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Parecer Técnico - ARE nº 664335 - STF 1 Brasília, 29 de setembro de 2014. Ref.: ARE nº 664335 - STF. Ass.: Posicionamento quanto à descaracterização da aposentadoria especial por uso de Equipamento de Proteção Individual EPI para todos os fatores de risco à saúde, com destaque ao ruído. 1. O presente Parecer Técnico apresenta os argumentos sobre o uso de EPIs no tocante à concessão do benefício e financiamento da aposentadoria especial. 2. De pronto, tem-se que etimologicamente o vocábulo proteger representa o nível mais raso da Saúde do Trabalhador: o bem jurídico tutelado pela Constituição da Republica de 1988. Nesses termos leciona o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região Dr. Sebastião Geraldo de Oliveira, na obra Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 8 ª edição 2014. Ed LTr. Pg 47, conforme figura abaixo: Vocábulo Etimologia Significado Proteção Pro tegere (A frente + cobrir) Cobrir, abrigar, defesa de um agente exterior. Precaução Pre cavere (Tomar cuidado) Cuidados antecipados, acautelar-se. Prevenção Pre ver (Ver antes) Antecipar-se; preparação antecipada de algo. Promoção Pro movere (Para frente + mover) Pôr em execução; dar impulso a. 3. Os EPIs são projetados para mitigar apenas os efeitos sendo meramente protetivo dada especificas combinações de requisitos. Serve para atenuar lesões aos usuários decorrentes da exposição a agentes específicos durante o processo de trabalho. A produção e a comercialização dos EPIs são autorizadas, tecnicamente, pela emissão de Certificados de Aprovação (NR-6). Essa autorização é amparada exclusivamente em ensaios laboratoriais relativos a agentes específicos, implicando uma orientação ao projeto de EPIs por agente.

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Parecer Técnico - ARE nº 664335 - STF

1

Brasília, 29 de setembro de 2014.

Ref.: ARE nº 664335 - STF.

Ass.: Posicionamento quanto à descaracterização da

aposentadoria especial por uso de Equipamento de Proteção

Individual – EPI para todos os fatores de risco à saúde, com

destaque ao ruído.

1. O presente Parecer Técnico apresenta os argumentos sobre o uso de EPIs no tocante à

concessão do benefício e financiamento da aposentadoria especial.

2. De pronto, tem-se que etimologicamente o vocábulo proteger representa o nível mais

raso da Saúde do Trabalhador: o bem jurídico tutelado pela Constituição da Republica de 1988.

Nesses termos leciona o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região Dr.

Sebastião Geraldo de Oliveira, na obra Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença

Ocupacional. 8 ª edição – 2014. Ed LTr. Pg 47, conforme figura abaixo:

Vocábulo Etimologia Significado

Proteção Pro tegere (A frente + cobrir) Cobrir, abrigar, defesa de um agente exterior.

Precaução Pre cavere (Tomar cuidado) Cuidados antecipados, acautelar-se.

Prevenção Pre ver (Ver antes) Antecipar-se; preparação antecipada de algo.

Promoção Pro movere (Para frente + mover) Pôr em execução; dar impulso a.

3. Os EPIs são projetados para mitigar apenas os efeitos sendo meramente protetivo dada

especificas combinações de requisitos. Serve para atenuar lesões aos usuários decorrentes da

exposição a agentes específicos durante o processo de trabalho. A produção e a

comercialização dos EPIs são autorizadas, tecnicamente, pela emissão de Certificados de

Aprovação (NR-6). Essa autorização é amparada exclusivamente em ensaios laboratoriais

relativos a agentes específicos, implicando uma orientação ao projeto de EPIs por agente.

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4. A legislação não requer validação do projeto dos EPIs em testes de campo que

simulariam a sua utilização em condições reais e que, facilmente, evidenciariam deficiências

provocadas por essa orientação especializada nos projetos dos EPIs. Segundo alguns autores,

existem algumas divergências entre a atenuação de ruídos e desempenho dos protetores

auditivos encontrados em laboratório e no campo (Gerges, 1992)1.

5. Berger(1993)2 verificou em vinte estudos sobre o real nível de atenuação de ruídos dos

protetores auriculares, em que foram apresentados os níveis de redução contida nos rótulos, dos

protetores auriculares tipo plug e concha, medidas por testes em laboratório, e os níveis

efetivamente reduzidos no ambiente real.

6. Os protetores foram testados em mais de oitenta indústrias de sete países. Em todos os

testes foram verificados menores níveis reais de redução de ruído em relação daqueles

informados, com maior disparidade para os protetores tipo plug. Para os protetores tipo plug, as

reduções reais foram de 6% a 52% do valor rotulado, enquanto que os protetores tipo concha as

amostras oscilaram entre 33% a 74%. Concluiu-se também que, mesmo assim, os protetores

mais eficazes para a proteção a 10 dB são o de tipo concha.

7. Existe, ainda, uma deficiência na concepção dos EPIs desde a sua fase de projeto.

Grande parte dos EPIs é projetada para proteger contra agentes isolados, ignorando os

potenciais efeitos sinérgicos.

8. Além das dificuldades decorrentes do emprego de metodologias de projeto obsoletas,

as indicações para uso e manutenção dos EPIs atendem a sugestões de Serviços de Saúde e

Segurança no Trabalho (SST) e a indicações em rótulos e manuais de instruções elaborados por

fabricantes diversos, sem validação das indicações em testes de campo e sem referências para

avaliação da adequação do estado do produto. EPIs são concebidos como produtos

descartáveis, mas não são encontradas usualmente indicações de métodos de avaliação do fim

da sua vida útil.3

1 GERGES, S. N. Y. Ruído: fundamentos e Controle. Florianópolis, 1992.

2 BERGER, E.H. The naked truth about NRR’s. E.A.RLOG20: Twentieth in a comprehensive series of technical monographs

covering topics related to hearing and hearing protection. Indianapolis, Indiana: Cabot Safety Corporation (1993).

3 MEDEIROS, E. N. Análise de aspecto do gerenciamento do design de produtos em processos de modernização tecnológica

sob o enfoque ergonômico. 286f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Coordenação dos Programas de Pós-

graduação de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1995.

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9. Diversos problemas podem acarretar a inadequação dos EPIs a certas condições de

trabalho. Algumas das características desejáveis aos EPIs e que foram projetadas para conferir

maior segurança podem estar introduzindo dificuldades operacionais em muitas situações de

trabalho. Por exemplo, uma maior resistência de um tecido à permeabilidade, uma maior

resistência ao choque elétrico, uma maior resistência ao calor podem estar associados a

aumento de peso, menor conforto térmico e menos portabilidade dos EPIs. Outro aspecto

importante é a dificuldade da adequação dos EPIs às características antropométricas e

ambientais de cada localidade.

10. A legislação brasileira que define as atividades ou operações consideradas insalubres é

a Norma Regulamentadora n° 15 (NR-15). Porém, esta mesma NR-15 deixa uma brecha que

permite ao empregador “eliminar ou neutralizar a insalubridade” através da utilização de EPI.

Isso explicaria o fato do uso de EPIs ser a solução mais utilizada pelos empregadores para

eliminar ou neutralizar os riscos em detrimento do estabelecido pelo International Labour Office

(ILO, 2001)4.

11. Sabe-se que os EPIs têm a finalidade de proteção, ou seja, reduzir/ controlar e não de

evitar os riscos à saúde e à segurança dos trabalhadores. Consequentemente, na maioria dos

casos, a utilização de EPIs só deve ser considerada como um dos últimos recursos de

tecnologia de proteção/ controle de riscos aos trabalhadores (ILO, 2001). As medidas de

prevenção seriam aquelas que eliminam ou reduzem os riscos e perigos, atuando na sua fonte,

ou seja, evitam e/ou reduzem a geração do risco ou do perigo. A prevenção deveria ser

priorizada em relação a medidas de proteção ou atenuação dos riscos ou dos perigos. Na

maioria das situações, “proteger” parece ser mais “econômico” do que prevenir.

12. A falta de estímulo para a adoção de medidas de prevenção como solução viável para

controlar situações insalubres ou perigosas estimula a utilização dos EPIs como solução

paliativa, uma vez que os EPIs, normalmente, parecem ser a solução economicamente mais

vantajosa. Um indicador dessa falta de incentivos para medidas de prevenção é a carência de

estudos sobre desenvolvimento tecnológico de EPIs. Vale ressaltar que o estado da técnica dos

EPIs está bem distante da utilização desses equipamentos em situações reais.

13. Grande parte dos EPIs não seria adequada à sua utilização e/ou finalidade. A função do

EPI passa a ser de reduzir o risco ou mitigar a consequência. A legislação brasileira não é

efetivamente protetiva em relação aos EPIs quando aceita universalmente que o uso desses

4 ILO. International Labour Office. Guidelines on occupational safety and health management systems, ILO-OSH 2001,

Geneva. 2001.

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produtos deve eliminar ou neutralizar a insalubridade, assumindo que a proteção do trabalhador

ao usar o EPI é eficiente. (VEIGA, 2007)5.

14. Outro aspecto que impacta diretamente na qualidade e na eficiência dos EPIs é o

econômico. Normalmente, na escolha do EPI são consideradas variáveis financeiras, muitas

vezes ignorando custos socioeconômicos (e.g. custos para saúde dos trabalhadores e custos de

responsabilização trabalhista). A decisão de qual EPI utilizar é bastante influenciada pelo custo

deste EPI (CROCKFORD, 1999)6.

15. O uso de EPIs ainda requer necessariamente treinamento. Não basta determinar sua

necessidade, ocasião de emprego e a indicação apropriada do equipamento específico para

cada condição, é preciso prepará-los para utilizar corretamente esses equipamentos. É

necessário que saibam checar os equipamentos antes do uso, vestir corretamente para propiciar

boa proteção, desvestir e higienizar os equipamentos apropriadamente para evitar

contaminações, além de fazer a manutenção e guardá-los adequadamente, sob o risco dos

usuários, por não utilizá-los corretamente, sofrerem problemas de saúde e desacreditarem

completamente nesses equipamentos, dificultando ainda mais os trabalhos de prevenção de

acidentes que possam vir a ser desenvolvidos.

16. Em trabalho realizado por VEIGA5, foi analisada a eficiência e a adequação dos

Equipamentos de Proteção Individuais utilizados na manipulação e na aplicação de agrotóxicos

nas agriculturas brasileira e francesa. As evidências encontradas mostraram que os EPIs

utilizados em ambos os casos, além de não protegerem integralmente o trabalhador contra o

agrotóxico, ainda agravaram os riscos e perigos, pois se tornaram fontes de contaminação.

17. Além do trabalho produzido pelo Ministério da Agricultura francês (MINAG, 2006)7,

colocou-se em evidência que os equipamentos de proteção recomendados raramente eram

utilizados, o que permitiu questionar a eficácia real dos meios de proteção recomendados.

Também na França, os EPIs tiveram sua eficiência questionada. Jourdan (1989)8, Bernon

5 VEIGA, M. M. A contaminação por agrotóxicos e os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Rev. bras. Saúde ocup.,

São Paulo, 32 (116): 57-68, 2007

6 CROCKFORD, C. W. Protective clothing and heat stress: introduction. Ann. occup. Hyg., v. 43, n. 5. p. 287-288, 1999.

7 MINAG. Ministère de l’agriculture et de la pêche. Note DGFAR/SDTE/N2006-5029. Analyse et synthèse

des contrôles réalisés en 2003 et 2004 concernant le respect de la réglementation de protection de la santé, lors de l’utilisation des

produits phytosanitaires au sein des entreprises agricoles. 2006

8 JOURDAN, M. Développement technique dans l’exploitation agricole et compétence de l’agriculteur. 167 p. Thèse (Doctorat

en Ergonomie) – Laboratoire d’Ergonomie, Conservatoire National des Arts &

Métiers, Paris, 1989.

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(2002)9 e Brunet et al. (2005)10 estudaram as dificuldades ligadas à utilização dos EPIs e as

restrições que são geradas por sua utilização.

18. Na agricultura brasileira, especialmente em pequenas comunidades rurais, é comum

deparar-se com trabalhadores rurais sem os EPIs obrigatórios durante a manipulação e a

aplicação de agrotóxicos. Uma das principais razões para não se utilizar EPIs reside no fato de

que muitos dos EPIs utilizados na agricultura, devido a sua inadequação, podem provocar

desconforto térmico, tornando-os bastante incômodos para uso, podendo levar, em casos

extremos, ao estresse térmico do trabalhador rural (COUTINHO et al., 1994)11.

19. Oliveira e Machado Neto (2005)12 avaliaram a segurança no trabalho relacionada com o

uso de EPIs na aplicação de agrotóxicos para a cultura da batata. Eles constataram que o tipo

de EPI utilizado influenciava diretamente na possibilidade de exposição dos trabalhadores rurais

e, ainda, que mesmo utilizando os EPIs recomendados, os trabalhadores rurais continuavam se

contaminando, uma vez que os EPIs foram “erroneamente recomendados com base apenas na

classe toxicológica e não na exposição ocupacional que as condições de trabalho propiciam e na

sua distribuição pelo corpo do trabalhador”, ou seja, inadequados para situação real encontrada.

Por isso, faz-se necessário avaliar a adequação de cada tecnologia em saúde e as condições

ambientais e antropométricas encontradas em cada situação de fato.

20. Os EPIs são projetados, no caso de agrotóxicos, de forma a garantir proteção contra

agentes químicos externos, ou seja, para manter certas substâncias “fora” do organismo. As

mesmas propriedades físicas e químicas que fornecem aos EPIs essa característica de proteção

também os transformam, frequentemente, em bastante desconfortáveis e/ou inadequados.

21. Entre os dispositivos de vestuário comumente utilizados durante o manuseio e

aplicação de agrotóxicos alguns são muito difíceis de serem descontaminados. O chapéu, por

exemplo, tradicionalmente utilizado pelo trabalhador rural, geralmente é feito de palha, às vezes,

dependendo de regionalismos, de feltro ou de couro, todos os materiais bastante absorventes.

9 BERNON, J. Traitement du risque phytosanitaire à la MSA de l’Hérault. In: COLLOQUE DES CTR, CTN, CCMSA, 2002,

Bagnolet. Anais..., Bagnolet, 2002.

10 BRUNET, R. et al. Le risque et la parole: construire ensemble une prévention des risques du travail

dans l’agriculture et l’industrie. France: Octares Editions, 2005.

11 COUTINHO, J. A. G. et al. Uso de agrotóxicos no município de Pati do Alferes: um estudo de caso. Caderno de

Geociências, n. 10, p. 23-31, 1994.

12 OLIVEIRA, M. L.; MACHADO NETO, J. G. Segurança na aplicação de agrotóxicos em cultura de batata em regiões

montanhosas. Rev. bras. Saúde ocup., v. 30, n. 112, p. 15-25, 2005.

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22. Uma pesquisa desenvolvida com base na abordagem da ergo-toxicologia caracterizou

a contaminação por agrotóxicos (carbamatos) dos viticultores franceses. Os resultados foram

expressos em mg de matéria ativa depositada sobre a pele do agricultor (após análise da gaze

colocada na superfície corporal considerada). Com o tratamento estatístico dos dados, pôde-se

constatar (VEIGA, 2007)5:

– o fato de utilizar uniforme de proteção não evita totalmente a contaminação;

– durante a etapa de preparação, a utilização do uniforme reduz a contaminação;

– durante as fases de aplicação do produto e de limpeza, as pessoas que utilizavam os

uniformes de proteção eram globalmente mais contaminadas que aquelas que não utilizavam.

23. Veiga (2007)5, em seu trabalho aqui citado, concluiu que, nos casos analisados, os EPIs

não eliminaram nem neutralizaram a insalubridade, conforme estatui a legislação, e ainda

aumentaram a probabilidade de contaminação dos trabalhadores rurais em algumas atividades.

Por tudo que foi aqui exposto, consideramos improcedente a ideia de que a adoção de EPIs seja

considerada como uma das principais medidas para resolução dos problemas de segurança em

atividades de trabalho com agrotóxicos na agricultura, como vem sendo preconizada.

24. Hoje a questão da toxicidade crônica na avaliação dos agravos à saúde provocados

pelos agrotóxicos é considerada de grande importância pela OMS. É óbvio que toda redução de

exposição que puder ser conseguida é benéfica, mas fica evidente que apenas o uso dos EPIs

não é suficiente para garantir a segurança do trabalhador que lida com agrotóxicos,

evidenciando uma vez mais a necessidade de se investir em medidas coletivas de controle.

25. Dentre outros agentes nocivos à saúde, confere-se ao ruído um dos mais presentes

nos ambientes urbanos e sociais, principalmente nos locais de trabalho e nas atividades de

lazer. As medidas de controle passam necessariamente pelo combate das energias sonoras ao

longo do fluxo: fonte-trajetória-receptor, por óbvio a opção pelo uso isoladamente do EPI

auricular (EPI) agride a lógica, pois não se combate a causa limitando o efeito. E os efeitos são

muitos, para mito além da Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR): distúrbios hormonais,

endócrinos, cardiovasculares, de sono, desatenção, cansaço, fadiga, arritmia, hipertensão, entre

outros.

26. Fiorini (1994)13 desenvolveu estudo acompanhando o monitoramento audiométrico de

80 (oitenta) trabalhadores expostos ao ruído em uma empresa metalúrgica de utensílios

domésticos em São Paulo, durante 03 anos, de 1991 até 1993 (pág. 41). O uso de protetores

13 FIORINI, AC. Conservação Auditiva: Estudo sobre o monitoramento audiométrico em trabalhadores de uma indústria

metalúrgica. Dissertação de Mestrado em Distúrbios da Comunicação. PUC- SP, 1994. 95 págs. e anexos.

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auditivos era obrigatório e durante toda a jornada de trabalho, com orientações quanto ao uso e

higienização constantes, além de trocas, no máximo, semanais. Nas palavras da autora, “uso

contínuo e adequado do protetor, fiscalizado periodicamente pelo médico ou pela

fonoaudióloga”, ocorrente desde 1990 e mantido durante o período estudado (pág. 39).

27. O estudo constatou que, “considerando o total de trabalhadores com PAIR [Perda

Auditiva Induzida pelo Ruído] em 1993, podemos destacar que o uso regular de protetores

auditivos não apresentou vantagens no aspecto preventivo. Isso evidencia que, mesmo quando

existem medidas passivas no receptor com uso regular de protetores auditivos, em condições

favoráveis de controle de experimento, ainda assim não se verifica ganhos. (págs. 78/79), sem

destaque no original.

28. Ressalta-se que há carência de produtos para proteção individual da audição que

obtenham design confortáveis, tanto fisicamente como psicologicamente, e funcionais,

considerando a durabilidade em contraste com o comprometimento eficaz do equipamento.

29. De acordo com Gerges (1995)14 existem algumas dificuldades encontradas na

utilização de Equipamentos de Proteção Individuais auditivos tais como efeitos na comunicação

verbal, higiene, sinais de alarme, desconforto térmico e etc. Segundo o mesmo autor, o período

de utilidade de um protetor auditivo é uma pergunta que está sendo colocada de forma intensa

por responsáveis por programas de conservação de audição, usuários e até advogados e juízes,

sem ter uma resposta convincente.

30. A eficácia da atenuação dos protetores tem se mostrado como um problema

importante, pois supõe a perda de qualidade devido ao desgaste do equipamento, face à

utilização diária que expõe o material ao calor, sujeiras oriundas do ambiente de trabalho e

lavagem diuturna.

31. A partir de 1989, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a tratar o ruído como

problema de saúde pública. Embora a doença ocupacional por ruído seja um problema de alta

prevalência nos países industrializados, incluindo-se o Brasil, os estudos sobre a sua história

natural são escassos.

14 GERGES, S. N. Y. Exposição Ocupacional ao Ruído: Avaliação, Prevenção e Controle, Cap. 5 : Fontes de ruído, OMS,

Genebra , 1995 .

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32. Os ruídos têm atingido altos índices de insalubridade em locais de trabalho, o que tem

levado países a publicar leis de proteção aos trabalhadores. Fernandes (2003)15 afirmou que

embora não seja o método mais adequado de combate ao ruído, o protetor auricular (PA) é o

EPI mais usado para tentar prevenir a PAIR.

33. Para Araújo (2002)16, as doenças do ouvido como a disacusia neurossensorial de

qualquer etiologia podem significar maior prejuízo ao paciente submetido ao ruído e conclui que

os fatores que produzem surdez precoce em trabalhadores de metalúrgica, devido à perda

auditiva induzida pelo ruído, são o elevado índice de ruído no ambiente da indústria e a não-

utilização regular dos protetores auriculares.

34. Almeida (1950)17 fez um mapeamento de risco nos escritórios da estrada de Ferro

Sorocabana e, mencionou não apenas que a lesão auditiva advinda da exposição ao ruído, mas

destacou os efeitos estressantes deste agente. Vieira (2003)18 dispõe que de acordo com a OMS

- Organização Mundial da Saúde (1995), a exposição excessiva ao ruído pode causar muitos

problemas à saúde, tais como:

estresse auditivo sob exposições a 55 dB;

reações físicas: aumento da pressão sanguínea, do ritmo cardíaco e das contrações

musculares; aumento da produção de adrenalina e outros hormônios;

reações mentais e emocionais: irritabilidade, ansiedade, medo, insônia, etc.

reações generalizadas ao stress.

35. Estudos epidemiológicos vêm avaliando a associação entre exposição ocupacional a

ruído e hipertensão. De acordo com Souza et al (2001)19, a perda auditiva já era um dos efeitos

mais importantes da exposição ao ruído e já era bastante conhecida. Efeitos extra-auditivos

causados pelo ruído também vêm sendo estudados. Desde a década de 70, atenção particular

tem sido dada à possível associação entre exposição ocupacional a ruído e doenças

cardiovasculares, entre elas a hipertensão arterial.

15 FERNANDES, J. C. Avaliação do reconhecimento da fala em usuários de protetores auditivos. In: XXIII Encontro Nacional

de Engenharia de Produção, Bauru, 2003, Anais... Ouro Preto, MG, p. 153-154, 2003.

16 ARAUJO, S. A. Perda auditiva induzida pelo ruído em trabalhadores de metalúrgica. Rev. Bras. Otorrinolaringol, v. 68, n. 1,

p. 47-52, maio. 2002.

17 ALMEIDA, H. Influence of electric punch card machines on the human ear. Archives of Otolaryngology, n. 51, p. 215-222,

1950.

18 VIEIRA, K. G. Perda da força sofrida pelo arco do equipamento de proteção individual auricular tipo concha de acordo com

o tempo de utilização. 2003. 73p. Monografia (Curso de Especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho), Unesp,

Bauru/SP, 2003.

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36. Várias pesquisas experimentais demonstraram que exposição elevadas de ruído por

um curto período de tempo pode desencadear respostas cardiovasculares semelhantes às que

ocorrem no estresse agudo, com aumento da pressão sanguínea, provavelmente mediado pelo

aumento da resistência vascular periférica (Andren et al., 198220; Harlan et al., 198121).

37. Santos et al (1996)22, explicaram que os valores de atenuação dos ruídos citados pelas

indústrias de protetores referem-se a valores obtidos em laboratório, diferente dos valores

alcançados no ambiente industrial (em média 10 dB a menos). De acordo com o mesmo autor,

erros no posicionamento, tempo efetivo de uso, manutenção e trocas inadequadas estão entre

as causas mais comuns.

38. Na dissertação de Augusto Neto, N (2007)23 , em que foi verificado os níveis reais de

atenuação de protetores auriculares do tipo concha, utilizando microfone sonda, todos os

protetores auriculares utilizados na amostra apresentaram diferença nos valores de atenuação

em comparação com os valores apresentados em seus Certificados de Aprovação, sempre com

valores menores aos apresentados.

39. Nudelmann et al. (1997)24, citado por Vieira (2003), classificaram os protetores extra-

auriculares tipo concha, sendo estes formados por duas conchas atenuadoras de ruído,

colocadas em torno dos ouvidos e interligadas através de um arco tensor. Esse tipo de protetor é

inadequado para exposição contínua, onde o pressionamento da área circum-auditiva apresenta

grande desconforto. Dessa forma, é provável que o protetor não seja utilizado durante toda a

jornada. Algumas desvantagens:

dependendo do modelo, pode interferir com o uso de óculos e com máscaras de

soldador;

acarretam problemas de espaço em locais pequenos ou confinados;

muito desconfortáveis em ambientes quentes;

pelo peso do protetor também geram desconforto.

19 SOUZA, N. S. S. Hipertensão arterial entre trabalhadores de petróleo expostos a ruído. Cad. Saúde Pública, v. 17, n. 6,

p.1481-1488, nov/dez. 2001.

20 ANDREN, L. et al. Effect of noise on blood pressure and 'stress' hormones. Clinical Science, v. 62, p. 137-141, 1982.

21 HARLAN, W. R. Impact of the environment on cardiovascular disease: Report of the American Heart Association task force

on environment and the cardiovascular system. Circulation, v. 63, p. 243A-246A, 1981.

22 SANTOS, U. P.; et al. Ruído: Riscos e Prevenção, 2° ed. São Paulo: Hucitec, 1996.

23 AUGUSTO N, N. Atenuação dos protetores auriculares do tipo concha utilizando microfone sonda / Nelson Augusto Neto,

2007. 73 f. il. Dissertação (Mestrado) – Unesp, Bauru/SP, 2007

24 NUDELMANN, A. A. PAIR – Perda Auditiva Induzida pelo Ruído, Porto Alegre, 1997.

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40. Na seleção de um protetor auricular (PA), devem-se levar em conta três fatores

principais: atenuação, conforto e comunicação. De acordo com Nielsen (2001)25, no Brasil, a

escolha desses dispositivos é feita a partir da combinação do preço e atenuação oferecida, mas

sem que se façam análises detalhadas.

41. Verifica-se que atualmente existe uma grande incerteza quanto ao Nível de Redução de

Ruído (NRR) dos PAs fornecidos pelos fabricantes. As normas regulamentadoras colaboram

para tal incerteza, uma vez que não apresentam especificações quanto ao método correto para o

ensaio dos protetores em laboratórios, padronizando, dessa forma, todos os valores de NRR

indicados.

42. Assim, à mercê de toda essa discussão, estão os trabalhadores expostos ao ruído, que

continuam a sofrer perdas auditivas, apesar de utilizarem PAs com grau de atenuação

adequada, conforme indicado pelos fabricantes e aprovados pelo Ministério do Trabalho e

Emprego26.

43. Na utilização do EPI, deve-se considerar, segundo a NR 9, as normas legais e

administrativas (item 9.3.5.5) que envolvem:

a. seleção adequada;

b. conforto;

c. uso;

d. higienização;

e. manutenção;

f. orientação e avaliação dessas medidas adotadas sobre os EPI, garantindo-se as

condições de proteção originalmente estabelecidas pelos fabricantes.

44. No entanto, o que se observa é a grande dificuldade, por parte dos empregadores, em

verificar positivamente cada um dos requisitos acima, o que torna a eficácia do EPI uma figura

de mera retórica, sem concretude prática27. Isso, sobretudo, em relação aos protetores

auriculares, recomendados quando os níveis de pressão sonora excederem a dose unitária (85

dBA por 8 horas; 90 dBA por 4 horas; 100 dBA por 2 horas; até 115 dBA por 7 minutos) nos

25 NIELSEN, R.M. Comportamento de três protetores auriculares tipo concha, em ambientes com ruídos em baixa freqüência.

2001.

26 CIOTE, F.A; Ciote, R.F.F; Haber. J. Análise da Atenuação de Ruído de Protetores Auriculares. Exacta, São Paulo, v. 3, p.

71-77, 2005.

27 GONÇALVES CGO, Iguti AM. Análise de programas de preservação da audição em quatro indústrias metalúrgicas de

Piracicaba, São Paulo, Brasil. CAD Saúd Públ. 2006; 22(3):609-18.

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ambientes de trabalho. Somente a distribuição dos protetores auriculares e a obrigatoriedade do

uso, não são suficientes para a preservação da audição.

45. A título de exercício de raciocínio em um ambiente de trabalho com ruído industrial, tem-

se que o ruído, de modo mais intenso, continua a chegar ao cérebro mesmo com

tamponamento! Logo se no limite o EPI refratasse 100% a energia sonora proveniente do meio

ambiente do trabalho, ainda assim o sistema auditivo perceberia os ruídos.

46. Conclusão: a eficácia do EPI é questionável porque simplesmente não se tapa sol com

peneira, nem som com EPI auricular, por quê? Porque nem todo som é percebido pelo pavilhão

auditivo (orelha externa).

47. A transmissão sonora ambiental ao ser humano se dá por duas vias:

a. pela via aérea (transmissão elástico-gasosa), devida à variação da pressão

atmosférica nas imediações do tímpano. A captação do som se dá pelo pavilhão

auditivo (orelha externa). Por esse mecanismo o EPI constitui um fator de

redução de ruído (resistência), daí o abafamento que sentimos ao inserir os

dedos nos ouvidos, e;

b. pela via óssea (transmissão elástico-sólida), devido à vibração mecânica de

ossos, cartilagens e músculos envoltos ao aparelho auditivo (externo, interno e

médio) provenientes da energia sonora ambiental. A captação do som se dá

pelos tecidos internos que transferem movimento à endolinfa sensibilizando a

cóclea (orelhas médias e internas). Por isso ao inserir os dedos nos ouvidos

escutamos a nós mesmos de modo “estranho”, igualmente quando escutamos a

reprodução de nossa voz gravada. Só a escutamos, nesse caso, devido à

transmissão não-aérea, por certo (óssea).

48. Desde 1863, os estudos de Helmholtz, sobre a análise dos sons e a teoria da audição,

explicam os mecanismos fisiológicos cocleares (parte anterior do labirinto ou orelha interna),

bem como discriminam como se dá a análise sonora das frequências dos sons no sistema

auditivo humano.

49. Na restrição hipotética de que houvesse apenas o mecanismo aéreo de audição, bem

como considerando que o EPI é melhor que os próprios dedos enfiados nas orelhas, ainda assim

a eficácia do EPI é questionável, pois é inidôneo para isolar plenamente o conduto central

auditivo, pois:

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a. Sempre haverá fuga devido aos imperfeitos ajustes antropométricos entre orifício

auricular (personalíssimo) e geometria do EPI (standart baseado em médias e

desvios-padrão, generalíssimo);

b. Sempre haverá cera ou cerume, sujeira, pelos, oleosidade que impedirão o ajuste

perfeito entre o orifício e o EPI;

c. Sempre o EPI permitirá a passagem de som, pois há ineficiência acústica intrínseca

aos materiais que o compõe (nenhum material é 100% resistivo);

d. Principalmente pelo fato do EPI ser um só para várias situações acústicas de campo,

dada à miríade de combinações entre as variáveis Nível Pressão Sonora (NPS) - em

Pascal, Pa - e frequências (f) - em Hertz, Hz. O fabricante define um nível de redução

de ruído (NRR) - do inglês, Noise Reduction Rating - para cada par de NPS versus

frequência (P x f), consideradas constantes ao longo da jornada. Obviamente a

dinâmica acústica de campo está anos-luz da estaticidade rotulada nas embalagens

desses produtos.

50. Se tudo isso fosse, em tese, considerado como atendido, ainda assim remanesceria a

estranha condição: penetrar vários EPI simultaneamente na orelha do receptor! A cada instante

chegam vários sinais (Pressão e Frequência) na orelha do trabalhador e por se tratarem de

sinais acústicos complexos é impossível combater com elemento simples (EPI) especificado pelo

fabricante apenas para restrito conjunto de combinações (Pressão e Frequência).

51. Em outras palavras, não se combate o maior espectro de NPS x f com o menor.

Precisamente falando: isso que o EPI diz que faz - é uma fraude. Isso considerando apenas a

hipótese da transmissão aérea!

52. Se apenas para via aérea a eficácia do EPI é questionável, imagine considera-lo para

via óssea. Como reforço à refutação da tese de que EPI possa ser eficaz, pois se pela via aérea

está provado que ele é ineficaz, aditamos que chega a ser algo temerário prescrever EPI quando

para determinadas pressões sonoras, acima de 85 dB(A) - equivalente a 10-4 W/m2 ou 0,1 N/m2

– simplesmente a transmissão se dá pela via óssea.

53. A intensidade mínima do som percebido pelo ouvido humano (limiar de audição) é,

aproximadamente, de 10-12 W/m2 (equivalente a 2.10-5Pa). A partir de 1W/m2, provoca-se dor,

limiar da dor (equivalente a 2.102Pa).

54. E nesse caso falar em EPI é considerar a possibilidade de EPI bloquear tais

transmissões de energias à cóclea, é no mínimo desonesto intelectualmente, pois para tal mister

seria necessário interpor material isolante acústico em toda caixa craniana mediante cirurgia

óssea circunferencial (bloqueio ósseo), aliado ao tamponamento forçado dos orifícios timpânicos

(bloqueio aéreo). Um absurdo!

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55. Bem, como acima sustentado, oblitera-se acintosamente qualquer razoabilidade do uso

de EPI como elemento de prevenção (no máximo como elemento protetor, e mesmo assim para

algumas restritíssimas e combinadas situações). Mas, por que então a lei previdenciária o

considera?

56. Sabe-se que a norma é ato político, que por sua vez decorre daquele que vence a

correlação de forças impondo aos demais as suas vontades. A inobservância dos cuidados à

saúde do trabalhador, aliada à inércia e parcialidade do tripartismo, principalmente aquele que

tangencia às NR do MTE respondem à pergunta acima em detrimento dos princípios da

dignidade humana, da física, da anatomia e da fisiologia humana.

57. Por isso se diz que a discussão sobre EPI é artificial. Uma vez que o natural seria

combater as causas originárias do ambiente ao invés de introduzir, literalmente, uma fraude nas

orelhas dos subordinados. Há neste mister a legalização e judicialização de um absurdo físico

que muda o foco do debate do meio ambiente do trabalho doentio - frequentemente com horas-

extras contumazes como agravante de exposição, deliberadamente sem equipamentos de

proteção coletiva (EPC) e/ou medidas administrativas – para a vítima, sem margem de manobra

ou grau de liberdade para dizer não a isso tudo. E, se o fizer: insubordinação (justa causa)!

58. Mesmo sendo obrigatório aos fabricantes de EPI realizarem a avaliação dos mesmos,

comprovando, assim, sua eficiência, isso não é garantia de que o trabalhador irá beneficiar-se de

sua proteção, pois a colocação inadequada comprometerá os objetivos do EPI, e no caso dos

protetores auriculares, que já apresentam diferenças quanto à proteção, dependendo do tipo

utilizado, se mal colocados, sua eficácia é comprometida28.

59. O próprio NIOSH29 (1996), National Institute for Occupational Safety and Health, já

enfatizava a questão da efetividade da proteção pelos EPI auriculares em função do tempo de

efetiva utilização, como mostra o gráfico abaixo. Neste, fica evidente a significativa redução da

proteção e queda do efetivo Nível de Redução de Ruído (NRR) em função do tempo de não

utilização do dispositivo individual, já a partir dos 30 primeiros minutos.

28 RODRIGUES M.A.G, Dezan AA, Marchiori LLM. Eficácia da escolha do protetor auricular pequeno, médio e grande em

programa de conservação auditiva. Rev CEFAC. 2006; 8(4):543-7. Gonçalves CGO, Vilela RAG, Faccin R, Bolognesi TM,

Gaiotto RB. Ambiente de trabalho e a saúde do trabalhador: uma proposta de controle do ruído. Interfacehs. Rev Gestão Integr

Saúde Trab Meio Ambiente. 2008; 3(2):2-19.

29 NIOSH/CDC, National Institute for Occupational Safety and Health. Preventing occupational hearing loss: a practical guide.

Publication nº 96-110. Pág. 39. Acesso em 17/11/13, no link http://www.cdc.gov/niosh/docs/96-110/ Cincinnati, Ohio – EUA

1996.

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60. Ainda com relação às limitações de desempenho, além do assinalado acima,

encontramos em Rose e Cohrssen30 (2011), que “a principal limitação de proteção oferecida por

um protetor auditivo é a forma como é ajustado e usado. Outras limitações importantes de um

protetor auditivo dependem da sua construção e sobre as características fisiológicas e

anatômicas do usuário.

61. Sendo assim, a energia sonora pode atingir os ouvidos internos de pessoas que usam

protetores por quatro vias diferentes: (1) passando através do osso e do tecido em torno do

protetor; (2) causando a vibração do protetor, o que por sua vez, gera o som para dentro do

canal externo do ouvido; (3) passando por vazamentos no protetor; e (4) passando por

vazamentos ao redor do protetor”.

62. Erroneamente, muitas empresas acreditam que o simples ato de fornecimento dos EPIs

está isentando total e irrestritamente as responsabilidades advindas do acidente de trabalho ou

doença profissional. Aliás, em caso de acidente de trabalho, onde a empresa negligenciou ou

não forneceu o EPI, está, através de seus representantes, responde civil e criminalmente pela

omissão.

63. São observados verdadeiros absurdos de trabalhadores que usam protetores

auriculares descartáveis por várias semanas, contrariando totalmente a finalidade para a qual

foram concebidos. Existem empresas de países do primeiro mundo em que os EPIs estão

disponíveis na fábrica para que sejam trocados diariamente pelo trabalhador. A durabilidade do

EPI está diretamente ligada ao tipo de atividade e condições ambientais a que este está sendo

30 VERNON E. R. & BARBARA C. Patty’s Industrial Hygiene. Edited by. Editora John Wiley & Sons, Inc. Hoboken, Pág.

1550. New Jersey. 2011.

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submetido, somente existindo, com algumas exceções, métodos empíricos para se determinar

se o EPI está imprestável.

64. Outro detalhe aos quais as empresas não estão atentas é que de nada adianta fornecer

o EPI cercado de todos os cuidados se o trabalhador não recebeu treinamento para usá-lo. A

eficiência do equipamento, particularmente os protetores auriculares e máscaras, depende

essencialmente do modo como são usados, sob risco de não promoverem a atenuação

especificada.

65. Assim, é igualmente importante que a empresa treine o trabalhador com recursos

próprios, ou por meio dos fabricantes de EPIs que já fazem este trabalho gratuitamente, através

de palestras ou mini cursos. Mais uma vez, deve a empresa documentar que treinou o

trabalhador ao uso do EPI, seja por meio de termo na própria ficha de entrega, seja por meio de

emissão de certificado.

66. Bastos (2005)31, em sua dissertação, observou a carência nos produtos de proteção

individuais auditivos confortáveis e funcionais, relacionados à durabilidade, face ao

comprometimento eficaz do equipamento. O objetivo principal do seu estudo foi reconhecer

perda de eficácia diante do tempo de uso em EPI auditivo, intra-auricular, de espuma.

67. Foi apurado que os equipamentos sofrem alteração de eficácia conforme o tempo de

uso, e que o desgaste do material inicia perda de confiança, principalmente em frequências

audíveis de até 100Hz, e a partir de 16 dias para pressão sonora sofrida em 101dB à 20Hz. Para

pressão sonora sofrida a partir de 107dB à 20Hz, a perda de confiança para o uso,

principalmente em frequências audíveis até 100Hz, foi de 8 dias. Os EPIs não perdem eficácia

de atenuação importantes com o uso diário em frequências a partir de 1KHz até 20KHz.

68. Concluiu-se que há perda de eficácia, conforme o uso diário e frequente do EPI auditivo

estudado. Os resultados confirmaram as expectativas, demonstrando que parâmetros de função,

em detrimento ao envelhecimento do EPI auricular, face a seu uso diuturno, se mostram

importantes na geração de projetos vindouros em design direcionados à audição, para que a

integridade física humana esteja cada vez mais protegida.

69. Ainda em sua dissertação, Bastos (2005)31 apontou os efeitos do ruído à audição e ao

organismo:

31 BASTOS, R. S.; Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação.

Reconhecimento da Perda de Eficácia de Protetor Intra-Auricular. 2005.

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a. Efeitos do ruído à audição:

- Trauma acústico: surdez provocada por um ruído repentino;

- Perda auditiva temporária: a audição se recupera em 24 horas;

- Perda auditiva permanente.

b. Efeitos do ruído sobre o organismo:

- Estreitamentos dos vasos sanguíneos;

- Aumento da pressão sanguínea (hipertensão);

- Contração muscular; ansiedade e tensão;

- Alterações menstruais na mulher;

- Impotência sexual no homem;

- Zumbido.

70. Os ruídos conduzem o homem a problemas mentais, físicos e sociais. Há de se buscar

soluções eficazes para a sua atenuação. Melhor seria se os ruídos fossem extintos, porém, o

que mais se tem feito, para diminuir os efeitos do problema, é a indicação de uso de

equipamentos que interfiram os sons indesejados de penetrar nos ouvidos de modo brusco e

desagradável. Há que estabelecer uma aproximação séria entre o Desenho Industrial e os

estudos dos problemas causados pelos ruídos, os próprios ruídos, os limiares humanos, e de

modo dinâmico e interdisciplinar, desenvolver pesquisas para que este produto importante de

proteção não esteja longe das metas dos designers.

71. Existem diferenças quanto à colocação de protetores auriculares entre sujeitos

treinados e com experiência de uso de protetores auriculares e não treinados e sem experiência

anterior com protetores auriculares. Nos sujeitos do grupo de trabalhadores (treinados na

colocação dos protetores auriculares) a diferença entre os limiares auditivos sem e com

protetores, pelos dois métodos utilizados, foram superiores aos do grupo 2 (estudantes, sem

treinamento), o que evidencia a necessidade de treinamentos para se garantir a correta

utilização dos protetores auriculares. Tal fato ficou também evidente quando se observa que o

protetor tipo concha, que é de colocação mais simples (apenas ajustá-lo ao redor do pavilhão

auricular) teve uma atenuação melhor do que os protetores de inserção, de colocação menos

simples32.

32 GONÇALVES, C. G. O.; et. al. Avaliação da Colocação de Protetores Auriculares em Grupos Com e Sem Treinamento. Rev.

CEFAC. 2009 Abr-Jun; 11(2):345-352

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72. Segundo consta no protocolo de perda auditiva induzida por ruído do Ministério da

Saúde (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_perda_auditiva.pdf), na página 17,

no subtítulo "Efeitos não-auditivos da exposição ao ruído", a exposição ao ruído é fator de risco

para o estresse. A sintomatologia do estresse é dividida em três etapas: na primeira, chamada

de reação de alarme, observa-se aumento de pressão sanguínea, de freqüência cardíaca e

respiratória, e diminuição da taxa de digestão; na segunda etapa, chamada de reação de

resistência, o corpo começa a liberar estoques de açúcar e gordura, esgotando seus recursos, o

que provoca cansaço, irritabilidade, ansiedade, problemas de memória e surgimento de doenças

agudas como gripes; na terceira etapa, a da exaustão, os estoques de energia são esgotados,

tornando o indivíduo cronicamente estressado, observando-se, então, insônia, erros de

julgamento, mudanças de personalidade, doenças crônicas coronarianas, respiratórias,

digestivas, mentais e outras.

73. A perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR) relacionada ao trabalho, diferentemente do

trauma acústico, é uma diminuição gradual da acuidade auditiva, decorrente da exposição

continuada a níveis elevados de ruído. Suas principais características33:

- A PAIR é sempre neurossensorial, em razão do dano causado às células do órgão de Corti.

- Uma vez instalada, a PAIR é irreversível e quase sempre similar bilateralmente.

- Não deverá haver progressão da PAIR, uma vez cessada a exposição ao ruído intenso;

- A instalação da PAIR é, principalmente, influenciada pelos seguintes fatores: características

físicas do ruído (tipo, espectro e nível de pressão sonora), tempo de exposição e

susceptibilidade individual.

- A PAIR não torna a orelha mais sensível a futuras exposições a ruídos intensos. À medida que

os limiares auditivos aumentam, a progressão da perda torna-se mais lenta.

74. Com relação à realidade de Perdas Auditivas Ocupacionais nas indústrias brasileiras,

pode-se citar alguns trabalhos, como o de Fiorini (1994)34. Em seu trabalho, foi encontrada uma

prevalência de 63,75% de perda auditiva ocupacional nos trabalhadores de uma indústria

metalúrgica de utensílios domésticos localizada na cidade de São Paulo. Ainda aprofundando a

discussão sobre o ruído, tempo e níveis (intensidade) de exposição é de importância citar o

estudo da Organização Mundial da Saúde onde é avaliada a relação entre intensidade do ruído e

33 COMITÊ NACIONAL DE RUÍDO E CONSERVAÇÃO AUDITIVA - integrado pela Associação Nacional de Medicina

do Trabalho (ANAMT), e pelas Sociedades Brasileiras de Acústica (SOBRAC), Fonoaudiologia (SBF) e Otorrinolaringologia

(SBOEL); citado no livro "Patologia do Trabalho" - René Mendes - Editora Atheneu - 1995.

34 FIORINI, AC: Conservação Auditiva: Estudo sobre o Monitoramento Audiométrico em Trabalhadores de uma Indústria

Metalúrgica. (Dissertação de Mestrado em Distúrbios da Comunicação) - PUC - SP (1994).

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o tempo de duração da exposição, conforme a tabela abaixo (baseada numa exposição de 08

horas diárias):

Tabela 1. Percentagem de trabalhadores com dano auditivo após 5, 10, 15 anos de exposição a

vários níveis de pressão sonora (NPS)35.

Intensidade

% de expostos com dano auditivo (anos de exposição)

dB (A) Leq *

5 anos

10 anos

15 anos

80 85 90 95

0 1 4 7

0 3 10 17

0 5 14 24

Fonte: Organização Mundial da Saúde (*) Expressos em decibel medidos do circuito de compensação A e ponderados pelo tempo de exposição às várias intensidades durante a jornada de trabalho (nível equivalente, Leq).

75. Outra observação a ser enfatizada, a partir dos dados dessa tabela e estudo, é de que

entre 80 e 85 decibéis de Nível Equivalente (Leq) já existirão casos de pessoas que sofrerão

perdas auditivas causadas pelo ruído, dependendo de outros fatores, como tempo de exposição

e suscetibilidade individual, principalmente.

76. Importante mencionar a questão do aumento do tempo de exposição pelas

sobrejornadas (horas extras, em geral, habituais) dos trabalhadores, seja ao ruído, seja aos

produtos químicos ototóxicos. Muitas empresas consideram a jornada padrão de oito horas

diárias, ignorando os efeitos decorrentes da exposição aos ruídos nas horas extraordinárias.

Com certeza com o aumento da frequência e/ou a intensidade e/ou a duração da exposição, os

limites de exposição deveriam ser reduzidos.

77. Deve-se realçar que, com relação às normas legais de proteção da saúde auditiva dos

trabalhadores, conforme os níveis aceitos, estar-se-á delimitando uma proporção maior ou

menor da população obreira que terá algum nível de dano auditivo.

78. Para exemplificar, e trazendo à baila uma legislação que tem sido referência técnica

para a nacional, pode-se citar que "o governo federal dos Estados Unidos regulamentou o

assunto da seguinte forma: por ocasião da aposentadoria, não mais do que 15 % dos

35 ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Alteraciones de la audición causadas por el ruido, in Detección precoz de

enfermedades profissionales, Genebra, 1987, p. 180-5.

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trabalhadores expostos a níveis elevados de pressão sonora podem apresentar perdas auditivas

maiores do que 25 dB (média das perdas nas frequências de 500, 1.000 e 2.000 Hz)".36

79. Kitamura (1991)37 corroborou estudos de Astete (1980)38 e explicou que, dentre as

características do agente importantes para o aparecimento de doença auditiva, destacaram-se a

intensidade, relacionado com o nível de pressão sonora; o tipo de ruído, definido como contínuo,

intermitente ou de impacto; a duração, relacionada ao tempo de exposição a cada tipo de

agente; e a qualidade, que diz respeito à freqüência dos sons que compõem os ruídos em

determinada análise.

80. A perda auditiva ocorre da seguinte maneira: dentro da cóclea se encontram as células

ciliadas que transformam a vibração sonora em impulsos nervosos. As células ciliadas, com a

exposição do ruído intenso e contínuo, entram em fadiga e perdem a sua função, causando uma

perda auditiva irreversível, por não serem regeneráveis. Entre os efeitos mais conhecidos para

exposição contínua a ruído intenso, temos:

- Perda auditiva (trauma acústico, perda auditiva temporária e permanente);

- Zumbidos (ou acúfenos);

- Recrutamento (sensação de incômodo para sons de alta intensidade);

- Otalgia (para sons muito intensos, acima do limiar de desconforto);

- Deterioração da Discriminação da Fala.

81. Quanto a Deterioração da Discriminação da Fala, deve-se enfatizar ser um dos

marcantes efeitos do ruído sobre o organismo humano, uma vez que os portadores de PAIR

podem ter reduzida a capacidade de distinguir detalhes dos sons da fala em condições

ambientais desfavoráveis (Gonçalves, 2009).

82. Em revisão sobre o assunto, Okamoto e Santos (1994)39, citam os seguintes efeitos

extra-auditivos no organismo humano produzidos pelo ruído:

- Habilidade: o ruído contínuo diminui a habilidade (aumento no número de erros), afetando o

rendimento além de, conseqüência provável, aumento do número de acidentes (déficit da

habilidade);

36 OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH ADMINISTRATION (OSHA). Occupational Noise Exposure,

Hearing Conservation Amendment (29 CFR 1910), Fed. Reg. 46:4078-4179, 1981. (*) 37 KITAMURA, S. Perdas auditivas de origem ocupacional: considerações acerca da NR-7. Ltr. Sup. Trab, v.27, p. 114-711,

1991.

38 ASTETE, M. G. W.; COLS, Riscos físicos, Fundacentro, São Paulo, 1980.

39 SANTOS, UP (org): Ruído - Riscos e Prevenção. Editora Hucitec - São Paulo - 1994.

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- Alterações cardiocirculatórias: ruído atuando sobre o calibre vascular (vasoconstrição),

ocorrência de hipertensão arterial leve a moderada;

- Visão: ruído provocando dilatação pupilar, com possibilidade de interferência em trabalhos de

precisão (necessidade de controle visual intenso);

- Alterações gastrintestinais: ruídos de freqüências baixas (menores de 500 Hz) têm sido

relacionados com o aparecimento de alterações digestivas (gastrite e úlcera gastroduodenal),

geralmente após períodos de exposição mais longos que aqueles comumente necessários para

a PAIR, porém de menor intensidade;

- Alterações neuropsíquicas: parecem estar na base dos efeitos extra-auditivos, incluída a

hipertensão arterial, sendo também as mais freqüentes, envolvendo quadros de ansiedade,

inquietude, desconfiança, insegurança, pessimismo, depressão, alteração do ritmo sono-vigília,

todas com maior incidência naquelas pessoas há mais tempo expostas.

83. Carnicelli (1996) cita alguns resultados obtidos por Hétu (1994) sobre os efeitos da

PAIR para trabalhadores40:

- Distúrbio Auditivo do Trabalhador com PAIR: redução na sensibilidade auditiva, seletividade de

frequência, discriminação de freqüência, integração temporal, resolução temporal; percepção

alterada da intensidade dos sons; zumbido.

- Incapacidade Auditiva do Trabalhador com PAIR: incapacidade em ouvir fala, sons de alarme,

ruídos domésticos; necessidade de forte intensidade para assistir TV e ouvir rádio; dificuldades

de comunicação, tais como conversação em grupos, em locais ruidosos, no automóvel,

telefone ou em ambientes desfavoráveis.

- Desvantagens do Trabalhador em conseqüência da PAIR: atenção e concentração excessiva

durante conversação, dificuldade para compreender leitura orofacial;

- Estresse e ansiedade: irritação e aborrecimento causado pelo zumbido, irritação e intolerância

a lugares ruidosos, intolerância em interações sociais, cansaço pelos efeitos do trabalho em

local ruidoso e aborrecimento pela consciência da deterioração da audição;

- Dificuldades nas relações familiares: confusões pelas dificuldades de comunicação, confusões

pelo intenso volume da televisão, intolerância para atividades ruidosas e impaciência com

relação à reação das pessoas pela sua dificuldade auditiva;

- Isolamento: deixa de participar de encontros, grupos de conversação, festas;

- Auto-imagem negativa: sente-se mal por não compreender as pessoas, por terem que repetir

freqüentemente a mensagem, sente-se estigmatizado como surdo, velho ou incapaz.

40 CARNICELLI, MVF (org): Fonoaudiologia e Saúde do Trabalhador - Editora Lovise - 1996

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84. Na mesma referência, é apresentado o trabalho de Noble (1978), com os seguintes

efeitos da PAIR para trabalhadores:

a) incapacidade auditiva:

- redução na discriminação de fala no local de trabalho,

- dificuldade na detecção de sons ambientais,

- redução da capacidade de localização.

- dificuldade de comunicação, face a face e por telefone,

- dificuldade para detectar sons domésticos e sinais de alarme;

b) desvantagem:

- tristeza e ressentimento,

- incômodo causado pelo zumbido e sua interferência na comunicação.

85. Santos (1994)39 realça que "assim como outras doenças relacionadas com o trabalho, a

perda auditiva ocupacional pode ser também classificada entre os danos de ocorrência

desnecessária, isto é, perfeitamente preveníveis. Sua simples ocorrência já significa o resultado

da falência de todo um sistema preventivo que deveria estar colocado à disposição do

trabalhador". O mesmo autor assinala ser a prevenção "o único tratamento efetivo e eficaz desta

doença".

86. Na concepção da utilização em conjunto, EPIs como óculos de proteção e protetores

auriculares são projetados para uso isolado, não integrado. As hastes dos óculos colidem com

as conchas do protetor auricular, ocasionando que as funções de ambos os EPIs são

prejudicadas. Portanto, a metodologia e a concepção utilizadas no projeto de EPIs devem ser

reavaliadas, devendo ser estimulados estudos sobre desenvolvimento tecnológico nesses

equipamentos. As legislações sobre o tema devem ser revistas para incluir mecanismos que

incentivem a prevenção em detrimento da proteção.

87. A norma não caracteriza insalubre qualquer que seja a atividade exposta a ruído.

Abaixo, os limites de tolerância, para ruído contínuo ou intermitente, segundo a Norma

Reguladora NR-15 (1978), estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 2.

Limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente NR-15 (1978). Nível de Ruído dB(A)

Máxima Exposição Diária Permissível

85 8 horas

86 – 90 7- 4 horas

91-100 3 horas e 30 min – 1 hora

102 – 115 45 minutos – 7minutos

Fonte: Norma Regulamentadora 15 – MTE.

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88. A Norma Regulamentadora 15 ao estabelecer critérios para insalubridade (vide alguns

exemplos na tabela 2) corrobora com a CF88 quando a Carta Magna, em seu art. 201 § 1º,

“veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos

beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades

exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se

tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar”. A

palavra “insalubre” remete ao termo “prejudicial à saúde, doentio”, exatamente a condicionante

para a concessão de aposentadoria diferenciada aos beneficiários, conforme a própria

Constituição. Assim, o trabalhador que exerce sua função acima dos limites estipulados pela NR-

15 faz jus à aposentadoria diferenciada.

89. Nesse mesmo sentido, a Lei 8.213/91 dispõe acerca da aposentadoria especial: “Art.

57 - A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao

segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a

integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a

lei.” Novamente o texto condiciona a concessão da aposentadoria especial a condições

especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

90. Existem diversos estudos acadêmicos que mostram e provam os efeitos deletérios do

ruído, assim como a ineficiência dos EPIs. Essa ineficiência tem diversas variáveis, como

projetos mal conduzidos, instrução de uso ao usuário, validade do produto, entre outros. Bastos

(2005)31 concluiu em seu trabalho que há perda de eficácia conforme o uso do EPI auricular e

que essa perda possui tempo de utilização eficaz dos EPIs, em dias, dependente da pressão

sofrida durante o uso, sendo que:

1) Para pressão sonora variante de 101dB à 20Hz, com picos em 120dB em 600Hz e 2KHz, e

90dB à 20KHz:

- Tempo de utilização com eficácia ideal de até 14 dias em todas as faixas de freqüências

audíveis humanas;

- Para EPIs entre 16 e 27 dias de uso há perda de eficácia nas faixas de 20Hz até 100Hz;

- Para EPIs entre 18 e 30 dias de uso há perda de eficácia nas faixas de 20Hz até 130Hz;

2) Para pressão sonora variante de 107dB à 20Hz com picos de 124dB em 600Hz e 2KHz, e

105dB à 20KHz:

- Tempo de utilização com eficácia ideal de até 6 dias em todas as faixas de freqüências

audíveis humanas;

- Para EPIs entre 8 e 18 dias de uso há perda de eficácia apenas em faixas de 20Hz até

100Hz;

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- Para EPIs entre 19 e 30 dias de uso há perda de eficácia apenas em faixas de 20Hz até

110Hz;

3) Para pressão sonora variante de 92dB à 20Hz com picos de 102dB em 2KHz, e 87dB à

20KHz:

- Há perda de eficácia, porém sem importância para freqüências de até 130Hz;

- Os EPIs de 1 dia de uso até 30 dias de uso não sofreram perdas de eficácia suficientes que

ultrapassassem 86Db;

4) Para pressão sonora variante de 126dB de 20Hz até 2KHz, e 101dB à 20KHz:

- Somente freqüências acima de 1KHz sempre estiveram dentro de padrões assegurados à

audição humana;

- EPIs novos, e usados de 1 dia de uso até 30 dias de uso, estiveram em níveis inaceitáveis de

utilização em freqüências de até 1KHz.

Os EPIs não perdem eficácia de atenuação importantes com o uso diário em freqüências a partir

de 1KHz até 20KHz.

91. Diante de tais conclusões, pode-se verificar que existe, sim, perda de eficácia dos EPIs.

Dessa forma, alegar que o produto utilizado anula o potencial deletério (quando ultrapassada a

dose-limite) não é aceito, pois é comprovada a perda de eficácia do produto com o passar do

tempo, uso e freqüência.

92. Importante mencionar a questão da interação e sinergismo entre diferentes tipos de

agentes, fatores, situações e contextos de riscos ambientais sejam explorados, a exemplo da

citação do NIOSH41, que já em 1996 assinalava a interação lesiva e potencialmente de risco de

agentes químicos, em ambientes também com ruído. As restrições para proteção contra

agrotóxicos (alguns ototóxicos, por si próprios e/ou pelos veículos solventes utilizados) reforçam

as limitações de EPI auriculares, em ambientes ruidosos e que contenham a presença de

agentes químicos ototóxicos. As limitações para ambos os tipos de EPI magnifica a restrição de

suas capacidades de proteção, e fortalece a indicação de que os trabalhadores tenham direito à

redução do tempo total de trabalho e acesso à aposentadoria especial. Lembrar que a exposição

isolada e única a um agente de risco ocupacional/ambiental é exceção, e de regra há diversos

fatores de riscos presentes nos ambientes produtivos.

93. O REAT (Real Ear Attenuation Threshold) é um método mundial para estimar a

atenuação em laboratório de diferentes tipos de EPI. De acordo com a NR-09, o método é

exigido para os plugs, enquanto o MIRE (outro método estimativo) é exigido para EPIs tipo

41 NIOSH / CDC, National Institute for Occupational Safety and Health 1996. Preventing occupational hearing loss: a practical

guide. Publication nº 96-110. Cincinnati, Ohio – EUA 1996

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concha. Porém, o método REAT é para avaliação de níveis de pressão sonora contínuo,

intermitente ou variável, não sendo recomendado para ruídos de impacto. Tem se com isso

situações onde as empresas adquirem EPIs baseado nos custos, não direcionando a compra

desses materiais para a situação específica. Assim, muitas vezes compram o equipamento com

finalidade diversa que o fabricante define. Conforme Crockford (1999)6 um aspecto que impacta

diretamente na qualidade e na eficiência dos EPIs é o econômico. A decisão de qual EPI utilizar

é bastante influenciada pelo custo deste EPI.

94. Embasado em fatos, estudos e publicações tem se certeza de que há efeitos deletérios

sobre a saúde do trabalhador que está submetido a ruído no ambiente de trabalho. A ciência,

sim, pode fornecer verdades incontestáveis, e, através dela, juízes sustentam suas decisões.

Estudos e trabalhos científicos mostram diversos casos onde há ineficiência da proteção dos

EPIs e querer a não concessão da aposentadoria diferenciada a quem está em ambiente

insalubre vai de encontro com todos esses estudos.

95. A Emenda Constitucional n°20 de 1998 deu nova redação para o artigo 201 da CF88,

conforme transcrito a seguir: “a previdência social será organizada sob a forma de regime geral,

de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio

financeiro e atuarial”. De acordo com a nova redação, independente do custo que as

aposentadorias especiais trazem, todos contribuem e financiam a Previdência Social.

96. Ademais, a aposentadoria especial será financiada com os recursos provenientes da

contribuição em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos

ambientais do trabalho cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos

percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa. Esse acréscimo

incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais. Assim,

quem prejudica a Previdência Social são as empresas que deixam de pagar as referidas

alíquotas ao alegarem que o fornecimento de EPI as isenta deste custo, pois, na via jurídica, a

concessão da aposentadoria especial será dada ao segurado. Ou seja, a Previdência Social não

arrecada e, mesmo assim, concede a aposentadoria.

97. Qualquer estudo, por menor que seja, feito por qualquer juiz sobre o assunto em

questão irá evidenciar os efeitos prejudiciais trazidos pelos ruídos, assim como uma vasta

bibliografia sobre ineficácia do uso dos EPIs.

98. Apenas para demonstrar, esse parecer traz mais de 30 referencias sobre o assunto e,

caso haja necessidade, pode-se buscar várias outras em diversos bancos de dados. Então, tem-

se que o assunto já é difundido e consolidado na sociedade acadêmica. Portanto, a Turma

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Nacional de Uniformização (TNU), em sua Súmula 09, entende que, mesmo que elimine a

insalubridade, o uso de EPI no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de

serviço especial prestado, pois os efeitos extras auditivos são bem conhecidos e difundidos.

Além do mais, a Turma de Uniformização é composta por dez juízes federais os quais discutem

e deliberam acerca dos mais diversos assuntos.

99. Corrobora ainda com o entendimento da TNU, o enunciado 21 do CRPS que dispõe: “O

simples fornecimento de EPI de trabalho pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do

trabalhador aos agentes nocivos à saúde, devendo ser considerado todo o ambiente de

trabalho”.

100. Acerca do assunto, o TST possui entendimento de que nem sempre o equipamento de

proteção aprovado pelo MTE tem eficácia capaz de eliminar o risco, conforme jurisprudência

transcrita:

“Não basta o simples fornecimento do aparelho de proteção aprovado pelo Ministério

do Trabalho para isentar o empregador de pagar o adicional de insalubridade. Fosse

assim o sistema vigente, seria totalmente inócuo e dispensável o § 2º, do art. 195 da

CLT. Sendo necessário o exame pericial quando argüida a insalubridade em juízo, é

porque o legislador entendeu que, nem sempre, o equipamento de proteção

aprovado pelo Ministério do Trabalho tem eficácia capaz de eliminar dano.” 42

101. Convém ressaltar, na linha das decisões do TRF/4ª Região, que a utilização de EPI no

ambiente de trabalho – ainda que o laudo técnico mencione a neutralização dos efeitos nocivos

– não possui o condão de afastar a especialidade da atividade se a exposição ao ruído ocorreu

acima dos limites de tolerância estabelecidos43.

102. A jurisprudência é firme no sentido de que o EPI fornecido pela empresa, ao tempo que

se busca a conversão, não desqualifica a atividade como especial44.

103. O simples fato de o trabalhador vir a utilizar equipamentos de proteção individual não

descaracteriza a atividade como insalubre ou perigosa, uma vez que esta proteção é obrigatória

no desempenho de tais tarefas consideradas como tal e as empresas que não os utilizam

estariam daí agindo de forma ilegal. Logo, caso assim fosse, não haveria mais razão para a

legislação vir a conceder a Aposentadoria Especial ou a “conversão de tempo de serviço

42 http://www.legjur.com/jurisprudencia/eme/103.1674.7102.3700

43 TRF4, APELREEX 2009.70.01.000490-1, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, 2010.

44 TRF da 2° Região. 2° Turma. A.C. n° 333094. Relator o Des. Federal Paulo Espírito Santo. Data da Decisão: 24 / 11 / 2004.

Publicação: DJU de 04 / 12 / 2004, p. 279

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especial em comum” uma vez que todos tais trabalhadores estariam protegidos dos agentes

agressivos à sua saúde, no caso.

104. Matéria já pacificada, pelo fato de qualquer que seja o entendimento acerca da matéria

no âmbito previdenciário (INSS, PFE, MPS/CONJUR, CRPS) não resta dúvida quanto à

interpretação da eficácia do EPI ser questionável, nos termos da Súmula nº 9 da TNU/STJ45,

reforçado pelo Enunciado nº 21/2006 do CRPS46.

105. Como o INSS indefere requerimentos para conversão do tempo de contribuição exposto

a ruído (aposentadoria especial de 25 anos) ao arrepio dessa jurisprudência, há aqui o principio

da deseconomia processual, isso mesmo, economia ao contrário, pois:

a. Ultraja direito do trabalhador

b. Estimula sonegação fiscal

c. Estimula o contencioso, no qual sabidamente, por antemão, o INSS perde, pois o juizado

especial federal está vinculado uniformização da TNU/STJ nessas questões

previdenciárias.

d. Chancela a sonegação fiscal, por parte das empresas, referente ao Financiamento da

Aposentadoria Especial – FAE de 6% sobre a folha, pois o INSS assevera

peremptoriamente, com todas as letras: não há fato gerador (fato comum á aposentadoria

e à exação tributária), em que pesem a permanência e a nocividade, uma vez o EPI não

deixou ultrapassar o limite de tolerância em todos os dias, durante todas as horas de

trabalho do período requerido.

106. O sistema previdenciário perde duas vezes: 1) despesa administrativa processual,

retrabalho, recurso de oficio, pois sempre perde na justiça e 2) desabilita, por via indireta,

ingresso das contribuições sociais afins

107. Objetiva-se com esse expediente que o MPS juntamente à PFE/INSS uniformizem

interpretação da matéria, alinhando-a à interpretação superior exarada pela jurisprudência

vinculante supracitada, não apenas em respeito à ordem jurídica estabelecida ou atendimento ao

princípio da eficiência administrativa, mas fundamentalmente por economia processual e

destrancamento da cobrança tributária do Financiamento da Aposentadoria Especial – FAE; e

45

Súmula nº 9 da TNU/STJ - O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado. 46

Enunciado 21/CRPS. Seguridade social. CRPS. Aposentadoria especial. Simples fornecimento de equipamento de proteção individual de trabalho pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. Consideração de todo o ambiente de trabalho.

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quando a justiça dá ganho de causa ao trabalhador, não sentencia a empresa a pagar os valores

correlatos devidos.

108. Cabe ao INSS deferir as solicitações de conversão de tempo especial referente tempo

indevidamente excluído pela falácia do EPI, bem como representar à RFB para fins de cobrança

do FAE; autuação das empresas sonegadoras por infração por deixar de pagar tributo

(obrigação principal); e, não reconhecer em GFIP tais ocorrências (obrigação acessória). Crime

de sonegação fiscal e informação falsa em documento público.

109. As empresas, e não mais os trabalhadores, devem ocupar o polo passivo da

interpretação que considera EPI ineficaz, de forma que, em caso de contenda, essas empresas

teriam plenas condições de enfrentar INSS, RFB e próprio judiciário apresentando a

materialidade argumentativa oriunda do sistema de gestão do meio ambiente do trabalho.

110. Finalmente, cabe ao INSS, representar para fins penais os profissionais que prescrevem

tais EPI, pois se tratam de indícios de crimes tipificados como exposição ao risco, lesão corporal

quando for o caso, periclitação e contravenção penal por deixar de cumprir norma de saúde do

trabalhador.

111. Este Parecer Técnico usou o ruído como eixo exemplificativo, uma vez que, de forma

geral, alcança a todos os EPI que invariavelmente não protegem o trabalhador, e que, portanto,

suscitam aposentadoria especial, pois padecem dos mesmos vícios. O EPI só poderia ser

cogitado - é esse o espírito e positivação da lei - quando:

a. Primeiro: as medidas de proteção coletiva

i. Quando estas não forem suficientes ou encontrarem-se em fase de

estudo, planejamento ou implantação

ii. Ou ainda em caráter complementar ou emergencial

b. Segundo: parte-se para as medidas de caráter administrativo ou de organização do

trabalho.

112. Só então se cogita o uso de EPI (precaríssimo) e mesmo assim desde que se atendam

aos seguintes requisitos:

a. For assegurada a higienização

b. For assegurada a troca periódica conforme situação de campo (e não conforme indicação

de fabricante)

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c. For assegurado uso ininterrupto durante toda a jornada

d. For assegurado treinamento para todas as situações de campo

e. For assegurada a especificação adequada para cada um dos agentes nocivos

f. For assegurada a especificação adequada para a variabilidade de situações deletérias

para um mesmo agente nocivo

g. For assegurada ao trabalhador a decisão sobre conforto e adaptabilidade desse EPI

113. Finalmente, não obstante as posições reiteradas dos magistrados (judiciais e

administrativos) que uniformizaram no sentido da ineficácia do EPI dado que a lista de requisitos

de eficácia é exaustiva (numerus clausus) e como nenhuma empresa os demonstra de modo

rastreável e idôneo, não será o subordinado dessa empresa que o fará. Logo, jamais tais

requisitos são atendidos, por isso a ineficácia do EPI resta cabal e assertiva, qualquer que seja.

114. Após demonstração de diversas referências bibliográficas, de conteúdo técnico-

científico, de interpretação sistematizada, histórica e teleológica, ratificamos o posicionamento

de que o uso de EPI auricular não descaracteriza a concessão de beneficio, nem elide a exação

referente ao financiamento da aposentadoria especial.

PAULO ROGÉRIO ALBUQUERQUE DE OLIVEIRA47 Pesquisador Colaborador Senior

Universidade de Brasília - Faculdade de Tecnologia Campus Universitário Darcy Ribeiro

Asa Norte. 70910900 - Brasília, DF - Brasil http://www.creadigital.com.br/df/paulorog http://lattes.cnpq.br/0797997338651068

47

Pos-Doutorando da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP). Pesquisador Colaborador Senior da Faculdade de Tecnologia

da UnB. Doutor em Ciências da Saúde (UnB-2008). Mestre em Prevencion Y Protecion En Riesgos Laborales (Universidade de Alcala de Henares, Espanha - 2004). Professor-Titular e Coordenador da pós-graduação da UNIP-DF. Professor-Tutor de Curso Engª Segurança do Trabalho (EAD) pela Unyleya - Univ Cândido Mendes. Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho (UnB-2002). Especialista em Ciências Contábeis (FGV- 2001). Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (AFRFB-1998). Graduado em Engenharia Mecânica (UFBA-1996). Técnico em Construção Indústria de Petróleo - Petrobras (1985). Autor do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário - NTEP, Fator Acidentário de Prevenção - FAP e Perfil Profissiográfico Previdenciário PPP, temas que levaram à edição dos livros NTEP e FAP Um novo Olhar sobre a Saúde do Trabalhador e Do Exótico ao Esotérico: Uma sistematização da Saúde do Trabalhador, ambos pela editora LTr. Atual Coordenador-Geral de Monitoramento de Beneficio por Incapacidade do MPS. Experiência na área de Engenharia de Construção Industrial e Administração, com ênfase em Política e Planejamento Governamentais. http://lattes.cnpq.br/0797997338651068.