paisagem e morfologia urbana na cidade de paritins

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PAISAGEM E MORFOLOGIA URBANA NA CIDADE DE PARINTINS: TECIDO URBANO OU COLCHA DE RETALHOS? Estevan Bartoli Professor da Universidade do Estado do Amazonas CESP [email protected] Tatiana da Rocha Barbosa Professora da Universidade do Estado do Amazonas CESP [email protected] Resumo O presente artigo pretende identificar elementos que compõem a paisagem urbana de Parintins (AM) na tentativa de caracterizá-los morfologicamente propondo tipologias a tais elementos. Nesse contexto, pretende-se relacionar as mudanças morfológicas do/no espaço urbano, a processos socioespaciais em voga como a invasão-sucessão e a periferização, constatando configurações espaciais que afetam práticas sociais no espaço, como a acessibilidade, mobilidade e legibilidade, além da intensificação da fragmentação do espaço urbano e formação da dispersão urbana. Averiguamos também a padronização urbanística dos loteamentos analisados que inferem numa homogeneidade e baixa legibilidade dos espaços. palavras-chave: paisagem, morfologia, invasão-sucessão, loteamentos Landscape and urban morphology in the city of Parintins: urban fabric or patchwork quilt? Abstract This article seeks to identify the elements that make up the urban landscape of Parintins, Amazonas State, Brazil in an attempt to characterize them morphologically by proposing types to such elements. In this context, we seek

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Page 1: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

PAISAGEM E MORFOLOGIA URBANA NA CIDADE DE

PARINTINS: TECIDO URBANO OU COLCHA DE

RETALHOS?

Estevan Bartoli

Professor da Universidade do Estado do Amazonas – CESP

[email protected]

Tatiana da Rocha Barbosa

Professora da Universidade do Estado do Amazonas – CESP

[email protected]

Resumo

O presente artigo pretende identificar elementos que compõem a paisagem

urbana de Parintins (AM) na tentativa de caracterizá-los morfologicamente

propondo tipologias a tais elementos. Nesse contexto, pretende-se relacionar

as mudanças morfológicas do/no espaço urbano, a processos socioespaciais

em voga como a invasão-sucessão e a periferização, constatando

configurações espaciais que afetam práticas sociais no espaço, como a

acessibilidade, mobilidade e legibilidade, além da intensificação da

fragmentação do espaço urbano e formação da dispersão urbana.

Averiguamos também a padronização urbanística dos loteamentos analisados

que inferem numa homogeneidade e baixa legibilidade dos espaços.

palavras-chave: paisagem, morfologia, invasão-sucessão, loteamentos

Landscape and urban morphology in the city of Parintins: urban fabric or

patchwork quilt?

Abstract

This article seeks to identify the elements that make up the urban landscape of

Parintins, Amazonas State, Brazil in an attempt to characterize them

morphologically by proposing types to such elements. In this context, we seek

Page 2: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

to relate the morphological changes in the urban space to socio-spatial

processes in vogue such as invasion-succession and peripherization, showing

spatial configurations that affect social practices in the space, such as

accessibility, mobility and legibility, as well as the intensification of the

fragmentation of the urban space and the formation of urban dispersion. We

also looked into the urban standardization of the estates analysed that interfere

in a homogeneity and low legibility of the spaces.

Keywords: Landscape, Morphology, Invasion-succession, estates

INTRODUÇÃO

As cidades como forma, criada por relações dialéticas entre práticas

sociais e a configuração do espaço, pode ser entendida como formadora de

territórios específicos, sendo portanto apreensíveis através da paisagem, que

aos nossos sentidos passa a indicar elementos que compõem a morfologia

urbana, e importantes para evidenciarmos a fragmentação urbana.

Portanto, o intuito do presente artigo é o de fornecer contribuição ao

estudo da morfologia urbana em cidades na Amazônia, no nosso caso o

município de Parintins e, para reflexões acerca das disjunções que ocorrem no

tecido urbano apresentaremos um quadro analítico para elencar aspectos da

morfologia. Nele, objetivamos identificar elementos e processos que

influenciaram a transformação da configuração morfológica recente

(apropriações seletivas, formação da malha e expansão do tecido urbano) que

corroboram para a fragmentação da cidade e alteração da paisagem, e

consequentemente sua apreensão e percepção pelos citadinos. Nos deteremos

a dois processos: a substituição de moradias em áreas de beira-rio, e a

formação de loteamentos recentes em expansão periférica, ambos

evidenciando alterações estruturais na morfologia urbana.

Para isso, propomos uma tipologia morfológica que nos evidencie

processos socioespaciais de suma importância no entendimento da dinâmica

atual de municípios, nos embasando em pesquisas realizadas no município de

Parintins visando comparações futuras.

Page 3: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

Enfatizaremos a generalização técnica que a cidade veio se apoiando

nas últimas décadas (ordenamentos urbanísticos), que expõem, através de

suas formas (malha urbana, traçado de ruas, estrutura e eixos principais de

crescimento e espaços públicos), a falta de critérios quanto à composição se

sítio de maior peso na cidade: o rio e seu relevo plano. Delinearemos uma

padronização e centralização de soluções urbanísticas e arquitetônicas, que

associados às ações de agentes produtores do espaço urbano são os

principais determinantes na configuração morfológica do município (VILLAÇA

2001, p12).

PAISAGEM, MORFOLOGIA E SÍTIO

Interpretada como o domínio do visível e analisada em diferentes

escalas, a paisagem é o que chega aos nossos sentidos, porém passível de

deformações cognitivas e seletivas a cada ser humano (SANTOS, 2008).

Composta de elementos naturais e artificiais, a paisagem é um conjunto de

objetos com idades diferentes, sobrepostos em momentos, explicitando

heranças de fases pretéritas.

Assim, a paisagem da cidade nos indica estruturas que compõem sua

morfologia, arranjos organizados de volumes e subparcelamentos que

expressam formas de acesso e propriedade, situados em um determinado

porte físico (LANDIM, 2004). Não olvidemos que esses indícios também são

determinados por condições culturais, onde no caso de Parintins as evidências

ocorrem em contínuos conjuntos de habitações vernaculares, típicos de

populações ribeirinhas.

A relação das populações ribeirinhas como os cursos d’água atrelada a

predominância do transporte fluvial, fez com que as margens dos rios, lagos e

igarapés, fossem ocupados por habitações muito antes de vilas e comunidades

evoluírem para assentamentos urbanos de maior porte. Outras formas de

ocupação beira-rio vieram se desenvolvendo em diversas fases que o

município atravessou, desde o período da extração da borracha, aos

subseqüentes ciclos da juta e influências advindas da formação da rede urbana

do Amazonas fortemente influenciada pelo Pólo Industrial de Manaus.

Page 4: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

A espontaneidade do crescimento de cidades ribeirinhas remete-nos à

reflexão de seu desenho de paisagem a algumas questões: a antiga e

diversificada ocupação das margens aliada ao crescimento das cidades para

as terras firmes podem acentuar a criação de uma cidade cada vez menos

visível e perceptível? Os referenciais da cidade (de orientação e/ou identidade),

conforme ocorre seu crescimento horizontal, são paulatinamente substituídos?

Teríamos formação de cidades “contra o rio”, em direção às terras firmes

desconectando e fragmentando o tecido existente? A desqualificação das

margens dos rios, ou sua apropriação seletiva podem afetar a experiência

urbana1, ou alterar as práticas relacionadas à micro-economicicade e à

socialidade? Essa práticas e sentimentos de identidade são afetados pela

morfologia? Essas e tantas outras inquietações são canalizadas para a

proposta-guia analítica presente e na tentativa da formação de um quadro

síntese a ser interpretado no último momento.

Os elementos morfológicos associados à noção de paisagem, no

sentido de nossos questionamentos, podem evidenciar o que nos aponta

Landim (2004), onde o crescimento periférico, as apropriações seletivas e o

predomínio da troca alteram a noção de totalidade pois

[...] isso acarreta um desequilíbrio e um desprendimento da realidade

e dos espaços urbanos. O cidadão deixa de reconhecer as paisagens

altamente padronizadas e, consequentemente perde a capacidade de

encontrar nelas vestígios e marcas da permanência de sua própria

existência e da produção cultural de seu grupo social (LANDIM, 2004

– P. 40).

Portanto, cidades desprovidas de elementos marcantes em sua

paisagem, estão destinadas a uma não caracterização e homogeneização de

suas formas, com perda de legibilidade2 e enfraquecimento do potencial elo

que a paisagem funcionaria em entre o cidadão e o espaço urbano (IBID, p.

52).

1 Por experiência urbana, compartilhamos a concepção de pertencimento a cidade, uma experiencia

corporal como defende Mongin (2009), multidimensional, multisensorial, mas circunscrita a uma

delimitação espacial, onde a “forma concebe possibilidades de rompimentos, numa dialética interminável

num sentido de libertação (MONGIN, 2009-p.60).” 2 Legibilidade é a “facilidade com a qual as partes [da cidade] podem ser reconhecidas e organizadas

numa estrutura coerente” - LYNCH, K. - 1960. A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70, pág. 13.

Page 5: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

Assim, é de suma importância identificarmos a disposição de

determinados elementos que sinalizam certos processos socioespaciais

mutantes e indutores de alterações da forma da cidade, considerando

possibilidades alternativas de uso, e as implicações da maneira como vem se

configurando o espaço urbano de Parintins, onde objetos carregados de

símbolos e/ou intencionalidades passam a substituir os marcos naturais

referencias que fazem parte da memória das populações.

QUANDO AS ELITES REDESCOBREM O RIO

Nosso enfoque inicial será na detecção de novas configurações

urbanas aliadas a processos socioespaciais, que possuem influência direta no

impacto gerado à qualidade de vida e acessibilidades na cidade de Parintins.

Podemos inferir, que os processos socioespaciais que alteram os padrões de

configuração urbana em cidades de grande porte, aparecem com menor

intensidade em cidades menores, mas indicadores de movimentações intra-

urbanas (de consumos do espaço) de grupos sociais com certas semelhanças.

Entre estas, o movimento das elites em novos eixos e áreas de valorização em

direção a periferias.

O argumento apontado por Villaça (1998 - p.153) na análise de

grandes cidades sobre o abandono do centro pelas elites, é a contínua ligação

destas com o centro (umbilical nas palavras do autor), onde as mesmas

necessitariam do seu acesso para manter determinado domínio de condições

(rendas fundiária e financeira) para sua reprodução como classe social. Outro

aspecto é que essa “fuga do centro” estaria ligada à formação de novos meios

de consumo do espaço e de espaços de consumo (condomínios e shoppings

por exemplo) somados à concretização de novos eixos/bairros perseguidos

pela atribuição de status almejado e localizados simbolicamente (como nos

advertiu Lefebvre - 2006). Edifícios de luxo com atrativos de lazer, segurança e

diferenciais estéticos e loteamentos fechados com atributos ambientais,

aparecem como as atuais vedetes do mercado imobiliário. Esses padrões de

Page 6: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

consumos elitizados são aplicados pelas elites na Amazônia como

demonstramos outrora em Manaus3.

Como essa propagação de modos de consumo habitacionais se

desdobra em cidades pequenas e médias do interior do Amazonas, e como

esses elementos afetam a configuração e morfologia da cidade como um todo

é uma de nossas preocupações.

O que vem ocorrendo em Parintins aparece com diferenças quanto à

efetivação e intensidade do processo, pois grande parte das elites ainda

habitam o centro da cidade, mas com forte tendência à sua realocação para

áreas próximas ao centro.

Introduzimos portanto a análise/averiguação de um dos elementos que

compõem a morfologia de cidades ribeirinhas na Amazônia: as margens de rios

ou beira-rio como optamos nomear. No exemplo a seguir a conexão da forma

estaria atrelada a dois processos, a segregação socioespacial e a invasão

sucessão. A figura 1 demonstra a paulatina mudança dos padrões de moradia

que vem ocorrendo na zona leste e sudeste de Parintins em três bairros:

Castanheira, Santa Rita e Palmares. Nesse caso, a morfologia4 seria a de

beira-rio em processo de substituição de moradias.

Figura 1 – Margens do lago Macurany – Parintins/AM

Fonte: Videopack – 2009, adaptado pelo autor

3 BARTOLI, E. A floresta como muro: mercantilização da natureza, loteamentos fechados e apropriação

da terra urbana na cidade de Manaus. Dissertação apresentada e aprovada no programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas em e de maio de 2009, com financiamento da CAPES e orientação do Prof. Dr. José Aldemir de Oliveira. No primeiro capítulo da Dissertação, descrevemos o polêmico processo de disputas judiciais sobre a pose irregular de grandes glebas, nas quais hoje se assentam condomínios como o Alphaville Manaus I e II. 4 A utilidade das propostas no decorrer desse ensaio reside nas possibilidades comparativas em estudos

sobre cidades na Amazônia. A formação de um formulário básico como guia de pesquisa para morfologia urbana, é uma de nossas contribuições do presente trabalho.

Page 7: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

Legenda:

1 - Centro

2 – Moradias em Palafitas

3 - Uso elitizado: moradias, atracadouros particulares e margens privatizadas

Neste caso, os determinantes dessa paulatina substituição de moradias

em marcha estão relacionados a dois elementos: 1) estruturais - conectividade

ao centro; presença de antigos lotes de sítios como reservas de valor e

especulação; presença de infra-estrutura. 2) conjunturais: valorização de novas

formas de moradias; pressão imobiliária aos imóveis de baixo padrão;

valorização do acesso ao rio (para uso náutico ou puramente estético); e, no

caso de Parintins, especulação para aluguéis para o festival folclórico5.

Assim, enfatizamos o reconhecimento da possibilidade de diferentes

configurações do objeto arquitetônico e seu conjunto socioespacial terem

impactos na acessibilidade (escassez de espaços de uso/lazer induzidos pela

privatização das margens dos rios), conectividade (ligada à mobilidade

reduzida, pois a atracação de embarcações fica restrita), e na perda de

referenciais de orientação e identidade da população como frisamos.

Exemplo recente no lado oeste da ilha principal de Parintins, é o

primeiro loteamento fechado6 ainda sem nome e em fase de planejamento,

mas já com a presença de seu elemento principal alterador da paisagem, e que

lhe confere distinção como forma de moradia elitizada: o muro. No caso da

beira-rio elitizada, seriam dois muros, o de arrimo e o de segurança (figura 2).

Na mesma figura evidencia-se a supressão da cobertura vegetal ciliar e a

instalação de um trapiche particular.

A já cristalizada ocupação das margens e beiradões na face norte da

ilha principal que se assenta Parintins, não permite a implementação dessa

nova forma de moradia junto ao rio, que requer lotes amplos e formação de

5 Durante o festival folclórico de Parintins, várias empresas prestadoras de serviços ao festival, ou

empresas do Pólo Industrial de Manaus alugam casas e sítios. Os locais mais valorizados são os de acesso ao lago Macurany, gerando pressão crescente sobre o preço dos imóveis, e consequentemente incentivando a saída de moradores em situações mais frágeis, fato em evidencia no local. 6 Usaremos o termo loteamento fechado para designar os condomínios horizontais fechados, que são

formados a partir de loteamentos privados.

Page 8: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

glebas que somente são encontrados distantes do centro, dando maior

complexidade à periferização em curso na cidade.

Figura 2 – beira-rio do loteamento fechado em processo de implementação em

Parintins.

Fonte: Estevan Bartoli – 2011

Apesar do sítio privilegiado, Parintins apresenta apenas um local com

infra-estrutura mínima para o lazer dos citadinos, que permite o banho de rio.

Trata-se do Canta Galo, que só pode ser freqüentado no período das cheias

quando o rio apresenta vazão suficiente para prática do lazer. Problema maior

é que esse balneário fica a nove quilômetros do centro, limitando sua

acessibilidade. Portanto, os efeitos da posse de glebas, lotes e moradias beira-

rio, causam enorme impacto na qualidade de vida dos habitantes de Parintins,

que ironicamente tornam-se moradores de uma “ilha sem rio”, pois veta-se a

possibilidade do constructo de práticas de lazer tão valorizadas em meio ao

calor amazônico. Delineia-se uma morfologia excludente, seletiva,

fragmentadora e impactante no que tange ao comportamento social que passa

a ser alterado.

Assim, a força do lugar7 pode ser demonstrada mediante a interação

dos processos sociais e das formas espaciais. Ensejamos uma colaboração

para repensar o destino da cidade de Parintins como cidade média de apelo

turístico, portadora de polarização e visibilidade nacional, portanto destinada a

emitir uma imagem, necessária na sua inserção competitiva e atração de

investimentos em sua vocação inconteste: o turismo, mas o turismo urbano

capaz de amalgamar sentimentos de pertença e orgulho por parte do povo de

Parintins, que identifique seus patrimônios e paisagens (arquitetônicos e

7 Sobre o termo, ver Milton Santos (2004).

Page 9: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

naturais), ao convite da participação popular nessa construção social

necessária à busca de identidade e cidadania8, no sentido de participar da

construção da cidade que se deseja. Sentir a cidade, o encontro inusitado com

as formas, povoar ativamente os atrativos (no nosso caso, a natureza, os rios e

igarapés), traz a vida urbana como atração turística, verdadeira e não estética

e esvaziada de sentido.

E O PASTO VIRA CIDADE: EXPANSÃO URBANA, MALHA E

LOTEAMENTOS RECENTES.

Problema corrente nos estudos sobre morfologia urbana, a expansão

periférica aparece como elemento de peso na alteração/composição da

morfologia urbana em diversas escalas e também no caso de Parintins.

Nas últimas duas décadas, ocorreram na cidade de Parintins

alterações profundas na sua configuração socioespacial devido à formação do

chamado ciclo das invasões dos anos 1990. Trata-se da formação dos quatro

bairros mais populosos do município, Itaúna I, Itaúna II, Paulo Corrêa e União

que juntos abarcam 41.163 habitantes (Comissão Municipal Censitário - 2007

Secretaria de Assistência Social e Trabalho - 2009). Esse ciclo de invasões

causou o início da ocupação da segunda ilha principal que constitui o sítio apto

a expansão urbana de Parintins. As áreas atingidas por essas invasões eram

pertencentes ao então, empresário paraense Paulo Corrêa, que foi indenizado

posteriormente pela prefeitura.

Os impactos das invasões e sua transformação e cristalização em

bairros na morfologia da cidade foram enormes, pois estiveram atrelados à

superação dos limites físicos impostos pelo sítio, onde foram necessários

vários aterros e a construção de duas pontes. Esse contexto nos remete a

evidenciar o peso das populações de baixa renda na produção e organização

do espaço urbano, como agentes produtores do espaço, onde a forte demanda

popular e a formação da cidade ilegal associam-se à disputas de poder e

tentativas de regularização dos lotes na formação de bairros como clientelas

eleitorais. Trata-se de uma velha prática em novas geografias.

8 O termo cidadania aqui, refere-se ao direito de participar das benesses oferecidas pela cidade, dos

serviços básicos, à cultura e ao lazer, o direito de opinar e realizar a construção participativa.

Page 10: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

Nesse contexto de limite do sítio e formação de invasões, o poder

público foi pressionado a construção das pontes (figura 3) que possibilitaram a

formação de novos eixos e futuro avanço da malha em expansão do tecido

urbano rumo à periferia, onde posteriormente áreas rurais e antigas fazendas

passam a se transformar em loteamentos como veremos.

O ciclo de sucessivas invasões causaram impacto aos proprietários

fundiários das áreas circunvizinhas, donos de antigas fazendas desativadas,

que amedrontados com a rápida expansão do processo decidiram lotear suas

glebas, conforme aponta Nascimento9 (2011, p.20), cujas entrevistas com os

proprietários fundiários revelaram a motivação supracitada. Outro dado

interessante presente nos relatos desses proprietários foi sobre o processo de

planejamento urbanístico dos loteamentos, onde os fazendeiros foram os

responsáveis pelo traçado da malha (largura das ruas, sentido, forma, tamanho

dos quarteirões), que estruturam os loteamentos Pascoal Alágio e

Jacareacanga, que originaram os dois novos bairros caracterizados como

loteamentos regulares aprovados pela prefeitura (figura 3).

Assim, é passível de questionamentos o atributo de tais loteamentos

como sendo regulares, vista que não houve estudos por parte de especialistas

sobre a disposição e traçado da malha, planejadas de maneira aleatória e sem

critérios pelos proprietários fundiários, incorrendo numa forte monotonia da

paisagem e ausência de referencias ou diferenciações que rompam com a

homogeneidade das quadras. Outro agravante é a padronização dos mais de

1000 lotes, tendo medida de 10m X 25m, reforçando a visualização repetitiva e

homogênea da paisagem.

Dessa maneira, à reboque das rápidas invasões em rápida expansão

periférica desdobra-se a sobressaltos o espraiamento a dispersão morfológica

da cidade.

O terceiro e mais recente processo de expansão urbana de Parintins

refere-se ao loteamento Vila Cristina. O loteamento ganhou destaque na

imprensa parintinense pois o local, segundo o Plano Diretor do Município é

considerado APA ( Área de Proteção Ambiental do Macurany) e de onde foram

9 NASCIMENTO, E.G. Loteamento recente em Parintins/AM (Pascoal Alágio): Uma breve consideração

e diagnóstico de suas principais Características. Relatório de Conclusão de Curso – TCC, apresentado ao

Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Amazonas –UEA/CES/Parintins- 2011, como

parte dos requisitos para a conclusão do curso superior.

Page 11: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

derrubadas várias castanheiras para construção de casas. Os estudos de Silva10

(2011, p.15) constataram que no Plano Diretor não se encontra a delimitação da

APA, fato que passou a beneficiar os agentes empreendedores havendo

divergências também, quanto ao licenciamento ambiental e cumprimento

concedido pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas

(IPAAM).

Figura 3 – Perímetro urbano e área de expansão de Parintins Fonte: Coordenadoria Municipal de Planejamento – Plano Diretor de

Parintins – 2009 – adaptado pelo autor.

CARACTERIZAÇÕES E FATORES PARA ANÁLISE MORFOLÓGICA

Assim, à guisa de conclusões, apresentamos o quadro abaixo, que nos

serviu de guia para averiguação e construção de uma proposta metodológica

para futuros estudos de morfologia urbana em cidades na Amazônia, e como

resultado, um resumo para sistematização dos dados e constatações obtidas.

Associar as formas e elementos que compõem a paisagem (sejam eles de

referência, orientação ou estruturantes do espaço), aos processos

10

SILVA, C.J. da. A Expansão Urbana na Cidade de Parintins/AM: Um Estudo sobre o Conjunto

Residencial Vila Cristina. Relatório de Conclusão de Curso – TCC, apresentado ao Departamento de

Geografia da Universidade do Estado do Amazonas –UEA/CES/Parintins- 2011, como parte dos

requisitos para a conclusão do curso superior.

Page 12: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

socioespaciais, nos ajuda a entender a dinâmica dialetizada entre formas e

processos sociais.

As evidências na paisagem, formas indicadoras de conteúdos, nos

trariam atribuições das utilidades de um bom reconhecimento morfológica da

cidade: o de indicar movimentações de classes sociais; reconhecer

representações do/no espaço vinculados a tais processos como o de

segregação socioespacial visivelmente demonstra. Outra utilidade, reside no

reconhecimento de que o espaço urbano é influenciado a partir do desenho

urbano, pois passa a ser produzido pela disposição dos elementos no espaço,

sejam eles de locomoção e acessibilidade (malha implantada), ou formados a

partir de formas de apropriação de frações do espaço, fato que acarreta, como

vimos no caso das beiras de rio, deficiências na mobilidade/acesso das

populações.

Quadro 1 - aspectos levantados.

Área pesquisada

Loteamentos (bairros) Pascoal Alágio e Jacareacanga

Loteamento Villa Cristina Beira-rio dos bairro Santa-Rita,

Palmares,São Vicente de Paula e Nossa Senhora de Nazaré

Processos sócio-espaciais

Periurbanização/ Periferização

Periurbanização/ Periferização

Substituição de moradias (Invasão- sucessão) / segregação

socioespacial

Escala de análise

Macro Macro Macro e Micro

Elementos que compõem a paisagem

Objetos

Objetos Objetos

Referenciais de orientação Referenciais de orientação Referenciais de orientação

Beira-rio

Beira-rio

Beira-rio

Lotes (tipos, numero) Lotes

Lotes

Malha urbana (composição estruturante)

- ruas retificadas pelo processo de

regulamentação/ordenamento do loteamento; malha ortogonal (xadrez)

estipulada pelo próprio loteador;

ausência de critérios na delimitação da largura das ruas e calçadas

- ruas retificadas pelo processo de

regulamentação/ ordenamento do loteamento; malha ortogonal (xadrez);

estipulada pelo próprio loteador;

- acesso fácil ao centro por avenidas e

ruas; raros acessos ao rio; poucas ruas com terminal no rio; malha ortogonal

(xadrez)

Espaços públicos

Presença/qualidade

Legibilidade Baixa: não possui elementos de diferenciação da malha e do tecido

urbano, sendo, por estas razões,

territórios monótonos

Baixa: não possui elementos de diferenciação da malha e do tecido

urbano, sendo, por estas razões,

territórios monótonos

Baixa: não possui elementos de diferenciação da malha e do tecido

urbano, apesar da micro-segregação

existente com presença de moradias diferenciadas.

Fatores: Naturais (sítio)

Ausência de acidentes geográficos,

topografia típica de planície possibilitando formação de lotes

planos sem restrições de construção.

Amenidades físicas: margens do lago

Macurany usada como referencial simbólico pelas propagandas do

empreendimento.

Ausência de acidentes geográficos, topografia típica de planície

possibilitando formação de lotes planos

sem restrições de construção.

Amenidades físicas: margens do lago

Macurany como atrativo principal; lotes planos com boa construtibilidade

Humanos

Estrutura fundiária Estrutura fundiária novas formas de moradia; pressão imobiliária

Regulamentares

Loteamentos legalizados Tipo de financiamento Ausência de regulamentação/fiscalização

Padrões ocupacionais

Zona de tipologia Unifamiliar dispersa

Zona de tipologia Unifamiliar dispersa e desconexa:

Zona de tipologia unifamiliar consolidados (bairros) em processo

Page 13: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

(caracterização morfológica) e relação com o

conjunto urbano

de substituição de moradias Zona problemática (beira-rio)

No caso da beira-rio do lago Macurany, a espacialidade produzida

pelas moradias de alto padrão, cristalizando um conjunto de moradias

contínuas reforçam a imagem e futura tendência em curso da homogeneidade

social da área: seletiva, excludente e espaço de consumo de atributos naturais

como referenciais simbólicos. A exaltação do lago Macurany como local de

moradias das elites, fica clara com a presença de Iates e mansões ao revermos

a figura 1.

Neste caso, os dados referenciados no quadro são passíveis de

entrecruzamento na constatação do padrão ocupacional constatado, pois o

tipo arquitetônico passa a nos demonstrar as contradições quanto a formação

da chamada cidade ilegal, onde o costumeiro atributo de classe fica abalado

frente à ilegalidade das mansões à beira-rio, microssegregadas pelos conjuntos

palafíticos circundantes, que pressionados pela valorização imobiliária vão

paulatinamente dando lugar às moradias de luxo. A caracterização

morfológica em relação ao conjunto da cidade, nos indica a contradição

latente dada pela paisagem: uma Zona Problemática e em processo de

substituição de moradias como elencamos no quadro.

Já a formação dos loteamentos recentes regulares, apontamos ser

fruto da ação conjunta de agentes, no caso o estado (prefeitura) e os

proprietários fundiários. As formas produzidas, estruturantes do espaço,

acabam por generalizar um urbanismo desconexo, fragmentado, onde a

qualidade do espaço urbano fica comprometida pela exaltação do habitat, do

pavilhão funcional e padronizado (LEFEBVRE, 2006) avesso de animação da

vida pública, pois entendemos que quanto maior a variedade de ambientes

públicos existentes, maior a variedade funcional (lazer ou socialidades) e

consequentemente, mais atrativo é o lugar.

Assim, a paisagem percebida , produto social, cultural e

socioeconômico, vem sendo transmutada numa clara substituição dos lugares

por objetos a que nos referimos na proposta analítica presente no quadro.

Os referenciais de orientação descritos podem situar uma perda de

identidade visual, manifestos na paisagem arquitetônica construída? Inferimos

Page 14: Paisagem e morfologia urbana na cidade de Paritins

aproximações a esse respeito quando propomos a descrição da malha, onde o

domínio da passagem aponta a domínio dos fluxos (locomoções variadas sem

nexo com o local) sobre os lugares. A arquitetura ligada ao lote aparece como

generalização mecanicista, regra e modelo seguido à risca visível nos traçados

da malha ortogonais (figura 1).

A dispersão urbana está associada à introdução de automóveis e

motocicletas, tornando a cidade menos compacta, onde constatamos novos

elementos que compõem a paisagem: loteamento fechado no Canta Galo,

loteamentos regularizados, e beira-rio elitizada em área periurbana conectada

ao centro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na abordagem morfológica do espaço, faz-se mister perceber

tendências e perspectivas do crescimento periurbano em voga, onde o

urbanismo adaptado às demandas de restrito numero de agentes produtores

do espaço, ganha primazia no ordenamento socioespacial vigente na análise

empreendida onde constatamos que ocorre:

a homogeneidade das paisagens com ausência de elementos marcantes de

outras épocas ou referenciais de peso na identidade local.

extrema padronização e centralização de soluções urbanísticas em

importações de formas exógenas (principalmente o traçado da malha).

crise do espaço público (apreensão, compreensão e usos) como elemento

aglutinador/interligador dos espaços edificados, onde os espaços cheios são

percebidos através dos vazios (LANDIM, 2004- p.26), inexistentes nos casos

analisados.

Onde estariam as particularidades da caracterização esperada para

uma análise de uma cidade na Amazônia, com aspectos de sítio relevantes? O

estudo da estruturação urbana pressupõe conhecimento do povoamento e

formas de apropriação do território onde as formas cristalizadas passam a

condicionar as relações e dinâmica no espaço urbano. As escolhas de

determinados agentes, suas concepções técnicas e culturais, as mudanças

versus permanências (arquitetura vernácula versus erudita no caso das

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moradias beira-rio), o traçado das malhas relacionados à topografia e a

estruturação dos espaços públicos de conexão são aspectos que merecem

atenção.

Concluímos portanto, que a coerência morfológica interna das áreas

analisadas não corresponde à realidade material e cultural das situações

analisadas, onde ocorrem rompimentos com o tecido urbano e cisões com

mobilidades e acessibilidades como vimos.

Constatamos também a ocorrência de generalizações técnicas no que

tange as aplicações de formas urbanísticas, na formação da malha e lotes,

incorrendo numa forte homogeneidade paisagística dos bairros analisados. A

desconexão desses espaços acentua ainda mais a falta de identidade visual

desses locais.

REFERÊNCIAS

LANDIM. Paula da Cruz. Desenho de paisagem urbana: as cidades do interior

paulista. São Paulo: UNESP, 2004.

LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. Tradução e edição: Editora Moraes

LTDA. São

Paulo. 2006.145p. Titulo Original: Le Droit a La Ville.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço – técnica e tempo, razão e emoção.

São Paulo: Hucitec, 2008.

SILVA, C. J. da. A Expansão Urbana na Cidade de Parintins/AM: Um Estudo

sobre o Conjunto Residencial Vila Cristina. Relatório de Conclusão de Curso –

TCC, apresentado ao Departamento de Geografia da Universidade do Estado

do Amazonas –UEA/CES/Parintins- 2011, como parte dos requisitos para a

conclusão do curso superior.

NASCIMENTO, E.G. Loteamento recente em Parintins/AM (Pascoal Alágio):

Uma breve consideração e diagnóstico de suas principais Características.

Relatório de Conclusão de Curso – TCC, apresentado ao Departamento de

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Geografia da Universidade do Estado do Amazonas –UEA/CES/Parintins-

2011, como parte dos requisitos para a conclusão do curso superior.

VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo. S. Nobel:

FAPESP: Lincoln Institute, 1998. 373p.