paisagem cultural missioneira: desafios para a valoraÇÃo e gestÃo do … · 2016-11-09 ·...
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PAISAGEM CULTURAL MISSIONEIRA: DESAFIOS PARA A
VALORAÇÃO E GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DAS
MISSÕES
SEIXAS, ANA LUISA (1); SILVA, ADRIANA ALMEIDA (2)
1. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Superintendência do IPHAN/RS.
Escritório Técnico Parque Histórico Nacional das Missões.
[email protected]; [email protected]
2. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Superintendência do IPHAN/RS.
Escritório Técnico Parque Histórico Nacional das Missões.
[email protected]; [email protected]
RESUMO
O termo "Paisagem Cultural" traz na essência uma nova visão sobre a relação entre o homem e
ambiente no qual está inserido. A expressão estimula também a pensar sobre os patrimônios culturais
e as transformações sobre seu entendimento ao longo dos anos. Tendo como base o caso de São
Miguel Arcanjo e os demais sítios missioneiros no Rio Grande do Sul, este trabalho tem por objetivo
refletir sobre a percepção que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional - IPHAN - teve
em relação a estes Sítios ao longo dos anos - o tombamento como Patrimônio Nacional em 1938 de
São Miguel; a declaração como Patrimônio Mundial em 1983 do mesmo Sítio; a criação do Parque
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Histórico Nacional das Missões – PHNM - em 2009 juntamente com os Sítios de São Nicolau, São
Lourenço Mártir, e São João Batista; o Registro da Tava, Lugar de Referência para o Povo Guarani
em 2014; a declaração como Patrimônio do Mercosul em 2015; e finalmente a atual discussão sobre
a Paisagem Cultural Missioneira, foco deste trabalho. A própria construção do entendimento sobre o
que seja a Paisagem Cultural das Missões apresenta desafios, uma vez que essa definição deve
contemplar temas até então não aprofundados e buscar compreender a área que abrange, não
apenas a região missioneira do Rio Grande do Sul, mas também outras regiões do estado e de
países vizinhos. Dada à dimensão e a riqueza cultural da região ligado aos diversos processos
históricos ocorridos - ocupação pré-histórica; de grupos indígenas pré-coloniais, em especial os
Guarani; conquista espanhola / portuguesa; sistema missioneiro-reducional; colonização luso-
brasileira; imigração a partir da segunda metade do século XIX - diferentes “paisagens culturais”
poderão ser identificadas, assim como diversas áreas de interesse cultural. Este é o estágio atual da
discussão no IPHAN – buscar identificar em que consiste a Paisagem Cultural Missioneira e, dentro
das Paisagens Culturais existentes nesta região, aquelas que farão parte do Parque Histórico
Nacional das Missões, dado os diferentes recortes temáticos, históricos e socioeconômicos
possíveis. Após a identificação desta Paisagem, é necessário se debruçar sobre a ideia do PHNM e
seu conceito, para que possa haver uma seleção daquilo que é representativo no contexto do Parque
e de seu objetivo, levando em consideração a estrutura e missão do IPHAN, responsável por sua
gestão. Para isso faz-se indispensável identificar quais destes bens culturais relacionam-se
diretamente com o PHNM e sua proposta, e como se dará a gestão dos mesmos. Ademais, é
importante refletir também sobre aqueles bens identificados como de valor cultural, porém não
relacionados diretamente ao recorte do Parque e pensar se cabe ao IPHAN atuar, juntamente com
outros atores, sobre esses bens ou apenas acompanhar a sua gestão. Diante deste contexto, discutir
a Paisagem Missioneira, os recortes a serem feitos para a delimitação e a conceituação do Parque
Histórico Nacional das Missões e sua gestão, tornam-se desafios atuais frente a essa nova realidade
- entender Missões não apenas como os quatro Sítios tombados em nível Nacional, mas sim como
Paisagem Cultural das Missões.
Palavras-chave: Paisagem Cultural; Missões Jesuíticas dos Guarani; IPHAN; Sítios Missioneiros;
Parque Histórico Nacional das Missões.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Introdução
Este trabalho parte da experiência prática e cotidiana de técnicas, ambas arquitetas
urbanistas, do Escritório Técnico do Parque Histórico Nacional das Missões, da
Superintendência Estadual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
IPHAN1. O objetivo deste trabalho é propor um debate sobre a identificação da paisagem
cultural missioneira, sua complexidade e seus desafios para os gestores. Cabe a ressalva
de que o foco do trabalho não é aprofundar conceitos e conhecimentos produzidos nem na
temática das Missões Jesuíticas dos Guarani e nem da Paisagem Cultural, mas sim refletir
brevemente sobre como o IPHAN atua na valoração dos sítios missioneiros e os desafios
para a gestão desta paisagem em estudo.
Contextualização
A região das Missões, localizada no noroeste gaúcho, possui a história intimamente ligada
ao início da ocupação luso-espanhola no local, nos séculos XVII e XVIII. Durante estes
séculos, a Companhia de Jesus, a serviço da Coroa Espanhola, fundou reduções em terras
tradicionalmente ocupadas por indígenas, situadas nos atuais territórios do Paraguai,
Argentina e Brasil, e que formavam uma unidade territorial - a Província Jesuítica do
Paraguai - composta por 30 povoados. As reduções eram aldeamentos criados para facilitar
o trabalho de evangelização dos povos nativos (chamado de “missão evangelizadora” – que
resulta no nome “Missões”) e garantir a posse do território através de uma ocupação
sistematizada.
1 Esse órgão de preservação, desde sua criação, apresentou diferentes denominações: SPHAN (Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 1937 - 1946), DPHAN (Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 1946 - 1970), IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 1970 - 1979), SPHAN (Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 1979 – 1981), SPHAN (Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 1981 - 1985), SPHAN (Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 1985 – 1990), IBPC (Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, de 1990 - 1994) e, desde 1994, IPHAN novamente. Neste trabalho, será adotado o termo IPHAN, para denominar o órgão nacional de preservação.
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Figura 1- Território da República Jesuítica do
Paraguai. Fonte: Arquivo IPHAN/RS
Figura 2 - 30 povos das Missões.
Fonte: Arquivo IPHAN/RS
A estrutura das reduções seguia uma mesma tipologia urbana – que se adaptava as
características geográficas do local – mas, que poderia apresentar padrões arquitetônicos
diferentes levando em consideração a disponibilidade dos recursos materiais e as
influências do país de origem do padre jesuíta que a administrava. A sua população variava
de acordo com a redução, entretanto podia alcançar cerca de 7 mil indígenas de diversas
etnias, em sua maioria Guarani, e dois ou três jesuítas. As reduções faziam parte de sistema
complexo no qual o núcleo urbano - composto pela praça central, igreja, moradias
indígenas, casa dos padres, oficinas e escola, cotiguaçu (casa das viúvas e órfãos) e
cabildo (função administrativa) e quinta - era rodeado por estruturas periféricas – fontes de
água, pedreiras, barreiros, olarias, etc. Ademais, elas eram interligadas por caminhos que
levavam às áreas de florestas, estâncias para a criação de gado e ervais.
O declínio das Missões inicia-se com o acordo entre as coroas de Portugal e Espanha, o
Tratado de Madri em 1750, que previa a troca das missões orientais, hoje conhecidos como
Sete Povos das Missões2 (pertencentes a Coroa Espanhola e localizados atualmente em
território brasileiro) pela Colônia de Sacramento (pertencente a Coroa Portuguesa,
2 Formam os chamados “Sete Povos das Missões”: São Borja (1682), São Nicolau (1687), São Luiz Gonzaga
(1687), São Miguel Arcanjo (1687), São Lourenço Mártir (1690), São João Batista (1697) e Santo Ângelo (1706).
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atualmente em terras uruguaias), fato não aceito pelos Guarani e Jesuítas, desencadeando
à Guerra Guaranítica entre 1753-1756.
Após os tratados de delimitação de fronteiras (Tratado de Madrid em 1761 e Tratado de
Santo Ildefonso em 1777) os Sete Povos das Missões, começam a ser abandonados pelos
indígenas, principalmente após a expulsão dos jesuítas em 1767. As tentativas de
continuidade do sistema reducional foram fracassadas e as terras passam por um longo
período de abandono deste tipo de ocupação reducional, que contribuiu para o arruinamento
das estruturas. As estruturas permaneceram habitadas até o final do século XIX, porém sem
manutenção e sendo constantemente saqueadas ou para a busca de tesouros ou para
utilizar o material missioneiro (principalmente as pedras) para construir casas e outras
estruturas necessárias ao cotidiano dos moradores.
Dos povoados localizados em território brasileiro, três deles – São Borja, São Luiz Gonzaga
e Santo Ângelo - tiveram parte de seus remanescentes materiais cobertos pelas novas
cidades e os materiais das reduções (pedras) reaproveitados para as novas construções do
período de repovoamento da região. Já os povoados de São Lourenco Mártir (município de
São Luiz Gonzaga), São Miguel Arcanjo (município de São Miguel das Missões) e São João
Batista (no município de Entre - Ijuís), que ainda apresentavam estruturas mais íntegras do
período reducional, foram reconhecidos como sítios históricos e tombados como patrimônio
nacional.
Ao longo do século XIX, ocorrem os processos de imigração na região, através da vinda de
casais açorianos em meados do século XIX e de uma primeira tentativa, em 1824, de
imigrantes alemães, que fracassou devido à falta de assistência e às condições de
isolamento dessas localidades. No final do século XIX, início do século XX, ocorre a
imigração mais intensa, inclusive com descendentes de imigrantes de outras regiões do
estado do Rio Grande do Sul, num processo de migração interna, com a vinda,
principalmente, de alemães, italianos e poloneses que se instalam na região. (URI, 2008.)
Ações Institucionais na Região das Missões
A atenção para a região das Missões de maneira mais institucionalizada acontece na
década de 1920. Segundo Ana Lúcia Meira (2008), o Estado do Rio Grande do Sul
apresenta um pioneirismo nacional na preservação de bens culturais, uma vez que a
preocupação com o tema já estava presente no Regulamento de Terras de 1922, no qual
consta um capítulo intitulado “Lugar Histórico” que estabelece no seu Artigo nº 24 que serão
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“mantidos no domínio púbico ou trazidos para este e devidamente conservados, os lugares
notabilizados por fatos assinalados da evolução do Estado”. O Regulamento fazia, também,
referência direta às Ruínas de São Miguel Arcanjo, com a distinção de “Lugar Histórico” e
como primeiro patrimônio histórico do Estado. Neste momento, através da Diretoria de
Terras da Secretaria do Estado e Obras Públicas, são realizadas obras de estabilização das
ruínas da Igreja de São Miguel Arcanjo, que se encontravam sob risco de desabamento.
Nos anos seguintes, outros trabalhos foram realizados pelo governo estadual, como limpeza
geral, escoramento das vergas das portas e arcos com trilho metálicos e escoramento da
torre (MEIRA, 2008, p.220).
Em âmbito nacional, a atuação na região das Missões, sobretudo no Sítio de São Miguel
Arcanjo, coincide com a trajetória da preservação do patrimônio nacional e do IPHAN.
Durante a fase inicial da preservação, que segundo Cecília Fonseca (1997, p.85), inicia-se
com a criação do IPHAN e se estende até aproximadamente a década de 1970, o foco foi
conhecer e valorizar a “identidade nacional”, o “patrimônio brasileiro”. Buscavam-se, assim,
os bens materiais que melhor expressassem o “ser brasileiro”, visando à unidade nacional e
à formação de um país moderno, incluindo bens de valor “monumental”. Nesse sentido, para
Márcia Chuva (2009, p.31), a instituição federal de patrimônio “identificou a ‘porção
edificada’ do Brasil, ajudando assim a ‘edificar’ o País.”. (SEIXAS, 2014, p.18).
Chuva (2009, p.48) apresenta o que foi designado como “patrimônio histórico e artístico
nacional” - “aquilo que foi classificado como arquitetura tradicional do período colonial,
representante ‘genuína’ das origens da nação”, sempre visando à construção desse Estado
Brasileiro. A autora ainda afirma:
(...) poder-se-ia pensar que a “Guerra Guaranítica” contra os jesuítas, nas
missões do sul da Colônia, e a Inconfidência Mineira, tratada então como
divisor de águas das origens da nacionalidade pela historiografia
tradicional, atenderam à necessidade de reafirmação do fratricídio,
visando a construção e uma genealogia da nação brasileira.
(CHUVA, 2009, p.48)
[grifo nosso]
Neste contexto, no mesmo ano de criação do IPHAN, em 1937, a pedido de Rodrigo Melo
Franco de Andrade3, o arquiteto Lúcio Costa realiza uma viagem às Missões para verificar
3 Rodrigo Mello Franco de Andrade (1898 - 1969) advogado e jornalista, foi o primeiro diretor do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, atual IPHAN, e durante 30 anos dedicou-se à preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro
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os remanescentes das Missões Jesuíticas dos Guarani, a qual resulta em um relatório com
recomendações sobre as ações de conservação das estruturas e a proposta da construção
do Museu das Missões para abrigar as peças de arte sacra produzidas nas Reduções.
No ano seguinte, em abril de 1938, o primeiro bem imóvel é tombado4 a nível federal no Rio
Grande do Sul - uma casa construída com material missioneiro, ou seja, material
reaproveitado das ruínas das reduções, no município de Entre-Ijuís, mas que acabou sendo
demolida posteriormente. Em maio do mesmo ano de 1938, ocorre o tombamento das
Ruínas de São Miguel Arcanjo como Patrimônio Nacional através da sua inscrição no Livro
de Belas Artes devido ao seu valor artístico, de excepcionalidade e monumentalidade.
Em 1970, acompanhando a ampliação da visão sobre o patrimônio, ocorre o tombamento
dos Sítios de São João Batista (Município de Entre-Ijuis); São Lourenço Mártir (Município de
São Luiz), e São Nicolau (Município de mesmo nome) – declarados como Patrimônio
Nacional e inscritos no Livro Histórico. A atribuição de valor histórico e não de Belas Artes
como no caso de São Miguel, poderia ser, talvez, interpretado como uma mudança de visão
do que fosse, à época, o patrimônio brasileiro, entendendo que, os outros Sítios – apesar de
aparentemente “mais singelos” frente à monumentalidade de São Miguel - seriam bens
importantes para o entendimento de Missões e para a identidade nacional.
No ano de 1983, a UNESCO inscreve na Lista do Patrimônio Mundial, as ruínas de São
Miguel Arcanjo, juntamente com as ruínas de San Ignacio Mini, Santa Ana, Nuestra Señora
de Loreto e Santa María La Major na Argentina, pelo excepcional valor universal, pelo valor
arquitetônico e por serem importantes exemplares da atuação da Companhia de Jesus nas
terras sul americanas. Segundo o destacado no site do IPHAN,
As Missões Jesuítico-Guarani - São Miguel das Missões (Brasil) e San Ignacio Miní,
Santa Ana, Nuestra Señora de Loreto e Santa María La Mayor (Argentina) - formam
um sistema de bens culturais transfronteiriços e compõem-se de um conjunto de
remanescentes dos povoados implantados em território originalmente ocupado por
indígenas. Os vestígios materiais existentes do sítio - corpo principal da igreja,
campanário e sacristia, partes das construções conventuais, fundações e bases das
habitações indígenas, praça, horto, canalizações pluviais, objetos sacros -
expressam o modelo de ocupação territorial permeado pela interação e troca cultural
entre os povos nativos e os missionários europeus.
4 O tombamento é o instrumento de reconhecimento e proteção do patrimônio cultural mais conhecido, e pode
ser feito pela administração federal, estadual e municipal. (http://portal.iphan.gov.br/perguntasFrequentes. Acessado em agosto 2016.)
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Poucos anos após a declaração como patrimônio mundial, em 1989, o IPHAN passa a atuar
de uma maneira mais permanente na região, com a implantação do Escritório Técnico das
Missões, ligado à Superintendência Estadual. Isto permitiu à Instituição um trabalho de
conservação permanente nos quatro sítios missioneiros, com formação de uma equipe de
artífices e técnicos.
Em uma nova etapa das discussões sobre patrimônio em nível internacional e nacional, no
ano de 2009, com o intuito de trazer uma visão abrangente das Missões, é criado o Parque
Histórico Nacional das Missões - PHNM, buscando integrar os quatro sítios missioneiros de
São Miguel Arcanjo, São Nicolau, São Lourenço Mártir e São João Batista, por meio do
Decreto nº 6.844. Este Decreto aprova o regimento interno do IPHAN e a criação do Parque,
que passa a ser responsável por “preservar a memória histórica e os remanescentes do
antigo povo de São Miguel Arcanjo; gerir os Sítios Históricos e Arqueológicos Missioneiros;
e executar as diretrizes e ações técnico-administrativas emanadas da Superintendência do
IPHAN no Estado do Rio Grande do Sul.” (Portaria Nº 92, de 5 de julho de 2012). Com a
ideia do Parque, procura-se então valorizar as semelhanças e diferenças em cada um dos
quatro Sítios tombados, entendendo-os, não mais isoladamente como na década de 1970,
mas como parte do sistema missioneiro de uma maneira mais ampla, como é destacado do
site da Instituição:
O Parque Histórico Nacional das Missões foi criado em 2009, por meio do Decreto nº
6.844, reunindo os sítios arqueológicos missioneiros de São Miguel Arcanjo
(localizado no município de São Miguel das Missões), de São Lourenço Mártir (em
São Luiz Gonzaga), de São Nicolau (em São Nicolau), e o de São João Batista (em
Entre-Ijuís).
Sítio Histórico São Miguel Arcanjo - Tombado como Patrimônio Cultural, em 1938,
e declarado Patrimônio da Humanidade, pela Unesco, em 1983. São Miguel Arcanjo,
ou São Miguel das Missões, era uma das reduções jesuíticas do Paraguai que
formava, com seis outras, os Sete Povos das Missões. Reunia grupos catequizados
jesuítico-guaranis situados no nordeste do atual Estado do Rio Grande do Sul, em
território brasileiro, às margens do rio Uruguai.
Sitio Histórico São Lourenço Mártir - A Missão de São Lourenço Mártir foi fundada
pelo padre jesuíta Bernardo de La Veja em 1690, entre São Luiz Gonzaga e São
Miguel das Missões, com mais de dois mil indígenas catequizados na redução de
Santa Maria La Mayor. Destacou-se nas práticas da agricultura, criação de gado,
cavalos, ovelhas e cultivo da erva mate. Sua população ultrapassou os 6.400
habitantes, em 1731. No local, é possível visitar remanescentes da igreja, da adega,
e da escola, também são criadas as ovelhas da raça crioula Lanada, raça
introduzida pelos jesuítas nas Missões e no Rio Grande do Sul.
Sítio Histórico São João Batista - Os remanescentes da Redução Jesuítica de São
João Batista, um dos Sete Povos das Missões, formam esse sítio fundado em
1697 onde foi montada a primeira fundição de ferro do atual território brasileiro
devido às habilidades artísticas (arquitetura, produção de variados instrumentos
musicais e corais) dos habitantes locais. Entre o povo de São João Batista, havia
artistas de todas as profissões, orientados pelo padre Antônio Sepp. No sítio,
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observa-se restos da estrutura do cemitério, da igreja e do colégio, além de
estruturas complementares como olarias, barragem e estradas. Uma exposição com
achados arqueológicos e a trilha de interpretação eco-cultural complementam o
roteiro de visita.
Sítio Histórico São Nicolau - São Nicolau do Piratini foi a primeira redução,
fundada em 1626, antes mesmo da fase dos Sete Povos das Missões. Segundo
relato do escritor e botânico francês, Auguste de Saint Hilaire, que por passou pelo
local em 1821, São Nicolau possuía uma das mais bonitas igrejas da região das
Missões. Os índios Guarani tinham capacidade para criar e os melhores escultores
das Missões estavam nessa redução, onde o povo se desenvolveu na religião,
música, cantos, dança teatro, desenhos, pinturas e esculturas
Em dezembro de 2014, mais um passo importante é dado para a valorização e preservação
das Missões. Após um longo período de trabalhos realizados com a comunidade Mbyá
Guarani a partir do Inventário de Referências Culturais (INRC) iniciado em 2007, a Tava -
Lugar de Referência para o Povo Guarani - é registrada como Patrimônio Cultural Imaterial
Nacional, reconhecendo os significados e valores atribuídos pelos Guarani ao Sítio Histórico
de São Miguel Arcanjo. Segundo o relatado no site da Instituição,
A Tava é um bem imaterial com significados atribuídos, pelos indígenas Guarani-
Mbyá, ao sítio histórico que abriga remanescentes da antiga Redução Jesuítico-
Guarani de São Miguel Arcanjo, localizado no município de São Miguel das
Missões.
Para os Guarani-Mbyá, a Tava Miri (ou sagrada aldeia de pedra) é um local onde
viveram seus antepassados, que construíram estruturas em pedra nas quais
deixaram suas marcas, e parte de suas corporalidades, por conter os “corpos" dos
ancestrais que se transformaram em imortais; onde são relembradas as 'belas
palavras' do demiurgo Nhanderu. Nesses locais, é possível vivenciar o bom modo de
ser Guarani-Mbyá e esse modo de viver permite tornar-se imortal e alcançar Yvy
Mara Ey (a Terra sem Mal).
No ano de 2015, novamente acompanhando discussões internacionais sobre o tema, e
ampliando o entendimento das Missões para além dos Sete Povos atualmente no território
brasileiro, ocorre o reconhecimento das Missões Jesuíticas Guaranis, Moxos e Chiquitos,
como Patrimônio do Mercosul, fato apresentado no site do IPHAN,
A Comissão de Patrimônio Cultural (CPC) do Mercosul reconheceu, em maio de
2015, as Missões Jesuíticas Guaranis, Moxos e Chiquitos como patrimônio cultural
da região, pela importância destes bens no cenário cultural dos países da América
Latina. O reconhecimento busca preservar valores etnográficos, históricos,
paisagísticos, urbanísticos, arquitetônicos, artísticos e arqueológicos. As Missões
formam um bem patrimonial único, com elementos fortemente vinculados entre si,
onde cada parte tem a sua singularidade que ajuda na compreensão e apreciação
de todo o conjunto missioneiro.
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O sistema das Missões faz parte de uma herança comum entre cinco países do
Mercosul (Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai). Estão inscritos na Lista do
Patrimônio Mundial os remanescentes missioneiros: de São Miguel Arcanjo (Brasil);
as reduções de San Ignácio Mini, Santa Ana, Nuesta Señora de Loreto e Santa
Maria Mayor (Provincia de Misiones, Argentina); as Missiones da Santíssima
Trinidad de Paraná e Jesus de Tavarangue (Paraguai); e as Missiones Jesuíticas de
Chiquitos (Bolívia). Estes são os principais remanescentes das Missões Jesuíticas
na região, caracterizando uma particular organização social e forma de ocupação do
território sul-americano.
Concomitante ao registro da Tava e da declaração como Patrimônio do Mercosul, e como
resultado de discussões e amadurecimento internos da Instituição, em 2013, é lançado o
Projeto de Valorização da Paisagem Cultural e do Parque Histórico Nacional das Missões
Jesuíticas dos Guarani, realizado pelo IPHAN com a cooperação da UNESCO. Com isso, o
conceito de Paisagem Cultural, presente nas discussões do IPHAN oficialmente desde
2009, é pontuada e discutida, de uma forma mais sistemática, para a região das Missões.
Paisagem Cultural no âmbito do IPHAN e do Projeto5
O termo “Paisagem Cultural” traz na essência a relação entre o homem e o ambiente numa
abordagem territorial. A expressão trata das transformações no território ao longo do tempo
e a sua configuração na contemporaneidade. Segundo a definição do IPHAN6, a paisagem
cultural brasileira “é uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo
de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram
marcas ou atribuíram valores.”7
Após discussões internas na Instituição e outras áreas de estudo (por exemplo, os caminhos
da imigração em Santa Catarina), o caso de Missões é proposto como objeto de estudo para
essa ideia de Paisagem Cultural. Segundo o IPHAN,
O território das Missões Jesuíticas dos Guarani, no Brasil, se caracteriza por
possuir uma paisagem cultural de altos valores patrimoniais e ambientais,
abrangendo 26 municípios do noroeste do Rio Grande do Sul. (...) As
transformações ocorridas nesses sítios missioneiros ao longo de mais de dois
5 O objetivo deste artigo não é avaliar de forma crítica o Projeto em questão, apenas pontuar a sua existência e
seus objetivos, apresentando-o como mais uma ação do IPHAN na região em estudo.
6 Embora existam outros conceitos e ideias sobre o termo “Paisagem Cultural”, uma vez que este artigo pretende
discutir o assunto dentro da perspectiva institucional do IPHAN e seus desafios para a gestão dessa região,
optou-se por utilizar apenas os conceitos utilizados pela Instituição.
7 http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Livreto_paisagem_cultural.pdf. Acessado em Agosto 2016.
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séculos apresentam, nos dias atuais, situações distintas que podem ser
caracterizadas desde aquelas onde se encontram estruturas expressivas, vestígios
arqueológicos dispersos, até sítios sobre os quais se desenvolveram novas cidades.
(IPHAN, 2014, p.4)
[grifo nosso]
Como uma tentativa de organizar o conhecimento existente sobre o assunto e direcionar
para a gestão dos bens culturais, os estudos e proposições, no âmbito do Projeto referido
anteriormente, partem de uma abordagem do território missioneiro como Paisagem Cultural,
e visam à interação entre os processos culturais e o meio ambiente, seguindo o conceito do
IPHAN. Além disso, o Projeto propõe buscar a valorização dos sítios protegidos, pela
compreensão do “Sistema” reducional”, e numa perspectiva de tornar o seu patrimônio um
ativo para apoiar o desenvolvimento sociocultural e econômico da região, projetando e
estabelecendo perspectivas para o seu desenvolvimento. (IPHAN, 2014, p.4). Para isto, o
projeto pretende
“ampliar o alcance dos instrumentos de proteção e de valorização do patrimônio
cultural brasileiro. Particularmente em relação ao patrimônio missioneiro, busca-se
evoluir na aplicação dos instrumentais técnico-jurídicos e das políticas públicas
voltadas à preservação, por meio de ações amplas, desenvolvidas a partir do
conceito de território, relacionando o fato histórico com seu espaço geográfico, seu
contexto natural/paisagístico e sócio-cultural.”
(IPHAN/RS, 2015)
Para alcançar esses objetivos, estão elencadas algumas estratégias a serem feitas, como o
levantamento de informações e de documentação referente ao patrimônio do território do
antigo Sistema missional; a delimitação de poligonal do PHNM incluindo todos os elementos
considerados significativos; a elaboração de um Sistema de Gestão Integrado entre
Governo Federal (IPHAN), Estado e Municípios; o estabelecimento de projetos estratégicos
visando à recuperação do patrimônio integrado ao desenvolvimento econômico regional.
A complexidade de uma possível paisagem cultural: os quatro sítios
missioneiros e seus desafios de gestão
Ao pensar o Projeto e a área de abrangência dessa possível paisagem cultural missioneira,
os técnicos do IPHAN/RS se viram diante de um cenário extremamente complexo e que
demanda, no trabalho cotidiano, diferentes esforços dentro de um cenário, aparentemente
homogêneo, como é o caso do Parque Histórico. Em função das especificidades e
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singularidades de cada Redução e do processo pós reducional, o cenário e os desafios nos
4 Sítios são diferentes8:
O Sítio de São Miguel Arcanjo, no município de São Miguel das Missões, sempre foi muito
valorizado e alvo principal de intervenções e estudos, tanto acadêmicos quanto
institucionais. O Sítio, tombado pela sua monumentalidade e excepcionalidade em 1938 no
livro de Belas Artes, é uma paisagem já conhecida e cartão postal do Rio Grande do Sul
(por exemplo, foi palco da passagem da tocha olímpica e a imagem do estado gaúcho nos
jogos). O Município, que se emancipou de Santo Ângelo em 1988, e desenvolveu-se no
entorno imediato das ruínas, possui uma ligação com as ruínas desde a década de 1920,
quando, em 1926, é criada a lei do perímetro urbano que preserva as estruturas e a área da
antiga praça da redução. Na década de 1970 a área das ruínas passa a ser uma área
cercada que ao longo dos anos foi sendo ampliada e, para isso, seguindo uma orientação e
tendência nacional, terrenos foram desapropriados.
Este fato gerou, na época, uma indisposição de parte da população com o IPHAN: a escola,
o clube e outras edificações que eram referências e possuíam uma função social para a
população atual e que se encontravam no terreno ao norte do Sítio foram demolidos para
permitir uma visibilidade maior do Sítio para o horizonte e vice-versa. Embora esta não seja
mais a prática do IPHAN, o assunto faz parte de um passado ainda recente e que está
presente na memória de alguns moradores. Esta política de demolição de bens que não são
do período reducional não é mais a seguida pelo Instituto, que busca cada vez mais se
aproximar da população, valorizando e valorando os diferentes processos históricos
ocorridos.
Outro desafio que se apresenta neste Sítio é também de viés morfológico e urbanístico, uma
vez que o Sítio, no entendimento dos moradores, está localizado no meio da cidade e a
divide (embora, cronologicamente, a cidade tenha surgido depois). As principais edificações
da antiga vila e, posteriormente cidade de São Miguel, o “centro” - escola, clube, igreja -
estavam implantadas no entorno imediato do Sítio, como o já apontado anteriormente.
Entretanto, com a intervenção do IPHAN para a ampliação do espaço protegido, esse
núcleo é alterado e muda a dinâmica da cidade. Com isso, há, por exemplo, acessos no
8 Cabe aqui, novamente, a ressalva de que este artigo é baseado na prática cotidiana e profissional dos técnicos
que atualmente estão lotados no escritório do PHNM – IPHAN/RS. Isso significa que são impressões e resultados de observações e discussões enquanto equipe técnica e enquanto gestores do Parque. O objetivo deste trabalho não é aprofundar embasamentos teóricos, e sim propor uma discussão sobre a prática de gestão.
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cercamento do Sítio, de uso exclusivo dos moradores, que cruzam o Sítio para se deslocar
de um lado a outro da cidade.
Os Sítios de São João Batista e São Lourenço Mártir, localizados em distritos rurais e
tombados na década 1970 com valor histórico, embora apresentem diferenças entre si,
poderiam ser analisados juntos. Ambos os Sítios estão localizados em áreas rurais, sem a
pressão imobiliária e num contexto de pequenas e médias propriedades no entorno. Ambos
ainda possuem cemitérios utilizados pela população local, com enterramentos recentes
(sepultamentos desta década, por exemplo) e com um fluxo menor de visitantes do que em
São Miguel, inclusive em função da dificuldade de acesso. Para estes Sítios, a postura do
IPHAN em relação à intervenção no patrimônio foi diferente, optando-se por evidenciar,
através de trabalhos de conservação permanentes, a ação do tempo nas estruturas, criando
uma paisagem “bucólica” e mais integrada à natureza.
Diante desse contexto tipicamente rural, os desafios que se apresentam são outros: As
áreas demarcadas como sítios arqueológicos correspondem a uma área maior que as áreas
cercadas, ou seja, há propriedades particulares demarcadas como “com potencial
arqueológico” e que, portanto, devem seguir a legislação nº 3924, de 26 de julho de 1961,
que limita o uso para criação e plantação em um sítio arqueológico. Isto em um contexto
rural, de criação e plantação muitas vezes para subsistências das famílias vizinhas ao Sítio,
torna-se um problema. As desapropriações foram estudadas, porém não houve recurso
financeiro para que elas se concretizem e a questão fundiária ainda não se encontra
resolvida. Embora nesses sítios haja a colaboração dos poderes municipais em alguns
momentos em função dos usos e atividades da população (uso do cemitério e criação de
ovelhas na área), há o entendimento de que, por ser bem tombado pelo IPHAN, cabe
principalmente e primeiramente a ele a manutenção e preservação do Sítio.
O Sítio de São Nicolau, localizado no município de mesmo nome, possui um outro contexto,
diferente dos anteriores. Assim como o que ocorreu com São Miguel das Missões, a atual
cidade cresceu no entorno do Sitio Histórico, porém sem a área ter sido cercada. Com isso,
a população se apropriou do espaço da antiga praça da redução como principal espaço
público, com a instalação, inclusive, de equipamentos e edificações com função social para
a população atual - o Centro de Tradições Gaúchas- CTG e a Escola, atualmente Secretaria
de Assistência Social. Assim, o atual espaço de socialização da cidade é o mesmo que o da
antiga redução, convivendo a dinâmica atual com as estruturas remanescentes
missioneiras. Observa-se que a apropriação da praça é diferente do que acontece em São
Miguel, talvez em função do não cercamento. O local atualmente é muito frequentado pela
população, o que levou, inclusive, a um projeto de requalificação urbanística na década de
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1980. Neste espaço, ocorrem eventos importantes da cidade, como por exemplo o “Café de
Cambona”, evento já tradicional e que reúne aproximadamente 20 mil pessoas em um final
de semana.
Como desafio que se coloca neste Sítio, está justamente esse aparente conflito entre as
ruínas e a vida na praça, uma vez que há o Café - com estantes e barracas muito próximas
das estruturas e dos pisos originais -; fluxo e permanência de pessoas, que, em algumas
vezes, acarreta em pichações e vandalismo; crianças que necessitam de espaços
recreativos; edificações como o CTG e a Secretaria dentro da área de Sítio - e aqui se
coloca a questão já ocorrida em São Miguel: retirar essas estruturas ou deixá-las e
requalificá-las, uma vez que fazem parte da história recente e da dinâmica atual da cidade.
Além dessas singularidades, a gestão desses sítios apresenta desafios em comum: a
relação com a comunidade de uma maneira geral e a questão de “desenvolvimento versus
preservação”, a questão turística e as suas demandas, a relação com a população indígena,
a necessidade de buscar a participação das municipalidades em ações de valorização e
promoção dos bens e o entendimento das responsabilidades específicas do IPHAN e dos
municípios.
As diferentes paisagens dentro da Paisagem: uma proposta de Paisagem além
das Reduções
A complexidade e o desafio para a gestão da paisagem cultural missioneira ampliam-se na
medida em que a ideia extrapola os limites físicos dos quatro sítios tombados e os limites
históricos do período reducional. Através de uma extensa bibliografia e material produzidos
sobre a região das Missões, principalmente no âmbito acadêmico, observa-se a dimensão e
a riqueza cultural da região ligado aos diversos processos históricos nela ocorridos.
Através de estudos e relatos, é possível identificar outras estruturas missioneiras
relacionadas com o processo histórico das reduções que não se encontram fisicamente nas
áreas abrangidas por estes quatros sítios tombados (lembrando também que o antigo
território das Missões se estendia para outros países). Talvez o exemplo mais claro seja as
fontes missioneiras - estruturas de abastecimento e captação de água que desempenhavam
papel fundamental na vida da redução e que não estão contempladas nos tombamentos.
Além dessas, outras estruturas conhecidas, como fornos, barreiros, olarias e pedreiras, que
também faziam parte do sistema reducional, não estão contempladas, atualmente, nas
áreas protegidas. Ampliando-se ainda mais a questão, há estruturas de estâncias e currais
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de pedra que, segundo alguns estudos e relatos9, integram o sistema missioneiro e que
estão dispersos pelo território gaúcho, como por exemplo remanescentes localizados na
porção sul no estado, em Uruguaiana, Aceguá e Alegrete.
Figura 3- Fazenda no município de Aceguá - possivelmente
do período missioneiro. Fonte: Arquivo IPHAN/RS.
Figura 4 - Taipa de pedra na região sul do
estado. Fonte: Arquivo IPHAN/RS.
Extrapolando este período histórico e pousando o olhar para a região das missões, observa-
se a presença muito forte da cultura de imigração, através dos processos migratórios
apontados anteriormente. Sendo assim, a região missioneira também é constituída de uma
rica, embora singela, arquitetura de imigrantes, com casas em técnica enxaimel, edificações
luso-brasileiras, italiana e polonesa. Além disso, há edificações de outros períodos
arquitetônicos, como edificações ecléticas em Santo Ângelo. Há também, um rico e
diversificado patrimônio imaterial, saberes e culturas não apenas dos indígenas, mas
também dos imigrantes, com festas, danças e comidas típicas das diferentes etnias.
9 Embora já haja relatos e estudos sobre essas estruturas dispersas, é necessário um aprofundamento maior
sobre o assunto para uma maior precisão.
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Figura 5 - Soleira de porta em casa luso-brasileira - uso de
pedra das reduções. Fonte: Arquivo IPHAN/RS.
Figura 6 - Casa feita com técnica enxaimel,
localizado em Pirapó. Fonte: Arquivo
IPHAN/RS.
Figura 7 - Detalhe de casa em Roque Gonzalez, com
entalhes em madeira característicos da imigração italiana.
Fonte: Arquivo IPHAN/RS.
Figura 8 - Edificação eclética, em São Borja.
Fonte: Arquivo IPHAN/RS.
Conclusão
Este é o estágio atual da discussão no IPHAN – buscar identificar no que consiste a
Paisagem Cultural Missioneira e, dentro das possíveis paisagens culturais existentes nesta
região - uma vez que há diferentes recortes temáticos, históricos e socioeconômicos
possíveis - quais delas farão parte do Parque Histórico Nacional das Missões.
Talvez, a questão seja, diante da amplitude e complexidade desta Paisagem, selecionar,
neste momento e dada a capacidade de gestão, um recorte temático temporal. Com isso,
optar-se por um foco do conceito do PHNM, de forma a caracterizar a sua paisagem cultural
e, principalmente, estabelecer um plano de gestão para que o mesmo possa ser um indutor
do desenvolvimento sustentável da região. Ademais, é importante refletir também sobre
aqueles bens identificados como de valor cultural, porém não relacionados diretamente ao
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recorte do Parque e pensar se cabe ao IPHAN atuar, juntamente com outros atores, sobre
esses bens ou apenas acompanhar a sua gestão.
Diante deste contexto, discutir a Paisagem Missioneira, os recortes a serem feitos para a
delimitação e a conceituação do Parque Histórico Nacional das Missões e sua gestão
tornam-se desafios atuais frente a essa nova realidade - entender Missões não apenas
como os quatro Sítios tombados em nível Nacional, mas sim como Paisagem Cultural das
Missões e toda a contribuição que a mesma pode acarretar para o desenvolvimento da
região.
REFERÊNCIAS
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MEIRA, A. L. G. O passado no futuro da cidade: políticas públicas e participação dos cidadãos na preservação do patrimônio cultural de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004a.
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IPHAN. Disponível em <www.iphan.gov.br>. Acessado em agosto de 2016.
URI. Levantamento De Elementos do Patrimônio Turístico-Cultural da Região Missioneira. Termo de Cooperação entre IPHAN e URI. 2008 http://www.urisan.tche.br/~iphan/?module=section&action=read&id=apresentacao. Acessado em agosto de 2016.