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EDUCAÇÃO
Para ampliar aulas sobre fake news em escolas, MEC busca inspiração até em Portugal
O pequeno Leonardo Santos ainda se lembra de quando, inadvertidamente, quase ajudou a espalhar
uma notícia falsa. Leonardo queria enganar o irmão, fã de Ronaldinho Gaúcho, e inventou que o
jogador tinha morrido:
— Só que eu joguei essa história no Google e vários sites diziam que ele tinha morrido mesmo. Fiquei
desesperado — conta o garoto, de 8 anos de idade, batendo com a mão à testa.
Era começo de tarde de uma quarta-feira e Leonardo era um dos 22 alunos que a professora Lucinele
Varandas, do CEU Casa Blanca, conduzia numa discussão sobre fake news: a expressão que designa
as notícias falsas e boatos espalhados pela internet. Leonardo e os colegas fazem parte de um projeto
chamado “Rádio Escola/ Imprensa Jovem”, que a professora e outros docentes da escola, um colégio
público na periferia de São Paulo, criaram em 2012.
Fora do horário normal de aulas, os alunos se reúnem para produzir programas de rádio e escrever
notícias para um blog. A discussão sobre fake news era nova. Começara na aula anterior e eriçara os
estudantes:
— Eles estão o tempo todo nas redes sociais. Contra as nossas orientações, inclusive. E todos já
tinham ouvido o termo — conta Lucilene.
Sentadas em círculo, as crianças tinham a tarefa de pensar soluções para o problema. Naira Martins, de
14 anos, foi rápida:
— Acho importante ler a notícia antes de sair compartilhando. Porque tem coisa que não bate.
Fábia de Carvalho recomendou cuidado com o Whatsapp:
— As fake news sempre vêm por lá — disse, categórica.
EXIGÊNCIA DA NOVA BASE CURRICULAR
A capacidade de lidar de maneira crítica com o que lê em jornais, revistas e nas redes sociais, como
fazem os alunos de Lucilene, é uma das habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). Homologado no final do ano passado, o documento estabelece quais conteúdos os alunos dos
ensino infantil e fundamental, do país todo, devem trabalhar em sala de aula. A inclusão da “educação
midiática” na BNCC é um sinal dos tempos:
EDUCAÇÃO
— Hoje, as pessoas são midiáticas, e não tem como a educação escolar se esquivar disso — diz Raph
Alves, diretor de currículos do Ministério da Educação (MEC).
Ao longo dos próximos anos, as escolas deverão reestruturar seus currículos à luz da BNCC.
Idealmente, instituições do país todo discutirão questões como notícias falsas com seus alunos. Mas
ainda há obstáculos a superar para que esse plano dê certo. Projetos como o de Lucilene ainda são
raridade no Brasil, sobretudo entre as escolas públicas. E falta apoio e informação para que os
professores façam um bom trabalho:
— São Paulo e Rio de Janeiro já estão mais preparadas — diz o professor Ismar Soares, do curso de
Educomunicação da Universidade de São Paulo (USP). — Mas não é esse o quadro no resto do país.
Essa discussão sobre fake news entra no campo dos estudos de mídia, uma questão interdisciplinar. E
é preciso formar o professor para fazer isso. Falta projeto pedagógico.
"VACINA" CONTRA FASCISMO
Neste mês, o MEC tenta driblar esse problema buscando inspiração em iniciativas levadas a cabo do
outro lado do Atlântico. Na última semana, Alves — o diretor do MEC — participou de um congresso
sobre educação midiática na Universidade de Coimbra, em Portugal. O país é apontado como uma
referência na área. E a intenção do MEC é conhecer a experiência portuguesa para tentar apoiar
professores e escolas no Brasil a incorporar essas questões às aulas:
— Queremos entender como Portugal conduziu esse processo de implementação — diz ele. — Claro
que os países são muito diferentes e não podemos importar soluções. Mas vamos para lá para ouvir.
O congresso foi organizado por meio de uma parceria entre a Universidade e o Instituto Palavra Aberta,
uma ONG brasileira que trabalha com imprensa e liberdade de expressão. Portugal interessa porque já
têm certa tradição no setor. Segundo a professora Isabel Ferin, da Universidade de Coimbra, as escolas
europeias começaram a trabalhar educação midiática ainda nos anos 1940:
— De início, as aulas pretendiam dar aos estudantes elementos para encarar a publicidade e o cinema
de maneira crítica. Eram uma tentativa de vacina contra os fascismos — diz ela. — Com o tempo, as
escolas primárias desenvolveram diversas atividades ligadas à imprensa escolar.
As principais iniciativas que ainda existem em Portugal surgiram na década de 1990, quando o
ministério da Educação de lá investiu na criação de uma rede de bibliotecas escolares que contavam
com atividades sobre educação midiática. A abordagem se modernizou com os anos, conforme novas
tecnologias surgiam no debate, e ganhou o apoio de organizações internacionais. Em 2007, a Comissão
Europeia definiu a “literacia mediática” — como esse campo é chamado entre os lusitanos — como
essencial para o exercício pleno da democracia.
EDUCAÇÃO
Em 2014, o MEC de Portugal publicou o “Referencial de Educação para os Media”, um documento
destinado a prover os professores com metodologias para trabalhar o assunto em sala de aula. A ideia
é a de que as escolas não precisam, necessariamente, criar disciplinas específicas para discutir esses
temas. Eles podem ser trabalhados em disciplinas já existentes, como durante as aulas de informática.
— Esse documento forneceu ao professor uma orientação imediata para o trabalho— diz Soares, da
USP. — E incentivou várias escolas a avançar nesse campo. Podemos fazer isso no Brasil também.
PROGRAMAS BRITÂNICOS SÃO OS MAIS ANTIGOS
Iniciativas parecidas existem em outros países europeus, com maior ou menor sucesso. Segundo
Isabel, os programas britânicos de educação para a mídia são os mais antigos do continente, e
envolvem parcerias com empresas de notícias. E, na Itália, o governo estabeleceu uma parceria com o
Facebook e empresas de mídia para trabalhar o tema em salas de aula. Um dos marcos para o
continente, segundo ela, foi a criação do Media Literacy Program em 2012. Implementado pela
Comissão Europeia, o programa financia a criação de iniciativas inovadoras sobre educação midiática:
— Essas iniciativas mais nova surgiram da noção de que o cidadão europeu precisa ser um membro
crítico da comunidade digital — afirma Isabel. — E de que as redes sociais têm dois aspectos: podem
ser impulsionadoras da democracia, mas podem ser um perigo para ela.
Em São Paulo, projetos como o de Lucilene, do começo da reportagem, têm apoio da secretaria
municipal de Educação. Desde o ano passado, o órgão discute a atualização do currículo à luz da
BNCC. E há atividades de formação para que os professores descubram como tratar de notícias falsas
e segurança na internet em sala de aula:
— Temos 900 professores de tecnologias educacionais da rede, e já tivemos três encontros de
formação com eles — diz Regina Gavassa, do núcleo de tecnologia para a aprendizagem.
A ideia é que professores que já conduzem bons trabalhos compartilhem suas experiências, de modo a
inspirar os colegas. No que depender dos alunos de Lucilene, o problema das fake news já têm solução:
— Se for "fake", não é notícia. Né? — arrisca Leonardo (o garoto que matou Ronaldinho).
Lição aprendida.
Fonte: AGÊNCIA O GLOBO
Data: 28/05/2018