“papai puxou o facão pra botar na barriga do doutor ... · fazendeiros em disputas judiciais em...

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1 “Papai puxou o facão pra botar na barriga do doutor!”: Campesinato Negro, posseiros e grileiros em disputa pela terra no pós-abolição Egnaldo Rocha da Silva 1 1 Introdução 1.1Campesinato Negro Em todo o Brasil, comunidades rurais negras se formaram, durante e principalmente após a fim formal da escravidão, constituindo um campesinato negro. As pesquisas e interpretações atuais sobre a constituição de um campesinato negro no Brasil, mesmo quando ainda vigia o sistema escravista, indicam que muitas comunidades negras formadas a partir da fuga e busca por espaços de autonomia resistiram a perseguição dos senhores e constituíram territórios negros rurais que chegaram até o século XXI. Na formação do campesinato negro o acesso a terra se deu de varias formas, antes e após a escravidão, inclusive por meio da compra de pequenas extensões de terras por negros que de alguma forma conquistaram a liberdade. Outro meio pelo qual o campesinato negro se fez presente foi a Brecha Camponesa, que permitia a existência de uma margem econômica e, também, de momentos de autonomia própria para os escravizados, onde os senhores disponibilizavam pequenos pedaços de terra e permitia que seus escravizados cultivassem alimentos de subsistência, nos poucos dias que eram liberados de suas obrigações. Contudo, provavelmente, a forma de acesso à terra de maior protagonismo entre a população negra foi a ocupação de terras devolutas por famílias negras durante e após a abolição. Atualmente, muitas dessas comunidades negras rurais vêm se autodefinindo como remanescentes quilombolas. 2 A categoria Campesinato Negro nos ajuda a compreender o protagonismo da população negra na luta pelo acesso a terra, contudo, é preciso esclarecer que em virtude da pluralidade de formas e meio de acesso a terra, que variam conforme o tempo e o espaço, e que resultou em diferentes formas de compreender e se relacionar com os territórios 1 Doutorando em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); pesquisador associado do Núcleo de Estudos Culturais: Histórias, Memórias e Perspectivas do Presente (NEC) - PUC-SP. E-mail: [email protected] 2 No município de Ituberá já são cinco as comunidades reconhecidas como remanescentes quilombolas: Lagoa Santa, Brejo Grande, São João, Cágados e São João de Santa Barbara; no Baixo sul da Bahia são 44 as comunidade já reconhecidas.

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1

“Papai puxou o facão pra botar na barriga do doutor!”: Campesinato

Negro, posseiros e grileiros em disputa pela terra no pós-abolição

Egnaldo Rocha da Silva1

1 Introdução

1.1Campesinato Negro

Em todo o Brasil, comunidades rurais negras se formaram, durante e principalmente

após a fim formal da escravidão, constituindo um campesinato negro. As pesquisas e

interpretações atuais sobre a constituição de um campesinato negro no Brasil, mesmo quando

ainda vigia o sistema escravista, indicam que muitas comunidades negras formadas a partir da

fuga e busca por espaços de autonomia resistiram a perseguição dos senhores e constituíram

territórios negros rurais que chegaram até o século XXI.

Na formação do campesinato negro o acesso a terra se deu de varias formas, antes e

após a escravidão, inclusive por meio da compra de pequenas extensões de terras por negros

que de alguma forma conquistaram a liberdade. Outro meio pelo qual o campesinato negro se

fez presente foi a Brecha Camponesa, que permitia a existência de uma margem econômica e,

também, de momentos de autonomia própria para os escravizados, onde os senhores

disponibilizavam pequenos pedaços de terra e permitia que seus escravizados cultivassem

alimentos de subsistência, nos poucos dias que eram liberados de suas obrigações.

Contudo, provavelmente, a forma de acesso à terra de maior protagonismo entre a

população negra foi a ocupação de terras devolutas por famílias negras durante e após a

abolição. Atualmente, muitas dessas comunidades negras rurais vêm se autodefinindo como

remanescentes quilombolas.2

A categoria Campesinato Negro nos ajuda a compreender o protagonismo da

população negra na luta pelo acesso a terra, contudo, é preciso esclarecer que em virtude da

pluralidade de formas e meio de acesso a terra, que variam conforme o tempo e o espaço, e

que resultou em diferentes formas de compreender e se relacionar com os territórios

1 Doutorando em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); pesquisador

associado do Núcleo de Estudos Culturais: Histórias, Memórias e Perspectivas do Presente (NEC) - PUC-SP.

E-mail: [email protected] 2 No município de Ituberá já são cinco as comunidades reconhecidas como remanescentes quilombolas: Lagoa

Santa, Brejo Grande, São João, Cágados e São João de Santa Barbara; no Baixo sul da Bahia são 44 as

comunidade já reconhecidas.

2

constituídos, faz-se necessário dar visibilidade e operacionalizar categorias endógenas, ou

seja, àquelas que os próprios sujeitos históricos utilizam para designar e representar suas

ações cotidianas.

1.2 Pós-abolição

A propriedade não tem somente direitos, tem também deveres (…) Se for eleito, não

separarei mais as duas questões – a da emancipação dos escravos e a da

democratização do solo. Uma é o complemento da outra. Acabar com a escravidão

não nos basta; é preciso destruir a obra da escravidão. (Joaquim Nabuco, 1884).

O processo de abolição da escravidão e de inserção dos recém libertos no pós-abolição

no Brasil foi mais estudado do ponto de vista econômico e político do que de uma perspectiva

social ou cultural, “enquanto problema econômico, quase naturalmente tendeu-se a privilegiar

a questão da substituição do trabalho nas áreas mais prósperas da cafeicultura paulista e a

substituição quase absoluta do escravo negro pelo imigrante europeu” (MATOS; RIOS, 2004

p. 174). Essa questão já estava posta desde a promulgação da Lei de Terras de 1850, quando

previa que os recursos angariados com a venda de terras seriam destinados ao financiamento

da imigração, tanto que sem seu Artigo nº. 18 preconiza que o Estado, para isso, deveria

custear anualmente, “certo número de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que

for marcado, em estabelecimentos agrícolas [...], ou na formação de colônias nos lugares em

que estas mais convierem” (BRASIL, 1850).

Para avançarmos na compreender da conjuntura do pós-abolição é preciso estabelecer

um dialogo com outros campos científicos, tais como a Antropologia, a Sociologia e o

Direito.3 Dessa forma, buscamos uma abordagem interdisciplinar, cujo objetivo foi congregar

esforços na busca de compreender os significados das experiências vividas pelos diversos

atores sociais que compõem essa pesquisa no pós-abolição, almejando lançar luzes sobre o

que esta “além da escravidão” (COOPER; HOLT; SCOTT, 2005). Assim, entendemos que o

pós-abolição não deve ser visto como um momento representativo de uma ruptura com as

3 Em virtude da especificidade de parte das fontes levantadas para essa pesquisa, tais como processos judiciais, o

dialogo como o campo conceitual do Direito configura-se como indispensável para analise das mesmas. É valido

pontuar que as relações entre a História e o Direito não são novas, conforme apontam Silva Hunold Lara e Joseli

M. Nunes Mendonça; essas autoras indicam que essa relação nas últimas décadas vem passado por profundas

transformações, “onde a história do direito deixou de ser meramente uma disciplina formadora dos juristas,

destinada a justificar ou explicar os princípios e as normas jurídicas contemporâneas, para tornar-se um campo

de estudos da história intelectual e institucional” (LARA; MENDONÇA, 2006, p. 09). Buscaremos nas fontes

resultantes de processos judiciais, onde pequenos posseiros mediam forças contra ricos empresários e poderosos

fazendeiros em disputas judiciais em torno do direito de permanecer na terra, dessa forma, buscamos perceber as

estratégias e as experiências resultantes desse processo.

3

estruturas, praticas e, principalmente, na mentalidade do sistema escravista, uma vez que há

muito de continuidade desse período, agora na relação que se estabelece entre homem livre e

seus descendentes e ex-senhor e seus descendentes que figuram como herança da sociedade

escravocrata e que se prolonga por todo o século XX e persiste nos dias de hoje, tencionando

as relações raciais no Brasil, com momentos de retrocessos e avanços.

Por tudo isso é que o pós-abolição vem configurando-se como um campo de

investigação, “com caráter sistemático” (GOMES; DOMINGUES, 2011, p. 07), cuja

conformação deu-se a partir de um processo de emancipação marcado por profunda

“racialização das relações sociais” (ALBUQUERQUE, 2009, p. 37), em que a distribuição

desigual de poder forjou estruturas de “preterição, subordinação, humilhação e dominação

nada aleatórias e que resultaram em formas de sofrimento social” (CUNHA; GOMES, 2007).

Ressalte-se o fato do discurso retórico da igualdade, da meritocracia, da isonomia e da

liberdade propiciaram a prática de mecanismos perversos de exclusão e marginalização da

população negra, por isso a necessidade do pós-abolição ser visto e analisado como um

problema histórico (MATOS; RIOS, 2004).

2 Grilagem e desestruturação das formas tradicionais de acesso e permanência na terra

no pós-abolição no Baixo Sul da Bahia

“Tem vários posseiros que eles tomaram na raça mesmo, invadiram e

tomaram as terras”. José Maria, 61 anos, agricultor.4

“A fazenda Finca tinha fama por todo o mundo ai que a Finca invadia

o que era dos outros, a Finca nunca invadiu um parmo de terra de

senhor ninguém...”. Natário dos Santos, 86 anos.

“Nessas matas só tinha mais era negro mesmo”. Natário dos Santos.

Os conflitos por terra na região do atual território do Baixo sul da Bahia eram

frequentes, principalmente após a abolição, quando a população negra recém liberta e seus

descendentes passaram a ocupar nesgas de terras ociosas no interior das matas, longe da

fronteira agrícola estabelecida até o final do século XIX. Nessas áreas constituíram

44 Os nomes das pessoas foram substituídos, para preservar seu anonimato.

4

territorialidades a partir do campesinato negro cuja forma de aceso a terra variava, sendo a

mais usual nas décadas finais do século XIX e início do século XX a simples ocupação de

determinada porção de terra que era transmitida as gerações futuras. Portanto, não era

utilizada nenhuma categoria formal de acesso a terra.

As formas tradicionais de acessar e de se relacionar com a terra fora alterada

drasticamente a partir do avanço da fronteira agrícola, sobretudo com a expansão do cultivo

de cacau como uma atividade agrícola altamente rentável nas décadas iniciais do século XX e

com a chegada à região do empresário Oracio Nonato na década de 1940. O roceiro Damião

Braz, 78 anos, conta que antes,

Todo mundo respeitava, agora depois dessa Finca foi que não houve mais respeito

de nada pra divisa de ninguém, mas o povo de primeiro aqui respeitava a terra de

uns do outro, um cliente assim com o outro, assim agente respeitava a divisa, não ia

não.5

Damião Braz viveu esses tempos de mudança. Sua família ocupava uma sorte de terra

no interior das matas na divisa entre os municípios de Ituberá e Camamu, próximo ao atual

município de Gandu, a época distrito de Ituberá. Damião ainda mora na região, em um

quinhão de terra que lhe restou depois da expropriação que sua família sofreu e que fica

vizinha a fazenda de Oracio.

As formas tradicionais de convivência entre os posseiros onde todos se respeitavam

mutuamente e ninguém ultrapassava os limites de suas terras para as do vizinho, foi alterada

com a chegada de Oracioda, sinaliza Damião Braz. A Finca, foi o nome dado por Oracio

Nonato a uma de suas fazendas constituída a partir das terras que havia grilado, onde passou a

desenvolver o plantio de seringueira. Dessa forma, a fazenda Finca buscava captar e aplicar

recursos derivados dos incentivos fiscais do governo federal e estadual, em sua maioria

canalizada pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Depois de

grilada as terras, Oracio loteou parte delas e as vendeu a empresários de Salvador. Oracio

Nonato tinha outras fazendas que além do plantio de seringueiras também cultivava cacau,

cravo e dendê.

O modo de vida dos posseiros antes da chegada de Oracio era simples, cultivava quase

tudo de que necessitavam para sua subsistência, criavam-se pequenos animais, conforme

conta o senhor Damião: “Criava porco, as vezes que ia com cinco animais com por porco, de

5 Damião Brás de Jesus Santos. Entrevista realizada em 25 de março de 2015.

5

madrugada, saia daqui com noite, chegava lá em Ituberá, ai chuva tá batendo, as vezes, tinha

ocasião que eu ia montado no meio das cargas e meu pai tangendo o animal”. Eventualmente

o excedente daquilo que produziam era comercializado.

Outro que viveu aquela época de respeito entre os posseiros e fartura de alimentos foi

Manoel Domingos de Jesus, 62 anos. Manoel é neto de Candido Braz, que em 1961 entrou

com uma Ação de Reintegração de Posse contra Oracio, acusando este de ter invadido sua

posse. O próprio Manoel, em 1985 esteve envolvido juntamente com outros posseiros em um

conflito contra José Modesto, que foi Delegado de Terra em Ituberá.6 Atualmente Manoel

mora em pequena propriedade entre as comunidades de Lagoa Santa e Brejo Grande, ambas

comunidades remanescentes quilombolas.

A trajetória de vida de Manoel Domingos e seu envolvimento na luta pelo acesso e

permanência na terra é singular, foi uma das lideranças no conflito em que um grupo de

posseiros disputaram a posse de um quinhão de terra que alegavam serem devolutas contra

José Modesto, momento em que é refundado o sindicato rural dos trabalhadores rurais de

Ituberá, sendo Manoel Domingos seu presidente. Sobre o tempo de tranquilidade e paz entre

os posseiros e a forma tradicional com que regiam o acesso e o controle sobre suas posses,

Manoel pontuou que

Misericórdia era tudo beleza, quer dizer, não tinha divisa assim, porque não era

medido e titulado, a divisa era assim: por aquele pau, dali pra lá é Candido quem

domina, dali pra cá é o velho Eugenio, pra lá é Paulino do Ouro, pra lá já é o pessoal

de Maria que era a esposa do paulino porém era duas terras, cada um dominava uma;

Candido Braz, que é do pessoal dos Braz que onde tá esse André Braz, Damião

Braz, ta entendendo, e o velho chamava-se Candido, que era meu tio. Então era

assim. Então quer dizer, daqui para o Brejo Grande, era mostrado as pontas dos pés

de pau, os Piquí, que era as divisa, cada um dominava dali pra lá e o outro dali pra

cá, ta entendendo. Criava porco, duas três porca, a bicha paria no deserto, dentro da

mata ai, não abusava ninguém e todo mundo era parente ali, era primo, irmão,

sobrinho, não tinha problema nenhum, antigamente era assim, todo mundo

respeitava uns ao outro.7

As relações de parentesco era um fator importante na configuração estrutural dos

códigos tradicionais de acesso e permanência na terra, bem como no respeito aos limites que

cada núcleo familiar dominava. As posses necessitavam ser relativamente grandes para poder

permitir a reprodução física e a rotatividade dos roçados.

6 Os conflitos envolvendo os posseiros Eugenio Ventura contra Oracio e Manoel Domingos contra José Modesto

será discutidos mais adiante, ainda nesse trabalho. 7 Manoel Domingos de Jesus dos Santos. Entrevista realizada no dia 01 de abril de 2015.

6

Sobre as expropriações de terras, dois argumentos eram corriqueiramente utilizados

para legitimar a ação dos grileiros, o primeiro reza que as terras eram devolutas, portanto

pertenciam ao estado e poderiam ser requerida por qualquer pessoa, desde que tivesse

disposição e condição para regulariza-las, não tendo os posseiros argumentos jurídicos que

lhes assegurassem o direito de propriedade sobre as terra que ocupavam; o segundo

argumento alega que os posseiros não plantavam bens de raiz (cacau, piaçava, cravo-da-índia,

por exemplo), restringindo-se apenas a cultivarem mandioca e outros produtos necessários a

subsistência, alem da caçar e pescar. Contudo, muitos posseiros já vinham desenvolvendo o

plantio de roças de cacau, café e cravo-da-índia, principalmente aqueles situados em lotes de

terra mais férteis. Conforme indica a narrativa de seu Manoel:

A Finca, quando nos vivia lá na Finca, eu era menino, mas me lembro muito bem,

nos tinha roça de cravo, que produzia o cravo, vendia para comprar alimentação, nos

tinha o cacau, agente colhia [...], o velho meu pai colhia cacau que fazia uma ruma

que um homem sentado de um lado e o outro do lado um homem não via a cabeça

uns do outro [...]. Tinha o rio que dava muito peixe, a velha minha mãe pescava,

pegava bastante peixe; plantava duas, três hectare de mandioca que o velho meu pai

trabalhava muito, tinha uma casa de farinha a roda d’água, uma represa muito boa de

peixe, era dessa represa que puxava água para movimentar a casa de farinha, tinha

casa de morada de taipa e palha. Quando eu nasci, em 1953, no terreiro da casa tinha

um pé de cravo que subia quatro homens para colher. Naquela época nos tinha tudo

em abundancia, nos tinha nossa roupa, tinha dois, três burro no pasto, tinha tudo isso

[...]. O velho meu pai matava porco de três quatro arroba, fazia os moquém para

assar aquela carne todinha pra gente comer, era assim, agente não passava misera

não, passava beleza (grifo nosso).

O cultivo de café, que teve forte presença na região no século XIX e as primeiras

décadas do século XX, do cravo-da-índia a partir das primeiras décadas do século XX e de

cacau por pequenos posseiros, sobretudo aqueles sitiados nas terras mais férteis e propicia

para essa cultura, sendo que, diferentemente de como eram cultivado pelas grandes

propriedades, os pequenos posseiros diversificavam a produção, consorciando o cacau com

outras culturas e não deixava de cultivar os produtos de subsistência, principalmente a

mandioca.

Para esses pequenos roceiros a vida seguia seu curso normal, de muito trabalho e

simplicidade na lida da roça, no trato com os animais, nas relações com os vizinhos. Até que

se aproxima da região o empresário Oracio Nonato e visualiza ali potencialidades que

poderiam ser “economicamente viáveis”, possibilitando-lhe lucros fáceis, principalmente no

que dizia respeito a terra. O senhor João Coimbra, para quem Oracio representou o progresso

para a região, saliente que “quando doutor Oracio veio pra aqui ainda tinha terra devoluta”,

7

embora essas terras não estivessem desocupadas, nelas viviam centenas de famílias que ali

estavam a gerações, porém, sem que a situação fundiária fosse legalizada, isso a despeito,

segundo o senhor João, das inúmeras tentativas de seu pai, Lourival Coimbra, provavelmente

o primeiro Delegado de Terras a atuar em Ituberá, de fazer com que os posseiros procurassem

regularizar a situação fundiária das suas posses: “porque ele insistia com você que era

agricultor e você não queria medir, então ele dizia ao posseiro: meça, meça que hoje nos

estamos tendo a felicidade de ter terras devolutas, amanha ninguém sabe, o que ele pôde fazer

ele fez”.8

A pesar da insistência do pai, e por vezes, deste facilitar as coisas para os posseiros,

chegando a não cobrar pelos seus honorários de Delegado de Terras, conforme alegou seu

filho, João, a grande maioria dos posseiros só o procurava quando se via em apuros, na

iminência de perder a posse para algum fazendeiro ou coronel da região. Quando Oracio

começou a mediar as terras e a expulsar os posseiros muitos foram procurar o então Delegado

Lourival, conforme narra João Coimbra,

Quando doutor Oracio veio para Ituberá, a grande quantidade de terra ainda era

devoluta, ai doutor Oracio abarcou tudo, as terras que ainda eram devolutas, foi para

Salvador, porque ele era de lá, requereu ao Estado e mediu toda terra que interessou

a ele. Ai ficou aquele corre, corre, só via chegar posseiro aqui, “ah doutor Lourival,

Oracio tá entrando em minha terra”, ele dizia: eu não posso fazer nada, porque a

terra é do governo, eu chamava, vocês não vinha, os que vieram ficaram livres, mas

os que não vieram perderam. Oracio pagava as possesszinhas, mas infelizmente uma

grande parte ficou sem terra, porque quiseram ficar, né.

A ausência da regularização fundiária da terra ocupada colocava os posseiros em uma

situação de constante insegurança. Essa realidade corroborou para a proliferação da pratica do

Caxixe, termo pelo qual a grilagem ficou conhecida na região cacaueira, bem como toda sorte

de “arbitrariedades e desonestidades no apossamento de terras, ou ainda a ação de

aventureiros que buscavam lucros fáceis com o comercio de terra” (GARCEZ, MATTOSO,

1976, p. 588). Oracio não era necessariamente um aventureiro, uma vez que sabia exatamente

o que queria, onde poderia chegar e como. Mas sem dúvida entre os seus objetivos estava o de

lucrar muito com o comércio de terras e com os subsídios governamentais para o

desenvolvimento da cultura da seringueira na região,

Após delimitar a área de terra que lhe desejava, iniciou o processo de expulsar os

posseiros que viviam na área. Contudo, o reconhecimento e a delimitação da área não foram

8 João Coimbra. Entrevista realizada em 08 de maio de 2015.

8

feito de uma única vez, por se tratar de uma área de terra muito extensa, em regiões

acidentadas, foi necessário algumas etapas. Na primeira Oracio buscou meios de “maquiar” o

acesso a uma porção de terra, com ares de legalidade, para em seguida ir expandindo seus

domínios. Nesse processo ele contou com a ajuda de pessoas que conheciam muito bem a

região, a exemplo de Natário dos Santos. Sobre o processo de limpeza da área e a expulsão

dos posseiros, seu Manoel Domingos indica que:

Naquela época tinha um grupo lá, era Josias e Natário, era reunir quatro, cinco

homens e sair com as espingardas nas constas pelas estradas proibindo as pessoas de

trabalhar, pra não botar roças, que era para sair das terras que as terras era de Oracio,

que era de doutor Oracio as terras, e chamando o povo de invasor que tava

invadindo as terras e botando o povo para fora, o trabalho deles era esse. Cortar

rumo para medir, para circular, prendendo as pessoas, quer dizer, prendendo as

terras né, cortando o rumo e invadindo as terras do povo, era esse que era o trabalho

deles.

Certamente uma figura emblemática e atualmente quase mítica no processo de

grilagem de terras levado a efeito por Oracio Nonato é Natário dos Santos

3 Legislação agrária e a atuação dos Delegados de Terras: poder e conflito agrário na

Bahia

O cargo de Delegados de Terras emerge no bojo da primeira lei a ser considerada

sobre a regulamentação das terras do Estado da Bahia, a Lei nº 198 de 21 de agosto de 1897,

que dispunha sobre “terás devolutas, discriminação, venda, legitimação em posses e

revalidação de sesmarias ou concessões, registro geral e especial de terras”. Com a queda do

regime imperial e o advento de república, as terras chamadas “devolutas” passaram para o

domínio dos estados federados, cabendo a estes a incumbência de definir leis sobre o aceso e

legalização das terras públicas existentes em seus territórios, conforme previa a Constituição

de 1891.

O estudo da legislação agrária do estado da Bahia e a atuação dos antigos Delegados

de Terras podem fornecer pistas das praticas de expropriação de terras de pequenos posseiros,

aquisição, desvio e tráfico de influência para obter crédito agrícola, bem como investigar o

papel que a legislação estadual que regulamentava o acesso à terra na Bahia desempenhava

nesse processo, principalmente durante o século XX, quando a influência e a atuação dos

Delegados de Terras foram mais intensas.

9

Os Delegados de Terras foram figuras centrais no processo de acumulação de terras na

Bahia principalmente na região cacaueira durante o predomínio político e econômico dos

coronéis. Nas primeiras décadas do século XX, o cacau já se mostrava uma cultura

extremamente promissora e lucrativa, por conseguinte a procura por terras para o

desenvolvimento e ampliação das fazendas intensifica-se. A partir dos anos de 1950 temos o

advento da exploração de novas áreas para o plantio da cultura da seringueira no estado com

incentivos dos governos estadual e federal, a exemplo do “Programa de Incentivo à Produção

de Borracha Natural” (PROBOR), que disponibilizava recursos subsidiados pelo governo

federal para disseminar e ampliar o cultivo da seringueira para extração de Latex (Borracha

natural).

Na Bahia, desde a década de 1920 havia ações do governo no sentido de incentivar o

desenvolvimento da cultura da seringueira. Um decreto lei de 1926, por exemplo, “oferecia

50% de desconto na compra de terras estaduais por pessoas que se propusessem a plantar

seringueiras” (DEAN, 1989, p. 111). As primeiras experiências no plantio da seringueira no

estado se concentraram na região cacaueira, inicialmente no município de Una, no sul do

estado, consorciada com o cacau, as arvores de seringueira eram aproveitadas para sombrear

as roças de cacau.

Tanto a expansão das antigas e novas fazendas de cacau partir das primeiras décadas

do século XX, quanto as terras que serviram para a implantação da cultura da seringueira

corroboraram para a intensificação da contínua expropriação das terras ocupadas por famílias

negras descendentes da última geração de escravizados e seus descendentes. Tais conflitos

evidenciaram o atrito e disputas entre as regras tradicionais de ocupação da terra regidas pelo

direito costumeiro e as regras constituídas a partir do código escrito.

A figura do Delegado de Terra surge com a primeira lei estadual que regulamentava a

legalização e o acesso a terras públicas do estado da Bahia e durante praticamente todo o

século XX foram editadas leis e decretos que versavam sobre sua atuação e o alcance de suas

funções. Isso porque com a primeira constituição republicana promulgação em 24 de fevereiro

de 1891, a propriedade das terras devolutas foi transmitida para os Estados, ficando a União

com autonomia restrita às terras públicas federais, conforme previa o Artigo nº. 64 da aludida

constituição: “Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos

territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa

das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais” (BRASIL,

10

1891). Essa mudança de titularidade exigiu o desenvolvimento de medidas disciplinares

próprias, onde cada Estado legislou à sua maneira os princípios disciplinares quanto a

regulamentação das terras devolutas, “observando, porém, as normas e os princípios

assentados na lei de 1850 e respectivo regulamento de 1854” (SILVA, 2008, p. 268).

Com essa proposta ampliam-se as condições de exercício de poder das elites estaduais,

escancarando-se as portas para a legitimação, ampliação e constituição dos grandes

latifúndios a partir das terras públicas. Conforme pontuou Maria Yedda Linhares e Francisco

Carlos T. da Silva:

Assim, abria-se ao poder local, oligárquico e coronelista, a possibilidade de

legitimar suas ações de açambarcamento fundiário. Originava-se, desta forma, mais

uma corrida em direção à formação de amplos domínios fundiários no país,

reafirmando-se a ordem latifundiária (LINHARES; SILVA, 1999, p. 76).

Desde 1897 até os dias de hoje, inúmeras leis e decretos foram promulgados e/ou

revogados sobre a regularização das terras do estado, contudo, nos ateremos aqui sobre os

dispositivos que dispõe sobre os Delegados de Terras.

Tais Delegados foram figuras centrais no processo de expropriação de terras e,

consequentemente, para acumulação destas por parte dos fazendeiros. Os Artigos nº. 208 e

209, respectivamente, da referida Lei Estadual nº 198, previam que, para cada distrito de

“medição”, seria nomeado “pelo Secretário da Agricultura um Delegado da Inspetoria Geral”,

sendo que este usaria, em suas relações “oficiais, da denominação de Delegado de Terras”

(GARCEZ; MACHADO, 2001, p. 129). Além desses dois artigos mencionados, o Artigo nº.

216 estabelecia quais eram suas incumbências, dentre elas, caberia a estes:

§ 1º. – Interessar-se com vigilante zelo pelo domínio do Estado sobre as suas terras

públicas ou devolutas;

§ 2º. – Proceder às necessárias pesquisas para o exato conhecimento da existência,

situação, quantidade e presumível importâncias (sic) das terras devolutas, das

posses, sesmarias e concessões sujeita (sic) à legitimação e à revalidação;

§ 3º. – Efetuar ou fazer efetuar a medição e demarcação das posses pendentes de

legitimação e das sesmarias ou concessões sujeitas à revalidação, discriminando-as

entre si e das terras devolutas, remetendo à Inspetoria Geral os processos e

memoriais descritivos;

§ 4. – Indicar ao governo do Estado as terras devolutas que convierem ser reservadas

nos termos deste Regulamento;

§ 5. – Promover o processo dos invasores de terras devolutas (GARCEZ;

MACHADO, 2001, p. 131-132).

Ao todo, o artigo 216 estabelecia 16 atribuições pertinentes ao cargo exercido pelos

Delegados de Terras. O Artigo nº. 233 preconizava: “Os Delegados de Terras, verificando a

11

existência de invasores [...] intimarão por ofício e sem demora os delinquentes a abandonarem

as terras ou obtê-las por compra ao Estado dentro de três meses do dia da intimação”

(GARCEZ; MACHADO, 2001, p. 133), ao fim desse prazo, caso o “invasor ou intruso” não

tivesse obedecido à intimação e tomado as providências necessárias para regularizar a

situação, ou seja, caso prosseguisse na prática “condenada”, o Delegado de Terras deveria

tomar as providências que, dentre outras penalidades, previa que o “infrator” deveria

abandonar as terras em 48 horas.

Obviamente que os potenciais “invasores” de terras públicas e, portanto passiveis de

serem enquadrado dentro de tal dispositivo legal eram os pequenos posseiros negros recém-

saídos do regime de escravidão e brancos pobres que não dispunham de recursos para

regularizar a terra que ocupava, fator que os manteve em condição de vulnerabilidade,

sobretudo durante todo o século XX.

Em 12 de outubro de 1902, o Governo do Estado da Bahia promulgou a Lei nº. 447,

que potencializou o poder de ação dos Delegados de Terras. O artigo nº. 7 estabelecia que

estes passariam a ter “[...] as atribuições dos comissários de polícia nas diligências para

verificação dos delitos referentes a terras do Estado e preparo e investigação e colecionamento

de provas de responsabilidade dos delinquentes” (GARCEZ; MACHADO, 2001, p. 168). Os

Delegados de Terras fizeram largo uso em suas ações expropriatórias das prerrogativas que

essa lei lhe possibilitava, recorrendo ao apoio de policiais e jagunços.

De 1897 a 1974, foram várias as leis e decretos que citam, ou foram direcionadas aos

Delegados de Terras. Em 15 de maio 1974, foi promulgada a Lei Estadual nº. 3.257, que

oficializava as Agências Regionais de Terras do Estado da Bahia e regulava a situação

funcional dos antigos Delegados de Terras e seus auxiliares. A partir de então, estes passaram

a ser remunerados diretamente pelo Estado, e não mais por aqueles a quem prestavam seus

serviços de medição de terras e interlocutor junto ao Estado para o fim de expedir títulos de

domínio.

Até então os Delegados e seus auxiliares eram pagos por aqueles a quem prestavam

serviços. Situação que criava uma relação perigosa entre estes delegados e os interessados em

regularizar posses e/ou adquirir terras devolutas, majoritariamente, grandes proprietários de

terras ou aspirantes a tal. Por tais serviços eram cobrados preços excessivamente altos,

estipulados pelo Estado e regulamentados por decretos, a exemplo do Decreto de nº. 18.831

12

de 26 de abril de 1963, promulgado pelo então Governador do Estado da Bahia Antonio

Lomanto Junior, que em seu preâmbulo dizia o seguinte:

O Governo do Estado da Bahia, considerando que os Delegados de Terras, não

sendo remunerados pelos Cofres Públicos, percebem apenas remuneração

correspondente aos trabalhos que executam inclusive toda a aquisição de material

necessário ao desempenho do serviço;

Considerando que, o preço da metragem linear vigente, fixada no ano de 1958, não

atente à conjuntura do nível de vida atual, estando consequentemente desatualizado

e muito inferior ao preço pago por iguais serviços a profissionais particulares;

Considerando, ainda que, o Cargo de Delegado de Terras é privativo de profissionais

portadores de diploma universitário de Engenheiro Civil, Agrônomo ou Agrimensor;

DECRETA:

Art. 1º. Os preços a serem cobrados pelos Delegados de Terras por metro linear de

medição, passam a ser:

a) Cr$ 14,00 (quatro cruzeiros) por metro linear para os serviços apresentados com a

planilha do cálculo analítico;

b) Cr$ 10,00 (dez cruzeiros) por metro linear para os serviços apresentados sem

planilha de cálculo analítico;

Art. 2º. Os preços cobrados por serviços de avivamento de rumos antigos serão

indicados no Art. 1º. Acrescidos de 1% (um por cento), por ano que separa a data da

avivação da data da medição;

Art. 3º. Aplicam-se ao presente Decreto as medições já efetuadas e em debito que

foram pagas no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a partir de sua vigência

(GARCEZ; MACHADO, 2001, p. 290).

Mesmo aqueles posseiros que desejavam regularizar sua situação afim de obter o título

de propriedade da terra, tinha dificuldade em fazê-lo por conta do alto custo dos serviços

cobrados pelos delegados, embora mesmo com tais dificuldades alguns posseiros tenham

conseguido titular suas terras, contudo esses casos representam a exceção.

Em Ituberá, são dois os Delegados de Terras que se tem notícia que atuaram durante o

século XX, o primeiro deles é Lourival Coimbra, não sabemos ao certo quando ele iniciou sua

atividade na região, provavelmente entre os anos de 1910/20, e exerceu a função até 1964

quando se aposentou. Em seu lugar assumiu José Modesto, que permaneceu na função até a

extinção do cargo. Sobre a atuação e formas de se relacionar com os posseiros da região

desses delegados existem versões diferentes. Quanto ao primeiro fala-se que era um homem

bom e sempre que possível ajudava os posseiros, por vezes os defendia da ganância e

investida que os coronéis locais constantemente faziam sobre suas terras. Já o segundo é

descrito como um homem violento e que fez fortuna se utilizando das prerrogativas do cargo

que exercia, se apropriando de muitas terras de posseiros.

Lourival Coimbra, provavelmente o primeiro Delegado de Terras de Ituberá era

natural de Salvador e veio para Ituberá nas primeiras décadas do século XX, de onde

comandava a Delegacia de Terra do sétimo distrito, cujo raio de atuação cobria o território

13

entre os municípios de Ituberá a Belmonte. Sobre a atuação desse Delegado entrevistei João

Coimbra, 84 anos de idade e funcionário público aposentado, único dos seus filhos ainda

vivo.

Ao reconstruir a trajetória de seu pai e a atuação dele como Delegado de Terras, João

buscou enfatizar o caráter altruísta deste para com os pequenos roceiros. Segundo ele, sempre

que podia fazia questão de ajudar os posseiros, defendendo-os das investidas dos ricos e

poderosos fazendeiros locais sobre suas posses. Como os pequenos roceiros não procuravam

regularizar sua situação fundiária, o então delegado Lourival os procurava e buscava

incentiva-los a medirem e titularem suas terras, seu filho disse que “ele chamava os posseiros,

muitos não podiam fazer, mas ele insistia para fazer pro cabra pagar depois, ele lutou muito

com vários posseiros para medir a terra, tanto que ele tinha muita gente que ficou com terra

legalizada”.9

O procedimento para legalizar as posses não era simples nem barato. O primeiro passo

era o roceiro procurar a delegacia de terra, que no caso de Ituberá ficava na própria casa do

Delegado, “a delegacia era na nossa casa, no tempo que ele foi delegado a nossa casa tinha

uma sala para isso”; em seguida era necessário pagar um tributo na coletoria federal,

recolhido o imposto o delegado determinava a seus auxiliares que fosse mediar a terra do

requerente, os custos desses profissionais até 1974, ficavam a cargo do solicitante, com as

informações contidas nas cadernetas de campo dos auxiliares era feito a planta ou mapa da

área, indicando geralmente apenas os confrontantes, para então ser instituído o processo de

solicitação do título definitivo que seguia para a Secretaria de Agricultura do Estado para ser

analisado e definido o valor a ser pago pela área que o individuo estava a solicitar e então era

emitido uma guia para o solicitante recolher o imposto cobrado, só então o processo seguia

para ser despachado pelo próprio governador, que assinava o título definitivo de propriedade

em nome daquele que o solicitara.

Nos poucos mais de quarenta anos que Lourival Coimbra atuou como Delegado de

Terras em Ituberá, ajudou e defendeu muitos posseiros contra a ganância dos coronéis locais,

argumenta seu filho: “Teve casos de coronéis querer tomar terra de gente aqui”. Certamente

foram muitos posseiros que tiveram suas terras expropriadas. João Coimbra narrou um desses

casos onde estiveram envolvidos um coronel local e uma posseira:

9 João Coimbra. Entrevista realizada em 08 de maio de 2015.

14

[...] um dia chegou uma viúva aqui com os filhos em um panacúm em cima do

animal dizendo que o coronel queria tomar a terra dela, não vou lançar o nome

porque não adianta, gente de família nobre, e ele foi lá, chamou o administrador da

fazenda e disse: onde é a terra do coronel aqui, ele disse: é aqui, aqui, aqui. É ai? É!

Ele pá! Media e dava de graça a pessoa, a medição ele não cobrava, só se a pessoa

requeresse ao estado e fizesse o título, mas a parte dele ele fazia de graça, fez para

varias pessoas assim.

A “simpatia” para com os pobres, a retidão de caráter e o sendo de justiça do Delegado

de Terras Lourival são características que seu filho faz questão de resaltar, ao ponto de,

segundo ele, não ter titulado terra em seu nome, nem comprar terra já titulada por outros.

Certa feita, conta João Coimbra, um cidadão que havia medido e titulado uma terra há vários

anos procurou seu pai e propôs que ele a comprasse: “ele veio até papai e disse: doutor

Lourival eu medi e titulei essa terra, mas eu não quero terra na região, o senhor sabe quanto

eu gastei, o senhor me da o dinheiro e fica com a terra”. Seu pai recusou a proposta

argumentando que “eu não quero terra, como Delegado de Terra eu não quero terra na

região”. Também não permitia que nenhum dos seus filhos tivesse terra:

Tanto que nos que somos filhos dele podíamos ser os maiores latifundiários da

região, porque ele foi delegado de terras de Ituberá a Belmonte, era o sétimo distrito

a delegacia. E nos não tivemos o direito de medir um palmo de terra. Porque ele

dizia: comigo delegado vocês não tem terra porque eu não quero.

Em alguns casos, os delegados de terras são apresentados por familiares como

desbravadores, responsáveis pela colonização e desenvolvimento de cidades que surgiram

com o advento do apogeu do cacau. A sobrinha neta de um delegado de terra do município de

Camacan argumenta que seu antepassado foi o responsável pelas “primeiras medições,

locações, abrindo as primeiras estradas de pedestres que serviam para delimitar as áreas de

ocupação” do que viria a ser a cidade de Camacan, no sul da Bahia (PINTO, 2004, p. 81).

Segundo Mercedes Mendonça, o delegado de terras de Camacan Boaventura Moura:

“filosoficamente não admitia grandes áreas, não permitia latifúndio [...]. Ele como Delegado

de Terra dava 30 a 40 hectares” (PINTO, Idem). Com essa medida, escreve Mercedes

Mendonça, o delegado queria prevenir a “ação dos caxixeiros e gananciosos de terras, bem

como futuros conflitos de lutas pela terra tão literariamente narrada em outros municípios da

Região” (PINTO, Idem). Boaventura Moura aproveitando-se da influência do cargo que

exercia consagrou-se como o primeiro prefeito de Camacan passando a influenciar

decisivamente as eleições que se sucederam. Renato Z. Costa dos Santos ao analisar a

formação da elite agrária de Camacan e a memória social construída sobre essa elite aponta

15

que “Seus feitos foram eternizados com a avidez da sociedade sul-baiana em produzir um

passado emérito e glorioso. Suas ações foram consagradas por gerações, até serem absorvidas

como prelúdio de sua própria identidade” (SANTOS, 2010, p. 02).

Fora dos círculos familiares e daqueles representativos da história oficial,

provavelmente a memória que se tenha sobre os Delegados de Terras sejam outras, menos

românticas. Talvez, no Brasil real, vasculhando as lembranças daqueles que ficaram no limbo,

surjam memórias dissidentes, antagônicas a essas memórias glorificantes que se querem

hegemônicas e representativas do Brasil oficial.

Para a região cacaueira, havia uma determinação que limitava a quantidade de terra

que poderia ser requerida, embora, em tese, estivesse aberta a qualquer pessoa a possibilidade

de querer terra nessa região, caso as terras requerida fosse próprias para o cultivo do cacau,

“só poderiam ser requeridas até cem hectares por uma só pessoa; e terras impróprias para

cacau, de pior qualidade, mas próprias para a pecuária poderiam ser requeridas até quinhentos

hectares” (HEINE, 2004, p. 31). A imposição de um limite sobre as terras requeridas em áreas

propícias para o cultivo de cacau abria precedentes para fraudes, onde se requeria porções

maiores de terra “em áreas reconhecidamente aptas para a lavoura do cacau a preços mais

baixos”, alegava-se para isso tratar-se “de terra para pasto, imprópria para a lavoura (de

cacau), desde que o requerente contasse com a boa vontade da autoridade encarregada da

medição, demarcação e avaliação das terras” (HEINE, Idem, p. 32).

Entre as décadas de 1920/30 Delegados de Terras e seus auxiliares, bem como

fazendeiros, deputados estaduais e membros do governo estadual, estiveram diretamente

envolvidos no conflito ocorrido no Posto Indígena Paraguaçu, criado em 1924, na cidade de

Itabuna, no território indígena Tupinambá. A motivação do conflito foi a cobiça dos

fazendeiros locais pelas terras que ficavam no aludido território indígena, descritas como

extremamente férteis e propícias para o cultivo de cacau. Em 09 de março de 1926, o então

governador Francisco Marques de Góes Calmon, por meio de decreto, mandava que fossem

reservadas “as terras onde se encontram em maior número índios em estado selvicola a serem

destinadas a postos e povoações indígenas”, o mesmo decreto determinava a suspensão das

medições de terras devolutas situadas nas zonas de abrangência do aludido Posto Indígena, e

indicava três zonas:

1º - A situada entre os rios Prado e Cachoeira do Itabuna limitada a oeste pelo

vazadouro ultimamente aberto pelo referido representante, e dai a Angelim, povoado

do rio Prado; 2º - A situada nas cabeceiras do Ribeirão do Ouro, afluente da margem

16

direita do rio Gongugy; 3º - A situada nas cabeceiras e contra vertentes do rio Peixe,

afluente do rio de Contas (GARCEZ; MACHADO, 2001, p. 197-198).

A delimitação da área foi definida por meio da Lei Estadual nº. 1.916 de 09 de agosto de

1926, que estabelecia:

Art. 1º. – Fica o Governo autorizado a reservar 50 léguas quadradas de terras,

compreendidas nos limites fixados pelo Decreto do Poder Executivo, de 09 de

março do corrente ano, destinadas à conservação das essenciais florestas naturais e

ao gozo dos índios tupinambás e patachós ou outros ali habitantes (GARCEZ;

MACHADO, idem, p. 200).

.

Ficando o Governo do Estado incumbido de providenciar a demarcação da área

determinada pelo aludido decreto lei, o que foi feito pelo “Capitão Vicente de Paulo Teixeira

da Fonseca Vasconcelos entre 1926 e 1930” (LINS, 2007, p. 192). Com o anúncio da

proposta de demarcação das terras em favor dos índios os fazendeiros começaram a se

articular para impedir que a mesma acontecesse, pois almejavam se apropriar daquela área

para expandirem suas fazendas de cacau e para isso fizeram uso dos mais diversos

argumentos na busca de convencer o governo estadual da inviabilidade da demarcação das

terras em favor dos índios. Tanto que no mesmo ano em que o decreto de foi editado um

grupo de fazendeiros “de Itabuna, liderados pelo deputado Cordeiro de Miranda, enviou um

memorial ao governo pedindo a redução das terras do Posto, usando o argumento que ‘sendo

o número de índios mínimo (...) prejudicava a expansão agrícola de Itabuna’”, e com o

objetivo de reforçar a tese de que os índios não careciam de “tanta terra” esse mesmo

deputado argumentava que “os fazendeiros locais tem comprado aos índios algumas posses,

mas isso (...) dentro da lei. Eu mesmo comprei algumas dessas posses” (LINS, idem, p. 192-

193).

Em 1929 o funcionário do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), Vicente de Paulo

Teixeira Vasconcellos, dá conta de que houve invasões na área da reserva indígena, situação

que se agravou a partir de 1931 com a nomeação do interventor Federal do Estado, Juracy

Magalhães, que inclinava-se a apoiar a posição dos fazendeiros, tanto que em 1933

encaminhou “ao Ministério do Trabalho” - aquém, nessa época era subordinado o SPI - um

“Memorial em que negociantes e lavradores queixavam-se de ineficiência do Posto Paraguaçu

e pediam a sua extinção” (LINS, idem, 194). Em 1936 fazendeiros locais, juntamente como

um funcionário da Secretaria de Agricultura do Estado da Bahia, Abdon Motta, auxiliar da

Delegacia de Terras de Ilhéus e com o apoio de deputados estaduais se articularam com o

Delegado de Terras do município de Vitoria da Conquista, conhecido por Dr. Bandeira

17

“mandaram alguns engenheiros acompanhados de homens armados medirem terras na área do

Posto Indígena Paraguaçu” (LINS, idem, p. 195). Foi a partir desse conflito que surge a figura

do Caboclo Marcelino, que se insurgiu contra as sucessivas invasões que vinham acontecendo

no território do Posto Paraguaçu, e em resposta a sua resistência passou a ser acusado de

“comunista” e perseguido; a imprensa local e estadual o apresentava como criminoso

referindo-se a ele com termos como “famigerado criminoso” e “Lampião Mirim” (PARAÍSO,

2009, p. 05).

Por conta de sua atuação na defesa do território indígena contra as investidas dos

fazendeiros e coronéis do cacau que constantemente tentavam invadir suas terras, Marcelino

foi acusado de vários crimes “em 1921 de ter assassinado Jacintho Gomes e, em 1929, de ter

matado sua companheira, acusando-a de adultério e ferido os quatro filhos dela. Também era

acusado de ter deflorado várias moças”, acusações que nunca foram “apuradas ou

comprovadas” (PARAÍSO, Idem). Mesmo sem provas concretas de sua participação nos

crimes de que era acusado, Marcelino e os companheiros que lhe acompanhavam foram

presos varias vezes e torturados, até que desapareceu em 1937, sem que jamais se soubesse do

seu paradeiro.

Uma das principais lideranças Tupinambá atualmente, o Cacique Babau (Rosivaldo

Ferreira da Silva), em depoimento prestado para o documentário “Tupinambá: o retorno da

terra” (2015), fez uma trajetória dos conflitos de terra que seu povo vem passando desde o

início de século XX e o papel desempenhado pelos delegados de terras e seus auxiliares:

Com a chegada do cacau na região foi que motivou a invasão das terras da gente,

que antes eles (os fazendeiros e coronéis do cacau) não tinham muito interesse

porque era serra, montanha, então nós estávamos mais preservados. Quando o cacau

disseminou na região, e eles viram a importância da terra, ai começou os conflitos

por causa da terra e relacionado ao cacau. O próprio doutor Almeida começou a

distribuir as nossas terras, que era delegado de terra de Uma, para quem quisesse

fazer os plantios. As grandes áreas de terras era ele quem media, ele tinha dois

agrimensores sobre a jurisdição dele, o Paulo Badaró e o Vitorio Badaró, que eram

os responsáveis por medir e expulsar que tivesse, criar os títulos de terra, tudo eram

eles os responsáveis.10

Ele também relata sobre a atuação de Marcelino na defesa do território:

10 Depoimento oral de Rosivaldo Ferreira da Silva (Cacique Babau) para o documentário Tupinambá: O Retono

da Terra. In: Tupinambá: O Retono da Terra. 2015. (24:57 mim.). Disponível em:

<https://vimeo.com/126566470>. Acesso em 28 de mai. de 2015.

18

E ai apareceu a figura de Marcelino como um dos principais lideres dos

Tupinambás, ele desponta como alguém que vai contra esse avanço dento do

território, e consegue organizar uma quantidade considerável de índios que concorda

com ele e faz o enfrentamento, ai depois vem essa acusação que a mídia toda

divulgava que era um grupo de comunista.

Nos anos 2000 teve início a retonada do território indígena Tupinambá no sul da

Bahia, desde então os índios passaram a ocupar as terras que foram expropriadas, a resposta a

essa retomada das terras tem sido violenta, de 2001 a 2014, setenta (70) índios tupinambá

foram assassinados, sem que nenhum desses assassinatos fosse até o momento investigado.

Os Tupinambás aguardam desde 2009, quando o Relatório Antropológico indicando a área a

ser demarcada entre os municípios de Ilhéus, Uma e Buerarema foi entregue ao governo do

então presidente Lula, desde então aguarda a assinatura do Ministro da Justiça para que se

proceda as etapas finais do processo de demarcação do território.

3.1 “Papai puxou o facão pra botar na barriga do doutor!”

“[...] tinha uma terra que era do Estado e que o doutor José Modesto

dizia que era dono”. Manoel Domingos, 62 anos (Posseiro)

“Doutor José Modesto ele se ariscou muito de morrer porque ele

tomou muita terra dos outros, tomou muita terra mesmo”. Jaime dos Santos, 81 anos (Trabalhador rural)

O título desse tópico foi inspirado na fala de Damião Braz, ele a proferiu quando

narrava uma disputa por terra entre seu pai, Manoel Braz, e o delegado de terras de José

Modesto. Os posseiros que ocupavam pequenas extensões de terra, onde desenvolviam,

sobretudo, uma agricultura de subsistência, mas não raro, no caso daqueles que se

estabeleceram nas terras mais férteis nas cabeceiras do rio Juliana, a oeste das matas do

município de Ituberá, Camamu e Gandu, já desenvolviam o cultivo de pequenas rocas de

cacau, cravo e café. Esses posseiros, por carência de recursos e esclarecimentos não tinham

suas terras legalizadas. Ao contrario dos grandes fazendeiros estabelecidos, aqueles

remanescentes do século XIX, e os emergentes, aqueles que estavam a constituir seus

latifúndios nas primeiras décadas do século XX nas terras livres, remanescentes e ocupadas

por pequenos posseiros.

19

Os fazendeiros estabelecidos e os emergentes “mediante o expediente de requerer ao

Estado a posse legal de grandes áreas, vai engolir o pequeno posseiro cujas roças estejam

situadas na área por ele requerida” (GARCEZ, MATTOSO, 1976, 588). Nesse processo, as

Delegacias de Terras e seus respectivos auxiliares, foram aliados indispensáveis para o

acumulo de terras pelos fazendeiros. Tanto que nas primeiras décadas da república a disputa

política na região cacaueira era acirrada, isso porque, entre outros fatores, o intendente

municipal tinha o direito de nomear os Delegados de Terra e oficiais de cartório e outros

agentes públicos indispensáveis no processo de expropriação e acúmulo de terras, a exemplo

dos delegados de polícia.

Na delegacia de terra de Ituberá passou a atuar o Delegado José Modesto, depois que

Lourival Coimbra se aposentou, certamente José Modesto já vinha atuando como auxiliar de

Lourival há alguns anos, sendo que ao contrario deste, Modesto não via nenhum impedimento

moral, constrangimento ou conflito ético entre o fato de ser Delegado de Terras e ao mesmo

tempo requisita-las em seu nome, tanto que se tornou um grande latifundiário. Sobre essa

questão e sobre a acusação de que ele se apropriava indevidamente das terras de pequenos

posseiros se aproveitando do fato destes não terem suas terras tituladas, o senhor João

Coimbra considerou que

Olha, doutor José Modesto , a sociedade da nossa terra dizia que doutor José

Modesto roubava o agricultor, tomava a terra do posseiro, é mentira, eu acompanhei

a trajetória de José Modesto com papai. José Modesto , ele conseguiu terras, mas de

que maneira? Você era posseiro junto dele, ele dizia: você quer me vender isso aqui?

Não. Acabou. Quero. Ele vinha e dizia Lourival, fulano tem uma terra pegada a

minha e quer me vender, você me deixa comprar e eu medir e incluir na minha terra?

Papai dizia: se for como você ta me dizendo, faça. Papai abria a mão, José Modesto

mesmo media que ele era topografo, não pagava a ninguém, e requeria ao estado e

pagava ao estado, foi assim que doutor José Modesto adquiriu terras aqui, não foi

roubado de ninguém, é que as pessoas quando ver alguém subir com trabalho diz

que é roubo, subiu com o suor do rosto dele.

João Coimbra fez questão de enfatizar que José Modesto tinha uma atuação que seguia

na mesma linha da de seu pai. Entretanto, os posseiros tem outra visão sobre isso.

Provavelmente, conforme indica nosso entrevistado, em um primeiro momento quando o

interessado em se apropriar das terras ocupadas por algum posseiro lhe propunha que este o

vendesse e lhe oferecia algum dinheiro, nos casos em que o posseiro se recusava a aceitar a

quantia ofertada pela sua posse recorria-se a outros expedientes, o método mais utilizado

nesses casos era a violência; para isso, os coronéis, Delegados de Terras e outros aventureiros

20

em busca de ganhar dinheiro fácil com a comercialização de terras contavam com o auxílio de

jagunços.

As memórias que os posseiros, ex-posseiros e quilombolas guardam do Delegado de

Terras José Modesto apresenta-se em flagrante conflito com a apresentada por João Coimbra.

Damião Braz que nos anos finais da década de 1950 teve a terra que sua família ocupava há

décadas invadida por Oracio Nonato, conta que José Modesto também tentou se apropriar das

terras, contudo, seu pai, como já havia perdido parte delas para Oracio, foi obrigado a usar de

todos os meios para defender o pedaço de chão que lhe restara:

Papai um dia puxou o facão, nesse dia o veio não respeitou nem o doutor não meu

amigo, puxou o facão pra botar na barriga do doutor José Modesto, que queria

teimar, avançar pra junto de papai mode passar um pedaço de terra por dentro do

lugar da gente. Ai o veio bateu mão no facão, o doutor estacou lá, e não foi não.11

As formas de expulsar os posseiros variavam conforme a resistência apresentada,

contudo, raros foram os casos em que os usurpadores recuaram com as primeiras

manifestações de resistência. E, quando isso acontecia, os grileiros não mediam esforços para

alcançar seus objetivos, mesmo que isso significasse o risco de se deparar com um roceiro

furioso de facão na mão, quem sabe, até disposto a matar o “doutor”. Jaime dos Santos, 81

anos, um pequeno roceiro e trabalhador rural, que durante alguns anos prestou serviço para

José Modesto, clonando seringueiras em suas fazendas, narrou que “doutor José Modesto, ele

se ariscou muito de morrer porque ele tomou muita terra dos outros, tomou muita terra

mesmo”.12 Nessas investidas ele contava com o apoio de jagunços, um dos mais famosos

chamava-se Serafim. Os atores locais que desempenhavam essa função – de Jagunços e

pistoleiros – a serviço dos coronéis, Delegados de Terras e grileiros, eram temidos na região,

contudo, quando seus serviços se tornavam desnecessários eram esquecidos por aqueles que

serviam, Jaime conta que Serafim “tomou muita terra” de posseiros a mando de José

Modesto, porém,

[...] no fim, morreu pobre, nem um pedaço de terra ele não teve para fazer uma

fazenda, não teve, trabalhou não sei quantos anos Serafim para doutor Oracio e José

Modesto [...], quando acabou Serafim morreu aqui numa situação... ficou cego,

andava se cagando por aqui pela rua.

Na década de 1980, José Modesto esteve envolvido em uma disputa de terra que

resultou em uma ação judicial. Ele alegava que alguns posseiros estavam invadindo suas

11 Damião Brás de Jesus Santos. Entrevista realizada em 25 de março de 2015. 12 Jaime dos Santos. Entrevista realizada em 18 de junho de 2015.

21

terras, os posseiros por sua vez alegava que suas roças estavam encravadas nas matadas

devolutas do estado. A essa altura provavelmente José Modesto já estava aposentado, mas

continuava aprontando suas peripécias. Mas essa é outra história.

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