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1928 PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará RESUMO Estudo etnográfico do cotidiano e das memórias de indivíduos e grupos sociais urbanos acerca dos usos dos espaços e formas arquitetônicas e urbanas, musealizadas ou não, delimitadas pelo Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, Museu do Forte do Presépio e o “Largo da Sé” na cidade de Belém, estado do Pará. A categoria paisagem museológica se constitui pelos discursos de preservação patrimonial, e é continuamente reinterpretada pela memória individual e coletiva do espaço-lugar. A noção de "paisagem vernacular" propõe uma reflexão sobre as "paisagens urbanas pós-modernas" no intuito de observar as transformações espaciais, em que a pós-modernidade relaciona-se à dinâmica de consumo visual do espaço, do tempo e o tema do patrimônio. A pesquisa foi ancorada na “etnografia do entremeio”, ou seja, realizada na rua/praça e nos museus. PALAVRAS-CHAVE espaço urbano e social; memórias Individuais e coletivas; patrimônio histórico musealizado; Espaço Cultural Casa das Onze Janelas; Museu do Forte do Presépio. ABSTRACT Ethnographic study of daily life and the memories of individuals and social groups about the uses of urban space and architectural and urban forms, musealizeds or not, bounded by “Espaço Cultural Casa das Onze Janelas”, Museum of the Fort of the crib and the "Largo da Sé” of Belém, state of Pará. The museological landscape category is constituted by heritage preservation speeches, and is continually reinterpreted by individual and collective memory of space and place. The notion of "vernacular" landscape, proposes a reflection on the "post-modern" urban landscapes in order to observe spatial transformations, in which the post-modernity relates the dynamics of visual consumption of space and time and heritage. The research was anchored in "Ethnography of the inset", held in the street/square and in museums. KEYWORDS urban and social space; individual and collective memory; musealized heritage; Espaço Cultural Casa das Onze Janelas; Museum of “Forte do Presépio”.

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1928 PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O

PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro

PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA)

Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará RESUMO Estudo etnográfico do cotidiano e das memórias de indivíduos e grupos sociais urbanos acerca dos usos dos espaços e formas arquitetônicas e urbanas, musealizadas ou não, delimitadas pelo Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, Museu do Forte do Presépio e o “Largo da Sé” na cidade de Belém, estado do Pará. A categoria paisagem museológica se constitui pelos discursos de preservação patrimonial, e é continuamente reinterpretada pela memória individual e coletiva do espaço-lugar. A noção de "paisagem vernacular" propõe uma reflexão sobre as "paisagens urbanas pós-modernas" no intuito de observar as transformações espaciais, em que a pós-modernidade relaciona-se à dinâmica de consumo visual do espaço, do tempo e o tema do patrimônio. A pesquisa foi ancorada na “etnografia do entremeio”, ou seja, realizada na rua/praça e nos museus. PALAVRAS-CHAVE

espaço urbano e social; memórias Individuais e coletivas; patrimônio histórico musealizado; Espaço Cultural Casa das Onze Janelas; Museu do Forte do Presépio. ABSTRACT Ethnographic study of daily life and the memories of individuals and social groups about the uses of urban space and architectural and urban forms, musealizeds or not, bounded by “Espaço Cultural Casa das Onze Janelas”, Museum of the Fort of the crib and the "Largo da Sé” of Belém, state of Pará. The museological landscape category is constituted by heritage preservation speeches, and is continually reinterpreted by individual and collective memory of space and place. The notion of "vernacular" landscape, proposes a reflection on the "post-modern" urban landscapes in order to observe spatial transformations, in which the post-modernity relates the dynamics of visual consumption of space and time and heritage. The research was anchored in "Ethnography of the inset", held in the street/square and in museums. KEYWORDS

urban and social space; individual and collective memory; musealized heritage; Espaço Cultural Casa das Onze Janelas; Museum of “Forte do Presépio”.

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1929 PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro

Introdução

Pretendo apresentar sucintamente algumas reflexões sobre o tema “patrimônios e

cidades numa sociedade pós-moderna”, a partir de um recorte da minha pesquisa de

tese (BRITTO, 2014), que se referiu ao debate teórico-conceitual que embasou o

estudo da relação dos grupos sociais urbanos com o patrimônio histórico tombado e

musealizado no espaço da rua, do bairro de Nazaré, em Belém (PA). O objetivo geral

da tese consistiu em compreender as práticas sociais e culturais que configuram e

reconfiguram os sentidos e significados atribuídos aos espaços da vida cotidiana e os

transformam em “lugares praticados” (CERTEAU, 2008).

O que apresentarei é uma continuação desta pesquisa, realizado em outro

espaço-território urbano de Belém, no bairro da Cidade Velha. Esta pesquisa está

sendo realizada no âmbito do projeto de estudos interdisciplinar realizado pelo Curso

de Museologia da Faculdade de Artes de Artes Visuais da Universidade Federal do

Pará (FAV/UFPA), intitulado “Museus e Patrimônios: Musealização no Centro

Histórico de Belém do Pará”. O objetivo geral do meu recorte de estudos visa articular

uma geografia poética do espaço, a partir da geografia do sentido literal dos indivíduos

e grupos sociais urbanos, através dos relatos de memórias sobre os seus lugares de

significados e sentidos cotidianos nos espaços da rua e do bairro, nas múltiplas e

heterogêneas áreas de moradias, comércios, serviços e de lazer, que integram as

diversas redes de consumo cultural no entorno do “Largo da Sé”.

Considero, neste estudo, um determinado espaço-território apresentado na imagem

aérea, composto pelo “Largo da Sé” - as ruas, e os prédios históricos musealizados -

demarcado por suas marcas sociais e culturais, descritas por seus agregados sociais,

suas organizações sociais e culturais, bem como pelos contrastes do patrimônio como

gênero discursivo ou, ainda, entre os discursos do cotidiano (da rua, da praça, do

bairro, dentre outros), em contraponto aos discursos do monumental (museus).

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1930 PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro

Núcleo Cultural Feliz Lusitânia: “Largo da Sé” ao centro e à esquerda, Museu do Forte e, à direita, em primeiro plano,

Espaço Cultural “Casa das Onze Janelas” Foto: João Ramid, 2009

O marco visual da paisagem urbana é o “Largo da Sé”, que é tombado pelo Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), desde 1964 como Conjunto

Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico, local que a partir de 1995 foi iniciado pelo

Governo do Estado do Pará, o “Projeto Feliz Lusitânia”, dedicado a restauração e

adaptação dos prédios históricos tombados pelo IPHAN em museus, criando assim, o

Núcleo Cultural Feliz Lusitânia. Os loci da pesquisa localizam-se no entorno do “Largo

da Sé”, a partir do qual tracei um raio de observação e de interação que delineia os

cenários da pesquisa. O objetivo geral da pesquisa consiste em compreender as

práticas sociais e culturais que configuram e reconfiguram os sentidos e significados

atribuídos aos espaços de vida cotidiana e os transformam em “lugares praticados”.

Nesta comunicação apresentarei a metodologia de pesquisa aplicada e dois relatos,

de uma trabalhadora de rua, que exerce o ofício de vendedora de água de coco e um

relato de um professor-visitante do núcleo. Nas considerações finais, relaciono estas

narrativas iniciais coletadas no campo a outras narrativas sobre o patrimônio

musealizado nos bairros da Cidade Velha, Nazaré, Marco e São Brás.

Etnografia do entremeio para constituição das paisagens

Ao caminhar pelo meio urbano, nas ruas da cidade, o corpo assume a dimensão da

escala, ou seja, é o elemento de relação de medida entre o humano e as fachadas das

casas, os edifícios, as árvores, os letreiros, as cores, as texturas e uma infinidade de

elementos que, organizados entre si, definem a forma e divulgam a imagem urbana.

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Outra dimensão da escala se dá entre os elementos que constituem a própria

morfologia urbana, ou seja, a cidade percebida na unidade mínima da rua, em escala

setorial, em contraponto às dimensões do urbano ou a escala do bairro; e a dimensão

territorial ou a escala urbana (LAMAS, 1993). No ato de caminhar essas escalas se

apresentam contínuas e descontínuas, mas sempre em relação mútua.

Segundo Jo Takahashi (2003, p. 147–164), faz-se necessário abranger uma visão em

perspectiva do corpo, para situar a sua locação e dimensão pessoal no cenário

urbano. A primeira relação do homem com o seu corpo é a pele, que representa a

fronteira física entre o corpo e a dimensão espacial do entorno. A segunda fronteira é

a roupa que veste o corpo ou a segunda pele, geralmente uma indumentária

composta pela sua gramática e estilo pessoais. Dessa extensão do corpo aparecem

as conformações que transcendem a semântica da dimensão pessoal, a tessitura dos

espaços, a organização ambiental da cidade e o desenho da paisagem urbana:

“Essas camadas sobre camadas constituem a perspectiva por meio da qual podemos

visualizar a relação do corpo com a cidade” (TAKAHASHI, 2003, p. 147). A

perspectiva do corpo para refletir sobre a cidade também passa a ser considerada

pelos urbanistas, a partir dos anos 80 do século XX.

A etnografia foi ancorada nos estudos sobre as “práticas do espaço” e nas invenções

do cotidiano, segundo o historiador Michel de Certeau (2008), que orienta: um dos

modos de conhecer a cidade é caminhando nela. O caminhar é uma experiência

antropológica e poética de espaço. No ato do caminhar se constrói uma retórica do

andar (CERTEAU, 1994, p. 21–31). Essa retórica combina os usos e os estilos dos

caminhantes, em que o estilo e as escolhas dos percursos ou dos itinerários nas ruas

do bairro estão relacionados a uma maneira de ser e estar do indivíduo/grupo no meio

urbano, constituindo vozes polifônicas que enunciam diferentes maneiras de conceber

e vivenciar o cotidiano ou as nomeadas “enunciações pedestres” (CERTEAU, 1994, p.

177) no e do mundo urbano, que permitem transformar os espaços em “lugares

praticados” (CERTAU, 2008, p. 202) pela experiência humana.

Outros autores foram significativos no processo de constituição dos aportes

empírico-conceitual da pesquisa. O geógrafo Yi-Fu Tuan (1980; 1983), com ênfase na

“topofilia”, que se refere aos estudos do espaço e do lugar, na relação deste com as

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experiências humanas no ambiente. Outro autor, que me permitiu adentrar por uma

“poética do espaço”, versa sobre a abordagem do filósofo Gaston Bachelard (1988;

2008; 2010), sobre o tema da duração do ritmo do tempo e do espaço pela perspectiva

da “ritmanálise” e “topoanálise”, respectivamente, relacionado à dialética de duração e

do espaço.

Aventurei-me pelos caminhos delineados na perspectiva da “antropologia na cidade”

(incluindo-se a pesquisa nos museus como parte da pesquisa de campo), do espaço

intersticial do bairro, seguindo os ensinamentos das antropólogas Ana Luiza Carvalho

da Rocha e Cornelia Eckert (2005; 2013b), em especial sobre a “etnografia de rua”

(Rocha; Eckert, 2003a, p. 102), que equivale a uma experiência e prática etnográficas

que têm o intuito de conhecer a cidade “como locus de interações sociais e trajetórias

singulares de grupos e/ou indivíduos, cujas rotinas estão referidas a uma tradição

cultural que as transcende”, bem como a “observação flutuante” (observation flottante)

que, segundo Colette Pétonnet (1982, p. 37–47), consiste em “não mobilizar a

atenção para um objeto específico, mas a deixar flutuar, a fim de que as informações

penetrem sem filtro, sem a priori, até os pontos de referência, das convergências,

aparecem e em seguida chegam para descobrir as regras subjacentes”.

Sharon Zukin propõe uma reflexão sobre as “paisagens urbanas pós-modernas”

(ZUKIN, 2000, p. 81) como uma categoria importante para a compreensão das

transformações espaciais, em que a pós-modernidade se relaciona à dinâmica de

consumo visual do espaço e do tempo. Em outros termos, as paisagens urbanas

pós-modernas são “um processo social de dissolução e rediferenciação, [funciona]

como uma metáfora cultural da experiência” (ZUKIN, 2000, p. 81). A autora cria duas

categorias de paisagens urbanas latentes. A paisagem vernacular, daqueles sem

poder, que se identificam com os trabalhadores de rua dos cenários da pesquisa no

bairro de Nazaré. O termo vernacular é uma expressão aplicada pela arquitetura como

a capacidade de se ajustar às circunstâncias (ZUKIN, 2000, p. 84), aos fatores

externos, fora do controle da arquitetura de cunho popular. Outro termo é a “paisagem

de poder” (ZUKIN, 2000, p.106), que são demarcações físicas onde o poder se

distribui, separando e estratificando atividades e grupos sociais.

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1933 PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro

Para a interpretação da relação entre os discursos do cotidiano e do monumental,

proponho aplicar a expressão “paisagem vernacular”, como exposto por Zukin (2000),

associada à noção de “tática”, conforme atribuído por Michel de Certeau (2008), como

uma atribuição de sentidos relacionada a “um cálculo que não pode contar com um

próprio, nem, portanto, com uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível”

(CERTEAU, 2008, p. 46). A tática depende do tempo, pois necessita jogar

constantemente com os acontecimentos para transformá-los em ocasiões. Outro tópico

destacado no consumo ou uso dessas práticas cotidianas é o fato de que as táticas se

produzem sem capitalizar, ou seja, sem dominar o tempo.

A outra expressão criada por Zukin (2000) – a “paisagem de poder” – não foi

empregada diretamente nas interpretações da pesquisa, pois considero que o poder

atua como uma microfísica (FOUCAULT, 1979). O poder não se consolida como um

reservatório, mas se espraia em todas as direções. Neste sentido, empreguei o termo

“paisagem museológica”, em contraponto à “paisagem vernacular”. Esta paisagem

museológica está sedimentada em uma longa tradição ocidental de representação

dos museus tradicionais, mas que vem se modificando desde a década de 1980,

aproximadamente, a exemplo das perspectivas de museu integral – ou integrado à

comunidade – ou, ainda, como aponta Scheiner (2012), a representação do fenômeno

Museu vem se constituindo, cada vez mais, nas relações com o espaço, o tempo e a

memória, e como forma de agir diretamente junto a determinados grupos sociais e

indivíduos.

Também associo a expressão paisagem museológica ao termo “estratégia”. Segundo

Certeau (2008), a estratégia visa postular um lugar capaz de ser circunscrito como um

próprio, ou seja, um conjunto de práticas que está relacionado ao poder especializado.

Portanto, a estratégia é “capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com

uma exterioridade distinta” (CERTEAU, 2008, p.46), como no caso da relação dos

museus do “Largo da Sé” com o seu entorno.

Da paisagem museológica às gramáticas nativas sobre o “lugar de memória”

A Praça Frei Caetano Brandão é chamada por seus usuários urbanos como “Largo da

Sé”, no centro da forma circular, encontra-se o monumento ao Frei Caetano Brandão,

em um de seus pontos situa-se a Catedral de Belém ou Igreja da Sé, edificação

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relgiosa que dá o nome popular ao logradouro público. A configuração formal da

volumetria da praça tem como o eixo central o círculo, como ponto de que se

desdobram as camadas de vegetação do paisagismo e os caminhos de circulação

que conduzem ao marco central da praça que é o monumento ao Frei Caetano

Brandão (BRITTO, 2009). Em março de 1899, por meio de resolução, o intendente

(terminologia emprega a função de prefeito) Antonio Lemos nomeou o Largo da Sé de

Praça Frei Caetano Brandão, em homenagem ao frei que foi nomeado bispo do Pará

em 1772. Este monumento foi assinado pelo artista italiano Domenico De Angelis e

teve a modelação da estátua feita pelo escultor Enrico Quattrini. É uma escultura rica

em detalhes e de rara beleza formal. Em 15 de agosto de 1900, data comemorativa da

Adesão do Pará à Independência do Brasil, o monumento foi inaugurado por Lemos

(GODINHO, 1987; SARGES, 2002).

Na praça após a implantação do Núcleo Cultural Feliz Lusitânia realizada no século

XX, em duas etapas, a primeira em 1998(Museu de Arte Sacra) e a segunda, no ano

de 2000 (Espaço Cultural e Museu do Forte). Aos pouscos se instalaram alguns

vendedores de rua na praça. O primeiro deles era o Sr.Abaeté, já falecido, que era

assim conhecido por ser originário do município de Abaetetuba, a sua barraca foi

instalada informalmente, inicialmente ficava na praça situada a frente do Museu de

Arte Sacra. Atualmente, a ex-barraca de Abaeté foi vendida ao Sr. Lili, e situa-se na

praça localizada em frente a fachada principal do Espaço Cultural “Casa das Onze

Janelas”. Depois, outros trabalhadores de rua vieram a se instalar no local, mas com o

ordenamento deles realizado pela Secretaria de Economia do Muncípio (SECON).

Hoje, em 2015 após a restauração da catedral e outras edificações históricas que

foram musealizadas, gerou no local outros usos do espaço urbano, voltado para

diversos fins: moradia, lazer, comércio, serviços, ensino – aprendizagem das Artes

Visuais modernas e contemporâneas, sacra, artefatos arqueológicos e etnográficos,

dentre outros. Há também, a paisagem urbana, como um grande artefato que

presentifica as várias camadas de tempo: dos indios Tupinambas, dos portugueses

colonizadores, do século XVII, período da fundação da cidade, em 12 janeiro de 1616.

Outras intervenções de naturezas diferenciadas até os dias atuais. Cabe ressaltar,

que outrora as edificações históricas e os espaços de ruas e de observação da orla do

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rio não eram de acesso público, pois eram áreas do Exército Brasileiro e da

Arquidiosece, resectivamente funciona um quartel de guarda de suprimentos,

residência do arcebispo de Belém e outras funcões liturgicas.

As duas imagens expostas no texto enunciam um pouco das práticas de

sociabilidades vivenciadas cotidianamente naquele local. Em especial, o espaço

urbano compreendido entre o Espaço Cultural (acervo de Artes Visusis

contemporâneo de artistas regionais e nacionais) e o Forte do Presépio (arqueológico

e etnográfico). Observa-se que sistema de inscrição e de transmissão da informação

dos dados empíricos analisados teve como ponto de enfeixamento o

“monumento/documento”, como termos integrados, conforme nomeado por Jacques

Le Goff (2003, p. 525-541). Le Goff refere-se aos documentos da história

contemporânea (as palavras, os gestos, a arquitetura, a paisagem, dentre outros), que

ao serem interpretados criticamente pelo historiador, transformam-se ou não em

monumentos, no sentido da aferição de valores e da verticalização de sentidos

atribuídas ao documento, destacando sua monumentalidade de acordo com o valor

aferido pela arquitetura, como importância advinda da materialidade do suporte. O

termo monumento/documento foi concebido em duplo sentido e intercruzado; o

monumento arquitetônico ressignificado à condição de documento como texto e

imagem passa a ser monumento-documento, ou seja, o patrimônio histórico

musealizado com suas polifônicas atribuíções de valores, sentidos e significados

individualizados ou na forma de coletividade.

A arquitetura do Forte do Presépio e entorno como monumento-documento, foi

ampliada à condição de patrimônio cultural brasileiro a partir da constituição dos

textos/discursos aferidos pelos agentes públicos de preservação do patrimônio. Nesta

política de memória, destacam-se dois atos de preservação: o “tombamento” e a

“musealização” do bem patrimonial. Assim, o “lugar de memória” (NORA, 1993) como

monumento-documento foi constituído pelos discursos do espaço museológico e sua

contrapartida, os textos, expressos no conjunto da paisagem urbana.Os “lugares da

memória” (NORA, 1993) representam a memória transportada pela história; é uma

operação intelectual que a torna inteligível. Estes são locais de culto e de uso e o

elemento mediador são os objetos culturais que o próprio homem constrói. As ações

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de preservação equivalem a um contínuo processo de seleção de objetos culturais

representativos da realidade e de interpretação destes, aferindo-lhes valores, não

sendo estas ações ingênuas e sem uma intenção pré-determinada.

“Barraquinha da Loira” (de vermelho); ao lado, outro vendedor; ao fundo a Catedral da Sé.

Fotografia: Rosangela Britto, mai. 2015

Grupos sociais ubanos que apreciam a paisagem, namoraram, dentre outras atividades. Ao fundo, a fachada posterior da “Casa das Onze Janelas”.

Fotografia: Rosangela Britto, mai. 2015

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Kátia, vendora de água de coco, mais conhecida pelos habitués do local, como

proprietária da “barraquinha da loira”. Ela trabalha há 14 anos no mesmo ponto

localizado na praça, voltada para frente da Catedral, a “barraquinha” foi pocisionada

com sua fachada oposta ao Portal do Museu do Forte. Kátia, minha interlocutora de

estatura mediana, quase meia idade, geralmente, vesti-se para trabalhar, trajando

uma calça jeans e malha colada ao seu corpo bem trabalhado fisicamente, calçando

uma sandália, de salto alto e fino. Ela mantem os seus cabelos loiros, preso por um

prendedor de cabelo colorido. O seus gestos corporais com os braços e mãos são

firmes e precisos ao usar habilmente o facão para o corte do coco ora sobre o cêpo ou

sobre a base do isopor. Ela mantem-se em pé, próximo a um banco alto de madeira,

durante a maior parte do seu dia de trabalho. Assim como, porta frequentemente um

celular às mãos, que o utiliza paar ouvir música e assistir suas novelas e programas.

Kátia é muito conhecida pelos guias de turismo, afirmo isto porque durante a

observaçãoparticipante, presenciei as interações dos guias turistícos com Kátia. Estes

ao chegarem com seus grupos, a saúdam festivamente, e após visitarem o Jardim

Feliz Lusitânia e os museus, eles trazem os turistas para consumirem, a “água de

coco geladinha” simpaticamnte servida por Kátia, em sua “barraquinha”.

Conversamos sobre o seu cotidiano de trabalho, ela comentou sobre o seu dia-a-dia

na praça. Normalmente, ela chega cedo à Praça, às 9 horas e permanece até às 19

horas, raramente fica no horário noturno, somente quando ocorrem alguns eventos na

Igreja da Sé e na Igreja de Santo Alexandre que integra o Museu de Arte Sacra, como

casamentos e missas. Explanou sobre os espaços-terrtórios de cada barraqueiro,

apontando para o “grupo de lá”, os vendedores que ficam em sentido paralelo a “Casa

das Onze Janelas”, dizendo que eles chegam mais tarde e ficam no turno da noite, até

2 horas da madrugada, oferecendo outros serviços, como o de vender diversos

lanches.

Sobre a passagem do tempo no local e as atividades que ocorrem no seu cotidiano de

trabalho na praça, exclama em voz alta, lançando um longo suspiro: “Tudo aqui tem o

seu tempo! Tempos bons e ruins! Os bons, eu tenho boas vendas do coco, como nos

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dias ensolarados, do mês do Círio e em julho. Outros ruins... período das chuvas

intensas, que num dia, só vendo cinco cocos”.

Kátia me narrou, dia 22 de maio de 2015, as suas apreciações sobre a relação das

pessoas como o espaço urbano da praça e suas edificações históricas:

Sabe, alguns grupos ao chegarem ao espaço da praça e sentarem na minha barraquinha, eles já visitaram o Museu de Arte Sacra e o Forte. Mas, eles não sabem o que tem aí na “Casa”. Eles pensam que só tem um restaurante, que não tem exposição. Aí eu explico, o nome do lugar pela contagem das janelas... risos.

De fato, na pesquisa de campo realizada durante dois meses, ainda muito preliminar as

minhas considerações, os grupos de estudantes com um professor e os grupos de

turistas coms seus guias, geralmente estacionam os ônibus em frente a Igreja de Santo

Alexandre, quando eles tem este tipo de veículo. O roteiro de visitação ao local que é

adotado pelas pessoas, com frequência, seguem inicialmente ao Museu do Forte do

Presépio, depois para Catedral e ao final da visitação, ao Museu de Arte Sacra.

Os grupos de estudantes, especialmente do ensino básico e agendados por suas

Escolas ou estudantes universitários, chegam às vezes de ônibus, e ao chegarem no

local, seguem em grupos, diretamente para visitarem as mostras de Artes Visuais

realizadas na “Casa”. Os casais e grupos menores, que parecem serem frquentadores

do local, situam-se no espaço-território, no intuito de apreciarem a paisagem; eles

escolhem os bancos situados na fachada posterior da “Casa” de frente para rio, pois

estes localizam-se em áres sombreadas por duas árvores. Outro local de escolha dos

grupos menores, e dos visitantes solitários localiza-se na entrada do “Forte”, situado num

extenso banco de concreto. Em termos gerais, o que causa um maior impacto nestes

visitantes, seja dos grupos de estudantes, casais e pessoas sozinhas, é o encantamento

com a paisagem urbana do local, ou seja, num primeiro instante a vista para o rio em

contraste com a arquitetura histórica das edificações e o paisagísmo do jardim.

Objetivando esmiuçar as interações sociais e culturais dos grupos no espaço urbano

musealizado e da praça, apresentarei outro interlocutor da pesquisa. Ele é um

docente, que orientava um grupo de 25 estudantes universitáriso de história, no dia 22

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1939 PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro

de maio, percurso que ocorreu entre às 14 horas até 16 horas e 30 minutos, durante

duas horas e meia para realização de sua aula expositiva no Museu do Forte.

Às 14 horas, bem demarcada pelas badaladas dos sinos advindas dos sons que

emanavam das torres da Catedral, bem demarcou a minha chegada ao local de

pesquisa, no dia 22 de maio. Imediatamente, lancei um olhar detalhado aos sete

vendedores de água de coco, que estavam em suas barraquinhas e com quem estes

interagiam neste momento da minha chegada ao local de observação participante.

Direcionei-me ao banco de concreto situado na entrada do Museu do Forte e lá me

sentei para sentir a ambiência do momento e as interações humanas com a paisagem

arquitetônica e os elementos da natureza. Deixei-me levar pela naarrativa de um

rapaz que falava a um grupo de estudantes atentos a oratória do mestre. Os

estudantes estavam sentados no mesmo banco que eu, assim o rapaz enunciou ao

grupo e gesticulando bastante com os braços, disse em voz alta: “Percebam a

paisagem como cultura material, sua estratigrafia de ocupação humana!”.

Depois, ele explanos algusn tópicos teóricos e interpretatvos de etextos debatidso em

sala de aula, apontou paar os elementos presentes no local no intuito de contribuir

coms seu argumentos históricos sobre a interprtataçaõ das camadas temporais

presenticadas naquele lugar, que eles se encontaravam. Fez uma síntese sobre o que,

ainad iriam ver/olhar na visita e encaminhou o grupo para visitarem a mostra

permanente do Museu do Forte. Adentrou com o grupo na mostra permanente, e

continuou a sua orientação à exposição, composta por artefatos líticos, cerâmica

Marajoara, Tapajônica e Cabloca.

O interlocutor deste fato registrado na observação participante era Victor Martins,

mestre em História Social da Amazônia, doutorando e professor de história da

Universidade Estadual do Pará (UEPA), que ministra as suas aulas na capital e no

interior do estado do Pará. As disciplinas que ele ministra são: Arqueologia e História

Indígena para discentes de História e a disciplina, História da Amazônia para os

estudantes de Pedagogia. Nos termos de Victor, “faz parte do programa das

disciplinas, sempre visitar os três museus: Museu do Encontro, de Arte e do estado”,

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1940 PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro

que são respectivamente, o Museu do Forte do Presépio, Museu de Arte de Belém e o

museu do estado do Pará, neste dia ele iria visitar apaenas dois museus.

Victor, ao ser inquerido sobre sua ação pedagógica da nomeada por mim, como

“aula-visita”, ele me fala sobre o significadso e sentido daquele lugar:

Esse espaço precisar ser encarado como cultura material, não somente como patrimônio histórico como um valor que agrega sentimentos e representações culturais, não é só isso. [...]. É além disso [...]. Eu procuro despertar e sensibilizar eles a observarem a paisagem, como objeto de estudo deles e recurso didático para os alunos deles [...].

A noção de cultura material exposta e praticada pelo Victor em sua “aula-visita” é

percebida como “a totalidade do mundo físico apropriado pelas sociedades humanas.

Estão incluídos não apenas o que o ser humano produz, na forma de artefatos, como

tudo o que ele transforma no decorre do tempo”, como explicitam Sandra Pelegrini e

Pedro Paulo Funari (2008). Assim como, a noção de patrimônio vai ao encontro aos

valores atribuídos por cada um de nós aos artefatos. Os programas das disciplinas

ministradas pelo docente transversalizam em seus programas o tema do patrimônio e

da cidade, que tem como elemento fundamental, as culturas materais do local: as

coleções expostas nas exposições, a arquitetura religiosa e de defesa visitada no

espaço, as atribuíções de sentidos do bairro para os moradores ou como representam

do núcleo fundador da cidade de Belém, na experienciação do grupo ao apreciarem a

paisagem urbana do lugar, incentivando-os a lançarem o olhar de questionamentos

acerca ads marcas e matrizes presenticadas no local.

O professor Victor ao conversar comigo, fez questão de registrar a sua dificuldade de

agendar a visita do seu grupo junto ao Sistema de Museus do estado, responsável

pelo Museu do Forte. Pois segundo Victor, ele buscou ligar diversas vezes ao número

de telefone divulgado no site do Governo, da Secretaria de Cultura e não conseguiu

ser atendido. Mas, que o problema foi superado quando ele foi bem recebido pelos

funcionários da recepção do Museu do Forte. Em contraponto, ele citou que no

agendamento da visita ao Museu de Arte de Belém, ele foi rapidamente atendido por

telefone. Assim, ele pode agendar a sua aula e escolher as obras de arte que gostaria

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1941 PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro

de serem contextualizadas e abordadas teoricamente e formalmente, durante a sua

visita com seus discentes às exposições permanentes do Museu Municipal de Arte,

que funciona no Palácio Antonio Lemos, em área próxima do Museu do Forte, que

Victor chama como “Museu do Encontro”, termo que expressa o título do tema da

mostra permanente, ou seja, o contato interétnico entre indíos e portugueses

interpretados pelos historiadores, após as efemeridades dos quinhentos anos de

“descobrimento” do Brasil.

Considerações finais

As reflexões apresentadas neste trabalho, sobre o tema “patrimônios e cidades”,

resultam de uma pesquisa etnográfica com enfoque na relação dos grupos sociais

urbanos com o patrimônio histórico musealizado em cidades da Região Norte do

Brasil, direcionando o olhar para as relações que se tecem entre os monumentos do

entorno do “Largo da Sé” sediado no bairro da Cidade Velha, na cidade de Belém. A

aproximação das narrativas acerca das “paisagens museológicas” e as “paisagens

vernaculares” vivenciadas pelos interlocutores no local de pesquisa, permite-me

afirmar sobre a polissemia de sentidos atribuídas a noção de patrimônio, e a reiterar a

importância do estudo etnográfico como contribuição para uma análise crítica sobre

“os patrimônios e as cidades”. Na abordagem sobre a noção nativa de museu e de

patrimônio histórico musealizado ficou explícito que esta noção está relacionada a

uma atividade de lazer e de aprendizagem. Estas práticas de sociabilidade, ora é

realizada, em família ou em ações socioeducativas organizadas pelas instituições de

ensino básico, fundamental e superior, e socialmente estruturada como a noção de

habitus (BOURDIEU, 1996).

Associando esta pesquisa aos resultados de outros dados acerca dos estudos do

cotidiano, me permite explorar a ideia de consumo visual da paisagem urbana e do

patrimônio ambiental, como uma preferência dos interlocutores pesquisados. Estes

sujeitos da pesquisa preferem frequentar os espaços-territórios “tombados” e

“musealizado” situados nos bairros de Nazaré (Museu da UFPA), de São Brás (Museu

Emílio Goeldi- MPEG), no Marco (Bosque Rodrigues Alves). Nestes lugares, os

grupos sociais urbanos geralmente associam à ideia de museu, ao espaço aberto, de

Museu a céu aberto e de áreas verdes ou patrimônio ambiental. Estes elegeram como

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espaço preferencial de visita, o Parque do MPEG, depois “o Bosque”,

respectivamente como os “lugares dos bichos” e das “plantas” (BRITTO, 2014). É o

que acontece em relação às deambulações dos grupos no espaço urbano do “Largo

da Sé”, eles preferem ficar na praça, nas áreas do jardim, entre a “Casa das Onze

Janelas” e do “Forte”, do que entraram para visitarem as exposições de Arte, de

Arqueologia e História. Quando as visitas acontecem às dependências interna das

edificações históricas, geralmente, porque o grupo foi agendado para visitarem os

locais, com fins turístico e de aprendizagem escolar e universitária.

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1943 PAISAGENS MUSEOLÓGICAS E VERNACULARES DO “LARGO DA SÉ”: NOÇÕES NATIVAS SOBRE O PATRIMÔNIO MUSEALIZADO EM BELÉM (PA) Rosangela Marques de Britto / Universidade Federal do Pará Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro

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Rosangela Marques de Britto Doutora em Antropologia pela Universidade Federal do Pará (2014), mestre em Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Museu de Astronomia e Ciências Afins (2009). Arquiteta, Museóloga e Artista Plástica. Docente da Faculdade de Artes Visuais do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará, desde 1996. Membro da Associação Nacional de Artistas Plásticos (ANPAP) do Comitê de Patrimônio, Conservação e Restauro (CPRC).