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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111
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PALAVRAS-FORÇA: a contribuição da comunicação oral na mobilização social do MST12
FERNANDES, Madson13 REIS, Jovelina14
RESUMO: Esta pesquisa analisa de que formas e com que eficácia o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) utiliza a comunicação oral interpessoal como
estratégia de mobilização social. Para tanto, resgatam-se as formas como as tradições
orais subsistiram até o hoje. Apresentam-se os dados coletados durante a pesquisa de
campo no assentamento Vila Diamante, município de Igarapé do Meio, MA, colhidos
por meio do método etnográfico, e analisam-se os mesmos dados por meio da análise
de conteúdo.
Palavras-chave: MST. Oralidade. Tradições orais. Mobilização social.
ABSTRACT: This study examine in what ways and how effectively the Movement of
Landless Rural Workers (MST, the acronym in Portuguese) using oral interpersonal
communication as a social mobilization strategy. To do so, one recovers the ways in
which oral traditions have survived to the present day. Presents the data collected
during the field research undertaken in the settlement Vila Diamante, Igarapé do Meio
city, MA, gathered through the ethnographic method, and analyzed the same data
through content analysis.
Keywords: MST. Orality. Oral traditions. Social mobilization.
12 Síntese da monografia apresentada ao curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), 2014. 13
Graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão. [email protected] 14
Professora Adjunta do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão. [email protected].
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1. Panorama das transformações na linguagem ao longo dos séculos
Durante três milênios a fala era a única forma de resgatar a sabedoria
acumulada. As noções de correto e de justo eram construídas no ato de relembrar o
que outros, em períodos anteriores, já haviam lembrado como tal. Isso podia ser feito
por meio das histórias notáveis de heróis e sábios ou de grandes sagas, aprendidas de
tanto serem escutadas. A voz era o elemento responsável por dar coesão à
organização social.
De acordo com Paul Zumthor (1993), o caráter coesivo da palavra acabava por
conferir-lhe uma espécie de poder capaz de criar o que ele chama de “quadro moral”
que dará origem, nas culturas orais, à distinção entre a palavra ordinária, da
conversação banal, e a “palavra-força” que tem seus emissores autorizados que a
emitem de lugares oficiais. Daí advinha a autoridade de figuras como os anciãos,
depositários da experiência que, ao narrá-la, compunham a memória coletiva que, por
sua vez, assegurava a ordem e a coesão social por meio do sentimento de pertença
comunitária. Linguagem e cultura se constituíam, simultaneamente, nas tradições orais
ao semiotizar as experiências. Para Lucilia Delgado (2006), não se tratava apenas de
simples conservação, por assim dizer, “fidedigna” da experiência, mas de uma
reconstrução de lembranças inseridas num processo dialético de múltiplas
temporalidades. Evocar o passado era dar sentido ao presente para delinear o que
deve ser o futuro.
A implementação da palavra escrita, por sua vez, não aconteceu da noite para o
dia. Além dos milênios que exigiram o processo da criação do alfabeto até a escrita
propriamente dita, a legitimidade social da oralidade ainda reinaria por muito tempo.
Os textos ainda não tinham uma lógica diferente do ato de fala, como em nossos dias.
Em culturas de escrita limitada, o caráter duvidoso e suspeito do texto físico
exigia intermediários. Ao lado dos anciãos e sacerdotes medievais surgia a figura dos
jograis, posteriormente chamados de menestréis. Seu papel envolvia uma gama
complexa de atividades como saltimbanco, acrobata, apresentador de feras, músico,
cantor e contador de histórias. As principais formas narrativas utilizadas pelos jograis
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eram os poemas e canções, muitas delas conhecidas e repetidas pelo povo simples, e
ainda bastante utilizadas nos manuscritos. Os temas variavam desde banalidades
cotidianas – como casamentos ruins – até motivos classificados como pagãos e
lamentações sobre a morte de heróis e reis. Nas igrejas, sermões e homilias
igualmente se aproximavam da prática dos contadores profissionais com narrativas
alegóricas semelhantes às formas de contação dos jograis, possivelmente apoiadas no
folclore antigo. A multiplicidade de contadores e de complementos que eles ajuntavam
aos textos fazia parte da cultura holística comum da época, em que não havia
separação absoluta entre a vida e a noção de sagrado ou mágico. Importava mais o
conhecimento e a adesão popular às canções do que uma suposta forma oficial.
Com o estabelecimento definitivo da prensa tipográfica na Europa do século XV,
a cultura impressa mudaria totalmente a cultura oral/manuscrita. Para os clérigos, dar
acesso aos textos religiosos às classes mais baixas era permitir que contestassem os
ensinamentos das autoridades, como de fato veio a acontecer. A partir do momento
em que o texto impresso começou a se estabelecer, ele também passou a sedimentar
definitivamente uma lógica própria. As religiões institucionalizadas assumiram os livros
sagrados (a Torá, o Alcorão, os Vedas e a Bíblia) e o Estado centralizador instituiu
definitivamente o Direito. Esta centralização dos Estados europeus é que,
posteriormente, dará origem às ideias modernas de nacionalismo e de cidadania que,
grosso modo, são os filhos “letrados” do sentimento de pertença das comunidades de
tradição oral. A partir do Direito, a racionalidade cartesiana inaugurada pelos
processos de letramento iniciará uma redefinição da organização e coesão social.
A Reforma Protestante foi o primeiro conflito ideológico no qual a impressão
teve papel preponderante. Os debates que questionavam a autoridade do papa e da
Igreja contribuíram para o desenvolvimento do pensamento crítico e da recente ideia
de opinião pública. Embora tais conceitos não fossem utilizados na época, havia uma
relativa consciência das elites sobre a relevância da opinião do povo. A experiência
protestante brevemente abriria também a possibilidade de questionar a autoridade do
Estado.
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Os primeiros jornais não-oficiais também contribuíram para tornar a política
parte da vida da população em geral. Esses periódicos eram lidos e discutidos nos cafés
das cidades, espaços voltados especialmente para os debates orais, e que deram
origem a inúmeros clubes cuja principal atividade era o diálogo. Manuscritos contendo
críticas políticas ou sátiras, procissões e festivais continuavam a coexistir com os
jornais. Os festivais, contudo, passaram a ter uma mensagem mais política e,
posteriormente, dariam origem ao que o século XIX chamaria de manifestação.
Durante a Revolução Industrial, os trabalhadores, encerrados sob o teto das
fábricas por um tempo cada vez maior, começaram a desenvolver suas próprias formas
de comunicação a partir de sindicatos, que já existiam, mas agora passavam a ser cada
vez mais comuns. Ao mesmo tempo, os intelectuais da época começavam a cunhar os
termos elite, massa, e meios de comunicação de massa. Na Crítica da filosofia do
Estado de Hegel, de 1843, Marx passa a falar de uma ruptura com a noção abstrata de
Estado herdada por Hegel do iluminismo francês, que já não fornecia bem-estar social
a todos.
Para Dallari (2002), a ideia de Estado moderno passa a ser contestada a partir de
práticas políticas que negam a participação social democrática com vistas à justiça
social. A novidade do pensamento de Marx em sua Crítica, segundo Miliband (1983), é
de que a reforma do Estado seria realizada pelas classes trabalhadoras mais baixas. Os
filósofos marxistas posteriores irão reiterar exaustivamente o que chamarão de
consciência de classe, de forma a relembrar e ressignificar em seus discursos a
identidade da classe trabalhadora, constituindo uma cultura muito específica, expressa
em folhetos e manifestos, mas também e, principalmente, em marchas, comícios e
debates.
Todavia, no final do século XIX, a comunicação por carta se popularizaria na
Europa, apesar das taxas de analfabetismo continuarem altas. O desenvolvimento dos
correios era sinal de desenvolvimento da nação e saber ler e escrever já era
considerado sinônimo de erudição. A comunicação oral era vista como rústica e
ultrapassada.
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O telégrafo, criado em fins do século XIX, foi a primeira invenção elétrica a
transmitir mensagens. A partir daí, a evolução tecnológica passou por mais de dois
séculos de intensas transformações. Em 1876, Alexander Graham Bell apresentaria o
telefone, e logo sem seguida seriam criados os primeiros aparelhos de radiodifusão, a
partir de invenções envolvendo telégrafos sem fio. Em todos os países aonde chegou,
o rádio teve papel imprescindível para aumentar o nível de informação da população
como um todo, sendo importante instrumento para o debate político.
Segundo Briggs e Burke (2006), após a crise do petróleo de 1973 e com a
expansão da televisão, os países até então chamados de Terceiro Mundo contestavam
o colonialismo cultural dos países chamados de Primeiro Mundo, em especial os
Estados Unidos. Surgiam teorias de que a comunicação pelo telefone, rádio, televisão e
computador afetava a identidade geográfica e social dos indivíduos, separando-os do
espaço social em que se encontravam (CASTELLS, 1999).
Por fim, na virada do século XXI, a internet se tornou uma das maiores
propagadoras do fenômeno chamado globalização. As mais diversas economias ao
redor do mundo passaram a ser interdependentes; as grandes ideologias e os
movimentos de trabalhadores entraram em declínio com a individualização dos postos
de trabalho; a desigualdade social se acentuou não somente entre norte e sul, mas
dentro de cada país, e a produção e distribuição das culturas em impressos, áudio e
vídeo passaram por um processo de integração global. Diante do desinteresse pelas
ditas “grandes causas” da humanidade, passou-se a falar de mobilização social como
uma das formas de assegurar a participação social democrática. Pensadores
modernos, como Toro e Werneck (2004), passaram a definir o conceito não apenas
com o valor de manifestações públicas em si, mas dos processos de comunicação que,
quotidianamente, buscam convencer e envolver os sujeitos em ações ou campanhas.
Nesse meio tempo, os sistemas políticos passaram por uma crise de legitimidade
televisionada e os movimentos sociais ficaram cada vez mais fragmentados. O Estado
(personificado na Constituição, que é expressão do Direito) deveria ser o ente criado
para resguardar o bem-estar social, ou a justiça social no seio de uma identidade
nacional clara. Contudo, Bauman (2007) dirá que a partir do momento em que os
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indivíduos começaram a perceber a incompetência do Estado em evitar o fracasso e o
infortúnio individuais, cresceu o desinteresse pela ação coletiva e esfriou a
solidariedade social. Assim, declinou a ideia de que a manutenção dos vínculos
interpessoais assegurariam o bem-estar da comunidade (nacional ou local) por meio
da busca dos interesses coletivos.
Segundo Castells (1999), no turbilhão social em que o acesso à informação torna
tudo questionável, desconstruindo a ideia de uma só Palavra-Força como nas tradições
orais, as pessoas tendem a buscar de volta qualquer segurança que possa oferecer
identidades como as religiosas, étnicas, territoriais e nacionais. Segundo o sociólogo,
as três características fundamentais do que chama de “sociedade em rede” (a
globalização que liquefaz as raízes, a flexibilidade das relações que individualiza a
sociedade, e a crise da família patriarcal que subverte a sociabilidade e a sexualidade
tradicionais) são disseminadas pelo fluxo dos meios de comunicação atuais, digitais e
virtuais, de modo que, por consequência, o resgate da identidade passa a se voltar
para outras formas de comunicação, como é o caso das tradições orais. Essas
identidades (religiosas, étnicas, territoriais e nacionais) se configuram, então, como
identidades de resistência que buscam substituir a “identidade legitimadora”
(CASTELLS, 1999, p. 87) que entrou em crise com o declínio do ideal iluminista de
Estado-Nação.
2. O MST e seu programa de mobilização social
Caldart (2001), assim como a própria história oficial do MST, apresenta o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra como fruto deste questionamento da
capacidade do Estado em fornecer bem-estar a todos. Segundo a autora, a luta pela
terra surgiu na década de 1970 de maneira fracionada e difusa no país. Somente em
1985, o MST definiria seu tríplice objetivo o qual permanece até hoje: “lutar pela terra;
lutar por Reforma Agrária; lutar por uma sociedade mais justa e fraterna”
(www.mst.org.br, acessado em 09.07.2014).
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A principal característica do MST é a ocupação do latifúndio realizada por meio
da “mobilização de massa” (CALDAR, 2001, p. 208). Além das ocupações, também são
características fundantes a multiplicidade de frentes de atuação (as mais diversas
causas que constituem a luta do MST, levando em consideração uma visão holística da
sociedade) e, por consequência da anterior, a diversidade de formas organizativas que
torna difícil determinar a que tipo de instituição pertence o Movimento. Diante do
ineditismo conceitual, o próprio MST se define como uma organização social de
massas, capaz de se congregar em múltiplas formas, desde núcleos familiares até
cooperativas, sindicatos e instâncias deliberativas nacionais.
Ainda segundo Caldart, o MST deve ser encarado como um projeto educativo
que tem por fim último a concretização da justiça social. “Trata-se de olhar para o MST
como lugar da formação do sujeito social Sem Terra, e para a experiência humana de
ser do MST [...] como um processo de educação, que é também um modo de produção
da formação humana [...]” (CALDART, 2001, p. 210, grifo da autora).
É importante enfatizar que todos os processos históricos vividos pelo MST em
suas três décadas de atuação nacional marcaram profunda e inequivocamente o termo
“Sem Terra”. Para Caldart, o conceito-ideia de sem-terra se aproxima, assim, do
conceito-ideia marxista de classe trabalhadora, concluindo que o Sem Terra não é uma
criação do MST, seu processo de constituição de sujeito é anterior ao Movimento, e
que prossegue em desenvolvimento. Assim, a realidade do termo se torna mais forte
na medida em que se materializa em um modo de vida e em uma cultura específica,
uma “coletividade Sem Terra” (CALDART, 2001, p. 212).
4.1 O assentamento Vila Diamante
É objeto de pesquisa deste trabalho o povoado Vila Diamante, assentamento do
MST localizado na BR 222, no município de Igarapé do Meio, região da Baixada
Maranhense, a 234 km da capital, São Luís. A Diamante (como é referida por seus
moradores) caracteriza-se por uma produção agrícola familiar (em especial do arroz,
do feijão e do milho, além da produção de coco babaçu e seus derivados, embora
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também possua criação de frangos), sendo o mês de outubro o de maior colheita. As
lideranças da comunidade contam sua população em famílias, e estimam que cerca de
150 dessas famílias vivem lá, entre assentados e não-assentados.
Vindos do sul e do centro-oeste, representantes do recém-criado Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra chegaram a Vitória do Mearim, município ao qual
pertencia a fazenda, em 1989, atraídos pela existência de terras passíveis de serem
desapropriadas, como a Diamante Negro. Iniciaram, então, o processo que chamam de
mobilização, caracterizado pela busca em sindicatos e associações, de posseiros e
outros lavradores interessados em obterem a própria terra. No dia 30 de junho de
1989, cerca de 600 famílias, segundo os relatos colhidos durante a pesquisa, ocuparam
a fazenda.
4.2 A história oral na Vila Diamante
A pesquisa de campo deste trabalho foi realizada nos dias 13 e 14 de julho de
2013, 12 e 13 de outubro de 2013, e 23 e 24 de junho de 2014. A metodologia que
norteia o presente estudo parte da pesquisa qualitativa/descritiva, do método
etnográfico e da análise de conteúdo, enquanto o procedimento técnico utilizado
foram entrevistas, observação e produção de diário de campo. O uso de mais de um
método segue a prática das ciências sociais, mas se debruça sobre a observação das
estratégias comunicativas que interessam a esta pesquisa. É importante ressaltar que
embora a “lente” através da qual observamos o nosso objeto de estudo guarde
caraterísticas etnográficas, interessa-nos, particularmente, como jornalista, remeter
nosso estudo às estratégias comunicativas, como já o dissemos. Se mostrar, como
ensina Silva (2011), “é um empreendimento antropológico, descritivo, etnográfico e
profundamente narrativo”, “cobrir” o objeto de estudo, como o faz o jornalista,
implica a “imersão presencial”, o “mergulho interpretativo”, pois, “quanto mais se
cobre, recobrindo teórica e metodologicamente o objeto, mais se tende a descobrir”
(SILVA, 2011, p. 47).
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Desta feita, para a análise de conteúdo foi escolhida a categoria Palavras
Recorrentes, para observação da frequência com que certas palavras ocorrem no
discurso a fim de avaliarmos o grau de entranhamento de conceitos relativos à
pertença ao MST e às formas comunicativas utilizadas para promover tal pertença.
Torres (2010) afirma que a pedagogia do Movimento acontece de forma não-
linear, perpassando a educação formal e a não-formal. Neste contexto, é possível
compreender a recorrência das palavras “escola” e “noite no acampamento”. Nas sete
entrevistas colhidas (cujos entrevistados constam aqui com nomes fictícios), essas
palavras foram mencionadas 9 e 5 vezes, respectivamente, conforme demonstrado no
quadro abaixo:
Quadro 1: Recorrência de palavras referente à “escola” e “noite no acampamento”
PALAVRAS
Escola Noite no acampamento
Joaquim
"A gente vem tentando
resgatar isso, a escola tem feito
isso. Todo ano a escola faz um
momento que eles dão o nome
de 'A noite no acampamento'”
"Todo ano a escola faz um momento
que eles dão o nome de “A noite no
acampamento”, aonde a gente
mobiliza a comunidade pra resgatar
esse histórico da luta pela terra
aqui..."
Marcos
"Sempre a escola ensina, né? O
Movimento que ajudou a nós a
construir esse assentamento e
sempre eles vem passando. A
diretora da escola vem
passando pra gente."
"Aí todo ano eles realizam aí a Noite
no Acampamento, que é aí que eles
trazem a história do assentamento,
traz a história do Movimento, como
foi constituído, os trabalhadores que
morreram pela essa terra... isso tudo
vai conscientizando as pessoas e aí vai
mudando o modo de vivência, né?"
Luciana
"...hoje, eles sabem porque
sempre a gente vai
alembrando isso aqui, vai
relembrando tudo isso que a
gente passou aqui. Através até
de... pela escola. A escola
sempre passa pra todos os
"A escola sempre passa pra todos os
alunos e todo ano se faz uma Noite no
Acampamento, né, repassando tudo
aquilo que a gente viveu aqui: como a
gente ocupou, como a gente resistiu,
que a gente sofreu aqui, a gente
passou por muitas dificuldades..."
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alunos e todo ano se faz uma
Noite no Acampamento, né..."
Patrício
"Outro dia, as menina foram fazer a
Noite no Acampamento e eu ia falar
sobre a reocupação."
Moisés
"Um outro momento que a
gente também lembra com
uma importância muito
grande, foi quando uma
mobilização que a gente foi pra
cidade de Vitória reivindicar
escola pras nossas crianças..."
"A mesma forma é a Noite no
Acampamento, né? Também é uma
data que marca porque ela é o
momento onde a gente volta a
lembrar desses momentos que a
gente viveu."
Fonte: Produção do autor (2014)
A Noite no Acampamento, sempre citada quando se trata de contar a história da
Vila Diamante, é um evento organizado anualmente pelas professoras das escolas
municipais do assentamento no qual é rememorada toda a história de reivindicações
da Diamante. Realizada sempre em junho, antes do dia 30 (aniversário do
assentamento), a Noite no Acampamento mescla encenação e contação de história a
partir de elementos artísticos – poesia, canto e teatro – e simbólicos, como a presença
da bandeira do Movimento, dos instrumentos do trabalho no campo, das vestimentas
dos trabalhadores e das comidas típicas. O ato começa ao cair da noite, e com a
chegada das pessoas das demais comunidades vestidas como trabalhadores rurais.
Acontece, então, o que chamam de mística, e o ato prossegue noite adentro.
Mística é como o MST chama uma espécie de ritual simbólico realizado antes de
suas reuniões, encontros, congressos etc., podendo ser também realizada ao final das
atividades ou durante os períodos de ocupação de terras. Durante os momentos de
mística, os participantes resgatam símbolos que recordem a história de seu
assentamento/acampamento, transmitindo valores, reinterpretando a realidade social
e, principalmente, fortalecendo a identidade coletiva e as convicções dos militantes.
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A mística é um resquício da religiosidade que, segundo Torres, esteve presente
desde o início do MST. O que é importante para este trabalho é que, ao resgatar a
memória de forma simbólica e artística, em momentos como a Noite no
Acampamento, o MST aproxima sua cultura de uma espécie de espiritualidade que
lembra a ligação entre as comunidades tradicionais orais e os elementos da natureza,
em especial a terra. A Noite no Acampamento se apresenta como o ápice da expressão
da história oral da Vila Diamante, uma materialização do processo dialético de
múltiplas temporalidades que citamos com Delgado. Como nas antigas comunidades
de tradição oral, a Noite no Acampamento da Vila Diamante evoca o passado para dar
sentido ao presente e delinear quais devem ser as perspectivas de futuro de seus
moradores. Ao mesmo tempo, este processo, importante porque muito citado nas
entrevistas, institui as vozes autorizadas (ZUMTHOR, 1993) responsáveis pela coesão
do “quadro moral” da comunidade, que as transforma em autoridades.
Assim é com a Escola, aqui escrita com “E” maiúsculo porque se apresenta, no
discurso dos moradores da Vila Diamante, como uma entidade específica dotada de
autoridade ou, como diria Foucault, de poder. Embora haja três escolas na
comunidade, os sujeitos marcaram sempre em suas falas: “a Escola organiza”, “a
Escola ensina”, “as professoras da Escola”. E embora o MST preze por um projeto
pedagógico holístico, em que pese momentos como a própria mística como parte do
processo de formação, essa concepção também é fruto da identidade nacional do
MST, que, segundo Torres, estabelece como inseparável as ações de luta pela terra da
conquista da educação.
Representantes da Escola, as professoras são igualmente tratadas como
autoridade, e constituem o Coletivo de Educação do assentamento. Ao lado delas, os
mais velhos que participaram da ocupação da fazenda Diamante Negro Jutaih
igualmente são reconhecidos como autoridade, sendo seus nomes referenciados
quando se trata da história da Diamante ou de deliberações sobre ações que o MST
organizará, reiterando as estruturas de poder.
São estas vozes autorizadas que dão coesão à memória que constrói identidade
coletiva, e o fazem, na Vila Diamante, por meio de processos dialógicos orais. Esta
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identidade reiterada, tem o objetivo de ir “conscientizando as pessoas” (Marcos). A
recorrência das palavras “reunião” e “mobilização”, contidas no quadro abaixo,
demonstra que além da Noite no Acampamento há outras formas de conscientização
das pessoas. Elas são mencionadas 14 e 10 vezes, respectivamente.
Quadro 3: Quadro de Recorrência de palavras referente à “reunião” e “mobilização”
PALAVRAS
Reunião Mobilização
Joaquim
"(a minha mãe) começou a
participar das reuniões de... pra
ocupação da área, e aí... Foi
através dessas reuniões pra
ocupação da área,..."
"E aí essas pessoas eram
convidadas a participar de uma
reunião e convidar as demais pra
participar das reuniões..."
"Depois da ocupação eu vim pra
ocupação e até hoje tô e participo das
atividades do Movimento, né? Das
mobilizações, das articulações..."
"E com a mobilização pra ocupação a
gente viu que era uma saída né?"
"Na época, a mobilização era feita de
casa em casa, né?"
"E aí essas pessoas eram convidadas a
participar de uma reunião e convidar as
demais pra participar das reuniões pra
mobilização, pra fazer a ocupação."
"Todo ano a escola faz um momento
que eles dão o nome de “A noite no
acampamento”, aonde a gente mobiliza
a comunidade pra resgatar esse
histórico da luta pela terra aqui, na área
Diamante Negro Jutaih..."
Marcos
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Luciana
"...procurou as pessoas pra
reunir, pra conversar, saber se as
pessoas precisavam, tavam
precisando de terra pra morar,
pra trabalhar. "
"Primeiro eles iam nas casas,
conversavam com as pessoas,
convocavam reunião, né? Lá tinha
uma creche e então eles
convocaram as pessoas pra fazer
as reuniões na creche, lá. E aí lá a
gente se reunia e ia discutir."
"Aí as pessoas se reuniram,
fizeram várias reunião, aí fizeram
as assembleias..."
Patrício "Eles fazendo reunião,
começaram em abril, em março."
"...pra mobilizar as pessoas e saber das
pessoas se eles tinham interesse de ter
um pedaço de chão..."
Suzana
"Na época eu era muito pequena
ainda, né, mas fizeram reuniões...
‘que eles fazem reuniões nas
periferias das cidades pra
organizar o povo."
"A gente sempre gosta de ouvir os
mais velhos e quando tá assim um
grupo reunido..."
Moisés
"E aí a gente faz uma assembleia, né, pra
poder conjunturar todo mundo qual é o
objetivo da mobilização.
Então a gente também aproveita a
próprias atividades... a celebração pra
dá aviso – ‘Oia, vai ter mobilização dia
tal, tamo convidando todo mundo’, né?
E utilizamo também a rádio pra
convocar, pra convidar as outras
comunidades pra fazer parte da
mobilização."
"...foi quando uma mobilização que a
gente foi pra cidade de Vitória
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reivindicar escola pras nossas crianças e
agente teve um confronto com a polícia,
né?"
FONTE: Produção do autor (2014)
Nas falas dos entrevistados encontramos dois sinônimos para “mobilização”: 1) o
ato de convidar, de convocar pessoas para uma causa específica; 2) o próprio ato
reivindicatório em si, como no trecho: “[...] foi quando uma mobilização que a gente
foi pra cidade de Vitória reivindicar escola pras nossas crianças” (Moisés). Contudo,
confirmando o pensamento de Toro e Werneck (2004), o primeiro sinônimo é
majoritário nas falas, e corresponde à forma do MST reunir e organizar seus possíveis
militantes. Ao promover um ato público de reivindicação ou uma deliberação sobre um
tema importante, as lideranças da Vila Diamante avisam nas reuniões dos coletivos,
sindicatos e cooperativas, bem como durante as celebrações religiosas nas igrejas da
comunidade. Para assegurar que todos ou a maioria participem, as lideranças ainda
convidam de porta em porta, e avisam na rádio na comunitária. Durante a pesquisa,
nenhuma resposta citou o uso de celulares e internet como meios para mobilizar os
moradores.
Cada uma das palavras recorrentes escolhidas para a análise estão alinhavadas
pela clareza pedagógica do MST sobre uma educação não-linear de seus membros.
Mobilizam-se sujeitos de forma oral presencial porque acreditam que esta forma de
comunicação transmite credibilidade; elencam-se as necessidades em comum que os
sujeitos têm e se constrói uma teia de subjetividade em torno delas por meio da
recordação heroica e mística do passado, aprofundando a consciência de classe, a
identidade coletiva; e preserva-se o senso de participação social democrática
(MILIBAND, 1983) em espaços formais e informais – tudo isso para assegurar a
continuidade do que chamam luta.
“Luta” é a palavra mais recorrente nas 7 entrevistas colhidas, mencionada 19
vezes. No cenário político brasileiro, o simples ato de utilizar o termo “luta” como
sinônimo de reivindicações por causas sociais denuncia a formação da qual procede o
enunciador. Em todas as 19 vezes em que foi mencionada, a palavra “luta” era
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sinônimo de reivindicação. Ela designa todo o processo que envolve a busca por
direitos, desde as mobilizações e até os atos públicos, como as marchas e os protestos.
Nas falas, a “luta” é tratada como uma urgência permanente do assentamento. Ela
está no passado mitológico, mas o presente também deve mantê-la e alimentar o
desejo de continuá-la no futuro.
5. Conclusão
No assentamento Vila Diamante, a luta é condição da comunidade. Mas, para
mobilizar os sujeitos para esta mesma luta, não basta realizar convites esporádicos. Na
visão dos entrevistados, é necessário relembrar o passado glorioso para que as
experiências se tornem referências de hábitos a serem preservados (DELGADO, 2006);
é necessário convocar a comunidade para reuniões e assembleias, onde o presente
será discutido por todos em regime democrático, a fim de que todos se sintam
participantes do futuro (DALLARI, 2002); é necessário relembrar nas escolas o que fez
o MST; repetir a importância da luta pela terra nos encontros informais, nos pequenos
grupos sociais e nas famílias. Em suma, mobilizar os sujeitos para a luta é produzir um
processo de educação e formação de identidade eminentemente oral.
E por que eminentemente oral? Porque, diriam Toro e Werneck, esse processo
de educação só consegue ser eficaz, como no caso do MST, por meio da instituição de
uma cultura, como a cultura da Coletividade Sem Terra, da qual fala Caldart. E culturas,
como fruto e expressão dos valores ideológicos e dos discursos, só podem se instituir
dentro de comunidades, aqui entendidas como povo organizado socialmente em um
espaço geográfico específico com uma identidade específica (BAUMAN, 2003). Em
comunidades como a Vila Diamante, a cultura se expressa nos costumes (o conversar
nas calçadas e à beira do campo de futebol); nas expressões folclóricas (a Noite no
Acampamento e as festas de aniversário do Assentamento e de São João); na
organização social (em sindicatos, coletivos, cooperativas, igrejas e famílias) e na
produção de conhecimento (passado de pais para filhos por meio do diálogo) – todos
feitos, na Vila Diamante, principalmente por meio da oralidade que, segundo a
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entrevistada Suzana, transmite mais credibilidade. Bauman dirá que é impossível
chamar de comunidade qualquer organização social sem uma história duradoura de
biografias partilhadas e uma expectativa de interação frequente e intensa.
O enraizamento cultural é cuidado, especialmente, pelas professoras e demais
lideranças do assentamento, que promovem a coesão social ao recordar o correto e o
justo por meio do projeto educacional não-linear do MST que compreende a educação
formal (escolas) e informal (o aprendizado doméstico, as festas e atos públicos). O fato
de parte dos momentos de educação informal, como a Noite no Acampamento,
acontecer em um contexto de reconstituição mitológica, auxilia na fixação mnemônica
dos sujeitos tanto quanto as narrativas fantásticas das antigas tradições orais.
É válido ainda ressaltar que a predominância da oralidade na mobilização social
da Vila Diamante não exclui outras formas de comunicação, embora estas outras
formas estejam vinculadas à oralidade ancestral, como é o caso do uso de aparelhos
telefônicos e da rádio comunitária. Também a utilização de computadores, segundo as
lideranças, não é significativa porque poucos moradores possuem tal equipamento.
Contudo, o acesso rotineiro à internet realizado pelos jovens por meio dos celulares
pode significar um princípio de mudança no equilíbrio das diferentes formas de
comunicação da Vila.
Por fim, fica clara a efetividade da linguagem oral interpessoal para a
mobilização social, não de forma arbitrária, mas como meio eficaz de comunicação em
um processo holístico de educação e de construção da identidade coletiva para esta
mesma mobilização. Dizemos holístico porque leva em conta a educação formal e a
informal como processo permanente, inclusive usando de elementos ligados à
espiritualidade.
Não desejamos, com isso, afirmar que a oralidade tenha qualquer prerrogativa
sobre outras formas de comunicação. O intuito foi apenas o de demonstrar que, como
afirmam Briggs e Burke, as formas antigas e novas de comunicação sempre conviveram
entre si, encontrando o papel social de cada uma em cada momento histórico. Desta
forma, em nosso tempo tomado pelo frisson das comunicações midiática e
midiatizada, igualmente utilizadas como meio para mobilização das consciências, este
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trabalho vem demonstrar que as formas de comunicação mais tradicionais podem e
devem ser levadas em conta nos processos sociais, em especial para a mobilização das
pessoas pela garantia de seus direitos.
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