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    PALLADIOESEUSQUATTROLIBRIDELL ARCHITETTURA

    A editora Hucitec lanou recentemente Os quatro livros de arquitetura, deAndrea Palladio. A obra, publicada originalmente em Veneza em 1570, um dosmais prestigiosos tratados na histria da arquitetura e, desde o sculo 17, foitraduzido em diversas lnguas (a primeira edio inglesa, ainda que parcial, datade 1663 e a traduo completa para o francs, feita por Roland Freart, sieurdeChambray, de 1650) e circulou em vrias partes da Europa e at mesmo no NovoMundo.

    Tal como outros tratados dos Quinhentos que se valem da expanso da

    imprensa como os livrosde Serlio e as regrasde Vignola o de Palladioprivilegia ilustraes de arquitetura elaboradas pelo prprio autor,acompanhadas por um pequeno texto explicativo escrito de maneira simples eem lngua verncula. Diferentemente do carter enciclopdico do Dearchitectura,de Vitrvio, e da destinao douta do De re dificatoria de Alberti,essas publicaes do sculo 16 so endereadas aos arquitetos praticantes epropem-se a indicar parmetros para a edilcia de ento. As descries dasrunas antigas j no eram competncia exclusiva dos escritores humanistas ede seus leitores eruditos; alm do mais, seus textos, freqentemente redigidosem latim, careciam de imagens e os arquitetos demandavam exemplos daAntiguidade que pudessem ser remodelados para atender s circunstnciascontemporneas. Assim, por meio de tais publicaes, que simplificam aaplicao das ordens e ilustram um amplo elenco de arquitetura antiga emoderna, a Antiguidade disseminada.

    A relao de Palladio com as reminiscncias antigas se inicia ainda najuventude quando, em 1541, patrocinado pelo nobre vicentino GiangiorgioTrissino, visita Roma. Trissino um literato que, na Cidade Eterna, participa doreservado crculo artstico formado em torno do Papa Leo X (Medici). Assim, provvel que conhecesse Rafael e estivesse familiarizado com a Villa que Lorenzo

    PALLADIO, Andrea.Os quatro livros da

    arquiteturaIntroduo de Joubert Jos Lancha.

    traduo de Maria Augusta Bastos de

    Mattos e Cesar Augusto de Oliveira

    Casella. So Paulo: Hucitec, 2009.

    ISBN: 978-85-60-438-39-6

    Andrea Buchidid Loewen

    ?

    nos quais, aps umbreve tratado dascinco ordens e dosconselhos maisnecessrios aoconstruir, trata-sedas casasparticulares, dasruas, das pontes,dos xistos e dostemplos comprivilgios.

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    de Medici e seu arquiteto, Giuliano da Sangallo, construram em Poggio a Caiano.Tambm um diletante de arquitetura e o provvel responsvel pelareestruturao de sua vila em Cricoli. Por intermdio de Trissino, Andrea tambm apresentado a Serlio quando, em 1539, o bolonhs se encontra em Vicenzapara a construo do teatro efmero no Palazzo Porto. possvel que na ocasiotenha visto o elenco de desenhos do antigo realizados pelo prprio Serlio, bemcomo aqueles herdados por ele de seu mestre Peruzzi.

    Em Roma, diante das relquias dos antigos, Palladio mantm a posturalecionada por Alberti: observa, afere e anota tudo por meio de desenhos. Suasvrias viagens urbe contam-se ao menos quatro permitem-lhe conhecer,minuciosamente, no apenas os grandes monumentos, como as Termas deDiocleciano, mas tambm os recentes Tempietto, Igreja de San Biagio, VillaMadama e Palazzo Caprini. Seus riscos completam as vetustas runas para lhesdevolver o esplendor dos dias do apogeu imperial. De tais estudos Palladiopublica, em 1554, suas duas primeiras obras: Le antichit di Roma Raccoltabrevemente da gli autori antichi, & moderni, nuovamente posta in luce eDescritione de le chiese, stationi, indulgenze & reliquie de Corpi Santi, che sono

    in la citt de Roma.

    Esse conhecimento direto da arquitetura dos romanos aproxima-o de DanieleBarbaro, erudito veneziano que se dedica a traduzir para o vernculo e comentaro antigo tratado vitruviano. Palladio colabora com Barbaro desenhando quasetodas as ilustraes de seu Dieci libri dellarchitettura di M. Vitruvio, publicadoem1556. Tal empenho, certamente, refina o lxico palladiano e contribui para aassimilao de alguns elementos que seriam recorrentes em seus desenhos, comoo emprego do motivo dos prticos de templo com fronto na fachada de suas vilase o uso da ordem colossal de colunas exentas, que vencem a altura de doispavimentos e organizam a fachada de alguns palcios e derivam de suarestituio da baslica de Fano, tal como descrita por Vitrvio.

    Por referncias encontradas, seja nesse escrito de Brbaro, seja nas Vitede

    Vasari, sabe-se que Palladio, por esses anos, j trabalha em seu prprio tratado.Na dedicatria da obra datada de 1570, o autor declara oferecer ao comitente, oconde Angarano, seus dois primeiros livros, nos quais trata das casas particulares.A hiptese que a primeira publicao teria sido feita em dois volumes: doislivros da arquitetura e dois livros da Antiguidade, logo depois reorganizados emum nico volume, o I Quattro Libri dellArchitettura.

    No Promiodo primeiro livro o autor atribui aos desvios no uso comum deconstruira distncia em relao s regras dos antigos e quelas lidas em Vitrvioe Alberti, a razo de sua empreitada. Sua obra, acredita, ao reunir concisamente oque seja mais digno de considerao, levar a que pouco a pouco se aprenda adeixar de lado os estranhos abusos, as invenes brbaras e as despesas

    suprfluas e... a rejeitar os vrios e seguidos estragos que em muitas construes

    se vem.(PROMIO, p. 5).Mas enquanto Alberti, no De re dificatoria,privilegia a res publica, Palladio

    principia pelas casas dos cidados. Seu primeiro livrotrata do preparo, dasfundaes e dos materiais necessrios ao incio da edificao, bem como dadescrio das ordens arquitetnicas. Tal como Serlio, Palladio define em cinco asordens de colunas, de Toscana a mais genuna e simples de todas , a drica,jnica, corntia e compsita idealizao dos antigos romanos, [...] composta de

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    jnica e de corntia. Suas propores partem de relaes simples e suasmedidas, adverte o arquiteto, no seguem os ensinamentos de Vitrvio, mas suasprprias medies dos edifcios antigos (I, 12, p. 15). Privilegiando a clareza eservindo-se dos nomes que os artfices de hoje em dia comumente usam, o autorevita o uso de termos gregos ou de palavras latinas; assim, ao invs de usarentasis, como havia feito Vitrvio, para referir o alargamento do dimetro do fustena parte central da coluna, ele diz dilatao.

    No livro II, dedicado qualidade das construes, Palladio apresenta seusprprios projetos para palcios e vilas. A justificativa para tal feito se encontranovamente no Promio:

    e porque nesta parte temos pouqussimos exemplos antigos de quepossamos nos servir, porei as plantas e os alados de muitas

    construes por mim para diversos gentis-homens compostas, e os

    desenhos das casas dos Antigos e das partes que so nelas mais

    notveis, no modo, que nos ensina Vitrvio, como eles assim faziam.

    (I, p. 6)

    significativo que nenhum outro arquiteto at ento, nem mesmo Antonioda Sangallo, o jovem, tenha tido tantas comisses para vilas e palcios. A grandeprosperidade auspiciada pela produo agrcola no campo vneto favorece aconstruo, seja das sedes das propriedades rurais, seja dos domiclios urbanosdas grandes famlias senhoriais.

    No que se refere aos palcios, pode-se dizer que a concepo de Palladioevoca o projeto de Bramante para o Pallazo Caprini em Roma; j no que concernes casas edificadas no campo, encontram-se na Villa Medici em Poggio a Caianoos precedentes do uso de salas de diferentes dimenses, ao redor de um salocentral abobadado e o emprego do fronto de templo na fachada de um edifcioresidencial. Alm disso, nos desenhos realizados para a Villa Pisani, em Bagnolo,

    e em outros desenhos de vilas realizados a partir de 1542, pode-se notar aassimilao de um lxico construdo a partir da redescoberta de Roma, tomadodas antigas termas imperiais, mas tambm dos modernos Cortile del Belvedere deBramante e Villa Madama de Rafael.

    Na composio de ambos os tipos de construo particular Palladioobserva o princpio do decoro, da convenincia, para definir seja as dimenses,seja o adorno dos edifcios: por cmoda se entender a casa conveniente qualidade de quem nela haver de habitar, e as suas partes correspondero ao

    todo e entre si mesmas.Desse modo, aos primeiros cidados da Repblicaconvm casas com loggie e salas espaosas e ornamentadas, enquanto aosgentis-homens menores ho de convir tambm construes menores, de menor

    despesa e sem adornos. (II, 1, p. 71). Nesse aspecto, cabe lembrar, o vicentinose guia por preceitos presentes no tratado albertiano, que vinculam beleza evirt e consideram o edifcio no domnio de sua apario e de seureconhecimento pblico.

    Do mesmo modo, seguem-se, no livro terceiro, as obras que se fazemcommaior grandeza e com ornamentos mais raros que os privados, as edificaespblicas, como vias, praas, pontes e baslicas, que, outra vez, conjugam vetustosexemplas invenes palladianas, entre elas a Baslica de Vicenza que o autor

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    afirma poder ser comparada aos edifcios antigos, e enumerada entre as maiores emais belas construes que foram feitas pelos antigos (III, 20, p. 189).

    No Renascimento, a noo de imitao, como entre os antigos, afasta-se damera cpia, pressupe a assimilao das normas e preceitos e almeja, sempre, asuperao. Assim, Bramante encomiado no Livro IV. Ao lado das restituiesdos templos que Palladio minudentemente estudou em suas visitas CidadeEterna, comparece a descrio de uma obra moderna, o Tempietto di San Pietroin Montorio.

    Por isso que tendo sido Bramante o primeiro a trazer luz a boa e

    bela Arquitetura, que desde os Antigos at aquele tempo tinha estado

    escondida, pareceu-me com razo dever-se dar lugar entre as antigas

    s suas obras, e portanto pus neste livro o seguinte Templo, ordenado

    por ele sobre o monte Janculo. (IV, 17, p. 60)

    Na fuso da tradio crist com a antiga, Bramante foi o primeiro aconseguir fixar uma nova norma ao reunir, em perfeita harmonia, um thlos

    perptero a um sacrrio cristo. O juzo de Palladio, no entanto, remete ao tratadode Serlio, que apresentava o Tempiettoem seu livro dedicado Antiguidade porter Bramante como inventore et luce della buona et vera architettura.

    Diferentemente de Alberti que, em seu De re dificatoria, demonstra umapreferncia pelos templos de planta central,Palladio apresenta suas medies edesenhos tanto de templos romanos retangulares (como os templos de MarteVingador, de Trajano, de Antonino e Faustina, da Fortuna Viril, etc.) quanto decirculares (como o Panteo e os templos de Vesta em Roma e Tivoli). significativo que tambm restitua alguns mausolus ento considerados templos,como Santa Costanza (Templo de Baco) e Minerva Mdica (Le Galluce), e queapresente desenhos de templos situados fora da Pennsula Itlica, como osTemplos de Pula, prstilos, de acordo com a classificao vitruviana, afirma o

    autor, e a Maison Carre em Nmes, cujo frontispcio feito exatamente comoensina Vitrvio (IV, 28, p. 307).

    Convm lembrar que entre as runas que subsistem em Roma, nosQuatrocentos e Quinhentos, quase no se vem templos retangulares com prticoscomo os descritos no De architectura. Ainda assim, Palladio se empenha emencontrar, em meio s vetustas reminiscncias, quaisquer indcios que asaproximem das prescries do arquiteto antigo.

    E ainda que de alguns deles [templos] se veja pequena parte em psobre a terra eu no entanto, daquela pequena parte, considerados

    tambm os fundamentos que se puderam ver, fui conjeturando como

    devessem ser quando eram inteiros. E nisto me foi de grandssima

    ajuda Vitrvio, porque fazendo o encontro do que eu via com o que ele

    nos ensina, no me foi muito difcil trazer cognio, aspectos e

    formas deles.(IV, Promio, p. 199)

    Dessa maneira, a partir de trs colunas corntias remanescentes do Templode Jpiter Estrtio, Palladio o recomps em aspecto perptero e ao modopicnostilo, segundo as classificaes vitruvianas. O Templo de Marte, do qual se

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    Andrea Buchidid Loewen

    Arquiteta e urbanista pela FAUPUC-Campinas (1993), mestre em Urbanismo pelamesma instituio em 1999, Campinas (1999), e doutora em Histria e Fundamentos

    da Arquitetura e do Urbanismo pela FAUUSP (2007) e professora do Departamento

    de Histria da Arquitetura e Esttica do Projeto da Faculdade de Arquitetura eUrbanismo da Universidade de So Paulo.

    Universidade de So Paulo, Faculdade de Arquitetura e UrbanismoRua do Lago, 876. Cidade Universitria05508-080 Sao Paulo, SP

    (11) [email protected]

    via quase toda uma lateral, tomou-o por perptero e picnostilo pelo que poderetirar das suas runas e do que nos ensina Vitrvio (IV, 15, p. 251). Seuintento, afirma, tornar fcil e clara a compreenso da parte do escrito antigodedicada conformao dos edifcios sagrados, por muitos reputada difcil e porpoucos at agora bem concebida.

    Preciso na comunicao de informaes complexas pela conjugao depranchas e textos e conciso em sua linguagem, os Quattro libri aparecem comouma das publicaes de maior interesse do sculo 17. Se comparados ao tratadode Sebastiano Serlio, que comeou a ser impresso a partir de 1537, os livros dePalladio se destacam por sua didasclia e inteligibilidade. Serlio no inscreve asdimenses nas lminas de desenhos, mas as descreve, laboriosamente, nopequeno texto impresso. Palladio, ao contrrio, liberta o texto de tal incumbnciae dispe as medidas diretamente sobre as plantas e elevaes. Diferentemente dobolonhs, o vicentino apresenta edifcios e detalhes de maneira uniforme,redesenha os riscos que, porventura, tenha tomado de outros arquitetos e vale-sesempre de uma unidade de medida padro, o p vicentino (0,357 m.).

    Assim, oportuno o cuidado de publicar a presente traduo para o

    portugus, na disposio de textos e desenhos atinentes a cada pgina, de modofiel ao concebido por seu autor no original de 1570. A coordenao e a revisotcnica da edio, cabe frisar, foi feita por Joubert Jos Lancha, que h bastantetempo e com grande cura e critrio tem se dedicado ao estudo de Palladio. Seurigoroso texto de introduo, alm de indicar seu domnio da tratativa palladiana,traz luz a relao entre o tratado e as obras de Andrea e estimula o leitor adebruar-se sobre o escrito, desvendar suas mincias e com ele se deleitar.