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A COMPETÊNCIA PARA CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTROS E PARA DELEGAÇÃO PARA PROVIMENTO DESSES SERVIÇOS: parecer do juristaCELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO

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  • A COMPETNCIA PARA CRIAO E EXTINO DE SERVIOS NOTARIAIS E DE REGISTROS E PARA DELEGAO PARA PROVIMENTO DESSES SERVIOS

    CELSO ANTNIO BANDEIRA DE MELLO

    A Associao dos Notrios e Registradores do Brasil Anoreg-BR, formula-nos a seguinte

    Consulta

    I ao Poder Judicirio que compete praticar o ato de delegao para provimento dos servios notariais e de registro, tendo em vista que lhe cabe fiscaliz-los, ( 1 do art. 236 da CF e arts. 37 e 38 da Lei 8.935), assim como cassar, a ttulo de penalidade (art. 32, IV, c/c. 35, I e II), delegaes outorgadas?

    II Deve-se considerar implicado no art. 236 da CF e na prpria Lei 8.935 onde no h meno a cartrios que a instaurao de novos servios notariais e de registro, tanto como a supresso dos existentes, independe de lei que os crie ou extinga, bastando que o prprio Poder Judicirio, arrimado em motivos de convenincia, decida administrativamente efetuar delegaes, aps concurso pblico que entenda de abrir para constitui-las, cabendo-lhe, outrossim, pelas mesmas razes, suprimir servios existentes e confiar o respectivo acervo a outro delegado? Os arts. 38 e 44 da Lei 8.935 corroborariam este entendimento? Caso seja afirmativa a resposta, haver-se- de entender que o art. 24, 2, 6, da Constituio Paulista tem seu mbito de aplicao restrito s serventias cuja existncia jurdica foi respaldada no art. 32 do ADCT da CF?

    s indagaes responde-se nos termos que seguem.

    Parecer

    1. O art. 236 da CF e seu 1 dispem:

    Art. 236. Os servios notariais e de registro so exercidos em carter privado, por delegao do Poder Pblico.

    1 Lei regular as atividades, disciplinar a responsabilidade civil e criminal das notrios, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definir a fiscalizao de seus atos pelo Poder Judicirio.

    2 Lei federal estabelecer normas gerais para fixao de emolumentos relativos aos atos praticados pelos servios notariais e de registro.

    3 O ingresso da atividade notarial e de registro depende de concurso pblico de provas e ttulos, no se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoo, por mais de seis meses.

    Destes preceptivos, toda evidncia, resulta:

    (a) que o ttulo jurdico que investe os exercentes de atividade notarial e de registro uma delegao efetuada pelo Poder Pblico;

    (b) que as sobreditas atividades esto expressamente qualificadas como exercitveis em carter privado por quem as titularize;

    (c) que a disciplina e responsabilidade dos exercentes de tal delegao ser fixada em lei, assim como as normas gerais sobre os emolumentos concernentes aos atos

  • relativos a estes servios;

    (d) que o ingresso nas atividades notariais e de registro depender de concurso pblico, inadmitida vaga de serventia por mais de seis meses sem que se efetue concurso pblico ou de remoo para seu provimento; e

    (e) que a fiscalizao de seus atos ser efetuada pelo Poder Judicirio.

    Cumpre, ento examinar alguns pontos expressados no dispositivo constitucional sub examine e implicaes neles contidas.

    2. Delegao outorga, a transferncia, a outrem, do exerccio de atribuies que, no fora por isto, caberiam ao delegante. Ou seja: os servios notariais e os de registro (que melhor se diriam funes ou ofcios, como em seguida se aclarar) correspondem, em si mesmos, a uma atividade estatal, pblica. A circunstncia de deveram, por imperativo constitucional, ser desempenhadas por terceiros, longe de destituir-lhes tal qualidade, pelo contrrio, confirma-lhes dita natureza, pois: Nemo transferre potest plus quam habet.

    Nada obstante, os sujeitos titulados pela delegao em apreo conservam a qualidade de particulares (investidos em poderes pblicos) visto que a exercero em carter privado; donde, no recebem dos cofres pblicos, no operam em prprios do Estado nem com recursos materiais por ele fornecidos. Ubicam-se na categoria geral de agentes pblicos, figura tipolgica que, por ser de amplitude mxima, abarca toda e qualquer pessoa que desempenhe e enquanto o faa, ainda que episdica e eventualmente atos da alada do Poder Pblico. Assim, conservando a qualidade de exercentes em carter privado que os notrios e registradores recebem o servio que lhes transferido.

    3. Mas, o que est o Texto Magno a determinar que seja transferido, delegado, aos que exercero atividade notarial ou registral?

    A prpria Lei Maior o diz explicitamente: as funes concernentes aos servios notariais, servios de registro. E o que so eles? So, a teor do art. 1 da lei federal 8.935, de 18.11.1994, regulamentadora do art. 236 da CF, os de organizao tcnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurana e eficcia dos atos jurdicos. Por isto, se disse que melhor se denominariam funes ou ofcios, j que se trata do desempenho de atividade jurdica e no material como ocorre com os servios pblicos.[1] H de se entender, ademais, que o que se transfere o exerccio de servios desta natureza. Isto porque o delegante no deixa de ser o senhor deles, j que a atividade, como visto, em si mesma, pblica e, pois, irremissivelmente pertinente a tal setor.

    4. Sem embargo disto, a delegao, uma vez procedida, evidentemente, opera a investidura dos sujeitos que a recebem nos servios que dessarte lhes hajam sido delegados, ou seja, na titularidade do exerccio daquele plexo de atribuies a eles cometidos e que, na linguagem da lei regulamentadora do art. 236, so os destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurana e eficcia dos atos jurdicos os quais se nucleiam em uma organizao tcnica e administrativa.

    Em uma palavra: a delegao lhes atribui titulao naquele correspondente conjunto unitrio de poderes e deveres que, com base em uma organizao tcnica e administrativa, devero ser exercitados em uma circunscrio demarcada.

    Deveras: a delegao justamente por s-lo no se confunde com uma simples habilitao, ou seja, com um ato meramente recognitivo de atributos pessoais para o

  • desempenho de funes de tal gnero. Dita habilitao (aferida no concurso pblico que a precede, cf. 3 do art. 236 da CF e que, demais disto, aponta o melhor dos candidatos) apenas um pressuposto da investidura nas funes em causa. A delegao, propriamente dita, ato sucessivo ao concurso e seu alcance, seu significado, precisamente o de adjudicar um determinado servio (em rigor, o exerccio dele) ou seja, aquela unidade que o substancia cura de um dado sujeito. Alis, uma vez efetuada, os notrios e oficiais de registro (...) s perdero a delegao nas hipteses previstas em lei (art. 28 da lei), isto , por I sentena judicial transitada em julgado; ou II deciso decorrente de processo administrativo assegurada ampla defesa (art. 35), bem como nos casos de morte, aposentadoria facultativa, invalidez, renncia (art. 39).

    5. O delegvel a um notrio ou registrador, evidentemente, no a totalidade da atividade notarial ou registral pblica do pas. No existe um nico servio notarial ou um nico servio de registro a ser cometido a uma dada pessoa, mas mltiplos servios notariais e mltiplos servios de registro, cada qual constituindo uma unidade, operados nas respectivas circunscries, pelos diversos sujeitos neles titulados. toda evidncia, tais funes ou ofcios constituem-se, em si mesmos e cada qual, em um brao, em um segmento, da totalidade da funo pblica notarial ou registral.

    No h nisto, vale dizer, no h nesta multiplicidade, expressiva da diviso do exerccio destes misteres entre numerosssimos centros unitrios e especificados de atribuies, peculiaridade alguma. Idntico fenmeno inevitavelmente existe em todos os segmentos da atuao estatal. O Poder Judicirio do Pas tambm um Poder, um todo de uma mesma natureza e, sem embargo, est subdividido em mltiplas organizaes, Tribunais, varas, centros de poderes identificados e individualizados. O servio de educao ou de sade ou de assistncia social e todos os demais ramos da atividade administrativa constituem-se, cada um deles, em algo de uma s natureza. Todavia, esto fracionados em numerosssimas unidades, ora a cargo da Unio, ora dos Estados, ora dos Municpios, e no interior de cada qual coexistem uma pluralidade de unidades, isto , uma grande quantidade de servios perfeitamente individuados: As universidades tais ou quais, as faculdades tais ou quais, as escolas tais ou quais etc.

    Assim, tanto como os rgos pblicos e os cargos pblicos, cada, servio notarial ou registral, constitui-se em um plexo unitrio, individualizado, de atribuies e competncias pblicas, constitudas em organizao tcnica e administrativa, e especificadas quer pela natureza da funo desempenhada (servios de notas, de registro de contratos martimos, de protesto de ttulos, de registro de imveis, de registro de ttulos e documentos, de registro civil das pessoas jurdicas, de registro civil das pessoas naturais e de interdies e tutelas e de registro de distribuio), quer pela rea territorial onde os mltiplos delegados podem exercer os atos entregues a suas compitas, na qualidade de titulares, conforme diz o art. 5 da referida lei 8.935 ao arrolar os diferentes tipos de servios.

    De resto, a citada lei, no art. 43, estatui que cada servio notarial ou de registro funcionar em um s local...; no art. 39, 2 estabelece que extinta a delegao...a autoridade competente declarar vago o respectivo servio, designar o substituto mais antigo para responder pelo expediente....

    6. Trata-se, portanto, de uma complexa diviso de unidades competenciais cujo provimento ( 3 do art. 236) se faz por delegao ao cabo de concurso pblico (ou de remoo para os que j as titularizem). Com efeito, o que est em causa so as unidades mltiplas, determinadas, individuadas e que, na expresso do referido 3 do art. 236 da CF, se constituem, cada qual, em uma serventia notarial ou de registro nas quais devem ser investidos titulares de poderes pblicos. De resto, ditas serventias, sempre de acordo com o mesmo preceptivo, no podero ficar vagas

  • por mais de seis meses, sem abertura de concurso de provimento ou de remoo (iguais expresses tambm se encontram no art. 16 da mencionada lei federal).

    visvel, ento claro a todas as luzes -, que a possibilidade de ocorrerem vagas est a indicar que as mencionadas serventias so efetivamente identificadas unidades de organizaes tcnicas e administrativas, cada qual uma ubicao a se stante e preexistente a seu preenchimento. O que se quer neste passo encarecer que a delegao de que fala o art. 236 da CF pressupe as sobreditas unidades no sendo, pois, simples e ocasionais ramificaes indeterminadas, dissolvidas na globalidade da atividade notarial e registral do Poder Pblico, carentes de especificao individualizadora, cuja falta poderia, qui, alimentar o entendimento desatado de que seriam suscetveis de irromperem ou desaparecerem, a qualquer momento, como fruto de meras decises administrativas que, a seu lbito, entendessem de produzir novas delegaes ou suprimir as existentes.

    Em suma: no se trata de sacar de uma massa indivisa de atribuies, concentradas nas mos de uma dada autoridade (fosse ela do Executivo ou do Judicirio), um feixe de poderes que se delega ou se extingue, fazendo, dessarte, surgirem ou permitirem tais ou quais servios ou serventias notariais ou de registro, cujas individuadas existncias ficariam atreladas ao entendimento soberano de um agente pblico. toda obviedade, no isto o que resulta quer da Constituio, quer da lei expedida em ateno ao art. 236.

    Com efeito, as serventias no so criadas pelo ato de delegao, nem so suprimidas nas hipteses em que esta se extingue. Pelo contrrio: as serventias antecedem a possibilidade de delegao e persistem existindo mesmo depois de cessada uma dada delegao feita a algum para exercer a titularidade da serventia, pois tm de haver sido antes regularmente criadas tal como em Direito se criam os centros pblicos de atribuies e nesta mesma conformidade se extinguem, por igual processo, segundo o princpio geral da correlatividade de forma. Alis, isto est clarssimo na Lei 8.935, tanto que esta distingue hipteses de extino da delegao e extino da serventia. Assim, o art. 39 arrola os casos de extino da delegao, prevendo que, neste caso, enquanto vago o servio e no implementado o concurso para preench-lo, ser designado substituto para responder por ele. J o art. 44, perante o caso de impossibilidade absoluta de preench-lo, por desinteresse ou inexistncia de candidatos ao concurso pblico a tanto destinado, estabelece que, em tal hiptese, o juzo competente propor autoridade competente a extino do servio e a anexao de suas atribuies ao servio da mesma natureza mais prximo ou...

    7. Tanto a Constituio, quanto a lei a que esta se reporta, presumem, ento, uma constelao de unidades prestadoras de servios notariais e de registro, isto , plexos de poderes pblicos articulados cada qual em uma organizao administrativa e tcnica, plexos estes referidos como serventias que podem ficar vagas, no mximo, por at seis meses, perodo que no ser superado sem que sejam preenchidas por atos de provimento, efetuados por delegao decorrente de concurso pblico ou por remoo.

    Isto o que promana de modo inequvoco dos preceitos mencionados e que, de resto, mesmo falta deles, ter-se-ia de depreender ante a ndole e compostura das atividades em causa.

    Alis, ao cogitar do preenchimento das vagas em serventias, que dever ser feito alternadamente, duas teras partes por concurso pblico e uma tera parte por remoo, a teor do precitado art. 16 da Lei 8.935, seu pargrafo nico expressamente indica que, para estabelecer o critrio de preenchimento, tomar-se-

  • por base a data da vacncia da titularidade, ou, quando vagas na mesma poca, aquela da criao do servio.

    Cumpre, ento, indagar como surgem, isto , como aparecem e como desaparecem no universo jurdico tais servios, tambm nominados de serventias, expresses estas, ambas, utilizadas na Carta Magna e no regramento infraconstitucional expedido em sua obedincia, os quais diga-se de passagem servem-se desta ltima nomenclatura no 3 do art. 236 da CF e nos arts. 16, 22, 28, 29, I, 30, I, e nos 1 e 2 do art. 36 da Lei 8.935.

    8. O modo como surgem e como se extinguem, evidentemente, o mesmo pelo qual se criam e extinguem os feixes unitrios de competncias pblicas, isto , os segmentos em que se partilha o poder estatal; a saber: por lei.

    De fato, excludas as disposies residentes na prpria Constituio, no Poder Legislativo que reside a fora inaugural na ordem jurdica, ou seja, a criao primria do Direito. Judicirio e Executivo so rgos aplicadores do Direito; o primeiro, ante relaes controvertidas e sob provocao e o segundo de ofcio (Administrar aplicar a lei de ofcio, disse Seabra Fagundes).[2] Quando do Judicirio ou Legislativo exercem atividade administrativa, seguem o mesmo parmetro do Executivo.

    Sendo certo e sabido que por lei que se especificam os plexos de competncias pblicas, os feixes de atribuies para o desempenho de misteres pblicos, resulta bvio e de meridiana obviedade que os servios notariais e de registros s se criam por lei e, correlatamente, por lei que se extinguem. Como, notoriamente, a Constituio Brasileira de 1988 no alterou a precedente competncia estadual para organizao dos servios auxiliares do Judicirio dos Estados, a Constituio Paulista, em seu art. 24, 2, item 6, estabeleceu competir exclusivamente ao Governador de Estado a iniciativa das leis que disponham sobre: criao, alterao ou supresso de cartrios notariais e de registros pblicos.

    9. A Lei federal 8.935 no se serve da expresso cartrios, corrente na legislao paulista. Usa a terminologia servios ou serventias, mas, bem de ver que nomes so meros rtulos apostos s coisas. Nenhum ser deixa de existir ou se transforma em outro pelo simples fato de ser designado por outro nome. Com ou sem tal nome, o certo que, nos termos da citada lei (como resulta dos arts. 16 e par. n., 20, 5, 21, 27, 28, 29, I, 39, 2, 43 e 44), persiste existindo o mesmo que se designa por Cartrio ou Tabelionato, (terminologia esta ltima, alis, utilizada no art. 20, 4); isto : unidades individuadas e havidas como organizaes tcnicas e administrativas onde se nucleiam feixes de competncias e cuja existncia e vaga considerado pressuposto das vrias concretas delegaes (art. 16) necessrias para que sejam providos os titulares: expresso reiteradamente utilizada, como se v nos arts. 5; par. n. do art. 16; 17; 20, 5; 21; 36; 2 e 3).

    De resto, tais titulaes genricas, quais as da lei federal, tambm no significam empeo a que as normas estaduais lhes aponham designaes diversas ou conservem as anteriores. Antes, coadunam-se inteiramente com o sentido do regramento federal, qual seja o de estabelecer as disposies demandadas pelo art. 236 da CF sem interferir com a legislao estadual de simples organizao de tais servios, com o que deixou sobreviventes normas estaduais no colidentes com seus preceitos e, pois, mantidas as nomenclaturas utilizadas em cada Estado para designar os diversos servios ou serventias.

    10. toda evidncia e de fora parte art. 24, 2, 6, da Constituio Paulista, nem Executivo, nem Judicirio poderiam, mesmo, criar ou suprimir servios notariais e de registro.

  • Sem dvida, a atividade desempenhada em tais serventias atividade administrativa, pois consiste em garantir a publicidade, autenticidade, segurana e eficcia dos atos jurdicos (art. 1 da Lei 8.935). Ora, sabido que a Administrao atividade infralegal, de mero cumprimento de lei. Deveras, a Administrao alm de no poder agir contra legem ou praeter legem, s pode atuar secundum legem, como bem disse Stassinopoulos.[3] Com efeito, trata-se de funo caracterizada por consistir na emisso de comandos complementares lei, segundo a felicssima dico de Alessi, que ressalta seu carter de subordinao funo legislativa, no s porque a lei pode estabelecer proibies ou vedaes Administrao, mas tambm porque esta s pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza, sobreposse em matria jurdica.[4] Da haver Afonso Rodrigues Queir, o eminente mestre coimbro, observado que a Administrao a longa manus do legislador[5] e que a atividade administrativa atividade de subsuno dos fatos da vida real s categorias legais.[6] Merece ainda registro a excelente sntese contida na seguinte frase de Fritz Fleiner: Administrao legal significa ento: Administrao posta em movimento pela lei e exercida nos limites de suas disposies.[7] Entre ns Hely Lopes Meirelles exprime a seguinte lio: Enquanto na atividade particular lcito fazer tudo o que a Administrao no probe, na Administrao Pblica s permitido fazer o que a lei autoriza.[8] De resto, a Constituio brasileira, sobre consagrar no art. 37 o princpio da legalidade como subordinante da Administrao, deixa claro, no art. 84, IV, que mesmo os atos mais conspcuos do Chefe do Poder Executivo, autoridade mxima da Administrao na rbita federal, existem para fiel execuo das leis.

    Assim, claro a todas luzes que, mesmo sendo a atividade notarial e de registro de natureza administrativa, jamais o Executivo poderia, sponte propria, instaurar no universo jurdico servios desta ordem, pois isto corresponderia a inovar inicialmente na ordem jurdica, ou seja, implicaria compor, por si mesmo, plexos unitrios de competncias, centros de manifestao de poderes pblicos, o que, evidentemente lhe seria defeso pelo princpio da legalidade, j que sua funo a de implementar previses legais e no a de instaurar unidades expressivas de poderes pblicos. Ora bem, assim como ao Executivo faleceriam poderes para criar servios notariais e de registro, a fortiori, falecer-lhe-iam poderes para extingui-los, at mesmo porque faz-lo implicaria contrariar o que fora disposto por lei, isto , insurgir-se contra a lei, desfazendo o que ela fizera.

    11. Se claro, ento, que o Executivo careceria radicalmente de poderes para criar ou extinguir serventia, mais claro ainda que faleceria ao Judicirio ttulo para tanto. De um lado, ditos servios, manifestamente administrativos, nada tm a ver com a natureza das funes prprias do Judicirio. Apenas por uma tradio, de resto, felicssima tradio (j que o Judicirio , para alm de qualquer dvida ou entredvida, o melhor, o mais isento, o mais tcnico e o mais confivel dos trs Poderes, ao menos entre ns) que so havidos como rgos auxiliares dele. De outro lado, a misso tpica do Judicirio , quando suscitado, dirimir controvrsias com fora de coisa julgada, nada tendo a ver, pois, com a criao ou supresso de unidades administrativas, isto , de centros subjetivados de poderes pblicos no legislativos nem jurisdicionais e tambm no integrados na intimidade de seu aparelho, pois so servios exercidos em carter privado e por delegao (de atividade pblica). De fato, nada concorreria para que se lhe reconhecessem to abstrusos poderes.

    Assim, mesmo falta do disposto no art. 24, 2, item 6, da Constituio Paulista, evidentemente ter-se-ia de reconhecer que ditos servios s por lei poderiam ser criados e extintos, tanto mais porque, como de todos sabido, ao Legislativo que compete produzir as normas primrias, as delineadoras dos feixes de poderes pblicos previstos constitucionalmente. De resto, expressa a Constituio Federal tanto ao dispor, no art. 2, que so Poderes da Unio, independentes e harmnicos

  • entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judicirio, (e assim, correlatamente, ter de ser nos Estados, por fora do art. 25 da Lei Magna, j que o preceito transcrito tem o carter de princpio da organizao nacional), quanto ao estabelecer no art. 48 que ao Congresso compete dispor sobre todas as matrias de competncia da Unio e assim (correlatamente) iguais atribuies assistem s Assemblias Legislativas. certo, ademais que tal preceptivo irroga ao Legislativo dispor especialmente sobre organizao administrativa e judiciria (...) (inc. IX) e criao, transformao e extino de cargos, empregos e funes pblicas (inc. X).

    Ningum contender a assertiva curial de que o que delegado aos notrios e registradores o exerccio de uma funo pblica, assim como ningum contender que o conjunto de servios desta natureza corresponde a uma organizao administrativa ou, se se quiser, tambm, judiciria, na medida em que considerada servio auxiliar do Judicirio.

    12. Ora bem, o que concerne ao Poder Judicirio no que atina a tais servios e seus delegados de fora parte disposies da legislao estadual no colidentes com as normas a que est adstrita o que est expresso no art. 236, 1, da CF, e na Lei 8.935 de 18.11.1994.

    De acordo com o citado 1:

    Lei regular as atividades, disciplinar a responsabilidade civil e criminal dos notrios, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definir a fiscalizao de seus atos pelo Poder Judicirio.

    A teor da Lei 8.935, compete ao Poder Judicirio realizar os concursos pblicos para provimento de tais servios (art. 15) e, atravs do Juzo competente, fixar os dias e horrios em que sero prestados os servios notariais e de registro (art. 4); receber o encaminhamento feito pelo titular dos nomes de seus substitutos (art. 20, 2); resolver as dvidas levantadas pelos interessados e que lhe sero encaminhadas pelos notrios e registradores (art. 30, XIII); fixar as normas tcnicas de obrigatria observncia naqueles servios (art. 30, XIV); aplicar aos notrios e oficiais de registro, em caso de infraes disciplinares, assegurada ampla defesa, as penalidades previstas de repreenso, multa, suspenso e perda da delegao (art. 34 c/c. 31, 32 e 33), dependendo esta ltima de sentena judicial transitada em julgado ou de processo administrativo, assegurado amplo direito de defesa (art. 35), bem como, designar interventor para responder pela serventia (arts. 35, 1 e 1 do 36) quando suspend-lo preventivamente (art. 36 e 1 do art. 36); exercer, atravs do juzo competente, como tal considerado aquele assim definido na rbita estadual ou distrital, a fiscalizao dos atos notariais e de registro, sempre que necessrio ou quando da inobservncia de obrigao legal destes agentes ou seus prepostos (art. 37); remeter ao Ministrio Pblico cpias e documentos necessrios denncia, quando em autos ou papis que conhecer, verificar a existncia de crimes de ao pblica (pargrafo nico do art. 37); zelar para que os servios notariais ou de registro sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatria e de modo eficiente, podendo sugerir autoridade competente planos de adequada e melhor prestao deles (art. 38); propor autoridade competente a extino do servio notarial ou de registro e anexao de suas atribuies a outro da mesma natureza, quando verificada a absoluta impossibilidade de se prover por concurso pblico a titularidade dele, por desinteresse ou inexistncia de candidatos (art.44).

    Estas e s estas so as atribuies que o art. 236 da Constituio ou a Lei 8.935 assinaram ao Poder Judicirio em matria de servios notariais ou de registro. Outras atribuies somente podem ser derivadas da anterior legislao estadual pertinente e dos atos normativos com base nela expedidos, desde que compatveis com os diplomas referidos, bem como os que, sob igual pressuposto, vierem a ser

  • produzidos (leis ou atos normativos). O que no se poderia como claro a todas as luzes seria extrair novas atribuies do nada ou o que lhe seria equivalente do simples intento dos rgos judicirios.

    13. bvio, ademais, que os arts. 38 e 44 da Lei 8.935 em nada corroboram entendimento diverso daquele que se vem de expor. Com efeito, o primeiro dos preceptivos em apreo estatui que o juzo competente poder sugerir autoridade competente a elaborao de planos de adequao e melhor prestao desses servios (os notariais e de registro) e o segundo deles dispe que o juzo competente propor autoridade competente a extino do servio e a anexao de suas atribuies ao servio da mesma natureza mais prximo ou quele localizado na sede do respectivo Municpio ou de Municpio contguo.

    A expresso autoridade competente, toda evidncia, perfeitamente indefinida. Nunca se ouviu de quem quer que fosse a assertiva de que o qualificativo competente, aposto expresso autoridade, queira significar autoridade do Poder Judicirio. Antes, notrio que se usa de tal modo de dizer quando, deliberadamente, no se quer, em dado entrecho, especificar a autoridade qual se est fazendo referncia. Exatamente em face da aludida expresso pode-se ter como certo que em nenhum destes artigos existe sugesto alguma de que o Judicirio possa criar ou extinguir serventias. Logo, de tais preceptivos s se poderia colher concluso desta ordem se, por outras razes (nunca pelo que consta dos artigos em pauta) j fosse autorizado dito entendimento.

    Com efeito, do fato de que o juzo competente possa sugerir autoridade competente planos de melhoria do servio, ainda que, in casu, dita autoridade seja do Poder Judicirio, segue-se apenas que aquele que for, no Judicirio, o competente, se acolher a sugesto, tomar as providncias cabveis, isto , exercitar os poderes que tenha e no poderes que no possua. Logo, se as medidas propostas estiverem dentro de sua alada, poder adot-las. Se, pelo contrrio, forem atinentes ao Executivo ou ao Legislativo, caber-lhe-, to-somente, se encampar o que foi proposto, sugerir, a quem possa adot-las, que o faa.

    Assim, tambm, do fato do juzo competente dever propor autoridade competente a extino das atribuies de dada serventia para irrog-las a outra quando seu preenchimento, por concurso pblico seja impossvel, por desinteresse de terceiros se candidatarem vaga decorre apenas que tal proposta de extino ter de ser considerada pela autoridade competente, no havendo nisto definio alguma de que o titulado para extingui-la seja o Judicirio. Alis, na hiptese vertente, a sugesto extravel do texto , precisamente, em sentido contrrio. Isto porque, como o prprio Poder Judicirio quem realiza o concurso e no o juzo tal ou qual segue-se que s ele mesmo, verificado o desinteresse pelo certame, poderia fazer tal proposta para extino das atribuies de dada serventia e sua incorporao s de outra. Como no teria sentido que o Judicirio propusesse a si prprio tal extino bem de ver que ter de prop-lo a outrem.

    De resto, mesmo adotando-se uma interpretao literal do dispositivo (a qual, na hiptese em foco, seria manifestamente rebarbativa), isto , a de que a proposta mencionada ser feita pelo juzo especfico a que estiver adstrita a serventia, e que, pois, dever encaminh-la autoridade competente para extinguir as atribuies do servio, nem por isto ficaria autorizada a concluso de que o ato extintivo seria de competncia do prprio Poder Judicirio. que, sabidamente, diante do princpio da hierarquia, os que se encontram em patamar hierrquico menor, devem encaminhar sugestes ou propostas, ainda que obrigatrias, atravs de seus superiores. Contudo, no encaminhamento a superiores hierrquicos da proposta tal ou qual no vai implicando que estes possam decidir o assunto em tela por si mesmos, visto que, conforme o caso, podero apenas avalizar o proposto para fins de submet-lo a quem de direito. Logo, a circunstncia de que o juzo competente devesse dirigir a

  • escalo mais elevado a proposta em foco, nada significaria seno o prprio cumprimento de um princpio comum de hierarquia administrativa e no irrogao de competncia ao Poder Judicirio para extinguir serventia.

    Para tanto seria preciso muito mais do que o constante do preceptivo em causa.

    14. Acresce, finalmente, que, mesmo se o sentido da regra em apreo fosse desmesuradamente forado, o mximo que se conseguiria dela extrair seria a inteleco de que em uma nica e especfica hiptese a de concurso deserto ficaria aberta uma exceo regra geral de que s por lei de extinguem serventias. Com efeito, intrprete avisado jamais sacaria de um dispositivo que cogita de hiptese peculiarssima, concluso extensiva para a generalidade de casos. Menos ainda arrojar-se-ia a tanto se, para faz-lo, tivesse de atribuir-lhe o condo de fulminar todo um sistema jurdico estabelecido, de subverter o princpio conhecido como o da reserva legal e de atribuir-lhe o formidvel impacto de reduzir o mbito de abrangncia de uma regra de estatura constitucional manifestada de maneira clara, explcita e sem contenes, qual a do art. 24, 2, 6, da Constituio Paulista. Cumpre no perder de vista a lio de Carlos Maximiliano:

    Em todo caso, o hermeneuta usa, mas no abusa da sua liberdade ampla de interpretar os textos. (Interpretao e aplicao do direito, 1933, Porto Alegre : Livraria do Globo, 2, ed., p. 169).

    De toda sorte, como dito, nem o art. 38 nem o art. 44 comportariam exegese capaz de conferir ao Judicirio o poder de extinguir serventias, tanto mais porque, de fora parte as consideraes que se vem de fazer, contenderiam, generala, com razes de grande tomo precedentemente expostas.

    Em face do exposto, as indagaes da Consulta podem ser examinadas sem qualquer dificuldade, visto que ou j se encontram implantadas as bases necessrias para faz-lo ou j foram praticamente respondidas ao longo do que foi dissertado com estribo nos textos pertinentes.

    As indagaes da consulta

    15. A primeira indagao questiona se o ato de delegao para provimento dos servios notarias ou de registro cabe ao Poder Judicirio, tendo em vista que a ele compete fiscalizar ditos servios e ( 1 do art. 236 da CF e arts. 37 e 38 da Lei 8.935), assim como, a ttulo de penalidade, cassar delegaes conferidas a notrios e registradores e (art. 32, IV, c/c. 35, I e II).

    J se viu, longamente, quais as atribuies conferidas pela Constituio e pela Lei 8.935 ao Poder Judicirio e entre elas (basta ler os dispositivos referentes) no est mencionado ou sequer insinuado o poder de efetuar tais delegaes. De um lado, fiscalizar os atos de algum , quer do ponto de vista lgico, quer do ponto de vista semntico, quer do ponto de vista jurdico, atividade absolutamente distinta de prover o fiscalizado nas competncias cujo exerccio ser objeto de delegao. No se tem notcia de algum que haja feito confuso entre estas duas coisas.

    De outro lado, verifica-se que no art. 15 a mesma lei atribuiu ao Poder Judicirio o encargo de realizar os concursos pblicos para provimento das serventias, sem, contudo, referir que lhe competiria efetuar os provimentos conseqentes, o que j , de per si, significativo; ou seja: revelador de que no pretendeu adotar tal soluo. Com efeito, na conformidade da legislao estadual existente poca da Lei 8.935, tanto como em toda a tradio legislativa precedente, os provimentos no eram feitos pelo Judicirio, mas pelo Executivo, donde, parece bvio que, se fosse intento da lei federal produzir ou determinar to radical alterao no sistema anterior, t-lo-ia

  • dito e, ademais de modo claro e explcito. Seria, pois, absurdo e desatado atribuir ao seu silncio no particular, o surpreendente efeito de destruir o Executivo de uma competncia que no lhe contestou e atribuir ao Judicirio uma competncia que este dantes no possua.

    Se a isto acrescentar-se que previso neste sentido existiu no texto (art. 2) que haveria de converter-se na lei em apreo, mas foi vetado pelo Executivo e mantido o veto pelo Legislativo de sorte que nela recusou-se a adoo de tal soluo resulta da mais solar evidncia que no h acrobacia hermenutica capaz de convencer algum intrprete isento de que se deva extrair dos dispositivos desta mesma lei competncia para o Judicirio efetuar tal delegao.

    Aduza-se, ainda, que notrio princpio de exegese no presumir que disposies normativas novas infirmam as precedentes, sobreposse quando implicam rompimento com larga tradio legislativa anterior, a menos que isto resulte clara e induvidosamente dos termos do regramento superveniente. Extrair esta conseqncia do mero silncio, ento, j uma liberdade inadmissvel. Veja-se ao propsito a lio de Black o sumo mestre de exegese:

    A interpretao de uma lei, deve, pois, ser feita de maneira a evitar qualquer mudana nas leis anteriores a menos que isto veja necessrio para tornar efetivo seu especfico propsito.[9]

    Em abono e suplementao deste entendimento colaciona a seguinte passagem jurisprudencial:

    E a produo de uma legislatura no deve ser aligeiradamente (lightly) presumida como havendo tido a inteno de infirmar o estatudo pelos predecessores ou (a inteno) de introduzir mudana fundamental em princpios legais por longo tempo estabelecidos.[10]

    E ainda:

    improvvel, no mais alto grau, que a legislatura tivesse subvertido princpios fundamentais, infringido direitos ou se afastado do sistema geral da lei, sem que haja expressado suas intenes com irresistvel clareza; e atribuir quaisquer destes efeitos a expresses gerais, simplesmente porque em seu sentido estreito e talvez natural possuam tal significado, seria atribuir-lhes um sentido no qual no foram efetivamente utilizados.[11]

    Por outra parte, se ao Judicirio cabe cassar a delegao, decretando-lhe a perda, da no se tem porque extrair que a delegao seja ato de sua alada. Antes, a cassao, por ser penalidade, talvez pudesse ser compreendida como uma conseqncia do poder de fiscalizar e note-se -, ainda assim, a lei reputou necessrio explicitar que ao Judicirio caberia aplicar as sanes. Logo, se mesmo no que concerne a uma presumvel decorrncia do poder de fiscalizar a lei considerou que teria de ser expressamente irrigada ao Judicirio, para deixar-lhe firmada a competncia em tal matria, como pressupor, ento e, ademais, em contradita com a legislao precedente que, no silncio da lei, assistir-lhe-ia tambm o poder de praticar o ato de delegao, o qual nem decorrncia do poder de sancionar e nem est logicamente nele implicado?

    16. O segundo tpico da consulta indaga se resulta implicado no sistema instaurado pelo art. 236 da Constituio e na prpria Lei 8.935 onde no h meno a cartrios que a instaurao de novos servios e a supresso dos existentes pode ser feita independentemente de lei que os crie ou extinga, efetuando-se por mera deciso do Poder Judicirio, bastando-lhe, arrimado em motivos de convenincia,

  • decidir administrativamente instituir as delegaes que reputasse necessrias, aps concurso pblico que entendesse de abrir para constitu-las, cabendo-lhe, tambm, pelas mesmas razes, suprimir servios existentes e confiar o respectivo acervo a outro delegado. Pergunta, ainda, se os arts. 38 e 44 da lei referida corroborariam tal entendimento e caso sejam afirmativas as respostas ao indagado, se, ento, haver-se- de entender que o art. 24, 2, 6, da Constituio Paulista tem seu mbito de aplicao restrito s serventias cuja existncia jurdica se encontrasse respaldada no art. 32 do ADCT da CF.

    J se exps, amplamente, que, ao contrrio do suposto na pergunta, a Constituio e a Lei 8.935 no fizeram desaparecer as unidades conhecidas como cartrios e que, no tendo se servido de tal expresso, valeram-se de outras para referir tais especficas e individuadas unidades que concentram plexos de atribuies pblicas a serem exercidas em carter privado. Assim, de par com a terminologia servios, a Constituio valeu-se da expresso serventia para nomear o gnero ( 1 do art. 236 da CF) e o mesmo o fez a lei inmeras vezes (arts. 16, 22, 28, 29, I, 30, I e 1 e 2 do art. 36), utilizando, ainda, o nomen juris tabelionato (art. 24, 1) ao se reportar a uma das espcies delas. Nem por esta ltima circunstncia algum imaginaria que os Tabelionatos foram mantidos e todas as outras variedades de serventias perderam entidade.

    17. Contudo, independentemente desta questo simples, que da irrelevncia, em si mesmas, das nomenclaturas, j que as palavras so meros rtulos que apomos as coisas, como disse Gordillo, citando Hospers,[12] o certo que resulta esplendorosamente claro, seja da Constituio, seja da lei regulamentadora do art. 236, que, tanto como existiam, persistem existindo e tero de existir individuadas unidades que sintetizam plexos de atribuies. Por isto a lei fala, no art. 43, em cada servio notarial ou de registro.

    Assim, a existncia de tais unidades que so as serventias ou servios condio e pressuposto de seus provimentos ( 3 do art. 236 da CF e 16 da lei), pela investidura de titulares (arts. 5; par. n. do 16; 17; 20, 5; 21; 27; 36, 2 e 3, e 44 da lei), na qualidade de delegados investidos nas funes do servio ou serventia. Da a referncia legal a manter em ordem documentos de sua serventia (art. 30, I). Por isto, de resto, a Constituio fala em serventia vaga ( 3 do art. 236 da CF e 16, da lei) ou servio vago (art. 39, 2) ou em desmembramento ou desdobramento de sua serventia (art. 29, I). Alm disto, a lei menciona hiptese de suspenso do titular do servio em que est designado interventor para responder pela serventia (art. 35, 1).

    Alis, como dantes se observou, a lei expressa em referir que existe uma criao do servio, em si mesmo considerado, e a ela faz referncia explcita no art. 16, par. n.

    Finalmente, certo tambm que a lei distingue claramente entre extino da delegao e extino da serventia ou servio, no que se revela, ainda outra vez e de modo inconfundvel, o que se trata de coisas diversas. Com efeito, no art. 32, IV, no 35 e no 39, a lei trata da perda ou extino da delegao e no art. 44 cogita da extino do servio propriamente dito, ambos concebidos, toda evidncia, como realidades jurdicas diferentes, tanto que, extinta a delegao a notrio ou a oficial de registro a autoridade competente declarar vago o respectivo servio, designar o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrir concurso (art. 39, 2, precitado).

    18. Demais disto e na conformidade do quanto dantes se exps (notadamente nos itens 8, 10, 11 e 12 deste parecer), bvio que faleceria ao Judicirio o poder jurdico, tipicamente legislativo, de criar ou suprimir as referidas individuadas

  • unidades constitutivas de plexos unitrios de competncias administrativas pblicas, a menos que a prpria Constituio lhe houvesse inequivocamente investido em tais atribuies atpicas, o que, de resto, nem ela nem a lei federal o fizeram. Dos arts. 38 e 44 da lei, nem mesmo forando a exegese ao limite mximo, poder-se-ia extrair concluso desta ordem, porque ambos se referem a autoridade competente, expresso neutra, que em parte alguma significa autoridade do Poder Judicirio. De resto, se fosse de admitir e no o que o art. 44 conforta tal entendimento, s-lo-ia, de resto, nica e exclusivamente para a hiptese excepcional e especfica de serventia vaga e para a qual no houvesse candidatos em concurso aberto para preench-la, caso em que abrir-se-ia uma exceo regra geral de que s por lei se extinguem serventias. Donde, no havendo nem a Constituio nem a lei bulido com o sistema bsico precedente, nem desinvestido os Estados de competncia na matria, a constituio Paulista, em seu art. 24, 2, 6, no exerccio das correspondentes prerrogativas autonmicas (art. 25 e 1 da CF: Os Estados organizam-se e regem-se palas Constituies e leis de adotarem, observados os princpios desta Constituio e So reservadas aos Estados as competncias que no lhes sejam vedadas por esta Constituio) estabeleceu, como j se averbou, que ao Governador do Estado compete exclusivamente a iniciativa das leis que disponham sobre: criao, alterao ou supresso dos cartrios notariais e de registros pblicos.

    Acrescente-se que, toda evidncia, tal preceito no poderia ter seu mbito restrito s serventias a que alude o art. 32 da CF, pela simples razo de que o art. 24, 2, 6, da Constituio do Estado, no fez, no sugeriu ou insinuou, ressalva alguma quanto ao seu mbito de abrangncia e tambm porque no teria razo alguma para faz-lo! Com efeito, mesmo que a Constituio Federal ou a lei a que se reporta o art. 236 houvessem abolido a expresso cartrio e o mero fato de no se valerem dela de modo algum autorizaria depreender que a aboliu do Direito e muito menos que aboliu o que com ela se representava em nada interferiria com o alcance do dispositivo da Constituio Paulista que os menciona.

    19. Como anotao postremeira, convm observar que o art. 236 da Constituio e, na conformidade dele, a Lei 8.935, no vieram trazer alteraes essenciais na sistemtica anterior. Ou seja: o fato de qualificarem notrios e registradores como exercentes, em carter privado, de funes pblicas de modo algum aporta inovao realidade jurdica precedente. Pelo contrrio. No preceptivo constitucional em pauta h, simplesmente, a confirmao daquilo que os notrios e registradores j eram e continuaram sendo. Assim, no art. 236 registra-se to-s uma obviedade sobre a qual a doutrina no tinha a menor dvida. A Lei Magna, houve por bem, to-s, explicitar e confirmar as dices da doutrina, prevenindo eventuais equvocos de desavisados ou pessoas carentes de maior conhecimento tcnico-jurdico na rea do direito pblico.

    De fato, muito antes da Constituio de 1988, o Professor e Desembargador do Egrgio TJSP, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, procedera a uma completa sistematizao dos agentes pblicos, na qual deixava esclarecido que notrios e registradores eram delegados de ofcio pblico.[13] Vale transcrever lies suas, emitidas bem ao propsito de prevenir confuses entre eles e funcionrios:

    Na realidade, os titulares de ofcios de justia so titulares de ofcios pblicos, como a prpria expresso declara, e, portanto, delegados do poder pblico para o desempenho de funes de efeitos jurdicos.

    (...)

    Por isso em vez de perceberem vencimentos dos cofres pblicos, esses delegados de ofcio pblico recebem, pela atividade jurdica realizada, custas ou emolumentos,

  • pagos pelas partes interessadas. o caso de tabelies de notas, de escrives e de escreventes de registros pblicos, de ttulos ou de imveis, dos escrives de justia (grifos nossos).[14]

    E pouco adiante:

    A distino entre o agente pblico e o delegado de funo ou ofcio pblico e o de obra ou servio pblico, est em que o funcionrio age em nome e por conta do Estado, enquadrado dentro da sua organizao administrativa, e o delegado em nome e por conta prpria. Por isso aquele recebe o competente estipndio, pago pelos cofres do Estado, e o ltimo recebe custas ou emolumentos, taxas ou tarifas, dos particulares que auferem os benefcios do exerccio das suas atividade, de ordem jurdica ou material, respectivamente.[15]

    Acompanhando as dices do mestre, em obra monogrfica, apostilamos em 1972:

    Quando a escrivania de justia no oficializada, seus titulares e empregados no so funcionrios pblicos nem se devem considerar a eles assimilados. Os titulares de tais ofcios so particulares em colaborao com a administrao, na condio de delegados de ofcio pblico. Os empregados de tais agentes pblicos, salvo se ocupantes de cargos, criados por lei, retribudos diretamente pelos cofres pblicos e nomeados por autoridade integrada nos quadros estaduais, tambm no so funcionrios, mas apenas empregados.

    Tudo o que foi dito das escrivanias de justia, seus titulares e auxiliares, mutatis mutandi, se aplica aos titulares das outras serventias pblicas e respectivos dependentes administrativos, como o caso dos tabelionatos e cartrios de registro, por exemplo. Na matria, acompanhamos integralmente a precisa lio do Professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (v. Teoria das servidores pblicos, RDP, v. I, especialmente p. 52-53).[16]

    Assim tambm, ainda em 1978, Hely Lopes Meirelles averbava:

    Agentes delegados so particulares que recebem a incumbncia da execuo de determinada atividade, obra ou servio pblico e a realizam em nome prprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalizao do delegante.

    Esses agentes no so servidores pblicos, nem honorficos, nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria parte de colaboradores do Poder Pblico. Nesta categoria se encontram os concessionrios e permissionrios de obras e servios pblicos, os serventurios de ofcios ou cartrios no estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intrpretes pblicos, e demais pessoas que recebem delegao para a prtica de alguma atividade estatal ou servio de interesse coletivo (Direito administrativo brasileiro, 6. ed., RT, 1978, p. 60-61 o primeiro e o ltimo grifos so do original).

    Como se v, assinalava-se, dantes como hoje, a mesma qualificao jurdica para os agentes em apreo. Alis, tal regime tradicional e no apenas no Brasil, tanto que, na Itlia, Renato Alessi, tratando da variedade de exercentes de atividade pblica, observava que:

    (...) o Estado se vale s vezes, como sujeitos auxiliares de sua ao administrativa, tambm de sujeitos privados, os quais, ainda que no entrem no mbito da administrao pblica de um ponto de vista subjetivo, na medida em que, como se ver, conservam a qualidade de sujeitos privados, conquanto sem dvida estejam postos na condio de sujeitos (sujeitos auxiliares tambm eles) de funo

  • administrativa.[17]

    Entre estes sujeitos que no integram subjetivamente administrao, refere diversas categorias, das quais:

    H, em primeiro lugar, a categoria dos profissionais encarregados de uma funo pblica: tpico exemplo, os notrios (...).[18]

    No mesmo sentido a lio de Enzo Capaccioli, que tambm colaciona os notrios como exemplo de sujeitos exercentes de funo pblica que no integram a Administrao Pblica em sentido subjetivo.[19]

    Alis, esta sistematizao das diversas variedades de exercentes de atividade pblica antiga e largamente disseminada. Assim, pode-se encontr-la igualmente em autores muito anteriores aos citados, como em Santi Romano e Guido Zanobini, para mencionar apenas alguns dos mais ilustres e conhecidos entre ns.

    20. Em suma: a Constituio Federal, no art. 236, no engendrou qualquer novidade na configurao da relao estatal entre notrios e registradores. Unicamente declarou-a s expressas. Segue-se que no h como ou porque extrair dele ou da lei que o regulamentou pretensas mudanas de sistemtica e imaginrias transformaes radicais em relao ao sistema precedente.

    Ao fim a ao cabo pode-se dizer que as perguntas formuladas na Consulta embasam-se em hipteses interpretativas que no podem merecer qualquer acolhida, pois pressupem rumos exegticos que parecem fruto de um puro subjetivismo, exprimindo desateno flagrante oportuna advertncia do precitado Carlos Maximiliano, nosso supino mestre de hermenutica, segundo o qual:

    Cumpre evitar, no s o demasiado apego letra dos dispositivos, como tambm o excesso contrrio, o de forar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graas fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto idias apenas existentes no prprio crebro, ou sentir individual, desvairado por ogerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos (Interpretao e aplicao do direito, 2. ed., Livraria do Globo, 1933, p. 118).

    21. Isto posto, s indagaes feitas responde-se:

    I No ao Poder Judicirio, mas ao Poder Executivo, que compete praticar o ato de delegao para provimento dos servios notariais e de registro. No se encontra no art. 236 da Constituio, nem na Lei 8.935, qualquer comando neste sentido. Sabe-se, ademais, que dispositivo com tal contedo e que constava do projeto da citada lei foi vetado e o veto confirmado pelo Poder Legislativo. Outrossim, nem o poder de fiscalizar, nem o de cassar delegaes a ttulo de penalidade trazem implicados em si o poder de investir os sujeitos que titularizaro tais servios. Donde, no seria por fora deles que se depreenderia modificao do regime anterior. que, nos termos da legislao paulista competente, tal poder assiste ao Poder Executivo e conforme notrio princpio hermenutico no se presume que disposies normativas novas infirmam as precedentes, principalmente quando romperiam com larga tradio legislativa anterior, a menos que isto resulte clara e induvidosamente dos termos do regramento superveniente.

    II Nem o art. 236 da Constituio Federal, nem a Lei 8.935 e muito menos a ausncia do uso da expresso cartrios avalizariam o entendimento de que os servios notariais ou de registro so o mero produto de delegaes (dotadas de virtualidade para instaurar-lhes a existncia jurdica) cujas extines produziriam a supresso dos prprios servios. Inversamente, resulta da prpria Constituio e de

  • numerosssimos dispositivos da lei a confirmao de que as delegaes no se confundem com os servios ou serventias ( 3 do art. 236 da CF e arts. 16, 22, 28, 29, I, 30, I e 1 e 2 do art. 36 da Lei 8.935) ou tabelionatos (art. 24, 1, da mesma lei) e nomin-los assim vale o mesmo que nomin-los cartrios. Tanto que a lei e a Constituio falam em serventias vagas ( 3 do art. 236 da CF, arts. 16 e 39, 2 da lei) e em desmembramento ou desdobramento delas (art. 29, I). Ademais os textos referem-se a seus provimentos ( 3 do art. 236 da CF e 16 da lei) e a titulares destes servios (arts. 5; par. n. do 16; 17; 20, 5; 21; 27; 36, 2 e 3, e 44 da lei). Acresce, ainda, que expressamente menciona criao do servio (art. 16, par. n.) e tambm distingue entre perda da delegao (art. 32, IV, no 35 e no 39) e extino do servio (art. 44). Em conseqncia de tudo isto revela-se destituda de qualquer pretenso suporte a rebarbativa hiptese de que a criao ou extino de tais servios possa prescindir de lei que assim o decida. Antes, perfeitamente claro que tais efeitos jurdicos s por lei podem ser produzidos, no s porque criao de centros unitrios de competncias pblicas envolve poderes legislativos (e, inversamente, a extino envolve uma contraposio ao que dela decorre), como porque o art. 236 da CF e a Lei 8.935 nem sugerem nem insinuam a outorga de tais atribuies atpicas ao Judicirio, sendo inconsistentes quaisquer tentativas de orientar a inteleco dos arts. 38 e 44 neste sentido. Reversamente, ambas, - Constituio e lei foram claras em cifrar as competncias deste Poder fiscalizao dos sobreditos servios. Acresce que o dispositivo constitucional em apreo, ao configurar notrios e registradores como delegados de servios pblicos, nenhuma alterao trouxe precedente natureza da relao entre eles e o Poder Pblico, visto que j possuam esta mesma configurao, conforme esclareciam os doutrinadores que se ocuparam do tema. Logo, da no poderia derivar subverso do sistema precedente e menos ainda ao ponto de autorizar exegese que implicasse infirmar a amplitude do que a Constituio Paulista, no exerccio da autonomia estadual (art. 25 e 1 da CF), disps em seu art. 24, 2, 6, ao estabelecer, sem restrio alguma, que a criao, alterao ou supresso de cartrios notariais e de registros pblicos dependeria de lei de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, espancando, dessarte, qualquer dvida ou entredvida que se quisesse armar a respeito.

    o meu parecer.

    (1) Cf. ao respeito O. A. Bandeira de Mello. Princpios gerais de direito administrativo, v. II, Forense, 1974, p. 364-365 e assim tambm sobre a distino entre funo e servio, Renato Alessi. Pincipi di diritto amministrativo, 4. ed., Giuffr, v. I, p. 209 a 211.

    (2) Controle jurisdicional dos atos administrativos. 5. ed., Forense, 1979, p. 4-5.

    (3) Trait des actes administratifs. Athenas : Librairie Sirey, 1954, p. 69.

    (4) Op. Cit., p. 9.

    (5) Estudos de direito administrativo. Coimbra: Atlntica, 1968, p. 9.

    (6) Reflexes sobre a teoria do desvio de poder. Coimbra, 1940, p. 19.

    (7) Principes gnraux du droit administratif allemand, 1933, p. 87.

    (8) Direito administrativo brasileiro, 14, ed., RT, 1989, p. 78. t.

    (9) Handbook on the Construction and Interpretation of the Laws. West Publishing

  • Co., 1896, p. 110, n.52.

    (10) Op. cit., p. cit.

    (11) Idem, ibidem.

    (12) Agustin Gordillo. Tratado de derecho administrativo.Macchi, 1974, p. 1-2.

    (13) Cf. Teoria dos Servidores Pblicos. Revista de Direito Pblico n.1, jul.-set. de 1967, p. 40 et seq. E, posteriormente, com ampla defena, em seus Princpios de direito pblico, Forense, 1974, v. II, p. 277 a 371.

    (14) Princpios, v. cit., p. 367.

    (15) Op. e v. cits., p. 368.

    (16) Apontamentos sobre os agentes e rgos pblicos. RT, 1973, p.9.

    (17) Principi di diritto amminstrativo. 4. ed., Giuffr, v. I, 1978, p. 34, grifo nosso.

    (18) Op. cit., v. cit., p. 73 o primeiro grifo do original.

    (19) Manuale di diritto amministrativo. Cedam, 1980, p. 228 a 230.