parecer mÉdico acerca dos problemas de saÚde

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE REFERÊNCIA EM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS NÚCLEO DE ESTUDOS EM MEDICINA TROPICAL DA PRÉ-AMAZÕNIA Praça Madre Deus, 2 Térreo, Bairro Madre Deus São Luís-Maranhão Cep:65.560 Tel:(98)3221-0270 Email:[email protected] OFICIO Nº 172/2011-DPEMA/AÇAILÂNDIA/SOLICITAÇÃO ORIGEM: CLARICE VIANA BINDA (DEFENSORA PÚBLICA ESTADUAL) ASSUNTO: “PARECER MÉDICO ACERCA DOS PROBLEMAS DE SAÚDE QUE AFETEM A POPULAÇÃO DO POVOADO DO PEQUIÁ NO MUNICÍPIO DE AÇAILÂNDIA-MA”. PARTE INTRODUTÓRIA Em abril de 2011 a equipe do Centro de Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias recebeu em suas dependências, em São Luís, a visita dos párocos Antonio Soffientin, Dario Bossi e Policarpo Tchangi, da Paróquia São José, em Pequiá, município de Açailândia. Anteriormente, o Dr. Antonio Rafael da Silva Júnior, Vice-Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB, havia pedido para nossa equipe receber a Comissão acima referida, pois se tratava de assunto na esfera dos direitos humanos. Como resultado da reunião ficou acertado uma visita da equipe a Piquiá para proceder um estudo sobre as condições de saúde dos moradores do povoado, uma vez que as famílias que lá residem acusam problemas de saúde, “muito provavelmente ligada ao contato permanente com os resíduos da Indústria de Ferro Gusa, expelida pelas chaminés das fábricas, bem como outras substâncias lançadas em seus arredores”, segundo conteúdo de relatórios. A equipe formada por Antonio Rafael da Silva, Eloisa da Graça do Rosário Gonçalves e Gisele Maria Campelo dos Santos (Centro de Referências em Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal do Maranhão), João Souza dos Santos e Irandir Mendes Alves (Núcleo de Estudos em Medicina Tropical da Pré-Amazônia), chegou a Açailândia no dia 1º de junho, lá permanecendo nos dias 2 e 3. No Quadro I está exposto o Plano de Trabalho elaborado após as discussões e apresentado aos presentes na reunião realizada no dia 1º de junho com a presença dos padres da paróquia de São José, Clarice Viana Binda (Defensora Pública), Danilo D’Addio Chammas (Assessor Jurídico da ONG Justiça nos Trilhos), Edvar Dantas Cárdia, José Albina dos Santos e Wiliam Pereira (lideres do Piquiá). No dia 2 de junho recebemos correspondência da Exma. Defensora Pública, através do Of. 172/2011-DPEMA/ACAILÂNDIA, solicitando “Parecer médico acerca dos problemas de saúde que afetem a população do povoado do Pequiá no município de Açailândia-MA”.

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Relatorio medico sobre saúdo em Açailândia

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Page 1: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CENTRO DE REFERÊNCIA EM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS

NÚCLEO DE ESTUDOS EM MEDICINA TROPICAL DA PRÉ-AMAZÕNIA

Praça Madre Deus, 2 Térreo, Bairro Madre Deus – São Luís-Maranhão

Cep:65.560 Tel:(98)3221-0270 Email:[email protected]

OFICIO Nº 172/2011-DPEMA/AÇAILÂNDIA/SOLICITAÇÃO

ORIGEM: CLARICE VIANA BINDA

(DEFENSORA PÚBLICA ESTADUAL)

ASSUNTO: “PARECER MÉDICO ACERCA DOS PROBLEMAS DE SAÚDE QUE AFETEM A

POPULAÇÃO DO POVOADO DO PEQUIÁ NO MUNICÍPIO DE AÇAILÂNDIA-MA”.

PARTE INTRODUTÓRIA

Em abril de 2011 a equipe do Centro de Referência em Doenças Infecciosas e

Parasitárias recebeu em suas dependências, em São Luís, a visita dos párocos Antonio

Soffientin, Dario Bossi e Policarpo Tchangi, da Paróquia São José, em Pequiá, município de

Açailândia. Anteriormente, o Dr. Antonio Rafael da Silva Júnior, Vice-Presidente da

Comissão dos Direitos Humanos da OAB, havia pedido para nossa equipe receber a Comissão

acima referida, pois se tratava de assunto na esfera dos direitos humanos.

Como resultado da reunião ficou acertado uma visita da equipe a Piquiá para proceder

um estudo sobre as condições de saúde dos moradores do povoado, uma vez que as famílias

que lá residem acusam problemas de saúde, “muito provavelmente ligada ao contato

permanente com os resíduos da Indústria de Ferro Gusa, expelida pelas chaminés das fábricas,

bem como outras substâncias lançadas em seus arredores”, segundo conteúdo de relatórios.

A equipe formada por Antonio Rafael da Silva, Eloisa da Graça do Rosário Gonçalves

e Gisele Maria Campelo dos Santos (Centro de Referências em Doenças Infecciosas e

Parasitárias da Universidade Federal do Maranhão), João Souza dos Santos e Irandir Mendes

Alves (Núcleo de Estudos em Medicina Tropical da Pré-Amazônia), chegou a Açailândia no

dia 1º de junho, lá permanecendo nos dias 2 e 3.

No Quadro I está exposto o Plano de Trabalho elaborado após as discussões e

apresentado aos presentes na reunião realizada no dia 1º de junho com a presença dos padres

da paróquia de São José, Clarice Viana Binda (Defensora Pública), Danilo D’Addio

Chammas (Assessor Jurídico da ONG Justiça nos Trilhos), Edvar Dantas Cárdia, José Albina

dos Santos e Wiliam Pereira (lideres do Piquiá).

No dia 2 de junho recebemos correspondência da Exma. Defensora Pública, através do

Of. 172/2011-DPEMA/ACAILÂNDIA, solicitando “Parecer médico acerca dos problemas de

saúde que afetem a população do povoado do Pequiá no município de Açailândia-MA”.

Page 2: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

Quadro I – Plano de atividades utilizado para a avaliação de saúde da população do povoado

do Pequiá-Acailândia, Maranhão – jun. 2011.

DIA MANHÃ TARDE NOITE

01 de Junho

Partida de São Luís Chegada ao Município de Açailandia

Reunião e Apresentação da Equipe

02 de Junho

Triagem e entrevista com famílias dos blocos I, II e III

Consulta Médica: Pacientes triados dos blocos I e II

Jantar

03 de Junho

Consulta Médica: Pacientes triados no bloco III

Consolidação dos Dados; Reunião geral para exposição dos dados preliminares

Retorno

No decorrer da primeira reunião os presentes, comandados pelos padres e líderes de

Piquiá, fizeram a distribuição de tarefas, ficando encarregados de apresentar nossa equipe aos

seus moradores.

Na manhã do dia 2 de junho, cada um dos integrantes da UFMA, acompanhado de um

membro da comunidade, visitou os domicílios do povoado de Piquiá de Baixo, com vistas a

responder o que foi pedido pela Defensora Pública de Açailândia.

O estudo foi feito em visitas domiciliares, a partir de amostragem aleatória sistemática

da população, tendo como unidade de estudo a família. A distribuição dos domicílios

sorteados foi feita de modo a contemplar todos os setores e segmentos da comunidade,

distribuídos em blocos I, II e III, a fim de obter-se amostra representativa da população geral.

Quando numa casa sorteada não havia moradores, passava-se a outra vizinha. Em cada casa

foi entrevistado um morador, seguindo os critérios seguintes: ser adulto, pai, mãe ou

responsável pelo domicílio.

Em cada domicílio visitado eram indicadas pessoas para serem examinadas,

posteriormente, no salão paroquial da Igreja pelos médicos da equipe.

Após a entrevista com moradores, os integrantes do Núcleo de Estudos em Medicina

Tropical visitavam as casas para conhecer as dependências, as áreas livres, estado de

conservação e instalações sanitárias.

PARTE EXPOSITIVA (SITUAÇÃO DE SAÚDE DO POVOADO DE PIQUIÁ)

Piquiá de Baixo é um povoado do município de Açailândia, com casas distribuídas em

ruas de pisos de terra e areia, irregulares, exibindo trechos planos e trechos com escavações,

situadas à esquerda e à direita da rodovia 222. O aspecto geral das casas guarda certa limpeza

e, à vista geral, são tratadas com cuidado pelos moradores.

Devido tratar-se de dia útil da semana, uma parte das casas estava desabitada, outra

não possuía uma pessoa com características de responder as perguntas conforme estabeleceu a

equipe (ser adulto, pai, mãe ou responsável pelo domicílio). Da visita ao Povoado constou

uma passagem pelo Posto de Saúde, fechado há algum tempo. A população, que necessita de

Page 3: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

cuidados à saúde, segundo informações, é atendida apenas uma vez por semana no Centro de

Saúde de Piquiá de Cima.

Para melhor compreensão do que foi o trabalho, seus resultados serão apresentados na

sequência em que foram desenvolvidos: Visita aos domicílios, Entrevista com as famílias,

Exame clínico dos pacientes, Parte Conclusiva, Parecer e de Bibliografia consultada

seguindo-se de anexos.

Visita aos domicílios

O estudo abrangeu 55% dos domicílios com moradores presentes no momento da

visita, ou seja, 90 famílias, onde residiam 409 pessoas, sendo 212 mulheres e 197 homens

(52% e 48%, respectivamente).

As casas, minuciosamente avaliadas pela equipe, apresentavam-se: 60% com aspecto

regular, 20% bom e 20% precário. Como característica comum, todas possuíam instalações

elétricas e 66,6% possuíam água encanada; a outra parte era servida por poços artesanais;

53,3% das casas possuíam instalações sanitárias (existência de banheiro com pia, chuveiro,

vaso sanitário) e todas as casas tinham algum lugar para recolhimento do lixo.

Obervando-se o aspecto da casa e seus arredores, constatou-se que significativo

número de domicílios examinados estavam cobertos de uma matéria enegrecida, podendo-se

destacar que havia partículas maiores e mais pesadas que se misturavam a outras com

características de pó aderida aos telhados e plantas (Anexo V), nos móveis, nos pisos e

depositadas nas plantas ornamentais ao redor das casas (Anexo VI). No decorrer das

consultas na parte referente a “Histórico da Doença Atual” nossa equipe ouviu muitos relatos

que repetiam outras queixas. Exemplos: “eu tenho filhos que se queixam de dor na face - o

médico disse que é sinusite; outro tem dor de garganta e se queixa de irritação na vista”. “Eu

sou vendedor e levo vida saudável; de uns tempos para cá tenho problemas de visão e às vezes

não consigo abrir os olhos”. “Fui ao médico levar minha criança que estava com falta de ar e

ele disse que gente grande sofre com a fuligem imagine uma criança”. “Passo boa parte do

meu tempo socorrendo meus meninos com falta de ar”.

Perguntado aos moradores a origem daquele material, respondiam: “é a fuligem da

indústria” e apontavam para as chaminés que expeliam fumaça de cor negro-acizentada.

Numa das casas visitadas, forrada de lona, igual a outras vistas no povoado, perguntamos ao

entrevistado.

- Por que algumas casas são forradas com esse material?

- “Para diminuir a quantidade de fuligem que é abundante”.

- Forrada dessa maneira, evita o depósito da fuligem?

- “Apenas diminui”

- Como assim? Você pode explicar melhor....?

- “Quer ver”?

E ofereceu uma colher e um vasilhame a um membro da nossa equipe (ARS) que

subiu numa escada até o forro e de lá recolheu um farto material de cor negra, formado por

grãos maiores misturados com pó (Anexo I e VII) o mesmo encontrado no piso e nos móveis

das casas anteriormente visitadas .

Não raro, éramos surpreendidos cor afirmações de que aquele material “é muito mais

abundante no verão”, diferente do momento atual que é chuvoso; e a de que as alterações

Page 4: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

“respiratórias” e a “alergia” que várias pessoas do local (inclusive crianças), padecem, é mais

severa.

Entrevistas com as famílias

Após a apresentação ao entrevistado, este reunia a família ao seu redor, passando a

responder as indagações que eram registradas em ficha própria, contendo nome e endereço,

tempo de moradia, atividade da família e ocorrência de agravos à saúde da família (Anexo I1).

As informações sobre o tempo de moradia no Povoado e a atividade profissional estão

registrados no Quadro II.

Quadro II - Tempo de moradia X Atividade da população de Piquiá, Açailândia – jun. 2011

Tempo de moradia (anos)

Número de Famílias

Atividade das Famílias

Do Lar

Vend. Carv. Lavra. Estud. Aposent. Siderurg. Mot. Outros

0 -9 22 14 1 1 2 1 1 2 - -

10 -19 23 12 2 1 1 1 2 - 2 2

20 -29 18 11 2 - 2 2 1 - - -

30 –39 23 12 - - 3 1 2 2 1 2

>40 04 03 - 1 - - - - - -

Total 90 52 5 3 8 5 6 4 3 4

O quadro mostra que 75,5% das famílias moram há mais de 10 anos e 50% mais de 20

anos no lugar; todos têm uma vida profissional bem definida, sendo que 75,5% eram

constituídos por mães de família, com atividades no lar.

O estado geral dos entrevistados era de regular para bom em 86,6% e com sinais de

precariedade em 13,4%, ou seja, indivíduos que manifestavam falta de ar, estavam acamados

ou eram possuidores de alguma doença degenerativa (diabetes, hipertensão arterial, doença de

Parkinson ou doença cardiovascular).

Na sequência, o Quadro III mostra o relato de agravos à saúde ocorrida nas famílias,

ou seja, o estado de saúde de membros da família, apresentado no momento ou no mês

anterior a nossa visita.

Page 5: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

Quadro III – Relato de agravos à saúde das famílias de Piquiá, Açailândia – jun. 2011

Ocorrência Situação %

Doença Anterior Sim: 57 63,3 Não: 33

Doença Atual Sim: 37 41,1 Não: 53

Doença Pulmonar Sim: 37 41,1 Não: 53

Doença de Pele Sim: 30 33,3 Não: 60

Chama-se a atenção que 63,3% referiu ter tido alguma doença anteriormente e 41,1%

doença atual. Quanto a manifestações orgânicas, as queixas recaíram sobre os pulmões e a

pele.

Exame clínico

Os pacientes encaminhados para serem examinados nas instalações da Igreja Católica

tiveram seus dados registrados em ficha previamente elaborada (Anexo III).

O estado geral era bom em 81,6% e regular em 18,4% dos examinados. As

manifestações ligadas ao aparelho respiratório (tosse, falta de ar e chiado no peito) foram

queixas encontradas em todas as faixas etárias, inclusive com boa intensidade em menores de

9 anos de idade. Do mesmo modo cefaléia, encontrada em 61,2% dos pacientes (sintoma não

comum em crianças de tenra idade) e manifestações de alergia, acometendo as vias aéreas

superiores e olhos (coriza e lacrimejamento) foram encontradas em 61,2% dos pacientes. O

exame físico dos pacientes constatou as alterações que estão apresentadas no Quadro V,

destacando-se aquelas relacionadas ao aparelho respiratório.

O Quadro IV mostra o conteúdo das respostas dadas pelos pacientes às indagações a

respeito de sua saúde pregressa.

Quadro IV – Manifestações clínicas dos pacientes examinados em Piquiá, Açailândia – jun. 2011

Faixa etária

Sexo Manifestações Clínicas Mas Fem Febre Cefaleia Tosse Falta de ar Chiado

peito Emagre- cimento

Alergias

Ferida Outros*

0 – 9 4 5 3 4 6 6 3 0 1 1 1 10 – 19 2 2 1 3 4 2 1 1 4 0 1 20 – 29 2 6 1 4 3 4 0 2 4 2 3 30 – 39 1 2 1 1 3 1 1 1 3 0 3 40 – 49 1 8 3 7 6 5 2 0 10 2 3 50 – 59 1 5 2 5 3 2 1 0 5 2 1

≥ 60 5 5 3 6 5 5 1 3 3 1 1 Total 16 33 14 30 30 25 9 7 30 8 13

Page 6: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

O termo “Outros” descrito na tabela, refere-se a um conjunto de queixas que incluíam:

“rouquidão, asma, cansaço, alergia a fuligem, amigdalite de repetição, coriza, manchas na pele, dor

abdominal, irritação nos olhos, dores no peito e pressão alta”.

Os achados encontrados no decorrer do Exame Físico são mostrados no Quadro V. As

alterações respiratórias, de orofaringe, da pele e dos olhos guardavam em muitos pacientes uma

relação de causa e efeito resultante de contato com substâncias de teor alergênico (irritação

conjuntival, falta de ar e chiado no peito).

Quadro V – Sinais clínicos constatados no exame físico dos pacientes do Povoado de Piquiá,

Açailândia - 2011

Alterações Respiratórias

Orofaringe Alterações Cardiovasculares

Alterações Abdominais

Alterações dos Membros (braços e pernas)

Alterações da pele Olhos

Roncos esparsos Tiragens Sibilos Atrito pleural Murmúrio vesicular rude Murmúrio vesicular reduzido nas bases pulmonares Falta de ar

Hipertrofia de amígdalas Hiperemia de amígdalas Focos purulentos em pilar amigdaliano Hipertrofia de gengivas

Hipertensão arterial

Aumento do volume abdominal Hepatomegalia Esplenomegalia

Edema moderado

Larva migrans Molusco contagioso Descamação na mão Ptiríase versicolor Carcinoma Epidermoide

Irritação conjuntival

No decorrer das consultas na parte referente à “Histórico da Doença Atual” (Anexo

III) nossa equipe ouviu relatos que repetiam outras queixas. Exemplos: “eu tenho filhos que se

queixam de dor na face - o médico disse que é sinusite; outro tem dor de garganta e se queixa

de irritação na vista”. “Eu sou vendedor e levo vida saudável; de uns tempos para cá tenho

problemas de visão e às vezes não consigo abrir os olhos”. “Fui ao médico levar minha

criança que estava com falta de ar e ele disse que gente grande sofre com a fuligem imagine

uma criança”. “Passo boa parte do meu tempo socorrendo meus meninos com falta de ar”.

PARTE CONCLUSIVA

Impacto sobre o meio ambiente sofrido por comunidades que vivem no entorno de

empresas de mineração e siderurgia têm sido motivo de vários estudos encomendados por

movimentos sociais ou mesmo por iniciativa das próprias comunidades afetadas. A pobreza e

a desigualdade, a situação das ruas, as precárias condições de moradias, a falta de saneamento

básico e de condições de atenção à saúde, descritas nos relatórios, contrastam com a situação

de empresas cujo poderio econômico e político as tornam surdas aos reclamos das populações

afetadas em seu patrimônio ambiental, dilapidados aos poucos, até de maneira irreversível, o

que configura uma nítida violação aos direitos do ser humano à saúde, à justiça, ao trabalho, à

vida digna e ao ambiente saudável.

Ao sermos solicitados oficialmente pela Defensora Pública de Açailândia para dar

“Parecer médico acerca dos problemas de saúde que afetem a população do povoado do

Pequiá no município de Açailândia-MA” na qualidade de defensora, por lei, do direito

cidadão, vimo-la como um ente jurídico preocupado não somente com as condições de saúde

Page 7: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

mas, principalmente, com a verdade acerca da saúde da população de Piquiá de Baixo -

povoado distante 14 Km de Açailândia, a cidade a qual pertence, situada a oeste do Estado do

Maranhão, na Amazônia Legal, no meio do bioma Pré-Amazônico e que é possuidora de uma

renda “per capita” de R$17.671,52 superior a vários países desenvolvidos do mundo, mas,

inexplicavelmente, acumuladora de índices de desigualdade que tornam seus habitantes ainda

mais pobres Índice de Pobreza 58,66% e IDH e Índice de Gini de 0,666 e 0,41,

respectivamente.

O presente estudo é uma resposta à solicitação que nos foi encaminhada pela

Defensora Pública, logo após a reunião solicitada pelos padres cambonianos e líderes de

Piquiá de Baixo, povoado onde há vários anos foram instaladas siderúrgicas e termelétricas.

Os resultados apresentados, fruto dos estudos realizados no Povoado Piquiá de Baixo,

faz pensar na dinâmica sócio-econômica que governa o município de Acailândia e sua relação

entre seu crescimento econômico e o bem estar de sua população. O contraste se revela

quando “da visita ao Povoado constou uma passagem pelo Posto de Saúde, fechado há algum

tempo. A população, que necessita de cuidados à saúde, é atendida apenas uma vez por

semana no Centro de Saúde de Piquiá de Cima”.

Quando da minuciosa avaliação nos domicílios, verificou-se o cuidado dos habitantes

com seu aspecto e suas dependências. Mesmo assim, olhando o aspecto da casa e seus

arredores, constata-se que significativa parte dos domicílios examinados eram cobertos por

uma matéria enegrecida, podendo-se destacar que havia partículas maiores e mais pesadas que

se misturavam a outras com características de pó aderida aos móveis, aos pisos e depositadas

nas plantações ao redor das casas (Anexos V e VI). Os moradores sabem a origem do que lhes

afeta ao apontar para as chaminés das indústrias expelindo uma fumaça negro-acizentada.

Ouviram-se afirmações do tipo: a fuligem é muito mais abundante no verão e aqui

inúmeras crianças, padecem de alterações “respiratórias” e uma espécie de “alergia”.

Não há dúvida de que o cotidiano da população é afetada de maneira impiedosa em

seus lares. A visita a uma casa forrada de lona (a maioria não tem essa proteção) e o diálogo

travado com seu proprietário é uma afirmativa:

- Por que algumas casas são forradas com esse material?

- “Para diminuir a quantidade de fuligem que é abundante”.

- Forrada dessa maneira, evita o depósito da fuligem?

- “Apenas diminui”

- Como assim? Você pode explicar melhor?

- “Quer ver”? E ofereceu uma colher e um vasilhame a um membro da nossa equipe

que subiu numa escada...

Nas entrevistas com as famílias constata-se a série histórica de suas vivências em

Piquiá de Baixo, 75,5% das famílias moram há mais de 10 anos, a maioria mais de 20 anos

construindo uma vida profissional, simples, é verdade, mas compatível com que oferece o

quadro sócio-político em seus arredores.

Observem o que se conseguiu nas entrevistas a partir do estado geral dos

entrevistados. O contingente de moradores que apresentou doença anterior e atual é muito alto

quando se compara com habitantes de outros municípios (possuidor até de menor nível

Page 8: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

econômico de vida) do meio rural que não vivem sobre o impacto ambiental das pessoas de

Piquiá. O mesmo se pode dizer para as manifestações que dizem respeito aos pulmões e a

pele, dois sistemas orgânicos que sofrem ação direta de substâncias que se depositam ou são

aspiradas, poeiras, fuligens, pós, e outras substâncias.

O exame clínico dos pacientes corrobora o que se encontrou no relato dos

entrevistados em relação a sua saúde. Manifestações ligadas ao aparelho respiratório (tosse,

falta de ar e chiado no peito) foram queixas encontradas em todas as faixas etárias, inclusive

com boa intensidade em menores de 9 anos de idade. Dores de cabeça é um sintoma muito

encontrado na população geral e também em crianças de tenra idade, segmento não

comumente afetado por estas manifestações. Manifestações de que alguma coisa irrita a pele e

as vias aéreas superiores e os olhos foi constatado na maioria dos examinados..

Outros depoimentos, em momentos diferentes, sobre saúde da população de Piquiá de

Baixo mostram coincidência com os que ouvimos atualmente. Exemplos: um morador da

“rua da fumaça” contou que há alguns anos pegou uma espécie de gripe. No entanto, “fiquei

acamado durante três meses, praticamente sem conseguir me alimentar, nunca fiquei bom...”;

uma moradora, cujo muro da casa faz fronteira com a uma siderúrgica, também dá

testemunho dos danos à saúde no bairro: “Aqui em casa temos sinusite, problema de garganta,

dor na cabeça, problema de vista. O meu menino tem só 21 anos e já tem problema de vista,

vive piscando, não consegue abrir o olho, não enxerga muito bem (...) O médico diz que a

gente fica com o pulmão todo preto por dentro. A vizinha já bateu chapa e o médico disse

para sair daqui o mais rápido possível (...) meu marido morreu tem quatro meses. Dois meses

antes o médico examinou e disse que não tinha mais jeito, que o pulmão dele tava muito

cheio”.

PARECER

Piquiá de Baixo possui uma população perene, a maioria originada do lugar com vida

profissional definida. O estado geral dos seus moradores é de certa higidez, o que contrasta

com manifestações que se repetem: a) falta de ar, dor no orofaringe, dor nos olhos, irritação

conjuntival e chiado no peito, sintomas que guardam em muitos pacientes uma certa relação

de causa e efeito resultante de contato com substâncias de teor alergênico. E relatos do tipo:

b) tenho filhos que se queixam de dor na face e o médico afirma que é sinusite; outro tem dor

de garganta e se queixa de irritação na vista. Sou vendedor e de uns tempos para cá tenho

problemas de visão e às vezes não consigo abrir os olhos. Estes relatos corroboram a relação

causa/efeito acima exposta.

Quem anda em suas ruas, visita as casas e seus arredores, constata que o meio

ambiente é dominado por uma substância enegrecida com características de pó que se

deposita nos telhados, no interior das casas e nas folhagens das plantações. Ao conversar com

a população, podem-se ouvir afirmações de que essa substância “é muito mais abundante no

verão”, ocasião que manifestações que comprometem os pulmões e a pele são mais

acentuadas, conforme afirmam.

Um profissional da saúde que conversa e examina pessoas do local não deixa de ouvir

relatos contundentes do tipo: “doutor passo boa parte do meu tempo socorrendo meus

meninos com falta de ar”; “minha criança está com falta de ar” e de dar como resposta: “se

gente grande sofre com a fuligem, imagine uma criança...”.

Page 9: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

A experiência de profissional médico, de professor universitário e membro consultor

do Ministério da Saúde, fazendo diagnóstico em doenças endêmicas e examinando

populações de todas as idades, em vários municípios do nosso e outros estados, nunca se

deparou com queixas e manifestações que se assemelhassem às descritas pelos habitantes de

Piquiá de Baixo.

Cabe uma pergunta. Que outras causas poderiam ser que a do bombardeamento de

fuligem e outras substâncias de indústrias que trabalham 24 horas por dia?

Senhora Defensora Pública,

Finalizamos com recomendações para que o Posto de Saúde reabra imediatamente as

suas portas e as indústrias sediadas em Piquiá de Baixo busquem recursos modernos para

filtrar suas escórias que ofendem a dignidade e contribuem para reduzir a paz, o sossego e a

vida de seres humanos.

Este é o nosso Parecer s.m.j.

São Luís, 06 de junho de 2011.

Prof. Dr. Antonio Rafael da Silva

Coordenador do Centro de Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias da UFMA

Page 10: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Carson R. Primavera Silenciosa. Barcelona: Editora Critica, 2011

Collin RT, Begons M; Harper JL. Fundamentos de Ecologia. 2ª Ed. Porto Alegre: Artmed,

2000.

Fidh. Justiça Global. Brasil quanto valem os direitos humanos. Relatório, maio 2011.

Lovelock, J. Gaia: cura para um planeta doente. São Paulo: Cultrix, 2006

Silva AR. Malária: fotografia de uma crise no setor saúde. São Luís, UFMA, 1988

Silva AR, Portela EGL, Matos WB, Bastos Silva CC, Gonçalves,EGR. Hanseníase no

município de Buriticupu, Estado do Maranhão: busca ativa na população infantil.

Revista da Soc.Bras. Med. Tropical 40(6):657-660, Nov-dez, 2007.

Silva AR, Matos WB, Bastos Silva CC, Gonçalves,EGR. Hanseníase no município de

Buriticupu, Estado do Maranhão: busca ativa na população adulta. Ver. Soc.Bras. Med.

Tropical 43(6):691-694, Nov-dez, 2010.

Page 11: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE
Page 12: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

ANEXO I – MATERIAIS COLHIDOS DURANTE A VISITA AO POVOADO PEQUIÁ DE

BAIXO, AÇAILÂNDIA, MARANHÃO – JUNHO DE 2011

Page 13: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA

CENTRO DE REFERÊNCIA EM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS – CREDIP

NÚCLEO DE ESTUDOS EM MEDICINA TROPICAL DA PRÉ-AMAZÕNIA – NEMPTA Pequiá, _____/_____/2011.

ANEXO II – FORMULÁRIO DE ENTREVISTA

Casa

Nº/Qte

Nome / Endereço Sexo Idade Cor Atividade QUADRO CLÍNICO E.

Geral

Doença

Anterior

Doença

Atual

Doença

Pulmonar

Doença

Pele

Outras Manifestações

Nomear Nomear Sim Não Sim Não

Page 14: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE
Page 15: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA

CENTRO DE REFERÊNCIA EM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS – CREDIP

NUCLEO DE ESTUDOS EM MEDICINA TROPICAL DA PRÉ-AMAZÔNIA – NEMPTA

ANEXO III – FORMULÁRIO DE EXAME CLÍNICO Pequiá, ____/____/2011.

Nome:

Nº da Casa:

Idade:

Sexo: Atividade:

HISTÓRICO DA DOENÇA ATUAL

Início da Doença: ___/___/___

Febre: Cefaléia: Tosse:

Falta de ar: Chiado no peito: Dor no peito:

Emagrecimento:

Alergias:

Prurido: Feridas na pele:

Outros:

EXAME FÍSICO

Estado Geral: Temp. ________ºC F. Resp.

F. Cardíaca: P.A.

Ap. Respiratório:

Ap. Vascular:

Abdomem:

Membros Inferiores:

Exames:

Observações:

Page 16: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

ANEXO IV – Vista de arruado do Povoado Piquiá de Baixo situado à beira da Lagoa do Piquiá, junho

de 2011.

Page 17: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

Anexos V e VI – Vista de casas e plantas (acima) e plantas (abaixo) de Piquiá de Baixo, com fuligem, junho

2011

Page 18: PARECER MÉDICO ACERCA  DOS PROBLEMAS DE SAÚDE

Anexo VII- Um dos membros da equipe (ARS à direita) mostrando material retirado do forro

da casa (material 3 do anexo I) ao proprietário (centro) e líderes (à esquerda) do Povoado de

Pequiá, junho de 2011.