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CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA 62/CNECV/2011 PARECER N.º 62 DO CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA ASPECTOS ÉTICOS DA EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL (Dezembro de 2011)

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CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

62CNECV2011

PARECER Nordm 62 DO

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA

PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

ASPECTOS EacuteTICOS DA EXPERIMENTACcedilAtildeO ANIMAL

(Dezembro de 2011)

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Aspectos Eacuteticos da Experimentaccedilatildeo Animal

Nota introdutoacuteria

O Conselho Nacional de Eacutetica para as Ciecircncias da Vida considerou pertinente reflectir sobre

os ldquoaspectos eacuteticos da experimentaccedilatildeo animalrdquo tendo em atenccedilatildeo a crescente consciencializaccedilatildeo da

generalidade dos cidadatildeos acerca do valor de que se revestem todas as formas de vida e especifica-

mente a vida animal bem como da responsabilidade que assiste agrave sociedade na sua protecccedilatildeo

Com efeito na panoacuteplia de domiacutenios e modalidades por que o poder humano se exerce so-

bre a vida animal justificou-se privilegiar para reflexatildeo a utilizaccedilatildeo de animais para fins cientiacuteficos

especificamente em investigaccedilatildeo biomeacutedica natildeo soacute tendo em conta o acircmbito de competecircncias do

CNECV mas ainda o facto de ser esta a actividade humana que em termos gerais pode causar mais

elevados niacuteveis de dor sofrimento desconforto prejuiacutezo e eliminaccedilatildeo de animais Paralelamente eacute

ainda a experimentaccedilatildeo animal que suscita mais e melhores argumentos para manter inalteraacutevel um

amplo e faacutecil acesso agrave utilizaccedilatildeo de animais e assim sendo que exige tambeacutem um maior empenho

na apreciaccedilatildeo da situaccedilatildeo actual dos animais utilizados na investigaccedilatildeo cientiacutefica e na formulaccedilatildeo de

argumentos que justifiquem e garantam a protecccedilatildeo animal A confluecircncia destes aspectos torna a

presente problemaacutetica complexa

Aleacutem do exposto que justifica o presente Parecer importa sublinhar que o tema da ldquoexperi-

mentaccedilatildeo animalrdquo ganhou particular relevacircncia em Portugal no ano de 2010 no contexto da publica-

ccedilatildeo em Diaacuterio da Repuacuteblica de 16 de Julho da Resoluccedilatildeo nordm 962010 sobre a criaccedilatildeo de uma rede

nacional de bioteacuterios Existindo jaacute reflexatildeo eacutetico-juriacutedica a niacutevel da Uniatildeo Europeia que recomenda a

cada Estado-Membro a adopccedilatildeo de medidas de regulamentaccedilatildeo especiacuteficas sobre esta mateacuteria ao

mesmo tempo que impotildee um exigente conjunto miacutenimo de regras de protecccedilatildeo e cuidado dos ani-

mais utilizados para fins cientiacuteficos impotildee-se-nos uma reflexatildeo eacutetica sobre as condiccedilotildees legiacutetimas

para a ldquoexperimentaccedilatildeo animalrdquo no contexto cientiacutefico e social portuguecircs

A expressatildeo ldquoexperimentaccedilatildeo animalrdquo reporta-se na sua acepccedilatildeo mais ampla a todo o processo

cientiacutefico (no domiacutenio meacutedico bioloacutegico veterinaacuterio agriacutecola) que recorre agrave utilizaccedilatildeo de qualquer

animal (invertebrado ou vertebrado) para fins de investigaccedilatildeo Na sua acepccedilatildeo comum e mais restri-

ta reporta-se agrave utilizaccedilatildeo de animais vertebrados frequentemente apenas no domiacutenio biomeacutedico o

que aliaacutes eacute corroborado pelo facto das iniciativas juriacutedicas se restringirem regra geral tambeacutem aos

animais vertebrados No presente estudo adoptaremos a terminologia da Directiva 201063EU do

Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos animais usados para

fins cientiacuteficos

1 Experimentaccedilatildeo Animal realidade cientiacutefica

11 apontamento histoacuterico

O recurso a animais no acircmbito da medicina eacute praticamente tatildeo antigo como a proacutepria praacutetica

meacutedica tal como se apresenta na rica e condensada siacutentese histoacuterica de LFM van Zutpen na ldquoIn-

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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troduccedilatildeordquo de Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of

animals and to the quality of experimental results de 2001

Com efeito haacute registo da utilizaccedilatildeo de animais jaacute no Corpus Hippocraticum (seacutec VI-I aC) es-

pecificamente da praacutetica da vivissecccedilatildeo isto eacute da dissecccedilatildeo dos animais enquanto vivos para obser-

vaccedilatildeo e descriccedilatildeo da anatomia interna e do funcionamento dos oacutergatildeos Esta mesma praacutetica prosse-

gue ateacute Galeno (seacutec II) que a implementa jaacute tambeacutem no acircmbito do que designariacuteamos por estudo

fisioloacutegico sendo depois abandonada ateacute ao Renascimento e o advento do espiacuterito cientiacutefico Pode-

mos denominar esta primeira fase do que hoje classificamos como ldquoexperimentaccedilatildeo animalrdquo como a

sua preacute-histoacuteria considerando que a sua ldquohistoacuteriardquo se inicia apenas na modernidade em que efecti-

vamente se desenvolve de uma forma natildeo soacute regular e ininterrupta mas antes crescente e diversifi-

cada e tambeacutem cada vez mais organizada e sistemaacutetica

O Renascimento inaugura a concepccedilatildeo de um conhecimento feito de experiecircncia isto eacute com

uma base empiacuterica o que se verifica em todos os domiacutenios mas naturalmente se intensifica no plano

das ciecircncias da natureza e da vida em que se assinala a emergecircncia do meacutetodo experimental A ex-

perimentaccedilatildeo incide sobre os animais mas tambeacutem sobre os humanos tomando por base uma con-

cepccedilatildeo mecanicista do ser propiacutecia agrave objectividade e generalizaccedilatildeo cientiacutefica No que se refere espe-

cificamente aos animais para aleacutem de serem concebidos como puras maacutequinas animadas acresce o

facto de natildeo lhes poder ser reconhecida a existecircncia de uma alma (na sua dimensatildeo espiritual e natildeo

apenas como princiacutepio vital agrave maneira preacute-claacutessica) nem tatildeo pouco uma consciecircncia o que na eacutepoca

era considerado como sinoacutenimo A concepccedilatildeo mecanicista da vida radicaliza-se pois no plano ani-

mal natildeo admitindo a hipoacutetese destes experimentarem sofrimento

Esta eacute uma ambiecircncia favoraacutevel agrave utilizaccedilatildeo crescente de animais na investigaccedilatildeo meacutedica re-

forccedilada pela confirmaccedilatildeo que se vai consolidando sobretudo a partir do seacuteculo XVIII de que natildeo soacute a

experimentaccedilatildeo meacutedica eacute decisiva para o bem-estar humano na recuperaccedilatildeo da sauacutede e na preven-

ccedilatildeo da doenccedila mas tambeacutem de que beneficia fortemente de forma indispensaacutevel e insubstituiacutevel

da experimentaccedilatildeo animal Aliaacutes vale a pena aqui referir o ceacutelebre fisiologista Claude Bernard marco

incontornaacutevel da histoacuteria da medicina e sua aquisiccedilatildeo do estatuto de ciecircncia que na sua Introducti-

on agrave lrsquoeacutetude de la meacutedicine expeacuterimentale de 1865 defende natildeo soacute a experimentaccedilatildeo animal mas

tambeacutem a praacutetica da vivissecccedilatildeo como imprescindiacuteveis para o progresso da medicina

O seacuteculo XVIII eacute igualmente aquele em que se assinala uma definitiva viragem na percepccedilatildeo

comum da realidade da vida animal com consequecircncias directas se bem que de lenta repercussatildeo

nas condiccedilotildees de admissibilidade da experimentaccedilatildeo animal O seu principal protagonista foi o filoacuteso-

fo utilitarista inglecircs Jeremy Bentham com a sua ceacutelebre sequecircncia de interrogaccedilotildees - ldquoThe question is

not can they reason Nor can they talk But can they sufferrdquo (Introduction to the Principles of

Morals and Legislation impressa em 1780 e publicada em 1789) Esta sua veemente chamada de

atenccedilatildeo para a capacidade dos animais sentirem dor constitui uma exortaccedilatildeo para a necessidade e

urgecircncia do homem repensar o seu relacionamento com a vida animal no sentido de evitar provocar

a dor a todo o ser que tenha capacidade de a sentir uma vez que a dor eacute sempre percepcionada co-

mo um mal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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A partir de entatildeo desenvolve-se um movimento sempre crescente visando a restriccedilatildeo e

mesmo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica contexto em que a dor infligi-

da pelo homem aos animais atinge niacuteveis superiores multiplicando-se as organizaccedilotildees e as iniciativas

que visam a sua protecccedilatildeo Destaque-se The Victoria Street Society a primeira organizaccedilatildeo anti-

vivissecccedilatildeo criada em 1875 em Inglaterra e ainda neste paiacutes a primeira lei de protecccedilatildeo dos ani-

mais no contexto da experimentaccedilatildeo cientiacutefica o Cruelty to Animals Act em 1876

Natildeo obstante a consolidaccedilatildeo cada vez mais estruturada desta nova orientaccedilatildeo de que ainda

hoje somos herdeiros importa ter consciecircncia que a experimentaccedilatildeo animal foi natildeo soacute aumentando

em nuacutemero de animais envolvidos mas tambeacutem de investigadores centros de investigaccedilatildeo e ainda

na diversidade de espeacutecies envolvidas experiecircncias realizadas e objectivos perseguidos Com efeito

desde a ldquopreacute-histoacuteriardquo da experimentaccedilatildeo animal ateacute ao final do seacuteculo XIX o recurso a animais para

fins cientiacuteficos limitava-se sobretudo aos domeacutesticos No entanto a partir de entatildeo e ateacute agrave segunda

metade do seacuteculo XX o nuacutemero de espeacutecies e de animais de cada espeacutecie recrutados para a investi-

gaccedilatildeo cientiacutefica foi-se diversificando e multiplicando muito significativamente Tal ficou a dever-se a

um conjunto de diferentes aspectos entre os quais podemos destacar a afirmaccedilatildeo de uma grande

proximidade entre as variadas espeacutecies ligadas por um mesmo processo evolutivo na esteira da

Evoluccedilatildeo das Espeacutecies de Charles Darwin (1859) a importacircncia crescente do meacutetodo experimental

para o progresso cientiacutefico o desenvolvimento de vaacuterios ramos da ciecircncia que progridem pelo meacuteto-

do experimental como a farmacologia a toxicologia a virologia a imunologia a geneacutetica entre ou-

tras a revoluccedilatildeo bio-tecnoloacutegica que se deu a partir da descoberta da dupla heacutelice por Francis Crick

e James Watson em 1953 com o avassalador desenvolvimento da biomedicina e de novos domiacutenios

de investigaccedilatildeo como a transplantaccedilatildeo a clonagem a geneacutetica molecular dando colectivamente

origem agrave existecircncia de uma forma de praacutetica da medicina designada Medicina Molecular

12 realidade actual

Em termos gerais e apesar de apenas dispormos de registos fidedignos no Reino Unido eacute parti-

lhada a percepccedilatildeo de que a experimentaccedilatildeo animal se foi livremente desenvolvendo ao longo da

modernidade e sobretudo da contemporaneidade ateacute aos anos 70 do seacuteculo XX Nesta deacutecada os

movimentos de defesa dos animais ateacute entatildeo com uma fraca implantaccedilatildeo social na maioria dos paiacute-

ses intensificaram-se e a questatildeo do comportamento humano em relaccedilatildeo aos animais comeccedilou a

assumir uma dimensatildeo poliacutetica e social ateacute entatildeo inexistente Foi esta nova realidade que deu origem

agraves muitas iniciativas legislativas que mais recentemente vecircm sendo elaboradas

Entretanto hoje estima-se que o nuacutemero total de animais usados em investigaccedilatildeo cientiacutefica

por ano e apenas no espaccedilo europeu ascenda a 12 milhotildees natildeo obstante o seu nuacutemero ter vindo a

diminuir desde a deacutecada de 80 do seacuteculo passado na maior parte dos paiacuteses europeus (por exemplo

em Franccedila entre 1984 e 1999 o nuacutemero de animais utilizados para experimentaccedilatildeo desceu cerca de

50 apoacutes o que se tem mantido estaacutevel) Podemos apontar dois factores principais para este de-

creacutescimo Primeiramente as preocupaccedilotildees eacuteticas tecircm-se vindo a traduzir em restriccedilotildees juriacutedicas as

quais progressivamente tecircm contribuiacutedo para uma contracccedilatildeo a diversos niacuteveis da experimentaccedilatildeo

animal Um segundo aspecto parcialmente decorrente do primeiro reporta-se agrave multiplicaccedilatildeo de

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meacutetodos alternativos agrave utilizaccedilatildeo dos animais teacutecnicas in vitro sobre ceacutelulas e sobre tecidos reconsti-

tuiacutedos recurso a organismos inferiores teacutecnicas imunoloacutegicas meacutetodos fiacutesico-quiacutemicos modelos

matemaacuteticos e computacionais modelos humanos voluntaacuterios telemetria (J Nab M Baals JBF

van der Valk CFM Hendriksen 2001)

Ainda no que se refere agrave enunciaccedilatildeo de meacutetodos alternativos importa sublinhar dois aspec-

tos fundamentais para a sua praacutetica efectiva e generalizada a validaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo A valida-

ccedilatildeo dos meacutetodos alternativos na Europa estaacute actualmente a cargo de The European Centre for the

Validation of Alternative Methods estabelecido em 1991 O processo eacute demorado e complexo de-

senvolvendo-se ao longo de cinco fases apoacutes as quais e uma vez aprovado o procedimento alterna-

tivo sob anaacutelise se exige amplo reconhecimento internacional Entretanto tem-se verificado que

mesmo os meacutetodos aprovados satildeo de difiacutecil implementaccedilatildeo devido a vaacuterias factores entre os quais

podemos destacar a relutacircncia na partilha de dados por parte de algumas companhias e uma insufi-

ciente comunicaccedilatildeo entre cientistas e legisladores

As uacuteltimas deacutecadas foram ainda marcadas pelo que podemos classificar como uma inovaccedilatildeo

neste domiacutenio da experimentaccedilatildeo animal com um significativo impacto nos planos quer cientiacutefico

quer eacutetico Referimo-nos agrave produccedilatildeo ou fabricaccedilatildeo de animais especificamente desenhados para

projectos cientiacuteficos especiacuteficos e regra geral reproduzindo a dimensatildeo humana que se pretende

estudar transgeacutenicos Estes representam um avanccedilo importante em termos de qualidade e progres-

so da investigaccedilatildeo cientiacutefica inclusivamente reduzindo problemas na validaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo

que sempre se colocam Poreacutem a construccedilatildeo de uma nova estirpe de animal transgeacutenico requer um

nuacutemero elevado de animais e uma vez obtido o novo modelo as solicitaccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo

multiplicam-se o que agrava de novo o nuacutemero de animais utilizados em investigaccedilatildeo biomeacutedica

sobretudo de mamiacuteferos inferiores Do ponto de vista eacutetico a questatildeo da desnaturalizaccedilatildeo dos ani-

mais soma-se agrave jaacute claacutessica do sofrimento

A experimentaccedilatildeo animal continua hoje a desenvolver-se sobretudo no acircmbito da investiga-

ccedilatildeo de medicamentos testes de vacinas e de toxicidade investigaccedilatildeo baacutesica biomeacutedica e no domiacutenio

oncoloacutegico coraccedilatildeo circulaccedilatildeo estudos geneacuteticos diagnoacutesticos cirurgia experimental e educaccedilatildeo

Aliaacutes a este propoacutesito conviraacute acrescentar que a utilizaccedilatildeo de animais na educaccedilatildeo natildeo tem recebido

a mesma proximidade de acompanhamento na obtenccedilatildeo de dados na reflexatildeo eacutetica na regulamen-

taccedilatildeo juriacutedica e no empenho de procura de alternativas que se verifica na experimentaccedilatildeo animal

Os primatas natildeo-humanos em relaccedilatildeo aos quais as restriccedilotildees agrave experimentaccedilatildeo satildeo mais

apertadas por a este niacutevel se agravarem os argumentos existentes contra a experimentaccedilatildeo animal

continuam a ser utilizados sobretudo para projectos de investigaccedilatildeo em doenccedilas infecciosas nome-

adamente as que com maior gravidade eclodiram recentemente HIV SARS hepatites

O caso de Portugal

A prioridade ao desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico assumida pelo Governo portuguecircs

em 2006 no Compromisso com a Ciecircncia reflectiu-se numa dinacircmica de progresso nos uacuteltimos anos

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relativamente singular no quadro da UE Em 2009 a despesa total em investigaccedilatildeo atingiu 171 do

PIB mais do que duplicando relativamente a 2005 (081 do PIB) e aproximando Portugal da meacutedia

da UE (19 do PIB) O conjunto do sector privado teve um importante contributo para este esforccedilo

representando 58 do total da despesa Em resultado deste esforccedilo o nuacutemero de investigadores

cresceu para 82 investigadores por mil activos ultrapassando a meacutedia europeia e situando-se na

meacutedia da OCDE Este crescimento reflectiu-se no reforccedilo das instituiccedilotildees e na excelecircncia da investi-

gaccedilatildeo em todas as aacutereas cientiacuteficas (Amacircncio et al 2011)

A investigaccedilatildeo cientiacutefica em Biologia Moderna incluindo Biologia Molecular Biologia do De-

senvolvimento Ciecircncias da Sauacutede Ciecircncias Biomeacutedicas tem assim uma inserccedilatildeo relativamente re-

cente em Portugal (ver de Sousa 2009) O proacuteprio reconhecimento destas vaacuterias aacutereas da Biologia

Moderna tem-se processado com o aparecimento sucessivo entre 1991 e 1995 de uma Secretaria

de Estado da Ciecircncia e Tecnologia primeiramente ligada ao Ministeacuterio do Plano Em 1995 constitui-se

o primeiro Ministeacuterio da Ciecircncia e Tecnologia independente do Ensino Superior situaccedilatildeo que dura

ateacute 2002 quando se forma o Ministeacuterio do Ensino Superior Ciecircncia e Tecnologia que perdurou ateacute agrave

constituiccedilatildeo do novo governo em 2011 onde a Investigaccedilatildeo cientiacutefica voltou a estar sob a tutela de

uma Secretaria de Estado

Natildeo deve parecer assim demasiado estranho que a Directiva de Novembro de 1986 sobre ldquoa

protecccedilatildeo de animais usados para fins experimentais e outros fins cientiacuteficosrdquo tenha levado seis anos

a traduzir para portuguecircs e apareccedila como uma portaria (nordm 100592) vinda dos Ministeacuterios da Agri-

cultura da Educaccedilatildeo da Sauacutede e do Comeacutercio e Turismo A proacutepria Comissatildeo Europeia depois de ter

escolhido o Comiteacute do Ambiente para tratar durante dez anos de tudo o que tinha a ver com experi-

mentaccedilatildeo animal em 2008 pouco antes do Natal envia uma directiva ao Comiteacute de Agricultura

No que respeita a problemas ligados agrave eacutetica e sua implementaccedilatildeo no domiacutenio do bem-estar

animal Portugal pode considerar-se numa posiccedilatildeo de certo modo favoraacutevel resultante em parte de

um atraso que daqui para a frente pode ser usado como um ponto de partida vantajoso Isto eacute numa

altura em que se procura fazer a validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos Portugal poderia vir a juntar-se a

outros centros europeus pioneiros na mateacuteria da validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos O atraso de

Portugal poderaacute tambeacutem beneficiar o paiacutes porquanto os exemplos de legislaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da

legislaccedilatildeo na Europa e no Norte da Ameacuterica satildeo tatildeo claros que o paiacutes pode usar a liberdade que eacute

esperada dos estados membros para experimentar vias de execuccedilatildeo que assegurem o bem-estar

dos animais que natildeo teratildeo necessariamente que ser riacutegidas e abrangerem todo o territoacuterio nacional

mas que podem comeccedilar com experiecircncias piloto com a participaccedilatildeo por exemplo das universida-

des ou dos Laboratoacuterios Associados sob tutela da Direcccedilatildeo Geral de Veterinaacuteria (DGV)

2 Experimentaccedilatildeo animal problematizaccedilatildeo eacutetica

A problematizaccedilatildeo eacutetica da experimentaccedilatildeo animal desenvolve-se necessariamente em dois

planos maiores complementares e indissociaacuteveis um inicial teoacuterico acerca do estatuto moral da

vida animal e um outro subsequente praacutetico acerca dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo para a tomada de

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decisatildeo relativa aos diferentes interesses em conflito na temaacutetica em apreccedilo o bem-estar dos ani-

mais e os benefiacutecios decorrentes da prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica

Eacute evidente que os dois planos de questionamento estatildeo entre si relacionados uma vez que do

ponto de vista teoacuterico o estatuto da vida animal racionalmente formulado determinaraacute o(s) proce-

dimento(s) a adoptar pelo homem em relaccedilatildeo aos animais e que do ponto de vista praacutetico as for-

mas de actuaccedilatildeo do homem em relaccedilatildeo aos animais mais comummente aceites pela opiniatildeo puacutebli-

ca influenciaratildeo o estatuto da vida animal a assumir

Consideremos pois ambos os planos sucessivamente nas suas respectivas implicaccedilotildees

21 questotildees mais controversas

A questatildeo teoacuterica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em experimentaccedilatildeo coloca eacute

a do estatuto dito atribuiacutedo ndash na concepccedilatildeo de que o valor da vida animal lhe eacute conferido sob dife-

rentes criteacuterios pelo ser humano enquanto uacutenico ser dotado de pensamento teoacuterico ndash ou dito reco-

nhecido - na concepccedilatildeo de que a vida animal tem um valor intriacutenseco - agrave vida animal Numa diferente

formulaccedilatildeo mais expliacutecita diriacuteamos que a questatildeo preacutevia agrave formulaccedilatildeo de normativas de acccedilatildeo em

relaccedilatildeo aos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica eacute a do valor da vida animal

O animal foi tradicional e comummente considerado como um mero objecto ou instrumento

do homem um meio para os mais diversos fins que este se propotildee revestindo-se por isso de um

valor meramente utilitaacuterio decorrente do bem ou utilidade que num determinado momento eou

sob determinadas circunstacircncias poderia protagonizar para o homem

Esta eacute uma perspectiva que se formou com o advento da racionalidade humana e que a filo-

sofia grega claacutessica fundamenta e sistematiza atraveacutes da valorizaccedilatildeo da racionalidade do pensamen-

to teoacuterico como especiacutefico ao homem e sua parte mais excelente (para aleacutem da hierarquia dos seres

jaacute subjacente agrave mitologia da transmigraccedilatildeo das almas em que o homem e particularmente o filoacutesofo

aquele dedica a vida ao saber ocupa o lugar mais destacado) Eacute esta mesma perspectiva que viraacute a

ser consolidada pela filosofia cristatilde particularmente ao longo da Idade Meacutedia que atribui ao homem

natildeo apenas a especificidade do intelecto mas tambeacutem a do espiacuterito como uacutenico ser criado agrave imagem

e semelhanccedila de Deus (para aleacutem da interpretaccedilatildeo do mito da criaccedilatildeo no Antigo Testamento da

daacutediva divina de toda a criatura ao homem) Trata-se pois de uma visatildeo antropocentrada do mundo

animal que afirma a superioridade do homem enquanto ser espiritual e ente de razatildeo sobre todos

os demais seres

A nova visatildeo da modernidade sobre a vida animal (e natildeo soacute) ndash mecanicista - natildeo alterou o ca-

raacutecter antropocentrado desta relaccedilatildeo que sempre dominante ao longo da histoacuteria se manifesta

amplamente e sob as mais diversas formas entre as quais podemos nomear os animais para consumo

alimentar como os animais de trabalho os animais de companhia como os animais de circo ou os

animais para experimentaccedilatildeo cientiacutefica

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Nesta perspectiva antropocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe extriacutenseco decorrendo da

funccedilatildeo que o animal pode exercer com benefiacutecio para o homem O animal natildeo possui pois qualquer

valor em si mesmo sendo o homem o uacutenico a poder atribuir-lhe um valor sempre utilitaacuterio e variaacute-

vel conforme as circunstacircncias e as finalidades Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute total-

mente legiacutetima na medida em que coloca a vida animal ao serviccedilo do ser humano tendo em vista a

obtenccedilatildeo de algum bem para o homem

Esta perspectiva eacute decisivamente colocada em causa tal como jaacute indicaacutemos por Jeremy Ben-

tham que inaugura o debate sobre a relaccedilatildeo dos homens com os animais num plano francamente

ineacutedito e revolucionaacuterio A sua exortaccedilatildeo agrave capacidade dos animais sentirem dor pretende romper

com a tradicional concepccedilatildeo de uma diferenccedila qualitativa ou de natureza entre animais e humanos

e aproximar ambos agora entre si enquanto seres sencientes e pela capacidade partilhada de sofre-

rem De facto Bentham inverte o sentido habitual do olhar sobre a relaccedilatildeo do homem com o animal

marcado pela identificaccedilatildeo da diferenccedila como justificaccedilatildeo da superioridade e fundamento do valor e

procura antes o que de comum existe entre ambos os seres o que os aproxima e igualiza retomando

assim tambeacutem a questatildeo do valor de cada um

Deste modo o pensamento de Bentham conduz a uma mudanccedila no estatuto e no valor que

ateacute entatildeo eram atribuiacutedos aos animais bem como consequentemente no tratamento por parte dos

humanos que lhes era dispensado O criteacuterio do estatuto moral de um ser natildeo eacute mais para este filoacute-

sofo a capacidade de pensar (e do exerciacutecio livre da vontade e de articulaccedilatildeo do discurso) na estei-

ra da tradiccedilatildeo do pensamento filosoacutefico ocidental mas sim a capacidade de sofrer o que a partir de

entatildeo e sobretudo jaacute no seacutec XX os utilitaristas em geral vatildeo seguir e desenvolver

Neste contexto impotildee-se um particular destaque para Peter Singer e Thomas Regan que di-

ferentemente rejeitam uma postura antropocecircntrica na relaccedilatildeo do homem para com os animais agrave

qual contrapotildeem uma perspectiva zoocecircntrica Esta defendendo que todos os seres dotados de sen-

sibilidade todos os seres capazes de sofrer e de sentir felicidade satildeo merecedores de igual conside-

raccedilatildeo e que os seus interesses devem ser igualmente acautelados (princiacutepio da igualdade) alarga as

fronteiras da comunidade moral aos animais O zoocentrismo sem advogar que os animais sejam

capazes de agir moralmente considera que devem beneficiar de restriccedilotildees normativas juridicamente

impostas aos humanos e natildeo apenas de restriccedilotildees prudenciais confiadas ao caraacutecter de cada pessoa

tal como tem sido tradicional e comummente assumido

O zoocentrismo tem-se desenvolvido muito significativamente nas uacuteltimas deacutecadas seguindo

duas orientaccedilotildees proacuteximas mas distintas protagonizadas por Peter Singer e Thomas Regan respec-

tivamente o movimento da libertaccedilatildeo animal na afirmaccedilatildeo de uma posiccedilatildeo igualitaacuteria entre todos

os seres sencientes na rejeiccedilatildeo do ldquoespecismordquo (discriminaccedilatildeo dos animais pelos humanos com

base na suposta superioridade da espeacutecie humana em relaccedilatildeo agraves demais num procedimento anaacutelo-

go ao que se verifica no racismo ou sexismo) e a reivindicaccedilatildeo dos direitos dos animais na afirmaccedilatildeo

de que os interesses proacuteprios dos animais natildeo devem depender da boa vontade dos homens para

serem satisfeitos mas constituem direitos a serem juridicamente salvaguardados

No que se refere especificamente agrave experimentaccedilatildeo animal as posiccedilotildees de Singer e de Regan

satildeo tambeacutem distintas Peter Singer reconhecendo a importacircncia da complexidade da vida mental

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para a satisfaccedilatildeo dos interesses dos seres bem como o facto das necessidades baacutesicas de cada ser

decorrerem das suas respectivas propriedades isto eacute dos seus interesses admite a experimentaccedilatildeo

animal sob uma selecccedilatildeo muito criteriosa de animais os quais devem ser substituiacutedos por simulaccedilotildees

de computador ou outros meacutetodos alternativos sempre que possiacutevel soacute podendo ser disponibiliza-

dos se se minimizar a sua dor e se os resultados previstos trouxerem um benefiacutecio significativo a

muitos Thomas Regan considera que a filosofia utilitarista em que inicialmente se apoia natildeo prote-

ge suficientemente o bem-estar animal ao permitir que os interesses dos animais possam ser sacrifi-

cados em prol de um bem comum (mais vasto) como se verifica por exemplo na admissibilidade do

recurso a animais para experimentaccedilatildeo biomeacutedica sob algumas condiccedilotildees Estatuindo os interesses

dos animais em ldquodireitosrdquo isto eacute revestindo esses interesses de uma dimensatildeo juriacutedica inerente agrave

noccedilatildeo de ldquodireitordquo o autor reivindica a obrigatoriedade de respeito incondicional desses mesmos

interesses e assim sendo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Na perspectiva zoocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe intriacutenseco decorrendo da sua capa-

cidade de experimentar dor e de possuir interesses proacuteprios natildeo estando mais dependente de qual-

quer apreciaccedilatildeo humana Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute indesejaacutevel e deve ser sempre

evitada soacute podendo ser admitida sob fortes restriccedilotildees juridicamente estabelecidas (o que em todo o

caso natildeo eacute consensual entre os zoocentristas)

Tornou-se evidente que a problematizaccedilatildeo teoacuterica acerca do estatuto moral da vida animal

enuncia diferentes orientaccedilotildees de acccedilatildeo no que se refere agrave experimentaccedilatildeo animal Eis por que a

questatildeo praacutetica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em investigaccedilatildeo cientiacutefica coloca eacute a do

equiliacutebrio entre duas realidades distintas mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si

mesmo a prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica e a protecccedilatildeo dos animais

A apreciaccedilatildeo dos vaacuterios princiacutepios eacuteticos implicados nesta questatildeo praacutetica deveraacute permitir-

nos preconizarmos um curso de acccedilatildeo devidamente fundamentado

22 princiacutepios eacuteticos fundamentais

A primeira vez e num tempo remoto tal como jaacute se indicou que se procedeu agrave experimenta-

ccedilatildeo animal o princiacutepio hegemoacutenico determinante da acccedilatildeo era o do progresso da ciecircncia o do de-

senvolvimento do conhecimento Este princiacutepio fundamental foi-se estruturando ao longo da histoacuteria

como sendo o da liberdade de investigaccedilatildeo ou seja a exigecircncia de toda a reflexatildeo e praacutetica visando

a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos prosseguir sem obstaacuteculos e seguindo uma orientaccedilatildeo autoacuteno-

ma o que entretanto requer tambeacutem a disponibilizaccedilatildeo de meios como condiccedilatildeo necessaacuteria e indis-

pensaacutevel para a sua prossecuccedilatildeo

A ciecircncia eacute percepcionada como um valor natildeo apenas instrumental pelo seu contributo para

o desenvolvimento social e a minoraccedilatildeo de dificuldades eou sofrimento pessoal mas tambeacutem como

constitutiva da identidade humana consubstancializando a especificidade do homem na sua busca

insana por saber sempre mais Por isso a ciecircncia se foi tornando num fim em si mesmo Somente

apoacutes a segunda guerra mundial com a divulgaccedilatildeo das atrocidades cometidas no domiacutenio da experi-

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

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primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

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Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

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2

Aspectos Eacuteticos da Experimentaccedilatildeo Animal

Nota introdutoacuteria

O Conselho Nacional de Eacutetica para as Ciecircncias da Vida considerou pertinente reflectir sobre

os ldquoaspectos eacuteticos da experimentaccedilatildeo animalrdquo tendo em atenccedilatildeo a crescente consciencializaccedilatildeo da

generalidade dos cidadatildeos acerca do valor de que se revestem todas as formas de vida e especifica-

mente a vida animal bem como da responsabilidade que assiste agrave sociedade na sua protecccedilatildeo

Com efeito na panoacuteplia de domiacutenios e modalidades por que o poder humano se exerce so-

bre a vida animal justificou-se privilegiar para reflexatildeo a utilizaccedilatildeo de animais para fins cientiacuteficos

especificamente em investigaccedilatildeo biomeacutedica natildeo soacute tendo em conta o acircmbito de competecircncias do

CNECV mas ainda o facto de ser esta a actividade humana que em termos gerais pode causar mais

elevados niacuteveis de dor sofrimento desconforto prejuiacutezo e eliminaccedilatildeo de animais Paralelamente eacute

ainda a experimentaccedilatildeo animal que suscita mais e melhores argumentos para manter inalteraacutevel um

amplo e faacutecil acesso agrave utilizaccedilatildeo de animais e assim sendo que exige tambeacutem um maior empenho

na apreciaccedilatildeo da situaccedilatildeo actual dos animais utilizados na investigaccedilatildeo cientiacutefica e na formulaccedilatildeo de

argumentos que justifiquem e garantam a protecccedilatildeo animal A confluecircncia destes aspectos torna a

presente problemaacutetica complexa

Aleacutem do exposto que justifica o presente Parecer importa sublinhar que o tema da ldquoexperi-

mentaccedilatildeo animalrdquo ganhou particular relevacircncia em Portugal no ano de 2010 no contexto da publica-

ccedilatildeo em Diaacuterio da Repuacuteblica de 16 de Julho da Resoluccedilatildeo nordm 962010 sobre a criaccedilatildeo de uma rede

nacional de bioteacuterios Existindo jaacute reflexatildeo eacutetico-juriacutedica a niacutevel da Uniatildeo Europeia que recomenda a

cada Estado-Membro a adopccedilatildeo de medidas de regulamentaccedilatildeo especiacuteficas sobre esta mateacuteria ao

mesmo tempo que impotildee um exigente conjunto miacutenimo de regras de protecccedilatildeo e cuidado dos ani-

mais utilizados para fins cientiacuteficos impotildee-se-nos uma reflexatildeo eacutetica sobre as condiccedilotildees legiacutetimas

para a ldquoexperimentaccedilatildeo animalrdquo no contexto cientiacutefico e social portuguecircs

A expressatildeo ldquoexperimentaccedilatildeo animalrdquo reporta-se na sua acepccedilatildeo mais ampla a todo o processo

cientiacutefico (no domiacutenio meacutedico bioloacutegico veterinaacuterio agriacutecola) que recorre agrave utilizaccedilatildeo de qualquer

animal (invertebrado ou vertebrado) para fins de investigaccedilatildeo Na sua acepccedilatildeo comum e mais restri-

ta reporta-se agrave utilizaccedilatildeo de animais vertebrados frequentemente apenas no domiacutenio biomeacutedico o

que aliaacutes eacute corroborado pelo facto das iniciativas juriacutedicas se restringirem regra geral tambeacutem aos

animais vertebrados No presente estudo adoptaremos a terminologia da Directiva 201063EU do

Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos animais usados para

fins cientiacuteficos

1 Experimentaccedilatildeo Animal realidade cientiacutefica

11 apontamento histoacuterico

O recurso a animais no acircmbito da medicina eacute praticamente tatildeo antigo como a proacutepria praacutetica

meacutedica tal como se apresenta na rica e condensada siacutentese histoacuterica de LFM van Zutpen na ldquoIn-

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troduccedilatildeordquo de Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of

animals and to the quality of experimental results de 2001

Com efeito haacute registo da utilizaccedilatildeo de animais jaacute no Corpus Hippocraticum (seacutec VI-I aC) es-

pecificamente da praacutetica da vivissecccedilatildeo isto eacute da dissecccedilatildeo dos animais enquanto vivos para obser-

vaccedilatildeo e descriccedilatildeo da anatomia interna e do funcionamento dos oacutergatildeos Esta mesma praacutetica prosse-

gue ateacute Galeno (seacutec II) que a implementa jaacute tambeacutem no acircmbito do que designariacuteamos por estudo

fisioloacutegico sendo depois abandonada ateacute ao Renascimento e o advento do espiacuterito cientiacutefico Pode-

mos denominar esta primeira fase do que hoje classificamos como ldquoexperimentaccedilatildeo animalrdquo como a

sua preacute-histoacuteria considerando que a sua ldquohistoacuteriardquo se inicia apenas na modernidade em que efecti-

vamente se desenvolve de uma forma natildeo soacute regular e ininterrupta mas antes crescente e diversifi-

cada e tambeacutem cada vez mais organizada e sistemaacutetica

O Renascimento inaugura a concepccedilatildeo de um conhecimento feito de experiecircncia isto eacute com

uma base empiacuterica o que se verifica em todos os domiacutenios mas naturalmente se intensifica no plano

das ciecircncias da natureza e da vida em que se assinala a emergecircncia do meacutetodo experimental A ex-

perimentaccedilatildeo incide sobre os animais mas tambeacutem sobre os humanos tomando por base uma con-

cepccedilatildeo mecanicista do ser propiacutecia agrave objectividade e generalizaccedilatildeo cientiacutefica No que se refere espe-

cificamente aos animais para aleacutem de serem concebidos como puras maacutequinas animadas acresce o

facto de natildeo lhes poder ser reconhecida a existecircncia de uma alma (na sua dimensatildeo espiritual e natildeo

apenas como princiacutepio vital agrave maneira preacute-claacutessica) nem tatildeo pouco uma consciecircncia o que na eacutepoca

era considerado como sinoacutenimo A concepccedilatildeo mecanicista da vida radicaliza-se pois no plano ani-

mal natildeo admitindo a hipoacutetese destes experimentarem sofrimento

Esta eacute uma ambiecircncia favoraacutevel agrave utilizaccedilatildeo crescente de animais na investigaccedilatildeo meacutedica re-

forccedilada pela confirmaccedilatildeo que se vai consolidando sobretudo a partir do seacuteculo XVIII de que natildeo soacute a

experimentaccedilatildeo meacutedica eacute decisiva para o bem-estar humano na recuperaccedilatildeo da sauacutede e na preven-

ccedilatildeo da doenccedila mas tambeacutem de que beneficia fortemente de forma indispensaacutevel e insubstituiacutevel

da experimentaccedilatildeo animal Aliaacutes vale a pena aqui referir o ceacutelebre fisiologista Claude Bernard marco

incontornaacutevel da histoacuteria da medicina e sua aquisiccedilatildeo do estatuto de ciecircncia que na sua Introducti-

on agrave lrsquoeacutetude de la meacutedicine expeacuterimentale de 1865 defende natildeo soacute a experimentaccedilatildeo animal mas

tambeacutem a praacutetica da vivissecccedilatildeo como imprescindiacuteveis para o progresso da medicina

O seacuteculo XVIII eacute igualmente aquele em que se assinala uma definitiva viragem na percepccedilatildeo

comum da realidade da vida animal com consequecircncias directas se bem que de lenta repercussatildeo

nas condiccedilotildees de admissibilidade da experimentaccedilatildeo animal O seu principal protagonista foi o filoacuteso-

fo utilitarista inglecircs Jeremy Bentham com a sua ceacutelebre sequecircncia de interrogaccedilotildees - ldquoThe question is

not can they reason Nor can they talk But can they sufferrdquo (Introduction to the Principles of

Morals and Legislation impressa em 1780 e publicada em 1789) Esta sua veemente chamada de

atenccedilatildeo para a capacidade dos animais sentirem dor constitui uma exortaccedilatildeo para a necessidade e

urgecircncia do homem repensar o seu relacionamento com a vida animal no sentido de evitar provocar

a dor a todo o ser que tenha capacidade de a sentir uma vez que a dor eacute sempre percepcionada co-

mo um mal

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A partir de entatildeo desenvolve-se um movimento sempre crescente visando a restriccedilatildeo e

mesmo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica contexto em que a dor infligi-

da pelo homem aos animais atinge niacuteveis superiores multiplicando-se as organizaccedilotildees e as iniciativas

que visam a sua protecccedilatildeo Destaque-se The Victoria Street Society a primeira organizaccedilatildeo anti-

vivissecccedilatildeo criada em 1875 em Inglaterra e ainda neste paiacutes a primeira lei de protecccedilatildeo dos ani-

mais no contexto da experimentaccedilatildeo cientiacutefica o Cruelty to Animals Act em 1876

Natildeo obstante a consolidaccedilatildeo cada vez mais estruturada desta nova orientaccedilatildeo de que ainda

hoje somos herdeiros importa ter consciecircncia que a experimentaccedilatildeo animal foi natildeo soacute aumentando

em nuacutemero de animais envolvidos mas tambeacutem de investigadores centros de investigaccedilatildeo e ainda

na diversidade de espeacutecies envolvidas experiecircncias realizadas e objectivos perseguidos Com efeito

desde a ldquopreacute-histoacuteriardquo da experimentaccedilatildeo animal ateacute ao final do seacuteculo XIX o recurso a animais para

fins cientiacuteficos limitava-se sobretudo aos domeacutesticos No entanto a partir de entatildeo e ateacute agrave segunda

metade do seacuteculo XX o nuacutemero de espeacutecies e de animais de cada espeacutecie recrutados para a investi-

gaccedilatildeo cientiacutefica foi-se diversificando e multiplicando muito significativamente Tal ficou a dever-se a

um conjunto de diferentes aspectos entre os quais podemos destacar a afirmaccedilatildeo de uma grande

proximidade entre as variadas espeacutecies ligadas por um mesmo processo evolutivo na esteira da

Evoluccedilatildeo das Espeacutecies de Charles Darwin (1859) a importacircncia crescente do meacutetodo experimental

para o progresso cientiacutefico o desenvolvimento de vaacuterios ramos da ciecircncia que progridem pelo meacuteto-

do experimental como a farmacologia a toxicologia a virologia a imunologia a geneacutetica entre ou-

tras a revoluccedilatildeo bio-tecnoloacutegica que se deu a partir da descoberta da dupla heacutelice por Francis Crick

e James Watson em 1953 com o avassalador desenvolvimento da biomedicina e de novos domiacutenios

de investigaccedilatildeo como a transplantaccedilatildeo a clonagem a geneacutetica molecular dando colectivamente

origem agrave existecircncia de uma forma de praacutetica da medicina designada Medicina Molecular

12 realidade actual

Em termos gerais e apesar de apenas dispormos de registos fidedignos no Reino Unido eacute parti-

lhada a percepccedilatildeo de que a experimentaccedilatildeo animal se foi livremente desenvolvendo ao longo da

modernidade e sobretudo da contemporaneidade ateacute aos anos 70 do seacuteculo XX Nesta deacutecada os

movimentos de defesa dos animais ateacute entatildeo com uma fraca implantaccedilatildeo social na maioria dos paiacute-

ses intensificaram-se e a questatildeo do comportamento humano em relaccedilatildeo aos animais comeccedilou a

assumir uma dimensatildeo poliacutetica e social ateacute entatildeo inexistente Foi esta nova realidade que deu origem

agraves muitas iniciativas legislativas que mais recentemente vecircm sendo elaboradas

Entretanto hoje estima-se que o nuacutemero total de animais usados em investigaccedilatildeo cientiacutefica

por ano e apenas no espaccedilo europeu ascenda a 12 milhotildees natildeo obstante o seu nuacutemero ter vindo a

diminuir desde a deacutecada de 80 do seacuteculo passado na maior parte dos paiacuteses europeus (por exemplo

em Franccedila entre 1984 e 1999 o nuacutemero de animais utilizados para experimentaccedilatildeo desceu cerca de

50 apoacutes o que se tem mantido estaacutevel) Podemos apontar dois factores principais para este de-

creacutescimo Primeiramente as preocupaccedilotildees eacuteticas tecircm-se vindo a traduzir em restriccedilotildees juriacutedicas as

quais progressivamente tecircm contribuiacutedo para uma contracccedilatildeo a diversos niacuteveis da experimentaccedilatildeo

animal Um segundo aspecto parcialmente decorrente do primeiro reporta-se agrave multiplicaccedilatildeo de

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meacutetodos alternativos agrave utilizaccedilatildeo dos animais teacutecnicas in vitro sobre ceacutelulas e sobre tecidos reconsti-

tuiacutedos recurso a organismos inferiores teacutecnicas imunoloacutegicas meacutetodos fiacutesico-quiacutemicos modelos

matemaacuteticos e computacionais modelos humanos voluntaacuterios telemetria (J Nab M Baals JBF

van der Valk CFM Hendriksen 2001)

Ainda no que se refere agrave enunciaccedilatildeo de meacutetodos alternativos importa sublinhar dois aspec-

tos fundamentais para a sua praacutetica efectiva e generalizada a validaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo A valida-

ccedilatildeo dos meacutetodos alternativos na Europa estaacute actualmente a cargo de The European Centre for the

Validation of Alternative Methods estabelecido em 1991 O processo eacute demorado e complexo de-

senvolvendo-se ao longo de cinco fases apoacutes as quais e uma vez aprovado o procedimento alterna-

tivo sob anaacutelise se exige amplo reconhecimento internacional Entretanto tem-se verificado que

mesmo os meacutetodos aprovados satildeo de difiacutecil implementaccedilatildeo devido a vaacuterias factores entre os quais

podemos destacar a relutacircncia na partilha de dados por parte de algumas companhias e uma insufi-

ciente comunicaccedilatildeo entre cientistas e legisladores

As uacuteltimas deacutecadas foram ainda marcadas pelo que podemos classificar como uma inovaccedilatildeo

neste domiacutenio da experimentaccedilatildeo animal com um significativo impacto nos planos quer cientiacutefico

quer eacutetico Referimo-nos agrave produccedilatildeo ou fabricaccedilatildeo de animais especificamente desenhados para

projectos cientiacuteficos especiacuteficos e regra geral reproduzindo a dimensatildeo humana que se pretende

estudar transgeacutenicos Estes representam um avanccedilo importante em termos de qualidade e progres-

so da investigaccedilatildeo cientiacutefica inclusivamente reduzindo problemas na validaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo

que sempre se colocam Poreacutem a construccedilatildeo de uma nova estirpe de animal transgeacutenico requer um

nuacutemero elevado de animais e uma vez obtido o novo modelo as solicitaccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo

multiplicam-se o que agrava de novo o nuacutemero de animais utilizados em investigaccedilatildeo biomeacutedica

sobretudo de mamiacuteferos inferiores Do ponto de vista eacutetico a questatildeo da desnaturalizaccedilatildeo dos ani-

mais soma-se agrave jaacute claacutessica do sofrimento

A experimentaccedilatildeo animal continua hoje a desenvolver-se sobretudo no acircmbito da investiga-

ccedilatildeo de medicamentos testes de vacinas e de toxicidade investigaccedilatildeo baacutesica biomeacutedica e no domiacutenio

oncoloacutegico coraccedilatildeo circulaccedilatildeo estudos geneacuteticos diagnoacutesticos cirurgia experimental e educaccedilatildeo

Aliaacutes a este propoacutesito conviraacute acrescentar que a utilizaccedilatildeo de animais na educaccedilatildeo natildeo tem recebido

a mesma proximidade de acompanhamento na obtenccedilatildeo de dados na reflexatildeo eacutetica na regulamen-

taccedilatildeo juriacutedica e no empenho de procura de alternativas que se verifica na experimentaccedilatildeo animal

Os primatas natildeo-humanos em relaccedilatildeo aos quais as restriccedilotildees agrave experimentaccedilatildeo satildeo mais

apertadas por a este niacutevel se agravarem os argumentos existentes contra a experimentaccedilatildeo animal

continuam a ser utilizados sobretudo para projectos de investigaccedilatildeo em doenccedilas infecciosas nome-

adamente as que com maior gravidade eclodiram recentemente HIV SARS hepatites

O caso de Portugal

A prioridade ao desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico assumida pelo Governo portuguecircs

em 2006 no Compromisso com a Ciecircncia reflectiu-se numa dinacircmica de progresso nos uacuteltimos anos

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relativamente singular no quadro da UE Em 2009 a despesa total em investigaccedilatildeo atingiu 171 do

PIB mais do que duplicando relativamente a 2005 (081 do PIB) e aproximando Portugal da meacutedia

da UE (19 do PIB) O conjunto do sector privado teve um importante contributo para este esforccedilo

representando 58 do total da despesa Em resultado deste esforccedilo o nuacutemero de investigadores

cresceu para 82 investigadores por mil activos ultrapassando a meacutedia europeia e situando-se na

meacutedia da OCDE Este crescimento reflectiu-se no reforccedilo das instituiccedilotildees e na excelecircncia da investi-

gaccedilatildeo em todas as aacutereas cientiacuteficas (Amacircncio et al 2011)

A investigaccedilatildeo cientiacutefica em Biologia Moderna incluindo Biologia Molecular Biologia do De-

senvolvimento Ciecircncias da Sauacutede Ciecircncias Biomeacutedicas tem assim uma inserccedilatildeo relativamente re-

cente em Portugal (ver de Sousa 2009) O proacuteprio reconhecimento destas vaacuterias aacutereas da Biologia

Moderna tem-se processado com o aparecimento sucessivo entre 1991 e 1995 de uma Secretaria

de Estado da Ciecircncia e Tecnologia primeiramente ligada ao Ministeacuterio do Plano Em 1995 constitui-se

o primeiro Ministeacuterio da Ciecircncia e Tecnologia independente do Ensino Superior situaccedilatildeo que dura

ateacute 2002 quando se forma o Ministeacuterio do Ensino Superior Ciecircncia e Tecnologia que perdurou ateacute agrave

constituiccedilatildeo do novo governo em 2011 onde a Investigaccedilatildeo cientiacutefica voltou a estar sob a tutela de

uma Secretaria de Estado

Natildeo deve parecer assim demasiado estranho que a Directiva de Novembro de 1986 sobre ldquoa

protecccedilatildeo de animais usados para fins experimentais e outros fins cientiacuteficosrdquo tenha levado seis anos

a traduzir para portuguecircs e apareccedila como uma portaria (nordm 100592) vinda dos Ministeacuterios da Agri-

cultura da Educaccedilatildeo da Sauacutede e do Comeacutercio e Turismo A proacutepria Comissatildeo Europeia depois de ter

escolhido o Comiteacute do Ambiente para tratar durante dez anos de tudo o que tinha a ver com experi-

mentaccedilatildeo animal em 2008 pouco antes do Natal envia uma directiva ao Comiteacute de Agricultura

No que respeita a problemas ligados agrave eacutetica e sua implementaccedilatildeo no domiacutenio do bem-estar

animal Portugal pode considerar-se numa posiccedilatildeo de certo modo favoraacutevel resultante em parte de

um atraso que daqui para a frente pode ser usado como um ponto de partida vantajoso Isto eacute numa

altura em que se procura fazer a validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos Portugal poderia vir a juntar-se a

outros centros europeus pioneiros na mateacuteria da validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos O atraso de

Portugal poderaacute tambeacutem beneficiar o paiacutes porquanto os exemplos de legislaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da

legislaccedilatildeo na Europa e no Norte da Ameacuterica satildeo tatildeo claros que o paiacutes pode usar a liberdade que eacute

esperada dos estados membros para experimentar vias de execuccedilatildeo que assegurem o bem-estar

dos animais que natildeo teratildeo necessariamente que ser riacutegidas e abrangerem todo o territoacuterio nacional

mas que podem comeccedilar com experiecircncias piloto com a participaccedilatildeo por exemplo das universida-

des ou dos Laboratoacuterios Associados sob tutela da Direcccedilatildeo Geral de Veterinaacuteria (DGV)

2 Experimentaccedilatildeo animal problematizaccedilatildeo eacutetica

A problematizaccedilatildeo eacutetica da experimentaccedilatildeo animal desenvolve-se necessariamente em dois

planos maiores complementares e indissociaacuteveis um inicial teoacuterico acerca do estatuto moral da

vida animal e um outro subsequente praacutetico acerca dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo para a tomada de

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decisatildeo relativa aos diferentes interesses em conflito na temaacutetica em apreccedilo o bem-estar dos ani-

mais e os benefiacutecios decorrentes da prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica

Eacute evidente que os dois planos de questionamento estatildeo entre si relacionados uma vez que do

ponto de vista teoacuterico o estatuto da vida animal racionalmente formulado determinaraacute o(s) proce-

dimento(s) a adoptar pelo homem em relaccedilatildeo aos animais e que do ponto de vista praacutetico as for-

mas de actuaccedilatildeo do homem em relaccedilatildeo aos animais mais comummente aceites pela opiniatildeo puacutebli-

ca influenciaratildeo o estatuto da vida animal a assumir

Consideremos pois ambos os planos sucessivamente nas suas respectivas implicaccedilotildees

21 questotildees mais controversas

A questatildeo teoacuterica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em experimentaccedilatildeo coloca eacute

a do estatuto dito atribuiacutedo ndash na concepccedilatildeo de que o valor da vida animal lhe eacute conferido sob dife-

rentes criteacuterios pelo ser humano enquanto uacutenico ser dotado de pensamento teoacuterico ndash ou dito reco-

nhecido - na concepccedilatildeo de que a vida animal tem um valor intriacutenseco - agrave vida animal Numa diferente

formulaccedilatildeo mais expliacutecita diriacuteamos que a questatildeo preacutevia agrave formulaccedilatildeo de normativas de acccedilatildeo em

relaccedilatildeo aos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica eacute a do valor da vida animal

O animal foi tradicional e comummente considerado como um mero objecto ou instrumento

do homem um meio para os mais diversos fins que este se propotildee revestindo-se por isso de um

valor meramente utilitaacuterio decorrente do bem ou utilidade que num determinado momento eou

sob determinadas circunstacircncias poderia protagonizar para o homem

Esta eacute uma perspectiva que se formou com o advento da racionalidade humana e que a filo-

sofia grega claacutessica fundamenta e sistematiza atraveacutes da valorizaccedilatildeo da racionalidade do pensamen-

to teoacuterico como especiacutefico ao homem e sua parte mais excelente (para aleacutem da hierarquia dos seres

jaacute subjacente agrave mitologia da transmigraccedilatildeo das almas em que o homem e particularmente o filoacutesofo

aquele dedica a vida ao saber ocupa o lugar mais destacado) Eacute esta mesma perspectiva que viraacute a

ser consolidada pela filosofia cristatilde particularmente ao longo da Idade Meacutedia que atribui ao homem

natildeo apenas a especificidade do intelecto mas tambeacutem a do espiacuterito como uacutenico ser criado agrave imagem

e semelhanccedila de Deus (para aleacutem da interpretaccedilatildeo do mito da criaccedilatildeo no Antigo Testamento da

daacutediva divina de toda a criatura ao homem) Trata-se pois de uma visatildeo antropocentrada do mundo

animal que afirma a superioridade do homem enquanto ser espiritual e ente de razatildeo sobre todos

os demais seres

A nova visatildeo da modernidade sobre a vida animal (e natildeo soacute) ndash mecanicista - natildeo alterou o ca-

raacutecter antropocentrado desta relaccedilatildeo que sempre dominante ao longo da histoacuteria se manifesta

amplamente e sob as mais diversas formas entre as quais podemos nomear os animais para consumo

alimentar como os animais de trabalho os animais de companhia como os animais de circo ou os

animais para experimentaccedilatildeo cientiacutefica

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Nesta perspectiva antropocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe extriacutenseco decorrendo da

funccedilatildeo que o animal pode exercer com benefiacutecio para o homem O animal natildeo possui pois qualquer

valor em si mesmo sendo o homem o uacutenico a poder atribuir-lhe um valor sempre utilitaacuterio e variaacute-

vel conforme as circunstacircncias e as finalidades Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute total-

mente legiacutetima na medida em que coloca a vida animal ao serviccedilo do ser humano tendo em vista a

obtenccedilatildeo de algum bem para o homem

Esta perspectiva eacute decisivamente colocada em causa tal como jaacute indicaacutemos por Jeremy Ben-

tham que inaugura o debate sobre a relaccedilatildeo dos homens com os animais num plano francamente

ineacutedito e revolucionaacuterio A sua exortaccedilatildeo agrave capacidade dos animais sentirem dor pretende romper

com a tradicional concepccedilatildeo de uma diferenccedila qualitativa ou de natureza entre animais e humanos

e aproximar ambos agora entre si enquanto seres sencientes e pela capacidade partilhada de sofre-

rem De facto Bentham inverte o sentido habitual do olhar sobre a relaccedilatildeo do homem com o animal

marcado pela identificaccedilatildeo da diferenccedila como justificaccedilatildeo da superioridade e fundamento do valor e

procura antes o que de comum existe entre ambos os seres o que os aproxima e igualiza retomando

assim tambeacutem a questatildeo do valor de cada um

Deste modo o pensamento de Bentham conduz a uma mudanccedila no estatuto e no valor que

ateacute entatildeo eram atribuiacutedos aos animais bem como consequentemente no tratamento por parte dos

humanos que lhes era dispensado O criteacuterio do estatuto moral de um ser natildeo eacute mais para este filoacute-

sofo a capacidade de pensar (e do exerciacutecio livre da vontade e de articulaccedilatildeo do discurso) na estei-

ra da tradiccedilatildeo do pensamento filosoacutefico ocidental mas sim a capacidade de sofrer o que a partir de

entatildeo e sobretudo jaacute no seacutec XX os utilitaristas em geral vatildeo seguir e desenvolver

Neste contexto impotildee-se um particular destaque para Peter Singer e Thomas Regan que di-

ferentemente rejeitam uma postura antropocecircntrica na relaccedilatildeo do homem para com os animais agrave

qual contrapotildeem uma perspectiva zoocecircntrica Esta defendendo que todos os seres dotados de sen-

sibilidade todos os seres capazes de sofrer e de sentir felicidade satildeo merecedores de igual conside-

raccedilatildeo e que os seus interesses devem ser igualmente acautelados (princiacutepio da igualdade) alarga as

fronteiras da comunidade moral aos animais O zoocentrismo sem advogar que os animais sejam

capazes de agir moralmente considera que devem beneficiar de restriccedilotildees normativas juridicamente

impostas aos humanos e natildeo apenas de restriccedilotildees prudenciais confiadas ao caraacutecter de cada pessoa

tal como tem sido tradicional e comummente assumido

O zoocentrismo tem-se desenvolvido muito significativamente nas uacuteltimas deacutecadas seguindo

duas orientaccedilotildees proacuteximas mas distintas protagonizadas por Peter Singer e Thomas Regan respec-

tivamente o movimento da libertaccedilatildeo animal na afirmaccedilatildeo de uma posiccedilatildeo igualitaacuteria entre todos

os seres sencientes na rejeiccedilatildeo do ldquoespecismordquo (discriminaccedilatildeo dos animais pelos humanos com

base na suposta superioridade da espeacutecie humana em relaccedilatildeo agraves demais num procedimento anaacutelo-

go ao que se verifica no racismo ou sexismo) e a reivindicaccedilatildeo dos direitos dos animais na afirmaccedilatildeo

de que os interesses proacuteprios dos animais natildeo devem depender da boa vontade dos homens para

serem satisfeitos mas constituem direitos a serem juridicamente salvaguardados

No que se refere especificamente agrave experimentaccedilatildeo animal as posiccedilotildees de Singer e de Regan

satildeo tambeacutem distintas Peter Singer reconhecendo a importacircncia da complexidade da vida mental

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para a satisfaccedilatildeo dos interesses dos seres bem como o facto das necessidades baacutesicas de cada ser

decorrerem das suas respectivas propriedades isto eacute dos seus interesses admite a experimentaccedilatildeo

animal sob uma selecccedilatildeo muito criteriosa de animais os quais devem ser substituiacutedos por simulaccedilotildees

de computador ou outros meacutetodos alternativos sempre que possiacutevel soacute podendo ser disponibiliza-

dos se se minimizar a sua dor e se os resultados previstos trouxerem um benefiacutecio significativo a

muitos Thomas Regan considera que a filosofia utilitarista em que inicialmente se apoia natildeo prote-

ge suficientemente o bem-estar animal ao permitir que os interesses dos animais possam ser sacrifi-

cados em prol de um bem comum (mais vasto) como se verifica por exemplo na admissibilidade do

recurso a animais para experimentaccedilatildeo biomeacutedica sob algumas condiccedilotildees Estatuindo os interesses

dos animais em ldquodireitosrdquo isto eacute revestindo esses interesses de uma dimensatildeo juriacutedica inerente agrave

noccedilatildeo de ldquodireitordquo o autor reivindica a obrigatoriedade de respeito incondicional desses mesmos

interesses e assim sendo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Na perspectiva zoocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe intriacutenseco decorrendo da sua capa-

cidade de experimentar dor e de possuir interesses proacuteprios natildeo estando mais dependente de qual-

quer apreciaccedilatildeo humana Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute indesejaacutevel e deve ser sempre

evitada soacute podendo ser admitida sob fortes restriccedilotildees juridicamente estabelecidas (o que em todo o

caso natildeo eacute consensual entre os zoocentristas)

Tornou-se evidente que a problematizaccedilatildeo teoacuterica acerca do estatuto moral da vida animal

enuncia diferentes orientaccedilotildees de acccedilatildeo no que se refere agrave experimentaccedilatildeo animal Eis por que a

questatildeo praacutetica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em investigaccedilatildeo cientiacutefica coloca eacute a do

equiliacutebrio entre duas realidades distintas mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si

mesmo a prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica e a protecccedilatildeo dos animais

A apreciaccedilatildeo dos vaacuterios princiacutepios eacuteticos implicados nesta questatildeo praacutetica deveraacute permitir-

nos preconizarmos um curso de acccedilatildeo devidamente fundamentado

22 princiacutepios eacuteticos fundamentais

A primeira vez e num tempo remoto tal como jaacute se indicou que se procedeu agrave experimenta-

ccedilatildeo animal o princiacutepio hegemoacutenico determinante da acccedilatildeo era o do progresso da ciecircncia o do de-

senvolvimento do conhecimento Este princiacutepio fundamental foi-se estruturando ao longo da histoacuteria

como sendo o da liberdade de investigaccedilatildeo ou seja a exigecircncia de toda a reflexatildeo e praacutetica visando

a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos prosseguir sem obstaacuteculos e seguindo uma orientaccedilatildeo autoacuteno-

ma o que entretanto requer tambeacutem a disponibilizaccedilatildeo de meios como condiccedilatildeo necessaacuteria e indis-

pensaacutevel para a sua prossecuccedilatildeo

A ciecircncia eacute percepcionada como um valor natildeo apenas instrumental pelo seu contributo para

o desenvolvimento social e a minoraccedilatildeo de dificuldades eou sofrimento pessoal mas tambeacutem como

constitutiva da identidade humana consubstancializando a especificidade do homem na sua busca

insana por saber sempre mais Por isso a ciecircncia se foi tornando num fim em si mesmo Somente

apoacutes a segunda guerra mundial com a divulgaccedilatildeo das atrocidades cometidas no domiacutenio da experi-

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

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primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

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Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

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CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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troduccedilatildeordquo de Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of

animals and to the quality of experimental results de 2001

Com efeito haacute registo da utilizaccedilatildeo de animais jaacute no Corpus Hippocraticum (seacutec VI-I aC) es-

pecificamente da praacutetica da vivissecccedilatildeo isto eacute da dissecccedilatildeo dos animais enquanto vivos para obser-

vaccedilatildeo e descriccedilatildeo da anatomia interna e do funcionamento dos oacutergatildeos Esta mesma praacutetica prosse-

gue ateacute Galeno (seacutec II) que a implementa jaacute tambeacutem no acircmbito do que designariacuteamos por estudo

fisioloacutegico sendo depois abandonada ateacute ao Renascimento e o advento do espiacuterito cientiacutefico Pode-

mos denominar esta primeira fase do que hoje classificamos como ldquoexperimentaccedilatildeo animalrdquo como a

sua preacute-histoacuteria considerando que a sua ldquohistoacuteriardquo se inicia apenas na modernidade em que efecti-

vamente se desenvolve de uma forma natildeo soacute regular e ininterrupta mas antes crescente e diversifi-

cada e tambeacutem cada vez mais organizada e sistemaacutetica

O Renascimento inaugura a concepccedilatildeo de um conhecimento feito de experiecircncia isto eacute com

uma base empiacuterica o que se verifica em todos os domiacutenios mas naturalmente se intensifica no plano

das ciecircncias da natureza e da vida em que se assinala a emergecircncia do meacutetodo experimental A ex-

perimentaccedilatildeo incide sobre os animais mas tambeacutem sobre os humanos tomando por base uma con-

cepccedilatildeo mecanicista do ser propiacutecia agrave objectividade e generalizaccedilatildeo cientiacutefica No que se refere espe-

cificamente aos animais para aleacutem de serem concebidos como puras maacutequinas animadas acresce o

facto de natildeo lhes poder ser reconhecida a existecircncia de uma alma (na sua dimensatildeo espiritual e natildeo

apenas como princiacutepio vital agrave maneira preacute-claacutessica) nem tatildeo pouco uma consciecircncia o que na eacutepoca

era considerado como sinoacutenimo A concepccedilatildeo mecanicista da vida radicaliza-se pois no plano ani-

mal natildeo admitindo a hipoacutetese destes experimentarem sofrimento

Esta eacute uma ambiecircncia favoraacutevel agrave utilizaccedilatildeo crescente de animais na investigaccedilatildeo meacutedica re-

forccedilada pela confirmaccedilatildeo que se vai consolidando sobretudo a partir do seacuteculo XVIII de que natildeo soacute a

experimentaccedilatildeo meacutedica eacute decisiva para o bem-estar humano na recuperaccedilatildeo da sauacutede e na preven-

ccedilatildeo da doenccedila mas tambeacutem de que beneficia fortemente de forma indispensaacutevel e insubstituiacutevel

da experimentaccedilatildeo animal Aliaacutes vale a pena aqui referir o ceacutelebre fisiologista Claude Bernard marco

incontornaacutevel da histoacuteria da medicina e sua aquisiccedilatildeo do estatuto de ciecircncia que na sua Introducti-

on agrave lrsquoeacutetude de la meacutedicine expeacuterimentale de 1865 defende natildeo soacute a experimentaccedilatildeo animal mas

tambeacutem a praacutetica da vivissecccedilatildeo como imprescindiacuteveis para o progresso da medicina

O seacuteculo XVIII eacute igualmente aquele em que se assinala uma definitiva viragem na percepccedilatildeo

comum da realidade da vida animal com consequecircncias directas se bem que de lenta repercussatildeo

nas condiccedilotildees de admissibilidade da experimentaccedilatildeo animal O seu principal protagonista foi o filoacuteso-

fo utilitarista inglecircs Jeremy Bentham com a sua ceacutelebre sequecircncia de interrogaccedilotildees - ldquoThe question is

not can they reason Nor can they talk But can they sufferrdquo (Introduction to the Principles of

Morals and Legislation impressa em 1780 e publicada em 1789) Esta sua veemente chamada de

atenccedilatildeo para a capacidade dos animais sentirem dor constitui uma exortaccedilatildeo para a necessidade e

urgecircncia do homem repensar o seu relacionamento com a vida animal no sentido de evitar provocar

a dor a todo o ser que tenha capacidade de a sentir uma vez que a dor eacute sempre percepcionada co-

mo um mal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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A partir de entatildeo desenvolve-se um movimento sempre crescente visando a restriccedilatildeo e

mesmo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica contexto em que a dor infligi-

da pelo homem aos animais atinge niacuteveis superiores multiplicando-se as organizaccedilotildees e as iniciativas

que visam a sua protecccedilatildeo Destaque-se The Victoria Street Society a primeira organizaccedilatildeo anti-

vivissecccedilatildeo criada em 1875 em Inglaterra e ainda neste paiacutes a primeira lei de protecccedilatildeo dos ani-

mais no contexto da experimentaccedilatildeo cientiacutefica o Cruelty to Animals Act em 1876

Natildeo obstante a consolidaccedilatildeo cada vez mais estruturada desta nova orientaccedilatildeo de que ainda

hoje somos herdeiros importa ter consciecircncia que a experimentaccedilatildeo animal foi natildeo soacute aumentando

em nuacutemero de animais envolvidos mas tambeacutem de investigadores centros de investigaccedilatildeo e ainda

na diversidade de espeacutecies envolvidas experiecircncias realizadas e objectivos perseguidos Com efeito

desde a ldquopreacute-histoacuteriardquo da experimentaccedilatildeo animal ateacute ao final do seacuteculo XIX o recurso a animais para

fins cientiacuteficos limitava-se sobretudo aos domeacutesticos No entanto a partir de entatildeo e ateacute agrave segunda

metade do seacuteculo XX o nuacutemero de espeacutecies e de animais de cada espeacutecie recrutados para a investi-

gaccedilatildeo cientiacutefica foi-se diversificando e multiplicando muito significativamente Tal ficou a dever-se a

um conjunto de diferentes aspectos entre os quais podemos destacar a afirmaccedilatildeo de uma grande

proximidade entre as variadas espeacutecies ligadas por um mesmo processo evolutivo na esteira da

Evoluccedilatildeo das Espeacutecies de Charles Darwin (1859) a importacircncia crescente do meacutetodo experimental

para o progresso cientiacutefico o desenvolvimento de vaacuterios ramos da ciecircncia que progridem pelo meacuteto-

do experimental como a farmacologia a toxicologia a virologia a imunologia a geneacutetica entre ou-

tras a revoluccedilatildeo bio-tecnoloacutegica que se deu a partir da descoberta da dupla heacutelice por Francis Crick

e James Watson em 1953 com o avassalador desenvolvimento da biomedicina e de novos domiacutenios

de investigaccedilatildeo como a transplantaccedilatildeo a clonagem a geneacutetica molecular dando colectivamente

origem agrave existecircncia de uma forma de praacutetica da medicina designada Medicina Molecular

12 realidade actual

Em termos gerais e apesar de apenas dispormos de registos fidedignos no Reino Unido eacute parti-

lhada a percepccedilatildeo de que a experimentaccedilatildeo animal se foi livremente desenvolvendo ao longo da

modernidade e sobretudo da contemporaneidade ateacute aos anos 70 do seacuteculo XX Nesta deacutecada os

movimentos de defesa dos animais ateacute entatildeo com uma fraca implantaccedilatildeo social na maioria dos paiacute-

ses intensificaram-se e a questatildeo do comportamento humano em relaccedilatildeo aos animais comeccedilou a

assumir uma dimensatildeo poliacutetica e social ateacute entatildeo inexistente Foi esta nova realidade que deu origem

agraves muitas iniciativas legislativas que mais recentemente vecircm sendo elaboradas

Entretanto hoje estima-se que o nuacutemero total de animais usados em investigaccedilatildeo cientiacutefica

por ano e apenas no espaccedilo europeu ascenda a 12 milhotildees natildeo obstante o seu nuacutemero ter vindo a

diminuir desde a deacutecada de 80 do seacuteculo passado na maior parte dos paiacuteses europeus (por exemplo

em Franccedila entre 1984 e 1999 o nuacutemero de animais utilizados para experimentaccedilatildeo desceu cerca de

50 apoacutes o que se tem mantido estaacutevel) Podemos apontar dois factores principais para este de-

creacutescimo Primeiramente as preocupaccedilotildees eacuteticas tecircm-se vindo a traduzir em restriccedilotildees juriacutedicas as

quais progressivamente tecircm contribuiacutedo para uma contracccedilatildeo a diversos niacuteveis da experimentaccedilatildeo

animal Um segundo aspecto parcialmente decorrente do primeiro reporta-se agrave multiplicaccedilatildeo de

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meacutetodos alternativos agrave utilizaccedilatildeo dos animais teacutecnicas in vitro sobre ceacutelulas e sobre tecidos reconsti-

tuiacutedos recurso a organismos inferiores teacutecnicas imunoloacutegicas meacutetodos fiacutesico-quiacutemicos modelos

matemaacuteticos e computacionais modelos humanos voluntaacuterios telemetria (J Nab M Baals JBF

van der Valk CFM Hendriksen 2001)

Ainda no que se refere agrave enunciaccedilatildeo de meacutetodos alternativos importa sublinhar dois aspec-

tos fundamentais para a sua praacutetica efectiva e generalizada a validaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo A valida-

ccedilatildeo dos meacutetodos alternativos na Europa estaacute actualmente a cargo de The European Centre for the

Validation of Alternative Methods estabelecido em 1991 O processo eacute demorado e complexo de-

senvolvendo-se ao longo de cinco fases apoacutes as quais e uma vez aprovado o procedimento alterna-

tivo sob anaacutelise se exige amplo reconhecimento internacional Entretanto tem-se verificado que

mesmo os meacutetodos aprovados satildeo de difiacutecil implementaccedilatildeo devido a vaacuterias factores entre os quais

podemos destacar a relutacircncia na partilha de dados por parte de algumas companhias e uma insufi-

ciente comunicaccedilatildeo entre cientistas e legisladores

As uacuteltimas deacutecadas foram ainda marcadas pelo que podemos classificar como uma inovaccedilatildeo

neste domiacutenio da experimentaccedilatildeo animal com um significativo impacto nos planos quer cientiacutefico

quer eacutetico Referimo-nos agrave produccedilatildeo ou fabricaccedilatildeo de animais especificamente desenhados para

projectos cientiacuteficos especiacuteficos e regra geral reproduzindo a dimensatildeo humana que se pretende

estudar transgeacutenicos Estes representam um avanccedilo importante em termos de qualidade e progres-

so da investigaccedilatildeo cientiacutefica inclusivamente reduzindo problemas na validaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo

que sempre se colocam Poreacutem a construccedilatildeo de uma nova estirpe de animal transgeacutenico requer um

nuacutemero elevado de animais e uma vez obtido o novo modelo as solicitaccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo

multiplicam-se o que agrava de novo o nuacutemero de animais utilizados em investigaccedilatildeo biomeacutedica

sobretudo de mamiacuteferos inferiores Do ponto de vista eacutetico a questatildeo da desnaturalizaccedilatildeo dos ani-

mais soma-se agrave jaacute claacutessica do sofrimento

A experimentaccedilatildeo animal continua hoje a desenvolver-se sobretudo no acircmbito da investiga-

ccedilatildeo de medicamentos testes de vacinas e de toxicidade investigaccedilatildeo baacutesica biomeacutedica e no domiacutenio

oncoloacutegico coraccedilatildeo circulaccedilatildeo estudos geneacuteticos diagnoacutesticos cirurgia experimental e educaccedilatildeo

Aliaacutes a este propoacutesito conviraacute acrescentar que a utilizaccedilatildeo de animais na educaccedilatildeo natildeo tem recebido

a mesma proximidade de acompanhamento na obtenccedilatildeo de dados na reflexatildeo eacutetica na regulamen-

taccedilatildeo juriacutedica e no empenho de procura de alternativas que se verifica na experimentaccedilatildeo animal

Os primatas natildeo-humanos em relaccedilatildeo aos quais as restriccedilotildees agrave experimentaccedilatildeo satildeo mais

apertadas por a este niacutevel se agravarem os argumentos existentes contra a experimentaccedilatildeo animal

continuam a ser utilizados sobretudo para projectos de investigaccedilatildeo em doenccedilas infecciosas nome-

adamente as que com maior gravidade eclodiram recentemente HIV SARS hepatites

O caso de Portugal

A prioridade ao desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico assumida pelo Governo portuguecircs

em 2006 no Compromisso com a Ciecircncia reflectiu-se numa dinacircmica de progresso nos uacuteltimos anos

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relativamente singular no quadro da UE Em 2009 a despesa total em investigaccedilatildeo atingiu 171 do

PIB mais do que duplicando relativamente a 2005 (081 do PIB) e aproximando Portugal da meacutedia

da UE (19 do PIB) O conjunto do sector privado teve um importante contributo para este esforccedilo

representando 58 do total da despesa Em resultado deste esforccedilo o nuacutemero de investigadores

cresceu para 82 investigadores por mil activos ultrapassando a meacutedia europeia e situando-se na

meacutedia da OCDE Este crescimento reflectiu-se no reforccedilo das instituiccedilotildees e na excelecircncia da investi-

gaccedilatildeo em todas as aacutereas cientiacuteficas (Amacircncio et al 2011)

A investigaccedilatildeo cientiacutefica em Biologia Moderna incluindo Biologia Molecular Biologia do De-

senvolvimento Ciecircncias da Sauacutede Ciecircncias Biomeacutedicas tem assim uma inserccedilatildeo relativamente re-

cente em Portugal (ver de Sousa 2009) O proacuteprio reconhecimento destas vaacuterias aacutereas da Biologia

Moderna tem-se processado com o aparecimento sucessivo entre 1991 e 1995 de uma Secretaria

de Estado da Ciecircncia e Tecnologia primeiramente ligada ao Ministeacuterio do Plano Em 1995 constitui-se

o primeiro Ministeacuterio da Ciecircncia e Tecnologia independente do Ensino Superior situaccedilatildeo que dura

ateacute 2002 quando se forma o Ministeacuterio do Ensino Superior Ciecircncia e Tecnologia que perdurou ateacute agrave

constituiccedilatildeo do novo governo em 2011 onde a Investigaccedilatildeo cientiacutefica voltou a estar sob a tutela de

uma Secretaria de Estado

Natildeo deve parecer assim demasiado estranho que a Directiva de Novembro de 1986 sobre ldquoa

protecccedilatildeo de animais usados para fins experimentais e outros fins cientiacuteficosrdquo tenha levado seis anos

a traduzir para portuguecircs e apareccedila como uma portaria (nordm 100592) vinda dos Ministeacuterios da Agri-

cultura da Educaccedilatildeo da Sauacutede e do Comeacutercio e Turismo A proacutepria Comissatildeo Europeia depois de ter

escolhido o Comiteacute do Ambiente para tratar durante dez anos de tudo o que tinha a ver com experi-

mentaccedilatildeo animal em 2008 pouco antes do Natal envia uma directiva ao Comiteacute de Agricultura

No que respeita a problemas ligados agrave eacutetica e sua implementaccedilatildeo no domiacutenio do bem-estar

animal Portugal pode considerar-se numa posiccedilatildeo de certo modo favoraacutevel resultante em parte de

um atraso que daqui para a frente pode ser usado como um ponto de partida vantajoso Isto eacute numa

altura em que se procura fazer a validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos Portugal poderia vir a juntar-se a

outros centros europeus pioneiros na mateacuteria da validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos O atraso de

Portugal poderaacute tambeacutem beneficiar o paiacutes porquanto os exemplos de legislaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da

legislaccedilatildeo na Europa e no Norte da Ameacuterica satildeo tatildeo claros que o paiacutes pode usar a liberdade que eacute

esperada dos estados membros para experimentar vias de execuccedilatildeo que assegurem o bem-estar

dos animais que natildeo teratildeo necessariamente que ser riacutegidas e abrangerem todo o territoacuterio nacional

mas que podem comeccedilar com experiecircncias piloto com a participaccedilatildeo por exemplo das universida-

des ou dos Laboratoacuterios Associados sob tutela da Direcccedilatildeo Geral de Veterinaacuteria (DGV)

2 Experimentaccedilatildeo animal problematizaccedilatildeo eacutetica

A problematizaccedilatildeo eacutetica da experimentaccedilatildeo animal desenvolve-se necessariamente em dois

planos maiores complementares e indissociaacuteveis um inicial teoacuterico acerca do estatuto moral da

vida animal e um outro subsequente praacutetico acerca dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo para a tomada de

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decisatildeo relativa aos diferentes interesses em conflito na temaacutetica em apreccedilo o bem-estar dos ani-

mais e os benefiacutecios decorrentes da prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica

Eacute evidente que os dois planos de questionamento estatildeo entre si relacionados uma vez que do

ponto de vista teoacuterico o estatuto da vida animal racionalmente formulado determinaraacute o(s) proce-

dimento(s) a adoptar pelo homem em relaccedilatildeo aos animais e que do ponto de vista praacutetico as for-

mas de actuaccedilatildeo do homem em relaccedilatildeo aos animais mais comummente aceites pela opiniatildeo puacutebli-

ca influenciaratildeo o estatuto da vida animal a assumir

Consideremos pois ambos os planos sucessivamente nas suas respectivas implicaccedilotildees

21 questotildees mais controversas

A questatildeo teoacuterica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em experimentaccedilatildeo coloca eacute

a do estatuto dito atribuiacutedo ndash na concepccedilatildeo de que o valor da vida animal lhe eacute conferido sob dife-

rentes criteacuterios pelo ser humano enquanto uacutenico ser dotado de pensamento teoacuterico ndash ou dito reco-

nhecido - na concepccedilatildeo de que a vida animal tem um valor intriacutenseco - agrave vida animal Numa diferente

formulaccedilatildeo mais expliacutecita diriacuteamos que a questatildeo preacutevia agrave formulaccedilatildeo de normativas de acccedilatildeo em

relaccedilatildeo aos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica eacute a do valor da vida animal

O animal foi tradicional e comummente considerado como um mero objecto ou instrumento

do homem um meio para os mais diversos fins que este se propotildee revestindo-se por isso de um

valor meramente utilitaacuterio decorrente do bem ou utilidade que num determinado momento eou

sob determinadas circunstacircncias poderia protagonizar para o homem

Esta eacute uma perspectiva que se formou com o advento da racionalidade humana e que a filo-

sofia grega claacutessica fundamenta e sistematiza atraveacutes da valorizaccedilatildeo da racionalidade do pensamen-

to teoacuterico como especiacutefico ao homem e sua parte mais excelente (para aleacutem da hierarquia dos seres

jaacute subjacente agrave mitologia da transmigraccedilatildeo das almas em que o homem e particularmente o filoacutesofo

aquele dedica a vida ao saber ocupa o lugar mais destacado) Eacute esta mesma perspectiva que viraacute a

ser consolidada pela filosofia cristatilde particularmente ao longo da Idade Meacutedia que atribui ao homem

natildeo apenas a especificidade do intelecto mas tambeacutem a do espiacuterito como uacutenico ser criado agrave imagem

e semelhanccedila de Deus (para aleacutem da interpretaccedilatildeo do mito da criaccedilatildeo no Antigo Testamento da

daacutediva divina de toda a criatura ao homem) Trata-se pois de uma visatildeo antropocentrada do mundo

animal que afirma a superioridade do homem enquanto ser espiritual e ente de razatildeo sobre todos

os demais seres

A nova visatildeo da modernidade sobre a vida animal (e natildeo soacute) ndash mecanicista - natildeo alterou o ca-

raacutecter antropocentrado desta relaccedilatildeo que sempre dominante ao longo da histoacuteria se manifesta

amplamente e sob as mais diversas formas entre as quais podemos nomear os animais para consumo

alimentar como os animais de trabalho os animais de companhia como os animais de circo ou os

animais para experimentaccedilatildeo cientiacutefica

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Nesta perspectiva antropocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe extriacutenseco decorrendo da

funccedilatildeo que o animal pode exercer com benefiacutecio para o homem O animal natildeo possui pois qualquer

valor em si mesmo sendo o homem o uacutenico a poder atribuir-lhe um valor sempre utilitaacuterio e variaacute-

vel conforme as circunstacircncias e as finalidades Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute total-

mente legiacutetima na medida em que coloca a vida animal ao serviccedilo do ser humano tendo em vista a

obtenccedilatildeo de algum bem para o homem

Esta perspectiva eacute decisivamente colocada em causa tal como jaacute indicaacutemos por Jeremy Ben-

tham que inaugura o debate sobre a relaccedilatildeo dos homens com os animais num plano francamente

ineacutedito e revolucionaacuterio A sua exortaccedilatildeo agrave capacidade dos animais sentirem dor pretende romper

com a tradicional concepccedilatildeo de uma diferenccedila qualitativa ou de natureza entre animais e humanos

e aproximar ambos agora entre si enquanto seres sencientes e pela capacidade partilhada de sofre-

rem De facto Bentham inverte o sentido habitual do olhar sobre a relaccedilatildeo do homem com o animal

marcado pela identificaccedilatildeo da diferenccedila como justificaccedilatildeo da superioridade e fundamento do valor e

procura antes o que de comum existe entre ambos os seres o que os aproxima e igualiza retomando

assim tambeacutem a questatildeo do valor de cada um

Deste modo o pensamento de Bentham conduz a uma mudanccedila no estatuto e no valor que

ateacute entatildeo eram atribuiacutedos aos animais bem como consequentemente no tratamento por parte dos

humanos que lhes era dispensado O criteacuterio do estatuto moral de um ser natildeo eacute mais para este filoacute-

sofo a capacidade de pensar (e do exerciacutecio livre da vontade e de articulaccedilatildeo do discurso) na estei-

ra da tradiccedilatildeo do pensamento filosoacutefico ocidental mas sim a capacidade de sofrer o que a partir de

entatildeo e sobretudo jaacute no seacutec XX os utilitaristas em geral vatildeo seguir e desenvolver

Neste contexto impotildee-se um particular destaque para Peter Singer e Thomas Regan que di-

ferentemente rejeitam uma postura antropocecircntrica na relaccedilatildeo do homem para com os animais agrave

qual contrapotildeem uma perspectiva zoocecircntrica Esta defendendo que todos os seres dotados de sen-

sibilidade todos os seres capazes de sofrer e de sentir felicidade satildeo merecedores de igual conside-

raccedilatildeo e que os seus interesses devem ser igualmente acautelados (princiacutepio da igualdade) alarga as

fronteiras da comunidade moral aos animais O zoocentrismo sem advogar que os animais sejam

capazes de agir moralmente considera que devem beneficiar de restriccedilotildees normativas juridicamente

impostas aos humanos e natildeo apenas de restriccedilotildees prudenciais confiadas ao caraacutecter de cada pessoa

tal como tem sido tradicional e comummente assumido

O zoocentrismo tem-se desenvolvido muito significativamente nas uacuteltimas deacutecadas seguindo

duas orientaccedilotildees proacuteximas mas distintas protagonizadas por Peter Singer e Thomas Regan respec-

tivamente o movimento da libertaccedilatildeo animal na afirmaccedilatildeo de uma posiccedilatildeo igualitaacuteria entre todos

os seres sencientes na rejeiccedilatildeo do ldquoespecismordquo (discriminaccedilatildeo dos animais pelos humanos com

base na suposta superioridade da espeacutecie humana em relaccedilatildeo agraves demais num procedimento anaacutelo-

go ao que se verifica no racismo ou sexismo) e a reivindicaccedilatildeo dos direitos dos animais na afirmaccedilatildeo

de que os interesses proacuteprios dos animais natildeo devem depender da boa vontade dos homens para

serem satisfeitos mas constituem direitos a serem juridicamente salvaguardados

No que se refere especificamente agrave experimentaccedilatildeo animal as posiccedilotildees de Singer e de Regan

satildeo tambeacutem distintas Peter Singer reconhecendo a importacircncia da complexidade da vida mental

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para a satisfaccedilatildeo dos interesses dos seres bem como o facto das necessidades baacutesicas de cada ser

decorrerem das suas respectivas propriedades isto eacute dos seus interesses admite a experimentaccedilatildeo

animal sob uma selecccedilatildeo muito criteriosa de animais os quais devem ser substituiacutedos por simulaccedilotildees

de computador ou outros meacutetodos alternativos sempre que possiacutevel soacute podendo ser disponibiliza-

dos se se minimizar a sua dor e se os resultados previstos trouxerem um benefiacutecio significativo a

muitos Thomas Regan considera que a filosofia utilitarista em que inicialmente se apoia natildeo prote-

ge suficientemente o bem-estar animal ao permitir que os interesses dos animais possam ser sacrifi-

cados em prol de um bem comum (mais vasto) como se verifica por exemplo na admissibilidade do

recurso a animais para experimentaccedilatildeo biomeacutedica sob algumas condiccedilotildees Estatuindo os interesses

dos animais em ldquodireitosrdquo isto eacute revestindo esses interesses de uma dimensatildeo juriacutedica inerente agrave

noccedilatildeo de ldquodireitordquo o autor reivindica a obrigatoriedade de respeito incondicional desses mesmos

interesses e assim sendo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Na perspectiva zoocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe intriacutenseco decorrendo da sua capa-

cidade de experimentar dor e de possuir interesses proacuteprios natildeo estando mais dependente de qual-

quer apreciaccedilatildeo humana Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute indesejaacutevel e deve ser sempre

evitada soacute podendo ser admitida sob fortes restriccedilotildees juridicamente estabelecidas (o que em todo o

caso natildeo eacute consensual entre os zoocentristas)

Tornou-se evidente que a problematizaccedilatildeo teoacuterica acerca do estatuto moral da vida animal

enuncia diferentes orientaccedilotildees de acccedilatildeo no que se refere agrave experimentaccedilatildeo animal Eis por que a

questatildeo praacutetica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em investigaccedilatildeo cientiacutefica coloca eacute a do

equiliacutebrio entre duas realidades distintas mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si

mesmo a prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica e a protecccedilatildeo dos animais

A apreciaccedilatildeo dos vaacuterios princiacutepios eacuteticos implicados nesta questatildeo praacutetica deveraacute permitir-

nos preconizarmos um curso de acccedilatildeo devidamente fundamentado

22 princiacutepios eacuteticos fundamentais

A primeira vez e num tempo remoto tal como jaacute se indicou que se procedeu agrave experimenta-

ccedilatildeo animal o princiacutepio hegemoacutenico determinante da acccedilatildeo era o do progresso da ciecircncia o do de-

senvolvimento do conhecimento Este princiacutepio fundamental foi-se estruturando ao longo da histoacuteria

como sendo o da liberdade de investigaccedilatildeo ou seja a exigecircncia de toda a reflexatildeo e praacutetica visando

a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos prosseguir sem obstaacuteculos e seguindo uma orientaccedilatildeo autoacuteno-

ma o que entretanto requer tambeacutem a disponibilizaccedilatildeo de meios como condiccedilatildeo necessaacuteria e indis-

pensaacutevel para a sua prossecuccedilatildeo

A ciecircncia eacute percepcionada como um valor natildeo apenas instrumental pelo seu contributo para

o desenvolvimento social e a minoraccedilatildeo de dificuldades eou sofrimento pessoal mas tambeacutem como

constitutiva da identidade humana consubstancializando a especificidade do homem na sua busca

insana por saber sempre mais Por isso a ciecircncia se foi tornando num fim em si mesmo Somente

apoacutes a segunda guerra mundial com a divulgaccedilatildeo das atrocidades cometidas no domiacutenio da experi-

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

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Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

13

primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

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4

A partir de entatildeo desenvolve-se um movimento sempre crescente visando a restriccedilatildeo e

mesmo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica contexto em que a dor infligi-

da pelo homem aos animais atinge niacuteveis superiores multiplicando-se as organizaccedilotildees e as iniciativas

que visam a sua protecccedilatildeo Destaque-se The Victoria Street Society a primeira organizaccedilatildeo anti-

vivissecccedilatildeo criada em 1875 em Inglaterra e ainda neste paiacutes a primeira lei de protecccedilatildeo dos ani-

mais no contexto da experimentaccedilatildeo cientiacutefica o Cruelty to Animals Act em 1876

Natildeo obstante a consolidaccedilatildeo cada vez mais estruturada desta nova orientaccedilatildeo de que ainda

hoje somos herdeiros importa ter consciecircncia que a experimentaccedilatildeo animal foi natildeo soacute aumentando

em nuacutemero de animais envolvidos mas tambeacutem de investigadores centros de investigaccedilatildeo e ainda

na diversidade de espeacutecies envolvidas experiecircncias realizadas e objectivos perseguidos Com efeito

desde a ldquopreacute-histoacuteriardquo da experimentaccedilatildeo animal ateacute ao final do seacuteculo XIX o recurso a animais para

fins cientiacuteficos limitava-se sobretudo aos domeacutesticos No entanto a partir de entatildeo e ateacute agrave segunda

metade do seacuteculo XX o nuacutemero de espeacutecies e de animais de cada espeacutecie recrutados para a investi-

gaccedilatildeo cientiacutefica foi-se diversificando e multiplicando muito significativamente Tal ficou a dever-se a

um conjunto de diferentes aspectos entre os quais podemos destacar a afirmaccedilatildeo de uma grande

proximidade entre as variadas espeacutecies ligadas por um mesmo processo evolutivo na esteira da

Evoluccedilatildeo das Espeacutecies de Charles Darwin (1859) a importacircncia crescente do meacutetodo experimental

para o progresso cientiacutefico o desenvolvimento de vaacuterios ramos da ciecircncia que progridem pelo meacuteto-

do experimental como a farmacologia a toxicologia a virologia a imunologia a geneacutetica entre ou-

tras a revoluccedilatildeo bio-tecnoloacutegica que se deu a partir da descoberta da dupla heacutelice por Francis Crick

e James Watson em 1953 com o avassalador desenvolvimento da biomedicina e de novos domiacutenios

de investigaccedilatildeo como a transplantaccedilatildeo a clonagem a geneacutetica molecular dando colectivamente

origem agrave existecircncia de uma forma de praacutetica da medicina designada Medicina Molecular

12 realidade actual

Em termos gerais e apesar de apenas dispormos de registos fidedignos no Reino Unido eacute parti-

lhada a percepccedilatildeo de que a experimentaccedilatildeo animal se foi livremente desenvolvendo ao longo da

modernidade e sobretudo da contemporaneidade ateacute aos anos 70 do seacuteculo XX Nesta deacutecada os

movimentos de defesa dos animais ateacute entatildeo com uma fraca implantaccedilatildeo social na maioria dos paiacute-

ses intensificaram-se e a questatildeo do comportamento humano em relaccedilatildeo aos animais comeccedilou a

assumir uma dimensatildeo poliacutetica e social ateacute entatildeo inexistente Foi esta nova realidade que deu origem

agraves muitas iniciativas legislativas que mais recentemente vecircm sendo elaboradas

Entretanto hoje estima-se que o nuacutemero total de animais usados em investigaccedilatildeo cientiacutefica

por ano e apenas no espaccedilo europeu ascenda a 12 milhotildees natildeo obstante o seu nuacutemero ter vindo a

diminuir desde a deacutecada de 80 do seacuteculo passado na maior parte dos paiacuteses europeus (por exemplo

em Franccedila entre 1984 e 1999 o nuacutemero de animais utilizados para experimentaccedilatildeo desceu cerca de

50 apoacutes o que se tem mantido estaacutevel) Podemos apontar dois factores principais para este de-

creacutescimo Primeiramente as preocupaccedilotildees eacuteticas tecircm-se vindo a traduzir em restriccedilotildees juriacutedicas as

quais progressivamente tecircm contribuiacutedo para uma contracccedilatildeo a diversos niacuteveis da experimentaccedilatildeo

animal Um segundo aspecto parcialmente decorrente do primeiro reporta-se agrave multiplicaccedilatildeo de

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5

meacutetodos alternativos agrave utilizaccedilatildeo dos animais teacutecnicas in vitro sobre ceacutelulas e sobre tecidos reconsti-

tuiacutedos recurso a organismos inferiores teacutecnicas imunoloacutegicas meacutetodos fiacutesico-quiacutemicos modelos

matemaacuteticos e computacionais modelos humanos voluntaacuterios telemetria (J Nab M Baals JBF

van der Valk CFM Hendriksen 2001)

Ainda no que se refere agrave enunciaccedilatildeo de meacutetodos alternativos importa sublinhar dois aspec-

tos fundamentais para a sua praacutetica efectiva e generalizada a validaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo A valida-

ccedilatildeo dos meacutetodos alternativos na Europa estaacute actualmente a cargo de The European Centre for the

Validation of Alternative Methods estabelecido em 1991 O processo eacute demorado e complexo de-

senvolvendo-se ao longo de cinco fases apoacutes as quais e uma vez aprovado o procedimento alterna-

tivo sob anaacutelise se exige amplo reconhecimento internacional Entretanto tem-se verificado que

mesmo os meacutetodos aprovados satildeo de difiacutecil implementaccedilatildeo devido a vaacuterias factores entre os quais

podemos destacar a relutacircncia na partilha de dados por parte de algumas companhias e uma insufi-

ciente comunicaccedilatildeo entre cientistas e legisladores

As uacuteltimas deacutecadas foram ainda marcadas pelo que podemos classificar como uma inovaccedilatildeo

neste domiacutenio da experimentaccedilatildeo animal com um significativo impacto nos planos quer cientiacutefico

quer eacutetico Referimo-nos agrave produccedilatildeo ou fabricaccedilatildeo de animais especificamente desenhados para

projectos cientiacuteficos especiacuteficos e regra geral reproduzindo a dimensatildeo humana que se pretende

estudar transgeacutenicos Estes representam um avanccedilo importante em termos de qualidade e progres-

so da investigaccedilatildeo cientiacutefica inclusivamente reduzindo problemas na validaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo

que sempre se colocam Poreacutem a construccedilatildeo de uma nova estirpe de animal transgeacutenico requer um

nuacutemero elevado de animais e uma vez obtido o novo modelo as solicitaccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo

multiplicam-se o que agrava de novo o nuacutemero de animais utilizados em investigaccedilatildeo biomeacutedica

sobretudo de mamiacuteferos inferiores Do ponto de vista eacutetico a questatildeo da desnaturalizaccedilatildeo dos ani-

mais soma-se agrave jaacute claacutessica do sofrimento

A experimentaccedilatildeo animal continua hoje a desenvolver-se sobretudo no acircmbito da investiga-

ccedilatildeo de medicamentos testes de vacinas e de toxicidade investigaccedilatildeo baacutesica biomeacutedica e no domiacutenio

oncoloacutegico coraccedilatildeo circulaccedilatildeo estudos geneacuteticos diagnoacutesticos cirurgia experimental e educaccedilatildeo

Aliaacutes a este propoacutesito conviraacute acrescentar que a utilizaccedilatildeo de animais na educaccedilatildeo natildeo tem recebido

a mesma proximidade de acompanhamento na obtenccedilatildeo de dados na reflexatildeo eacutetica na regulamen-

taccedilatildeo juriacutedica e no empenho de procura de alternativas que se verifica na experimentaccedilatildeo animal

Os primatas natildeo-humanos em relaccedilatildeo aos quais as restriccedilotildees agrave experimentaccedilatildeo satildeo mais

apertadas por a este niacutevel se agravarem os argumentos existentes contra a experimentaccedilatildeo animal

continuam a ser utilizados sobretudo para projectos de investigaccedilatildeo em doenccedilas infecciosas nome-

adamente as que com maior gravidade eclodiram recentemente HIV SARS hepatites

O caso de Portugal

A prioridade ao desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico assumida pelo Governo portuguecircs

em 2006 no Compromisso com a Ciecircncia reflectiu-se numa dinacircmica de progresso nos uacuteltimos anos

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6

relativamente singular no quadro da UE Em 2009 a despesa total em investigaccedilatildeo atingiu 171 do

PIB mais do que duplicando relativamente a 2005 (081 do PIB) e aproximando Portugal da meacutedia

da UE (19 do PIB) O conjunto do sector privado teve um importante contributo para este esforccedilo

representando 58 do total da despesa Em resultado deste esforccedilo o nuacutemero de investigadores

cresceu para 82 investigadores por mil activos ultrapassando a meacutedia europeia e situando-se na

meacutedia da OCDE Este crescimento reflectiu-se no reforccedilo das instituiccedilotildees e na excelecircncia da investi-

gaccedilatildeo em todas as aacutereas cientiacuteficas (Amacircncio et al 2011)

A investigaccedilatildeo cientiacutefica em Biologia Moderna incluindo Biologia Molecular Biologia do De-

senvolvimento Ciecircncias da Sauacutede Ciecircncias Biomeacutedicas tem assim uma inserccedilatildeo relativamente re-

cente em Portugal (ver de Sousa 2009) O proacuteprio reconhecimento destas vaacuterias aacutereas da Biologia

Moderna tem-se processado com o aparecimento sucessivo entre 1991 e 1995 de uma Secretaria

de Estado da Ciecircncia e Tecnologia primeiramente ligada ao Ministeacuterio do Plano Em 1995 constitui-se

o primeiro Ministeacuterio da Ciecircncia e Tecnologia independente do Ensino Superior situaccedilatildeo que dura

ateacute 2002 quando se forma o Ministeacuterio do Ensino Superior Ciecircncia e Tecnologia que perdurou ateacute agrave

constituiccedilatildeo do novo governo em 2011 onde a Investigaccedilatildeo cientiacutefica voltou a estar sob a tutela de

uma Secretaria de Estado

Natildeo deve parecer assim demasiado estranho que a Directiva de Novembro de 1986 sobre ldquoa

protecccedilatildeo de animais usados para fins experimentais e outros fins cientiacuteficosrdquo tenha levado seis anos

a traduzir para portuguecircs e apareccedila como uma portaria (nordm 100592) vinda dos Ministeacuterios da Agri-

cultura da Educaccedilatildeo da Sauacutede e do Comeacutercio e Turismo A proacutepria Comissatildeo Europeia depois de ter

escolhido o Comiteacute do Ambiente para tratar durante dez anos de tudo o que tinha a ver com experi-

mentaccedilatildeo animal em 2008 pouco antes do Natal envia uma directiva ao Comiteacute de Agricultura

No que respeita a problemas ligados agrave eacutetica e sua implementaccedilatildeo no domiacutenio do bem-estar

animal Portugal pode considerar-se numa posiccedilatildeo de certo modo favoraacutevel resultante em parte de

um atraso que daqui para a frente pode ser usado como um ponto de partida vantajoso Isto eacute numa

altura em que se procura fazer a validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos Portugal poderia vir a juntar-se a

outros centros europeus pioneiros na mateacuteria da validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos O atraso de

Portugal poderaacute tambeacutem beneficiar o paiacutes porquanto os exemplos de legislaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da

legislaccedilatildeo na Europa e no Norte da Ameacuterica satildeo tatildeo claros que o paiacutes pode usar a liberdade que eacute

esperada dos estados membros para experimentar vias de execuccedilatildeo que assegurem o bem-estar

dos animais que natildeo teratildeo necessariamente que ser riacutegidas e abrangerem todo o territoacuterio nacional

mas que podem comeccedilar com experiecircncias piloto com a participaccedilatildeo por exemplo das universida-

des ou dos Laboratoacuterios Associados sob tutela da Direcccedilatildeo Geral de Veterinaacuteria (DGV)

2 Experimentaccedilatildeo animal problematizaccedilatildeo eacutetica

A problematizaccedilatildeo eacutetica da experimentaccedilatildeo animal desenvolve-se necessariamente em dois

planos maiores complementares e indissociaacuteveis um inicial teoacuterico acerca do estatuto moral da

vida animal e um outro subsequente praacutetico acerca dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo para a tomada de

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

7

decisatildeo relativa aos diferentes interesses em conflito na temaacutetica em apreccedilo o bem-estar dos ani-

mais e os benefiacutecios decorrentes da prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica

Eacute evidente que os dois planos de questionamento estatildeo entre si relacionados uma vez que do

ponto de vista teoacuterico o estatuto da vida animal racionalmente formulado determinaraacute o(s) proce-

dimento(s) a adoptar pelo homem em relaccedilatildeo aos animais e que do ponto de vista praacutetico as for-

mas de actuaccedilatildeo do homem em relaccedilatildeo aos animais mais comummente aceites pela opiniatildeo puacutebli-

ca influenciaratildeo o estatuto da vida animal a assumir

Consideremos pois ambos os planos sucessivamente nas suas respectivas implicaccedilotildees

21 questotildees mais controversas

A questatildeo teoacuterica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em experimentaccedilatildeo coloca eacute

a do estatuto dito atribuiacutedo ndash na concepccedilatildeo de que o valor da vida animal lhe eacute conferido sob dife-

rentes criteacuterios pelo ser humano enquanto uacutenico ser dotado de pensamento teoacuterico ndash ou dito reco-

nhecido - na concepccedilatildeo de que a vida animal tem um valor intriacutenseco - agrave vida animal Numa diferente

formulaccedilatildeo mais expliacutecita diriacuteamos que a questatildeo preacutevia agrave formulaccedilatildeo de normativas de acccedilatildeo em

relaccedilatildeo aos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica eacute a do valor da vida animal

O animal foi tradicional e comummente considerado como um mero objecto ou instrumento

do homem um meio para os mais diversos fins que este se propotildee revestindo-se por isso de um

valor meramente utilitaacuterio decorrente do bem ou utilidade que num determinado momento eou

sob determinadas circunstacircncias poderia protagonizar para o homem

Esta eacute uma perspectiva que se formou com o advento da racionalidade humana e que a filo-

sofia grega claacutessica fundamenta e sistematiza atraveacutes da valorizaccedilatildeo da racionalidade do pensamen-

to teoacuterico como especiacutefico ao homem e sua parte mais excelente (para aleacutem da hierarquia dos seres

jaacute subjacente agrave mitologia da transmigraccedilatildeo das almas em que o homem e particularmente o filoacutesofo

aquele dedica a vida ao saber ocupa o lugar mais destacado) Eacute esta mesma perspectiva que viraacute a

ser consolidada pela filosofia cristatilde particularmente ao longo da Idade Meacutedia que atribui ao homem

natildeo apenas a especificidade do intelecto mas tambeacutem a do espiacuterito como uacutenico ser criado agrave imagem

e semelhanccedila de Deus (para aleacutem da interpretaccedilatildeo do mito da criaccedilatildeo no Antigo Testamento da

daacutediva divina de toda a criatura ao homem) Trata-se pois de uma visatildeo antropocentrada do mundo

animal que afirma a superioridade do homem enquanto ser espiritual e ente de razatildeo sobre todos

os demais seres

A nova visatildeo da modernidade sobre a vida animal (e natildeo soacute) ndash mecanicista - natildeo alterou o ca-

raacutecter antropocentrado desta relaccedilatildeo que sempre dominante ao longo da histoacuteria se manifesta

amplamente e sob as mais diversas formas entre as quais podemos nomear os animais para consumo

alimentar como os animais de trabalho os animais de companhia como os animais de circo ou os

animais para experimentaccedilatildeo cientiacutefica

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8

Nesta perspectiva antropocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe extriacutenseco decorrendo da

funccedilatildeo que o animal pode exercer com benefiacutecio para o homem O animal natildeo possui pois qualquer

valor em si mesmo sendo o homem o uacutenico a poder atribuir-lhe um valor sempre utilitaacuterio e variaacute-

vel conforme as circunstacircncias e as finalidades Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute total-

mente legiacutetima na medida em que coloca a vida animal ao serviccedilo do ser humano tendo em vista a

obtenccedilatildeo de algum bem para o homem

Esta perspectiva eacute decisivamente colocada em causa tal como jaacute indicaacutemos por Jeremy Ben-

tham que inaugura o debate sobre a relaccedilatildeo dos homens com os animais num plano francamente

ineacutedito e revolucionaacuterio A sua exortaccedilatildeo agrave capacidade dos animais sentirem dor pretende romper

com a tradicional concepccedilatildeo de uma diferenccedila qualitativa ou de natureza entre animais e humanos

e aproximar ambos agora entre si enquanto seres sencientes e pela capacidade partilhada de sofre-

rem De facto Bentham inverte o sentido habitual do olhar sobre a relaccedilatildeo do homem com o animal

marcado pela identificaccedilatildeo da diferenccedila como justificaccedilatildeo da superioridade e fundamento do valor e

procura antes o que de comum existe entre ambos os seres o que os aproxima e igualiza retomando

assim tambeacutem a questatildeo do valor de cada um

Deste modo o pensamento de Bentham conduz a uma mudanccedila no estatuto e no valor que

ateacute entatildeo eram atribuiacutedos aos animais bem como consequentemente no tratamento por parte dos

humanos que lhes era dispensado O criteacuterio do estatuto moral de um ser natildeo eacute mais para este filoacute-

sofo a capacidade de pensar (e do exerciacutecio livre da vontade e de articulaccedilatildeo do discurso) na estei-

ra da tradiccedilatildeo do pensamento filosoacutefico ocidental mas sim a capacidade de sofrer o que a partir de

entatildeo e sobretudo jaacute no seacutec XX os utilitaristas em geral vatildeo seguir e desenvolver

Neste contexto impotildee-se um particular destaque para Peter Singer e Thomas Regan que di-

ferentemente rejeitam uma postura antropocecircntrica na relaccedilatildeo do homem para com os animais agrave

qual contrapotildeem uma perspectiva zoocecircntrica Esta defendendo que todos os seres dotados de sen-

sibilidade todos os seres capazes de sofrer e de sentir felicidade satildeo merecedores de igual conside-

raccedilatildeo e que os seus interesses devem ser igualmente acautelados (princiacutepio da igualdade) alarga as

fronteiras da comunidade moral aos animais O zoocentrismo sem advogar que os animais sejam

capazes de agir moralmente considera que devem beneficiar de restriccedilotildees normativas juridicamente

impostas aos humanos e natildeo apenas de restriccedilotildees prudenciais confiadas ao caraacutecter de cada pessoa

tal como tem sido tradicional e comummente assumido

O zoocentrismo tem-se desenvolvido muito significativamente nas uacuteltimas deacutecadas seguindo

duas orientaccedilotildees proacuteximas mas distintas protagonizadas por Peter Singer e Thomas Regan respec-

tivamente o movimento da libertaccedilatildeo animal na afirmaccedilatildeo de uma posiccedilatildeo igualitaacuteria entre todos

os seres sencientes na rejeiccedilatildeo do ldquoespecismordquo (discriminaccedilatildeo dos animais pelos humanos com

base na suposta superioridade da espeacutecie humana em relaccedilatildeo agraves demais num procedimento anaacutelo-

go ao que se verifica no racismo ou sexismo) e a reivindicaccedilatildeo dos direitos dos animais na afirmaccedilatildeo

de que os interesses proacuteprios dos animais natildeo devem depender da boa vontade dos homens para

serem satisfeitos mas constituem direitos a serem juridicamente salvaguardados

No que se refere especificamente agrave experimentaccedilatildeo animal as posiccedilotildees de Singer e de Regan

satildeo tambeacutem distintas Peter Singer reconhecendo a importacircncia da complexidade da vida mental

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para a satisfaccedilatildeo dos interesses dos seres bem como o facto das necessidades baacutesicas de cada ser

decorrerem das suas respectivas propriedades isto eacute dos seus interesses admite a experimentaccedilatildeo

animal sob uma selecccedilatildeo muito criteriosa de animais os quais devem ser substituiacutedos por simulaccedilotildees

de computador ou outros meacutetodos alternativos sempre que possiacutevel soacute podendo ser disponibiliza-

dos se se minimizar a sua dor e se os resultados previstos trouxerem um benefiacutecio significativo a

muitos Thomas Regan considera que a filosofia utilitarista em que inicialmente se apoia natildeo prote-

ge suficientemente o bem-estar animal ao permitir que os interesses dos animais possam ser sacrifi-

cados em prol de um bem comum (mais vasto) como se verifica por exemplo na admissibilidade do

recurso a animais para experimentaccedilatildeo biomeacutedica sob algumas condiccedilotildees Estatuindo os interesses

dos animais em ldquodireitosrdquo isto eacute revestindo esses interesses de uma dimensatildeo juriacutedica inerente agrave

noccedilatildeo de ldquodireitordquo o autor reivindica a obrigatoriedade de respeito incondicional desses mesmos

interesses e assim sendo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Na perspectiva zoocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe intriacutenseco decorrendo da sua capa-

cidade de experimentar dor e de possuir interesses proacuteprios natildeo estando mais dependente de qual-

quer apreciaccedilatildeo humana Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute indesejaacutevel e deve ser sempre

evitada soacute podendo ser admitida sob fortes restriccedilotildees juridicamente estabelecidas (o que em todo o

caso natildeo eacute consensual entre os zoocentristas)

Tornou-se evidente que a problematizaccedilatildeo teoacuterica acerca do estatuto moral da vida animal

enuncia diferentes orientaccedilotildees de acccedilatildeo no que se refere agrave experimentaccedilatildeo animal Eis por que a

questatildeo praacutetica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em investigaccedilatildeo cientiacutefica coloca eacute a do

equiliacutebrio entre duas realidades distintas mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si

mesmo a prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica e a protecccedilatildeo dos animais

A apreciaccedilatildeo dos vaacuterios princiacutepios eacuteticos implicados nesta questatildeo praacutetica deveraacute permitir-

nos preconizarmos um curso de acccedilatildeo devidamente fundamentado

22 princiacutepios eacuteticos fundamentais

A primeira vez e num tempo remoto tal como jaacute se indicou que se procedeu agrave experimenta-

ccedilatildeo animal o princiacutepio hegemoacutenico determinante da acccedilatildeo era o do progresso da ciecircncia o do de-

senvolvimento do conhecimento Este princiacutepio fundamental foi-se estruturando ao longo da histoacuteria

como sendo o da liberdade de investigaccedilatildeo ou seja a exigecircncia de toda a reflexatildeo e praacutetica visando

a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos prosseguir sem obstaacuteculos e seguindo uma orientaccedilatildeo autoacuteno-

ma o que entretanto requer tambeacutem a disponibilizaccedilatildeo de meios como condiccedilatildeo necessaacuteria e indis-

pensaacutevel para a sua prossecuccedilatildeo

A ciecircncia eacute percepcionada como um valor natildeo apenas instrumental pelo seu contributo para

o desenvolvimento social e a minoraccedilatildeo de dificuldades eou sofrimento pessoal mas tambeacutem como

constitutiva da identidade humana consubstancializando a especificidade do homem na sua busca

insana por saber sempre mais Por isso a ciecircncia se foi tornando num fim em si mesmo Somente

apoacutes a segunda guerra mundial com a divulgaccedilatildeo das atrocidades cometidas no domiacutenio da experi-

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

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primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

16

Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

17

Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

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CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

5

meacutetodos alternativos agrave utilizaccedilatildeo dos animais teacutecnicas in vitro sobre ceacutelulas e sobre tecidos reconsti-

tuiacutedos recurso a organismos inferiores teacutecnicas imunoloacutegicas meacutetodos fiacutesico-quiacutemicos modelos

matemaacuteticos e computacionais modelos humanos voluntaacuterios telemetria (J Nab M Baals JBF

van der Valk CFM Hendriksen 2001)

Ainda no que se refere agrave enunciaccedilatildeo de meacutetodos alternativos importa sublinhar dois aspec-

tos fundamentais para a sua praacutetica efectiva e generalizada a validaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo A valida-

ccedilatildeo dos meacutetodos alternativos na Europa estaacute actualmente a cargo de The European Centre for the

Validation of Alternative Methods estabelecido em 1991 O processo eacute demorado e complexo de-

senvolvendo-se ao longo de cinco fases apoacutes as quais e uma vez aprovado o procedimento alterna-

tivo sob anaacutelise se exige amplo reconhecimento internacional Entretanto tem-se verificado que

mesmo os meacutetodos aprovados satildeo de difiacutecil implementaccedilatildeo devido a vaacuterias factores entre os quais

podemos destacar a relutacircncia na partilha de dados por parte de algumas companhias e uma insufi-

ciente comunicaccedilatildeo entre cientistas e legisladores

As uacuteltimas deacutecadas foram ainda marcadas pelo que podemos classificar como uma inovaccedilatildeo

neste domiacutenio da experimentaccedilatildeo animal com um significativo impacto nos planos quer cientiacutefico

quer eacutetico Referimo-nos agrave produccedilatildeo ou fabricaccedilatildeo de animais especificamente desenhados para

projectos cientiacuteficos especiacuteficos e regra geral reproduzindo a dimensatildeo humana que se pretende

estudar transgeacutenicos Estes representam um avanccedilo importante em termos de qualidade e progres-

so da investigaccedilatildeo cientiacutefica inclusivamente reduzindo problemas na validaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo

que sempre se colocam Poreacutem a construccedilatildeo de uma nova estirpe de animal transgeacutenico requer um

nuacutemero elevado de animais e uma vez obtido o novo modelo as solicitaccedilotildees para a sua aplicaccedilatildeo

multiplicam-se o que agrava de novo o nuacutemero de animais utilizados em investigaccedilatildeo biomeacutedica

sobretudo de mamiacuteferos inferiores Do ponto de vista eacutetico a questatildeo da desnaturalizaccedilatildeo dos ani-

mais soma-se agrave jaacute claacutessica do sofrimento

A experimentaccedilatildeo animal continua hoje a desenvolver-se sobretudo no acircmbito da investiga-

ccedilatildeo de medicamentos testes de vacinas e de toxicidade investigaccedilatildeo baacutesica biomeacutedica e no domiacutenio

oncoloacutegico coraccedilatildeo circulaccedilatildeo estudos geneacuteticos diagnoacutesticos cirurgia experimental e educaccedilatildeo

Aliaacutes a este propoacutesito conviraacute acrescentar que a utilizaccedilatildeo de animais na educaccedilatildeo natildeo tem recebido

a mesma proximidade de acompanhamento na obtenccedilatildeo de dados na reflexatildeo eacutetica na regulamen-

taccedilatildeo juriacutedica e no empenho de procura de alternativas que se verifica na experimentaccedilatildeo animal

Os primatas natildeo-humanos em relaccedilatildeo aos quais as restriccedilotildees agrave experimentaccedilatildeo satildeo mais

apertadas por a este niacutevel se agravarem os argumentos existentes contra a experimentaccedilatildeo animal

continuam a ser utilizados sobretudo para projectos de investigaccedilatildeo em doenccedilas infecciosas nome-

adamente as que com maior gravidade eclodiram recentemente HIV SARS hepatites

O caso de Portugal

A prioridade ao desenvolvimento cientiacutefico e tecnoloacutegico assumida pelo Governo portuguecircs

em 2006 no Compromisso com a Ciecircncia reflectiu-se numa dinacircmica de progresso nos uacuteltimos anos

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

6

relativamente singular no quadro da UE Em 2009 a despesa total em investigaccedilatildeo atingiu 171 do

PIB mais do que duplicando relativamente a 2005 (081 do PIB) e aproximando Portugal da meacutedia

da UE (19 do PIB) O conjunto do sector privado teve um importante contributo para este esforccedilo

representando 58 do total da despesa Em resultado deste esforccedilo o nuacutemero de investigadores

cresceu para 82 investigadores por mil activos ultrapassando a meacutedia europeia e situando-se na

meacutedia da OCDE Este crescimento reflectiu-se no reforccedilo das instituiccedilotildees e na excelecircncia da investi-

gaccedilatildeo em todas as aacutereas cientiacuteficas (Amacircncio et al 2011)

A investigaccedilatildeo cientiacutefica em Biologia Moderna incluindo Biologia Molecular Biologia do De-

senvolvimento Ciecircncias da Sauacutede Ciecircncias Biomeacutedicas tem assim uma inserccedilatildeo relativamente re-

cente em Portugal (ver de Sousa 2009) O proacuteprio reconhecimento destas vaacuterias aacutereas da Biologia

Moderna tem-se processado com o aparecimento sucessivo entre 1991 e 1995 de uma Secretaria

de Estado da Ciecircncia e Tecnologia primeiramente ligada ao Ministeacuterio do Plano Em 1995 constitui-se

o primeiro Ministeacuterio da Ciecircncia e Tecnologia independente do Ensino Superior situaccedilatildeo que dura

ateacute 2002 quando se forma o Ministeacuterio do Ensino Superior Ciecircncia e Tecnologia que perdurou ateacute agrave

constituiccedilatildeo do novo governo em 2011 onde a Investigaccedilatildeo cientiacutefica voltou a estar sob a tutela de

uma Secretaria de Estado

Natildeo deve parecer assim demasiado estranho que a Directiva de Novembro de 1986 sobre ldquoa

protecccedilatildeo de animais usados para fins experimentais e outros fins cientiacuteficosrdquo tenha levado seis anos

a traduzir para portuguecircs e apareccedila como uma portaria (nordm 100592) vinda dos Ministeacuterios da Agri-

cultura da Educaccedilatildeo da Sauacutede e do Comeacutercio e Turismo A proacutepria Comissatildeo Europeia depois de ter

escolhido o Comiteacute do Ambiente para tratar durante dez anos de tudo o que tinha a ver com experi-

mentaccedilatildeo animal em 2008 pouco antes do Natal envia uma directiva ao Comiteacute de Agricultura

No que respeita a problemas ligados agrave eacutetica e sua implementaccedilatildeo no domiacutenio do bem-estar

animal Portugal pode considerar-se numa posiccedilatildeo de certo modo favoraacutevel resultante em parte de

um atraso que daqui para a frente pode ser usado como um ponto de partida vantajoso Isto eacute numa

altura em que se procura fazer a validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos Portugal poderia vir a juntar-se a

outros centros europeus pioneiros na mateacuteria da validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos O atraso de

Portugal poderaacute tambeacutem beneficiar o paiacutes porquanto os exemplos de legislaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da

legislaccedilatildeo na Europa e no Norte da Ameacuterica satildeo tatildeo claros que o paiacutes pode usar a liberdade que eacute

esperada dos estados membros para experimentar vias de execuccedilatildeo que assegurem o bem-estar

dos animais que natildeo teratildeo necessariamente que ser riacutegidas e abrangerem todo o territoacuterio nacional

mas que podem comeccedilar com experiecircncias piloto com a participaccedilatildeo por exemplo das universida-

des ou dos Laboratoacuterios Associados sob tutela da Direcccedilatildeo Geral de Veterinaacuteria (DGV)

2 Experimentaccedilatildeo animal problematizaccedilatildeo eacutetica

A problematizaccedilatildeo eacutetica da experimentaccedilatildeo animal desenvolve-se necessariamente em dois

planos maiores complementares e indissociaacuteveis um inicial teoacuterico acerca do estatuto moral da

vida animal e um outro subsequente praacutetico acerca dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo para a tomada de

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decisatildeo relativa aos diferentes interesses em conflito na temaacutetica em apreccedilo o bem-estar dos ani-

mais e os benefiacutecios decorrentes da prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica

Eacute evidente que os dois planos de questionamento estatildeo entre si relacionados uma vez que do

ponto de vista teoacuterico o estatuto da vida animal racionalmente formulado determinaraacute o(s) proce-

dimento(s) a adoptar pelo homem em relaccedilatildeo aos animais e que do ponto de vista praacutetico as for-

mas de actuaccedilatildeo do homem em relaccedilatildeo aos animais mais comummente aceites pela opiniatildeo puacutebli-

ca influenciaratildeo o estatuto da vida animal a assumir

Consideremos pois ambos os planos sucessivamente nas suas respectivas implicaccedilotildees

21 questotildees mais controversas

A questatildeo teoacuterica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em experimentaccedilatildeo coloca eacute

a do estatuto dito atribuiacutedo ndash na concepccedilatildeo de que o valor da vida animal lhe eacute conferido sob dife-

rentes criteacuterios pelo ser humano enquanto uacutenico ser dotado de pensamento teoacuterico ndash ou dito reco-

nhecido - na concepccedilatildeo de que a vida animal tem um valor intriacutenseco - agrave vida animal Numa diferente

formulaccedilatildeo mais expliacutecita diriacuteamos que a questatildeo preacutevia agrave formulaccedilatildeo de normativas de acccedilatildeo em

relaccedilatildeo aos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica eacute a do valor da vida animal

O animal foi tradicional e comummente considerado como um mero objecto ou instrumento

do homem um meio para os mais diversos fins que este se propotildee revestindo-se por isso de um

valor meramente utilitaacuterio decorrente do bem ou utilidade que num determinado momento eou

sob determinadas circunstacircncias poderia protagonizar para o homem

Esta eacute uma perspectiva que se formou com o advento da racionalidade humana e que a filo-

sofia grega claacutessica fundamenta e sistematiza atraveacutes da valorizaccedilatildeo da racionalidade do pensamen-

to teoacuterico como especiacutefico ao homem e sua parte mais excelente (para aleacutem da hierarquia dos seres

jaacute subjacente agrave mitologia da transmigraccedilatildeo das almas em que o homem e particularmente o filoacutesofo

aquele dedica a vida ao saber ocupa o lugar mais destacado) Eacute esta mesma perspectiva que viraacute a

ser consolidada pela filosofia cristatilde particularmente ao longo da Idade Meacutedia que atribui ao homem

natildeo apenas a especificidade do intelecto mas tambeacutem a do espiacuterito como uacutenico ser criado agrave imagem

e semelhanccedila de Deus (para aleacutem da interpretaccedilatildeo do mito da criaccedilatildeo no Antigo Testamento da

daacutediva divina de toda a criatura ao homem) Trata-se pois de uma visatildeo antropocentrada do mundo

animal que afirma a superioridade do homem enquanto ser espiritual e ente de razatildeo sobre todos

os demais seres

A nova visatildeo da modernidade sobre a vida animal (e natildeo soacute) ndash mecanicista - natildeo alterou o ca-

raacutecter antropocentrado desta relaccedilatildeo que sempre dominante ao longo da histoacuteria se manifesta

amplamente e sob as mais diversas formas entre as quais podemos nomear os animais para consumo

alimentar como os animais de trabalho os animais de companhia como os animais de circo ou os

animais para experimentaccedilatildeo cientiacutefica

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Nesta perspectiva antropocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe extriacutenseco decorrendo da

funccedilatildeo que o animal pode exercer com benefiacutecio para o homem O animal natildeo possui pois qualquer

valor em si mesmo sendo o homem o uacutenico a poder atribuir-lhe um valor sempre utilitaacuterio e variaacute-

vel conforme as circunstacircncias e as finalidades Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute total-

mente legiacutetima na medida em que coloca a vida animal ao serviccedilo do ser humano tendo em vista a

obtenccedilatildeo de algum bem para o homem

Esta perspectiva eacute decisivamente colocada em causa tal como jaacute indicaacutemos por Jeremy Ben-

tham que inaugura o debate sobre a relaccedilatildeo dos homens com os animais num plano francamente

ineacutedito e revolucionaacuterio A sua exortaccedilatildeo agrave capacidade dos animais sentirem dor pretende romper

com a tradicional concepccedilatildeo de uma diferenccedila qualitativa ou de natureza entre animais e humanos

e aproximar ambos agora entre si enquanto seres sencientes e pela capacidade partilhada de sofre-

rem De facto Bentham inverte o sentido habitual do olhar sobre a relaccedilatildeo do homem com o animal

marcado pela identificaccedilatildeo da diferenccedila como justificaccedilatildeo da superioridade e fundamento do valor e

procura antes o que de comum existe entre ambos os seres o que os aproxima e igualiza retomando

assim tambeacutem a questatildeo do valor de cada um

Deste modo o pensamento de Bentham conduz a uma mudanccedila no estatuto e no valor que

ateacute entatildeo eram atribuiacutedos aos animais bem como consequentemente no tratamento por parte dos

humanos que lhes era dispensado O criteacuterio do estatuto moral de um ser natildeo eacute mais para este filoacute-

sofo a capacidade de pensar (e do exerciacutecio livre da vontade e de articulaccedilatildeo do discurso) na estei-

ra da tradiccedilatildeo do pensamento filosoacutefico ocidental mas sim a capacidade de sofrer o que a partir de

entatildeo e sobretudo jaacute no seacutec XX os utilitaristas em geral vatildeo seguir e desenvolver

Neste contexto impotildee-se um particular destaque para Peter Singer e Thomas Regan que di-

ferentemente rejeitam uma postura antropocecircntrica na relaccedilatildeo do homem para com os animais agrave

qual contrapotildeem uma perspectiva zoocecircntrica Esta defendendo que todos os seres dotados de sen-

sibilidade todos os seres capazes de sofrer e de sentir felicidade satildeo merecedores de igual conside-

raccedilatildeo e que os seus interesses devem ser igualmente acautelados (princiacutepio da igualdade) alarga as

fronteiras da comunidade moral aos animais O zoocentrismo sem advogar que os animais sejam

capazes de agir moralmente considera que devem beneficiar de restriccedilotildees normativas juridicamente

impostas aos humanos e natildeo apenas de restriccedilotildees prudenciais confiadas ao caraacutecter de cada pessoa

tal como tem sido tradicional e comummente assumido

O zoocentrismo tem-se desenvolvido muito significativamente nas uacuteltimas deacutecadas seguindo

duas orientaccedilotildees proacuteximas mas distintas protagonizadas por Peter Singer e Thomas Regan respec-

tivamente o movimento da libertaccedilatildeo animal na afirmaccedilatildeo de uma posiccedilatildeo igualitaacuteria entre todos

os seres sencientes na rejeiccedilatildeo do ldquoespecismordquo (discriminaccedilatildeo dos animais pelos humanos com

base na suposta superioridade da espeacutecie humana em relaccedilatildeo agraves demais num procedimento anaacutelo-

go ao que se verifica no racismo ou sexismo) e a reivindicaccedilatildeo dos direitos dos animais na afirmaccedilatildeo

de que os interesses proacuteprios dos animais natildeo devem depender da boa vontade dos homens para

serem satisfeitos mas constituem direitos a serem juridicamente salvaguardados

No que se refere especificamente agrave experimentaccedilatildeo animal as posiccedilotildees de Singer e de Regan

satildeo tambeacutem distintas Peter Singer reconhecendo a importacircncia da complexidade da vida mental

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para a satisfaccedilatildeo dos interesses dos seres bem como o facto das necessidades baacutesicas de cada ser

decorrerem das suas respectivas propriedades isto eacute dos seus interesses admite a experimentaccedilatildeo

animal sob uma selecccedilatildeo muito criteriosa de animais os quais devem ser substituiacutedos por simulaccedilotildees

de computador ou outros meacutetodos alternativos sempre que possiacutevel soacute podendo ser disponibiliza-

dos se se minimizar a sua dor e se os resultados previstos trouxerem um benefiacutecio significativo a

muitos Thomas Regan considera que a filosofia utilitarista em que inicialmente se apoia natildeo prote-

ge suficientemente o bem-estar animal ao permitir que os interesses dos animais possam ser sacrifi-

cados em prol de um bem comum (mais vasto) como se verifica por exemplo na admissibilidade do

recurso a animais para experimentaccedilatildeo biomeacutedica sob algumas condiccedilotildees Estatuindo os interesses

dos animais em ldquodireitosrdquo isto eacute revestindo esses interesses de uma dimensatildeo juriacutedica inerente agrave

noccedilatildeo de ldquodireitordquo o autor reivindica a obrigatoriedade de respeito incondicional desses mesmos

interesses e assim sendo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Na perspectiva zoocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe intriacutenseco decorrendo da sua capa-

cidade de experimentar dor e de possuir interesses proacuteprios natildeo estando mais dependente de qual-

quer apreciaccedilatildeo humana Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute indesejaacutevel e deve ser sempre

evitada soacute podendo ser admitida sob fortes restriccedilotildees juridicamente estabelecidas (o que em todo o

caso natildeo eacute consensual entre os zoocentristas)

Tornou-se evidente que a problematizaccedilatildeo teoacuterica acerca do estatuto moral da vida animal

enuncia diferentes orientaccedilotildees de acccedilatildeo no que se refere agrave experimentaccedilatildeo animal Eis por que a

questatildeo praacutetica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em investigaccedilatildeo cientiacutefica coloca eacute a do

equiliacutebrio entre duas realidades distintas mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si

mesmo a prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica e a protecccedilatildeo dos animais

A apreciaccedilatildeo dos vaacuterios princiacutepios eacuteticos implicados nesta questatildeo praacutetica deveraacute permitir-

nos preconizarmos um curso de acccedilatildeo devidamente fundamentado

22 princiacutepios eacuteticos fundamentais

A primeira vez e num tempo remoto tal como jaacute se indicou que se procedeu agrave experimenta-

ccedilatildeo animal o princiacutepio hegemoacutenico determinante da acccedilatildeo era o do progresso da ciecircncia o do de-

senvolvimento do conhecimento Este princiacutepio fundamental foi-se estruturando ao longo da histoacuteria

como sendo o da liberdade de investigaccedilatildeo ou seja a exigecircncia de toda a reflexatildeo e praacutetica visando

a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos prosseguir sem obstaacuteculos e seguindo uma orientaccedilatildeo autoacuteno-

ma o que entretanto requer tambeacutem a disponibilizaccedilatildeo de meios como condiccedilatildeo necessaacuteria e indis-

pensaacutevel para a sua prossecuccedilatildeo

A ciecircncia eacute percepcionada como um valor natildeo apenas instrumental pelo seu contributo para

o desenvolvimento social e a minoraccedilatildeo de dificuldades eou sofrimento pessoal mas tambeacutem como

constitutiva da identidade humana consubstancializando a especificidade do homem na sua busca

insana por saber sempre mais Por isso a ciecircncia se foi tornando num fim em si mesmo Somente

apoacutes a segunda guerra mundial com a divulgaccedilatildeo das atrocidades cometidas no domiacutenio da experi-

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

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Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

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6

relativamente singular no quadro da UE Em 2009 a despesa total em investigaccedilatildeo atingiu 171 do

PIB mais do que duplicando relativamente a 2005 (081 do PIB) e aproximando Portugal da meacutedia

da UE (19 do PIB) O conjunto do sector privado teve um importante contributo para este esforccedilo

representando 58 do total da despesa Em resultado deste esforccedilo o nuacutemero de investigadores

cresceu para 82 investigadores por mil activos ultrapassando a meacutedia europeia e situando-se na

meacutedia da OCDE Este crescimento reflectiu-se no reforccedilo das instituiccedilotildees e na excelecircncia da investi-

gaccedilatildeo em todas as aacutereas cientiacuteficas (Amacircncio et al 2011)

A investigaccedilatildeo cientiacutefica em Biologia Moderna incluindo Biologia Molecular Biologia do De-

senvolvimento Ciecircncias da Sauacutede Ciecircncias Biomeacutedicas tem assim uma inserccedilatildeo relativamente re-

cente em Portugal (ver de Sousa 2009) O proacuteprio reconhecimento destas vaacuterias aacutereas da Biologia

Moderna tem-se processado com o aparecimento sucessivo entre 1991 e 1995 de uma Secretaria

de Estado da Ciecircncia e Tecnologia primeiramente ligada ao Ministeacuterio do Plano Em 1995 constitui-se

o primeiro Ministeacuterio da Ciecircncia e Tecnologia independente do Ensino Superior situaccedilatildeo que dura

ateacute 2002 quando se forma o Ministeacuterio do Ensino Superior Ciecircncia e Tecnologia que perdurou ateacute agrave

constituiccedilatildeo do novo governo em 2011 onde a Investigaccedilatildeo cientiacutefica voltou a estar sob a tutela de

uma Secretaria de Estado

Natildeo deve parecer assim demasiado estranho que a Directiva de Novembro de 1986 sobre ldquoa

protecccedilatildeo de animais usados para fins experimentais e outros fins cientiacuteficosrdquo tenha levado seis anos

a traduzir para portuguecircs e apareccedila como uma portaria (nordm 100592) vinda dos Ministeacuterios da Agri-

cultura da Educaccedilatildeo da Sauacutede e do Comeacutercio e Turismo A proacutepria Comissatildeo Europeia depois de ter

escolhido o Comiteacute do Ambiente para tratar durante dez anos de tudo o que tinha a ver com experi-

mentaccedilatildeo animal em 2008 pouco antes do Natal envia uma directiva ao Comiteacute de Agricultura

No que respeita a problemas ligados agrave eacutetica e sua implementaccedilatildeo no domiacutenio do bem-estar

animal Portugal pode considerar-se numa posiccedilatildeo de certo modo favoraacutevel resultante em parte de

um atraso que daqui para a frente pode ser usado como um ponto de partida vantajoso Isto eacute numa

altura em que se procura fazer a validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos Portugal poderia vir a juntar-se a

outros centros europeus pioneiros na mateacuteria da validaccedilatildeo de meacutetodos alternativos O atraso de

Portugal poderaacute tambeacutem beneficiar o paiacutes porquanto os exemplos de legislaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da

legislaccedilatildeo na Europa e no Norte da Ameacuterica satildeo tatildeo claros que o paiacutes pode usar a liberdade que eacute

esperada dos estados membros para experimentar vias de execuccedilatildeo que assegurem o bem-estar

dos animais que natildeo teratildeo necessariamente que ser riacutegidas e abrangerem todo o territoacuterio nacional

mas que podem comeccedilar com experiecircncias piloto com a participaccedilatildeo por exemplo das universida-

des ou dos Laboratoacuterios Associados sob tutela da Direcccedilatildeo Geral de Veterinaacuteria (DGV)

2 Experimentaccedilatildeo animal problematizaccedilatildeo eacutetica

A problematizaccedilatildeo eacutetica da experimentaccedilatildeo animal desenvolve-se necessariamente em dois

planos maiores complementares e indissociaacuteveis um inicial teoacuterico acerca do estatuto moral da

vida animal e um outro subsequente praacutetico acerca dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo para a tomada de

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7

decisatildeo relativa aos diferentes interesses em conflito na temaacutetica em apreccedilo o bem-estar dos ani-

mais e os benefiacutecios decorrentes da prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica

Eacute evidente que os dois planos de questionamento estatildeo entre si relacionados uma vez que do

ponto de vista teoacuterico o estatuto da vida animal racionalmente formulado determinaraacute o(s) proce-

dimento(s) a adoptar pelo homem em relaccedilatildeo aos animais e que do ponto de vista praacutetico as for-

mas de actuaccedilatildeo do homem em relaccedilatildeo aos animais mais comummente aceites pela opiniatildeo puacutebli-

ca influenciaratildeo o estatuto da vida animal a assumir

Consideremos pois ambos os planos sucessivamente nas suas respectivas implicaccedilotildees

21 questotildees mais controversas

A questatildeo teoacuterica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em experimentaccedilatildeo coloca eacute

a do estatuto dito atribuiacutedo ndash na concepccedilatildeo de que o valor da vida animal lhe eacute conferido sob dife-

rentes criteacuterios pelo ser humano enquanto uacutenico ser dotado de pensamento teoacuterico ndash ou dito reco-

nhecido - na concepccedilatildeo de que a vida animal tem um valor intriacutenseco - agrave vida animal Numa diferente

formulaccedilatildeo mais expliacutecita diriacuteamos que a questatildeo preacutevia agrave formulaccedilatildeo de normativas de acccedilatildeo em

relaccedilatildeo aos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica eacute a do valor da vida animal

O animal foi tradicional e comummente considerado como um mero objecto ou instrumento

do homem um meio para os mais diversos fins que este se propotildee revestindo-se por isso de um

valor meramente utilitaacuterio decorrente do bem ou utilidade que num determinado momento eou

sob determinadas circunstacircncias poderia protagonizar para o homem

Esta eacute uma perspectiva que se formou com o advento da racionalidade humana e que a filo-

sofia grega claacutessica fundamenta e sistematiza atraveacutes da valorizaccedilatildeo da racionalidade do pensamen-

to teoacuterico como especiacutefico ao homem e sua parte mais excelente (para aleacutem da hierarquia dos seres

jaacute subjacente agrave mitologia da transmigraccedilatildeo das almas em que o homem e particularmente o filoacutesofo

aquele dedica a vida ao saber ocupa o lugar mais destacado) Eacute esta mesma perspectiva que viraacute a

ser consolidada pela filosofia cristatilde particularmente ao longo da Idade Meacutedia que atribui ao homem

natildeo apenas a especificidade do intelecto mas tambeacutem a do espiacuterito como uacutenico ser criado agrave imagem

e semelhanccedila de Deus (para aleacutem da interpretaccedilatildeo do mito da criaccedilatildeo no Antigo Testamento da

daacutediva divina de toda a criatura ao homem) Trata-se pois de uma visatildeo antropocentrada do mundo

animal que afirma a superioridade do homem enquanto ser espiritual e ente de razatildeo sobre todos

os demais seres

A nova visatildeo da modernidade sobre a vida animal (e natildeo soacute) ndash mecanicista - natildeo alterou o ca-

raacutecter antropocentrado desta relaccedilatildeo que sempre dominante ao longo da histoacuteria se manifesta

amplamente e sob as mais diversas formas entre as quais podemos nomear os animais para consumo

alimentar como os animais de trabalho os animais de companhia como os animais de circo ou os

animais para experimentaccedilatildeo cientiacutefica

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

8

Nesta perspectiva antropocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe extriacutenseco decorrendo da

funccedilatildeo que o animal pode exercer com benefiacutecio para o homem O animal natildeo possui pois qualquer

valor em si mesmo sendo o homem o uacutenico a poder atribuir-lhe um valor sempre utilitaacuterio e variaacute-

vel conforme as circunstacircncias e as finalidades Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute total-

mente legiacutetima na medida em que coloca a vida animal ao serviccedilo do ser humano tendo em vista a

obtenccedilatildeo de algum bem para o homem

Esta perspectiva eacute decisivamente colocada em causa tal como jaacute indicaacutemos por Jeremy Ben-

tham que inaugura o debate sobre a relaccedilatildeo dos homens com os animais num plano francamente

ineacutedito e revolucionaacuterio A sua exortaccedilatildeo agrave capacidade dos animais sentirem dor pretende romper

com a tradicional concepccedilatildeo de uma diferenccedila qualitativa ou de natureza entre animais e humanos

e aproximar ambos agora entre si enquanto seres sencientes e pela capacidade partilhada de sofre-

rem De facto Bentham inverte o sentido habitual do olhar sobre a relaccedilatildeo do homem com o animal

marcado pela identificaccedilatildeo da diferenccedila como justificaccedilatildeo da superioridade e fundamento do valor e

procura antes o que de comum existe entre ambos os seres o que os aproxima e igualiza retomando

assim tambeacutem a questatildeo do valor de cada um

Deste modo o pensamento de Bentham conduz a uma mudanccedila no estatuto e no valor que

ateacute entatildeo eram atribuiacutedos aos animais bem como consequentemente no tratamento por parte dos

humanos que lhes era dispensado O criteacuterio do estatuto moral de um ser natildeo eacute mais para este filoacute-

sofo a capacidade de pensar (e do exerciacutecio livre da vontade e de articulaccedilatildeo do discurso) na estei-

ra da tradiccedilatildeo do pensamento filosoacutefico ocidental mas sim a capacidade de sofrer o que a partir de

entatildeo e sobretudo jaacute no seacutec XX os utilitaristas em geral vatildeo seguir e desenvolver

Neste contexto impotildee-se um particular destaque para Peter Singer e Thomas Regan que di-

ferentemente rejeitam uma postura antropocecircntrica na relaccedilatildeo do homem para com os animais agrave

qual contrapotildeem uma perspectiva zoocecircntrica Esta defendendo que todos os seres dotados de sen-

sibilidade todos os seres capazes de sofrer e de sentir felicidade satildeo merecedores de igual conside-

raccedilatildeo e que os seus interesses devem ser igualmente acautelados (princiacutepio da igualdade) alarga as

fronteiras da comunidade moral aos animais O zoocentrismo sem advogar que os animais sejam

capazes de agir moralmente considera que devem beneficiar de restriccedilotildees normativas juridicamente

impostas aos humanos e natildeo apenas de restriccedilotildees prudenciais confiadas ao caraacutecter de cada pessoa

tal como tem sido tradicional e comummente assumido

O zoocentrismo tem-se desenvolvido muito significativamente nas uacuteltimas deacutecadas seguindo

duas orientaccedilotildees proacuteximas mas distintas protagonizadas por Peter Singer e Thomas Regan respec-

tivamente o movimento da libertaccedilatildeo animal na afirmaccedilatildeo de uma posiccedilatildeo igualitaacuteria entre todos

os seres sencientes na rejeiccedilatildeo do ldquoespecismordquo (discriminaccedilatildeo dos animais pelos humanos com

base na suposta superioridade da espeacutecie humana em relaccedilatildeo agraves demais num procedimento anaacutelo-

go ao que se verifica no racismo ou sexismo) e a reivindicaccedilatildeo dos direitos dos animais na afirmaccedilatildeo

de que os interesses proacuteprios dos animais natildeo devem depender da boa vontade dos homens para

serem satisfeitos mas constituem direitos a serem juridicamente salvaguardados

No que se refere especificamente agrave experimentaccedilatildeo animal as posiccedilotildees de Singer e de Regan

satildeo tambeacutem distintas Peter Singer reconhecendo a importacircncia da complexidade da vida mental

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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para a satisfaccedilatildeo dos interesses dos seres bem como o facto das necessidades baacutesicas de cada ser

decorrerem das suas respectivas propriedades isto eacute dos seus interesses admite a experimentaccedilatildeo

animal sob uma selecccedilatildeo muito criteriosa de animais os quais devem ser substituiacutedos por simulaccedilotildees

de computador ou outros meacutetodos alternativos sempre que possiacutevel soacute podendo ser disponibiliza-

dos se se minimizar a sua dor e se os resultados previstos trouxerem um benefiacutecio significativo a

muitos Thomas Regan considera que a filosofia utilitarista em que inicialmente se apoia natildeo prote-

ge suficientemente o bem-estar animal ao permitir que os interesses dos animais possam ser sacrifi-

cados em prol de um bem comum (mais vasto) como se verifica por exemplo na admissibilidade do

recurso a animais para experimentaccedilatildeo biomeacutedica sob algumas condiccedilotildees Estatuindo os interesses

dos animais em ldquodireitosrdquo isto eacute revestindo esses interesses de uma dimensatildeo juriacutedica inerente agrave

noccedilatildeo de ldquodireitordquo o autor reivindica a obrigatoriedade de respeito incondicional desses mesmos

interesses e assim sendo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Na perspectiva zoocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe intriacutenseco decorrendo da sua capa-

cidade de experimentar dor e de possuir interesses proacuteprios natildeo estando mais dependente de qual-

quer apreciaccedilatildeo humana Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute indesejaacutevel e deve ser sempre

evitada soacute podendo ser admitida sob fortes restriccedilotildees juridicamente estabelecidas (o que em todo o

caso natildeo eacute consensual entre os zoocentristas)

Tornou-se evidente que a problematizaccedilatildeo teoacuterica acerca do estatuto moral da vida animal

enuncia diferentes orientaccedilotildees de acccedilatildeo no que se refere agrave experimentaccedilatildeo animal Eis por que a

questatildeo praacutetica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em investigaccedilatildeo cientiacutefica coloca eacute a do

equiliacutebrio entre duas realidades distintas mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si

mesmo a prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica e a protecccedilatildeo dos animais

A apreciaccedilatildeo dos vaacuterios princiacutepios eacuteticos implicados nesta questatildeo praacutetica deveraacute permitir-

nos preconizarmos um curso de acccedilatildeo devidamente fundamentado

22 princiacutepios eacuteticos fundamentais

A primeira vez e num tempo remoto tal como jaacute se indicou que se procedeu agrave experimenta-

ccedilatildeo animal o princiacutepio hegemoacutenico determinante da acccedilatildeo era o do progresso da ciecircncia o do de-

senvolvimento do conhecimento Este princiacutepio fundamental foi-se estruturando ao longo da histoacuteria

como sendo o da liberdade de investigaccedilatildeo ou seja a exigecircncia de toda a reflexatildeo e praacutetica visando

a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos prosseguir sem obstaacuteculos e seguindo uma orientaccedilatildeo autoacuteno-

ma o que entretanto requer tambeacutem a disponibilizaccedilatildeo de meios como condiccedilatildeo necessaacuteria e indis-

pensaacutevel para a sua prossecuccedilatildeo

A ciecircncia eacute percepcionada como um valor natildeo apenas instrumental pelo seu contributo para

o desenvolvimento social e a minoraccedilatildeo de dificuldades eou sofrimento pessoal mas tambeacutem como

constitutiva da identidade humana consubstancializando a especificidade do homem na sua busca

insana por saber sempre mais Por isso a ciecircncia se foi tornando num fim em si mesmo Somente

apoacutes a segunda guerra mundial com a divulgaccedilatildeo das atrocidades cometidas no domiacutenio da experi-

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

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decisatildeo relativa aos diferentes interesses em conflito na temaacutetica em apreccedilo o bem-estar dos ani-

mais e os benefiacutecios decorrentes da prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica

Eacute evidente que os dois planos de questionamento estatildeo entre si relacionados uma vez que do

ponto de vista teoacuterico o estatuto da vida animal racionalmente formulado determinaraacute o(s) proce-

dimento(s) a adoptar pelo homem em relaccedilatildeo aos animais e que do ponto de vista praacutetico as for-

mas de actuaccedilatildeo do homem em relaccedilatildeo aos animais mais comummente aceites pela opiniatildeo puacutebli-

ca influenciaratildeo o estatuto da vida animal a assumir

Consideremos pois ambos os planos sucessivamente nas suas respectivas implicaccedilotildees

21 questotildees mais controversas

A questatildeo teoacuterica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em experimentaccedilatildeo coloca eacute

a do estatuto dito atribuiacutedo ndash na concepccedilatildeo de que o valor da vida animal lhe eacute conferido sob dife-

rentes criteacuterios pelo ser humano enquanto uacutenico ser dotado de pensamento teoacuterico ndash ou dito reco-

nhecido - na concepccedilatildeo de que a vida animal tem um valor intriacutenseco - agrave vida animal Numa diferente

formulaccedilatildeo mais expliacutecita diriacuteamos que a questatildeo preacutevia agrave formulaccedilatildeo de normativas de acccedilatildeo em

relaccedilatildeo aos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica eacute a do valor da vida animal

O animal foi tradicional e comummente considerado como um mero objecto ou instrumento

do homem um meio para os mais diversos fins que este se propotildee revestindo-se por isso de um

valor meramente utilitaacuterio decorrente do bem ou utilidade que num determinado momento eou

sob determinadas circunstacircncias poderia protagonizar para o homem

Esta eacute uma perspectiva que se formou com o advento da racionalidade humana e que a filo-

sofia grega claacutessica fundamenta e sistematiza atraveacutes da valorizaccedilatildeo da racionalidade do pensamen-

to teoacuterico como especiacutefico ao homem e sua parte mais excelente (para aleacutem da hierarquia dos seres

jaacute subjacente agrave mitologia da transmigraccedilatildeo das almas em que o homem e particularmente o filoacutesofo

aquele dedica a vida ao saber ocupa o lugar mais destacado) Eacute esta mesma perspectiva que viraacute a

ser consolidada pela filosofia cristatilde particularmente ao longo da Idade Meacutedia que atribui ao homem

natildeo apenas a especificidade do intelecto mas tambeacutem a do espiacuterito como uacutenico ser criado agrave imagem

e semelhanccedila de Deus (para aleacutem da interpretaccedilatildeo do mito da criaccedilatildeo no Antigo Testamento da

daacutediva divina de toda a criatura ao homem) Trata-se pois de uma visatildeo antropocentrada do mundo

animal que afirma a superioridade do homem enquanto ser espiritual e ente de razatildeo sobre todos

os demais seres

A nova visatildeo da modernidade sobre a vida animal (e natildeo soacute) ndash mecanicista - natildeo alterou o ca-

raacutecter antropocentrado desta relaccedilatildeo que sempre dominante ao longo da histoacuteria se manifesta

amplamente e sob as mais diversas formas entre as quais podemos nomear os animais para consumo

alimentar como os animais de trabalho os animais de companhia como os animais de circo ou os

animais para experimentaccedilatildeo cientiacutefica

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Nesta perspectiva antropocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe extriacutenseco decorrendo da

funccedilatildeo que o animal pode exercer com benefiacutecio para o homem O animal natildeo possui pois qualquer

valor em si mesmo sendo o homem o uacutenico a poder atribuir-lhe um valor sempre utilitaacuterio e variaacute-

vel conforme as circunstacircncias e as finalidades Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute total-

mente legiacutetima na medida em que coloca a vida animal ao serviccedilo do ser humano tendo em vista a

obtenccedilatildeo de algum bem para o homem

Esta perspectiva eacute decisivamente colocada em causa tal como jaacute indicaacutemos por Jeremy Ben-

tham que inaugura o debate sobre a relaccedilatildeo dos homens com os animais num plano francamente

ineacutedito e revolucionaacuterio A sua exortaccedilatildeo agrave capacidade dos animais sentirem dor pretende romper

com a tradicional concepccedilatildeo de uma diferenccedila qualitativa ou de natureza entre animais e humanos

e aproximar ambos agora entre si enquanto seres sencientes e pela capacidade partilhada de sofre-

rem De facto Bentham inverte o sentido habitual do olhar sobre a relaccedilatildeo do homem com o animal

marcado pela identificaccedilatildeo da diferenccedila como justificaccedilatildeo da superioridade e fundamento do valor e

procura antes o que de comum existe entre ambos os seres o que os aproxima e igualiza retomando

assim tambeacutem a questatildeo do valor de cada um

Deste modo o pensamento de Bentham conduz a uma mudanccedila no estatuto e no valor que

ateacute entatildeo eram atribuiacutedos aos animais bem como consequentemente no tratamento por parte dos

humanos que lhes era dispensado O criteacuterio do estatuto moral de um ser natildeo eacute mais para este filoacute-

sofo a capacidade de pensar (e do exerciacutecio livre da vontade e de articulaccedilatildeo do discurso) na estei-

ra da tradiccedilatildeo do pensamento filosoacutefico ocidental mas sim a capacidade de sofrer o que a partir de

entatildeo e sobretudo jaacute no seacutec XX os utilitaristas em geral vatildeo seguir e desenvolver

Neste contexto impotildee-se um particular destaque para Peter Singer e Thomas Regan que di-

ferentemente rejeitam uma postura antropocecircntrica na relaccedilatildeo do homem para com os animais agrave

qual contrapotildeem uma perspectiva zoocecircntrica Esta defendendo que todos os seres dotados de sen-

sibilidade todos os seres capazes de sofrer e de sentir felicidade satildeo merecedores de igual conside-

raccedilatildeo e que os seus interesses devem ser igualmente acautelados (princiacutepio da igualdade) alarga as

fronteiras da comunidade moral aos animais O zoocentrismo sem advogar que os animais sejam

capazes de agir moralmente considera que devem beneficiar de restriccedilotildees normativas juridicamente

impostas aos humanos e natildeo apenas de restriccedilotildees prudenciais confiadas ao caraacutecter de cada pessoa

tal como tem sido tradicional e comummente assumido

O zoocentrismo tem-se desenvolvido muito significativamente nas uacuteltimas deacutecadas seguindo

duas orientaccedilotildees proacuteximas mas distintas protagonizadas por Peter Singer e Thomas Regan respec-

tivamente o movimento da libertaccedilatildeo animal na afirmaccedilatildeo de uma posiccedilatildeo igualitaacuteria entre todos

os seres sencientes na rejeiccedilatildeo do ldquoespecismordquo (discriminaccedilatildeo dos animais pelos humanos com

base na suposta superioridade da espeacutecie humana em relaccedilatildeo agraves demais num procedimento anaacutelo-

go ao que se verifica no racismo ou sexismo) e a reivindicaccedilatildeo dos direitos dos animais na afirmaccedilatildeo

de que os interesses proacuteprios dos animais natildeo devem depender da boa vontade dos homens para

serem satisfeitos mas constituem direitos a serem juridicamente salvaguardados

No que se refere especificamente agrave experimentaccedilatildeo animal as posiccedilotildees de Singer e de Regan

satildeo tambeacutem distintas Peter Singer reconhecendo a importacircncia da complexidade da vida mental

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para a satisfaccedilatildeo dos interesses dos seres bem como o facto das necessidades baacutesicas de cada ser

decorrerem das suas respectivas propriedades isto eacute dos seus interesses admite a experimentaccedilatildeo

animal sob uma selecccedilatildeo muito criteriosa de animais os quais devem ser substituiacutedos por simulaccedilotildees

de computador ou outros meacutetodos alternativos sempre que possiacutevel soacute podendo ser disponibiliza-

dos se se minimizar a sua dor e se os resultados previstos trouxerem um benefiacutecio significativo a

muitos Thomas Regan considera que a filosofia utilitarista em que inicialmente se apoia natildeo prote-

ge suficientemente o bem-estar animal ao permitir que os interesses dos animais possam ser sacrifi-

cados em prol de um bem comum (mais vasto) como se verifica por exemplo na admissibilidade do

recurso a animais para experimentaccedilatildeo biomeacutedica sob algumas condiccedilotildees Estatuindo os interesses

dos animais em ldquodireitosrdquo isto eacute revestindo esses interesses de uma dimensatildeo juriacutedica inerente agrave

noccedilatildeo de ldquodireitordquo o autor reivindica a obrigatoriedade de respeito incondicional desses mesmos

interesses e assim sendo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Na perspectiva zoocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe intriacutenseco decorrendo da sua capa-

cidade de experimentar dor e de possuir interesses proacuteprios natildeo estando mais dependente de qual-

quer apreciaccedilatildeo humana Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute indesejaacutevel e deve ser sempre

evitada soacute podendo ser admitida sob fortes restriccedilotildees juridicamente estabelecidas (o que em todo o

caso natildeo eacute consensual entre os zoocentristas)

Tornou-se evidente que a problematizaccedilatildeo teoacuterica acerca do estatuto moral da vida animal

enuncia diferentes orientaccedilotildees de acccedilatildeo no que se refere agrave experimentaccedilatildeo animal Eis por que a

questatildeo praacutetica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em investigaccedilatildeo cientiacutefica coloca eacute a do

equiliacutebrio entre duas realidades distintas mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si

mesmo a prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica e a protecccedilatildeo dos animais

A apreciaccedilatildeo dos vaacuterios princiacutepios eacuteticos implicados nesta questatildeo praacutetica deveraacute permitir-

nos preconizarmos um curso de acccedilatildeo devidamente fundamentado

22 princiacutepios eacuteticos fundamentais

A primeira vez e num tempo remoto tal como jaacute se indicou que se procedeu agrave experimenta-

ccedilatildeo animal o princiacutepio hegemoacutenico determinante da acccedilatildeo era o do progresso da ciecircncia o do de-

senvolvimento do conhecimento Este princiacutepio fundamental foi-se estruturando ao longo da histoacuteria

como sendo o da liberdade de investigaccedilatildeo ou seja a exigecircncia de toda a reflexatildeo e praacutetica visando

a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos prosseguir sem obstaacuteculos e seguindo uma orientaccedilatildeo autoacuteno-

ma o que entretanto requer tambeacutem a disponibilizaccedilatildeo de meios como condiccedilatildeo necessaacuteria e indis-

pensaacutevel para a sua prossecuccedilatildeo

A ciecircncia eacute percepcionada como um valor natildeo apenas instrumental pelo seu contributo para

o desenvolvimento social e a minoraccedilatildeo de dificuldades eou sofrimento pessoal mas tambeacutem como

constitutiva da identidade humana consubstancializando a especificidade do homem na sua busca

insana por saber sempre mais Por isso a ciecircncia se foi tornando num fim em si mesmo Somente

apoacutes a segunda guerra mundial com a divulgaccedilatildeo das atrocidades cometidas no domiacutenio da experi-

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

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primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

16

Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

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CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

8

Nesta perspectiva antropocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe extriacutenseco decorrendo da

funccedilatildeo que o animal pode exercer com benefiacutecio para o homem O animal natildeo possui pois qualquer

valor em si mesmo sendo o homem o uacutenico a poder atribuir-lhe um valor sempre utilitaacuterio e variaacute-

vel conforme as circunstacircncias e as finalidades Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute total-

mente legiacutetima na medida em que coloca a vida animal ao serviccedilo do ser humano tendo em vista a

obtenccedilatildeo de algum bem para o homem

Esta perspectiva eacute decisivamente colocada em causa tal como jaacute indicaacutemos por Jeremy Ben-

tham que inaugura o debate sobre a relaccedilatildeo dos homens com os animais num plano francamente

ineacutedito e revolucionaacuterio A sua exortaccedilatildeo agrave capacidade dos animais sentirem dor pretende romper

com a tradicional concepccedilatildeo de uma diferenccedila qualitativa ou de natureza entre animais e humanos

e aproximar ambos agora entre si enquanto seres sencientes e pela capacidade partilhada de sofre-

rem De facto Bentham inverte o sentido habitual do olhar sobre a relaccedilatildeo do homem com o animal

marcado pela identificaccedilatildeo da diferenccedila como justificaccedilatildeo da superioridade e fundamento do valor e

procura antes o que de comum existe entre ambos os seres o que os aproxima e igualiza retomando

assim tambeacutem a questatildeo do valor de cada um

Deste modo o pensamento de Bentham conduz a uma mudanccedila no estatuto e no valor que

ateacute entatildeo eram atribuiacutedos aos animais bem como consequentemente no tratamento por parte dos

humanos que lhes era dispensado O criteacuterio do estatuto moral de um ser natildeo eacute mais para este filoacute-

sofo a capacidade de pensar (e do exerciacutecio livre da vontade e de articulaccedilatildeo do discurso) na estei-

ra da tradiccedilatildeo do pensamento filosoacutefico ocidental mas sim a capacidade de sofrer o que a partir de

entatildeo e sobretudo jaacute no seacutec XX os utilitaristas em geral vatildeo seguir e desenvolver

Neste contexto impotildee-se um particular destaque para Peter Singer e Thomas Regan que di-

ferentemente rejeitam uma postura antropocecircntrica na relaccedilatildeo do homem para com os animais agrave

qual contrapotildeem uma perspectiva zoocecircntrica Esta defendendo que todos os seres dotados de sen-

sibilidade todos os seres capazes de sofrer e de sentir felicidade satildeo merecedores de igual conside-

raccedilatildeo e que os seus interesses devem ser igualmente acautelados (princiacutepio da igualdade) alarga as

fronteiras da comunidade moral aos animais O zoocentrismo sem advogar que os animais sejam

capazes de agir moralmente considera que devem beneficiar de restriccedilotildees normativas juridicamente

impostas aos humanos e natildeo apenas de restriccedilotildees prudenciais confiadas ao caraacutecter de cada pessoa

tal como tem sido tradicional e comummente assumido

O zoocentrismo tem-se desenvolvido muito significativamente nas uacuteltimas deacutecadas seguindo

duas orientaccedilotildees proacuteximas mas distintas protagonizadas por Peter Singer e Thomas Regan respec-

tivamente o movimento da libertaccedilatildeo animal na afirmaccedilatildeo de uma posiccedilatildeo igualitaacuteria entre todos

os seres sencientes na rejeiccedilatildeo do ldquoespecismordquo (discriminaccedilatildeo dos animais pelos humanos com

base na suposta superioridade da espeacutecie humana em relaccedilatildeo agraves demais num procedimento anaacutelo-

go ao que se verifica no racismo ou sexismo) e a reivindicaccedilatildeo dos direitos dos animais na afirmaccedilatildeo

de que os interesses proacuteprios dos animais natildeo devem depender da boa vontade dos homens para

serem satisfeitos mas constituem direitos a serem juridicamente salvaguardados

No que se refere especificamente agrave experimentaccedilatildeo animal as posiccedilotildees de Singer e de Regan

satildeo tambeacutem distintas Peter Singer reconhecendo a importacircncia da complexidade da vida mental

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para a satisfaccedilatildeo dos interesses dos seres bem como o facto das necessidades baacutesicas de cada ser

decorrerem das suas respectivas propriedades isto eacute dos seus interesses admite a experimentaccedilatildeo

animal sob uma selecccedilatildeo muito criteriosa de animais os quais devem ser substituiacutedos por simulaccedilotildees

de computador ou outros meacutetodos alternativos sempre que possiacutevel soacute podendo ser disponibiliza-

dos se se minimizar a sua dor e se os resultados previstos trouxerem um benefiacutecio significativo a

muitos Thomas Regan considera que a filosofia utilitarista em que inicialmente se apoia natildeo prote-

ge suficientemente o bem-estar animal ao permitir que os interesses dos animais possam ser sacrifi-

cados em prol de um bem comum (mais vasto) como se verifica por exemplo na admissibilidade do

recurso a animais para experimentaccedilatildeo biomeacutedica sob algumas condiccedilotildees Estatuindo os interesses

dos animais em ldquodireitosrdquo isto eacute revestindo esses interesses de uma dimensatildeo juriacutedica inerente agrave

noccedilatildeo de ldquodireitordquo o autor reivindica a obrigatoriedade de respeito incondicional desses mesmos

interesses e assim sendo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Na perspectiva zoocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe intriacutenseco decorrendo da sua capa-

cidade de experimentar dor e de possuir interesses proacuteprios natildeo estando mais dependente de qual-

quer apreciaccedilatildeo humana Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute indesejaacutevel e deve ser sempre

evitada soacute podendo ser admitida sob fortes restriccedilotildees juridicamente estabelecidas (o que em todo o

caso natildeo eacute consensual entre os zoocentristas)

Tornou-se evidente que a problematizaccedilatildeo teoacuterica acerca do estatuto moral da vida animal

enuncia diferentes orientaccedilotildees de acccedilatildeo no que se refere agrave experimentaccedilatildeo animal Eis por que a

questatildeo praacutetica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em investigaccedilatildeo cientiacutefica coloca eacute a do

equiliacutebrio entre duas realidades distintas mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si

mesmo a prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica e a protecccedilatildeo dos animais

A apreciaccedilatildeo dos vaacuterios princiacutepios eacuteticos implicados nesta questatildeo praacutetica deveraacute permitir-

nos preconizarmos um curso de acccedilatildeo devidamente fundamentado

22 princiacutepios eacuteticos fundamentais

A primeira vez e num tempo remoto tal como jaacute se indicou que se procedeu agrave experimenta-

ccedilatildeo animal o princiacutepio hegemoacutenico determinante da acccedilatildeo era o do progresso da ciecircncia o do de-

senvolvimento do conhecimento Este princiacutepio fundamental foi-se estruturando ao longo da histoacuteria

como sendo o da liberdade de investigaccedilatildeo ou seja a exigecircncia de toda a reflexatildeo e praacutetica visando

a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos prosseguir sem obstaacuteculos e seguindo uma orientaccedilatildeo autoacuteno-

ma o que entretanto requer tambeacutem a disponibilizaccedilatildeo de meios como condiccedilatildeo necessaacuteria e indis-

pensaacutevel para a sua prossecuccedilatildeo

A ciecircncia eacute percepcionada como um valor natildeo apenas instrumental pelo seu contributo para

o desenvolvimento social e a minoraccedilatildeo de dificuldades eou sofrimento pessoal mas tambeacutem como

constitutiva da identidade humana consubstancializando a especificidade do homem na sua busca

insana por saber sempre mais Por isso a ciecircncia se foi tornando num fim em si mesmo Somente

apoacutes a segunda guerra mundial com a divulgaccedilatildeo das atrocidades cometidas no domiacutenio da experi-

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

14

9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

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CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

9

para a satisfaccedilatildeo dos interesses dos seres bem como o facto das necessidades baacutesicas de cada ser

decorrerem das suas respectivas propriedades isto eacute dos seus interesses admite a experimentaccedilatildeo

animal sob uma selecccedilatildeo muito criteriosa de animais os quais devem ser substituiacutedos por simulaccedilotildees

de computador ou outros meacutetodos alternativos sempre que possiacutevel soacute podendo ser disponibiliza-

dos se se minimizar a sua dor e se os resultados previstos trouxerem um benefiacutecio significativo a

muitos Thomas Regan considera que a filosofia utilitarista em que inicialmente se apoia natildeo prote-

ge suficientemente o bem-estar animal ao permitir que os interesses dos animais possam ser sacrifi-

cados em prol de um bem comum (mais vasto) como se verifica por exemplo na admissibilidade do

recurso a animais para experimentaccedilatildeo biomeacutedica sob algumas condiccedilotildees Estatuindo os interesses

dos animais em ldquodireitosrdquo isto eacute revestindo esses interesses de uma dimensatildeo juriacutedica inerente agrave

noccedilatildeo de ldquodireitordquo o autor reivindica a obrigatoriedade de respeito incondicional desses mesmos

interesses e assim sendo a proibiccedilatildeo da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Na perspectiva zoocecircntrica o valor da vida animal eacute-lhe intriacutenseco decorrendo da sua capa-

cidade de experimentar dor e de possuir interesses proacuteprios natildeo estando mais dependente de qual-

quer apreciaccedilatildeo humana Neste contexto a experimentaccedilatildeo animal eacute indesejaacutevel e deve ser sempre

evitada soacute podendo ser admitida sob fortes restriccedilotildees juridicamente estabelecidas (o que em todo o

caso natildeo eacute consensual entre os zoocentristas)

Tornou-se evidente que a problematizaccedilatildeo teoacuterica acerca do estatuto moral da vida animal

enuncia diferentes orientaccedilotildees de acccedilatildeo no que se refere agrave experimentaccedilatildeo animal Eis por que a

questatildeo praacutetica mais controversa que a utilizaccedilatildeo de animais em investigaccedilatildeo cientiacutefica coloca eacute a do

equiliacutebrio entre duas realidades distintas mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si

mesmo a prossecuccedilatildeo da investigaccedilatildeo cientiacutefica e a protecccedilatildeo dos animais

A apreciaccedilatildeo dos vaacuterios princiacutepios eacuteticos implicados nesta questatildeo praacutetica deveraacute permitir-

nos preconizarmos um curso de acccedilatildeo devidamente fundamentado

22 princiacutepios eacuteticos fundamentais

A primeira vez e num tempo remoto tal como jaacute se indicou que se procedeu agrave experimenta-

ccedilatildeo animal o princiacutepio hegemoacutenico determinante da acccedilatildeo era o do progresso da ciecircncia o do de-

senvolvimento do conhecimento Este princiacutepio fundamental foi-se estruturando ao longo da histoacuteria

como sendo o da liberdade de investigaccedilatildeo ou seja a exigecircncia de toda a reflexatildeo e praacutetica visando

a aquisiccedilatildeo de novos conhecimentos prosseguir sem obstaacuteculos e seguindo uma orientaccedilatildeo autoacuteno-

ma o que entretanto requer tambeacutem a disponibilizaccedilatildeo de meios como condiccedilatildeo necessaacuteria e indis-

pensaacutevel para a sua prossecuccedilatildeo

A ciecircncia eacute percepcionada como um valor natildeo apenas instrumental pelo seu contributo para

o desenvolvimento social e a minoraccedilatildeo de dificuldades eou sofrimento pessoal mas tambeacutem como

constitutiva da identidade humana consubstancializando a especificidade do homem na sua busca

insana por saber sempre mais Por isso a ciecircncia se foi tornando num fim em si mesmo Somente

apoacutes a segunda guerra mundial com a divulgaccedilatildeo das atrocidades cometidas no domiacutenio da experi-

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

13

primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

Conselho da Europa ndash httpeceuropaeuenvironmentchemicalslab_animalshome_enhtm

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Clark Stephen R L The Moral Status of Animals Oxford University Press 1977

De Sousa M A personal account of the development of modern biological research in Portugal Int J Dev Biol 53 1253-1259 (2009)

Dolan K The severity of procedures and humane endpoints - document for CUHK Researchers ldquoLaboratory Animal Lawrdquo Blackwell Science Ltd Oxford (2000)

Florey HW Penicillin A Survey Br Med J2(4361)169-71(1944)

Liebsch M Grune B Seiler A Butzke D Oelgeschlaumlger M Pirow R Adler S Riebeling C Luch A Al-ternatives to animal testing current status and future perspectives Arch Toxicol 201185841-58 (2011)

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NabJ M Baals JBF van der Valk CFM Hendriksen ldquoReduction and replacement concepts in animal experimentationrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of La-boratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

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Russell WMS Burch RL The principles of humane experimental technique Methuen amp Co Ltd London (1959)

Singer Peter Animal Liberation HarperCollins 1975

Singer Peter Ethics Into Action Henry Spira and the Animal Rights Movement (1998)

van Zutphen LFM ldquoIntroductionrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Watson JD Crick FH Molecular structure of nucleic acids a structure for deoxyribose nucleic acid Nature Apr 25171 (4356)737-8 (1953)

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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mentaccedilatildeo humana ao abrigo do valor da ciecircncia eacute que esta foi reconduzida agrave humildade de se man-

ter subordinada agraves finalidades do homem - o uacutenico fim em si mesmo - e ao abandono da auto-

regulaccedilatildeo em prol da sua democratizaccedilatildeo ndash a sociedade pronuncia-se sobre os fins e os processos de

trabalho da ciecircncia - e assim se reconfirmar como colocando-se ao serviccedilo do bem-comum e da hu-

manidade Muito embora seja tambeacutem a segunda guerra mundial que leva agrave descoberta em animais

de laboratoacuterio (ratinhos) do valor da utilizaccedilatildeo de antibioacuteticos (ver artigos de revisatildeo por Chain et al

2005 Florey 1944) e a que se pode atribuir o iniacutecio da investigaccedilatildeo baacutesica em transplantaccedilatildeo (ver

Medawar 1946) inspirados pelas mortes de combatentes por infecccedilotildees e queimaduras respectiva-

mente

Eacute evidente que neste contexto o animal-objecto foi sempre perspectivado como exclusiva-

mente instrumental pelo que a sua utilizaccedilatildeo sem qualquer tipo de restriccedilotildees era considerada etica-

mente legiacutetima em funccedilatildeo do fim que servia Paralelamente e sabendo-se que o progresso biomeacutedi-

co estaacute fortemente alicerccedilado na experimentaccedilatildeo animal qualquer restriccedilatildeo neste domiacutenio comeccedilou

por ser interpretada como um obstaacuteculo ou limite agrave ciecircncia e como tal reprovaacutevel e inadmissiacutevel

A alteraccedilatildeo do paradigma do animal-objecto para o animal-ser senciente determinou a inter-

venccedilatildeo de um novo princiacutepio eacutetico na consideraccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal Referimo-nos ao

princiacutepio utilitarista da maximizaccedilatildeo da felicidade ou bem-estar e minimizaccedilatildeo da dor e sofrimento

Este princiacutepio formulado inicialmente apenas para as inter-relaccedilotildees humanas depressa se tornou

co-extensivo aos animais a partir do momento em que estes foram reconhecidos como seres sensiacute-

veis susceptiacuteveis de sofrerem dor O valor da vida deixa de ser exclusivamente apreciado em funccedilatildeo

da espeacutecie em causa mas tambeacutem do niacutevel de senciecircncia e da complexidade da vida mental do ser

em questatildeo Neste novo contexto toda a experimentaccedilatildeo que provoque sofrimento num ser senci-

ente deveraacute ser proibida

Desde entatildeo a legitimidade eacutetica da experimentaccedilatildeo animal passou a ser apreciada a partir

de dois princiacutepios que neste domiacutenio se apresentavam como opostos o da liberdade de investiga-

ccedilatildeo que pretende manter a total isenccedilatildeo de entraves agrave experimentaccedilatildeo animal e o da maximizaccedilatildeo

do bem-estar do ser senciente que tende agrave proibiccedilatildeo absoluta da utilizaccedilatildeo de animais na investiga-

ccedilatildeo

Num primeiro confronto entre ambos os princiacutepios a tradicional hegemonia da liberdade de

investigaccedilatildeo foi prevalecendo mas depois comeccedilou tambeacutem a sofrer a erosatildeo do vigor crescente do

princiacutepio da protecccedilatildeo animal Mais recentemente no fim do seacuteculo XX e para aleacutem da defesa da

ldquoliberdade animalrdquo por Singer (1975) e dos ldquodireitos dos animaisrdquo por Regan (1983) a Declaraccedilatildeo de

Barcelona um enunciado dos princiacutepios eacuteticos fundamentais em bioeacutetica e biodireito de 1998

enunciou novos princiacutepios que reforccedilam a obrigatoriedade de protecccedilatildeo animal a saber o da vulne-

rabilidade e o da integridade apresentados como co-extensivos aos animais e mesmo agrave natureza O

princiacutepio da vulnerabilidade enuncia a obrigatoriedade de cuidar de todas as formas de vida que

enquanto tal satildeo fraacutegeis e finitas ou seja pereciacuteveis o princiacutepio da integridade enuncia a obrigatori-

edade de respeito natildeo soacute pelo caraacutecter essencial da vida e suas condiccedilotildees baacutesicas mas tambeacutem pela

coerecircncia pela histoacuteria dessa vida o que pode igualmente contemplar a vida animal

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

11

Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

15

1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

16

Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

17

Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

Conselho da Europa ndash httpeceuropaeuenvironmentchemicalslab_animalshome_enhtm

Chain E Florey HW Gardner AD Heatley NG Jennings MA Orr-Ewing J Sanders AG THE CLASSIC penicillin as a chemotherapeutic agent 1940 Clin Orthop Relat Res43923-6 (2005)

Clark Stephen R L The Moral Status of Animals Oxford University Press 1977

De Sousa M A personal account of the development of modern biological research in Portugal Int J Dev Biol 53 1253-1259 (2009)

Dolan K The severity of procedures and humane endpoints - document for CUHK Researchers ldquoLaboratory Animal Lawrdquo Blackwell Science Ltd Oxford (2000)

Florey HW Penicillin A Survey Br Med J2(4361)169-71(1944)

Liebsch M Grune B Seiler A Butzke D Oelgeschlaumlger M Pirow R Adler S Riebeling C Luch A Al-ternatives to animal testing current status and future perspectives Arch Toxicol 201185841-58 (2011)

Medawar PB Immunity to homologous grafted skin the suppression of cell division in grafts transplanted to immunized animals Br J Exp Pathol 279-14 (1946)

Midgley Mary Animals and Why They Matter University of Georgia Press 1983

Morton DB Humane Endpoints in animal experimentation for biomedical research ethical legal and practical aspects Humane Endpoints in Animal Experiments for Biomedical Research Pro-ceedings of the International Conference 23-25 Nov 1998 Zeist The Netherlands

NabJ M Baals JBF van der Valk CFM Hendriksen ldquoReduction and replacement concepts in animal experimentationrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of La-boratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Nuffield Council on Bioethics Animal use in toxicity studies The ethics of research involving ani-mals London Nuffield Council on Bioethics 2005 155-167

Regan Tom The Case for Animal Rights University of California Press 1983

Russell WMS Burch RL The principles of humane experimental technique Methuen amp Co Ltd London (1959)

Singer Peter Animal Liberation HarperCollins 1975

Singer Peter Ethics Into Action Henry Spira and the Animal Rights Movement (1998)

van Zutphen LFM ldquoIntroductionrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Watson JD Crick FH Molecular structure of nucleic acids a structure for deoxyribose nucleic acid Nature Apr 25171 (4356)737-8 (1953)

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

11

Atraveacutes da recontextualizaccedilatildeo da ciecircncia no acircmbito das sociedades democraacuteticas e em virtu-

de da intensificaccedilatildeo do dever de cuidar e proteger os animais que do homem dependem a originaacuteria

oposiccedilatildeo entre os dois princiacutepios tende a evoluir para formas de compromisso isto eacute para a formu-

laccedilatildeo de medidas em relaccedilatildeo aos animais de laboratoacuterio que procurem natildeo prejudicar o desenvol-

vimento da ciecircncia nem negligenciar os interesses da vida animal

A primeira tentativa cujo enorme sucesso perdura data de 1959 ano em que o zoologista

William Russell e o microbioacutelogo Rex Burch (Russell and Burch1959) apoacutes a realizaccedilatildeo de um estudo

sistematizado sobre as teacutecnicas de laboratoacuterio humanas versus inumanas apresentaram um progra-

ma para implementar procedimentos ditos humanos ou praacuteticas que classificaram como eacuteticas A sua

obra The Principles of Humane Experimental Technique enuncia entatildeo princiacutepios especiacuteficos de uma

eacutetica animal os quais vecircm a ficar conhecidos como a doutrina dos 3Rs Replace (substituiccedilatildeo) Redu-

ce (reduccedilatildeo) Refine (refinamento)

A doutrina dos 3Rs estabelece um conjunto hierarquizado de trecircs princiacutepios eacuteticos fundamentais

para regulamentar a utilizaccedilatildeo de animais (em laboratoacuterio) na investigaccedilatildeo cientiacutefica

- a substituiccedilatildeo (replacement) enuncia o dever de optar por meacutetodos alternativos ao do recurso

a animais por modelos natildeo vivos sempre que se mantenha possiacutevel alcanccedilar os mesmos objectivos

cientiacuteficos

- a reduccedilatildeo (reduction) enuncia o dever de na ausecircncia de um meacutetodo alternativo vaacutelido dimi-

nuir maximamente o nuacutemero de animais participantes na experiecircncia respeitando os respectivos

requisitos estatiacutesticos para assegurar a pertinecircncia do estudo

- o refinamento (refinement) enuncia o dever de durante o processo de experimentaccedilatildeo se

adoptar procedimentos que eliminem ou minimizem a dor infligida ao animal (bem como o sofrimen-

to e o desconforto) atraveacutes do recurso a analgeacutesicos ou estabelecendo niacuteveis maacuteximos de dor a im-

por a partir dos quais a experiecircncia deveraacute ser terminada

Esta ceacutelebre doutrina dos 3Rs com mais de meio seacuteculo sob a sua proposta soacute tardiamente

ganhou uma ampla divulgaccedilatildeo (ver revisatildeo da situaccedilatildeo actual por Liebsh et al 2011) e manteacutem-se

ainda hoje como um desiderato expliacutecito ou impliacutecito em quase todos os documentos eacutetico-juriacutedicos

sobre a experimentaccedilatildeo animal do que decorre a sua plena actualidade Entretanto no plano juriacutedi-

co tem-se verificado uma tendecircncia para se favorecer a ldquoreduccedilatildeordquo e o ldquorefinamentordquo em detrimento

da ldquosubstituiccedilatildeordquo a qual eacute natildeo obstante de cumprimento prioritaacuterio Eacute possiacutevel que a apreciaccedilatildeo e

alteraccedilatildeo de procedimentos seja mais acessiacutevel aos legisladores do que a consideraccedilatildeo de novos

meacutetodos alternativos agraves praacuteticas vigentes de competecircncia mais estritamente cientiacutefica Em todo o

caso eacute na ldquosubstituiccedilatildeordquo que importa primeiramente promover

Os 3Rs aleacutem de actuais satildeo tambeacutem um nuacutecleo de princiacutepios amplamente consensuais o

que se ficaraacute a dever ao facto de exprimirem jaacute uma conciliaccedilatildeo possiacutevel e sensata entre os dois valo-

res fundamentais em confronto no contexto da experimentaccedilatildeo animal o da ciecircncia um valor ances-

tral que deveraacute continuar a ser promovido no seu desenvolvimento e o do bem-estar animal um

novo valor que deveraacute encontrar os melhores meios para ser assegurado Satildeo de facto estes dois

valores que entram frequentemente em conflito que a actual regulamentaccedilatildeo eacutetico-juriacutedica da ex-

perimentaccedilatildeo animal pretende conciliar num ponto de equiliacutebrio dinacircmico

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

12

23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

13

primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

14

9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

15

1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

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Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

Conselho da Europa ndash httpeceuropaeuenvironmentchemicalslab_animalshome_enhtm

Chain E Florey HW Gardner AD Heatley NG Jennings MA Orr-Ewing J Sanders AG THE CLASSIC penicillin as a chemotherapeutic agent 1940 Clin Orthop Relat Res43923-6 (2005)

Clark Stephen R L The Moral Status of Animals Oxford University Press 1977

De Sousa M A personal account of the development of modern biological research in Portugal Int J Dev Biol 53 1253-1259 (2009)

Dolan K The severity of procedures and humane endpoints - document for CUHK Researchers ldquoLaboratory Animal Lawrdquo Blackwell Science Ltd Oxford (2000)

Florey HW Penicillin A Survey Br Med J2(4361)169-71(1944)

Liebsch M Grune B Seiler A Butzke D Oelgeschlaumlger M Pirow R Adler S Riebeling C Luch A Al-ternatives to animal testing current status and future perspectives Arch Toxicol 201185841-58 (2011)

Medawar PB Immunity to homologous grafted skin the suppression of cell division in grafts transplanted to immunized animals Br J Exp Pathol 279-14 (1946)

Midgley Mary Animals and Why They Matter University of Georgia Press 1983

Morton DB Humane Endpoints in animal experimentation for biomedical research ethical legal and practical aspects Humane Endpoints in Animal Experiments for Biomedical Research Pro-ceedings of the International Conference 23-25 Nov 1998 Zeist The Netherlands

NabJ M Baals JBF van der Valk CFM Hendriksen ldquoReduction and replacement concepts in animal experimentationrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of La-boratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Nuffield Council on Bioethics Animal use in toxicity studies The ethics of research involving ani-mals London Nuffield Council on Bioethics 2005 155-167

Regan Tom The Case for Animal Rights University of California Press 1983

Russell WMS Burch RL The principles of humane experimental technique Methuen amp Co Ltd London (1959)

Singer Peter Animal Liberation HarperCollins 1975

Singer Peter Ethics Into Action Henry Spira and the Animal Rights Movement (1998)

van Zutphen LFM ldquoIntroductionrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Watson JD Crick FH Molecular structure of nucleic acids a structure for deoxyribose nucleic acid Nature Apr 25171 (4356)737-8 (1953)

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

12

23 normativas eacutetico-juriacutedicas vigentes

A regulaccedilatildeo da experimentaccedilatildeo animal fundamentando-se no pensamento dos filoacutesofos uti-

litaristas e traduzindo as preocupaccedilotildees eacuteticas em requisitos juriacutedicos iniciou-se com a criaccedilatildeo das

primeiras instituiccedilotildees de protecccedilatildeo dos animais no contexto da investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo que a

primeira lei para a sua protecccedilatildeo tal como jaacute apontaacutemos foi a do Cruelty to Animals Act em 1876

Desde entatildeo algumas outras instituiccedilotildees se empenharam em prosseguir e desenvolver nor-

mativas de protecccedilatildeo dos animais utilizados em investigaccedilatildeo cientiacutefica com maior preponderacircncia

nas uacuteltimas deacutecadas Neste contexto importa destacar a European Science FoundationESF (que

reuacutene 67 organizaccedilotildees vocacionadas para o financiamento cientiacutefico em 23 paiacuteses) e que apresen-

tou em 2002 um conjunto de normas a ter em conta no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

(httpwwwesforgftppdfSciencePolicyESPBpdf) Destacamos igualmente a European Part-

nership for Alternatives to Animal TestingEPAA que envolve a Comissatildeo Europeia associaccedilotildees de

comeacutercio e companhias de sete diferentes sectores da induacutestria reunidas para contribuir para uma

efectiva implementaccedilatildeo dos 3Rs procurando acelerar o desenvolvimento a validaccedilatildeo e a aceitaccedilatildeo

de meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal Merecem ainda referecircncia a European Consensus

Platform for Alternative ApproachesECOPA o International Council on Animal Protection in OECD

ProgrammesICAPO e ainda a World Animal Health OrganisationOIE como instituiccedilotildees que tecircm

diferentemente contribuiacutedo para promover meacutetodos alternativos agrave experimentaccedilatildeo animal

Entretanto algumas instituiccedilotildees internacionais de grande idoneidade e prestiacutegio tecircm-se for-

malmente pronunciado sobre a experimentaccedilatildeo animal elaborando normativas (guidelines) deter-

minantes dos novos procedimentos recomendados eou requeridos o Council of Europe Convention

for the Protection of Vertebrate Animals used for experimental and other scientific purposes (1985)

texto natildeo juridicamente vinculativo elaborado por 26 Estados-membros apoacutes anos de discussatildeo e o

EC Council Directive on the Protection of the Vertebrate Animals used for experimental and other

scientific purposes (1986) adoptado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Europeia a partir do

texto da Convenccedilatildeo tornado mais conciso e rigoroso Esta Directiva 86609CEE do Conselho de 24

de Novembro de 1986 relativa agrave aproximaccedilatildeo das disposiccedilotildees legislativas regulamentares e admi-

nistrativas dos Estados-Membros respeitantes agrave protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins experi-

mentais e outros fins cientiacuteficos estabelece os mesmos niacuteveis de protecccedilatildeo de animais de experi-

mentaccedilatildeo em todos os Estados Membros

O objectivo desta Directiva era pois em grande parte o de uniformizar as praacuteticas adminis-

trativas e legais da utilizaccedilatildeo de animais na investigaccedilatildeo cientiacutefica na Uniatildeo Europeia tendo em aten-

ccedilatildeo que tem sido a Europa que mais precocemente produziu mais numerosa e a mais ousada legisla-

ccedilatildeo em mateacuteria de protecccedilatildeo dos animais em geral (animais selvagens animais em jardins zooloacutegi-

cos animais de quinta) e muito especificamente os utilizados na experimentaccedilatildeo animal

Em 2008 a Comissatildeo Europeia adoptou uma proposta para rever a Directiva 86609CEE

com o objectivo geral de natildeo soacute de reforccedilar os niacuteveis de protecccedilatildeo dos animais de experimentaccedilatildeo

promovendo o bem-estar animal mas tambeacutem de reduzir o seu nuacutemero (a doutrina dos 3Rs eacute pela

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

13

primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

14

9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

15

1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

16

Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

Conselho da Europa ndash httpeceuropaeuenvironmentchemicalslab_animalshome_enhtm

Chain E Florey HW Gardner AD Heatley NG Jennings MA Orr-Ewing J Sanders AG THE CLASSIC penicillin as a chemotherapeutic agent 1940 Clin Orthop Relat Res43923-6 (2005)

Clark Stephen R L The Moral Status of Animals Oxford University Press 1977

De Sousa M A personal account of the development of modern biological research in Portugal Int J Dev Biol 53 1253-1259 (2009)

Dolan K The severity of procedures and humane endpoints - document for CUHK Researchers ldquoLaboratory Animal Lawrdquo Blackwell Science Ltd Oxford (2000)

Florey HW Penicillin A Survey Br Med J2(4361)169-71(1944)

Liebsch M Grune B Seiler A Butzke D Oelgeschlaumlger M Pirow R Adler S Riebeling C Luch A Al-ternatives to animal testing current status and future perspectives Arch Toxicol 201185841-58 (2011)

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NabJ M Baals JBF van der Valk CFM Hendriksen ldquoReduction and replacement concepts in animal experimentationrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of La-boratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

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Regan Tom The Case for Animal Rights University of California Press 1983

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Singer Peter Animal Liberation HarperCollins 1975

Singer Peter Ethics Into Action Henry Spira and the Animal Rights Movement (1998)

van Zutphen LFM ldquoIntroductionrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Watson JD Crick FH Molecular structure of nucleic acids a structure for deoxyribose nucleic acid Nature Apr 25171 (4356)737-8 (1953)

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13

primeira vez explicitamente apontada como desiderato) aleacutem de mais uma vez suprimir as novas

disparidades entretanto surgidas entre os Estados-membros por via de um mais elevado niacutevel de

pormenor dos seus enunciados A agora revista e mais recente Directiva sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos ndash 201063UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Se-

tembro - contempla apenas animais vertebrados e alguns outros capazes de sentirem dor animais

criados para investigaccedilatildeo fetos de mamiacuteferos no uacuteltimo trimestre de desenvolvimento e animais

usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e treino Estabelece tambeacutem uma total proibiccedilatildeo para a

utilizaccedilatildeo de primatas superiores como chimpanzeacutes gorilas e orangotangos excepto quando se jus-

tifique pelo risco de extinccedilatildeo da espeacutecie Ficam excluiacutedos estudos comportamentais ou animais utili-

zados em experiecircncias militares entre outros Esta Directiva natildeo deixou de enfrentar questotildees como

uma justa competiccedilatildeo entre induacutestrias e o desenvolvimento da investigaccedilatildeo cientiacutefica na Europa

estiveram tambeacutem sempre presentes

Esta nova Directiva 201063UE traz alteraccedilotildees significativas que aqui sistematizamos seguindo

o MEMO10398 Bruxelas 9 de Setembro 2010

1 obrigatoriedade de avaliaccedilatildeo eacutetica bem como de uma autorizaccedilatildeo preacutevia para toda a experi-

mentaccedilatildeo que recorra agrave utilizaccedilatildeo de animais

2 alargamento do acircmbito da Directiva passando a proteger tambeacutem algumas espeacutecies de inver-

tebrados fetos no uacuteltimo trimestre de gestaccedilatildeo e animais usados em investigaccedilatildeo baacutesica educaccedilatildeo e

treino

3 estabelecimento de um miacutenimo de requisitos no que se refere ao abrigo e ao cuidado dos

animais utilizados para fins cientiacuteficos

4 exigecircncia da utilizaccedilatildeo de primatas natildeo humanos se restringir ao de segunda ou mais gera-

ccedilotildees no sentido de evitar a utilizaccedilatildeo de animais selvagens

5 intensificaccedilatildeo da recomendaccedilatildeo de ldquosubstituiccedilatildeordquo (replacement) de animais por meacutetodos

alternativos (natildeo-animais) agrave sua utilizaccedilatildeo na investigaccedilatildeo cientiacutefica

6 reforccedilo dos requisitos de bem-estar para os animais que satildeo recrutados para a experimenta-

ccedilatildeo cientiacutefica nomeadamente ao niacutevel das acomodaccedilotildees dos cuidados prestados da reduccedilatildeo da

dor do sofrimento do desconforto ou do prejuiacutezo duradouro (assunccedilatildeo clara dos princiacutepios dos 3Rs)

7 instituiccedilatildeo de um organismo dedicado ao ldquobem-estar animalrdquo em cada estabelecimento que

proceda agrave experimentaccedilatildeo animal que assegure a aplicaccedilatildeo dos requisitos agrupados sob a designa-

ccedilatildeo de 3Rs os quais devem ir sendo actualizados

8 obrigatoriedade de elaboraccedilatildeo e publicaccedilatildeo de resumos natildeo teacutecnicos pelos Estados-

membros para cada projecto no sentido de implementar a transparecircncia bem como avaliaccedilatildeo re-

trospectiva de projectos que suscitavam elevado niacutevel de preocupaccedilatildeo

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9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

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1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

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Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

17

Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

Conselho da Europa ndash httpeceuropaeuenvironmentchemicalslab_animalshome_enhtm

Chain E Florey HW Gardner AD Heatley NG Jennings MA Orr-Ewing J Sanders AG THE CLASSIC penicillin as a chemotherapeutic agent 1940 Clin Orthop Relat Res43923-6 (2005)

Clark Stephen R L The Moral Status of Animals Oxford University Press 1977

De Sousa M A personal account of the development of modern biological research in Portugal Int J Dev Biol 53 1253-1259 (2009)

Dolan K The severity of procedures and humane endpoints - document for CUHK Researchers ldquoLaboratory Animal Lawrdquo Blackwell Science Ltd Oxford (2000)

Florey HW Penicillin A Survey Br Med J2(4361)169-71(1944)

Liebsch M Grune B Seiler A Butzke D Oelgeschlaumlger M Pirow R Adler S Riebeling C Luch A Al-ternatives to animal testing current status and future perspectives Arch Toxicol 201185841-58 (2011)

Medawar PB Immunity to homologous grafted skin the suppression of cell division in grafts transplanted to immunized animals Br J Exp Pathol 279-14 (1946)

Midgley Mary Animals and Why They Matter University of Georgia Press 1983

Morton DB Humane Endpoints in animal experimentation for biomedical research ethical legal and practical aspects Humane Endpoints in Animal Experiments for Biomedical Research Pro-ceedings of the International Conference 23-25 Nov 1998 Zeist The Netherlands

NabJ M Baals JBF van der Valk CFM Hendriksen ldquoReduction and replacement concepts in animal experimentationrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of La-boratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Nuffield Council on Bioethics Animal use in toxicity studies The ethics of research involving ani-mals London Nuffield Council on Bioethics 2005 155-167

Regan Tom The Case for Animal Rights University of California Press 1983

Russell WMS Burch RL The principles of humane experimental technique Methuen amp Co Ltd London (1959)

Singer Peter Animal Liberation HarperCollins 1975

Singer Peter Ethics Into Action Henry Spira and the Animal Rights Movement (1998)

van Zutphen LFM ldquoIntroductionrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Watson JD Crick FH Molecular structure of nucleic acids a structure for deoxyribose nucleic acid Nature Apr 25171 (4356)737-8 (1953)

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

14

9 vigilacircncia da correcta aplicaccedilatildeo e implementaccedilatildeo da Directiva por exemplo atraveacutes da reali-

zaccedilatildeo de controles sistemaacuteticos e de inspecccedilotildees surpresa

A Directiva 201063EU avanccedila ainda

- para um phasing out no que se refere agrave utilizaccedilatildeo de primatas

- para uma maior publicitaccedilatildeo de dados natildeo confidenciais da investigaccedilatildeo biomeacutedica com o

intuito de reduzir maximamente a duplicaccedilatildeo de experiecircncias e assim tambeacutem o nuacutemero de animais

a serem utilizados

Para aleacutem da forte tensatildeo entre cientistas e defensores dos animais que foi sempre acom-

panhando o processo de elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo da Directiva 201063EU valeraacute a pena mencionar

ainda uma forte poleacutemica que foi ganhando expressatildeo agrave medida que se aproximava a data para a

votaccedilatildeo da Directiva pelo Parlamento Europeu Com efeito o crescente niacutevel de protecccedilatildeo da vida

animal que esta Directiva protagoniza tem sido frequentemente contraposto ao decrescente niacutevel

de protecccedilatildeo da vida humana na sua fase de gestaccedilatildeo A presente Directiva exacerbou este parale-

lismo ao optar por proteger a vida animal no terceiro trimestre de gestaccedilatildeo quando se sabe que no

plano humano a tendecircncia tem sido a de uma maior liberalizaccedilatildeo do abortamento ou seja menor

protecccedilatildeo da vida embrionaacuteria Ainda neste contexto e desta feita decorrente da insistecircncia sobre a

obrigatoriedade de substituir o recurso aos animais por meacutetodos alternativos difundiu-se a interpre-

taccedilatildeo de que a Directiva orientava para o recurso preferencial para as ceacutelulas estaminais germinais

humanas ndash temaacutetica bastante controversa que suscita problemas eacuteticos especiacuteficos De facto a Di-

rectiva natildeo se pronuncia sobre qualquer tipo de experimentaccedilatildeo a niacutevel humano pelo que esta in-

terpretaccedilatildeo sob uma perspectiva teoacuterica estaacute deslocada podendo ser considerada excessiva Sob

uma perspectiva praacutetica eacute razoaacutevel pensar que as restriccedilotildees impostas agrave utilizaccedilatildeo de animais em

experimentaccedilatildeo constitua mais uma via que conduz ao aumento quase exponencial de experimen-

taccedilatildeo cientiacutefica com ceacutelulas estaminais

3 Parecer

A partir dos dados apresentados e da reflexatildeo realizada consideramos que importa

1 proceder agrave ceacutelere transposiccedilatildeo da Directiva 201063EU do Parlamento Europeu e do Conse-

lho de 22 de Setembro de 2010 para o quadro juriacutedico portuguecircs legislando simultaneamente so-

bre os diversos aspectos indicados nos ldquoconsiderandosrdquo como sendo da competecircncia estrita do Esta-

do-membro nomeadamente

1a ndash realizaccedilatildeo de inspecccedilotildees perioacutedicas aos criadores fornecedores e utilizadores de animais

com base numa avaliaccedilatildeo de risco

1b ndash supressatildeo das deficiecircncias verificadas na aplicaccedilatildeo da presente Directiva pelos eventuais

controlos feitos pela Comissatildeo

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

15

1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

16

Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

17

Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

Conselho da Europa ndash httpeceuropaeuenvironmentchemicalslab_animalshome_enhtm

Chain E Florey HW Gardner AD Heatley NG Jennings MA Orr-Ewing J Sanders AG THE CLASSIC penicillin as a chemotherapeutic agent 1940 Clin Orthop Relat Res43923-6 (2005)

Clark Stephen R L The Moral Status of Animals Oxford University Press 1977

De Sousa M A personal account of the development of modern biological research in Portugal Int J Dev Biol 53 1253-1259 (2009)

Dolan K The severity of procedures and humane endpoints - document for CUHK Researchers ldquoLaboratory Animal Lawrdquo Blackwell Science Ltd Oxford (2000)

Florey HW Penicillin A Survey Br Med J2(4361)169-71(1944)

Liebsch M Grune B Seiler A Butzke D Oelgeschlaumlger M Pirow R Adler S Riebeling C Luch A Al-ternatives to animal testing current status and future perspectives Arch Toxicol 201185841-58 (2011)

Medawar PB Immunity to homologous grafted skin the suppression of cell division in grafts transplanted to immunized animals Br J Exp Pathol 279-14 (1946)

Midgley Mary Animals and Why They Matter University of Georgia Press 1983

Morton DB Humane Endpoints in animal experimentation for biomedical research ethical legal and practical aspects Humane Endpoints in Animal Experiments for Biomedical Research Pro-ceedings of the International Conference 23-25 Nov 1998 Zeist The Netherlands

NabJ M Baals JBF van der Valk CFM Hendriksen ldquoReduction and replacement concepts in animal experimentationrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of La-boratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Nuffield Council on Bioethics Animal use in toxicity studies The ethics of research involving ani-mals London Nuffield Council on Bioethics 2005 155-167

Regan Tom The Case for Animal Rights University of California Press 1983

Russell WMS Burch RL The principles of humane experimental technique Methuen amp Co Ltd London (1959)

Singer Peter Animal Liberation HarperCollins 1975

Singer Peter Ethics Into Action Henry Spira and the Animal Rights Movement (1998)

van Zutphen LFM ldquoIntroductionrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Watson JD Crick FH Molecular structure of nucleic acids a structure for deoxyribose nucleic acid Nature Apr 25171 (4356)737-8 (1953)

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

15

1c ndash publicaccedilatildeo de informaccedilotildees objectivas referentes aos projectos que utilizam animais vivos

sem violar os direitos de propriedade nem divulgar informaccedilotildees confidenciais

1d - reconhecimento da validade dos dados dos ensaios que utilizem meacutetodos de testagem es-

tabelecidos ao abrigo da legislaccedilatildeo da UE

1e - introduccedilatildeo de um procedimento administrativo simplificado para a avaliaccedilatildeo de projectos

que inclua procedimentos rotineiros

1f - contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento e validaccedilatildeo de abordagens alternativas agrave experimen-

taccedilatildeo animal

1g - instituiccedilatildeo de comiteacutes nacionais para a protecccedilatildeo dos animais utilizados para fins cientiacutefi-

cos

1h - estabelecimento de um regime de sanccedilotildees efectivas proporcionadas e dissuasivas aplicaacute-

veis em caso de violaccedilatildeo das disposiccedilotildees presentes na Directiva

2 criar as condiccedilotildees necessaacuterias para assegurar o total cumprimento do estabelecido pela Direc-

tiva nomeadamente

2a ndash assegurar as qualificaccedilotildees a formaccedilatildeo e a competecircncia adequada a todos quanto traba-

lham no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2b ndash garantir a supervisatildeo deste pessoal

2c ndash contribuir para a elaboraccedilatildeo de orientaccedilotildees comuns na UE para os requisitos educativos de

quem trabalha no acircmbito da experimentaccedilatildeo animal

2d - confirmar que um membro do pessoal seja encarregue da prestaccedilatildeo de cuidados e do bem-

estar dos animais em cada estabelecimento

2e - instituir um oacutergatildeo responsaacutevel dentro de cada instituiccedilatildeo pelo bem-estar animal em cada

estabelecimento em que se proceda agrave experimentaccedilatildeo animal

2f - sancionar as instituiccedilotildees que natildeo cumprirem o artigo 25

2g - aplicar as medidas 1h e 2f em estreita colaboraccedilatildeo com as agecircncias financiadoras de pro-

jectos de investigaccedilatildeo de acordo com o artigo 3

3 garantir que o financiamento puacuteblico de projectos cientiacuteficos que envolvam experimentaccedilatildeo

animal soacute possa ser concedido uma vez certificadas as boas praacuteticas em eacutetica animal pelos organis-

mos competentes para o efeito

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

16

Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

Conselho da Europa ndash httpeceuropaeuenvironmentchemicalslab_animalshome_enhtm

Chain E Florey HW Gardner AD Heatley NG Jennings MA Orr-Ewing J Sanders AG THE CLASSIC penicillin as a chemotherapeutic agent 1940 Clin Orthop Relat Res43923-6 (2005)

Clark Stephen R L The Moral Status of Animals Oxford University Press 1977

De Sousa M A personal account of the development of modern biological research in Portugal Int J Dev Biol 53 1253-1259 (2009)

Dolan K The severity of procedures and humane endpoints - document for CUHK Researchers ldquoLaboratory Animal Lawrdquo Blackwell Science Ltd Oxford (2000)

Florey HW Penicillin A Survey Br Med J2(4361)169-71(1944)

Liebsch M Grune B Seiler A Butzke D Oelgeschlaumlger M Pirow R Adler S Riebeling C Luch A Al-ternatives to animal testing current status and future perspectives Arch Toxicol 201185841-58 (2011)

Medawar PB Immunity to homologous grafted skin the suppression of cell division in grafts transplanted to immunized animals Br J Exp Pathol 279-14 (1946)

Midgley Mary Animals and Why They Matter University of Georgia Press 1983

Morton DB Humane Endpoints in animal experimentation for biomedical research ethical legal and practical aspects Humane Endpoints in Animal Experiments for Biomedical Research Pro-ceedings of the International Conference 23-25 Nov 1998 Zeist The Netherlands

NabJ M Baals JBF van der Valk CFM Hendriksen ldquoReduction and replacement concepts in animal experimentationrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of La-boratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Nuffield Council on Bioethics Animal use in toxicity studies The ethics of research involving ani-mals London Nuffield Council on Bioethics 2005 155-167

Regan Tom The Case for Animal Rights University of California Press 1983

Russell WMS Burch RL The principles of humane experimental technique Methuen amp Co Ltd London (1959)

Singer Peter Animal Liberation HarperCollins 1975

Singer Peter Ethics Into Action Henry Spira and the Animal Rights Movement (1998)

van Zutphen LFM ldquoIntroductionrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Watson JD Crick FH Molecular structure of nucleic acids a structure for deoxyribose nucleic acid Nature Apr 25171 (4356)737-8 (1953)

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

16

Paralelamente importa ainda

4 a niacutevel cientiacutefico sensibilizar os investigadores para a procura de metodologias de traba-

lho que respeitem os 3Rs ndash Replace Reduce Refine - e se preacute-definam os respectivos ldquoHumane En-

dpointsrdquo

5 a niacutevel eacutetico formar os investigadores nos fundamentos de um novo padratildeo de relacio-

namento com os animais (que natildeo atribua exclusivamente um valor instrumental agrave vida animal e

tome em consideraccedilatildeo a sua sensibilidade agrave dor e capacidade de sofrimento)

6 a niacutevel juriacutedico informar os investigadores acerca do estabelecido na Directiva

201063EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Setembro sobre a protecccedilatildeo dos ani-

mais usados para fins cientiacuteficos

Foram realizadas audiccedilotildees com as seguintes entidades e especialistas

- Professor Luiacutes Graccedila e Professora Marta Monteiro ndash investigadores na Unidade de Imunolo-gia Celular no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa

- Professora Isabel Carvalho ndash Directora do Bioteacuterio do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Professora Anna Olsson ndash investigadora Principal no Laboratoacuterio de Investigaccedilatildeo Animal do IBMC ndash Instituto de Biologia Molecular e Celular

- Dra Constanccedila Carvalho Dra Luiacutesa Bastos e Dra Alexandra Pereira ndash representantes da Plataforma de Objecccedilatildeo ao Bioteacuterio

Lisboa 16 de Dezembro de 2011

O Presidente

Miguel Oliveira da Silva

Aprovado em reuniatildeo plenaacuteria no dia 16 de Dezembro de 2011 em que estiveram presentes para aleacutem

do Presidente os seguintes Conselheiros

Maria do Ceacuteu Patratildeo Neves (relatora) Maria de Sousa (relatora) Agostinho Almeida Santos Carolino

Monteiro Francisco Carvalho Guerra Isabel Santos Jorge Novais Jorge Sequeiros Joseacute Germano de

Sousa Joseacute Lebre de Fritas Liacutegia Amacircncio Michel Renaud Pedro Nunes

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

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Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

Conselho da Europa ndash httpeceuropaeuenvironmentchemicalslab_animalshome_enhtm

Chain E Florey HW Gardner AD Heatley NG Jennings MA Orr-Ewing J Sanders AG THE CLASSIC penicillin as a chemotherapeutic agent 1940 Clin Orthop Relat Res43923-6 (2005)

Clark Stephen R L The Moral Status of Animals Oxford University Press 1977

De Sousa M A personal account of the development of modern biological research in Portugal Int J Dev Biol 53 1253-1259 (2009)

Dolan K The severity of procedures and humane endpoints - document for CUHK Researchers ldquoLaboratory Animal Lawrdquo Blackwell Science Ltd Oxford (2000)

Florey HW Penicillin A Survey Br Med J2(4361)169-71(1944)

Liebsch M Grune B Seiler A Butzke D Oelgeschlaumlger M Pirow R Adler S Riebeling C Luch A Al-ternatives to animal testing current status and future perspectives Arch Toxicol 201185841-58 (2011)

Medawar PB Immunity to homologous grafted skin the suppression of cell division in grafts transplanted to immunized animals Br J Exp Pathol 279-14 (1946)

Midgley Mary Animals and Why They Matter University of Georgia Press 1983

Morton DB Humane Endpoints in animal experimentation for biomedical research ethical legal and practical aspects Humane Endpoints in Animal Experiments for Biomedical Research Pro-ceedings of the International Conference 23-25 Nov 1998 Zeist The Netherlands

NabJ M Baals JBF van der Valk CFM Hendriksen ldquoReduction and replacement concepts in animal experimentationrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of La-boratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Nuffield Council on Bioethics Animal use in toxicity studies The ethics of research involving ani-mals London Nuffield Council on Bioethics 2005 155-167

Regan Tom The Case for Animal Rights University of California Press 1983

Russell WMS Burch RL The principles of humane experimental technique Methuen amp Co Ltd London (1959)

Singer Peter Animal Liberation HarperCollins 1975

Singer Peter Ethics Into Action Henry Spira and the Animal Rights Movement (1998)

van Zutphen LFM ldquoIntroductionrdquo in LFM van Zutphen V Baumans AC Beynen (eds) Principles of Laboratory Animal Science A contribution to the humane use and care of animals and to the quality of experimental results Amsterdam revised edition 2001

Watson JD Crick FH Molecular structure of nucleic acids a structure for deoxyribose nucleic acid Nature Apr 25171 (4356)737-8 (1953)

CONSELHO NACIONAL DE EacuteTICA PARA AS CIEcircNCIAS DA VIDA

17

Bibliografia (citada e aconselhada)

Amacircncio L et al Participaram neste contributo as Conselheiras do CNECV Liacutegia Amacircncio Raquel Seruca e Maria de Sousa com o apoio das coordenadoras executivas dos Conselhos Cientiacuteficos da FCT para as Ciecircncias da Vida e da Sauacutede e para as Ciecircncias da Natureza e do Ambiente respectivamente Maria dos Anjos Macedo e Catarina Resende (2011)

Bentham Jeremy Introduction to the Principles of Morals and Legislation first published 1789 chapter 17 this edition Burns JH and Hart HLA (eds) The Collected Works of Jeremy Bentham Oxford University Press 1996 p 283

Conselho da Europa ndash httpeceuropaeuenvironmentchemicalslab_animalshome_enhtm

Chain E Florey HW Gardner AD Heatley NG Jennings MA Orr-Ewing J Sanders AG THE CLASSIC penicillin as a chemotherapeutic agent 1940 Clin Orthop Relat Res43923-6 (2005)

Clark Stephen R L The Moral Status of Animals Oxford University Press 1977

De Sousa M A personal account of the development of modern biological research in Portugal Int J Dev Biol 53 1253-1259 (2009)

Dolan K The severity of procedures and humane endpoints - document for CUHK Researchers ldquoLaboratory Animal Lawrdquo Blackwell Science Ltd Oxford (2000)

Florey HW Penicillin A Survey Br Med J2(4361)169-71(1944)

Liebsch M Grune B Seiler A Butzke D Oelgeschlaumlger M Pirow R Adler S Riebeling C Luch A Al-ternatives to animal testing current status and future perspectives Arch Toxicol 201185841-58 (2011)

Medawar PB Immunity to homologous grafted skin the suppression of cell division in grafts transplanted to immunized animals Br J Exp Pathol 279-14 (1946)

Midgley Mary Animals and Why They Matter University of Georgia Press 1983

Morton DB Humane Endpoints in animal experimentation for biomedical research ethical legal and practical aspects Humane Endpoints in Animal Experiments for Biomedical Research Pro-ceedings of the International Conference 23-25 Nov 1998 Zeist The Netherlands

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