pandego iii - contra o baixo astral

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Ano III I

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ZINE MULEKI SAGAZ

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Page 1: Pandego III - Contra o baixo astral

Ano IIII

Page 2: Pandego III - Contra o baixo astral

Primeira nano-antologia de o pândego, um fanzine mal-criado, muleki sagaz, sapecado de vadiagem.

As seguintes ‘cabecinhas’ fizeram parte dessa edição:Luciano Mota, Benoît Poelvoorde, Sally Menke, José Lucas M. Pessoa, Paul, Hunter Stockton Thomp-son, Michael Scott, Fernanda Beck Moro, Ney Latorraca, Antônio Carlos Bernardes Gomes, Edson Café, Zep, Raul Chato Padilha, Regan Teresa Mcneil, Monique Brangheolli, Arnaldo Dias Baptista, Otaviano Caldas, Paulo Vladimir Brichta, André Schmidt, Caio Blat, Maionese do Chef, Baal Zebul, Stephen Hawkins, Pedro Lago, Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, Seya, Itamar Assumpção, Luiza Casanova, Agnaldo Timóteo, Raoul Julia, Neandro Catto, Luca Brasi, John Simon Ritchie, William James Murray, Franz Beckenbauer, Robert Allen Zimmerman, Polin Moreira, Glau-ber Rocha, Jean-Luc Godard, Pier Paolo Pasolini, Zinedine Zidane, Gabriel Amaral, Robert Crumb, Tony da Gatorra, Videl Satan, Manuela Fantinel, Luís Carlos Miele, James Marshal Hendrix, Maria Joana, Combo do Chef 3 por 20, Jorge Gularte, Neil Percival Young, Silvia Saint, Mungo Jerry, Sebastião Rodrigues Maia, Clinton Eastwood, Salvatore Martini, Aracy Balabanian, John Adam Belushi, Tony Tornado, Artemis e Hernesto Roni Allejo.

Page 3: Pandego III - Contra o baixo astral

Durante esta sucessão de semestres e teorias, da Teoria Hipodérmica¹ aos estudos recentes em co-municação digital, um ponto ainda me golpeia com assombros de dúvida: o imediatismo. Daí surgiram várias sugestões de abordagem do tema. Imedi-atismo é tudo que está sendo veiculado agora, neste instante. É a pressa dos meios de comunicação para não ficar atrás da concorrência. Não existe imedi-atismo, visto que o fato ainda precisa ser apurado e só então divulgado.

Ainda preso a vínculos colegiais, uma rápida pes-quisa ao dicionário. Vamos às palavras do saudoso Aurélio Buarque de Holanda Ferreira:

i.me.di.a.tis.mo sm. Sistema de atuar dis-pensando mediações e rodeios, visando

vantagem imediata. De imediato. Sem demora.

Sem passagem pela análise da semântica ou do conhecimento popular (seria a versão do pú-blico, público que assiste. Assistir não só à TV, “assistir” a notícia, saber o que acontece através do

meio de comunicação que lhe convir) tento esclarecer o que foi

de meu entendimento, munido de alguns argumentos. O RÁDIO, mui-

to vigente ainda, irrompe as cozinhas, as salas, os pátios, interrompe sua pro-

gramação musical para anunciar uma notícia relevante, ou a coloca no próximo

informativo da grade de programação. A TELEVISÃO tem imagens para elucidar o

fato e as primeiras-últimas informações sobre o caso. O JORNAL vai publicar no outro dia,

com todas as informações de que se tem conhe-cimento até o fechamento da edição e a revista

vem daqui uma semana, RE-VISTA, com opin-ião de especialistas, o desenrolar dos fatos e, de

quebra, um pré-entendimento da “coisa em si”. A INTERNET fica na linha do rádio e da televisão, com a vantagem de publicações seguidas, com re-cursos de áudio, vídeo e interação.

Pois bem, destes, eu escolho a revista.

Page 4: Pandego III - Contra o baixo astral

Chega o médico gordo com a chapa na mão. Con-tra a luz mostra o que parece ser uma bala, cali-bre indefinido, maior que chumbinho, menor que vinte dois. “Tu bebeu, vai ter que ser sem anestesia” disse ele já pedindo o bisturi. Abriu um talo, cavo-cou um pouco, não achou nada. “Sem problema, com o tempo o organismo expele, uma semana no máximo”.

Sacana.

Embalou o pacote e me mandou embora.

Os pontos não fechavam, ferida não secava e já tava tudo ficando verde, realmente fodido. Esperei a se-mana, voltei no posto. Quando o médico fuçava na minha cabeça tentando novamente tirar o “projé-til”, disse: “aquele trinta de outubro tu não esquece mais”. Não consegui. Esquecer. A bala bateu no crânio, mas não entrou, ele tinha feito o corte no lugar errado. Eventualmente ela saiu, mas continua guardada. Ainda a sinto na superfície.Sorte ou azar, nem Stephen King seria tão oca-sional assim – me disseram uns dias depois. Ri, no momento, devidamente anestesiado.

trinta e uns de outubros

Voltava chumbado pra casa quando recebi uma ligação naquela madrugada, atendi - fiquei parado, numa esquina. Decidi mijar enquanto esperava a carona.

Um carro para. Risos, um barulho estranho, estalo. Senti como se tivesse levado uma pedrada na parte de trás da cabeça – pelo menos achei que era uma pedrada. Na hora levei a mão na nuca. Sangue. Não me apavoro, o álcool da noite ainda fazia efeito. Só me dou conta do estrago quando chego no pronto socorro.

Era quase cinco da manhã num sábado então não tinha ninguém na emergência. Até ali não sabia di-reito o que tinha acontecido, mas explico o caso e me acompanham até a sala de raios-X do hospital.

No caminho tinha a “ala vermelha”, acho que é o lugar onde colocam os que estão adiando o in-evitável. Uns velhos gemendo, comas induzidos, quase nenhuma esperança ali.

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Não é mesmo? Posses. Você é respeitado se tem posses. Você é alguma coisa se tem posses, ainda mais numa cidade pequena. Você é respeitado se anda por aí de jaqueta de couro, com uma mulher loira do cinema, se tem um avião particular, uma potente motocicleta, uma piscina em casa, aqueci-mento na água das torneiras, uma fonte no pátio, vários empregados. Você é respeitado porque con-hece Paris e sai nas fotos das colunas dos jornais da hight society. Mas pegar no pesado - é evidente - você não pega.

Aí você faliu. As casas dos seus empregados são suas. Tudo ali é seu. Acabou o minério. Acabou o cobre. Acabou o ouro. Acabou. Sobrou esse pedaço de terra explorada até o último grão. As casas mo-biliadas. As praças, as lojas, os puteiros, as putas. O que você faz com isso? Vende, sei lá. Deixa como está. Vai embora. Levanta o seu jatinho pela última vez e some. As máquinas ficam onde estão, as casas ficam onde estão, as pessoas ficam onde estão. Mas não há mais nada ali, então as pessoas também vão para algum lugar e a cidade fica cheia de algumas almas insistentes e de dona Macaca.

Se você é o Baby, você diz para dona Macaca que vai voltar logo, como de todas as outras vezes. Dona Macaca está perto da chapa do fogão fazendo café pra você e balança a cabeça positivamente. Ela vai esperar por você. Por uma semana. Por um mês. Por nove meses. Você não irá nascer de novo. Por dez anos. Por quarenta anos. Você é o baby. Você irá voltar.

- Tá esperando o quê, dona Macaca?

- O Baby

- Tá grávida, dona Macaca?

- Ele já tá vindo, me avisou.

- Tá nada, dona Macaca, o Baby já morreu.

- Não fala bobagem, meu filho.

- Vai ficar esperando sentada, dona macaca.

- Há uns 40 anos, meu filho.

Dizem que logo virá uma retroescavadeira

O baby era um playboy. Andava com a ponta de um cigarro de filtro vermelho equilibrado entre os lábios. Não deixava a fumaça entrar no olho nem no nariz e, se deixava, fazia de conta que não se importava com isso. Chegava de jatinho, chegava de motoneta, chegava com uma Brigitte Bardott em preto e branco e cabelo ao vento no banco de trás. Dava uma volta pela cidade, se é que você pode chamar esse lugar de cidade.

Mas você pode imaginar como é. Deve conse-guir imaginar como é que funciona uma coisa dessas: você vem de uma família tradicional, você nada de frente e de costas na piscina trans-lúcida do dinheiro, você vai pro interior do es-tado, você abre (com pompa e estrelas no céu – e se não tiver estrelas no céu você manda instalar uma bem luminosa no topo de alguma coisa) uma empresa de mineração, de extração de ouro e cobre, você constrói uma cidade dentro de uma cidade, você tem muitos funcionários que trab-alham extraindo o cobre e o ouro, o ouro e o co-bre. Uma porcentagem muito pequena de tudo o que se extrai o dia inteiro é jogada fora porque é rejeito. Você retira aquele monte de pedra de dentro de galerias subterrâneas e minas a céu ab-erto e daquilo tudo, pouco do pouco é minério e o resto é rejeito e o rejeito é jogado num lugar chamado rejeito no meio dos eucaliptos e ali não nasce mais nada porque natureza nenhuma é ca-paz de suportar tamanha carga.

Se você é um dos trabalhadores, aí chega a noite e sua jornada de trabalho acaba. Em dez anos você estará aposentado. Ou morto. Não há cor-po que aguente tamanha carga. Não existe más-cara protetora, não existe nada, só o minério, as minas subterrâneas, o frio que faz lá embaixo. Aí você volta pra casa. Pense numa cidade hier-arquicamente planejada. Há casas para os dire-tores, lá no topo, há casas para os engenheiros, logo abaixo, há casas para os trabalhadores, há casa para os trabalhadores solteiros, há mercado, farmácia, lojinhas e puteiros.

Pegar no pesado é claro que ele não pegava. Ele era dono. É sempre bom ser dono de algo.

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- Tá certo, dona Macaca. Se eu achar ele no mato eu grito pra senhora.

- Não fala bobagem, meu filho.

Saí dali com tanta raiva que quase fui procurar o Baby no meio do rejeito pra levar ele de arrasto até a dona Macaca. Há dois dias o senhor que cuida da casa me disse que bom mesmo era na época da ditadura. Era bom, meu filho, não vinha pra cá essa gente tomar droga, essa zueira, essa pouca vergonha. Quase subi pra cima do homem. Nem sei o nome do filho da puta, tenho esse problema, não guardo muito bem essas coisas que me de-ixam doente. Todo dia eu digo pra mim mesmo que vou embora daqui, mas não vou, não mexo uma palha. Rio da espera da dona Macaca, mas eu é que espero, não é mesmo? A Dona Macaca tá lá, esperando uma moto roncar na frente da mansão pra ela olhar pelo canto da janela, que era por onde ela via o mundo, e ver o desgraçado do Baby chegando. Ou um jatinho, ou um extrater-reste. Mas a Dona Macaca tá lá, ela sofre um pou-co e esquece. Eu não me esqueço. Eu mijo num canto só pra ver se o senhor da ditadura me pega e me enche de tapa nos cornos ou me xinga pra ver e eu tomo rumo, mas não vem ninguém, só o barulho de uma máquina de cortar grama cor-tando a grama. As borrachas do tênis do guri já tavam verdes. Ele olhou pra mim e riu. Dois den-tes na boca e era o sorriso da salvação. O trabalho manual não deixava ele pensar bobagem e eu pen-sava por ele. Quase chorei. Quase voltei na dona macaca, mas o homem que cuida da casa vinha vindo. Não me pegou mijando por pouco. Baixei a cabeça e quase dei meia volta, mas não vem nin-guém de lugar nenhum, só nós dois e o barulho da máquina de cortar grama, aí encarei aquela cara sem nome e ele começou a sorrir com todos os dentes, o demônio, e já chegou falando que o serviço do tal fulano ali na grama tinha ficado até bom. Serviço de branco, né?

- Puta merda, seu... seu...

- Armindo!

- Puta que te pariu, seu Armindo! Assim não dá.

Amanhã já não vou lembrar o nome dele de novo, fico doente. Voltei na dona Macaca pra dizer que tava foda lá embaixo, que nojo que eu tô do seu Armindo, mas aí a Dona Macaca disse que seu Ar-mindo era homem bom e eu saí fora de novo. Tô que vou e volto, não andei nem uma quadra reta e já tô podre.

Tô na frente da dona Macaca de novo. Limpo os pés antes de entrar só por costume, porque me acostumei com tanta coisa que não vale nada que até limpo os pés antes de entrar nessa casa que só o que a dona macaca faz é limpar pra esperar a maldição do Baby e aquele cigarro de filtro ver-melho pendurado nos beiços. Olho pra dona Ma-caca. O cabelo branco naquele rosto preto. Dona Macaca deve ter sido uma mulher bonita. A es-pera que estragou ela. Que não cansa de esperar.

- Hein, Dona Macaca, é o seguinte. O Baby não vai voltar, não. Ele já morreu e tal. A senhora sabe.

E agora ela vai me dizer pra não falar bobagem.

- Não fala bobagem, meu filho.

Bingo. A dona Macaca tá esperando o Baby feito uma nau num porto. Vem avião, volta avião, e a dona macaca esperando. Tá presa dentro de casa e dentro do passado. Ainda. E sempre. E eu me sinto no dever de alertar ela? Eu. Um bosta. Pra lá e pra cá.

respiramas não pira

não pira no celular 4gnem nas 4g que vieram por 50

é óbvio que não vai ser coisa boamistura certa

mistura o todynho de porta abertaque tudo vai dá pé

não te mistura com essesnem que com aqueles

não pira com issonem com eles

não pira no tênis nem na camisa

nem no brechó que vendetão caro roupa com alma

calmapelo menos é o que eles nos fazem crer

não pira na maçã nem na mordida

não pira na moda pira na foda

na corda pira nela

nos olhos delaou dele

pira com alguémresponde

resguardaesse

do teu lado e esquece do resto

respira

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Fernando Pessoa Overdrive

Falhei em tudo. Como não fiz

propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram,

Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Fui até ao campo com grandes propósitos.Mas lá encontrei só ervas e árvores,

E quando havia gente era igual à outra.Saio da janela, sento-me numa cadeira.

Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!E há tantos que pensam ser

a mesma coisa que não pode haver tantos!Gênio? Neste momento

Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,

E a história não marcará, quem sabe?, nem um,

Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.

Não, não creio em mim.Em todos os manicômios

há doidos malucos com tantas certezas!

Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Foda-se.

Page 8: Pandego III - Contra o baixo astral