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PARA ALÉM DO DISCURSO PÓS-ESTRUTURALISTA SOBRE A
DIFERENÇA: EDUCAÇÃO ESCOLAR E PEDAGOGIA
MARXISTA
INTRODUÇÃO
Os intelectuais de esquerda, quando não abraçam o capitalismo como
o melhor dos mundos possíveis, limitam-se a sonhar com pouco mais
que um espaço nos seus interstícios e prescrevem apenas resistências
locais e particulares. No exato momento em que se necessita
urgentemente de uma compreensão crítica do sistema capitalista,
grandes seções da esquerda intelectual, em vez de desenvolver,
enriquecer e refinar os instrumentos conceituais necessários, dão
amplos sinais de que pretendem abandoná-los. O “pós-marxismo” deu
lugar ao culto do pós-modernismo, e a seus princípios de
contingência, fragmentação e heterogeneidade, sua hostilidade a
qualquer noção de totalidade, sistema, estrutura, processo e “grandes
narrativas” (WOOD, 2011, p. 13, grifos nossos).
A epígrafe selecionada para abertura desse texto traduz o escopo da discussão
que pretendemos realizar e que é fruto de reflexões preliminares desenvolvidas no
processo de doutoramento1 em curso no Programa Pós-Graduação de Educação Escolar
da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus
Araraquara, na linha de pesquisa “Teorias Pedagógicas, Trabalho Educativo e
Sociedade”.
No interior desta linha de pesquisa nossa preocupação central gira em torno
da análise das contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica para a superação do
discurso pós-estruturalista acerca da diferença, a fim de compreender as possibilidades
que se apresentam para o trabalho educativo com o referido tema no contexto escolar.
Neste sentido, a tese que orienta nossas reflexões assim é formulada: a valorização da
diferença será plena de sentido quando as condições sociais para a sociabilização dos
indivíduos forem iguais para todos e, para isto, a educação escolar, referenciada em
uma pedagogia marxista, terá papel decisivo.
O interesse por perscrutar o objeto em questão surge a partir da análise do
1 O desenvolvimento do presente estudo conta com a orientação do Prof. Dr. José Luís Vieira de Almeida.
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momento histórico em que nos encontramos, marcado pelo caráter imperialista da
globalização que se impõe a diversas dimensões da existência social dos seres humanos
e pela ampla difusão do ideário pós-moderno em diversos segmentos sociais. Trata-se
de uma relação umbilical entre capitalismo e pós-modernismo e que se apresenta como
alternativa viável ao projeto histórico comunista de emancipação humana.
É neste contexto que muitos intelectuais que outrora poderiam ser considerados
de esquerda migram para a fileira do relativismo, animados com a ampla aceitação das
ideias mestras do ideário pós-moderno. Talvez, encorajados pela ambiência cultural dos
anos de 1970, pela época áurea do capitalismo e, sobretudo no meio acadêmico, pela
publicação da obra A condição pós-moderna de Jean-François Lyotard em 1979 e
outros ensaios que posteriormente vieram. Particularmente no texto de Lyotard (2011) o
assunto ganha tratamento filosófico, apesar de sua presença se fazer notada em outras
áreas do conhecimento como as Artes e Arquitetura, por exemplo.
Descrentes em relação ao potencial analítico do materialismo histórico-
dialético na compreensão de questões sociais cruciais, a intelectualidade de esquerda já
não comparece ao debate munida de um arsenal teórico-conceitual referenciado no
marxismo. O que passamos a observar é a constituição de uma “agenda pós-moderna”
(WOOD, 1999) composta por uma gama de tendências intelectuais e políticas surgidas a
partir de meados da década de 1970 e que se faz presente na Filosofia, nas Ciências
Sociais e na História, por exemplo. Destarte, nomes como Nietzsche, Foucault, Deleuze
e Derrida passam a ser amplamente divulgados nos círculos acadêmicos como
expressões representativas desta maneira de compreender a existência dos seres
humanos e assim poderiam ser sumariadas:
[...] O pós-modernismo está associado à decadência das grandes
ideias, valores e instituições ocidentais – Deus, Ser, Razão, Sentido,
Verdade, Totalidade, Ciência, Sujeito, Consciência, Produção, Estado,
Revolução, Família. Pela desconstrução, a filosofia atual é uma
reflexão sobre uma aceleração dessa queda do niilismo... desejo de
nada, morte em vida, falta de valores para agir, descrença em um
sentido para a existência. A desconstrução pretende revelar o que está
por trás desses ideais maiúsculos, agora abalados, da cultura ocidental.
[...] A pós-modernidade entrou nessa: ela é valsa do adeus ou o
declínio das grandes filosofias explicativas, dos grandes textos
esperançosos como o cristianismo (e sua fé na salvação), o
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Iluminismo (com sua crença na tecnociência e no progresso), o
marxismo (com sua aposta numa sociedade comunista) (SANTOS,
1987, p. 71-72).
Com isto, temas considerados como relegados a um segundo plano no interior
do marxismo passam a figurar como centrais e, consequentemente, o universo
conceitual num primeiro momento preocupado com questões tais como “ideologia,
reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de
produção, conscientização, emancipação e libertação” (SILVA, 2011a, p. 17) se desloca
para um universo que comporta a “identidade, alteridade, diferença, subjetividade,
significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia,
sexualidade e multiculturalismo” (SILVA, 2011a, p. 17).
Em especial visualizamos aquilo que Abramowicz, Rodrigues e Cruz (2011)
denominam de “ascensão da diversidade”. Segundo as autoras, trata-se de um tema em
disputa por diferentes correntes teóricas e na realidade social e assim pode ser
enunciado:
As mãos coloridas dispostas em círculo, os agrupamentos de crianças
como representantes de diferentes grupos étnico-raciais e crianças
com deficiências unidas sob o título de, por exemplo, “ser diferente é
legal”, revelam que de alguma forma passamos por um processo de
absorção e/ou resposta ao agravamento dos conflitos entre grupos
sociais de diferentes culturas, etnias e raças e de acolhida às ações,
demandas e discursos dos movimentos sociais – negro, feminista,
indígena, homossexual, entre outros – que reivindicam, há algumas
décadas o reconhecimento e inserção social e política dos
particularismos étnicorraciais e culturais no interior do quadro
nacional, especialmente nas políticas educacionais (p.86).
A chegada da temática da diferença ao contexto da educação escolar é marcada
pela ampla difusão de uma série de documentos - Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação Infantil (BRASIL, 2010), Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
Básica (BRASIL, 2013), Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) (incluindo
aí seus os chamados “Temas Transversais”) - que explicitam novos pressupostos para a
compreensão da educação dos indivíduos e neles, notadamente, encontramos diluídas as
ideias pós-modernas.
O esforço de boa parte da intelectualidade no campo da educação que
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compartilha com os pressupostos pós-modernos, também deve ser ressaltado como um
dos eixos que alavancaram este debate no cenário educacional.
Assim, de acordo com Della Fonte (2006), observamos o desenrolar de uma
“agenda pós-moderna” na educação. As bases teóricas que sustentam esta agenda
advêm de diversos referenciais teóricos tais como: multiculturalismo crítico, estudos
feministas e de gênero, Estudos Culturais, teoria queer, pós-estruturalismo, pós-
colonialismo, neopragmatismo e perspectivas do Programa Forte em Sociologia do
Conhecimento.
Dessa forma, podemos afirmar que o debate sobre a diferença está na ordem do
dia. Não isento a isto, as formulações na esteira do marxismo (e de seus fundamentos) e
de uma pedagogia marxista2 devem se fazer presentes a fim de realizar uma análise
pormenorizada (radical) da questão. Recentemente, temos encontrado algumas
iniciativas (DELLA FONTE, 2011; DELLA FONTE, 2012; MARSIGLIA, 2012) que
tem problematizado a temática a partir da perspectiva que almejamos defender.
Entretanto, sentimos a necessidade de contribuir com um embate mais direto ao
pensamento pós-estruturalista no campo educacional, a fim de explicitar seus
fundamentos e estabelecer uma crítica superadora do entendimento da diferença
expresso por esta corrente teórica.
UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O TEMA
Na intenção de tornar mais nítido o quadro de ideias explicitado anteriormente,
gostaria de começar este tópico transcrevendo um fragmento da entrevista de Ahmad
(1999). Diz o autor:
Também não é preciso dizer que todos os grupos têm o direito de lutar
2 Segundo Saviani (2012, p.70), “[...] o conceito de pedagogia reporta-se a uma teoria que se estrutura a
partir de e em função da prática educativa”. Ainda segundo o autor, como teoria da educação, uma
pedagogia terá como objetivo equacionar os problemas advindos da relação educador-educando, em um
âmbito geral, bem como da relação professor-aluno, no caso da educação escolar, orientando, assim, o
processo educativo. Com efeito, a partir do entendimento expresso por Saviani (2007) a expressão
pedagogia marxista se refere a uma teoria estruturada a partir dos pressupostos do materialismo histórico-
dialético e que buscará ancoragem em seus lineamentos filosóficos, epistemológicos, ontológicos e
gnosiológicos para empreender a prática educativa.
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por seus membros. Mas quero mencionar aqui uma questão muito
mais difícil sobre democracia. Um dos grandes problemas para a
teoria e prática socialista nos dias correntes é o da relação entre
diferença e universalidade; direitos de grupos e direitos universais
indivisíveis; o direito como mulher e o direito como cidadã; e o direito
como trabalhador, seja cidadão ou imigrante. A resposta pós-
modernista é simples: a universalidade não passa de uma quimera; as
identidades são locais, contingentes, livremente escolhidas; os direitos
à identidade são absolutos; e a auto-representação é a única forma
autêntica de representação. Essa absolutização da identidade, essa
rápida ab-rogação da universalidade, parece-me muito perigosa
politicamente (AHMAD, 1999, p. 71).
A realização deste estudo encontra-se diante de um cenário caracterizado pelas
lutas de diversos segmentos/movimentos sociais (negros, índios, mulheres,
homossexuais, deficientes, dentre outros), cada qual em busca da legitimação de suas
reivindicações, do reconhecimento da diferença que este cenário sugere. Ao
questionarmos alguns princípios que norteiam os embates promovidos por estes grupos
sociais, a partir de um referencial marxista de compreensão da realidade e da educação,
correremos o risco de sermos tachados como etnocêntricos.
Não estamos afirmando que estas lutas não mereçam nossa atenção ou que as
mesmas não são legítimas, pois “[...] torna-se cada vez mais imprescindível lutar contra
o preconceito étnico, contra a discriminação de indígenas, quilombolas, homossexuais,
estrangeiros, mulheres, deficientes etc” (DELLA FONTE, 2011, p. 33), porém, o
referencial de análise que embasa as demandas destes grupos ou a maneira de
compreendê-las, apresentam formulações que, em última instância, impedem uma
transformação e uma discussão mais radical em relação à diferença.
Já faz parte do discurso contemporâneo incorporar a ideia de que vivemos em
uma sociedade multicultural, marcadamente caracterizada pela diferença, e que
devemos estar preparados (ou nos preparar) para lidar com estas diversas maneiras de
ser dos indivíduos nos mais distintos espaços sociais, dentre eles, a escola. Aliás, a
realidade se resumiria às práticas discursivas enunciadas pelos sujeitos, ou seja, uma
questão de interpretação. Podemos verificar tal assertiva nas palavras de Silva (2001,
p.4): “A verdade é, sempre e já, interpretação. [...] Quem interpreta não descobre a
‘verdade’; quem interpreta a produz [...] Não há nada mais por detrás das perspectivas,
para além delas. A verdade é isso: perspectivismo”.
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Wood (1999) ao discutir a existência de uma “agenda pós-moderna” afirma
que os adeptos desta perspectiva interessam-se pela linguagem, cultura e discurso.
Segundo a autora, para alguns pós-modernistas “isso parece significar, de forma bem
literal, que os seres humanos e suas relações sociais são constituídas de linguagem, e
nada mais, ou, no mínimo, que a linguagem é tudo o que podemos conhecer do mundo e
que não temos acesso a qualquer outra realidade” (p. 11). Diante desta concepção, a
linguagem possui papel proeminente, como se pode observar com a preocupação
foucaultiana acerca da noção de “discurso”, e na perspectiva de Derrida, com a noção de
“texto” (VEIGA-NETO, 1995). O mundo social, a partir da chamada “virada
linguística” na teorização social é constituído na e pela linguagem (SILVA, 2011b).
Decorre daí, como consequência, a tese do pensamento pós-moderno (e pós-
estruturalista) de que não há possibilidade de conhecimento objetivo da realidade, pois
estaríamos atrelados de forma dependente às descrições linguísticas para a definição da
realidade. Estamos, assim, diante de concepções relativistas, tanto do ponto de vista
ontológico quanto epistemológico.
Porém, esta desconfiança no acesso objetivo à realidade pode ser contraposta
pelo pensamento marxista que não adota para si a premissa da não cognoscibilidade do
real. Vejamos o que Marx e Engels (2007, p. 86-87) nos afirmam na seguinte passagem
da obra A Ideologia Alemã:
Os pressupostos de que partimos não são pressupostos arbitrários,
dogmas, mas pressupostos reais, de que só se pode abstrair na
imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições
materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas como as
produzidas por sua própria ação. Esses pressupostos são, portanto,
constatáveis por via puramente empírica [...] O modo pelo qual os
homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da
própria constituição dos meios de vida já encontrados e que eles têm
de reproduzir. Esse modo de produção não deve ser considerado
meramente sob o aspecto de ser a reprodução da existência física dos
indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma determinada de sua
atividade, uma forma determinada de exteriorizar sua vida, um
determinado modo de vida desses indivíduos. Tal como os indivíduos
exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, pois,
com sua produção, tanto com o que produzem como também com o
modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das
condições materiais de sua produção.
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Desse posicionamento de Marx e Engels (2007) podemos inferir, ainda que de
maneira breve, que as formas de reprodução da vida humana possuem um significado
ímpar para a existência dos indivíduos, pois a partir delas podemos compreender as
formas de organização societária ao longo da história. Com isto, em contraposição ao
apregoado pela perspectiva pós-estruturalista, há a possibilidade de apreensão e
transformação da realidade.
O atual patamar de desenvolvimento da sociedade teria “descentrado” os
sujeitos, e aquela identidade moderna teria se fragmentado e abalado os quadros de
referência que davam aos indivíduos uma sustentação no mundo social. Não obstante,
surgiriam, em seu lugar, as identidades culturais (HALL, 2006), efêmeras e cambiantes.
A partir da constatação destas mudanças, o pensamento pós-estruturalista tem
influenciado fortemente as reflexões acerca das questões relativas à diferença, e
contribuído para camuflar a opressão de classe, ao mesmo tempo em que é privilegiada
a luta puramente contra outras formas de opressão particulares, às quais se vinculam às
diferenças de gênero, etnia, sexualidade, cultura etc.
O pós-estruturalismo amplia, de forma considerável, o alcance do conceito de
diferença, a ponto de nos passar a ideia de que nada existe, que não seja diferença.
Primam pela defesa de políticas identitárias, relativistas, multiculturais, pois, segundo
esta perspectiva teórica, as identidades dos sujeitos se constroem a partir dos aparatos
discursivos e institucionais que lhe definem, ou seja, que são responsáveis pela sua
construção.
Visualizando a trajetória histórica percorrida e sem esperança na mudança
social, pensadores pós-modernos afirmam que igualdade e humanidade não tem sentido
e que a diferença e a diversidade deveriam ser a meta (MALIK, 1999). Ao enfatizar
uma natureza fragmentada do mundo e do conhecimento humano, o pensamento pós-
moderno descarta a possibilidade de uma política emancipatória sob uma perspectiva
totalizante que, por sua vez, passa a ser entendida como “metanarrativa iluminista”, no
mínimo, ultrapassada (MORAES, 2004).
Wood (1999) assevera que esse conceito afirma ser virtuoso por possuir a
capacidade de – igualmente sem preconceito ou privilégio – abranger tudo, desde
gênero a classe, de etnia até raça ou preferência sexual, ao contrário das noções como
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classe, que seriam “reducionistas” ou “essencialistas”. Em vista disso, a “política de
identidade” seria mais afinada em sua sensibilidade com a complexidade da experiência
humana e mais inclusiva no alcance emancipatório do que a velha política do
socialismo. Aspira a uma comunidade democrática que reconheça, incentive e celebre
todo o tipo de diferença.
No entanto, esta forma de compreender as relações sociais entre os seres
humanos, pode nos levar a posicionamentos incoerentes e equivocados como
expressaram os judeus, e que Marx (2002, p. 13) relata em A questão judaica. Assim
como considerou egoísmo dos judeus pedir uma emancipação política especial, quando,
como alemães, “[...] deveriam trabalhar pela emancipação política da Alemanha e, como
homens, lutar pela libertação da humanidade”, o pensamento pós-estruturalista, de
forma contraditória, aniquila as bases para o reconhecimento da diferença ao ignorar
princípios universalistas.
Neste sentido, contribui Wood (1999) ao afirmar:
Os pós-modernistas rejeitam o universalismo iluminista alegando que
ele nega a diversidade de experiências, culturas, valores e identidades
humanas. Porém, essa rejeição do universalismo em nome de um
pluralismo libertador é contraditória e auto-anuladora. Um respeito
sadio pela diferença e a diversidade, e pela pluralidade das lutas contra
os vários tipos de opressão, não nos obriga a descartar todos os
valores universalistas aos quais o marxismo, em sua melhor
expressão, sempre esteve ligado, ou abandonar a idéia de uma
emancipação humana universal. Ao contrário, até mesmo as formas
mais moderadas de “pluralismo” têm se mostrado insustentáveis sem
o apelo a certos valores universalistas, tal como o princípio liberal
clássico da “tolerância”. O pluralismo radical adotado pelos pós-
modernistas – baseado na negação de quaisquer interesses
fundamentais comuns, ou mesmo da possibilidade de acesso recíproco
e compreensão mútua entre identidades diferentes – solapou
fatalmente suas próprias fundações (p.18).
Uma análise mais detida da questão desvelará que o pensamento pós-
estruturalista não se põe em defesa da diversidade humana, mas, sim, do relativismo.
Nanda (1999), ao abordar a destruição/desconstrução da ciência em meio ao
avanço do pensamento pós-moderno, assim se expressa para realizar um paralelo entre o
relativismo cultural, tão em voga no universo deste pensamento, e o relativismo
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epistemológico:
Uma coisa é aceitar um “relativismo cultural” que respeita a variedade
da cultura humana; outra, inteiramente diferente, é adotar um
relativismo que transforma esses valores culturais variados no único
ou principal padrão de verdade, de modo que a verdade passa a ser
simplesmente o que se ajusta a um dado sistema de crenças, ao invés
de aquilo que descreve fielmente o mundo que existe
independentemente de nossas crenças. Os críticos pós-modernistas da
ciência tendem a adotar o segundo tipo de relativismo, que é
indistinguível do epistemológico (p. 100).
Além disso, podemos pensar nos impasses políticos que a visão fluida, efêmera
e fragmentada dos sujeitos pode nos trazer, uma vez que impede a constituição de laços
de solidariedade para além de resistências locais e, assim, desmobiliza ações coletivas
mais amplas pautadas em princípios universais (DELLA FONTE, 2006). Nos
restringimos, assim, a uma visão particularizada que em nada contribui para uma
transformação radical de nossa sociedade.
Neste sentido, Della Fonte (2011, p. 34) nos alerta para o fato de que “[...] as
lutas contra situações de opressão e exploração não podem fechar-se em um localismo
abstrato, porque, na verdade, elas só se fortalecem a partir do horizonte da
universalidade”. Ao não reconhecermos a unidade do gênero humano, o que favoreceria
o desenvolvimento compartilhado dos indivíduos, Della Fonte (2012) afirma que
estaríamos diante de um processo de alienação, pois a diversidade, neste caso, se
tornaria desigualdade.
Neste contexto de naturalização das incertezas, de elogio à diferença, a
educação escolar se torna uma dimensão em que se tenta concretizar as
(micro)narrativas apresentadas e defendidas pelos pós-estruturalistas, e legitimar o
projeto hegemônico proposto por este pensamento, que em última instância não visa a
superação da sociedade capitalista. Diante deste quadro, a educação escolar passa a
reproduzir o discurso pós-estruturalista, e não somente este, mas, suas práticas também,
dificultando o processo de formação de uma “individualidade livre e universal”
(DUARTE, 2004).
Porém, para que uma sociedade seja estabelecida nestas bases se faz necessário
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o aporte de uma pedagogia marxista compromissada com o comunismo. Não obstante,
reconhecemos na Pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI, 2010; SAVIANI, 2002) esta
possibilidade de encaminhar a luta, no campo da educação escolar, para a superação da
sociedade capitalista.
Contrariamente a esta compreensão superficial, entendemos a defesa da
Pedagogia Histórico-Crítica no interior da educação escolar como necessária, a fim de
que possamos superar, dentre outras barreiras ao processo de emancipação do gênero
humano, o fetichismo da diferença.
O tratamento dado à temática em uma perspectiva histórico-crítica é sinalizado
por Batista e Lima (2012, p. 28) ao afirmarem que:
Em tempos de fragmentação e relativismo, grupos sociais subalternos
buscam no espaço restrito ao ambiente comunitário a resolução de
seus problemas, ficando impossibilitados do desenvolvimento de uma
práxis transformadora da estrutura socioeconômica causadora de
mazelas. O processo educativo deve procurar desenvolver os
indivíduos em suas relações concretas, sintetizando-as de forma que se
tornem “visíveis”. Ao analisarmos como o homem produz sua
sobrevivência em diferentes épocas, podemos abordar temas como
gênero, raça, etc., na perspectiva da emancipação humana,
universalizando as lutas dos diferentes grupos subalternos (p.28).
Este processo de superação definitiva do elogio à diferença se instauraria a
partir da edificação de uma nova etapa na organização societária, nascida, então, da
contradição existente entre a “[...] massa dos absolutamente sem propriedade e o caráter
universal e multifacetado da riqueza material e espiritual produzida pelo trabalho dos
próprios seres humanos” (DUARTE, 2011, p. 10).
Este estágio do desenvolvimento seria o comunismo, que para Marx e Engels
(2007, p. 67):
[...] distingui-se de todos os movimentos anteriores porque
revoluciona os fundamentos de todas as relações de produção e
intercâmbio precedentes e porque pela primeira vez aborda
conscientemente todos os pressupostos naturais como criação dos
homens que existiram anteriormente, desponjando-os de seu caráter
natural e submetendo-os ao poder dos indivíduos associados. Sua
organização é, por isso, essencialmente econômica, a produção
material das condições dessa associação; ele faz das condições
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existentes as condições de associação. O existente que o comunismo
cria é precisamente a base real para tornar impossível tudo o que
existe independentemente dos indivíduos, na medida em que o
existente nada mais é do que um produto do intercâmbio anterior dos
próprios indivíduos.
Nesta forma de organização societária, a individualidade manifesta-se de
maneira livre e universal, e está no núcleo da concepção marxista de sociedade
comunista. Em suas observações ao programa do partido operário alemão, Marx (2012,
p.31-32) assim se expressa em relação à fase superior da sociedade comunista:
[...] quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos
indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho
intelectual e trabalho manual; quando o trabalho tiver deixado de ser
um mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital;
quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos
indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as
fontes da riqueza coletiva jorrarem em abundância, apenas então o
estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a
sociedade poderá escrever em sua bandeira: “De cada um segundo
suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!”.
Dessa análise realizada por Marx (2012), extraímos o fundamento para uma
vida plena de sentido por parte do gênero humano. Estaríamos suplantando o
entendimento fetichizado da diferença, com vistas à possibilitar uma autêntica relação
do indivíduo com o gênero.
OS ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS
O estudo em desenvolvimento parte do pressuposto de que a opção teórica se
funda em um projeto histórico determinado e anuncia o método investigativo que
fundamenta a pesquisa a ser desenvolvida. Assim sendo, a perspectiva analítica que
embasará o desenvolvimento de todo o estudo é pautada no método materialista
histórico-dialético.
A produção de conhecimento sob esta perspectiva está intimamente ligada às
atividades prático-materiais dos seres humanos. Assim, os apontamentos das
contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica, no contexto escolar, com vistas a
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superação do pensamento pós-estruturalista em seu elogio à diferença estarão atrelados
ao modo como os indivíduos produzem sua existência.
Neste sentido, as palavras de Marx e Engels (2007, p. 93-94), em A ideologia
alemã, são esclarecedoras e contribuem para fortalecer a opção realizada pelo referido
método, pois:
A produção das ideias, de representações, da consciência, está, em
princípio, imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o
intercâmbio material dos homens; com a linguagem da vida real. O
representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens ainda
aparecem, aqui, como emanação direta de seu comportamento
material [...] Os homens são os produtores de suas representações,
suas ideias e assim por diante, mas os homens reais, ativos, tal como
são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas
forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde, até chegar
às suas formações mais desenvolvidas.
Desta forma, a pesquisa terá um caráter analítico que se insere na ciência
histórica de Marx e Engels. Trajetória analítica esta que, segundo Martins (2006), visa a
apreensão do conteúdo do fenômeno, repleto de mediações históricas concretas que só
podem ser reconhecidas à luz das abstrações do pensamento, ou seja, do pensamento
teórico. É preciso caminhar em direção à descoberta das múltiplas determinações
ontológicas do real, superando, assim, as análises consensuais imediatas.
Esta análise aparente do fenômeno investigado é denominada por Kosik (2011,
p.15) de pseudoconcreticidade. Neste sentido, o autor reconhece a
pseudoconcreticidade como “um claro-escuro de verdade e engano. [...] a essência se
manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos
ângulos e aspectos”. Kosik (2011, p. 20) advoga em favor da superação da
pseudoconcreticidade a fim de que possamos realizar uma análise correta da realidade.
Assim,
O pensamento que quer conhecer adequadamente a realidade, que não
se contenta com os esquemas abstratos da própria realidade, nem com
suas simples e também abstratas representações, tem de destruir a
aparente independência do mundo dos contactos imediatos de cada
dia. O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a
concreticidade é ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o
mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência
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externa do fenômeno se desvenda a lei do fenômeno; por trás do
movimento visível, o movimento real interno; por trás do fenômeno, a
essência.
Neste sentido, Paulo Netto (2011, p.22) traz interessantes contribuições em
relação ao papel do pesquisador a partir desta orientação teórico-metodológica:
O objetivo do pesquisador, indo além da aparência fenomênica,
imediata e empírica – por onde necessariamente se inicia o
conhecimento, sendo essa aparência um nível da realidade e, portanto,
algo importante e não descartável -, é apreender a essência do objeto.
Alcançando a essência do objeto, isto é: capturando a sua estrutura e
dinâmica, por meio de procedimentos analíticos e operando a sua
síntese, o pesquisador a reproduz no plano do pensamento; mediante a
pesquisa, viabilizada pelo método, o pesquisador reproduz, no plano
ideal, a essência do objeto que investigou.
Dada a natureza do objeto a ser tratado, a investigação se caracteriza como um
estudo teórico-bibliográfico. A opção pela pesquisa de caráter teórico é marcada por um
entendimento que compreende a teoria como:
[...] a reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que
pesquisa: pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a
estrutura e a dinâmica do objeto de pesquisa [...] Assim, a teoria é o
movimento real do objeto transposto para o cérebro do pesquisador –
é o real reproduzido e interpretado no plano ideal (do pensamento) [...]
(PAULO NETTO, 2011, p. 20).
A interlocução com a produção marxiana será de grande valia para realizarmos
apontamentos acerca do conceito de diferença. Para isto, um estudo sistemático das
seguintes obras se fará necessário: Manuscritos econômico-filosóficos (MARX, 2010),
A ideologia alemã (MARX; ENGELS, 2007) e O Capital (2011).
O auxílio da produção lukacsiana (LUKÁCS, 1978, 2010, 2012, 2013) também
nos proporcionará o devido aporte para discutirmos a relação dialética entre
singularidade-particularidade-universalidade, essencial ao entendimento da diferença na
esteira do marxismo.
Autores (ZIZEK, 1998, AHAMAD, 1999; EAGLETON, 1999; MALIK, 1999;
NANDA, 1999; WOOD, 1999; CALLINICOS, 2011; DELLA FONTE, 2012;
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MARSIGLIA, 2012) que também discutem a questão, sob o viés marxista, também
comporão o rol de aportes teóricos a serem arrolados durante o estudo.
A crítica à apologia da diferença será endereçada aos estudiosos pós-
estruturalistas que apresentam produções no campo da educação (Tomaz Tadeu da
Silva, Silvio Gallo, Alfredo Veiga-Neto, Sandra Mara Corazza e Marisa C. Vorraber
Costa) e que as fazem, sobretudo, a partir do legado foucaultiano3 sobre a temática.
Serão investigados dossiês temáticos em periódicos nacionais, trabalhos publicados em
anais da ANPEd, artigos científicos, livros, dissertações e teses produzidas no âmbito
dos programas de Pós-Graduação em Educação de universidades brasileiras.
Este encaminhamento metodológico nos possibilitará uma análise imanente dos
pressupostos veiculados pela intelectualidade ligada ao pensamento pós-estruturalista
no âmbito da educação escolar, com vistas à tessitura da crítica à diferença e proposição
dos encaminhamentos superadores desta abordagem a partir da Pedagogia Histórico-
Crítica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude da etapa em que a pesquisa se encontra não nos é possível
estabelecer considerações mais alongadas sobre o tema em debate. Alinhavamos
algumas breves ideias ao longo deste breve texto, no entanto, reconhecemos a
necessidade de um avanço qualitativo no tratamento de categoriais essenciais para
compreensão do objeto em análise.
O ser social só pode constituir-se no quadro das mais intensas relações com
outros indivíduos. A marca da singularidade em cada indivíduo não implica a existência
de desigualdades entre ele e os demais. Para que todos os seres humanos possam se
constituir diante da valorização da diferença4 é necessário que as condições sociais para
3 Esta delimitação se justifica por considerarmos que o núcleo irradiador das reflexões sobre a diferença
se encontre nas produções foucaultianas. Dessa forma, buscamos a coerência com a produção originária
sobre a categoria central deste estudo. 4 O fato de reconhecermos a diferença presente na realidade humana não significa que compartilhamos
com a rendição ao entendimento alienado que emana da perspectiva pós-estruturalista de compreender a
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a sua sociabilização sejam iguais para todos, e isto só ocorrerá quando as condições para
que desenvolvam diferencialmente a sua individualidade sejam possíveis a todos e a
cada um, ou como Marx e Engels (2010, p. 59) nos afirmam, a partir de uma sociedade
em que “[...] o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre
desenvolvimento de todos”.
Porém, para que uma sociedade seja estabelecida nestas bases se faz necessário
o aporte de uma pedagogia marxista, a Pedagogia Histórico-Crítica, compromissada
com a edificação da sociedade comunista. Reconhecemos neste caminho, ainda que não
o único, a possibilidade de lutar, no campo da educação escolar, para a superação da
sociedade capitalista.
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intento de discutir o tema sob outras bases, ou seja, que possamos incorporá-lo aos debates promovidos
no âmbito do pensamento marxista, porém, dialeticamente superando-o em sua perspectiva fetichizada.
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