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Pandemia, pesquisa e estatísticas públicas: desafios e perspectivas
Pedro Luis do Nascimento Silva
Pesquisador da ENCE e da SCIENCE
Desafios identificados
Sistema brasileiro de estatísticas públicas está doente.
Pandemia desnudou a situação.
Doença é grave e progressiva mas tem cura.
Porém cura vai exigir muito esforço em várias frentes.
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O que fazer para curar o sistema de estatísticas públicas: perspectivas
1. Atualização e reforço do quadro legal e institucional;
2. Organização e coordenação do sistema;
3. Focalização do sistema no atendimento das necessidades, novas ou já existentes;
4. Adaptação dos métodos e processos de produção e disseminação;
5. Ampliação da transparência e do controle externo sobre produtos e processos.
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A pandemia
Provocada pelo vírus SARS-CoV-2.
Causa doença de infecção respiratória aguda chamada de
COVID-19.
Detectada primeiro na China, em dezembro de 2019.
Já infectou mais de 3,7 milhões de pessoas.
Já matou mais de 259 mil pessoas em todo o mundo.
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Taxa de casos acumulados por 100 mil/hab.
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https://qap.ecdc.europa.eu/public/extensions/COVID-19/COVID-19.html
A pandemia – fontes de informação – Mundo
Johns Hopkins University
https://coronavirus.jhu.edu/map.html
European Center for Disease Prevention and Control
https://www.ecdc.europa.eu/en/covid-19-pandemic
World Health Organization (WHO)
https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
BBC - alguns gráficos interessantes
https://www.bbc.com/news/world-51235105
Imperial College – Londres – previsões e análises
https://mrc-ide.github.io/covid19-short-term-forecasts/index.html
Todas estas fontes dependem dos dados oficiais dos países!
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Dados oficiais do Brasil
11Fonte: https://covid.saude.gov.br/ em 05/05, às 19:15.
Mas podemos confiar ‘cegamente’ nos dados oficiais?
A resposta, infelizmente, é NÃO.
Há fortes indícios de subnotificação:
• De casos da doença;
• De óbitos causados pela doença.
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Problemas1. Fonte de dados públicos fora do âmbito do sistema de
estatísticas oficiais de mortalidade (IBGE × Ministério da Saúde × Cartórios (e portal da transparência)
2. Sistema de Informações de Mortalidade (DATASUS) defasado, e com download de microdados sem funcionar há semanas!
Falhas das estatísticas oficiais na pandemia
Estatísticas compiladas com esforço e seriedade, mas sujeitas a erros de cobertura que podem ser grandes.
Forte evidência de subnotificação dos óbitos, por diversos motivos:
• Falta de testes;
• Testes aplicados somente a pacientes considerados ‘graves’;
• Testes aplicados somente em hospitais ou estabelecimentos, mas diversos óbitos ocorrem fora destes locais, onde não há testagem;
• Gargalos na análise e perdas dos materiais colhidos para testagem;
• Interesses econômicos associados à causa do óbito na DO.
Quem aponta problemas das estatísticas: pesquisadores e analistas dessas estatísticas.
São aliados essenciais na promoção da qualidade e confiabilidade das estatísticas oficiais e públicas.
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Dependência da infraestrutura pública
Estatísticas oficiais e públicas produzidas usando registros
administrativos compilados na ponta por agentes da área de
saúde (médicos emitem as Declarações de Óbitos).
Registros são agregados e compilados por duas fontes oficiais:
Saúde e IBGE (vindo dos cartórios).
Centros produzindo pesquisa e estimativas sobre a evolução da
pandemia são também públicos:
• FIOCRUZ
• Universidades públicas (diversas)
Infraestrutura pública é central, mas precisa de revisão / atualização.
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Dependência da infraestrutura pública
Pesquisa Nacional de Saúde 2013
• 28,9% da população tinha plano de saúde.
• Entre os ocupados, 32,5%.
• Entre os desocupados, só a metade (16,3%).
Distribuição dos estabelecimentos de saúde por região (2019).
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Região Pública Privada Total
Norte 65,1 34,9 100,0
Nordeste 63,5 36,5 100,0
Sudeste 40,3 59,7 100,0
Sul 44,2 55,8 100,0
Centro-Oeste 44,9 55,1 100,0
Brasil 49,5 50,5 100,0
Dependência da infraestrutura pública
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Leitos % Leitos %
Norte 24.309 80,1 6.048 19,9 30.357
Nordeste 91.243 79,9 22.972 20,1 114.215
Sudeste 105.626 61,4 66.341 38,6 171.967
Sul 49.781 68,2 23.166 31,8 72.947
Centro-Oeste 23.301 63,1 13.601 36,9 36.902
Total 294.260 69,0 132.128 31,0 426.388
Período:Fev/2020
SUS Não_SUS TotalRegião
Fonte: Ministério da Saúde - Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil -
CNES
Leitos de internação na rede hospitalar
Principais respostas à pandemia
• Medidas de distanciamento social:
• ‘Total’ (lockdown);
• ‘Parcial’.
• Identificar, testar, isolar e tratar casos.
• Localizar, testar, isolar e tratar contatos dos casos.
• Planejar, mobilizar e implementar aumentos de capacidadede atendimento a pacientes da doença.
• Todas estas medidas requerem informações tempestivas, precisas e relevantes para a tomada de decisões.
• Decisões melhores são tomadas com base em evidências sólidas e bem analisadas.
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Caminhos para obtenção das informações
Registros administrativos
Pesquisas amostrais
• Testagem na população
• Comportamento e percepções
• Impactos socioeconômicos
‘Novas fontes orgânicas’ – Big data
• Movimentação das pessoas → adesão ao distanciamento social
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Casos da doença Solicitações auxílio emergencial
Óbitos causados pela doença Solicitações atendidas
Resultados de testes realizados Solicitações negadas
Leitos ocupados na rede de saúde Número de auxílios pagos
Atendimentos feitos Valor dos auxílios pagos
Impactos da pandemia sobre capacidade de fazer pesquisas amostrais
Pesquisas presenciais tiveram sua coleta interrompida ou tiveram que mudar para outros modos de coleta.
PNAD Contínua interrompeu coleta presencial em 16/3.
Coleta por telefone (CATI) iniciada em 18/03, mas com grande dificuldade de operação, por vários motivos:
• Questionário muito longo;
• Número de telefone não disponível para grande parte da amostra;
• Entrevistadores:
• Não tiveram treinamento adequado;
• Não tinham experiência com abordagem por telefone;
• Tiveram que improvisar abordagem aos domicílios via telefone.
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Adaptações dos processos de pesquisa
Pesquisas terão que evoluir para modos de coleta alternativos, que não requeiram visitas a domicílios ou unidades da amostra.
Algumas pesquisas terão que adotar múltiplos modos de coleta.
Adaptação é custosa, e requer preparação cuidadosa.
Falta de experiência é maior desafio.
Literatura em evolução sobre o tema. Ver por exemplo:
https://iussp.org/en/egm-population-data-21st-century
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PNAD COVID-19 - Objetivos
IBGE leva a campo maior pesquisa telefônica já feita pelo instituto.
Pesquisa tem por objetivos:
Produzir estimativas semanais da população segundo ocorrência de sintomas associados à COVID-19 e providências tomadas em caso de sintomas, em níveis nacional e por macrorregião;
Produzir estimativas semanais da taxa de desocupação da população de 14 anos e mais, em níveis nacional e por macrorregião;
Produzir estimativas mensais da taxa de desocupação e outros indicadores do mercado de trabalho para a população de 14 anos e mais, em níveis nacional e por unidades da federação;
Produzir estimativas mensais das variações da taxa de desocupação e outros indicadores do mercado de trabalho para a população de 14 anos e mais, em níveis nacional e por unidades da federação.
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PNAD COVID-19 - Prazos
Considerando a importância da tempestividade da prestação de informações, pesquisa pretende divulgar:
• Resultados semanais até último dia útil da semana após semana da coleta;
• Resultados mensais até 10 dias após o término da quarta semana de coleta.
Considerando a importância de ter estimativas precisas de variações, a pesquisa adotará estratégia do tipo painel fixo nas primeiras três rodadas.
Estrutura de repetição da amostra será redefinida após este período de implantação da pesquisa (3 meses).
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PNAD COVID-19 - Amostragem
Amostra contempla 193.000 domicílios e seus moradores.
Domicílios correspondem a 92% da amostra da PNAD Contínua, para os quais foi possível obter ao menos um número de telefone em pareamento com base de telefones da ANATEL.
Domicílios foram entrevistados antes pelo IBGE na PNAD Contínua presencial por até 5 trimestres.
Domicílios da amostra têm ricas informações das entrevistas presenciais anteriores, que serão usadas para compensar:
• Perdas devidas a não obtenção de telefone no pareamento;
• Perdas durante a coleta por telefone.
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PNAD COVID-19 - Questionário
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Modulo A - Relação de moradores do domicílio, com sexo e idade/data de nascimento, relação com pessoa responsável, cor/raça, escolaridade – todos os moradores
7 Perguntas
Módulo B - COVID-19 - sintomas (12), providências tomadas em caso de ocorrência de sintomas, onde procurou atendimento –todos os moradores
29 Perguntas
Módulo C - Características de trabalho –todos os moradores de 14 anos ou mais de idade
24 Perguntas
Módulo D - Rendimentos de outras fontes de todos os moradores do domicílio - só um respondente de 14 anos e mais
14 Perguntas
Módulo F – Condição de ocupação e valor do aluguel, para os domicílios alugados - só um respondente de 14 anos e mais
2 perguntas
Módulo G – Fechamento da entrevista - só um respondente de 14 anos e mais
4 perguntas
PNAD COVID-19 - Coleta
Coleta será feita por cerca de 2.000 agentes, treinados a distância pela Escola Virtual da ENCE/IBGE.
Treinamento com vídeo de aproximadamente 3 horas de duração.
Está sendo produzida uma página de "FAQ" que será disponibilizada para os agentes.
Usarão tablets adquiridos para Censo 2021.
Chips pré-pagos distribuídos pelo IBGE.
Agentes trabalharão de suas casas – não haverá ‘call-center’.
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PNAD COVID-19 - Coleta
Expectativa: cada agente deve completar 25 entrevistas domiciliares por semana.
Tempo de entrevista esperado por domicílio: 10 minutos??
Monitoramento da coleta será em tempo real, com sistema de gestão de coleta do IBGE (SIGC).
Objetivo: identificar gargalos, dificuldades, e permitir estimar melhor parâmetros de produtividade e gestão da qualidade.
IBGE recebeu apoio de técnicos do VIGITEL e da área de Estatística do Senado Federal, além de consultores para aprimorar questionário e abordagem via telefone.
Testagem rápida: proposta ao Min. da Saúde testagem dos moradores dos domicílios da amostra da PNAD COVID-19, por agentes de saúde. Situação: em avaliação.
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Debate público sobre deficiências das estatísticas públicas
Além do já falado sobre as estatísticas da mortalidade, temos:
• Estatísticas do CAGED (registro administrativo) interrompidas desde
dezembro/2019.
• PNAD Contínua com dificuldades severas e coleta presencial
interrompida.
Como definir políticas de assistência sem informações correntes do
mercado de trabalho?
E como obter informações tempestivas no segmento das empresas?
Como migrar pesquisas populacionais para coleta por telefone sem
acesso aos cadastros de telefones? (MP 954 e liminar STF)
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Pesquisas para testagem da população
Diversos países têm estudado ou implantado pesquisas por amostragem para aplicação de testes nos indivíduos selecionados.
Tais pesquisas têm por objetivo estimar a prevalência de pessoas contaminadas ou que já tiveram contato com a doença e podem ser consideradas imunizadas.
• Austrália (em planejamento)
• Áustria
• Espanha (mais na sequência)
• Itália
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Pesquisa da UFPEL e parceiros no RS
Pesquisa por amostragem para testar ‘população em geral’.
Abrangência: Rio Grande do Sul.
Duas rodadas já realizadas.
4.200 pessoas testadas com ‘teste rápido’ a cada rodada.
http://ccs2.ufpel.edu.br/wp/2020/04/29/resultado-da-2a-etapa-da-pesquisa-sobre-covid-19/33
Rodada Data Casos Casos
segundo
MS
Taxa de
subnotificação
1 15/abr 5.650 747 6,6
2 29/abr 15.066 1.368 10,0
Por que fazer pesquisas para testagem da população?
Há claros indícios de subnotificação dos casos.
Problema similar se dá com os óbitos.
Até 5/5, MS reconhecia apenas 7.921 óbitos causados por COVID-19.
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Pesquisa nacional da UFPEL e parceiros
Pesquisa por amostragem para testar ‘população em geral’.
Abrangência: Nacional.
Primeira rodada prevista para iniciar em 5/05.
• 133 cidades
• 33.000 testes a cada rodada
• 3 rodadas previstas
“... maior estudo do mundo sobre prevalência do novo coronavírus.”
Pedro Halal, reitor da UFPEL
(Pesquisa espanhola vai testar 62.400 pessoas por rodada)
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Outras pesquisas para testagem da população no Brasil
Propostas apresentadas para:
• Pernambuco – governo do Estado decidiu não avançar com pesquisa.
• Pesquisa da UFJF cobrindo Juiz de Fora e mais 93 municípios de região ‘sudeste’ de MG – aguarda resposta CNPq sobre aprovação do projeto.
• ELSI-COVID – aprovada, campo sendo preparado – mais adiante.
Outras iniciativas:
• Espírito Santo – em planejamento.
• Outras??
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ELSI-COVIDEstudo Longitudinal da Saúde dos Idosos
Objetivo: examinar determinantes sociais e biológicos do envelhecimento e consequências p/ o indivíduo e a sociedade.
Pesquisa domiciliar, conduzida em amostra nacional representativa da população com 50 anos ou mais.
Linha de base: 2015
Amostra: 9.412 indivíduos residentes em 70 municípios situados nas cinco macrorregiões Brasileiras
Segunda rodada: 2020
Coleta presencial já feita com 9.180 indivíduos.
Coleta por telefone de informações sobre COVID a iniciar.
Questionário com 20 perguntas por morador.
http://elsi.cpqrr.fiocruz.br/a-pesquisa/o-que-e-o-elsi-brasil/
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Espanha – INE + Inst. Salud Carlos III
Pesquisa por amostragem para testar ‘população em geral’.
Abrangência nacional, da população não institucionalizada.
Rodadas previstas para cada 21 dias.
Amostra prevista de 64.200 pessoas testadas com ‘teste rápido’ a cada rodada.
Intenção de dar resultados:
• Nacionais;
• Comunidades autônomas (19);
• Províncias (53).
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Austrália – ABS
Início de planejamento de pesquisa para testagem da população.
País tem poucos casos confirmados (6.655) e 88 óbitos (até 28 de abril) numa população de 27,5 milhões.
Prevalência ‘confirmada’ = 24 por cem mil habitantes.
Baixa prevalência requer amostra grande para estimar com precisão.
Pesquisa seria direcionada para áreas com maior prevalência.
Sugestão de testar material de esgotos para identificar áreas com alta prevalência.
ABS daria suporte mediante planejamento e seleção de amostra de domicílios.
Amostra seria conglomerada, usando conglomerados da LFS.
Testagem seria feita em visitas domiciliares de equipes da saúde.
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Austrália - ABS
Também fez pesquisas por telefone sobre impacto da pandemia e medidas de controle.
Impactos sobre os negócios.
• Primeira rodada: coleta entre 16 e 23 de março
• Segunda rodada: coleta entre 30 de março e 3 de abril;
• Terceira rodada: coleta entre 22 a 28 de abril;
• Amostra de 3.000 empresas;
• Taxa de resposta de 41% na 1ª, rodada, e de 60% na última.
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Desafios identificados
Sistema brasileiro de estatísticas públicas está doente:
• Legislação estatística brasileira enfraquecida e carecendo de revisão e atualização.
• Instituições da esfera pública enfraquecidas (principalmente por carências de financiamento, mas não só por isso).
• Capacidade de coordenação de ações limitada e dependente de acordos e boa vontade, não de arranjos institucionais sólidos.
• Estatísticas baseadas em registros administrativos precisam adotar padrões de qualidade exigidos das estatísticas oficiais.
• Métodos de pesquisa muito dependentes de visitas presenciais.
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O que fazer para curar o sistema de estatísticas públicas: perspectivas
1. Atualização e reforço do quadro legal e institucional;
2. Organização e coordenação do sistema;
3. Focalização do sistema no atendimento das necessidades;
4. Revisão dos métodos e processos de produção e disseminação;
5. Ampliação da transparência e do controle externo sobre produtos e processos.
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Tendência de novos casos
Fonte: https://www.ime.usp.br/~gpeca/covid-19.html
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