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PARA ALÉM DA ETNICIDADE: UMA BREVE ABORDAGEM SOBRE OS
CONFLITOS INTER-ÉTNICOS EM GANA
Andréa Fátima Salvador
Universidade do Estado de Santa Catarina
Resumo:
O presente trabalho tem por objetivo estabelecer uma relação entre o aumento da migração
ganesa para o Brasil após a realização da Copa do Mundo de 2014 e os conflitos ocorridos nos
últimos anos na região norte de Gana. A África, após a Segunda Guerra Mundial, acabou por
atrair a atenção da comunidade internacional devido aos inúmeros e violentos conflitos
ocorridos no território. Os conflitos étnicos-políticos tomaram lugar de destaque na mídia
internacional e chamaram a atenção da agenda intergovernamental e de organizações
internacionais. Assim, para a compreensão desses conflitos, o presente trabalho foi direcionado
a estabelecer um levantamento sobre as produções acadêmicas recentes que focalizassem os
casos recorrentes de conflitos em Gana em tempo presente a partir de diferentes abordagens.
Palavras-chave: Gana, conflitos, Nawuri, Gonjas, Chuchuliga
O presente trabalho, fruto de pesquisas realizadas a partir do desenvolvimento da
dissertação de mestrado dessa pesquisadora junto ao Programa de Pós-Graduação da UDESC,
tem por objetivo estabelecer uma relação entre o aumento da migração ganesa para o Brasil
após a realização da Copa do Mundo de 2014 e os conflitos ocorridos nos últimos anos na região
norte de Gana. Se, de um lado temos no Brasil um discurso midiático que desqualifica os
migrantes ganeses da condição de refugiados, de outro percebemos inúmeros trabalhos
acadêmicos de ordem internacional que identificam estes conflitos e a violência produzida pelos
mesmos. Na intenção de perceber em ordem quantitativa estes conflitos foram realizados
levantamentos de trabalhos acadêmicos que tivessem como tema central de pesquisa “conflitos
em Gana” (conflicts in Ghana). Foram encontradas bibliografias que abordam de forma extensa
ao menos cinco conflitos de ordem étnica e muitos trabalhos acadêmicos que relacionam vários
conflitos em diferentes ordens (étnica, regional, política, religiosa, etc). Também, através de
uma revisão midiográfica (jornais eletrônicos do Brasil e de Gana) foi possível encontrar
material de relevante importância para o desenvolvimento deste trabalho. A metodologia de
análise utilizada está pautada sobre o confrontamento das bibliográfias e trabalhados
acadêmicos, aqui entendidos como fontes historiográficas, com as fontes midiográficas
disponíveis nos jornais eletrônicos. Dessa forma, foi possível desqualificar um discurso
construído sobre a condição do imigrante ganes no Brasil diante de uma lógica de mitigação do
direito confirmada por nossa legislação e, reafirmada pelos órgãos institucionais de Gana.
Nesse sentido, essa análise se inicia com o massacre dos Tutsi em Ruanda e, se desenvolve com
os conflitos entre os Nawuri e os Gonjas na região norte de Gana, percebendo, assim, a
existência e a relação desses conflitos com o processo migratório na Copa do Mundo de 2014.
Em 07 de julho de 1994, enquanto o Brasil comemorava a vitória sobre os Estados
Unidos na Copa do Mundo com um gol de Bebeto1, a Frente Patriótica de Ruanda (FPR),
apoiada pelo exército de Uganda, colocava um fim no genocídio que massacrou cerca de 800
mil pessoas em 100 dias. Durante os 100 dias de carnificina homens, mulheres e crianças foram
mortos. Muitos eram frequentemente torturados antes de serem assassinados. Também durante
a violência, milhares de mulheres tutsi foram estupradas. Algumas foram estupradas e depois
mortas, outras foram mantidas como escravas sexuais durante semanas. Dez anos depois (2004)
o evento foi rememorado com a produção cinematográfica de Hotel Rwanda, dirigido e
produzido por Terry George, que obteve 3 indicações ao Oscar, 3 indicações ao Globo de Ouro
e uma bilheteria de 33,9 milhões de dólares.
Mais dez anos se passaram e, em julho de 2014, uma nova Copa do Mundo acontecia.
O Brasil sediaria o evento sendo responsável pela recepção de milhares de turistas de todo o
mundo, o que resultou em intensa cobertura midiática. Porém o evento trouxe consigo suas
singularidades: para além do desgosto dos espectadores com a derrota de 7x1 do Brasil pela
Alemanha, também a presença maciça de africanos, em especial de Gana. A presença dos
1 https://selecao.cbf.com.br/noticias/selecao-masculina/brasil-derrota-eua-por-1-a-0-em-4-de-julho-de-1994-e-se-
classifica-as-quartas#.WuCzIi7wbIU
ganeses poderia ter sido percebida meramente como uma maior interação de africanos aos
eventos esportivos não fosse o advento de centenas de pedidos de refúgio que desencadearam
na necessidade de criação de um grupo especial para atendimento dessa população2. Após
entrarem no país, muitas dessas pessoas se deslocaram para a região sul. Algumas destas
desembarcam em cidades de Santa Catarina já com carteira de trabalho em mãos após uma
longa espera em São Paulo. A maioria se estabeleceu em Chapecó (frigoríficos), Criciúma
(construção civil e indústria do vestuário) e meia dúzia de pequenas cidades do sul catarinense.
Dos 1.132 que estão em Criciúma, 500 já pediram refúgio e os outros estão na fila para dar
entrada ao pedido de asilo. A crise causado pela chegada da leva de ganeses no Brasil fez com
que em nota, o Itamaraty justificasse que todos os vistos foram expedidos conforme a
determinação da Lei Geral da Copa e que não houve irregularidade3.
Auxiliar alguém com informações e com apoio material para fins de imigração não é
crime. Nesse caso, os ganeses ingressaram no Brasil de forma legal. Haveria crime
apenas nos casos de tráfico humano, aliciamento para trabalho escravo ou com fins
de exploração sexual. (Gazeta do Povo)
A pergunta que se fazia era porque os ganeses se deslocaram para o Brasil. Em resposta
ao questionamento o governo de Gana disse que não haviam conflitos étnicos no território que
justificassem o pedido de refúgio. Tal narrativa foi amplamente utilizada pela mídia brasileira
para condenar os pedidos de refúgio. Logo, era necessário entender essa situação em Gana e
verificar a alegação oficial. Explorando essa narrativa fomos de encontro às matérias fornecidas
pelas mídias virtuais ganesas onde foram encontrados artigos que caminhavam em sentido
contrário ao exposto pelos órgãos oficiais.
Em 2018, passados 24 anos do episódio em Rwanda, Gana, juntamente com outros
países do continente africano, celebravam o aniversário do genocídio contra o povo tutsi4. O
Diretor e Decano de Assuntos Acadêmicos do Comando das Forças Armadas e do Pessoal do
Gana, Dr. Vladimir Antwi-Danso, durante a celebração, em entrevista ao Daily Graphic, disse
que é importante para os ganenses eliminar o partidarismo extremo e trabalhar no interesse do
2 http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/brasil-cria-grupo-para-expedir-vistos-de-refugiados-ganeses
3 http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/copa-foi-usada-para-fuga-de-ganeses-para-o-brasil-
eb62m619m38vnt7ufu4e5758u 4https://www.graphic.com.gh/entertainment/ghanaians-must-do-away-with-extreme-partisanship-dr-antwi-
danso.html//
país, culpando a mídia por dar valor às posturas políticas insalubres e partidárias exibidas pelos
políticos. Diante de um discurso desenvolvimentista disse, ainda, sobre a importância para Gana
em aprender com o exemplo de Ruanda que, apesar dos assassinatos de mais de um milhão de
pessoas por conflitos étnicos, avança no sentido de reconstruir o país. Consequentemente, disse
ainda, que Ruanda estava testemunhando o desenvolvimento econômico massivo e a
transformação da infraestrutura.
As declarações do Direitor das Forças Armadas nos colocam diante de uma questão
interessante. Por que Gana deveria aprender com Ruanda se, de acordo com as autoridades
locais, não existem conflitos étnicos no país? Quais as consequências da transformação da
infraestrutura sobre as sociedades africanas diante de um intenso processo de globalização?
Essas questões se colocam como centralizadoras para o desenvolvimento desta análise, uma
vez que abrem uma nova abordagem sobre a existência, permanência e inviabilização dos
inúmeros conflitos ocorridos na região Norte de Gana.
Após o final da Guerra Fria, a África acabou por atrair a atenção da comunidade
internacional devido aos inúmeros e violentos conflitos ocorridos no território. Os conflitos
étnicos-políticos tomaram lugar de destaque na mídia internacional e chamaram a atenção da
agenda intergovernamental e de organizações internacionais. Esse discurso também teve
destaque em diversos grupos acadêmicos devido à urgência sobre políticas que apontassem
soluções de ordem social e econômicas para uma sociedade africana empobrecida. Porém, a
maior preocupação dos governos e entidades internacionais é o emergente fenômeno onde as
sociedades de conflito tem se tornado, gradativamente, berços de atividades de grupos
terroristas, como o Boko Haram e a Al Qaida. Para a compreensão desses conflitos foi
necessário estabelecer um levantamento sobre as produções acadêmicas recentes que
focalizassem os casos recorrentes em Gana a partir de diferentes abordagens:
Dagomba Chieftaincy Conflicts Staniland, 1975
Nugent & Lentz, 2000
Fulani Nomadic Activities Tonah, 2007 e 2012
Kokomba and Dagomba War Shalik, 1986
Pul, 2003
Kusasis and Mamprusir Conflict Lund, 2003
Nawuri and Gonja Conflict Brukum, 1999
Lund, 2003
Mahama, 2003
Mbowura, 2012
Nos últimos anos, a Região Norte de Gana tem sido palco de conflitos étnicos com alta
taxa de recorrência. Foram estimadas mais de cem disputas étnicas em todo país, sendo que
70% destes impasses se estabeleceram na região norte (Tonah, 2012). Mesmo após a retomada
do regime democrático, vários conflitos inter-étnicos foram travados, em especial as guerras de
Kokomba-Bimoba entre os períodos de 1984 a 1989 que resultaram em centenas de mortes.
Esses conflitos são complexos e envolvem identidades étnicas, história dos grupos e direitos,
estando os mesmos intimamente conectados com o status social e político e com as
oportunidades econômicas. Isso conduz a necessidade de situar a discussão à história desses
grupos, tradições, costumes, cultura e sua interação com o conceito moderno de pobreza e
direito a terra.
Até o ano 2000, quase todas as áreas tradicionais do Conselho da Região Norte haviam
sido inundadas por convulsões étnicas (Lund 2003). Pequenos grupos étnicos construiriam
alianças com outros para combater grupos étnicos dominantes considerados "suseranos".
Exemplificando esta situação temos que, em 1992, os Gonja-Vagla, Konkomba-Nanumba e
Mamprusi-Kusasi formaram um pacto de guerra contra os Gonjas, que durou vários meses
desestabilizando a paz da região (Pul, 2003). A chamada "guerra da aliança" mal havia
terminado quando em 1993 eclodiu uma nova guerra entre os Kokomba e os Mossi. No ano
seguinte um novo conflito inter-étnico ainda mais feroz alcançou os grupos vizinhos. Em 31 de
janeiro de 1994 a guerra de Konkomba-Nanumba5 se iniciou no mercado da pequena cidade de
Nakpayli. Inicialmente o conflito ocorreu entre dois homens, um Konkomba e um Nanumba
que foi a óbito, o que resultou no desfecho de um conflito generalizado (Assefa, 2001:165).
5 https://www.ghanaweb.com/GhanaHomePage/NewsArchive/The-Ethnic-Problem-In-The-Ghanaian-Body-
Politics-And-Its-Security-Significance-151591
Situação semelhante também ocorreu em Bawku, na região do Alto Oriente em 2001 e 2002
devido as eleições locais e a nomeação de um prefeito, Chefe do Executivo do Distrito (Lund,
2003).
Os conflitos são fenômenos recorrentes na Região Norte, onde os Nawuri e os
Gonjas atuam como dois grupos poderosos, estabelecendo uma das mais brutais e incessantes
guerras étnicas que já levaram a perda de centenas de vidas, devastando uma região que se
encontra em subdesenvolvimento em relação a outras áreas e reduzindo a população local. Para
compreensão das demandas existentes faz-se necessária a compreensão de alguns dos aspectos
demográficos dessa área. A Região Norte compõem uma das dez divisões político-
administrativas de Gana. É a maior, porém a menos povoada região de Gana. Compartilha
fronteiras com as regiões do Volta ao sul, o Togo a leste e a Costa do Marfim a o Oeste. Existem
37 línguas distintas na região faladas por aproximadamente 17 grupos étnicos que se percebem
como indígenas (Pul,2003). Entre o Mole-Dagbon (o principal grupo étnico na Região),
Dagomba e Mamprusi são os maiores subgrupos, e Kokomba, Basaari e Bimoba são os maiores
do grupo Gurma. Além disso, existem pequenos grupos tais como os Chokosi que estão ligados
aos Akan, e Gonja. As línguas predominantes faladas na região são Dagbani, Gonja e Mampruli.
A região está dividida em 22 distritos administrativos. Tamale é o distrito mais populoso da
região, com uma população de 371.351 pessoas. Atua como capital política, administrativa e
comercial da região. O município de Yendi é o segundo maior em termos de população
(199.592). No entanto, com exceção de Tamale, a região Norte é predominantemente rural em
relação a outras regiões (Ghana Statistical Service 2010).
Os dois grupos étnicos que se envolveram em um dos mais ferozes conflitos no Gana
moderno, o Nawuris e Gonjas são encontrados na região norte do país. Geograficamente, eles
pertencem ao cinturão de savana onde o efeito da mudança climática deixou grama em lugares
de árvores porque estas foram cortadas por madeireiras britânicas a partir do século XIX.
Linguisticamente, os Nawuris e Gonjas são Guans cujos dialetos estão interconectados. Os
ancestrais desses grupos étnicos não só cultivaram a mesma terra juntos, mas também se
tornaram aliados políticos após as trocas de missões diplomáticas entre os chefes dos Nawuri e
os Gonja no final do século XVI. Eles também se tornaram parceiros comerciais quando Salaga
se tornou um lucrativo mercado de escravos em Gana entre os séculos XVI e XVIII. Estas
afinidades linguísticas e de comércio estimularam o vínculo comunal e um senso de vizinhança
entre os dois grupos. Esta relação sustenta a percepção de amizade entre as tribos do norte de
Gana por outras tribos no Sul, particularmente os Ashantis que tendem a se referir a pessoas do
Norte como “Intaafo” (gêmeos) para representar o vínculo inseparável entre eles. Apesar desse
vínculo, eles se engajaram em vários conflitos principalmente em relação a terra, identidade e
poder tradicional. Os governantes tradicionais estão no centro do desenvolvimento sócio-
econômico dos grupos, o que faz com que as aspirações locais e os problemas associados à
chefia tendam a afetar as habilidades de desenvolvimento, paz e segurança das pessoas nas
áreas tradicionais, o que acabou por estabelecer crescentes incidentes de conflitos entre os
diversos grupos étnicos (Brukum, 2001).
Em relação as tradições e costumes das pessoas da região Norte, nota-se que, muito
antes do século XV, a área era habitada por grupos não centralizados como os Konkomba (Pul,
2003). Durante este período, as configurações políticas eram relativamente independentes umas
das outras e as relações entre as pessoas caracterizavam-se por "mobilidade, redes sobrepostas,
grupo de múltipla adesão e o desenho de limites dependente do contexto” (Lentz 2000, p.107).
No entanto, em meados do século XVII, a Região Norte havia sido invadida por grupos de
regiões "centralizadas" como Tohajie (Dagomba, Nanumba e Mamprusi) e Gonja, sob a
liderança astuta de Ndewura Jakpa que introduziu uma nova cultura de dinastia. Jakpa
estabeleceu uma federação de estados frouxamente entrelaçada que se estendia por toda a parte
norte do atual Gana e partes do Togo e do Benin. A invasão de Gana por Jakpa foi
provavelmente o resultado de uma disputa dentro de uma força Islâmica (da qual ele mesmo
fazia parte), na tentativa de converter nações no que hoje é o Mali e Burkina Faso, região
anteriormente conhecida como Alto Volta6. Usando de violência, os invasores subjulgaram os
povos locais considerados indígenas e usaram a marginalização cultural como base para luta
pelo status social (Pul, 2003).
Quando os britânicos introduziram o governo indireto, o governo colonial impôs
relações dicotômicas entre as comunidades distinguindo-os entre "acéfalos" e "cefálicos", o que
estabeleceu formalmente desigualdades estruturadas na Região Norte. A crença de que a
6 Enciclopédia Britânica (Sumalia Ndewura Jakpa). Disponível em:
https://www.google.com.br/search?q=tradutor+google&rlz=1C1GCEA_enBR756BR756&oq=tr&aqs=chrome.0.
69i59j0j69i60l4.1944j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
modernização do norte do Gana poderia ser alcançado através da formalização dos reinos em
termos de realinhamentos de assentamentos intensificou as divergências e explosões internas
entre chefes e grupos parcialmente conquistados, inflamando paixões e guerras. Em outras
palavras, a tentativa da administração colonial de canalizar a evolução cultural através de
reinterpretação seletiva e politização de questões levaram a contestações da reivindicação dos
habitantes indígenas à terra por outros grupos e demandas por representação. Por exemplo, a
subjugação das sociedades "não centralizadas" sob a autoridade de "politicamente legítimos"
foi facilitada pela política colonial britânica em apoiar os "centralizados" (Skalık 1987). A fim
de afirmar a influência política e tradicional sobre os outros grupos, os grupos étnicos foram
frequentemente percebidos como "minorias", enquanto os grupos principais foram percebidos
como "maioria". Esses estereótipos, segundo Brukum (2001, p.13), são considerados
pejorativos porque procuravam distinguir entre "grupos étnicos que construíram ou não
construíram impérios no passado". A exemplo, os Konkomba que são numericamente maiores
do que qualquer um dos outros três grupos principais (Nanumba, Gonja e Mamprusi são
conhecidos como "minoritários", enquanto Dagomba, o menor grupo é calorosamente referido
como “maioria”.
Várias estudos foram realizados na tentativa de compreender a ascensão desses estados-
nação étnicos, de forma a perceber a opressão de um grupo por outro e sobre as lutas por
territórios (Berger e Luckmann 1967). A escola principal postula que a identidade étnica é
inerente ao tecido humano. Em outras palavras, o desejo do homem de se identificar com grupos
cujas características eles possuem é um ato espontâneo (Scott, 1990). Existe a tendência de as
pessoas agirem em oposição a outros grupos étnicos, levando à rejeição de "estrangeiros". O
desejo de afirmar uma autoridade sobre outros grupos muitas vezes resulta na opressão do grupo
mais frágil, xenofobia e, inclusive, podendo resultar em casos de “limpeza étnica”7. De acordo
com Scott (1990, p.167) o conceito de “sentimentos primordiais” é essencial para a
compreensão da dimensão afetiva da etnia. No entanto, alguns estudiosos acham que os
sentimentos primordiais devem estar ligados a circunstâncias que ocorrem em outras ordens.
Apesar da etnia ser definida como a necessidade humana de pertencer a um grupo específico
de pessoas, instituições ou ideologia, ela é sempre expressa como uma adesão voluntária, o que
7 Entende-se por “limpeza étnica” a remoção violenta de um grupo de uma determinada região por um grupo
dominante, que legitima-se através da força aos direitos exclusivos da terra
facilita a manipulação por parte dos indivíduos em promover seus interesses em relação às
oportunidades disponíveis no ambiente (Turton, 1997).
O modelo construtivista afirma que a identidade étnica é maleável e dinâmica em vez
de inata e imutável. Assim, a etnia é a criação de políticas e forças históricas e não uma mudança
de identidades individuais ao longo do tempo estabelecida por mudanças no contexto social. Os
defensores deste modelo acreditam que as pessoas apresentam diferentes configurações de
identidades que estão sujeitas a desaparecimentos, retornos e reinvenções. Nesse sentido, um
grupo étnico que é oprimido com base na identidade étnica, pode ou assimilar a cultura do grupo
dominante ou intensificar a solidariedade do grupo, a fim de resistir e lutar pela igualdade de
direitos. No contexto contemporâneo, onde os sistemas de governo estão pautados sobre os
estados-nação e são legitimados por processos legais, a integração de imigrantes nas
comunidades étnicas já existentes é uma relíquia e o estabelecimento de condições de
autonomia de grupos refugiados é uma sobrevivência. Todavia, Scott (1990, p.163) forneceu
uma abordagem sintética onde não precisamos mais dicotomizar as etnias persistentes e
flutuantes; em vez disso podemos colocá-las ao longo de um contínuo grau de solidariedade
étnica. Nos conflitos estabelecidos na Região Norte de Gana, levando-se em conta os processos
etnopolíticos, faz-se necessário perceber as circunstâncias emergentes de ordem particular uma
vez que o conteúdo de qualquer etnia é historicamente contingente (Lentz, 2006, p.3). As
subjetividades, percepções e experiência passadas tendem a interagir com a “memória política”
para produzir categorias de identificação. De acordo com Rothchild (1997), estas novas
categorias construídas são "base de uma consciência que pode revelar-se destrutiva".
O caso Chuchuliga exemplifica isso. As duras realidades dos no retardamento do
desenvolvimento tornar-se um desafio. É evidente que, se tiverem que alcançar seus objetivos
e metas, haverá a necessidade de incluir a gestão de conflitos em suas agendas de
desenvolvimento e elaborar planos de ação estratégicos para a gestão de conflitos do país.
Também será necessário considerar o patrocínio de pesquisas e estudos em conflitos, centros
de apoio e instituições que geram dados, oferecem aconselhamento e técnicas de gestão de
conflitos. Há também a necessidade de avaliação constante e contínua de resoluções de conflitos
e estratégias de mitigação da paz. Os interessados devem estar prontos para voltar atrás. Será
que foram alcançados os objetivos estabelecido? Se sim, por que e como foi feito? Das
discussões acima, pode-se dizer também que administrar ou resolver conflitos precisa envolver
tantas pessoas diferentes de diferentes setores de sociedade e abordagens possíveis. Todas as
facções devem ser levadas à mesa da resolução em algum ponto. No entanto, também é
importante extrair fontes locais e externas. Existe a necessidade de apreciar o fato de que a paz
e a reconciliação deve ser visto como não meros eventos. Lederach (1995) argumenta que o
conflito não é um curto fenômeno, prazo que pode ser resolvido permanentemente através da
mediação ou outros processos de intervenção. Em vez disso, ele sugere que a conseqüência de
conflitos violentos pode ser transformada. Isso deve acontecer nos níveis individual e sistêmico.
No nível pessoal, a transformação envolve a busca da conscientização, crescimento e
comprometimento com a mudança. Deve-se querer resolver seu problema. Isso pode ocorrer
através do reconhecimento do medo, raiva, tristeza e amargura. Essas emoções devem ser
externamente reconhecido e tratado para que uma transformação efetiva ocorra. No nível
sistêmico, o processo deve visar o aumento da justiça e da igualdade nos sistemas sociais, um
todo. Essa é uma estratégia de construção da paz baseada em processos que permite que os
disputantes aprendam através da prática para evitar a reincidência de conflitos e para apropriar-
se do processo. Dependendo do tipo de conflito, a (s) organização (ões) social (is) envolvidas
devem ser usadas como meio para resolver o problema. Os diferentes governos que chegam ao
poder devem se comprometer mais do que nunca construção da paz. Quando Comissões ou
comitês são criados, os governos devem se esforçar para implementar suas conclusões e
recomendações, tanto quanto possível.
Considerações Finais
É evidente a partir dos casos analisados que, embora as pessoas possam manter suas
identidades étnicas, suas atitudes e perspectivas mudam. Pessoas que antes achavam que não
era problema ser subsumidas por outros grupos passaram a exigir direitos de identidade e
autogoverno como o caso do Konkomba. Além disso, os casos inter-étnicos neste estudo
expõem algumas fraquezas do sistema tradicional e consuetudinário de liderança. A crise de
Dagbon não conseguiu se utilizar das estruturas suas estruturas para resolver o problema. Em
contraste, o conflito com os Chuchuliga foi resolvido, ainda que com resistência inicial. Isso
levanta questões sobre chefia e percepções de poder. É claro a partir do exemplo Chuchuliga
que é as próprias comunidades locais que podem resolver o seu problema por diferentes razões.
O caso Chuchuliga também sugere que quando as razões para um determinado conflito são bem
definidas, as chances de resolver o problema tornam-se maior. Os casos de Bawku e Dagbon
foram ligados a muitas causas, especialmente quando os conflitos são politizados.
Consequentemente, tem sido difícil lidar com todas as causas satisfatoriamente. Os conflitos
estão muito ligados ao meio ambiente e à cultura das pessoas em disputa. Como resultado, é
muito difícil prescrever abordagens e estratégias específicas a serem usadas para resolvê-los ou
gerenciá-los. Particularmente, se é geralmente aceito que as causas dos conflitos são múltiplas
devido a situações variadas, as abordagens e estratégias para lidar com eles não podem
permanecer as mesmas. Abordagens múltiplas e mais criativas são necessárias para responder
e transformar conflitos. Isso não acontecerá através de formas repetitivas de usar técnicas
normativas de resolução de conflitos. Três conflitos neste estudo permaneceram não resolvidos
por causa disso. Estudos aprofundados são necessários para compreender a dinâmica, a fim de
aplicar estratégias adequadas. Logo, caminhando no sentido contrário de uma construção
midiática que aponta a inexistência de conflitos em Gana, percebemos que estes são múltiplos
e se apresentam nas mais diversas ordem que extrapolam os limites da etinicidade.
Referências:
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