no Brasil, se Z J entrelaa com o fortalecimento do sistema adminis- -A . trativo advindo de Portugal. Por sua vez, a reconquista

de parte da Pennsula Ibrica aos mouros em 1492, e a busca da independncia do reino de Castela, marcaram o fortalecimento do poder do rei. Este rei portugus que buscar sobrepor-se nobreza fundiria ter nos conselhos municipais, entre outros mecanismos, um dos elementos de afirmao deste poder. (...) o rei senhor da guerra e o rei senhor de terras imensas - imprimiram a feio indelvel histria do reino nascente (Faoro, 1975: 4).

A monarquia portuguesa buscou, logo em seu incio, limitar os poderes de uma aristocracia guerreira, posto que em luta em

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sua cruzada interna contra o infiel e que tendia, perigosamente, a estabelecer uma posio independente em relao ao poder real. Contudo, afirma Faoro, a independncia da nobreza territorial e do clero, com lastro em seu domnio de terras, frustrou-se historicamente condicionada e tolhida... (1975: 5).

Como as doaes de terras por servios prestados investiam os nobres no exerccio da justia e da cobrana de impostos, os conselhos, que pouco representavam, no curso dos dois primeiros sculos da m onarquia portuguesa (Faoro, 1975: 7), passaram a servir de apoio ao poder do rei que privilegiou as comunas existentes e criou outras. Desta forma a m onarquia portuguesa deslocava seu ponto de sustentao em direo ao povo. Entretanto, a aliana que a coroa buscava caracterizava- se por um a aliana, submissa e servil (Faoro, 1975: 7). Isto significa que a carta foral que criava a comuna e os conselhos estabelecia um pacto entre o rei e o povo e assegurava o predomnio do soberano, o predomnio j em caminho do abso- lutismo, ao estipularem que a terra no teria outro senhor que no o rei (Faoro, 1975: 7). Por outro lado, com a instituio dos conselhos as comunas ganhavam um a autonom ia que feria fundo os poderes locais do clero e da aristocracia e os colocava sob o controle da monarquia, como ressaltou Faoro:

Decretada a criao dos conselhos, que deveria organizar um a povoao, reedific-la, procurava o rei im- por-lhe o dever de defend-la militarmente contra seus inimigos (...). Criava-se obediente monarquia, uma milcia gratuita, infensa s manipulaes da nobreza e do clero. (...) Finalmente, os conselhos somavam renda do prncipe, oriunda de seu patrimnio fundirio, largas contribuies (Faoro, 1975: 7).

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Podemos entender, a p artir da que, o incio da atuao do m unicpio portugus estava atrelado aos interesses da Coroa e, no Brasil, no poderia deixar de ser diferente, a aparente liberalidade inicial logo ser substitu da pelos interesses m aiores do Estado.

Como sabemos, o incio da colonizao no Brasil foi lento. O sistema de feitorias empregado nas regies de domnio portugus com bons resultados, e o alto custo, j fosse dos empreendimentos comerciais, j fosse em termos de um a sangria da populao do reino, no incentivaram a ocupao imediata1.

O povoamento, contudo, era um empreendimento de m onta, ao qual o Estado portugus no poderia fazer frente sem apelar para os interesses dos particulares. No dizer de Faoro: se verdade que, ao tempo da instituio das capitanias, no estava falida a empresa da ndia, nem raspado o Tesouro, no se pode contestar que faltavam capitais para o novo plano, com prom etidos todos com o Oriente (1975: 116).

A idia das donatrias compreendia vrias vantagens para o Estado portugus. Englobava e buscava resolver o problema da defesa externa; voltava-se para um a explorao econmica mais efetiva e ordenada, envolvendo investimentos particulares, sem, porm, a Coroa perder o controle da administrao pblica. Embora a hereditariedade do cargo, das atribuies amplas,

1. Esboaram-se, assim, dois processos na expanso colonial portuguesa do sculo XVI, o de povoamento, como nas ilhas do Atlntico, e o de explorao comercial, sendo comum a ambos o nimo missionrio. Em relao ao Brasil, pelos interesses no Oriente e pelas prprias condies da terra, seguiu-se inicialmente a segunda poltica. O risco crescente de perd-lo para a Espanha ou Frana, porm, determinaria a opo pela poltica de povoamento, a partir das capitanias hereditrias (Wehling e Wehling, 1994: 63).

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ele [o capito-donatrio] agia em nome do rei2, sujeito implicitamente aos seus ditames (Faoro, 1975: 118).

Entretanto, o empreendimento das capitanias exigia muito mais investimentos do que pudessem supor os contemplados pelo favor real. Poucos donatrios tiveram condies econmicas para explorar seu potencial. E, com relao s Cmaras Municipais, o que vale ressaltar novamente, a organizao administrativa anteceder o povoamento nas Colnias. As vilas se criavam antes da povoao, a organizao administrativa precedia ao afluxo das populaes (Idem: 120).

O sistema de capitanias, porm, encerrava um perigo para os interesses da monarquia portuguesa. O maior perigo, alm da ineficincia do esquema de segurana confiado aos capites- governadores, vinha da ascendente privatizao dos donatrios e colonos 3 (Idem: 142). As tendncias autonomia eram fortes, no apenas entre os capites-donatrios como entre os colonos. A extenso do territrio, o isolamento com o tempo, a escassa populao, as guerras com os ndios, tudo contribua para a dissoluo dos laos de identificao com a metrpole.

A reao real por fim veio. O sistema de capitanias havia durado 15 anos com poucos resultados positivos. Ao invs do esperado desenvolvimento da empresa mercantil o que se viu foi a

2 .0 capito podia criar vilas, nomear ouvidores, dar tabelionatos (...) tudo porm sujeito alada, com a reserva vigilante, embora nem sempre clara, do monarca. (...) No entender de modernos historiadores, dava el-rei a terra para o donatrio administr-la como provncia ao invs de propriedade privada (Faoro, 1975:119).

3. Os governadores tornavam-se verdadeiros strapas, ampliando, pelo efeito das necessidades e pelo estmulo da ausncia de vigilncia, a esfera de suas delegaes. Os colonos hauriam a autoridade de seus recursos, insubordinando-se contra os donatrios, sem respeito ao prprio rei, distante, calado, inerme (Idem: 142).

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anarquia propiciada pela distncia e pela autonomia dos colonos com os interesses privados sobrepondo-se aos interesses gerais da monarquia. Segundo Faoro, Pero de Gis, donatrio de So Tom, d o grito de alarma a D. Joo III: (...) tudo nasce da pouca justia e pouco tem or de Deus e de V. Alteza (Idem: 143).

A ao imediata da Coroa portuguesa no levou extino sumria das capitanias, foram as atribuies pblicas dos capites- donatrios que se incorporaram ao sistema de Governo-Geral. Os capites-donatrios passaram a ser fiscalizados pelo poder rgio em assuntos militares, fazendrios e de justia (Faoro, 1975). O primeiro governador-geral, Tom de Souza, chegou ao Brasil com um documento que, segundo Faoro, pode ser considerado a primeira Constituio do pas. O Regimento, lavrado em 17 de dezembro de 1548, ordenava que todos se submetessem ao Governador-Geral, na forma estipulada pelo Regimento. Tudo seria agora regulamentado, desde a relao dos colonos com os indgenas at a entrada no serto com a devida licena do soberano4.

Frente s tendncias autonomistas de colonos e donatrios a Coroa portuguesa impe sua administrao e controle. O povoamento e a colonizao deveriam estar ao alcance dos instrumentos de controle e represso da metrpole (...) (Faoro, 1975: 145). Foi assim que a m onarquia portuguesa dom inou e m anteve sob controle sua conquista. E, no exerccio desse controle, as Cmaras Municipais foram de extrema im portncia para

4. Tom de Souza, em nome do rei, passou a subordinar os agentes coloniais, reduzidos todos (...) em agentes do governo, obrigados a prestar midas contas de seus encargos. (...) Ningum, da por diante, poderia construir e armar navios e caraveles sem licena, vedado ao colono o comrcio com os ndios seno pelos cnones aprovados pelo governo. (...) Os moradores no podiam, tambm, entrar no serto, sem a licena direta do soberano (Faoro, 1975: 145).

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consolidar a presena real, bem como para domar e controlar os poderes locais. Mas no seria apenas este o intuito da metrpole.

A concentrao das populaes dispersas, em vilas, tinha tam bm um carter econmico e militar. Localizadas as pessoas, tornava-se mais fcil a cobrana dos tributos devidos Coroa, assim como a convocao para as milcias e a manuteno dos sditos na obedincia. Longe de um municpio autnomo, o que encontramos em todo o perodo colonial, predomina o municpio como elemento da administrao colonial e da presena do poder real5.

Marcando presena e reassumindo o controle administrativo, a Coroa no teve mais problema com a autonomia dos colonos, pois, estes foram incorporados rede de governo como auxi- liares e agentes (Faoro). Por meio da administrao municipal, os senhores da terra, eram integrados aos interesses comuns do Estado. Contudo, do final do XVI at a primeira metade do XVII, Portugal passou a fazer parte do reino da Espanha, o que levou a que a legislao espanhola - conhecida por Ordenaes Filipinas - em aluso a Felipe I, da Espanha, fosse implantada em Portugal e suas colnias. Durante o domnio espanhol a administrao portuguesa foi reformada e reorganizada tendo como modelo a administrao da poca dos Felipes.

Com a restaurao do reino de Portugal em 1640 atravs da casa de Bragana, a frouxa disciplina da unio dos reinos, sob a hegemonia da Espanha, cede ao imprio dos interesses da Coroa, vitalizada com a recm instituda dinastia de Bragana (Faoro,

5. (...) a fundao da vila serve para lembrar a autoridade da Coroa, empenhada em substituir a fora dos patriarcas pela justia rgia. (...) Os colonos e latifundirios, atrados para o caudilhismo, com a chefia de bandos armados na caa ao ndio, subordinam-se carapaa administrativa, integrando o Senado da Cmara, convertidos em homens-bons... (Faoro, 1975: 149).

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1975:150). Segundo Faoro, os colonos que de alguma forma contriburam para a restaurao esperavam da nova dinastia maior autonomia local. No entanto, ao invs disso, aconteceu exatamente o oposto. A passividade complacente da metrpole diante das Cmaras Municipais, frente aos caudilhos rurais, chega ao fim, bruscamente 6 (Faoro, 1975: 150).

Do que at agora foi apresentado possvel perceber, no que diz respeito s Cmaras Municipais, ou seja, aos poderes locais no perodo colonial, que, em primeiro lugar, eles no se constituem pelo desejo da comunidade em zelar pelo bem e interesses comuns; a origem das vilas e seus governos est mais relacionada com os interesses administrativos, fiscais e militares da Coroa portuguesa. Era preciso organizar o territrio, pois somente assim sua explorao seria eficiente. Em segundo lugar, possvel tambm, perceber um a tenso constante entre os interesses dos potentados locais e os interesses da Coroa, mesmo sendo os proprietrios rurais os que sero incorporados administrao municipal, ou at, por causa disso. Por outro lado, Caio Prado Jr. aponta um a peculiaridade da administrao colonial, a saber, a de que a administrao era um a s, no existiam adm inistraes distintas, cada um a com sua esfera prpria de atribuies. Assim, as atribuies das Cmaras eram tanto de ordem local como geral, elas funcionavam como elementos inferiores da administrao geral (Prado Jr., 1979).

No limite da vila, o rgo mais importante era o Senado da Cmara. O Senado da Cmara, ou simplesmente, Cmara, compunha-se de um juiz-presidente, trs vereadores, um procurador.

6. As Cmaras se amesquinham, convertidas em rgos auxiliares do Governador. Estavam passados os tempos em que a Coroa lhes estimulava o crescimento, para que elas melhor arrecadassem os tributos (Idem: 152).

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O juiz-presidente quando nomeado pelo rei era chamado de juiz- de-fora; quando era um cidado eleito pelos demais membros da Cmara, chamava-se juiz ordinrio7. Tanto os votantes quanto os votados deveriam fazer parte do grupo dos chamados homens- bons; desta categoria eram excludos os oficiais mecnicos, judeus, degredados e estrangeiros.

A forma da eleio era bastante peculiar e indireta. As pessoas habilitadas reuniam-se na Cmara Municipal e indicavam, por maioria, trs pares de eleitores. Cada par de eleitores organizava uma lista trplice. O Presidente da Cmara conferia as listas e organizava, com os nomes mais votados, trs listas definitivas. Essas listas trplices eram encerradas em trs bolas de cera, os pelouros. No dia 8 de dezembro de cada ano, um menino de sete anos era levado Cmara, e metendo a mo por um cofre onde se guardavam os trs pelouros, tirava um. As pessoas indicadas na lista escolhida desta forma serviriam no ano seguinte. Assim por trs anos consecutivos, at que no restassem mais pelouros. Ento, iniciava-se um novo processo eleitoral (Prado Jr., 1979: 314). Se alguns dos eleitos, por algum motivo no pudesse exercer o cargo, era substitudo, mas desta vez, era escolhido diretamente pelos oficiais da Cmara: procurador e vereadores. Este tipo de eleio era chamado de barrete. Assim, o juiz, os vereadores e procurador podiam ser de pelouro ou de barrete. O juiz e o procurador (...) deviam ser confirmados pelo ouvidor com as chamadas cartas de usana. Os vereadores, pelo contrrio, empossavam-se logo que se iniciava seu mandato, bastando um juramento de servir bem ao cargo (Idem).

7. Os juizes ordinrios eram sempre dois, exercendo alternadamente suas funes em cada ms do ano para o qual tinham sido eleitos. Ao contrrio dos juzes-de-fora, serviam sem remunerao, como os demais membros da Cmara (Prado Jr., 1979: 314).

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As Cmaras Municipais durante esse perodo j tinham patrimnio e finanas prprias:

O patrimnio compunha-se das terras que lhes eram concedidas no ato da criao da vila; constituam estas terras o rossio, destinado para edificaes e logradouros e para a formao de pastos pblicos. A Cmara podia ceder parte destas terras aos particulares ou afor-las. Constituam ainda o patrimnio municipal as ruas, praas, caminhos, pontes, chafarizes, etc. As finanas do Senado se formavam com os crditos que lhe competia arrecadar: foro (renda dos chos aforados) e tributos autorizados em lei geral ou especialmente concedidos pelo soberano. Dois teros da renda municipal pertenciam Cmara; o ltimo revertia para o Real Errio da capitania (Idem: 316).

As Cmaras tambm nomeavam o juiz almotacel, encarregado de fiscalizar o comrcio de gneros de primeira necessidade e a higiene pblica; os juizes de vintena, que tinham as mesmas atribuies dos juizes ordinrios, mas que atuavam nas freguesias; o escrivo da Cmara e alguns outros funcionrios auxiliares. Era de competncia das Cmaras editar posturas; processar e julgar os crimes de injria verbais, pequenos furtos e as infraes de seus editos (Prado Jr., 1979: 317). Prado Jr. j havia ressaltado a indeterminao de funes locais e gerais das Cmaras, se algumas vezes o Governador Geral que se imiscui nos assuntos locais, prorrogando o mandato de algum juiz ordinrio, por exemplo, em outros casos, so os poderes locais, nomeando, por exemplo, os fiscais da Intendncia do Ouro, que atuam como administrao geral.

Em 1821 ocorreria a primeira eleio geral no Brasil, realizada

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para escolher os deputados que iriam s Cortes de Lisboa redigir a primeira Constituio da monarquia portuguesa. At esse m omento, as eleies tinham, no Brasil, um carter local. Eram realizadas apenas para eleger os oficiais das Cmaras, isto , o governo das vilas e cidades.

Para a eleio dos deputados brasileiros s Cortes no houve qualificao prvia de eleitores, nem partidos polticos (no existiam). Todos os habitantes de uma freguesia seriam os eleitores, o povo votava em massa, inclusive os analfabetos. Era uma eleio em vrios turnos: primeiro as comarcas elegiam seus representantes, estes participavam das juntas eleitorais nas provncias que, dentre todos, elegiam os deputados representantes do Brasil nas Cortes.

O sistema eleitoral no Brasil, em seu incio, teve duas Instrues (leis eleitorais): as de 7/3/1821 e de 6/2/1822, copiadas da Constituio espanhola de 1812, que contemplava o sufrgio universal. Porm, j em junho de 1822, nova Instruo elaborada no Brasil restringia o voto do povo. A lei exclua do voto todos aqueles que receberem salrios ou soldadas por qualquer modo que seja (Ferreira, 2005: 74). bem verdade, que o direito de voto se estendia s mais altas categorias dos empregados como guarda- livros, primeiros caixeiros de casas comerciais, alguns criados da Casa real e administradores de fbricas e fazendas. O analfabetismo no era impedimento ao direito de voto (Idem: 74-75).

Com a independncia, a Constituio de 1824 estabeleceria no artigo 167: em todas as cidades, e vilas ora existentes (...) haver cmaras, s quais compete o governo econmico, e municipal das mesmas... (Ferreira, 2005: 90). Como podemos ver nesse momento o papel das cmaras e de seus oficiais est ligado administrao municipal, sem qualquer atividade legislativa. Nessas condies o cargo de Presidente da Cmara eqivalia ao de Prefeito. Pela nova

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lei os procos ficavam encarregados do censo de sua freguesia, assim como, a novidade, nesta lei, era a eleio ser realizada dentro da prpria Igreja (Idem: 96). Afora essas novidades era pelas Ordenaes do Reino que as Cmaras Municipais pautavam suas normas eleitorais, at que, em Io de outubro de 1828 foi sancionada a lei que estabelecia como seria a eleio. A lei determinava em seu artigo Io: as cmaras das cidades se comporo de nove membros, e as das vilas de sete, e de um secretrio (Idem: 114).

A eleio desses membros seria feita de quatro em quatro anos, sendo convocadas com quinze dias de antecedncia, por editais afixados nas portas das parquias das vilas e cidades (idem: 114).8

Tanto Faoro quanto outros estudiosos so unnimes ao afirmar que as Cmaras, no perodo imperial, detinham recursos escassos o que, dentro de um contexto maior, contribua para a imposio do poder e da vontade dos potentados locais, nas cidades do interior.

(...) a incapacidade financeira das cmaras municipais (...) deixava-as inermes diante do poder econmico, concentrado, no interior, nas mos dos fazendeiros e latifundirios. No era (...) o municipalismo o fruto das reformas, seno o poder privado, fora dos quadros legais, que se eleva sobre as cmaras... (Faoro, 1975: 307).

Essas influncias privadas dentro das cmaras municipais ir

8. Conforme Ferreira, o eleitor entregava ao presidente da mesa duas cdulas: uma com os nomes dos cidados em quem votava [no havia candidatos oficiais nem partidos polticos votava-se em quem se quisesse] para vereadores; e outra, com dois nomes, um para juiz de paz e outro para suplente (Ferreira, 2005: 115). Os que obtivessem maior nmero de votos seriam os vereadores e, dentre estes, o de maior votao seria o presidente da Cmara.

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se prolongar para alm do Imprio adentrando na Repblica, desenvolvendo-se cada vez mais o mandonismo local.

A Repblica, em sua Constituio de 1891, mesmo abraando o princpio federativo, deixou para regulamentao posterior a questo municipal, resguardando apenas a estrutura administrativa e a autonomia (Santana, 200:46). Segundo Janotti (1992: 32- 33), citado por Santana (2000: 46):

A renda dos municpios, em geral, ficaram nfimas resultando na reduo da autonomia e do prestgio poltico das Cmaras Municipais. Reforou-se, no entanto, o domnio do poder privado na vida municipal, negando s comunidades dos pequenos centros urbanos qualquer forma de atividade pblica que pudesse significar uma participao democrtica.

Desta forma, durante toda a Repblica Velha, as Cmaras Municipais viram-se atreladas a um esquema de poder que envolvia estados, municpios e poder federal. O objetivo final era a m anuteno da oligarquia latifundiria, e seus interesses em todas as esferas de poder. Era no municpio, privatizado pelos potentados locais, que se garantia a escolha dos representantes de confiana dos terratenentes para as assemblias estaduais e federais. Estes representantes, por sua vez, deveriam ser favorveis s polticas dos governadores e do Presidente da Repblica. Por outro lado, os chefes locais estavam desimpedidos para atuar segundo suas convenincias nos assuntos relativos aos municpios.9

9. Assim, os chefes locais garantiam incondicional apoio aos candidatos oficiais nas eleies estaduais e federais, recebendo carta branca, por parte da situao estadual, nos assuntos relativos ao municpio, inclusive nas nomeaes dos funcionrios para os cargos pblicos estaduais e federais da localidade de seu domnio (Santana, 2000: 48).

O avano do processo de industrializao com sua m odernidade tecnolgica trouxe tambm algumas mudanas no plano poltico. A Revoluo de 1930, com seus prs e contras, interferiu diretamente no esquema imposto pela oligarquia latifundiria ligada monocultura exportadora. A reorganizao do bloco de poder levou a alguns avanos na legislao como, o voto feminino, a profissionalizao dos servios pblicos e as leis trabalhistas. O desmonte da gigantesca mquina poltica da Repblica Velha, calcada nas relaes municipais, clamava o erguimento de uma nova mquina poltica (Santana, 2000: 52).

O novo governo da Revoluo dissolve as Assemblias Legislativas dos estados e todas as Cmaras Municipais (Santana, 2000: 52), os prefeitos passam a ser nomeados.10

Com a implantao do Estado Novo, em 1937, o controle do poder federal sobre os estados e municpios se amplia. A autonomia formal dos municpios foi mantida, assim como a eleio de vereadores, mas no a de prefeito que continuou a ser nomeado pelo governador do estado. Durante o Estado Novo no houve grandes mudanas em relao aos municpios e suas Cmaras.

Nova fase de euforia e alforria das Cmaras Municipais ocorreu com a redemocratizao em 1946, quando uma nova Constituio fortalece os municpios, no apenas reconhecendo sua autonomia (Art. 28), como tambm os favorecendo na discriminao das rendas (Santana, 2000:55).

At o golpe de 1964 a situao em relao s Cmaras M unicipais no m udar. A C onstituio de 1947 concedeu a

10.0 Decreto n 19.398, de 11/11/1930 no seu artigo 11 (...) determinava a nomeao de todos os prefeitos pelo interventor do respectivo Estado, dando- lhes o exerccio, tambm pleno, dos poderes Executivo e Legislativo Municipal (Santana, 2000: 53).

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distribuio igualitria, entre todos os m unicpios, de parcela do im posto de rendas (Idem: 56), o que garantiu os recursos m unicipais.

O governo militar, atravs da Constituio de 1967, manteve e ampliou a autonom ia municipal, pelo menos no que tangia aos interesses do governo federal e a um estado policialesco. Por um lado, o Presidente da Repblica poderia intervir nos estados e municpios suspendendo direitos polticos. Por outro lado, O Ato Institucional n8 de 6/4/1969, a pretexto de um a reforma administrativa, ampliou os limites do Poder Executivo dos Estados e Municpios para editarem decretos (Idem: 60). claro que esta medida dava um grande poder aos executivos locais que poderiam cassar vereadores e demitir, remover ou aposentar compulsoriamente qualquer servidor municipal suspeito aos olhos do executivo e do Estado.

Foi um a poca difcil para toda a sociedade brasileira, pelo menos para a maioria, que no estava diretamente com prom etida com a ditadura militar. Nessa poca, nos municpios, o legislativo estava limitado participao de dois partidos polticos a Aliana Renovadora Nacional (ARENA) que apoiava o regime e o Movimento Democrtico Brasileiro (MDB) um a ampla frente que congregava todos os que lutavam - dentro dos limites impostos pelo Estado de exceo - pelo retorno ao Estado de direito e democracia.

Finalm ente, a C onstituio de 1988 consagrou a au tonomia m unicipal. Cada m unicpio deve reger-se por um a Lei Orgnica, feita e aprovada pela Cm ara M unicipal, alm disso delega inm eras atribuies ao seu Legislativo e alarga o direito de iniciativa incluindo a participao popu lar (Santana, 2000: 61).

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As Cmaras Municipais, no Brasil, tm um a longa trajetria. Presentes desde o incio da colonizao como brao avanado da Coroa portuguesa fizeram um longo percurso at obter sua autonomia. No nasceram do entendimento e da necessidade de estar a servio do bem comum, posto que tiveram sua origem no Estado patrimonialista portugus, pelo qual o pblico est a servio de interesses privados. Mas avanaram na direo oposta medida que a sociedade se transformava no decorrer do processo histrico. Hoje as Cmaras no tm mais o poder de administrar os municpios, suas principais funes so a de fazer as leis municipais de acordo com os anseios da maioria da populao e a de fiscalizar o poder executivo. A longa jornada f-las avanar em direo da valorizao do bem pblico comum e do convvio democrtico em sociedade.

^^Referncias

FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formao do patronato poltico brasileiro, 2a ed., Porto Alegre: Globo; So Paulo: Edusp, 1975.

FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evoluo do sistema eleitoral brasileiro, 2a ed., Braslia: TSE/SDI, 2005.

SANTANA, Sulavan F. A iniciativa legislativa no municpio um fator de desarmonia entre os poderes. Monografia apresenta da como critrio parcial de concluso do curso de Especializao em Administrao e Assessoramento Parlamentar - CEAAP, Ministrado pela Escola de Governo Joo Pinheiro. Belo Horizonte: Escola de Governo Joo Pinheiro, 2000.

PRADO JR., Caio. Formao do Brasil Contemporneo. 16a Edio. So Paulo: Brasiliense, 1979.

WEHLING, Arno e WEHLING, Maria Jos C. Formao do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

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C m a r a M u n i c i p a l d e S o J o s D o s

C a m p o s : H i s t r i a , O l h a r e s E R e c o r t e s

( 1 7 6 7 - 1 8 9 0 )

Maria Aparecida Papali Valria Zanetti

f y m u m a r s t i c a e p e q u e n a capela, aproximadamente 400 ndios entoaram o Te Deum Laudamus, canto gre- goriano que fez parte da cerimnia de comemorao de

elevao da Aldeia de So Jos do Parayba condio de Vila, em 1767. Esse ritual dava incio histria da Cmara da cidade de So Jos dos Campos, pois somente ao serem erigidas como vilas, povoados e aldeias passavam a ter direito construo de Cmaras, Cadeias e Pelourinhos.

As Cmaras exerciam forte influncia na organizao administrativa dos primeiros povoados brasileiros. Nos documentos

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que relataram a elevao das primeiras vilas no perodo colonial apareciam as preocupaes com os locais onde deveriam ser instaladas as Cmaras; geralmente no entorno das praas, tendo como vizinhos prximos os espaos destinados Igreja, ao pelourinho e cadeia. No caso especfico da Vila de So Jos do Parayba, encontram-se em seu Auto de Ereo, datado de 27 de julho de 1767, as recomendaes para que essas edificaes fossem rapidamente construdas. Durante a construo do estabelecimento, a Cmara funcionou, por algum tempo, na vivenda dos jesutas que habitavam a Aldeia, conforme consta do documento:

(...) Os atos de vereanas, e mais determinaes da governana da mesma Cmara nova se fizessem no salo das casas de vivenda dos denominados Jesutas em quanto se no estabelece casa de Cmara e que se fizesse hum armrio com portas e fechaduras para se guardarem os livros e mais papis pertencentes ao governo da nova Villa em que por ora viria assistir a estes atos de vereana o escrivo da Villa de Jacarehy, enquanto o Illmo. E Exmo. Gov. e Cap. General desta Capitania no provesse outro escrivo prprio desta Villa, com declarao que a casa da Cmara sempre ficaria de fronte do Pelourinho, e a mesma cadea anexa, conforme praticado nas mais Vilas desta Comarca (Auto de Ereo, 27/7/1767).

Nota-se que o espao a ser ocupado pela vila alojava, estrategicamente, alguns dos smbolos coercitivos utilizados pela coroa portuguesa para controlar os moradores do povoado: o pelourinho e a cadeia, elementos da poltica de colonizao que endossavam a fora da justia nos domnios da coroa portuguesa na Amrica.

No momento de elevao da Vila de So Jos aparecem as primeiras autoridades coloniais que passariam a fazer parte do seu

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cenrio administrativo. Na poca, foi nomeado Diretor o Capito- M or Jos de Arajo Coimbra e, Capelo, o Vigrio Antonio Lus Alendes. Esses dois agentes da Coroa, juntamente com o proco da Vila de Jacarehy, Leonardo Jos de Moura e mais 29 moradores da recm-criada Vila, alm de alguns ndios, assinaram o documento de ereo da Vila de So Jos, conforme trecho a seguir: presentes se achavam os mesmos ndios, que sabiam escrever que todos assinaram depois de lido por mandado do dito ministro este acto de ereco desta Villa. Assim, o primeiro documento que oficializou o funcionamento da Cmara e deu origem Vila de So Jos do Parayba foi assinado por homens brancos, funcionrios a servio do rei e por ndios alfabetizados, submetidos a um penoso processo de aldeamento.

Consta ainda desse documento um adendo sobre as eleies que deveriam instituir os primeiros juizes, vereadores, procuradores e oficiais que iriam permanecer por trs anos frente Cmara da nova Vila. O processo da eleio bem interessante, tendo incio com o Ouvidor Corregedor da Capitania convocando os ndios da Vila de So Jos para escolherem os eleitores:

(...) Fazendo votar os ditos ndios em pessoas que achassem mais idneas para eleitores, que houvessem de proceder na factura dos sobreditos Juizes, e mais oficiais, que ho de servir em Cmara os preditos anos, que so os primeiros depois da ereo desta Villa, em governana da mesma, por haverem sido convocados por edital, que se lhes fez publicar, e afixar no Pelourinho, e assim se procedeu na dita eleio e nomeao de eleitores na forma das ordenaes de S. Mag. (Auto de Ereo, 27/7/1767).

Os dois documentos acima nos permitem perceber que os ndios podiam votar, mas no fazem meno s suas possveis

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candidaturas aos cargos pblicos. Ao serem examinados os votos, em presena do Corregedor foram anunciados os primeiros eleitos da Vila de So Jos, os senhores Igncio da Costa, Miguel de Moura, Jorge Furtado, Bartolomeu de Pinto, Andr de Lima e Jos Baptista. Na ocasio, tambm foram eleitos os primeiros Juizes: os senhores Fernando de Souza Pouzado e Gabriel Furtado; no mesmo dia foram divulgados os primeiros vereadores da Vila: Vicente de Carvalho, Verssimo Correa e Luiz Baptista, bem como foi escolhido para Procurador do Conselho Domingos Cordeiro.

No Brasil Colnia, as Cmaras das vilas concentravam praticamente todos os poderes, ficavam encarregadas, inclusive, de administrar questes relativas s demarcaes de terras. A Vila de So Jos, territrio ento desmembrado da jurisdio de Jacare foi palco de grandes disputas. A polmica demarcao da nova vila resultou em muitas mortes e motins. No Auto de Ereo da Vila de So Jos do Parayba, o Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca mencionaram que os limites territoriais da nova Vila eram muito pequenos e precisavam ser ampliados. Alegava-se como justificativa para estender os domnios da sesmaria dos ndios a pequena rea demarcada. A proposta levou o Ouvidor Geral a convocar as Cmaras de Jacare e Taubat para aprovarem a nova regulamentao:

(...) por essa razo lhe destinou elle dito Doutor Ouvidor Geral e Corregedor o referido limite, por insinuaes que para isso tomou, e da mesma forma teria a dita Villa erecta jurisdio at onde acaba o capo grosso, onde assiste presentemente, em seu stio a Miguel Rodrigues, por ficar mais prximo a dita nova Villa no somente o limite dgua comprida at a dita paragem Paranangaba mas tambm tudo o que compreende at a sada do dito

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capo grosso, convindo as Cmaras das ditas Villas de Jacarahy e Taubat, pela razo de se tirar a jurisdio de uma e outra as partes respectivas, para a ereo desta nova Vila em que sempre ficam exceptuadas a quatro lguas de terras e campos que possuem os habitantes desta nova Villa para que aprovando as ditas Cmaras a regulao do dito Limite retro declarado poderem os oficiais desta nova Villa recorrer a S. Mag. Fidelssima para lhes haver de confirmar o destinado Limite que excede Sesmaria das terras dos ndios, a qual Sesmaria muito restrita para o termo da mesma Villa... (Auto de Ereo, 27/7/1767).

Ao que tudo indica, parece que havia discordncia em relao aos limites territoriais indicados pelo Ouvidor Geral no Auto de Ereo. Cartas enviadas pela Cmara da Vila de So Jos ao Governador da Capitania, nos anos de 1768 e 1769, do conta de pendncias at ento no resolvidas com as Cmaras de Jacare e Taubat:

No dia 3 de janeiro fomos incorporados, a ordem de V. Exa, a tom ar pose e fincar marco no distrito consignado a esta Villa Nova servindo-nos de guia o tenente Alz de Afon, como V. Exa lhe determinou, para o que em nome desta Cmara sedeu parte a Cmara de Taubathe para a dita demarcao, nos puseram dois obstculos, ambos com fundamento, o primeiro que no novo foral desta Villa declarou o Doutor Ouvidor e Corregedor, que seria o termo demarcado nas tais paragens convindo as Cmaras de Taubathe e Jacarehy; e segundo que as ordens que V. Exa nos passou, dizem para demarcar freguesia e no o termo da Villa, Seria interessante falar dessa progresso da cidade de aldeia a vila sem ser freguesia, pela primeira dizem que tambm do conta

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a V. Exa alegando e desfralde que tem, e sem embargo disso, se V. Exa mandar que seja na dita paragem que forosamente o ho de aceitar, porque enfim senhor e segundo lugar carecemos que V. Exa nos mande outras ordens para darmos fim a esta to necessria obra (Coleo Morgado de Mateus, 7/1/1769).

A ingerncia das Cmaras no cotidiano dos habitantes do Brasil colonial deixou marcas na nossa histria. As Cmaras interferiam em quase tudo, tanto em grandes questes administrativas ou criminais, como nas menores pendncias cotidianas, daquelas envolvendo pequenos furtos ou injrias verbais entre vizinhos, por exemplo. As questes religiosas e espirituais eram tambm inmeras vezes da competncia administrativa das Cmaras. Em carta enviada s autoridades da Capitania em 1768, a Cmara da Vila de So Jos solicitou a nomeao do Padre Timteo, de Taubat, como Vigrio da nova Vila. Ficou acertado que o padre receberia 100 mil ris por ano, quantia que deveria ser cobrada do povo e, como o mencionado padre era muito velho, a Cmara se prontificou a realizar tal cobrana:

V. Exa foi servido incumbir-me solicitar ao R. Padre Thimotio morador na Villa de Taubathe, para vir ser Vigrio da Villa Nova de So Jose pela boa informao que eu, dele dei a V. Exa pa o tal emprego, por ser clrigo de maior, discreto, judicial, por que foi a de voto, antes de se ordenar, que pode encaminhar, e dirigir bem a criao da Va.Fui a Vila de Taubathe falar-lhe e tratei com ele sobre a matria; em que sentamos que se lhe dariam 100 mil ris por ano, que se cobraro do povo, porm como se achava j velho, e ficando a cobrana a seu cargo, se punha no risco de perder tudo, por cuja razo acertamos,

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em que, se lhe faria certo o dito compito, pela Cmara, como se pratica em Sorocaba, fazendo-se eu procurador, e tesoureiro para estes repartir pelo povo o dito compito, e cobrar no tempo da Pscoa como nas mais freguesias, fazendo-se na mesma Cmara outro termo de ser s para aquele Vigrio (Coleo Morgado de Mateus, 16/12/1768)

O documento nos traz duas importantes questes ligadas aos obstculos para a demarcao da Vila de So Jos da Parahyba: o primeiro aponta que caberia s jurisdies de Taubat e Jacare a responsabilidade pela demarcao; o que implica um acordo estabelecido entre as zonas de fronteiras, denotando certa preocupao do ouvidor geral de So Jos. De fato, houve resistncia por parte da Cmara da Vila de Jacare em legitimar o novo espao. O segundo item discutido diz respeito a um trunfo bastante utilizado pelos memorialistas da cidade para reafirmar o valor e progresso do povoado no passado: So Jos se fez vila sem se tornar freguesia. No entanto, esta era um a determinao do rei ao governador da capitania: erigir em vila todas as aldeias com o fim de proteger e aumentar a populao indgena, para prestar servios corte (Auto de criao e estabelecimento da Nova Vila de So Jos do Parayba pelo Dr. Salvador Pereira da Silva, Ouvidor e Corregedor da comarca de So Paulo, 27/julho de 1767). Representando a Coroa portuguesa no Brasil, a instalao da primeira Cmara em So Jos implicou um a ingerncia no cotidiano dos seus habitantes.

No incio do sculo XIX o Vale do Paraba ainda mantinha-se tmido em suas atividades econmicas; a agroindstria exportadora tinha pouca expresso e o caf - principal m otor do crescimento econmico da regio - , s se desenvolveu como lavoura de

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exportao a partir de 1830; as Vilas do Vale do Paraba buscavam, na produo para o abastecimento interno, um a oportunidade de atividade mercantil. Mafalda Zemella apontou a transformao das Vilas do planalto paulista em abastecedoras de gneros alimentcios e animais de carga para a regio das Minas Gerais:

A regio planaltina transformou-se, nessa poca recente dos descobrimentos (de ouro), na verdadeira retaguarda econmica das minas, privilegiada com relao ao Rio de Janeiro, j que esta Capitania no dispunha de caminho direto para manter o intercmbio com o hinterland aurfero, e tambm privilegiada com relao Bahia porque esta fora proibida de negociar com as Minas (1990: 63).

Fig. i - Casa de Cadeia e Cmara - construo padro no perodo colonial e parte do perodo imperial que abrigava a Cmara, no pavimento superior, e a Cadeia no trreo. Ilustrao: Shirley Gomes

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A Vila de So Jos do Parayba era, dentre as demais da regio, possivelmente a mais tmida e acanhada. A descoberta do ouro na regio das Minas Gerais por volta de 1680, segundo Zemella, dinamizou todo o comrcio da Capitania de So Paulo e, seria de se supor, que a onda tivesse atingido a Vila de So Jos que, mesmo frgil, tenderia a buscar o circuito comercial. o que sugerem dados levantados em algumas Atas da Cmara do incio do sculo XIX, sobre a arrematao do estanco11 do comrcio de bebidas da terra e de mar em fora, isto , bebidas do Reino - aguardentes de uva, vinhos, azeite e vinagre - e das aferies dos pesos e medidas usados na Vila.

Questes relacionadas dinmica econmica para fins de subsistncia tambm podem ser vislumbradas com a leitura das Atas da Cmara de So Jos. Nas duas Atas, de 1804 e 1809 podemos identificar o fornecimento de carnes para a Vila. O arrematante, Bernardino de Sena em ambas as ocasies, assumiu o compromisso de matar reses quando fosse necessrio, chegando concluso (Ata de 1809) que faria a cada 15 dias, para melhor atender aos habitantes da Vila; a pequena demanda do povoado praticamente dispensava o abastecimento de outras regies.

Antes do advento da cultura cafeeira, entre o sculo XVIII e incio do sculo XIX, o Vale do Paraba sofria com a pobreza e a conseqente disseminao de doenas infecto-contagiosas. A partir do final do sculo XVIII a hansenase, conhecida como lepra, espalhava-se pela Capitania paulista, dando incio a uma poltica segregacionista, implantada pelas autoridades locais. Os enfermos eram expulsos dos ncleos urbanos por meio de verdadeiros rituais de expulso, ocasies em que recebiam algumas

11. No Brasil Colnia, estanco era o privilgio comprado da Coroa Portuguesa para se ter o direito de comerciar os mais diversos gneros.

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roupas e alimentos suficientes para alguns dias. Eram proibidos de executar tarefas e de conviverem com a comunidade em geral, pois o pavor milenar da doena contagiava at os coraes mais cristos (Bertolli Filho: 1996).

Questes relativas aos hbitos, costumes e molstias da populao tambm puderam ser identificadas nas Atas da Cmara de So Jos. O contedo da Ata de 25 de dezembro de 1809 nos mostra que tambm a Vila de So Jos do Parayba andava s voltas com o medo e repulsa causados pela presena de infelizes portadores de hansenase, existentes em grande nmero na Capitania de So Paulo, os quais perambulavam de um a Vila para outra, ao encalo de esmolas e caridade.

No obstante ter sido elaborada na data mxima da cristandade (25 de dezembro) a referida Ata emite sinais claros de segregao aos portadores do mal de Lzaro. No texto da Ata consta a proibio de que tais doentes no poderiam trabalhar na confeco de alimentos que seriam revendidos por comerciantes locais, resultando em multas e at em priso para aqueles que infringissem tais normas. Pela Ata sabe-se que Manoel Rodrigues arrematou o estanco de bebidas por 63$000, entretanto lhe foi imposta uma condio:

(...) to bem com a condio de no aceitarem comestveis de casas daqueles que tiverem o mal de Lazaro de que se constar que houvesse vendido comestveis das tais casas ser o mesmo rematante preso e condenado em seis mil reis e trinta dias de cadeia ficando sujeito as nossas posturas e correes surtindo o seu estanco de todas as bebidas de fora na forma do veo e costume.. (Ata da Cmara, 25/12/1809).

No incio do sculo XIX, a Vila de So Jos era ainda um povoado pobre, um forte representativo das pequenas vilas coloniais.

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A partir de 1822, com a Independncia do Brasil e advento do Imprio, as Cmaras Municipais perderam algumas funes polticas e financeiras, embora seus presidentes ainda exercessem funes administrativas. No entanto, mesmo um pouco mais engessadas, as Cmaras ainda participavam da vida poltica e social das vilas e cidades. Em 1831, aps a renncia de Dom Pedro em prol de seu filho (ainda m enor de idade), instalou-se no Brasil o perodo regencial, perodo que se configurou bastante tenso e com muitas revoltas.

Entre os dias 12 e 13 de julho de 1831 aconteceu um a suble- vao no Rio de Janeiro, do 26 Batalho de Infantaria, apoiado pelo Corpo de Polcia e por grupos populares. O ministro da Justia era o padre Diogo Antnio Feij, o qual agiu rpido, solicitando o envio de tropas de Minas e So Paulo, para enfrentar os revoltosos (Basile, 1998). Na Ata da Sesso Extraordinria de 2 de agosto de 1831 consta que a Cmara da Vila de So Jos tom ou providncias para arregimentar voluntrios para conter os sublevados da Capital:

Aos dois dias do ms de agosto do ano do nascimento de nosso senhor Jesus Christo de mil oitocentos e trinta e hum, se reuniro os membros da Cmara para darem cumprimento e execuo as ordens e determinaes de vrios governos pelas palavras do senhor presidente abriu-se a sesso. Nela convidou-se o juiz de paz para ler-se as proclamaes do Ex m Senhor presidente sobre a fora armada no Rio e comparecendo o senhor juiz de paz nos declara as providencias j por ele dadas e por acharmos justo unimo-nos com o dito juiz de paz e fomos a porta da matriz aonde leu-se todas as proclamaes do Ex. m Senhor presidente a fazia ver dos povos

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a necessidade em que se achava a capital do Imprio de que se oferecero sessenta cidados voluntrios a defender a causa do Brazil e na mesma ocasio abriu-se uma sociedade filantrpica para a sustentao dos ditos voluntrios at o vencimento de saldo ou at voltarem as famlias e na mesma se oficiou sobre este objecto do governo e dada a ora pelas palavras do senhor o presidente fechou a sesso (Ata da Cmara, 2/8/1831).

Tal incidente levou o governo regencial a criar uma outra instituio armada, o que j vinha sendo cogitado desde o Primeiro Reinado. Foi criada a Guarda Nacional pela lei de 18 de agosto de 1831, cuja concepo foi defendida pelo padre Feij, ento ministro da Justia. De acordo com o regulamento, a milcia da Guarda Nacional deveria ser composta por todos os brasileiros entre 21 e 60 anos que possussem renda mnima exigida para serem eleitores. Tratava-se, portanto, de uma milcia de cidados, os quais deveriam ser convocados quando as foras policiais fossem insuficientes.

A formao da Guarda Nacional estava atrelada aos m unicpios e parquias e subordinava-se aos juizes de paz (Vainfas: 2002: 318). Alguns meses aps a criao da Guarda Nacional, a Cmara da Vila de So Jos convocou vrias sesses para tratar da organizao da milcia da Vila. A sesso extraordinria de 29 de fevereiro de 1832 foi convocada para a criao propriamente da Guarda, seguida da sesso ordinria de 3 de abril de 1832, esclarecendo sobre o alistamento da Guarda Nacional e da sesso extraordinria de 30 de junho de 1832, referindo-se sobre o desmembramento da Guarda Nacional entre cavalaria e infantaria:

Aos trinta e dias do ms de junho do corrente ano nos paos do concelho reunidos os membros, o presidente Manoel Joaquim de Andrade por impedimento do

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atual, em presena dos vereadores Santos, Leme, Costa, Souza e Barros props o senhor presidente que avia convocado esta cmara extraordinria para contemplao da repartio da Guarda Nacional de cavalaria e infantaria deste municpio afixou-se o ptio da Matriz para cavalaria e para infantaria ficou adiado (Ata da Cmara, 30/6/1832).

Com o advento do Imprio e com a ampliao do poder do Estado sobre o espao pblico, as Cmaras Municipais adquiriram tambm a funo de olhar pela urbanizao das cidades, questo regulamentada pela Lei imperial de 28 de outubro de 1828 (Vainfas: 2002: 129). Os Cdigos de Posturas Municipais, implementados a partir da Constituio de 1824, continham regras e normas de ordenao espaciais, devidamente regulamentadas em 1828. Algumas medidas que buscavam ordenar o uso adequado das ruas j comeavam a ser tomadas pelas Cmaras.

O carter ruralizado da Vila de So Jos dos Campos pode ser notado nas Atas da Cmara. Existe uma crescente preocupao com a regulamentao da matana de porcos e cachorros, abatidos nas ruas para consumo ou utilizados na confeco de sabo. Uma outra preocupao do povoado era com os formigueiros, ao que tudo indica, muito numerosos na Vila de So Jos. Em diversas Atas da Cmara entre 1829 e 1835, os vereadores cobravam dos habitantes da Vila a retirada dos formigueiros dos seus quintais:

Requerimento de Joaquim Rodrigues Pereira remetendo ao fiscal para cumprir a postura da Cmara. Na mesma determinou ao fiscal que faa ver ao povo que dentro a trs meses tirem os formigueiros dos seus quintaes, to bem determinaram que fossem cobertas as taipas de telhas (...) (Ata da Cmara, 23/9/1831).

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Outra questo que passa a ser debatida nas sesses das Cmaras a partir de 1829 diz respeito ao processo de mudana do lugar de sepultamento dos mortos. No Brasil colonial, os mortos eram sepultados nas Igrejas ou ao redor delas. Somente em 28 de outubro de 1828, quando Dom Pedro I elaborou a lei de estruturao dos municpios, que dispunha no artigo 66, pargrafo 2o, sobre a recomendao s Cmaras Municipais para elaborar posturas relativas ao estabelecimento dos cemitrios fora dos recintos dos templos, que tais questes passaram a ser discutidas pelos vereadores.

Os chamados cemitrios extramuros, estavam diretamente ligados concepo de salubridade e urbanizao das cidades, que o incio da formao do Estado brasileiro comeou a delinear (Vainfas: 2002: 129). Na Vila de So Jos dos Campos, a prim eira sesso da Cmara a tratar do assunto ocorreu dia 23 de setembro de 1831, quando houve a demarcao do novo cemitrio, fora do recinto do templo:

Aos vinte trs reunidos os membros pelas palavras do senhor presidente abriu-se a sesso e nela (...) a cmara passou a demarcar o lugar para o cemitrio fora do recinto do templo em companhia da autoridade eclesistica e demarcaro hum lado da mesma Matriz do lado esquerdo com propriedade de Leonel de tal por julgarem aquele lugar conveniente (Ata da Cmara, 23/9/1831).

No entanto, as discusses em torno do lugar mais adequado para o cemitrio na Vila de So Jos ainda continuaram, principalmente porque a primeira mudana ainda conservou os m ortos no permetro urbano da Vila, o que vinha sendo considerado insalubre. Com a criao de faculdades de medicina no pas e principalmente com a criao da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro em 1829, os debates em torno dos perigos dos miasmas ca-

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davricos se intensificaram e muitos mdicos passaram a defender que o melhor para a sade pblica seria a construo de cemitrios fora do permetro urbano, distantes das cidades (Vainfas: 2002: 129). Em 9 de fevereiro de 1832, os vereadores da vila de So Jos se renem para decidir que a demarcao do cemitrio fosse feita fora do recinto da Vila:

Reunidos os membros o senhor presidente abriu a sesso. Na mesma se despachou um requerimento de Manoel dos Anjos requeira ao senhor Juiz de Paz para fazer observar a postura da Cmara. Na mesma indicou o membro Andrade que de parecer que o cemitrio j marcado, por no estar conforme de parecer que seja, fora do recinto da Vila, pondo o senhor presidente a votao foi decidido que se fosse no caminho que segue desta para Taubat, donde achando-se o reverendo vigrio presente conveio na dita marcao (Ata da Cmara, 9/2/1832).

A Vila de So Jos do Parayba permaneceu pacata e com uma economia basicamente de subsistncia at meados de 1850. Na dcada seguinte a pequena So Jos foi elevada categoria de cidade em 1864, ganhando Comarca prpria em 1872. Em 1871 So Jos recebeu o nome que ostenta at hoje: So Jos dos Campos.

De acordo com a historiografia, a lavoura cafeeira no Vale do Paraba teve incio na regio fluminense em torno de 1820 e a partir da se disseminou por todo o Vale do Paraba Paulista. Em finais da dcada de trinta, algumas cidades valeparaibanas como Areias, Lorena, Guaratinguet, Bananal, Pindamonhangaba e Taubat tornaram-se importantes ncleos de produo cafeeira com grande quantidade de trabalhadores escravos (Costa: 1992).

A cidade de So Jos dos Campos, prxima a Jacare, Caapava, Santa Isabel, Jambeiro, Paraibuna e Taubat, nunca mereceu lugar

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de destaque entre as cidades valeparaibanas produtoras de caf, de finais do sc. XIX. Embora apresentando um quadro de crescimento na produo cafeeira entre 1850 e 1886 (sendo 1886 o seu pice) So Jos dos Campos no chegou a conhecer os famosos bares do caf do Vale do Paraba, ou mesmo grandes e poderosos coronis, que chegassem a comandar toda uma regio.

Essa foi um a peculiaridade das lavouras de caf de So Jos dos Campos, onde mesmo as maiores fazendas no tinham grandes dimenses. O nmero de escravos encontrados nos Inventrios e Testamentos das dcadas de setenta e oitenta da cidade de So Jos dos Campos um indicativo dessa caracterstica. A grande maioria dos lavradores possua, em mdia, de 10 a 15 trabalhadores escravos em suas fazendas. Alguns poucos proprietrios chegavam a contar com o trabalho de 30 escravos em suas lavouras. Isso sem considerar que muitos Inventrios indicavam a existncia de stios com apenas 3 ou 5 trabalhadores escravos em suas lides, ou seja, sitiantes e pequenos proprietrios (Papali: 1996).

Em pesquisa realizada sobre a propriedade escrava no Vale do Paraba na dcada de 1870, Renato Marcondes pde comprovar que o padro mdio da propriedade escrava de So Jos dos Campos era inferior a cinco, enquanto em Bananal era acima de quinze cativos (2002:12).

Mesmo assim, os escravos de So Jos dos Campos tornaram- se um dos motivos das preocupaes das Posturas Municipais da cidade, principalmente a partir do final do sculo XIX, quando as regulamentaes dos cdigos se voltaram para o embelezamento e modernizao da cidade, ao mesmo tempo em que ditavam normas que regulavam e limitavam o ir e vir de escravos pelas ruas.

Nos Cdigos de Posturas de So Jos, entre 1862 e 1887 vai ficando clara um a cidade atenta abertura e conservao de

estradas, s normas de higiene e salubridade, ao alinhamento de ruas e casas e, principalmente, preocupada com normas relativas policia e segurana pblica, onde a figura do escravo se torna tema central. Nessas normas, as Posturas Municipais de So Jos vo ordenando horrios e delimitando espaos para que os escravos de ganho pudessem vender seu caf.

Nas Posturas Municipais de So Jos dos Campos de 1873 encontra-se, no art. 41 da Polcia e Segurana Municipal, a seguinte observao:

Todo aquele que durante a noite comprar m antim entos, ou caf de escravos, sem que este traga autorizao de seu Senhor, por escrito, pagar a multa de dez a vinte mil reis, e cinco a dez dias de priso, e o duplo na reincidncia (Posturas Municipais de So Jos dos Campos 1873/ art.41).

Em vrias pesquisas realizadas sobre o viver de escravos e escravas nas cidades pde-se constatar que, dentro das urbes, serviam estes a muitas modalidades de ofcio. Escravos de ganho, de aluguel, libertos e mestios pobres provavelmente se misturavam nas ruas, na venda de mantimentos, na feitura de caminhos, no ir e vir da construo diria de um municpio. Ao findar o dia, depois de entregue a fria estipulada por seus senhores, ficavam esses trabalhadores, ganhadores de jornais (dirias), proibidos de tornar a vender, ou simplesmente circular pelos espaos da cidade (Apud. Dias: 1995/ Silva: 1993/ Zanetti: 2002).

Mas, se as Posturas Municipais de So Jos dos Campos estipulavam que escravos e escravas no deveriam sair de seus horrios, o exame dos livros de Infraes de Posturas mostra que, essas prticas, de infringir, de transgredir, foram vivncias bastante adotadas naqueles tempos. Nas relaes de Infraes de Posturas,

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durante toda a dcada de setenta, no municpio de So Jos dos Campos, so vrias as multas aplicadas a escravos andarilhos noturnos, notvagas criaturas, que to teimosamente pareciam conspirar com a noite.

Em um a dessas infraes encontra-se o seguinte termo:Ao primeiro dia do ms de janeiro do ano de mil oi- tocentos e setenta e trs, nesta Cidade de So Jos dos Campos, em casa do actual Fiscal desta, o Cidado Manoel Rodrigues de Arajo Brito, onde eu Secretario abaixo nomeado, fui vindo a chamado do mesmo, ahi por ele Fiscal me foi ordenado, que lavrasse o presente termo de infrao de Postura , da multa de - dois mil reis - imposta por ele Fiscal a Joo Jos do Nascimento, por andar pelas ruas desta Cidade depois do toque de recolhida, um a escrava sua alugada, sem autorizao, cuja escrava sendo pela ronda encontrada, fra recolhida a priso, ficando assim o mesmo Senhor Nascimento, incurso no art. 41 das Posturas aprovadas em maio de 1862 (Livro Infrao de Posturas/ 1862/1867).

A partir de 1886 comeou a circular em So Jos dos Campos, o jornal A Vida, semanrio do Boticrio Antero Madureira, proprietrio da Farmcia Madureira, pequena botica existente na cidade. Durante praticamente toda sua existncia - de 1886 a 1890 - o jornal A Vida, por meio de seus editoriais e da colaborao de artigos publicados por leitores e assinantes, manteve um constante dilogo com o poder pblico da cidade de So Jos, representado pela Cmara Municipal e seus vereadores. Interlocuo que se fazia pela publicao freqente de Atas da Cmara, pelas cobranas e provocaes que o jornal A Vida muitas vezes fazia em relao ao comportamento dos vereadores, dos fiscais do Municpio, como tambm ao uso do dinheiro pblico.

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As cobranas em relao s normas das Posturas Municipais adquiriam enorme transparncia nas folhas do pequeno jornal. No raras vezes, espaos eram concedidos aos moradores da cidade, para que manifestassem seu descontentamento em relao ao trabalho efetuado pelos fiscais do municpio, ou fizessem reivindicaes de melhorias para suas ruas ou bairros, ou at mesmo reclamaes sobre vizinhos que relutavam no cumprimento das Posturas da cidade. Um espao do jornal A Vida, intitulado Seco Livre trazia sempre alguma recomendao dos moradores da cidade como, por exemplo, este endereado Cmara Municipal:

Cmara,Pede-se a mesma acima que mande abrir um caminho que partindo do Rio abaixo e atravessando a chcara do Pilo Velho, venha ter as proximidades desta Cidade; visto ser esta via de grande comodidade para os moradores das margens do Parahiba. Os Rio-baixenses (A Vida, 26/2/1888).

Abrir caminhos ou procurar por eles parece ter sido um a das marcas da cidade de So Jos. Na mesma seo, logo abaixo, uma outra reivindicao vinha expor outro grande problema da cidade, os formigueiros:

FormigueirosExistindo no potreiro de Nho Bino Miguel, morador nesta, diversos formigueiros; e o mesmo, s por esprito de fazer mal ao prximo, no os querendo matar rabu- jando mesmo quando o Sr. Fiscal d correo em seus domnios; pedimos aos Snrs. Camaristas que faam aquelle Sr. comprehender que a lei igual para todos. Os visinhos vtimas das formigas (Idem).

Nos dizeres acima, havia a formulao clara de um pedido Cmara Municipal efetuado por moradores da cidade, para que

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fossem efetivadas ordens quanto extino dos formigueiros. No entanto, em muitas outras reclamaes, estas reincidiam sobre a m atuao dos Fiscais do Municpio. O jornal A Vida publicou vrias reclamaes sobre a no-extino dos formigueiros do local. Parece que as formigas tinham vida longa nas terras de So Jos. Em um a dessas contendas travadas com a Cmara Municipal e seus fiscais, o boticrio Antero Madureira, com um artigo intitulado O Fiscal, emitiu claramente a opinio do jornal sobre o trabalho dos fiscais do municpio, considerado incompleto:

Dedicada aos interesses geraes, no pode o nosso pequeno jornal deixar de aplaudir e muito a proposta que o vereador Gonalves de Freitas, apresentou ultimamente a nossa illustre edilidade, referente a pronta extinco dos formigueiros que existem nos limites desta cidade... Havendo posturas municipais sobre o caso, e estando, portanto o Sr. Fiscal autorizado antecipadamente a fazer tal servio, afiguramos pelo modo de ser da proposta do Sr. Freitas, que aquelle empregado da Camara no tem a risca cumprido com os deveres inerentes a seu cargo...(A Vida, 1/12/1887).

Esta fala indicativa da provvel fora poltica que, em alguns momentos, certamente detinha o pequeno jornal A Vida. Ao chamar a ateno do Fiscal por no cumprir com seu dever, o boticrio Antero chama-o de empregado da Cmara, conferindo ao poder pblico da cidade parte da responsabilidade por este procedimento. Ironicamente, agradece ao vereador pela formulao de uma lei que j existia nas Posturas da cidade...

So vrios os espaos que vo se abrindo no peridico, onde cobranas efetuadas por moradores da cidade em relao Cmara - e mesmo o discurso do prprio jornal - evidenciam a conscincia

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desses moradores sobre a funo da Cmara Municipal. Se a ingerncia do poder pblico vinha se tornando cada vez mais freqente na vida das pessoas do municpio, tornava-se tambm maior a vigilncia dos moradores em relao organizao e competncia do poder institucionalizado.

A ironia presente no artigo do jornal demonstra a preocupao de trabalhar os temas com a relativa autonomia adquirida por aquela pequena imprensa junto comunidade local. Em uma seo intitulada Peties Noticiosas, de novembro de 1887, algumas anedotas mostram isso:

Temos sobre a mesa as seguintes Peties Noticiosas: Vrios Assignantes - pedindo que convidem o fiscal a matar os formigueiros: Indefferido: no costumamos estimular ningum contra os ENTES que lhe so caros.

Ou:Um eleitor - pedindo que se limpem ou carpam as ruas desta cidade: Indeferido: Por isso que precisamos de pastagens para os porcos, cabritos, bois, que por ahi vagueiam (A Vida, 1/12/1887).

Conforme notcia de A Vida possvel encontrar uma So Jos dos Campos cheia de contendas. As pginas do jornal evidenciam a existncia de alguns moradores dispostos a empreender jornadas pela manuteno de dispositivos que as leis internas da cidade traziam expressas, leis que certamente significavam a vontade de grupos sociais existentes na localidade.

So Jos dos Campos no final do sculo XIX se caracterizava como terra de pequenos e mdios proprietrios. Uma localidade onde campo e cidade se misturavam, no s nas evidncias que caracterizavam suas peculiaridades, como tambm na formao do prprio comrcio local, onde a lavoura se constitua num dos

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seus grandes alicerces. A cidade de So Jos, embora muito ligada ao campo, demonstrava - pelas muitas Aes Cveis encontradas durante as dcadas de setenta e oitenta - que muitos de seus m oradores no relutavam em acionar judicialmente aqueles que os ameaassem em seus direitos e benefcios, fossem negociantes ou lavradores (Papali: 1996).

O jornal do Sr. Antero Madureira deixava claro que alguns grupos de moradores da cidade tinham plena conscincia de serem, em boa medida, responsveis por parte da arrecadao para os cofres pblicos do municpio. Em um a de suas contendas com a Cmara Municipal, o articulista, em artigo no jornal A Vida, ao reclam