parceiros do rio bonito

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A pesquisa foi feita com enorme sacrifício pessoal e a elaboração do livro foi lenta e exigente. Por seu intermédio, um tipo de homem pobre “livre” ganhou espaço na estante dos clássicos. Ilumi- nou-se uma parcela do Brasil dos de baixo, o que eles são, como gente e portadores de uma civiliza- ção excluída e de uma sociedade subalternizada. [...] Descritos e interpretados como uma totalida- de, eles configuram os parceiros que não são ou- vidos e ganharam, por meio do livro, presença histórica nos subterrâneos de uma sociedade civil em tensão com o que ela não é mas deveria ser. (Fernandes, 1992, p. 35) O Crítico – Não estou contente com seus últimos livros. A rigor aceito que o sociólogo e o filósofo precisam se esforçar para serem entendidos por todo mundo; que atenuem suas pesquisas e es- condam todo o material sobre o qual repousa seu edifício, seus trabalhos pacientes de aproximação, suas fichas documentárias, suas elaborações esta- tísticas. Mas, noto no senhor uma tendência mais grave – fazer da poesia um método de sociologia. (Bastide, 1983, p. 8) A trajetória intelectual de Antonio Candido é profundamente ligada à história das Ciências So- ciais na FFCL/USP, 1 onde realizou sua graduação (1939-1941) e tornou-se professor assistente de Fernando de Azevedo na Cadeira de Sociologia II (1942-1958). Afastado institucionalmente da socio- logia e consagrado como crítico literário, a impor- tância do autor na sociologia brasileira deve ser resgatada em justa medida, para que se evitem os extremos do esquecimento e da apologia. O tex- to a seguir toma como ponto de partida a íntima relação entre literatura, crítica e sociologia 2 na obra do autor e avalia em particular o significado de Os parceiros do Rio Bonito na formação da so- ciologia paulista e brasileira. A TRADIÇÃO ESQUECIDA Estudo sobre a sociologia de Antonio Candido Luiz Carlos Jackson RBCS Vol. 16 nº 47 outubro/2001

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Page 1: Parceiros Do Rio Bonito

A pesquisa foi feita com enorme sacrifício pessoale a elaboração do livro foi lenta e exigente. Por

seu intermédio, um tipo de homem pobre “livre”ganhou espaço na estante dos clássicos. Ilumi-

nou-se uma parcela do Brasil dos de baixo, o queeles são, como gente e portadores de uma civiliza-ção excluída e de uma sociedade subalternizada.

[...] Descritos e interpretados como uma totalida-de, eles configuram os parceiros que não são ou-

vidos e ganharam, por meio do livro, presençahistórica nos subterrâneos de uma sociedade civil

em tensão com o que ela não é mas deveria ser.

(Fernandes, 1992, p. 35)

O Crítico – Não estou contente com seus últimoslivros. A rigor aceito que o sociólogo e o filósofoprecisam se esforçar para serem entendidos portodo mundo; que atenuem suas pesquisas e es-

condam todo o material sobre o qual repousa seuedifício, seus trabalhos pacientes de aproximação,suas fichas documentárias, suas elaborações esta-

tísticas. Mas, noto no senhor uma tendência maisgrave – fazer da poesia um método de sociologia.

(Bastide, 1983, p. 8)

A trajetória intelectual de Antonio Candido éprofundamente ligada à história das Ciências So-ciais na FFCL/USP,1 onde realizou sua graduação(1939-1941) e tornou-se professor assistente deFernando de Azevedo na Cadeira de Sociologia II(1942-1958). Afastado institucionalmente da socio-logia e consagrado como crítico literário, a impor-tância do autor na sociologia brasileira deve serresgatada em justa medida, para que se evitem osextremos do esquecimento e da apologia. O tex-to a seguir toma como ponto de partida a íntimarelação entre literatura, crítica e sociologia2 naobra do autor e avalia em particular o significadode Os parceiros do Rio Bonito na formação da so-ciologia paulista e brasileira.

A TRADIÇÃO ESQUECIDAEstudo sobre a sociologia deAntonio Candido

Luiz Carlos Jackson

RBCS Vol. 16 nº 47 outubro/2001

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Apresentado como tese de doutorado em1954 e publicado dez anos mais tarde por JoséOlympio na coleção “Documentos Brasileiros”, Osparceiros do Rio Bonito é a contribuição mais im-portante de Antonio Candido à sociologia brasilei-ra.3 A pesquisa e a escritura desse livro acontece-ram praticamente ao mesmo tempo em que o au-tor escreveu Formação da literatura brasileira.4

Esta “coincidência” sugere uma questão pouco ex-plorada: a relação da sociologia com a crítica lite-rária na obra de Antonio Candido. Aparentemen-te, a produção especificamente sociológica, cujonúcleo é Os parceiros do Rio Bonito, não tem liga-ção estreita com a crítica. Nossa primeira hipóte-se afirma o contrário: apesar da evidente distân-cia temática, as duas obras respondem de formadiferenciada à mesma preocupação, apontandopara uma unidade interna à diversidade de suaprodução que a vinculam a problemas típicos deuma tradição específica do pensamento brasileiro.

A primeira hipótese relaciona-se à segunda:Os parceiros do Rio Bonito não é apenas uma mo-nografia antropológica (ou um estudo de comuni-dade), mas uma interpretação abrangente denossa formação social. A afirmação deve ser mati-zada, pois o livro descreve a vida de um grupo deparceiros na fazenda Bela Aliança, situada no pe-queno município de Bofete, no interior de SãoPaulo. É a partir do parceiro de Bofete, entretan-to, que Antonio Candido recupera a formação his-tórica da cultura caipira no Estado de São Paulo,e com ela a tradição esquecida da formação so-cial brasileira.

É conhecida a leitura de Paulo Arantes eRoberto Schwarz, que enquadra a obra máximade Antonio Candido, Formação da literaturabrasileira (cuja redação não teve motivação aca-dêmica), na tradição dos mais importantes en-saios histórico-sociológicos das décadas de 30 e40: Casa- grande & senzala, de Gilberto Freyre;Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holandae Formação do Brasil contemporâneo, de CaioPrado Jr. Tais estudos, indefinidos entre história,sociologia e literatura, interpretam o processo deformação da nação e do Estado brasileiro. Demaneira análoga, Formação da literatura brasi-leira descreve a formação literária – seguindo

neste aspecto a tradição de críticos como SílvioRomero e José Veríssimo – como momento ne-cessário ao mesmo processo.

Não há por que duvidar, a intenção está notítulo. No caso de Os parceiros do Rio Bonito, tesede doutorado apresentada à cadeira de SociologiaII na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras daUSP, há motivos de sobra para tanto, uma vez queentre esse livro e as grandes interpretações doBrasil, verifica-se na sociologia paulista um esfor-ço de superação dessa perspectiva, identificadacom o Brasil arcaico e conservador. De fato, ostrabalhos realizados na USP e na Escola Livre deSociologia e Política a partir da década de 40transformaram o padrão dos estudos sobre a so-ciedade brasileira, conforme o depoimento de An-tonio Candido:

A importância da Sociologia e Política e da Facul-dade foi deslocar a sociologia brasileira das clas-ses dominantes para as classes dominadas. Osgrandes nomes da sociologia brasileira eram Gil-berto Freyre e Oliveira Vianna, que estudavam asclasses dominantes, na perspectiva da história. Arealidade imediata do Brasil contemporâneo foiestudada pela Escola de Sociologia e pela Facul-dade em suas camadas humildes. Samuel Lowriefez a pesquisa sobre o lixeiro; Gioconda Mussoli-ni estudou os caiçaras; eu estudei o parceiro ru-ral; Egon Schaden, o índio destribalizado; Flores-tan, o negro. Por assim dizer, nós radicalizamos asociologia brasileira” (depoimento concedido em30/09/1996).

Apesar de distanciar-se do ensaísmo, ao ladodos autores citados, todos vinculados à então re-cente experiência acadêmica paulista, Os parcei-ros do Rio Bonito aproxima-se ao sugerir uma in-terpretação ampla da formação social brasileira apartir da colonização paulista, iniciada no séculoXVI. Nesse sentido, pode ser lido dentro da longatradição do pensamento social brasileiro, mas es-pecialmente ao lado de autores como Euclides daCunha, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holan-da e Caio Prado Jr.

Em Os parceiros do Rio Bonito, a argumenta-ção de Antonio Candido percorre diferentes ní-veis, articulados a partir da etnografia realizadaem Bofete. Destacamos aqui sua preocupação his-

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tórica, evidente na primeira parte do livro. O livrofoi recebido inicialmente como trabalho de cunhoantropológico, dos primeiros a estudar de perto esistematicamente a cultura das populações cam-ponesas no Brasil. O grupo estudado habitava afazenda Bela Aliança, em Bofete, onde Edgard Ca-rone viveu por doze anos, entre 1948 e 1960.5 Naépoca, a fazenda, que produzira café até o princí-pio do século, estava voltada para a produção degêneros de subsistência. O principal regime detrabalho era a parceria.6 Preocupado com as trans-formações da sociedade caipira diante do fenôme-no da urbanização, Antonio Candido escolhe oparceiro como objeto da pesquisa etnográfica por-que ele seria uma espécie de ponto médio entreo caipira, sitiante autônomo, e o trabalhador assa-lariado. O objetivo explícito era buscar elementosque permitissem entender a assimilação do caipi-ra pela sociedade abrangente. Mas o livro apre-senta, também, uma reconstrução histórica do“mundo” caipira desde os primórdios da coloniza-ção em São Paulo, colonização singular porque,desde o século XVI, esteve voltada para a pene-tração do interior.

No prefácio de 1964, Antonio Candido apon-ta as influências intelectuais que atuaram direta-mente na elaboração do trabalho. São citados osseguintes autores estrangeiros: Marx, Redfield, Au-drey Richards, Malinovski, Lévi-Strauss. O autorbrasileiro referido é Sérgio Buarque de Holanda,cujos trabalhos citados são Monções e “Índios emamelucos na expansão paulista”. A “presença”de Marx, restrita à teoria da história da Ideologiaalemã, afirma a preocupação histórica em Os par-ceiros do Rio Bonito, e direciona a análise para aprodução dos meios de vida.

Quanto às críticas que, ouvi dizer, alguns faziama respeito de eu ter misturado autores tão díspa-res, penso que não cabem, porque toda tentati-va de síntese parte necessariamente de elemen-tos díspares. O importante é chegar a um pontode vista integrado, harmonioso e realmente ex-plicativo. Quero ainda esclarecer que sofri mui-ta influência de Marx, mas nunca me considereimarxista propriamente dito, obrigado a ser coe-rente com a totalidade de sua filosofia. E, pen-sando bem, Marx também poderia sofrer reparos

pelo fato de haver misturado Hegel, Ricardo,Adam Smith, Malthus, economistas liberais e so-cialistas franceses (depoimento concedido em06/06/1996).

A etnografia realizada em Bofete é o princi-pal método de trabalho. Sua importância é central,pois permite a reconstrução histórica da vida cai-pira tradicional com depoimentos de velhos caipi-ras, ao mesmo tempo em que fornece dados paraa compreensão da vida do agrupamento de par-ceiros estudado, e a transformação da cultura cai-pira em geral.7 Como fontes históricas escritas, sãoutilizados relatos de viajantes do século XVIII eXIX, além de autores folcloristas do começo doséculo, como Amadeu Amaral e Cornélio Pires. Otrabalho é caracterizado pelo autor como resulta-do “de certas orientações do antropólogo a outrasmais próprias do sociólogo”, (Candido, 1971, p.17) o que significa combinar a descrição detalha-da de um universo particular com as generaliza-ções exigidas pela análise sociológica,8 aqui preo-cupada com a assimilação da sociedade caipirapela capitalista abrangente, como já foi dito.

O livro não apresenta somente uma análiseobjetiva e imparcial, como os de Emílio Willemse Donald Pierson: “procuro localizar um aspectoda vida social [...] considerado não só como temasociológico, mas também como problema social”(Candido, 1971, p. 20). Sugere uma proposta po-lítica: a reforma agrária, orientada por estudossobre a cultura e a sociabilidade das populaçõesrurais. A análise, comprometida com os proble-mas sociais e informada pela história, afasta Osparceiros do Rio Bonito dos estudos de comuni-dade, rejeitados por Antonio Candido “pelo quetem de estático e convencional” (Candido, 1971,p. 20). O autor localiza a pesquisa no universodas culturas “rústicas”; enquanto “rural” diz res-peito à localização, “rústico” “pretende exprimirum tipo social e cultural, indicando o que é, noBrasil, o universo das culturas tradicionais docampo; as que resultaram do ajustamento do co-lonizador português ao Novo Mundo, seja portransferência e modificação dos traços da culturaoriginal, seja em virtude do contato com o abo-rígene” (Candido, 1971, p. 21).

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Embora ligada à cultura que se desenvolveunos latifúndios, a cultura rústica estaria mais pró-xima das culturas indígenas, e teria se desenvolvi-do de forma mais isolada, o que não implicaisolamento total.9 O camponês pobre, mais oumenos presente de acordo com a região, seria o“representante típico”. O caipira é o homem rústi-co da área delimitada pela colonização paulista.Ao estudar o caipira, a partir de sua formação his-tórica, Antonio Candido chama a atenção do lei-tor para os grupos marginalizados da coloniza-ção,10 não contemplados pelas interpretações maisamplas de nossa formação histórica até então. Aexceção seria Euclides da Cunha, como afirma napalestra proferida em 1954: “Nous lui devons lepremier effort pour caractériser la réalité propreaux cultures rustiques du Brésil, dont la genèse luisemblait être dirigée par l’isolement géographiqueet le mélange racial” (Candido, 1955, p. 323).

A relação entre a obtenção dos meios devida e as formas de sociabilidade correspondentesconstitui o tema central do estudo. Há aqui um“encontro” da teoria da história de Marx – o gru-po é estudado a partir das relações que estabele-ce com a natureza para obter sua sobrevivência –com o funcionalismo de Malinovski, que “mostra-ria que a satisfação das necessidades, sendo umadas molas da cultura, já se situa em pleno terrenoinstitucional” (Candido, 1971, p. 25). Como se tra-ta do estudo de grupo originado do colonizadorportuguês, em situação de mudança, AntonioCandido propõe um estudo comparativo entre ogrupo estudado e a sociedade abrangente, recor-rendo às noções de “mínimo vital” e “mínimo so-cial”. Os “mínimos” definem os limites para a so-brevivência física e social do grupo; abaixo delesestariam a fome e a anomia.

Da relação entre produção dos meios devida e sociabilidade, destaca-se a produção dadieta, porque a alimentação seria a principal ne-cessidade humana, inadiável em qualquer grupo ecircunstância. A sociologia proposta pelo autor échamada, então, de “sociologia dos meios de sub-sistência”, buscando interpretar todas as dimen-sões da vida social, a partir da alimentação.

Na primeira parte do livro, é feita a recons-trução histórica a partir de documentos escritos,

principalmente relatos de viajantes, e depoimen-tos de velhos caipiras, para alcançar o “tempo dosantigos”. A conclusão é que a sociedade caipira seformara durante a expansão paulista, principal-mente em seus momentos derradeiros (séculoXVIII), à medida que os homens abandonavam asexpedições e fixavam moradia no interior paulis-ta; suas características são, portanto, influenciadaspor esse processo. Terra abundante, mobilidadeconstante, caráter aventureiro do mameluco e re-lação quase visceral com a natureza determina-riam as formas de adaptação do caipira ao meioambiente.

Do povoamento disperso resulta ainda a for-ma típica de organização social, o bairro, unida-de mínima da sociabilidade caipira, “consistindono agrupamento de algumas ou muitas famílias,mais ou menos vinculadas pelo sentimento de lo-calidade, pela convivência, pelas práticas de au-xílio mútuo e pelas atividades mágico-religiosas”(Candido, 1971, p. 62). O bairro situa-se entre oscentros de povoamento urbano, aos quais recor-re o caipira eventualmente, e o isolamento. Aocupação do território é, em geral, transitória,não constitui propriedade.

O trabalho familiar, base da economia, écomplementado pela ajuda dos vizinhos, em ativi-dades de que a família não dá conta; conforme adefinição acima, “é membro do bairro quem con-voca e é convocado” a participar do mutirão. Ape-sar de o aspecto econômico envolvido no mutirãoser importante para sua explicação, ele não o es-gota. Aqui, a interpretação recorre a Lévi-Strauss:sua ocorrência está vinculada a um sistema de tro-cas que estabelece vínculos sociais entre os inte-grantes do bairro; do qual também fazem parte astrocas alimentares e as atividades mágico-religio-sas. A vida social do caipira corresponde, entre-tanto, a um mínimo, uma vez que na maior partedo tempo prevalece o círculo familiar como cerneda sociabilidade. Trata-se de cultura que se trans-forma muito pouco no decorrer do tempo, e querecorre à tradição como recurso de ajustamento ànova situação, como veremos.

Na segunda parte do livro, a descrição da ro-tina dos parceiros é minuciosa. São descritas astécnicas de plantio para as diversas espécies de

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milho, arroz e feijão utilizadas. O tempo do par-ceiro é regulado pelo ritmo de seu trabalho na la-voura; assim, as unidades de tempo que importamsão o dia, a semana e o ano agrícola. O mês, fun-damental para o trabalhador assalariado, para elepouco importa. As festas demarcam o ano: SãoRoque é o início, em agosto, e São João o fim, emjunho. O trabalho é fundamentado na família,onde ocorre a divisão sexual do trabalho, e com-plementado pelo auxílio vicinal. Mas as modalida-des de auxílio são diferentes das descritas para acultura caipira tradicional, aparecendo mais as tro-cas de serviço do que o mutirão, que fica restritoà família e aos mais íntimos.

No grupo estudado, prevalecia em grandeparte o cardápio tradicional: feijão, arroz e milho.O feijão é o “chefe da mesa”. As misturas são ra-ras; eventualmente frango, caça, ovos; quase nun-ca carne de vaca e pão. Pouco freqüentes no pra-to, as misturas não saiam da cabeça do caipira.Antonio Candido introduz aqui a “fome psíquica”,frustração que acompanha o caipira, mesmoquando a fome física está satisfeita. Descreve,também, a obtenção dos ingredientes, o modo depreparar e temperar os alimentos, e as diversas si-tuações em que ocorrem as refeições. As oportu-nidades de comer algo diferente surgiam nas fes-tas, religiosas ou não, e quando algum vizinhomatava um animal, em geral porco, e oferecia car-ne. Ao contrário do que diziam folcloristas comoCornélio Pires, a dieta caipira era, portanto, pobree mal equilibrada. A segunda parte do livro des-creve, enfim, a etnografia centrada na dieta doparceiro de Bofete, mas os dados recolhidos ser-vem, também, como fonte para reconstituir a vidacaipira tradicional e para o estudo sobre a famíliacaipira, publicado em anexo no livro.

A terceira parte, “Análise da Mudança”, inter-preta sociologicamente os dados recolhidos na et-nografia. Se a primeira parte nos remete para osclássicos dos anos 30 e 40, esta deve ser lida apartir das preocupações teóricas que orientamgrande parte dos trabalhos publicados nos anos40 e 50. Na antropologia, com o impacto dos “es-tudos de comunidade”, introduzidos no Brasil porEmílio Willems e Donald Pierson, respectivamen-te na USP e na Escola Livre de Sociologia e Polí-

tica, a questão fundamental é entender a naturezada mudança social nas comunidades. Na sociolo-gia, a partir dos anos 50, as pesquisas se voltampara a explicação das grandes transformações queocorrem na sociedade brasileira naquele momen-to, relacionadas à modernização do país, emfunção da aceleração dos processos de industria-lização, urbanização, formação da sociedade declasses e democratização política.

A interpretação de Antonio Candido integraessas duas questões a partir da análise da situa-ção de crise da cultura caipira, em face da expan-são da economia capitalista. No grupo de parcei-ros estudado, o autor busca diferenciar os fatosque indicam persistência de padrões tradicionaisdos que apontam a alteração. Como o momentoé de crise, os segundos prevalecem em relaçãoaos primeiros.

Em face da crescente imposição de necessi-dades pelo mercado capitalista, o caipira vai aospoucos integrando sua vida econômica à econo-mia geral. Sistema tradicionalmente semi-fechado,a crise da cultura caipira se expressa, então, nosproblemas decorrentes de sua integração ao capi-talismo. O caipira dependia antes da mobilidade ede terra abundante para amenizar os prejuízos de-correntes da adaptação precária ao meio ambien-te; na nova situação, sua sobrevivência torna-secada vez mais difícil. Diante do mercado, ele éobrigado a intensificar o ritmo de trabalho paraconseguir complementar sua produção; a regula-ridade dos preços, na compra dos produtos deque necessita, não é acompanhada pela regulari-dade na venda do que produz. Esse problema,acrescido da dificuldade de racionalizar a econo-mia doméstica, conduz ao desequilíbrio. Algunsconseguem se adaptar ao novo modo de vida, ou-tros acabam na miséria.

Na nova forma de ajuste social, o mundo docaipira fragmenta-se: as várias dimensões ganhamautonomia neste processo; não há mais interpene-tração de trabalho, lazer e religiosidade. Emboranão faça referência direta a Weber ou Marx, Anto-nio Candido mostra que a transformação da cultu-ra caipira está submetida à racionalização crescen-te descrita por Weber e à alienação provocadapela mercadoria no capitalismo, conforme Marx.

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Também as posições sociais se alteram: daindiferenciação tradicional, passamos a uma estru-tura social que se reorganiza no sentido da socie-dade de classes. Todas as transformações descri-tas geram desequilíbrio na sociedade caipira, e asobrevivência do grupo fica seriamente ameaçada.Como reage o caipira a esse processo?

De maneira geral, a cultura caipira caminhapara o fim inevitável, mas revela ao mesmo tem-po formas de resistência. A crise cultural provocareações psicológicas complexas no caipira. Comovimos, as técnicas tradicionais são abandonadas edesprezadas, mas as dificuldades crescentes deadaptação ao universo capitalista tem como con-traponto a valorização do passado.

Ninguém trabalhava alugado, porque para istohavia os cativos; não havia aforante nem colônio:era o “tempo das posse” e todos tinham a sua ter-ra. Era só chegar, tomar conta e pedir para o Go-verno, que concedia áreas medindo uma légua defrente por três de fundo. Mas depois vieram os fa-zendeiros ricos e como a caboclada era ignoran-te, foram comprando barato de uns, tomando àforça de outros (Candido, 1971, p. 194).11

A contraposição da dissolução da sociedadecaipira e da resistência cultural acaba matizando opessimismo da análise. A repulsa do parceiro aotrabalho assalariado, a mobilidade na medida ain-da possível, a formação de blocos familiares ondesão preservados os fatores de sociabilidade são in-terpretadas como resistência. Mas as formas de re-sistência não significam para o autor uma saídaviável para a crise que enfrenta o caipira.

Se o processo de incorporação à vida urba-na deixa o caipira em condição precária, muitasvezes de miséria, é porque não há vontade políti-ca de integrar o homem rústico, ou de contribuirpara a melhoria de seu nível de vida. A conclusãode Antonio Candido é política: se o fator limitan-te para a sobrevivência física, em primeiro lugar,e social, em segundo, é a indisponibilidade de ter-ra, a solução é a reforma agrária. Em nenhum mo-mento do livro, embora haja simpatia pelo caipi-ra, há a defesa do retorno à vida tradicional, que,como vimos, resultava de ajuste mínimo ao meioambiente. De forma sintética, o que se propõe é

a inclusão e não a exclusão das populações rústi-cas, inseridas em processo de urbanização inevi-tável. A proposta de Antonio Candido é limitada,entretanto, pela sua interpretação, que retira docaipira e do homem rústico qualquer possibilida-de de ação política autônoma.12

Escrito na década de 50, quando a grandepreocupação era buscar orientação cada vez maiscientífica na USP, Os parceiros do Rio Bonito afas-tou-se do “espírito” acadêmico vigente e causoucerto estranhamento. Embora tenha sido bem re-cebido – o livro teve oito edições entre 1964 e1998 – foi criticado, sobretudo nos anos 60, pormisturar esquemas teóricos aparentemente incom-patíveis e também por apresentar linguagem pou-co científica.

A interpretação que se segue recorre à leitu-ra de textos do autor, desde a tese sobre Sílvio Ro-mero, nos quais verifica-se o esforço de descrevero processo de formação do pensamento brasileiro– Formação da literatura brasileira é o núcleodesta reflexão. Na produção especificamente so-ciológica, estão relacionadas com o tema: “Eucli-des da Cunha sociólogo”, 1952; “Informação sobrea sociologia em São Paulo”, artigo publicado ori-ginalmente em 1954; “L’état actuel et les problè-mes les plus importants des études sur les socié-tés rurales du Brésil”, 1955; e “A sociologia noBrasil”, 1957. Outros artigos importantes dentrodesta orientação são: “O significado de Raízes doBrasil”, publicado em 1963 como prefácio do livrode Sérgio Buarque; “Literatura e cultura de 1900 a1945”, publicado em 1965 no livro Literatura e so-ciedade; “Literatura e subdesenvolvimento”, 1970;“A Revolução de Trinta e a cultura”, 1983; “Radi-calismos”, 1990.

Podemos tomar suas reflexões sobre a for-mação do pensamento brasileiro para entenderaspectos de sua obra; isso porque, ao mesmo tem-po em que interpreta os autores de nossa literatu-ra e de nosso pensamento social, com a preocu-pação de esclarecer o processo de formação dopensamento brasileiro, Antonio Candido fixa suaposição teórica, embora quase sempre o faça demaneira muito sutil. Nesse sentido, o que diz deoutros autores pode servir de referência paracompreendermos sua obra.

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Em Formação da literatura brasileira, alémde estudar esteticamente as obras, Antonio Candi-do descreve a formação do “sistema literário”brasileiro. A importância do livro, para compreen-dermos a constituição da sociologia, entre outrasespecialidades do pensamento brasileiro no sécu-lo XX, é que a literatura seria, até as décadas de20 e 30, a forma preferencial de reflexão sobre oBrasil. Em nossa literatura, a configuração do “sis-tema literário” ocorre durante o arcadismo e o ro-mantismo, aproximados pela mesma “vocaçãohistórica”, traduzida pela consciência por partedos escritores de seu papel na constituição da li-teratura nacional. No romantismo, o nacionalismointensifica-se em função do processo de indepen-dência e de construção do Estado Nacional. Antesda passagem para o romantismo, entretanto, nafase decadente do arcadismo, surgem os gênerospúblicos que, em função da efervescência políticae da rotinização literária, prevalecem diante daprodução literária e marcam o pequeno “surto dasluzes” brasileiro. A forma mais expressiva é o jor-nalismo de ensaio, e o nome mais importante, Hi-pólito da Costa. Este período é rapidamente supe-rado com a emergência do romantismo, mas suaimportância é grande porque revela, pela primei-ra vez em forma não literária, uma reflexão críticasobre a realidade brasileira. Nesse momento, con-forme Antonio Candido, define-se por aqui o pa-pel do intelectual que se integra na vida social epolítica e liberta-se da religião. A grande preocu-pação é questionar a relação metrópole-colônia e,depois da independência, indagar sobre o pro-gresso do país, para interferir diretamente nesseprocesso, indicando os rumos a serem tomados.

Efetivada a passagem do arcadismo ao ro-mantismo pelo “grupo da Niterói”, liderado porGonçalves de Magalhães, a reflexão sobre nossarealidade volta à forma literária. O nacionalismo éanterior à reforma romântica, mas, absorvido porela, constitui-se em um de seus principais aspec-tos. Manifesta-se na preocupação quase unânimedos escritores de descreverem a natureza, os cos-tumes, a história e os sentimentos brasileiros. Talseria a estratégia para tornar nossa produção lite-rária independente. O indianismo desponta aquicomo tema central, simbolizando o “nacionalismo

literário”. O índio é idealizado pelos poetas ro-mânticos, que atribuem a ele a origem de nossahistória. Mais comprometido com a realidade, oromance torna-se o veículo adequado para ex-pressar a ideologia nacionalista. Inicialmente po-bre, vai sendo sofisticado até Machado de Assis,onde se revela a maturidade da literatura brasilei-ra. O processo de amadurecimento é, para Anto-nio Candido, resultado do longo processo deformação. A emergência de Machado não é expli-cada a partir das influências externas, ainda quesejam também importantes, mas das internas:

Na verdade, ele [Machado] foi, sob vários aspec-tos, continuador genial, não figura isolada e lite-rariamente sem genealogia no Brasil, tendo en-contrado em Alencar, além da sociologia da vidaurbana, sugestões psicológicas muito acentuadasno sentido da pesquisa profunda (Candido, 1993,vol. 2, p. 193).

Depois de percorrer a produção literária noarcadismo e no romantismo, Formação da litera-tura brasileira termina com um estudo sobre a gê-nese da crítica literária no Brasil. Como no capítu-lo em que nos informa as condições históricas eliterárias que permitiram o surgimento dos gêne-ros públicos, importa-nos a relação direta com otema central da obra – a formação do sistema li-terário – mas também perceber que o surgimentoda crítica é parte do processo de diferenciação dotrabalho artístico e intelectual; em outros termos,de nossa formação cultural erudita.

Antonio Candido fecha o livro citando Ma-chado de Assis. A citação vem do artigo “Instintode nacionalidade”; a idéia defendida por Machadoé simples e decisiva: uma literatura nascente nãopode restringir-se a temas locais, uma vez que aindependência só é alcançada quando os autorestêm competência para tratar de temas universais.Retomando a tese central de Formação da litera-tura brasileira, a formação do sistema literário secompleta no romantismo. Ao final do século XIX,o sistema está maduro, o que se comprova pelaobra de Machado de Assis. Nele, a combinação en-tre as influências que absorve de nossos escritoresse combinam com as influências externas, paraproduzir uma obra universal. O horizonte de nos-

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so autor não é, portanto, a separação de nossa li-teratura das que a originaram, mas sua reintegra-ção. Nos termos de Roberto Schwarz, AntonioCandido não é nacionalista, mas “internacionalis-ta”. Em Formação da literatura brasileira, AntonioCandido reconstrói a formação de nossa literaturacomo sistema e sugere que nela está a origem denossa vida intelectual e artística; a crítica literária eo pensamento social aparecem inicialmente comogêneros literários e se autonomizam progressiva-mente. Vejamos o depoimento do autor:

Formação da literatura brasileira é de certa ma-neira um estudo de formação do pensamento bra-sileiro no campo da literatura. Lá, eu digo quenão pretendi fazer uma mera história da literatu-ra, dos textos literários. É um estudo sobre a von-tade dos brasileiros de terem uma literatura.“Como é que os brasileiros pensaram a literatura?”Este é o ângulo do meu livro, ou seja, como é queos brasileiros foram concebendo aos poucos a li-teratura, como é que eles foram se sentindo maisoriginais. Nela, me ponho no ponto de vista his-tórico. Acredito na causação histórica, embora elanão possa ser determinada com precisão. Não hácausação histórica de tipo mecânico, é claro, poisos fatos históricos se produzem em função deuma quantidade de fatores, que derivam uns dosoutros. Procurei observar isto na literatura. É decerta maneira um capítulo da formação do pensa-mento brasileiro no terreno da literatura, não só aprodução dos textos literários, mas como, ao ladoda criação dos textos literários, os brasileiros pen-savam no significado histórico dessa elaboração.Pensando nisto, eles pensavam o seu país (depoi-mento concedido em 30/09/1996).

A obra termina no final do século XIX, pon-to de partida de “A sociologia no Brasil” e tambémde “L’état actuel et les problèmes les plus impor-tants des études sur les sociétés rurales du Brésil”.Antonio Candido divide o processo de formaçãoda sociologia no Brasil em três fases: a primeira,1880-1930, marcada por estudos não especializa-dos e voltados para interpretações globais do Bra-sil; a segunda, transitória, 1930-1940, é o momen-to de publicação dos ensaios histórico-sociológi-cos de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e Caio Pra-do Jr.; a terceira, 1940 em diante, é a fase de “con-solidação e generalização da sociologia como dis-

ciplina universitária” e da “produção regular nocampo da teoria, da pesquisa e da aplicação”(Candido, 1957, p. 2107). No final do século XIX,a influência do evolucionismo é determinante e osintelectuais, em sua maioria juristas, formulam, apartir dos fatores naturais, principalmente a raça,as etapas de nossa evolução histórica. A “supera-ção” do evolucionismo ocorreria através de Eucli-des da Cunha, que e Os sertões apresentava “umafórmula bem brasileira de estudos sociais, em quea reconstrução do passado se amoldava a certospontos de vista do presente; em que o estudo semisturava à intuição pessoal e o cientista ao retó-rico, ou ao escritor”(Candido, 1957, p. 2107). Eu-clides é um autor chave no esquema de AntonioCandido. Sua importância se explica pela origina-lidade da análise em Os sertões, voltada para a par-te da sociedade brasileira esquecida pelas análisesprecedentes, e também pelas posteriores, que in-terpretaram o Brasil a partir das classes dominan-tes e/ou das relações sociais e políticas centraliza-das no latifúndio. Na literatura, rompeu com avisão idealizada do homem rural brasileiro, que se-ria ainda por certo tempo a tônica de estudosfolcloristas feitos por escritores como ValdomiroSilveira, Amadeu Amaral e outros. Como SílvioRomero, Euclides baseou-se no determinismo geo-gráfico e racial, mas as conclusões mais importan-tes do livro teriam sido retiradas do fato presencia-do pelo autor em Canudos, onde esteve, como sesabe, como repórter de O Estado de S. Paulo. Esteé mais um aspecto destacado, sua interpretação éretirada do contato direto com a realidade:

Do acontecimento, Euclides extrai limpidamentea teoria, salientando o significado social da coe-xistência de dois Brasis, cujas relações poderiamtomar, periodicamente, um sentido de grande tra-gédia coletiva, se não se desenvolvesse uma polí-tica adequada para superar a distância entre am-bos (Candido, 1957, p. 2110).

A preocupação com Euclides, no que dizrespeito à sociologia, já havia sido revelada dezanos antes – 1947 – em conferência proferida emSão José do Rio Pardo, na semana euclideana.Com poucas alterações o texto seria publicado emOESP, 1952, em página comemorativa dos cin-

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qüenta anos de Os sertões. Os títulos indicam, tal-vez, pequena diferença. O texto inédito de 1947 é“O sociólogo em Euclides da Cunha”; o de 1952 é“Euclides da Cunha sociólogo”. Se os argumentosnão se alteram substancialmente, confirmandoque há em Os sertões uma reflexão sociológica,embora informada pelas teorias deterministas doséculo XIX, os títulos indicam conclusões ligeira-mente distintas. Enquanto o primeiro chama aatenção para o “sociólogo” escondido nas entreli-nhas do livro, o segundo afirma Euclides comosociólogo. Se esta inferência é correta, indica umaquestão de fundo que norteia a produção socioló-gica de Antonio Candido acerca do estatuto epis-temológico da disciplina.

Mas com isso tudo, e talvez por causa disso tudo,a sua interpretação tem um toque de gênio, por-que, mais, muito mais que um sociólogo, foi umaespécie de iluminado. As simplificações que ope-rou, na síntese das grandes visões de conjunto, lhepermitiram captar a realidade mais profunda dohomem brasileiro do sertão (Candido, 1947, p. 7).

A diferença sutil de um texto para outro re-pousa no impacto deste parâmetro – a capacida-de de captar profundamente a realidade social –para definir uma abordagem sociológica. De “Osociólogo em Euclides da Cunha” para o “Euclidesda Cunha sociólogo” amadurece a concepção desociologia menos formal e científica e mais intui-tiva e literária.13

Euclides é, portanto, ao lado de GilbertoFreyre, o representante mais típico da “forma bembrasileira de investigação e descoberta do Brasil”,que se situa entre literatura e ciência. A investiga-ção pouco sistemática é compensada pela intui-ção e qualidade literária do escritor, oriundo,como vimos, de tradição literária comprometidacom a descrição e análise da realidade brasileira.É importante também a preocupação política deEuclides com o destino das populações rurais bra-sileiras, ou, nos termos de Antonio Candido, comos grupos rústicos, que englobam tanto os “faná-ticos” de Antonio Conselheiro, como os caipirasde Os parceiros do Rio Bonito.

O terceiro autor destacado na exposição éOliveira Vianna. Ao contrário de Euclides da Cu-

nha, Oliveira Vianna defendia estudos mais am-plos, não monográficos, voltados para a com-preensão da evolução social brasileira. Tal atitudese explicaria, segundo Antonio Candido, pelo na-cionalismo vigente. O esquema do autor deságuaem proposta política e administrativa, retirada desua análise da sociedade centrada na família, queseria o núcleo da sociedade brasileira. A soluçãopreconizada é a centralização política e a raciona-lização administrativa. Na formação da sociologia,o autor aparece como “o divisor de águas entre atendência para a vista sintética, como dizia SílvioRomero, e a necessidade de discriminar tipos so-ciais, de que Euclides fora o precursor” (Candido,1957, p. 2113).

Até a época de Oliveira Vianna, apesar da ca-rência de teoria e de “métodos diretos de pesqui-sa empírica da realidade presente”, já havia “cons-ciência dos fatos essenciais da realidade brasileiraque lhe competia estudar”; “pontos de vista coe-rentes sobre o país”; e “critérios explicativos”,“como o recurso à história, o estudo da adaptaçãoao meio, a avaliação das etnias na formação social,o senso da complexidade cultural” (Candido, 1957,p. 2113). Na fase de transição, nos anos 30, a re-novação teórica e metodológica de Gilberto Frey-re seria a ponte entre os precursores da sociologiae a sociologia como disciplina científica consolida-da. A renovação de Gilberto Freyre está, todavia,ligada a processo histórico mais amplo: as transfor-mações sociais e políticas decorrentes da crise daRepública Velha e da Revolução de Trinta. Esta se-ria o “eixo” das transformações que atingem tam-bém a cultura, “sacudida” na década de 20 pelomodernismo. No ensaio “Literatura e cultura de1900 a 1945”, publicado em 1953 na Alemanha eem 1965 no livro Literatura e sociedade, AntonioCandido destaca o romantismo e o modernismocomo “momentos decisivos” da literatura brasilei-ra. No plano temático, o modernismo seria o mo-mento da superação do nacionalismo pitoresco,marcado pela idealização, propondo o estudo dohomem brasileiro, conforme os trechos seguintes:

Na nossa cultura há uma ambigüidade funda-mental: a de sermos um povo latino, de herançacultural européia, mas etnicamente mestiço, si-

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tuado no trópico, influenciado por culturas primi-tivas, ameríndias e africanas. Esta ambigüidadedeu sempre às afirmações particularistas um tomde constrangimento, que geralmente se resolviapela idealização [...]. O modernismo rompe comeste estado de coisas [...]. O mulato e o negro sãodefinitivamente incorporados como temas de es-tudo, inspiração, exemplo. O primitivismo é ago-ra fonte de beleza e não mais empecilho à elabo-ração da cultura. Isso, na literatura, na pintura, namúsica, nas ciências do homem (Candido, 1976,p. 119).

Na década de 30, as inovações modernistassão incorporadas pela cultura brasileira, e GilbertoFreyre é um de seus representantes, ao lado deSérgio Buarque, através do ensaio histórico-socio-lógico. A preocupação de estudar a realidade bra-sileira manifesta-se no grande número de estudospublicados, principalmente nas coleções “Brasilia-na” e “Documentos Brasileiros” (conforme “A Re-volução de Trinta e a cultura”). Tanto em “A socio-logia no Brasil”, como em “Literatura e cultura de1900 a 1945”, Antonio Candido destaca, como for-ma típica de expressão do nosso pensamento, estaespécie de sincretismo entre literatura e sociologia:

Não será exagerado dizer que esta linha de ensaio– em que se combinam com felicidade maior oumenor a imaginação e a observação, a ciência e aarte, – constitui o traço mais característico e origi-nal do nosso pensamento. Notemos que, esboça-do no século XIX, ela se desenvolve no atual,onde funciona como elemento de ligação entre apesquisa puramente científica e a criação literária,dando graças a seu caráter sincrético, uma certaunidade ao panorama de nossa cultura (Candido,1976, p. 130).

Outro fato marca radicalmente a década de30: são as reformas educacionais que têm comoum de seus aspectos a fundação da USP, em 1934,e a criação dos cursos de Filosofia, Letras e Ciên-cias Sociais. Somente com a emergência do ensi-no e da pesquisa academicamente conduzida, asociologia sairia do “amadorismo”. Nos termos deAntonio Candido, na USP ocorreria a passagem do“ponto de vista sociológico” para a “ciência da so-ciologia”. Nesse processo é fundamental a partici-pação dos professores estrangeiros, responsáveis

pela difusão de teorias e métodos de pesquisa etambém de um novo “espírito”, mais científico eprofissional, e menos literário. Nas décadas de 40e 50, o ensino e a pesquisa, marcados pela novaorientação trazida pelos professores estrangeiros,consolidam a sociologia como disciplina científicadiferenciada.

Na última parte de “A sociologia no Brasil”,Antonio Candido descreve as tendências da novadisciplina e revela sua posição, embora o faça dis-cretamente. De acordo com o “espírito” vigente nadécada de 50, são reforçados os aspectos conside-rados científicos – teorias, métodos, técnicas, pes-quisa empírica – enquanto os aspectos estéticossão menosprezados. O processo indica maturidadecientífica, e também esforço para romper com atradição do pensamento brasileiro, marcado pelosincretismo, “sincretismo que pode parecer indevi-do e talvez o seja em certa medida, mas correspon-de a características da nossa evolução mental enecessidades ainda sentidas de compreensão danossa realidade”. A indiferenciação intelectual, si-nal de amadorismo, teria como contrapartida a van-tagem de permitir ao “espírito e aos métodos socio-lógicos estenderem-se por vários setores que lheestariam vedados em países de especialização aca-dêmica mais estrita, enriquecendo o conhecimentoda realidade e facultando maior plenitude à perso-nalidade dos estudiosos” (Candido, 1957, p. 2118).

A mensagem de Antonio Candido parececlara: embora a especialização acadêmica seja re-quisito para a consolidação da sociologia comodisciplina científica, o rigorismo metodológico eteórico pode limitar a sensibilidade do pesquisa-dor para compreender a realidade. Retomando otexto “L’état actuel et les problèmes les plusimportants des études sur les sociétés rurales duBrésil”, 1955, e o prefácio de Os parceiros do RioBonito, a crítica aos estudos de comunidade –principalmente Cunha, de Willems, e Cruz das Al-mas, de Pierson – reside justamente na falta desensibilidade para perceber os problemas maisamplos ligados às sociedades rústicas. A diferençamais importante, neste sentido, é que AntonioCandido recorre à história para compreender ogrupo estudado. Como sugeri neste capítulo, issose deve à sua orientação marxista, mas também à

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influência que recebeu dos ensaios histórico-so-ciológicos da década de 30.

A aproximação de Os parceiros do Rio Boni-to com a geração de trinta deve ser, evidentemen-te, matizada. O tema escolhido, a pesquisa empí-rica realizada, assim como a sustentação teóricado trabalho se devem, em grande parte, à forma-ção científica recebida na USP. As leituras antro-pológicas, por exemplo, foram introduzidas porEmílio Willems, nos seminários que organizoupara os alunos de doutorado, no início da décadade 40. Roger Bastide influenciou não só a escolhado tema, mas também a atitude do pesquisador,valorizando suas interpretações individuais. Qual-quer exemplo será insuficiente, entretanto, paramostrar a importância da formação acadêmica deAntonio Candido em sua obra. De qualquer for-ma, parece-me fundamental em Os parceiros doRio Bonito a recuperação do ensaísmo, através deum estudo aparentemente restrito, mas que suge-re nas entrelinhas uma interpretação abrangentede nossa formação social. Se esta leitura é possí-vel, então seu grande precursor é Os sertões, queinterpretou o Brasil a partir de Canudos, além deCasa-grande & senzala, Raízes do Brasil e Forma-ção do Brasil contemporâneo.

Antonio Candido faz em Os parceiros do RioBonito mais do que uma monografia sobre o cai-pira. Partindo da cultura caipira, incorpora osclássicos brasileiros e sugere que o conhecimen-to e a transformação do Brasil real dependem nãoapenas dos grandes esquemas, mas também deinterpretações voltadas para os grupos excluídos,com os quais se encontra na figura do antropólo-go. O livro mostra que a transformação do Brasilrural agrava o processo de exclusão social, poisignora os verdadeiros produtores de sua história,e que esse processo só poderia ser superado pelareforma agrária, pautada por estudos voltadospara a cultura.

Distanciado dos ensaios histórico-sociais dosanos 30 e 40 pela tradição teórica e metodológicaaqui fixada pelos professores franceses e america-nos, Os parceiros do Rio Bonito, não obstante, seaproxima pela preocupação geral de compreen-der o processo de formação da sociedade brasilei-ra, indicar os problemas que o emperram e pro-

por mudanças para superá-los. Temos aqui, por-tanto, a forma de Raízes do Brasil ou de Forma-ção do Brasil contemporâneo. A preocupação deescrever literariamente, sem abusar de jargões,também recupera a tradição. Como sugere PauloArantes a respeito de Formação da literaturabrasileira, as influências mais determinantes nãovêm de fora; elas são recolhidas na tradição brasi-leira e elaboradas teoricamente, na medida emque o objeto de pesquisa, neste caso o universodas culturas rústicas, assim o exige. A distância te-mática que separa Formação da literatura brasi-leira e Os parceiros do Rio Bonito deve ser, por-tanto, relativizada. Embora sejam livros muito dis-tintos, aproximam-se pela preocupação de com-preender o processo histórico e os fundamentosda nação brasileira, apesar de tratarem de dimen-sões diferentes da realidade e da história. A “tra-dição esquecida” da cultura caipira e dos parcei-ros recupera, assim, na escritura de Antonio Can-dido, a longa tradição de nosso pensamento, emrelação ao qual o saber acadêmico da USP procu-rava se diferenciar nos anos 50 e 60.

NOTAS

1 Analisamos a trajetória do autor em nossa disserta-ção de mestrado (defendida em outubro de 1998,no Departamento de Sociologia da FFLCH/USP), aser publicada ainda este ano pela Editora UFMG.Este texto é uma versão resumida e mutilada, queprivilegia a interpretação de Os parceiros do Rio Bo-nito. Sobre a história das ciências sociais em SãoPaulo, há bibliografia recente, da qual destaca-seHistória das Ciências Sociais no Brasil (vols. 1 e 2),publicação organizada por Sergio Miceli, a partir deprojeto realizado no Idesp.

2 “Estímulos da criação literária” – incluído em Litera-tura e sociedade – expressa a relação íntima entrecrítica literária e sociologia na obra do autor. O li-vro é fundamental na obra do autor e seu títulomuito sugestivo: indica os temas principais de Anto-nio Candido e, além disso, a pretensão de os apro-ximar analiticamente. “Estímulos da criação literária”segue diretamente esse passo, e de forma muitoconcreta. Isso porque o texto, embora reformuladoem Literatura e sociedade, fazia parte da tese sobreo cururu, abandonada pelo autor, mas que dera ori-gem a Os parceiros do Rio Bonito. De grande inte-resse para a sociologia da arte e da literatura, o tex-

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to compara as possibilidades de análise das mani-festações artísticas “eruditas” às possibilidades deanálise das mesmas em sociedades “primitivas” e“rústicas”. Genericamente, sugere que o vínculo en-tre arte e estrutura social é mais intenso nestas, oque torna a perspectiva sociológica indispensávelno estudo da “cultura popular”, associada à análiseformal. No estudo de formas eruditas, a sociologiada cultura assumiria o papel de disciplina auxiliardada a possibilidade de restringir a análise exclusi-vamente a aspectos formais em função da autono-mização da arte em relação à estrutura social.

3 Entre 1942 e 1958, enquanto esteve vinculado à ca-deira de Sociologia II, regida por Fernando de Aze-vedo, o autor publicou doze artigos de sociologia –Os parceiros do Rio Bonito foi publicado em 1964.Como crítico, nos anos 40 e 50, publicou 5 livros: In-trodução ao método crítico de Sílvio Romero, 1945;Brigada ligeira, 1945, Ficção e confissão, 1956;Formação da literatura brasileira, 1959; O observa-dor literário, 1959; e mais de duzentos artigos de crí-tica (incluindo estudos, ensaios, artigos e notas) emjornais, revistas e coletâneas.

4 Os parceiros do Rio Bonito foi elaborado entre 1948e 1954 e Formação da literatura brasileira entre1946 e 1957.

5 Um dos principais historiadores da República Brasi-leira, professor aposentado do Departamento de His-tória da FFLCH/USP, escreveu obra extensa, iniciadapelo pequeno mas clássico Revoluções do Brasil con-temporâneo (1922-1938). Sobre a fazenda BelaAliança, Edgard Carone escreveu um livro de memó-rias, Memória da fazenda Bela Aliança, no qual re-lata, além de sua experiência pessoal, a história da fa-zenda adquirida por seu pai por volta de 1930.

6 Regime de trabalho no qual o trabalhador dá parteda produção ao proprietário da terra em troca delote para plantar. Em Os parceiros do Rio Bonito, vá-rias modalidades são descritas no capítulo 7, “Popu-lação rural e parceria”, da segunda parte do livro.

7 Fernando Henrique Cardoso estrutura a argumenta-ção de Antonio Candido em três níveis, diferencian-do as preocupações concretas e teóricas do livro: “oestudo, ao estilo das ‘análises de comunidade’ daboa inspiração antropológica, dos meios de vida docaipira paulista; a caracterização mais geral da cul-tura do caipira; e a preocupação teórica com a im-portância dos ‘mínimos de sociabilidade’” (Cardoso,1979, p. 90).

8 Maria Sylvia de Carvalho Franco publicou em 1992um pequeno ensaio, “Prosa com Os parceiros do RioBonito”, enfatizando as soluções metodológicas daobra, assim como seu alcance teórico e substantivo.

A decisão de combinar o antropólogo com o soció-logo, que permite “reconstituir a ‘vida caipira tradi-cional’, ao mesmo tempo individualizada e subme-tida aos processos universais da cultura”, o recursoà história oral, que recupera “detalhes significati-vos”e a recusa da “generalidade abstrata do sociólo-go” e do “corte descritivo dos ‘estudos de comuni-dade’” permitiria, segundo a autora, particularizar egeneralizar ao mesmo tempo.

9 O isolamento era para Euclides da Cunha a caracte-rística determinante da sociedade sertaneja; AntonioCandido reforça que o isolamento é parcial, porquesempre há alguma forma de contato com a socieda-de abrangente, mesmo que limitada e esporádica.

10 Em “A sociologia no Brasil”, o autor revela dado degrande importância: os grupos rústicos constituíamna década de 50 a maior parte da população brasi-leira. Nesse sentido, estudos que esclareçam a his-tória e as formas de organização social e culturalsão fundamentais para a compreensão e problema-tização do Brasil como um todo.

11 A passagem revela a preocupação literária em Osparceiros do Rio Bonito. Para descrever a valoriza-ção do passado pelo caipira, o autor desloca o foconarrativo e quem interpreta essa reação psicológicaé um parceiro imaginário.

12 Devemos estar atentos ao momento da redação datese, que termina em 1954. O movimento das ligascamponesas ocorre em 1955, e atrai a atenção dosdiversos grupos políticos para o que está ocorrendono campo. Depois disso, a reforma agrária passa aser discutida nacionalmente. Devo ao professor Joséde Sousa Martins essa advertência.

13 A afirmação deve ser matizada, não se trata de re-cusar os métodos e as teorias da sociologia, mas derelativizá-los, principalmente quando se avalia omérito de um autor. Deve-se levar em conta o con-texto intelectual no qual ele esteve inserido. Nestaperspectiva, as limitações de métodos e teorias apa-recem como inerentes a todas as épocas e a inter-pretação deve procurar parâmetros mais gerais,para poder comparar autores separados pelo tempoe pelas escolas. A posição de Antonio Candidoaproxima-se da defendida por Redfield no texto“The art of social science”.

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A TRADIÇÃO ESQUECIDA –ESTUDO SOBRE A SOCIOLO-GIA DE ANTONIO CANDIDO

Luiz Carlos Jackson

Palavras chavesPensamento brasileiro; Sociologia;Crítica literária; Sociedade brasileira;Caipira paulista.

Este artigo pretende avaliar a impor-tância de Antonio Candido nas Ciên-cias Sociais brasileiras e a relação en-tre Sociologia e crítica literária naobra do autor. Nesse sentido, OsParceiros do Rio Bonito (tese defen-fida em 1954 na USP, publicada emlivro em 1964) é filiado ao ensaísmoe aproximado de Formação da Lite-ratura Brasileira (1959). Discute-seem que medida Os Parceiros do RioBonito deve ser lido como monogra-fia antropológica e produto acadêmi-co da FFCL/USP e/ou como interpre-tação mais ampla da formação socialbrasileira. Nossa hipótese afirma queo livro responde, apesar da evidentedistância temática, à mesma preocu-pação que orientou a redação deFormação da Literatura Brasileira,apontando para uma unidade inter-na à diversidade da produção inte-lectual de Antonio Candido, o que avincula a problemas típicos da tradi-ção ensaística brasileira.

THE FORGOTTEN TRADITION– AN OVERVIEW OF ANTONIOCANDIDO’S SOCIOLOGY

Luiz Carlos Jackson

KeywordsBrazilian Thought, Sociology, Lite-rary Review, Brazilian Society, Cai-pira Paulista (Paulista Yokel).

This paper intends to evaluate: a)the importance of Antonio Candidofor the Brazilian Social Sciences; b)the relationship between Sociologyand literary review on the author’swork. In this sense, the book OsParceiros do Rio Bonito (the author’sthesis submitted in 1954 at the Uni-versity of São Paulo, and publishedin 1964) is affiliated to the Brazilianessayism and considered to be simi-lar to Formação da Literatura Brasi-leira. The article also wonders whe-ther Os Parceiros do Rio Bonitoshould be read as an anthropologi-cal monograph and/or as a larger in-terpretation of the Brazilian socialformation. The hypothesis of the ar-ticle assures that the book answersin a different way the same con-cerns that oriented Formação da Li-teratura Brasileira, pointing to aninternal unity that can be found inAntonio Candido’s diverse intellec-tual production, which binds it tothe typical problems of the Brazilianessayistic tradition.

LA TRADITION OUBLIÉE —ÉTUDE SUR LA SOCIOLOGIED’ANTONIO CANDIDO

Luiz Carlos Jackson

Mots-clésPensée brésilienne; Sociologie; Criti-que littéraire; Société brésilienne;Paysan paulista.

Cet article cherche à évaluer l’im-portance de Antonio Candido sur lesSciences Sociales brésiliennes et lerapport entre la Sociologie et la cri-tique littéraire dans l’œuvre de l’au-teur. Ainsi, Os Parceiros do Rio Bo-nito (thèse soutenue en 1954 àl’Université de São Paulo et publiéeen 1964) est proche de l’essai et deFormação da Literatura Brasileira(1959). Nous discutons dans quellemesure Os Parceiros do Rio Bonitodoit être lu comme une monogra-phie anthropologique et un produitacadémique de la FFCL/USP et/ouen tant qu’une interprétation plusample de la formation sociale brési-lienne. Notre hypothèse affirme quele livre répond, malgré l’évidentedistance thématique, à la mêmepréoccupation qui orienta la rédac-tion de Formação da LiteraturaBrasileira, indiquant une unité inter-ne à la diversité de la production in-tellectuelle de Antonio Candido, cequi la lie à des problèmes typiquesde la tradition brésilienne de l’essai.

184 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47