paleomemorial capa07 - mário cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/paleomemorial.pdf · do texto do...

19
2007

Upload: buikhanh

Post on 07-Feb-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

2007

Page 2: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

GEOLOGIA NO VERÃO 2007

PALEOMEMORIAL DO CONVENTO

Mário Cachão1,2, Carlos Marques da Silva1,2 &Maria de Jesus Ribeiro2

1. Departamento de Geologia, Fac. Ciências, Univ. Lisboa.2. Centro de Geologia da Universidade de Lisboa.

Agência Ciência VivaMinistério da Ciência,

Tecnologia e Ensino Superior

Departamento de GeologiaFaculdade de Ciências

Universidade de Lisboa

Centro de GeologiaUniversidade de Lisboa

Palácio e Convento de MafraInstituto Português do

Património Arquitectónico

Page 3: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

Índice

Introdução .....................................................................................4 Primeiro momento: Claustro Central .............................................5 Segundo momento. Campo Santo (Corredor)...............................7 Terceiro momento: Campo Santo (Capela)...................................11 Quarto momento: Sala de Diana...................................................15 Quinto momento: Sala da Bênção ................................................16 Sexto momento: Biblioteca............................................................21 Geohistória da Região de Sintra - Mafra .......................................24 Referências bibliográficas .............................................................28

Anexo (Tipos de rochas) ...............................................................29

4

Introdução

O Palácio e Convento de Mafra é um monumento de importância arquitectónica, histórica e cultural reconhecidas, constituindo um edifício de grande beleza, testemunho do século XVIII em Portugal, período em que foi construído a mando de D. João V. Para a edificação deste monumento foram utilizadas rochas existentes na região, as quais encerram em si importantes elementos geológicos e paleontológicos de elevado valor patrimonial cultural e natural, nomeadamente pelo que nos contam da história deste pequeno canto do nosso Planeta. É objectivo da presente visita procurar reconhecer a informação forncedida pelos elementos geológicos e paleontológicos observados. Procurar-se-á ainda interligar os elementos de conhecimento científico (natureza das rochas e fósseis nelas contidos) com aspectos históricos (contexto da construção deste Palácio por D. João V) e culturais, tendo como fio condutor excertos do texto do Memorial do Convento, de José Saramago).

Durante o percurso efectuado no Palácio/Convento de Mafra, tentaremos explorar os vários elementos observados em cada paragem, numa perspectiva de interligação e estabelecimento de pontes entre a área das Ciências (geologia, paleontologia) e das Letras e Humanísticas (literatura, história).

Page 4: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

5

Primeiro momento: Claustro Central

«(...) pedra branquíssima (...) que pouco sabe de grandes calores, pedra ainda espantada da luz do dia. Estas pedras são o primeiro alicerce do convento (...)» (Saramago, 1984).

Figura 1. Claustro Central. a – Coluna em liós. b – Chão revestido de liós.

a

b

6

Nascido de um voto de D. João V para obter sucessão, o

Real Convento de Mafra foi a maior obra do Séc. XVIII. Concebido inicialmente para 13 frades, o projecto foi sendo sucessivamente alargado, tornando-se uma verdadeira Cidade Real que engloba um Palácio, uma Basílica e um convento para 300 irmãos da ordem de São Francisco. Financiada pelo ouro do Brasil, a Real Obra foi praticamente toda construída em pedra liós da região (ver Figura 1). A palavra que designa este tipo de rocha é de origem francesa, e designa uma rocha calcária, esbranquiçada, compacta, dura, muito empregue em estatuária e arquitectura, e que geralmente contém fósseis. Segundo Pereira De Sousa (1919 – 32): «(...) os melhores edifícios de Lisboa e do resto do paiz são feitos com cantaria de Pero Pinheiro, e quando se pretende deixar às gerações vindouras a lembrança d′ um facto e se levanta um monumento, constroe-se de cantaria de Pero Pinheiro (...)». (...) Para mostrar a V. Ex.as quanto no tempo de D. João V não se attendia a despesas, contarei o seguinte facto: no Penedo Gordo, próximo de Lousa de Cima, existia um bloco com aproximadamente 28 metros de comprimento, 6,5 de largura e 6,5 de altura, que tinha sido destinado à construção de uma escada em caracol para o convento de Mafra. Conta a tradição que, tendo sido expostas a D. João V as dificuldades para o transporte do referido bloco, elle respondera que o monolytho deveria ir para Mafra, mesmo que o conseguissem deslocar só um palmo por dia (...) (Pereira De Sousa, 1904).

Page 5: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

7

Segundo momento: Campo Santo (Corredor)

A Figura 2 mostra o corredor do Campo Santo, local onde

eram enterrados os frades. As diversas lajes aí observadas são exemplos de duas litologias distintas: marga e calcário.

Figura 2. Corredor do Campo Santo, revestido por lajes que cobrem campas de

frades franciscanos. a – Laje de calcário (liós). b – Laje de marga fossilífera.

Este é o único local onde é possível observar marga fazendo parte da construção do Palácio/Convento, apesar de ser esta rocha a existente no preciso local onde foi edificado o Palácio/Convento. Tal

a

b

8

facto deve-se com certeza ao grau de resistência da mesma, o que é evidenciado no texto que se segue:

(...) Os tiros vão rebentando a rocha duríssima (...) bom proveito ela daria, e pagamento do trabalho que dá, se pudesse servir, como outra, para encher as paredes, mas esta, que agarrada ao monte só consente desprender-se dele com grande violência, quando posta ao ar não demora a desfazer-se, em pouco se tornaria terriço (...) (Saramago, 1984).

Figura 3. Pormenor do chão do corredor do Campo Santo, revestido por lajes que cobrem as campas dos frades franciscanos.

a – Calcário com Rudistas. b – Marga fossilífera. São abundantes os fósseis de ostreídeos (c) e de bivalves lamelibrânquios (d), muitos deles com perfurações (icnogénero Entobia) feitas por esponjas do género Cliona.

Uma marga (Figuras 2.b e 3.b) é uma rocha que apresenta na sua composição química CaCO3 e alumino-silicatos hidratados.

a

a

b

c

d

Page 6: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

9

Na sua composição mineralógica apresenta Calcite e

minerais de argila. Tais composições atribuem-lhe características e comportamentos próprios, como o grau de resistência à erosão, sendo este bastante inferior ao verificado no caso do calcário. Observando as duas lajes a e b das figuras 2 e 3, podemos observar que as lajes b (marga) se encontram muito mais desgastadas do que as lajes a (calcário), indo tal observação de encontro à diferente resistência oferecida por estes dois tipos de rochas. Quanto à composição química e mineralógica do calcário (Figuras 2.a e 3.a), trata-se de uma rocha composta por carbonato de cálcio, tem grão muito fino e pode estar presente sob vários tipos, que diferem na cor ou nos fósseis que apresentam. Sabendo que cada litologia encerra em si informações sobre o ambiente em que se formou, a marga e o calcário contam-nos histórias diferentes. Uma marga forma-se geralmente em ambientes aquáticos próximos do continente (de onde provém a componente argilosa que a constitui), de águas calmas (pois é formada por sedimentos finos). A marga que podemos observar formando as lajes apresenta uma cor cinzento escuro, o que nos indica que no seu ambiente de formação era de baixa energia (deposição de argilas – cor cinzenta) e havia pouco oxigénio, que levou à acumulação de matéria orgânica (cor negra) que não degradada na ausência deste gás. Um calcário de origem marinha, como é o Liós, forma-se pela precipitação de minúsculos grânulos de carbonato de cálcio (micrite), a partir de águas quentes sobressaturadas. O ambiente de deposição pode-se encontrar mais ou menos próximo da linha de costa, sem que contudo seja afectado por sedimentos oriundos do continente. Relativamente à componente fóssil observada nas lajes que podemos observar (Figuras 2 e 3), obviamente ela reflecte os organismos que viviam em cada um dos ambientes de formação das litologias a eles associadas.

10

Nas lajes de margas fossilíferas que cobrem as campas dos

monges franciscanos, rochas estas datadas do Cretácico Superior (Cenomaniano Inferior) – 95 milhões de anos (Ma) podemos observar abundantes fósseis de moluscos lamelibrânquios de ornamentação concêntrica e ostreídeos (Exogyra) e de outros bivalves (braquiópodes).

Alguns fósseis apresentam marcas de bioerosão (perfurações realizadas por outros organismos, nomeadamente esponjas Cliona). Desta forma, podemos dizer que estas margas fossilíferas apresentam dois tipos de fósseis - somatofósseis e icnofósseis. Entende-se como somatofósseis os restos ou vestígios do corpo de organismos (por exemplo conchas ou carapaças) que habitaram a Terra no passado e resistiram ao passar dos tempos através dos processos de fossilização. Icnofósseis são marcas de actividade (por exemplo galerias, pistas, pegadas) deixadas por organismos e que ficaram preservadas no registo geológico. Nas lajes de liós que cobrem as campas dos monges franciscanos podemos observar fósseis característicos deste tipo de rocha – os Rudistas. Estes são um grupo de lamelibrânquios extinto, que viveram no tempo dos Dinossáurios. Eram frequentes em ambientes tropicais, pouco profundos., na região do Mar de Tétis (percursor da actual região mediterrânea) durante o Jurássico Superior ao Cretácico (160 a 66 Ma).

Page 7: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

11

Terceiro momento: Campo Santo (Capela)

(...) há quem comece a ter saudades de ver partir aquela tão formosa pedra, criada aqui nesta nossa terra de Pero Pinheiro, oxalá não se parta pelo caminho, para isso não valia a pena ter nascido (...) (Saramago, 1984).

Figura 4. Capela do Campo Santo. Setas – vários tipos de lióses (calcários compactos com Rudistas).

12

Na Capela do Campo Santo podemos observar uma grande variedade de rochas, as quais conjugam para decorar quer as paredes quer o chão deste local do Palácio (Calcário Negro de Mem Martins, Liós (de várias tonalidades), «Calcário Fétido» de S. Pedro (ver Figuras 4 e 5), e ainda Calcário Amarelo de Negrais (este não observável nas figuras 4 e 5).

Figura 5. Pormenor da Capela do Campo Santo. a – Calcário Negro de Mem-Martins. b - «Calcário Fétido» de S. Pedro.

A cor dos diferentes calcários é uma característica marcante nas diferentes rochas observáreis nesta sala, dando-nos informações relativamente ao ambiente de deposição dos sedimentos que lhes deram origem. Assim, o calcário claro com Rudistas indica um ambiente aquático, oxidante, de pequena profundidade e forte energia hidrodinâmica. O calcário rosa com Rudistas continua a indicar um ambiente aquático, oxidante, reflectindo a presença de óxidos de ferro. Por sua vez o calcário negro de Mem Martins (o qual, pela sua cor, poderia ser confundido com basalto – rocha vulcânica), indica um

b

a

Page 8: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

13

ambiente de mar profundo, não oxigenado, no qual a matéria orgânica acabava por incorporar o próprio sedimento.

Figura 6. Calcário com Rudistas Caprinídeos. a - secção de um fóssil destes paleorganismos; b – Fóssil tridimensional por Mineralização de um Caprinídeo; c – Reconstituição de Caprinídeo.

Figura 7. Calcário com Rudistas Radiolitídeos. a1 – secção transversal («rodela de ananás»); a2 - secção longitudinal; b – Fósseis tridimensionais de Mineralizações de Radiolitídeos; c – Reconstituição de Radiolitídeos em posição de vida.

a1

a

b

c

b

c

a2

14

As figuras 6 e 7 mostram mineralizações de Rudistas. Estes são um grupo extinto de lamelibrânquios marinhos, contemporâneos dos dinossáurios. Eram organismos bentónicos (viviam sobre o substrato, cimentados a este ou não). Possuíam uma concha da parede espessa (viviam em ambientes marinhos de alta energia), de forma cónica e estrutura interna compacta (Radiolitídeos – Figura 7) ou de forma geralmente enrolada e estrutura interna alveolar (Caprinídeos – Figura 6). Os Rudistas eram organismos coloniais – viviam em associações recifais bioedificadas (Figura 8), à semelhança dos biohermes recifais construídos pelos actuais Corais.

Figura 8. Associação de Rudistas (Cretácico superior, Oman.http://www.ruhr-uni-bochum.de/sediment/rudinet/images/

Page 9: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

15

Quarto momento: Sala de Diana

Nesta sala podem-se observar imitações das várias litologias empregues na construção do Palácio/Convento, como Amarelo de Negrais, Azul de Sintra, Liós (Figura 9) e Abancado (Figura 10).

Figura 9. Pintura de fingimento representando várias litologias possíveis de observar no Palácio/Convento de Mafra.

a - Amarelo de Negrais. b – Azul de Sintra (Calcário fétido). c – Liós. É ainda possível observar a imitação de um tipo de rocha (uma brecha de elementos angulosos) (Figura 10) não empregue na construção do Palácio/Convento de Mafra, nem nos monumentos construídos em Portugal, mas contudo frequente em algumas igrejas no estrangeiro, por exemplo, em Espanha (Barcelona) e em Itália.

Figura 10. Pintura de fingimento. a – Abancado. b – Brecha de elementos esverdeados.

b

a

a

abc

16

Quinto momento: Sala da Bênção

Nesta sala (Figuras 10, 12 e 13) podem-se observar motivos geométricos realizados com vários tipos de rochas da região, representantes de idades e contextos geológicos distintos (Quadro 1).

Figura 10. Sala da bênção.

Page 10: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

17

«(...) e este chão que pisamos tem por cima barro encarnado, por baixo areia branca, depois areia preta, depois pedra cascalha, pedra granita no mais fundo, e nela há um grande buraco cheio de água com o esqueleto de um peixe maior que o meu tamanho (...)» (Saramago, 1984).

Figura 11. Coluna estratigráfica da região de Sintra – Mafra.

18

Mesmo sem os poderes de Blimunda «Sete-Luas», o geólogo

consegue interpretar a sequência de deposição dos vários níveis de rochas, dita estratigráfica ou temporal (Figura 11). Através da estratigrafia foi possível inferir que no Jurássico Superior ao início do Cretácico, nesta região, o ambiente passou progressivamente de estuarino de transição para marinho recifal.

Todas as litologias utilizadas na construção do

Palácio/Convento de Mafra (à excepção do «calcário fétido» de S. Pedro, são exemplos de rochas sedimentares. O calcário de S. Pedro é um mármore (rocha metamórfica). Esta rocha originou-se devido à acção de elevadas temperaturas das rochas magmáticas sobre o calcário encaixante quando se instalou o Maciço Eruptivo de Sintra.

Desta forma, as rochas existentes na região de Sintra-Mafra

reflectem duas fases importantes e distintas da História Geológica da região. Por um lado, testemunham vários episódios sedimentares em que se formaram espessos depósitos calcários, muitas vezes intercalados com níveis margosos ou até areníticos (Jurássico – Cretácico, entre 160 a 90 Ma atrás). Por outro lado, são evidências dos fenómenos magmáticos e vulcânicos que se deram na região por volta dos 100 e 70-80 Ma e que levaram à formação de Filões basálticos ainda hoje observáveis na região de Mafra, e à instalação do Maciço Eruptivo de Sintra, que se encaixou entre formações do Jurássico Superior.

Page 11: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

19

Figura 12. Sala da Bênção - pormenor do chão. a – Amarelo de Negrais. b –

Liós abancado. c – Azul de Sintra. d – Calcário de Mem Martins.

Figura 13. Sala da Bênção – pormenor do tecto. a– Liós. b – Azul de Sintra. c – Liós Abancado.

a

b

c

d

a

b

c

20

Varanda (...) Era preciso ir a Pero Pinheiro buscar uma pedra muito grande que lá estava, destinada à varanda que ficará sobre o pórtico da Igreja, tão excessiva a tal pedra que foram calculadas em duzentas as juntas de bois necessárias para trazê-la (...) seiscentos os homens (...). Era uma laje rectangular enorme, uma brutidão de mármore rugoso (...). É a mãe da pedra (...) depois de lavrada e polida, ficará com sete metros, sessenta e quatro centímetros (...) trinta e uma toneladas que é o peso da pedra da varanda da casa que se chamará Benedictione (...). Entre Pero Pinheiro e Mafra (descendo e subindo o Vale de Cheleiros) gastaram oito dias completos. (Saramago, 1984). Pode observar-se uma laje de grandes dimensões de Liós com Rudistas (Caprinídeos) com marcas de corrosão química (carsificação) pela água das chuvas levemente acidulada pela dissolução de dióxido de carbono atmosférico incrementado pelos efeitos de poluição automobilística.

Page 12: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

21

Sexto momento: Biblioteca

Da biblioteca do Palácio (Figura 14) constam perto de 38 000 volumes, divididos por temas. A biblioteca faz uma cruz: a norte o saber religioso, a sul o saber «profano», científico, posicionando-se o saber clássico no braço do cruzeiro.

Figura 14. Biblioteca do Palácio e Convento de Mafra.

De entre os volumes dedicados ao saber «profano» científico,

podem ser observadas figuras de uma imensidade de organismos. Na figura 15.1. podemos observar a representação de um exemplar de dendrite.

22

As dendrites são estruturas que, durante muito tempo, foram consideradas fósseis de vegetais, nomeadamente no Sistema de Classificação Aristotélico. No entanto, sabe-se hoje que as dentrites são acumulações de óxidos de manganés, de cor negra, em pequenas fissuras de rochas, que ocorrem quando estas são percoladas por fluidos ricos nestas substâncias. Assim, apesar de aparecerem associadas a fósseis de vegetais, são na realidade pseudofósseis (estrutura produzida por processos físico-químicos e com uma morfologia que aparenta ter origem orgânica).

Figura 15. Página de um dos livros da biblioteca do Palácio de Mafra. Ilustração de dendrites (a), na altura consideradas e ilustradas como outros fósseis

de vegetais tais como pínulas de fetos fósseis (b). Tal como as páginas de um livro, a sequência de camadas

permite ao geólogo ler a história geológica de uma região. A figura 16 pretende representar um diagrama sintético dos

paleoambientes existentes na área do actual território português no topo do andar Cenomaniano (91 – 92 Ma), altura em que se verificou um máximo transgressivo e em que os Rudistas foram particularmente abundantes.

a

b

Page 13: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

23

Figura 16. Representação sintética dos paleoambientes marinhos e costeiros no Cretácico Superior (Cenomaniano: 90 – 92 Ma).

24

Geohistória da Região de Sintra - Mafra Do ponto de vista litológico a Serra de Sintra e encaixante

apresentam elevada geodiversidade. As figuras 20, 21 e 22 pretendem esquematizar as ocorrências geológicas que levaram à existência da variedade litológica possível de observar na referida região.

Figura 20. 1º fase - Sedimentogénese.

A envolvente de rochas sedimentares (figura 20) na sua maioria carbonatadas (calcários e margas) e fossilíferas, apresenta igualmente arenitos e conglomerados, numa sequência que remonta ao Jurássico Superior, desde os calcários de S. Pedro (datados do Oxfordiano Superior, com cerca de 150 milhões de anos), até aos terraços de praia Plio-Plistocénicos, passando pelo liós de rudistas do Cretácico Superior (Cenomaniano Superior, com cerca de 95 milhões de anos), explorado nas pedreiras de Pero Pinheiro, e pela sequência vulcano-sedimentar, alcalino e intra-placa, de Lisboa-Mafra (com cerca de 72 milhões de anos) (Palácios, 1986).

~2 5

00 m

Calcários margosos e argilitos (“Belasiano”)

Calcários com rudistas (“liós”)

Calcários de S. Pedro, Mem Martins, Farta Pão

Margas e calcários recifais

Arenitos (“Grés de Almargem”)

~2 5

00 m

Calcários margosos e argilitos (“Belasiano”)

Calcários com rudistas (“liós”)

Calcários de S. Pedro, Mem Martins, Farta Pão

Margas e calcários recifais

Arenitos (“Grés de Almargem”)

Page 14: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

25

Etapas evolutivas:

1. Deformação em doma por intrusão granítica e instalação de filões.

2. Metamorfismo de contacto («Xistos do Ramalhão» e «Calcários de S. Pedro».

3. Intrusão gabro-sienítica e instalação de filões. 4. Regressão generalizada e emersão do esporão da Estremadura.

Figura 21. 2ª fase - Instalação do diapiro magmático e deformação do encaixante.

Intrusão granítica

Intrusão gabro-sieníticaIntrusão filoneana

Intrusão granítica

Intrusão gabro-sieníticaIntrusão filoneana

26

Etapas evolutivas

1. Exumação por erosão do doma e afloramento do anel granítico e núcleo gabro-sienítico;

2. Cavalgamento .da Serra de Sintra para norte, com compressão alpina (bética), contemporânea das deformações da Serra da Arrábida.

Figura 22. 3ª fase – Gliptogénese e deformação alpina.

Sinclinal da Praia do Guincho-Alcabideche

“Xistos do Ramalhão”

Mármores (“calcário fétido”) e corneanas calcosilicatadas

Auréola de metamorfismo de contacto:

Sinclinal da Praia do Guincho-Alcabideche

“Xistos do Ramalhão”

Mármores (“calcário fétido”) e corneanas calcosilicatadas

Auréola de metamorfismo de contacto:

Page 15: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

27

As rochas jurássicas e cretácicas estão deformadas pela

intrusão do diapiro magmático de Sintra (ver figura 21), apresentando-se dobradas num largo doma alongado, segundo a direcção Este-Oeste, e assimétrico (com cavalgamento para norte), em grande parte exumado em forma de inselberg por erosão subsequente (ver figura 22). Rodeando-o existe um sinclinal anelar que separa um domínio externo, de rochas com inclinação mais ligeira, interceptadas por filões esporádicos e com fósseis menos recristalizados, de um domínio mais interno, com rochas de inclinações mais acentuadas, que rapidamente verticalizam próximo do contacto com a Serra. Profusamente recortadas por filões subverticais radiais e cónicos concêntricos e com recristalização total de fósseis, as rochas do domínio interno apresentam sinais de alteração cada vez mais intensa, primeiro por metamorfismo silicioso (o «xisto do Ramalhão», culminando em metamorfismo de contacto, com corneanas calco-silicatadas e mármores cinzento-azulados («calcário fétido») (ver figura 22). No domínio da Serra de Sintra propriamente dita, as rochas magmáticas intrusivas predominam, variando de gabros a granitos. Datada de há 92 (+/- 2) milhões de anos, a sua análise geoquímica, petrográfica e tectónica mostra que a uma extensa intrusão granítica inicial, durante a qual houve fusão parcial da crusta continental, se sucedeu no seu interior uma segunda intrusão, de origem mantélica, gabro-sienítica (Leal, 1991) (ver figura 21) associada à instalação de brechas eruptivas, intensamente tectonizadas (Kulberg, 2000) e metamorfizadas (Alves, 1964).

28

Referências bibliográficas

Alves, M. (1964) – Estudo petrológico do Maciço de Sintra. Rev. Fac. Ciências Lisboa, 2ª Sér., C, 12 (2): 123 - 289.

Kulberg, M.C. & Kullberg, J.C. (2000) – Tectónica da Região de

Sintra. In Tectónica das regiões de Sintra e Arrábida. Mem. Geociências, Museu Nac. Hist. Natural Univ. Lisboa, vol. 2: 1 – 34.

Leal, N. (1991) – Caracterização geoquímica do Maciço Eruptivo de

Sintra. Conjecturas de origem petrogenética baseadas em dados geoquímicos. Geociências, Rev. Univ. Aveiro, 6 (1-2): 33 - 40.

Palácios, T. (1986) – Petrologia do complexo vulcânico de Lisboa.

Tese de Doutoramento, Univ. Lisboa: 260 pp. Inédito. Ricos Olhos, F. e Alves, G. (2000) – Paleomemorial do Convento. O

Património Geológico e Paleontológico do Palácio de Mafra. Estágio Pedagógico, FCUL: 28 pp. Inédito.

Saramago. (1984) – Memorial do Convento, Caminho: 359 p.

Page 16: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

29

Nome Litologia Fósseis Ambiente Proveniência Datação FormaçãoLiós Calcário

esbranquiçado ecreme

RudistasCaprinídeos

Lameiras,Sintra

Liós deMontemor

Calcário branco,rosado,

bioclástico

RudistasRadiolitídeos

Montemor,Loures

Liós Azulino Calcáriocinzentoazulado

RudistasCaprinídeos

Maceira, Sintra

St. FlorientRose

Calcário rosado,bioclástico

RudistasCaprinídeos

Lameiras,Sintra

Almiscado Calcáriosubcristalino,avermelhado

RudistasRadiolitídeos

Pêro Pinheiro

Encarnadão Calcáriosubcristalino,avermelhado

RudistasCaprinídeos

Fervença,Lameiras,

SintraAbancado Calcário

rosado, comestilólitos

RudistasRadiolitídeos

Recifal, deáguas quentes

poucoprofundas

Fervença,Lameiras,

Sintra

CretácicoSuperior (-90 Ma)

Formação deAlcântara

Page 17: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

30

Marga Marga negrafossilífera

Moluscoslamelibrânquios

e Ostreídeos(Exogyra) e

Braquiópodes,marcas debioerosão

De transição,provavelmente

de estuário,pouco

oxigenado

Mafra CretácicoSuperior (-95 Ma)

Formação deAlcabideche

Amarelo deNegrais

Calcáriomargoso,limonítico

Bioturbação(galerias deartrópodes)

Gastrópodes dogénero Nerinaea

Marinho detransição

Negrais, Sintra CretácicoSuperior (-95 Ma)

Formação deAlcabideche

Negro deMem Martins

Calcário negro(com pirite) --------------------

Mem Martins,Sintra

JurássicoSuperior

(-150 Ma)

«Calcários deMem-Martins»

Azul de Sintra Corneana(«Calcário

fétido»)

Raras Amonites

Marinhorelativamente

profundoS. Pedro,

SintraJurássicoSuperior

(-160 Ma)

Calcários de S.Pedro

Quadro 1. Rochas existentes na região e que foram utilizadas na construção doPalácio e Convento de Mafra (Ricos Olhos & Alves, 2000).

Page 18: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

31

NOTAS:

Page 19: Paleomemorial capa07 - Mário Cachãomcprojectos.fc.ul.pt/geoverao/Paleomemorial.pdf · do texto do Memorial do Convento, de José Saramago). ... que viveram no tempo dos Dinossáurios

32

NOTAS: