padrões espaciais e de atividade da cuíca chironectes...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE BIOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS‐GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
Padrões espaciais e de atividade da cuíca
d’água Chironectes minimus em rios de Mata Atlântica no sudeste do Brasil
Melina de Souza Leite
Orientador: Fernando Antonio dos Santos Fernandez
Dissertação apresentada ao Programa de Pós‐Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para obtenção do título de Mestre em Ecologia.
2009
i
BANCA EXAMINADORA
________________________________
Prof. Dr. Gonzalo Medina‐Vogel
(Universidad Andrés Bello)
________________________________
Prof. Dr. Marcus Vinícius Vieira
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
_______________________________
Prof. Dr. Fernando A. S. Fernandez
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Suplentes
_________________________________
Profa. Dra. Rosana Gentile
(Fundação Oswaldo Cruz)
_________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo de Viveiros Grelle
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
ii
FICHA CATALOGRÁFICA
Leite, M. S.
Padrões espaciais e de atividade da cuíca d’água Chironectes minimus em rios de Mata Atlântica
no sudeste do Brasil.
Rio de Janeiro, 2009
xi + 80 p.
Dissertação (Mestrado em Ecologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,Departamento de
Ecologia, 2009.
1. Marsupiais
2. Organização espacial
3. Sistema de acasalamento
4. Extensão de uso
5. Ritmos circadianos
I. Fernandez, F. A. S. (orient.)
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro ‐ Departamento de Ecologia
III. Título
iii
AGRADECIMENTOS
À minha família por todo apoio, incentivo, carinho e principalmente amor durante
todos os momentos da minha vida. A minha avó Julia por todo o amor e por suas histórias da
roça. A minha mãe, Elza, por acreditar em mim mesmo sem saber no que eu realmente
trabalho e o que eu tanto faço no “mato”. A minha irmã, Juliana, por todas as referências
como bióloga e irmã, de onde pude me espelhar e ser capaz de trilhar meus próprios passos.
Ao meu pai, Ary de Souza Leite, pelo amor que carrego comigo desde sua partida. Aos meus
irmãos mais velhos, Ariany, Allan, Ary, Augusto e Rodrigo que mesmo de longe sempre
amaram e cuidaram da irmã caçula.
Ao meu orientador, um rodentia efetivo, Fernando por acreditar em meu potencial e
entregar‐me o desafio de estudar o mais maravilhoso mamífero do mundo. Por me apoiar em
cada passo importante, me ajudando a seguir com minhas próprias pernas os tortuosos
caminhos do conhecimento.
Aos meus amigos mais queridos que já foram ou ainda são do Laboratório de Ecologia
e Conservação de Populações, Alexandra, Bruno, Camila, Clarissa, Daniela, Leandro, Maron,
Paula, Renato, Thiago, Verônica, por tudo que a gente fez, falou, trabalhou e curtiu dentro e
fora do laboratório.
Às novas paulistanas: Camila, pelas revisões de texto, caronas, saídas, fofocas e
mostrar que garra é um dos requisitos básicos para se ser ecólogo no Brasil; e Paula pelas
dicas, projetos, revisões e por me ensinar o penoso ofício de fazer radiotelemetria no campo.
Ao Maron por começar toda essa aventura junto comigo e não desistir nunca, não
desanimar e ir pra campo com toda empolgação e força sempre (He‐man!). Ao Thiago por ser
paciente, controlado, organizado e sistemático, sempre disposto a uma noite de rádio de puro
sufoco aos trancos e barrancos, e mesmo sendo ranzinza, taciturno e sorumbático eu gosto
muito da sua compania. À gauchinha Daniela, que chegou de pára‐quedas e bombacha na
capital fluminense, compartilhando comigo cada momento na difícil jornada de uma
mestranda em pleno caos carioca, me mostrando o lado bom das coisas (ou menos pior) e
acreditando que, mesmo não sendo nerd, a gente é boa nisso e consegue o que quer. À
Cristina pela linda amizade, compartilhando também dos sofrimentos e alegrias da pesquisa no
Brasil, por me permitir usar a estufa do seu laboratório e alugar um carro em seu nome para
eu ir a campo no desespero de uma Kombi quebrada.
À Lelê, por ser um exemplo de pesquisadora e um amor de pessoa, por ajudar nos
projetinhos de curso de campo com idéias criativas. Toda vez que a Lelê fala eu tenho vontade
de ter um gravador à mão! Por ser o meu lema: “quando eu crescer, quero ser igual a você!”.
iv
Aos amigos que desfrutaram de pelo menos uma noite de radiotelemetria buscando
bichos quase imaginários, caminhando (ou nadando) cambaleante, porém sem desistir, sobre
pedras, matacões, cachoeiras e poços fundos, seguindo uma louca correndo de vestes
estranhas e aparelho esquisito no pescoço e antena na mão: Maron, Thiago, Dane, Leandrão,
Bernardo Papi, Léo, Ana Fiorini, Verônica, Jerê, Gordon, Vinícius, Lara, Gabriel, Jorge, Jayme,
Renato, João, Igor, Bruno, Luiz Felipe e Pelotas. Aos muitos outros amigos que foram para uma
excursão de campo ajudar na armadilhagem e triagem dos animais. Por compartilharem das
aventuras e desaventuras, das conversas e jogos em noites claras ou de chuva forte no campo.
Às meninas do apertamento, Cintia, Janaína, Gabriela e por último, mas não menos
importante, Natália, por compartilharem o mesmo teto por quase seis anos, limpando (ou não)
a casa, se reunindo pra conversas sérias, conversas fora, festinhas e joguinhos. Por me
aturarem tanto em todos os momentos de perturbação, quando não estava no campo ou em
Tarituba. Aos amigos da vida que fazemos entre encontros e desencontros, por todo
aprendizado e carinho recebido.
Ao Franklin por me ensinar o mais simples e puro amor que se pode sentir. Por
acreditar em mim em todos os momentos da carreira e da vida, aturando as crises de estresse
e TPM, os nervosismos de momentos decisivos e dando toda força e motivação pra seguir em
frente. Também por me ajudar a ser menos nerd, fazer esportes e curtir a vida!
Ao pessoal da Fazenda Reserva Botânica Águas Claras, França, Silvino, Dona Maria,
Florentino, Gunga, Guila e muitos outros, por todo apoio, conversas, dicas de campo,
desatolamentos de Kombi e ajuda nos mais de 4 anos de convivência mensal. À proprietária da
Fazenda, Cecília Amorim, e sua família por confiarem em nós e nos acolherem em sua casa,
nos dando todo suporte necessário e acreditar em nossos estudos.
À querida Gabriela Labouriau que trouxe com todo carinho meus colares de Nova
Iorque pro Rio de Janeiro. Meus sinceros agradecimentos à família Labouriau, tio Ivan, tia Lucy
e Luciana, que me acolheram no Rio da melhor maneira para que eu pudesse estudar.
Aos órgãos financiadores: CNPq pela bolsa de iniciação científica (PIBIC) e de
mestrado; CEPEF‐IC por dar suporte financeiro nos início do projeto; Idea Wild por financiar
colares radiotransmissores; e em especial à Fundação O Boticário de Proteção à Natureza por
acreditar em nossos trabalhos e apoiar por quatro anos consecutivos os projetos
desenvolvidos para a elaboração desta dissertação e de muitos outros estudos do LECP. À
Associação Mico‐Leão Dourado pelo apoio logístico no início do projeto e pela disposição em
sempre poder colaborar. Ao Peter Laver pela ajuda como o programa ABODE, criado pelo
próprio, e pela ajuda nas análises dos dados de padrões espaciais.
v
Ao Programa de Pós‐Graduação em Ecologia, seus coordenadores, professores e
secretárias pela dedicação em fazer um dos melhores programas de pós‐graduação do Brasil,
do qual me orgulho de fazer parte.
Por fim, mas não menos importante, ao mais maravilhoso e único marsupial semi‐
aquático do mundo, ser possuidor de adaptações únicas e fantásticas, capaz de motivar
pesquisadores loucos por desafios e em busca das descobertas mais interessantes na ciência.
Quem será??
vi
RESUMO
Os padrões espaciais e de atividade da cuíca d’água Chironectes minimus foram estudados
usando radiotelemetria e captura‐marcação‐recaptura, em rios de Mata Atlântica do sudeste
do Brasil. Este estudo teve o objetivo de entender: (1) a organização espacial; (2) o sistema de
acasalamento; (3) os padrões de atividade diária da espécie e (4) compará‐los com outros
marsupiais e com outros mamíferos semi‐aquáticos. Entre outubro de 2004 e outubro de 2008
foram realizadas 45 sessões de captura e 15 indivíduos foram monitorados com radiocolares
na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. A razão sexual da população capturada foi
fortemente desviada para machos. Machos foram cerca de 30% mais pesados e apresentaram
extensões de uso de rio cerca de três vezes maior (amplitude 2580 – 7700 m) do que fêmeas
(amplitude 870 – 2460 m). Houve alta sobreposição de extensões de uso entre os indivíduos
(mediana, mínimo ‐ máximo: 53, 8 – 100%), com exceção das fêmeas que apresentaram
extensões de uso aparentemente exclusivas em relação a outras fêmeas. Ambos os sexos
percorriam cerca de 30% da extensão de uso por noite. Este padrão está de acordo com as
distâncias médias calculadas entre tocas subseqüentes. Em geral, a cuíca d’água apresentou
um padrão unimodal de atividade noturna, com um pico de atividade nas primeiras horas após
o pôr do sol, entretanto houve grande variação individual. Machos e fêmeas não diferiram
quanto à duração da atividade por noite (machos 299 ± 137 minutos; fêmeas 232 ± 75,6
minutos). A duração da noite influenciou positivamente a duração da atividade dos animais. O
horário de início de atividade das fêmeas foi positivamente correlacionado com o horário de
pôr do sol, o mesmo não ocorreu para machos. O horário de fim de atividade não foi
correlacionado com o horário de nascer do sol para nenhum dos sexos. Os padrões espaciais
observados, o dimorfismo sexual e o desvio na razão sexual da população sugerem um sistema
de acasalamento poligínico ou promíscuo para a cuíca d’água. As diferenças ecológicas e
comportamentais encontradas entre os sexos, tanto no que diz respeito ao uso do espaço
quanto do tempo, podem ser atribuídas às estratégias reprodutivas distintas para cada sexo. A
maioria dos marsupiais neotropicais previamente estudados apresenta padrões espaciais e de
atividade semelhantes aos resultados encontrados para a cuíca d’água. Sendo assim, conclui‐
se que as semelhanças nos padrões espaciais e de atividade exibidos pelos marsupiais
neotropicais provavelmente ocorrem devido às restrições filogenéticas moldadas por ritmos
endógenos.
PALAVRAS‐CHAVE: marsupiais, organização espacial, sistema de acasalamento, extensão de uso,
horário de atividade.
vii
ABSTRACT
Spatial and activity patterns of the water opossum Chironectes minimus were studied by
radiotracking and capture‐mark‐recapture, in Atlantic Forest streams, southeastern Brazil. This
study aimed to understand: (1) the species’ spatial organization; (2) mating system; (3) daily
activity pattern and (4) comparing it with others marsupials and semi‐aquatic mammals.
Between October 2004 and October 2008, 45 capture sessions were conducted and 15
individuals were radiotracked in Águas Claras basin, Silva Jardim, Rio de Janeiro state.
Captured population sex ratio was strongly male biased. Males were 30% heavier and showed
home length about three times longer (2580‐7700 m) than females (870 – 2460 m). There was
high home length overlap between individuals (median, minimum – maximum: 53, 8 – 100%),
with exception of females that apparently showed exclusive home lengths in relation to other
females. Both sexes traveled about 30% of its home length per nigth, and it was consistent
with the mean distance between adjacent dens. In general, the water opossum showed a
nocturnal unimodal activity pattern, with an activity peak in the first hours of the night,
however there were high individual variation. There was no sexual differences as to the
activity length per night (males 299 ± 137 minutes; females 232 ± 75.6 minutes). Night length
positively influenced animals activity length. Activity beginning for females was positively
correlated with sunset, unlike males. Activity ending was not correlated with sunrise for
neither sexes. Spatial patterns, sexual dimorphism and biased sex ratio suggest a poliginic or
promiscuous mating system. Thus, ecological and behavioral differences found between sexes
in the use of space and time can be attributed to distinct reproductive strategies by each sex.
The most of neotropical marsupial every studied show spatial and activity pattern similar to
thw water opossum. Thereby, the similarities between marsupials ecology probably are
atributed to philogenetic constraints shaped by endogen rhytms.
KEYWORDS: marsupials, spatial organization, mating system, home length, activity rhytms.
viii
ÍNDICE GERAL
AGRADECIMENTOS iii
RESUMO vi
ABSTRACT vii
ÍNDICE DE TABELAS ix
ÍNDICE DE FIGURAS x
INTRODUÇÃO GERAL 1
ÁREA DE ESTUDO 5
MÉTODOS GERAIS 7
CAPÍTULO I – Organização espacial e sistema de acasalamento da cuíca d’água Chironectes
minimus em rios de Mata Atlântica no sudeste do Brasil
1.1 – INTRODUÇÃO 11
1.2 – MÉTODOS 14
1.3 – RESULTADOS 20
1.4 – DISCUSSÃO 29
CAPÍTULO II – Padrões de atividade da cuíca d’água Chironectes minimus em rios de Mata
Atlântica no sudeste do Brasil.
1.1 – INTRODUÇÃO 40
1.2 – MÉTODOS 42
1.3 – RESULTADOS 44
1.4 – DISCUSSÃO 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS 56
CONCLUSÕES 60
REFERÊNCIAS 61
ANEXOS 76
ix
ÍNDICE DE TABELAS
CAPÍTULO I
TABELA I.1 21
Resultados do monitoramento de nove cuícas d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras,
Silva Jardim, RJ. As informações fornecidas são: sexo, massa corporal, período de monitoramento,
número de localizações consideradas para as análises, estimativas de extensão de uso por comprimento
total entre localizações extremas (CT) e kernel unidimensional (K‐UNI), CT por noite, proporção do CT
usada a cada noite, extensão núcleo e proporção do K‐UNI que a extensão‐núcleo representa.
TABELA I.2 26
A ‐ Sobreposição de extensão de uso (CT e K‐UNI) e extensão‐núcleo (E‐NÚCLEO) entre pares de
indivíduos da cuíca d’água Chironectes minimus monitorados num mesmo período na bacia do rio Águas
Claras, Silva Jardim, RJ. B ‐ Mediana (mínimo – máximo) da porcentagem de sobreposição entre um
indivíduo do sexo na linha com outro indivíduo do sexo na coluna. Letras diferentes apontam diferenças
significativas (P < 0,05) entre as extensões de uso/núcleo (Kruskal‐Wallis: CT: H2 = 9,88, n = 20, P = 0,007;
K‐UNI: H2 = 10,78, n = 18, P = 0,005; E‐NÚCLEO: H2 = 2,1, n = 20, P = 0,34). Os estimadores de extensão de
uso não diferiram entre si (Wilcoxon: Z = 0,20, n = 18, P = 0,84), mas K‐UNI diferiu da extensão‐núcleo
(Wilcoxon; macho‐macho: Z = 2,4, n = 10, P = 0,017; fêmea‐macho: Z = 2,2, n = 6, P = 0,028) exceto para o
par macho‐fêmea (Z = 0,94, n = 5, P = 0,34).
x
ÍNDICE DE FIGURAS
ÁREA DE ESTUDO
FIGURA 1 3
A cuíca d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ.
FIGURA 2 6
Localização da área de estudo no município de Silva Jardim, estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil.
Em destaque, porção média da bacia do rio Águas Claras mostrando os rios e alguns pequenos tributários
(linhas de menor espessura) utilizados pela cuíca d’água Chironectes minimus. Em negrito está a área de
cobertura da grade de armadilhagem. A área hachurada indica um pequeno pântano. As setas negras
indicam quedas d’água naturais de pelo menos 5 m de altura e a seta cinza indica uma represa desativada
de 3 m de altura. Coordenadas na projeção Universal Transverse Mercator (UTM).
CAPÍTULO I
FIGURA I.1 16
Método de delineamento de áreas núcleo segundo Powell (2000). Áreas núcleo (linha côncava) são
delimitadas quando a densidade de probabilidade é maior do que esperado para uma distribuição
aleatória (linha reta) ou uniforme (linha convexa). Modificado de Laver (2005b).
FIGURA I.2 22
Análise das assíntotas utilizando os estimadores CT (A) e K‐UNI (B) e o número de localizações para as
nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. CT –
comprimento total entre localizações extremas. K‐UNI – kernel unidimensional (ver métodos). Cada curva
refere=se a um indivíduo monitorado, cujos nomes estão citados na legenda da figura A. Os indivíduos
Robin e Panqueca estão representados por duas curvas, cada qual referente a um ano de
monitoramento.
FIGURA I.3 24
Fidelidade à extensão de uso para dois indivíduos da cuíca d’água Chironectes minimus monitorados por
dois anos na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. As linhas negras representam as sobreposições
entre os anos através das estimativas de CT. A – Robin; os círculos contínuos representam as estimativas
do kernel para o ano de 2005 e os pontilhados o ano de 2007. B – Panqueca; os círculos contínuos
representam as estimativas de kernel para o ano de 2006 e os pontilhados o ano de 2007.
xi
CAPÍTULO II
FIGURA II.1 45
Correlação entre o horário de início de atividade e o horário de pôr do sol da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. Círculos em negrito indicam fêmeas (n = 13) e
círculos em cinza indicam machos (n = 32). Linha contínua em negrito: reta de melhor ajuste para fêmeas
em ambas as estações (rs = 0,705 n =13 , P = 0,007). Linha pontilhada em negrito: reta de melhor ajuste
para machos apenas na estação chuvosa (rs = 0,664, n = 11, P = 0,025). A linha pontilhada cinza marca o
horário do pôr do sol; pontos acima dela indicam início de atividade após do pôr do sol. Acima estão
marcados os intervalos de horários de pôr do sol nas estações seca e chuvosa.
Figura II.2 46
Correlação entre o horário de fim de atividade e o horário de pôr do sol da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. Círculos em negrito indicam fêmeas (n = 14) e
círculos em cinza indicam machos (n = 17). A linha pontilhada cinza marca o horário do nascer do sol,
pontos acima dela indicam fim de atividade após do nascer do sol.
Figura II.3 47
Proporção de localizações ativas em cada período da noite de seis indivíduos da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. a ‐ c machos; d ‐ e fêmeas.
Figura II.4 48
Medianas das proporções de localizações ativas em cada período da noite entre machos (n=7) e fêmeas
(n=3) da cuíca d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. As barras
representam o 3º quartil. As proporções de localizações ativas diferiram entre os sexos (G = 20,9, g.l. = 2,
P = 0,0001), mas somente na segunda parte da noite (U = 1,5, P = 0,04).
Figura II.5 49
Regressão linear parcial entre a duração da noite e a duração da atividade da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. R²adj = 0,59, F2,8 = 7,495, P = 0,01.
ANEXOS
Anexo 1 75
Extensões de uso por CT (linhas em negrito) e K‐UNI (contorno externo), extensões‐núcleo (contorno
interno), e locais de tocas (pontos brancos) de nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na
bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ.
Anexo 2 80
Curvas de delineamento da área‐núcleo para nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na
bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. Métodos segundo Powell (2000), na qual as linhas côncavas
representam a relação entre a máxima probabilidade de uso da área de vida e a porcentagem da área de
vida. As áreas‐núcleo são delineadas quando a curva apresentar um coeficiente angular igual a ‐1 (ver
métodos do Capítulo I).
1
INTRODUÇÃO GERAL
A organização dos animais no espaço e no tempo tem sido uma das principais
preocupações das ciências Ecologia, Biologia Evolutiva e mais atualmente da Biologia da
Conservação. Um dos aspectos de interesse é a área de vida, definida como a área usada por
um organismo durante suas atividades normais, como forrageamento, reprodução e cuidado
com a prole (Burt 1943). O conhecimento do tamanho, forma e padrão de utilização da área de
vida de um animal é particularmente importante para estudos relacionados com dinâmica
populacional, sistema de acasalamento, forrageamento, seleção de habitat, distribuição de
recursos e interações ecológicas (Harris et al. 1990, Kernohan et al. 2001). Tal conhecimento é
também uma importante ferramenta para o manejo e conservação das espécies. Apesar da
natureza fundamental da área de vida para a biologia das espécies, determinar os aspectos de
seu tamanho e estrutura ainda é uma tarefa difícil para certos grupos animais, como é o caso
dos mamíferos semi‐aquáticos. Para estes animais de difícil captura e hábitos discretos, a
radiotelemetria se tornou uma ferramenta muito útil para coletar dados sistematicamente
sobre seu comportamento e características de seu uso do espaço e tempo.
O formato da área de vida de um animal é fortemente influenciado pelo tipo e forma
do habitat, como também pelo comportamento da espécie no habitat. De acordo com estas
características, um animal pode possuir uma área de vida relativamente unidimensional,
quando o comprimento do habitat é bem maior do que a largura, bidimensional, ou até
mesmo tridimensional, quando se considera a estratificação vertical em animais voadores,
arborícolas, escansoriais ou aquáticos. A unidimensionalidade do habitat e, conseqüentemente
da área de vida, é particularmente importante para as espécies de mamíferos semi‐aquáticos
que vivem em rios, costa de estuários e lagos. Entretanto, esta conformação relativamente
linear da área de vida limita o número de técnicas que podem ser empregadas para as
estimativas unidimensionais de área de vida (extensão de uso), já que quase todos os
estimadores até hoje propostos são bi‐dimensionais.
O conhecimento da distribuição espacial dos indivíduos na população, o grau de
interação entre eles e a existência de territorialidade são informações imprescindíveis para o
entendimento do sistema de organização social e acasalamento de uma população (Hixon
1987, Ostfeld 1990, Maher & Lott 1995). Para mamíferos, as relações entre os padrões de
organização espacial e social resultaram em modelos que predizem o sistema de acasalamento
Introdução geral
2
de acordo com as diferenças de uso do espaço entre machos e fêmeas na população (Hixon
1987, Ims 1987, Ostfeld 1985, 1990). Segundo Emlen & Oring (1977), dependendo do grau de
monopolização de parceiros sexuais, o sistema de acasalamento em uma população pode ser:
monogâmico, quando nenhum dos sexos tem oportunidade de monopolização de membros
adicionais do sexo oposto; poligínico, quando machos freqüentemente controlam ou têm
acesso a múltiplas fêmeas; poliândrico, quando fêmeas freqüentemente controlam ou têm
acesso a múltiplos machos; e promíscuo, quando ambos os sexos têm acesso a múltiplos
parceiros sexuais.
Assim como é importante saber onde o animal está e como ele se relaciona com o
espaço, não se pode deixar de entender uma importante dimensão do nicho ecológico, a
alocação do tempo para as atividades e descanso. Determinar os padrões de atividade das
espécies em vida livre é tão importante para a história natural das espécies como para o
manejo e desenvolvimento de projetos de pesquisas. Tais padrões geralmente seguem uma
periodicidade circadiana nos mamíferos (Bartnes & Albers 2000) e claramente possuem valor
adaptativo porque eles permitem aos organismos antecipar mudanças periódicas (Aschoff
1966, Enright 1970). Os ritmos de atividade resultam de complexos trade‐offs entre o tempo
de forrageamento ótimo, a ecologia social, as interações competitivas e de predador‐presa,
restrições ambientais e fisiológicas e requerimento de energia. O uso da radiotelemetria
também permitiu avanços nos estudos de padrões de atividade, principalmente para espécies
pequenas, crípticas e noturnas. Esse é o caso da cuíca d’água Chironectes minimus, onde
apenas recentemente aspectos de sua ecologia puderam ser estudados (Galliez et al. 2009).
A cuíca d’água é o único marsupial semi‐aquático do mundo (Marshall 1978) (Fig. 1) e
habita principalmente rios de montanha desde o norte da Argentina até o sul do México
(Nowak 1991). É uma espécie noturna, de hábitos discretos e com diversas adaptações ao
modo de vida anfíbio, tais como: corpo fusiforme, patas traseiras com grandes membranas
interdigitais, pêlo denso e impermeável e grande quantidade de vibrissas (Marshall 1978,
Nowak 1991, Fernandez et al. 2007). A cuíca d’água parece utilizar principalmente rios paras
suas atividades de locomoção e alimentação (Galliez et al. 2009). Os primeiros dados
ecológicos consistentes sobre a espécie apontam para um sistema de acasalamento poligínico
ou promíscuo, pois há diferenças sexuais marcantes na forma de uso do espaço (Galliez et al.
2009). Fêmeas aparentam ser territorialistas com áreas de vida pequenas, enquanto machos
possuem áreas de vida muito maiores e não exclusivas (Galliez et al. 2009). Quanto aos seus
padrões de atividade diária, a cuíca d’água parece concentrar suas atividades no início da noite
Introdução geral
3
(Zetek 1930, Mondolfi & Padilha 1958), sendo que machos estendem suas atividades para a
segunda metade da noite enquanto fêmeas restringem‐se à primeira metade (Galliez et al.
2009).
Figura 1. A cuíca d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ.
Este estudo teve por objetivo compreender de maneira mais aprofundada os padrões
espaciais e temporais da cuíca d’água em rios de Mata Atlântica no sudeste do Brasil através
das técnicas de radiotelemetria e de captura‐marcação‐recaptura. O conhecimento gerado
neste estudo, além de contribuir para a história natural, é particularmente destinado a
utilização para o manejo e conservação da espécie. A cuíca d’água é considerada rara ao longo
de sua distribuição (Emmons & Feer 1997) e encontra‐se em diversas listas de espécies
ameaçadas no Brasil (SEMA 1998, Bergallo et al. 2000, Marques et al. 2002, Fundação
Biodiversitas 2003, Mikich & Bérnis 2004), principalmente por falta de dados ou ameaças ao
habitat. Segundo Galliez et al. (2009), as principais ameaças à espécie são a degradação dos
rios e matas ciliares, que pode impedir a dispersão dos indivíduos e o fluxo gênico entre
populações, acelerando as taxas de extinção, assim como ocorre com a fragmentação de
ecossistemas terrestres. Outros riscos para a cuíca d’água são a poluição e a eutrofização dos
rios e a introdução de espécies exóticas, processos já comuns no Brasil (Agostinho et al. 2005).
Introdução geral
4
Por se tratar de uma espécie semi‐aquática restrita a rios, os padrões espaciais da
cuíca d’água foram calculados por estimativas unidimensionais (extensão de uso) a fim de
produzir estimativas mais acuradas e comparáveis entre estudos. Os ritmos de atividade foram
descritos e comparados aos padrões unimodal, uniforme ou arrítmico. Devido à possível
existência de um sistema de acasalamento poligínico ou promíscuo (Galliez et al. 2009), os
sexos foram comparados em quase todos os parâmetros analisados, a fim de compreender
melhor as diferenças sexuais na organização espacial e temporal da espécie. Adicionalmente,
foram descritos aspectos comportamentais observados oportunisticamente durante o
monitoramento dos animais. Por fim, foram feitas comparações dos resultados encontrados
com outras espécies de mamíferos semi‐aquáticos e marsupiais neotropicais. Estas
comparações buscaram compreender a influência das convergências adaptativas ao ambiente
e das restrições filogenéticas moldando a ecologia da espécie. A cuíca d’água pode apresentar
padrões espaciais e de atividade mais semelhantes aos mamíferos semi‐aquáticos,
independente de sua ancestralidade filogenética, decorrentes das adaptações ao modo de
vida. Alternativamente, a cuíca d’água pode apresentar padrões semelhantes a outros
marsupiais neotropicais, indicando um predomínio das restrições filogenéticas sobre sua
ecologia.
A presente dissertação encontra‐se dividida em dois capítulos, cada qual abordando
subtemas da ecologia da espécie. O primeiro capítulo trata da organização espacial e do
sistema de acasalamento da cuíca d’água. O segundo capítulo discorre sobre os padrões de
atividade da espécie. Por fim, encontram‐se as conclusões sobre os aspectos da ecologia da
espécie abordados nos dois capítulos.
5
ÁREA DE ESTUDO
O presente estudo foi conduzido na bacia do rio Águas Claras (22° 30’S; 42° 30’O),
situada no município de Silva Jardim, estado do Rio de Janeiro, Brasil (Fig. 2). A bacia do rio
Águas Claras deságua no médio curso do rio São João, o qual se caracteriza por ser um dos
principais cursos d’água da região sudeste do estado (Bidegain & Völcker 2003). A região é
fortemente influenciada pelas cadeias de montanhas circundantes, as quais atingem elevação
máxima de cerca de 1000 m acima do nível do mar (Mantovani 1997). O clima é classificado
como tropical úmido e quente. Entre 1968 e 2008, a média mensal da precipitação (± desvio
padrão) variou entre 104,2 ± 50,5 mm na estação seca (abril a setembro), e 272,6 ± 74,1 mm
na estação chuvosa (outubro a março; Fonte: Agência Nacional das Águas). A temperatura
média mensal varia entre 19°C no inverno e 25°C no verão (Mantovani 1997). A vegetação é
classificada como floresta ombrófila densa submontana, e atualmente inclui porções de
vegetação secundária e remanescentes da floresta original (Mantovani 1997).
O rio Águas Claras nasce no Parque Estadual dos Três Picos a 800 m de altitude,
percorrendo uma extensão de 10,3 km até desembocar no rio São João (Bidegain & Völcker
2003). Este rio possui oito tributários principais (Bidegain & Völcker 2003), dentre os quais os
rios Floresta, Dona Rosa, Maria Antônia, Jordão e Canoa Podre. Seu curso superior e médio
ainda possui condições bem conservadas, com substrato pedregoso e a presença de
corredeiras, remansos e ocasionalmente poços profundos (Bidegain & Völcker 2003). Próximo
à foz do rio Dona Rosa existe uma represa desativada de cerca de 3 m de altura. O curso
inferior do rio Águas Claras, depois da confluência com o rio Floresta, flui através de campos
de agricultura e pasto e sofreu retificações entre as décadas de 1950 e 1980 (Bidegain &
Völcker 2003). Nesta parte do rio o substrato é arenoso, as águas são calmas e rasas, e há
trechos sem mata ciliar. Atualmente ainda existe extração ilegal de areia e pedras para
construção civil. O trecho estudado do rio Águas Claras – final do curso superior, curso médio e
início do curso inferior – possui largura média de 10 m e profundidade média de 0,4 m.
Os rios Floresta e Dona Rosa são tributários do trecho médio do rio Águas Claras e são
bem preservados, com poucas áreas sem mata ciliar; consistem de corredeiras e remansos
com substrato pedregoso. Ao longo do rio Floresta existe uma seqüência de três cachoeiras de
até 12 m de altura. O trecho estudado do rio Floresta – curso médio e inferior – possui largura
média de 7 m e profundidade média e 0,4 m. O curso médio e inferior do rio Dona Rosa possui
Área de estudo
6
largura média de 4 m e profundidade média de 0,3 m. Os rios Maria Antônia e Jordão são
tributários do trecho superior do rio Águas Claras e possuem características bem conservadas
tanto no leito de substrato pedregoso quanto nas margens de mata ciliar. A largura média do
trecho inferior do rio Maria Antônia é de 5,5 m e do rio Jordão de 4,5 m, sendo as
profundidades médias 0,4 e 0,3 m, respectivamente. O rio Canoa Podre desemboca no trecho
inferior do rio Águas Claras, entre campos de pastagem e agricultura. Possui substrato
pedregoso com áreas de remanso e corredeira ao longo de todo seu curso, entretanto
apresenta trechos da margem sem mata ciliar, sua profundidade média é de 0,3 m e largura
média de 4 m. Todos os rios da bacia são abastecidos por pequenos tributários permanentes e
sazonais de até 1,5 m de largura, e 0,2 m de profundidade, de substrato arenoso e pedregoso.
Figura 2. Localização da área de estudo no município de Silva Jardim, estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil.
Em destaque, porção média da bacia do rio Águas Claras mostrando os rios e alguns pequenos tributários (linhas de
menor espessura) utilizados pela cuíca d’água Chironectes minimus. Em negrito está a área de cobertura da grade
de armadilhagem. A área hachurada indica um pequeno pântano. As setas negras indicam quedas d’água naturais
de pelo menos 5 m de altura e a seta cinza indica uma represa desativada de 3 m de altura. Coordenadas na
projeção Universal Transverse Mercator (UTM).
7
MÉTODOS GERAIS
Métodos de captura – Sessões de captura de cinco noites de duração foram realizadas
mensalmente entre outubro de 2004 e outubro de 2008, exceto em novembro de 2004,
março, novembro e dezembro de 2006. As áreas amostradas incluíram um trecho do rio Águas
Claras e três pequenos tributários, um trecho do rio Floresta e dois pequenos tributários e um
trecho do rio Dona Rosa (Fig. 1). As estações de armadilhagem eram posicionadas em locais
favoráveis para maximizar o sucesso de captura. As distâncias entre estações consecutivas
variaram entre 20 e 200 m. Cada estação possuía de uma a três armadilhas dependendo da
largura do rio. De acordo com o desenho amostral, foram posicionadas de 10 a 120 armadilhas
em diferentes trechos do rio em cada sessão de captura, totalizando 4.931 armadilhas x noite.
Seguindo o método desenvolvido por Bressiani & Graipel (2008), armadilhas de arame
de captura viva de dupla entrada (Gabrisa Ltda., Cafelândia, Brasil, 90,0 x 21,0 x 21,0 cm;
Tomahawk Live Trap Co., Tomahawk, Wisconsin, EUA, 96,6 x 15,2 x 15,2 cm e 81,3 x 22,9 x
22,9 cm) foram posicionadas sobre barreiras formadas por pedras e galhos dentro dos rios de
maneira que o pedal ficasse fora da água. A barreira era formada de modo a direcionar o fluxo
d’água através da armadilha, induzindo o animal a entrar na armadilha enquanto nadava. Após
cada sessão de captura, as armadilhas eram removidas e as barreiras desmanchadas. Até
março de 2006, não foram usadas iscas nas armadilhas. Em abril e maio de 2006, as armadilhas
foram iscadas com bacon e frutas, e de junho de 2006 até o fim do estudo foram utilizados
camarões (Litopenaeus vannamei) ou peixes (Engraulidae) como isca.
Animais capturados foram marcados individualmente usando brincos numerados
(modelo 1005‐1, National Band and Tag Co., Newport, Kentucky, EUA). Para cada indivíduo
capturado, foram registradas a estação de captura, sexo, condição reprodutiva (filhotes no
marsúpio ou tetas inchadas para fêmeas, posição dos testículos para machos), medidas
corporais (massa e comprimento da cauda), e idade (seqüência de erupção dentária). Como o
padrão de erupção dentária para a cuíca d’água não é bem conhecido, a identificação da idade
dos animais baseou‐se na classificação proposta por Rocha (2000) para Didelphis e Philander,
dois gêneros filogeneticamente próximos a Chironectes (Jansa & Voss 2000). Após a triagem os
animais foram imediatamente soltos no mesmo local de captura.
Radiotelemetria – Indivíduos adultos capturados foram equipados com um radiocolar
com sensor de atividade (SOM‐2380A, Wildlife Materials, Inc., Murphysboro, Illinois, EUA; ou
Métodos gerais
8
TXE‐207C, Telenax, Playa del Carmen, México). Os radiotransmissores pesavam
aproximadamente 15 g, correspondendo a até 5% da massa do animal, como recomendado
por Jacob & Rudran (2003). Não foram observados efeitos adversos óbvios do radiocolar nos
animais monitorados.
Os animais foram monitorados durante a noite, utilizando a técnica “homing‐in on the
animal” com um receptor TR‐4 e uma antena RA‐14k (Telonics, Inc., Mesa, Arizona, EUA). Esta
técnica consiste em seguir o sinal do transmissor até a obtenção de contato visual do animal
monitorado (White & Garrot 1990), ou quando é possível ouvir o sinal do radiocolar com a
antena desconectada do receptor (Lira et al. 2007). Para diminuir os problemas de
autocorrelação dos dados, localizações sucessivas do mesmo indivíduo foram tiradas com pelo
menos 1 h de intervalo (Linders et al. 2004, Endries & Adler 2005), o qual é considerado tempo
suficiente para um indivíduo atravessar toda a extensão de sua área de vida. As localizações
foram registradas com um aparelho de sistema de posicionamento global portátil (GPS Garmin
12; Olathe, Kansas, EUA), com base em referências geográficas (coordenadas na projeção
Universal Transverse Mercator – UTM). Os erros das localizações foram calculados através da
distância média à qual os indivíduos localizados eram avistados. Em 67 avistamentos durante
as sessões de monitoramento, o animal encontrava‐se a até 15 m de distância do observador.
Cada sessão de monitoramento iniciava‐se quando o animal deixava a toca,
normalmente depois do pôr do sol, e terminava apenas ao nascer do sol no dia seguinte, com
o animal já de volta a uma toca. Localizações diurnas foram obtidas para verificar possíveis
atividades diurnas e para localização de tocas. A atividade dos indivíduos foi detectada através
da flutuação da intensidade do sinal do radiocolar. Todo o protocolo de captura, triagem e
monitoramento do animal foi aprovado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA‐SISBIO, processo número: 12425‐1).
Análise dos dados – Todos os teste estatísticos seguiram Zar (1999) e foram calculados
utilizando os programas BioEstat 5.0 (Ayres et al. 2008) e Statistica 7.0 (StatSoft, Inc., Tulsa,
Oklahoma, EUA). A normalidade dos dados foi testada com o teste de Shapiro‐Wilk e através
de análises gráficas dos resíduos segundo Gotelli & Ellison (2004). A homogeneidade das
variâncias foi testada com o teste de Levene. Os resultados dos testes paramétricos são
apresentados como média ± desvio padrão. Para os dados que violaram as premissas acima
descritas, foram utilizados testes não paramétricos e os resultados são apresentados como
mediana, valor mínimo – valor máximo. Nos testes em que cada indivíduo monitorado foi
considerado uma amostra, a mediana dos valores foi calculada para cada indivíduo. Esta
Métodos gerais
9
medida foi tomada devido ao baixo tamanho amostral de alguns indivíduos e ao fato de que os
resultados em minutos não estão estritamente em escala contínua, para testes analisando
duração da atividade. O nível de significância considerado foi de α = 0,05. Os valores de P
apresentados são bicaudais, exceto aqueles onde há uma predição direcional para comparação
dos grupos, por exemplo, em alguns testes comparando machos e fêmeas.
1
CAPÍTULO I
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL E SISTEMA DE ACASALAMENTO
DA CUÍCA D’ÁGUA CHIRONECTES MINIMUS EM RIOS DE
MATA ATLÂNTICA NO SUDESTE DO BRASIL
11
INTRODUÇÃO
A organização dos animais no espaço descreve a maneira pela qual os indivíduos
dentro de uma população se distribuem na paisagem, incluindo a manutenção de áreas‐
núcleo, áreas de vida e territórios (Mares & Lacher 1987). Tal organização é resultado de
táticas adotadas pelos indivíduos para sobreviver e maximizar o sucesso reprodutivo (Sandell
1989 apud Belcher & Darrant 2004). O uso de tocas é também um importante aspecto do uso
do espaço pelos animais e pode prover informações sobre o grau de sociabilidade (Brock &
Kelt 2004), sistema de acasalamento (Endries & Adler 2005) e preferências de habitat da
espécie (Shibata et al. 2004). Tal padrão de distribuição espacial fornece informações
imprescindíveis para o entendimento do sistema de organização social e acasalamento de uma
população (Hixon 1987, Ostfeld 1990, Maher & Lott 1995). Dentre os mamíferos, as fêmeas
são tipicamente encarregadas de grande parte do cuidado parental, o que resulta no uso
diferencial do espaço entre os sexos (Trivers 1972, Emlen & Oring 1977, Clutton‐Brock 2007,
2009).
Os modelos para pequenos mamíferos que relacionam a organização espacial com a
social (Ostfeld 1985, Hixon 1987, Ims 1987, Ostfeld 1990) predizem que o uso do espaço por
fêmeas reflete a abundância, distribuição, taxa de reposição dos recursos e proteção da prole
(Wolff 1993), o que pode levar à territorialidade intrasexual (Ostfeld 1990, Wolff 1993). Já o
uso do espaço por machos reflete uma estratégia de maximizar o acesso às fêmeas, que vai
depender da distribuição e uso do espaço pelas fêmeas (Ostfeld 1990). Machos podem
apresentar territorialidade se a distribuição de fêmeas é agrupada, ou ausência de
territorialidade se distribuição de fêmeas é uniforme (territorial) (Ostfeld 1990). Portanto, a
existência ou não de territorialidade intrassexual pode permitir entender os sistemas de
organização social e, por conseguinte, o sistema de acasalamento da espécie.
Diversos são os fatores que determinam o tamanho da área de vida dos animais
(Harestad & Bunnell 1979, Damuth 1981, Bergallo 1990, Kelt & van Vuren 2001), tais como:
tamanho corporal, taxas metabólicas, disponibilidade, densidade e distribuição de recursos,
dieta, estrutura social e densidade populacional. A massa corporal tem sido considerada uma
das principais causas de variações interespecíficas no tamanho da área de vida entre
mamíferos (McNab 1963, Harestad & Bunnell 1979, Swihart et al. 1988, Kelt & van vuren
2001). Por conseguinte, diferenças marcantes de tamanho corporal entre machos e fêmeas
Capítulo I ‐ Introdução
12
(dimorfismo sexual) podem atuar como fatores que diferenciam os padrões espaciais entre os
sexos de uma mesma espécie (Fisher & Owens 2000, Marcelli et al. 2003). O dimorfismo sexual
é supostamente causado pela especialização em diferentes presas para evitar competição
intersexual ou por diferenças na estratégia reprodutiva entre os sexos (Erlinge 1979, Moors
1980). Em mamíferos, o dimorfismo sexual desviado para machos é geralmente associado à
seleção sexual atuando na competição por fêmeas em sistemas poligínicos ou promíscuos
(Wilson & Pianka 1963, Erlinge 1979, Moors 1980). Dessa forma, em espécies onde haja
dimorfismo sexual marcante, os sexos devem possuir diferenças na forma de uso do espaço
não só devido ao sistema de acasalamento, mas também devido a diferenças ecológicas e
comportamentais (Erlinge 1979, Moors 1980, Marcelli et al. 2003 Isaac 2005).
Poucos estudos já foram feitos com marsupiais neotropicais e seus padrões de uso do
espaço. O padrão geralmente encontrado prediz que machos se movimentam mais e possuem
áreas de vida não exclusivas e maiores do que fêmeas, enquanto fêmeas são geralmente
territoriais com pequena área de vida (Lay 1942, Fleming 1972, Gillette 1980, Sunquist et al.
1987, Ryser 1992, Grelle 1996, Pires & Fernandez 1999, Cáceres & Monteiro‐Filho 2001,
Cáceres 2003, Moraes Jr & Chiarello 2005, Galliez et al. 2009). Este modelo de organização
espacial indica um sistema de acasalamento poligínico, no qual um macho tem acesso a várias
fêmeas, ou promíscuo, no qual ambos os sexos têm acesso a mais de um parceiro sexual.
Entretanto, há relatos na literatura de ausência de territorialidade em marsupiais tanto inter
quanto intrasexualmente (Holmes & Sanderson 1965, Hunsaker 1977 apud Cáceres &
Monteiro‐Filho 2001, Charles‐Domininque 1983, Julien‐Laferrière 1995, Gentile et al. 1997),
levando alguns autores a acreditarem que a ausência de territorialidade possa ser uma regra
em marsupiais neotropicais (Charles‐Dominique 1983, Julien‐Laferrière 1995).
O objetivo deste capítulo foi entender o padrão de organização espacial e o sistema de
acasalamento da cuíca d’água em rios de Mata Atlântica no sudeste do Brasil, com a utilização
das técnicas de radiotelemetria e de captura‐marcação‐recaptura. Baseado no escasso
conhecimento ecológico existente para a espécie (Mondolfi & Padilha 1958, Marshall 1978,
Nowak 1991, Galliez et al. 2009), e nos modelos de organização espacial descritos para
pequenos mamíferos (Ostfeld 1985, Hixon 1987, Ims 1987, Ostfeld 1990), testou‐se a hipótese
de um sistema de acasalamento poligínico ou promíscuo para a cuíca d’água formulando‐se as
seguintes predições. (1) Machos devem possuir maior massa que fêmeas. (2) Machos devem
possuir maiores extensões de uso do que fêmeas. (3) Fêmeas devem ser territoriais quanto à
presença de outras fêmeas. (4) Deve haver uma grande sobreposição espacial entre as
Capítulo I ‐ Introdução
13
extensões de uso de machos. (5) Machos devem possuir padrões de movimentação diários
maiores do que fêmeas. (6) Fêmeas devem percorrer maiores proporções de sua extensão de
uso por noite para defesa de território. (7) Os sexos devem diferir quanto às suas preferências
de uso de habitats e de tocas.
Para testar as hipóteses formuladas foram selecionadas dois métodos diferentes para
as estimativas de extensão de uso. Os estimadores de extensão de uso foram comparados
entre si e discutidos quanto às suas implicações ecológicas e aplicabilidade para uma espécie
semi‐aquática. Os resultados encontrados foram comparados com outras espécies de
marsupiais neotropicais e mamíferos semi‐aquáticos, na busca de melhor compreensão dos
mecanismos evolutivos e adaptativos que atuam na manutenção do sistema de organização
social e de acasalamento da espécie.
14
MÉTODOS
Parâmetros populacionais – A razão sexual da população foi analisada a partir das
taxas de captura e recaptura dos indivíduos adultos. Esta medida, apesar de não ser
exatamente a razão sexual operacional (razão entre machos e fêmeas prontos para
reprodução, Kvarnemo & Ahnesjö 1996), pode ainda assim fornecer informações importantes
sobre o sistema de acasalamento da espécie. O dimorfismo sexual foi analisado apenas através
da massa corporal de machos e fêmeas adultos capturados.
Padrões espaciais – Para calcular a extensão de uso da cuíca d’água, as localizações
obtidas para cada indivíduo foram plotadas em um mapa georreferenciado contendo o curso
dos rios, utilizando o programa ArcGIS 9.3 (Environmental Systems Research Institute,
Redlands, California). Para as estimativas de uso do espaço, foram utilizadas tanto as
localizações obtidas por radiotelemetria quanto por captura.
O primeiro estimador de extensão de uso escolhido para análises foi o comprimento
total de rio utilizado entre as localizações mais extremas (CT). Esta forma de estimar a
extensão de uso é amplamente utilizada para mamíferos semi‐aquáticos por ser simples e de
fácil aplicação para um conjunto de dados com número amostral baixo (Sauer et al. 1999,
Blundell et al. 2001). Além disso, parece não ser afetado por dados autocorrelacionados (Garin
et al. 2002).
Como o CT pode ser considerado pouco acurado e conservativo (Sauer et al. 1999), a
extensão de uso foi também calculada através do comprimento dos rios inseridos no
delineamento de área produzido pelo método kernel (K‐UNI), como recomendado por Blundell
et al. (2001). Este método já se mostrou bastante acurado para estimativas unidimensionais
(Sauer et al. 1999, Blundell et al. 2000, 2001, Medina‐Vogel et al. 2007). Foi utilizado o kernel
fixo com parâmetro de suavização de referência (href) para estimativas lineares dentro de 95%
do volume de contorno da área de vida (Blundel et al. 2001). O href é considerado adequado
quando as localizações são precisas (Jacob & Rudran 2004) e é menos sensível a pequeno
tamanho amostral (Seaman et al. 1999, Blundell et al. 2001). Excluir os 5% do volume de
contorno do kernel ou localizações é um método padrão para correções do efeito de
Capítulo I ‐ Métodos
15
localizações extremas em estimativas de área de vida (Jacob & Rudran 2004); tais localizações
podem representar excursões ocasionais para fora da área de vida do animal (“outliers”).
Área‐núcleo é considerada a área mais freqüentemente usada por um animal dentro
de sua área de vida (Samuel et al. 1985). Nem todos os animais possuem necessariamente
uma área‐núcleo (Powell 2000), e isso pode ocorrer devido a padrões de uso do espaço
aleatórios ou uniformes. Para testar a possível existência de áreas‐núcleo (extensões‐núcleo)
dentro da extensão de uso da cuíca d’água, foi utilizada a análise proposta por Powell (2000)
(Fig. I.1), ao invés da utilização de uma porcentagem já estabelecida como área‐núcleo (e.g.
50% do volume de contorno do kernel). Neste método, é observado para cada animal a curva
resultante da relação entre a porcentagem da área de vida e a máxima probabilidade de uso
da área de vida. Em teoria, o uso de espaço de maneira aleatória produzirá uma reta de
coeficiente angular igual a ‐1. O uso uniforme resulta em uma curva convexa, enquanto o uso
agrupado em uma curva côncava. A área‐núcleo é então delineada dentro de uma
porcentagem do volume de contorno da área de vida. Esse delineamento ocorre no ponto em
que a curva côncava possui um coeficiente angular igual a ‐1, na qual o volume de contorno da
área‐núcleo é a maior distância entre a curva e a reta de distribuição aleatória (Fig. I.1).
Entretanto, este modelo pode produzir áreas‐núcleo mesmo para distribuições aleatórias ou
uniformes, apenas porque a probabilidade de uso aumenta significativamente para dentro da
distribuição (Laver 2005a). A decisão, portanto, baseia‐se na forma das curvas apresentada
pelo gráfico para cada indivíduo (Laver 2005a), quanto mais côncava maior a probabilidade do
animal possuir uma área‐núcleo. Adicionalmente, um critério de seleção utilizado para decidir
se um indivíduo possui área‐núcleo ou não foi comparar a proporção de localizações que
estavam inseridas nas áreas‐núcleo. Acima de 90% das localizações inseridas na área‐núcleo
podem indicar um uso não agrupado da área de vida, ou seja não há área‐núcleo, mesmo que
a curva resultante tenha sido côncava.
Capítulo I ‐ Métodos
16
uniforme
aleatório
Máxima probabilidade de uso (%)
% daárea
de vida
agrupado
Figura I.1. Método de delineamento de áreas núcleo segundo Powell (2000). Áreas núcleo (linha côncava) são
delimitadas quando a densidade de probabilidade é maior do que esperado para uma distribuição aleatória (linha
reta) ou uniforme (linha convexa). Modificado de Laver (2005b).
Para as análises de área‐núcleo foi utilizado o kernel fixo com parâmetro de suavização
por validação cruzada dos quadrados mínimos (LSCV, Blundell et al. 2001). O volume de
contorno resultante da área‐núcleo foi utilizado para delimitar a extensão‐núcleo
(comprimento de rio dentro do contorno da área‐núcleo). As extensões‐núcleo calculadas
foram transformadas em porcentagens da extensão de uso e comparadas com a porcentagem
da área‐núcleo através do teste de Wilcoxon. Este teste foi feito porque a relação
bidimensional de uma área‐núcleo dentro de uma área de vida pode diferir da relação
unidimensional da extensão‐núcleo dentro de uma extensão de uso. Todas as estimativas de
extensão de uso e análises de área núcleo foram calculadas utilizando a extensão ABODE
(Laver 2005a) no programa ArcGIS 9.3 (Environmental Systems Research Institute, Redlands,
California).
A autocorrelação entre localizações sucessivas não possui efeito aparente nas
estimativas de extensão de uso com qualquer método kernel (Blundell et al. 2001) ou CT
(Garin et al. 2002). Desta forma, foi presumido que a autocorrelação não afetou as estimativas
de tamanho de extensão de uso (de acordo com Swihart & Slade 1985, Otis & White 1999,
Powell 2000). Entretanto, foi respeitado o intervalo de uma hora entre localizações sucessivas,
Capítulo I ‐ Métodos
17
como explicado anteriormente. Este intervalo se mostrou suficiente para que um animal possa
se mover entre os extremos de sua área de vida/extensão de uso, como sugerido por Otis &
White (1999).
A estimativa do tamanho da área de vida de um animal é fortemente dependente do
número de localizações obtidas e tende a aumentar à medida que aumenta o número de
localizações, até atingir uma assíntota (Harris et al. 1990). A sensibilidade das estimativas de
tamanho de extensão de uso foi analisada para ambos estimadores de extensão de uso (CT e
K‐UNI) através da construção de curvas entre o número de localizações e o tamanho
cumulativo da extensão de uso para cada indivíduo. As curvas foram construídas adicionando
as localizações de maneira aleatória, como recomendado por Harris et al. (1990) para dados de
localizações com intervalos irregulares. Para as estimativas de K‐UNI foram utilizadas as
assíntotas de área construídas a partir da área obtidas pelo kernel, já que estas estimativas são
altamente correlacionadas e provém uma boa indicação das assíntotas unidimensionais
(Blundell et al. 2001). Para o estimador K‐UNI foram feitas 20 reamostragens para cada
indivíduo, sendo a curva construída a partir da média das reamostragens (Laver 2005b). Os
resultados plotados no gráfico foram inspecionados visualmente para verificar se houve
suficiência amostral para cada indivíduo combinando os resultados para CT e K‐UNI.
Adicionalmente, foram feitas correlações de Spearman (rs) entre o número de localizações e o
tamanho da extensão de uso para analisar se o esforço amostral foi suficiente.
Como a territorialidade possui diversas definições dependendo do táxon e do objetivo
do estudo (Maher & Lott 1995), a territorialidade neste estudo será definida como a área
defendida contra indivíduos da mesma espécie e, portanto, exclusiva para um indivíduo.
Entretanto, a defesa de território pode ser difícil de observar em espécies crípticas, como é o
caso da cuíca d’água; logo o grau de sobreposição entre extensões de uso será usado como
uma evidência da territorialidade (Maher & Lott 1995). Para isso foi desenvolvida uma análise
de interação estática entre indivíduos que foram monitorados num mesmo período. A
interação estática mede a quantidade de sobreposição espacial entre dois animais sem
referência ao tempo (White & Garrot 1990, Kernohan et al. 2001). As sobreposições foram
estimadas pela proporção de extensão de uso do indivíduo A que se sobrepõe com a do
indivíduo B, e pela proporção de extensão de uso do individuo B que se sobrepõe com a do
indivíduo A (White & Garrot 1990, van der Ree & Bennett 2003).
O grau de sobreposição entre as áreas‐núcleo/extensões‐núcleo pode ser um descritor
mais acurado da tolerância social do que sobreposições entre áreas de vida/extensões de uso.
Capítulo I ‐ Métodos
18
Desta forma, calculou‐se também as sobreposições entre as extensões‐núcleo dos indivíduos
da mesma maneira descrita acima. É importante ressaltar que o grau de sobreposição é
específico de cada indivíduo (% sobreposição de A com B é diferente da % sobreposição de B
com A). Foram calculadas interações estáticas para pares definidos pelos sexos: macho‐macho
que é porcentagem de sobreposição da extensão de uso de um macho com outro macho;
fêmea‐macho, a porcentagem de sobreposição da extensão de uso de uma fêmea com um
macho; e macho‐fêmea, a porcentagem de sobreposição da extensão de uso de um macho
com uma fêmea. A ausência de fêmeas monitoradas num mesmo período impossibilitou os
cálculos de interação para a dupla fêmea‐fêmea. A fidelidade à extensão de uso foi calculada
apenas para indivíduos com mais de um ano de monitoramento, através da proporção de
sobreposição entre as estimativas dos anos (Kernohan et al. 2001). Para estes indivíduos, foi
utilizada a média entre os anos das extensões de uso para as análises dos padrões espaciais.
Para entender melhor o uso de diferentes tipos de corpos d`água pela cuíca d’água, foi
feita uma comparação entre sexos das proporções de uso de pequenos tributários e rios
principais, através do teste de Mann‐Whitney. Em cada ocasião na qual foi possível visualizar o
animal, foi anotada sua posição em relação ao rio: dentro do rio, na margem ou na mata ciliar
(≥1 m da calha do rio).
Padrões de movimentação – A velocidade de deslocamento dos indivíduos dentro do
rio foi calculada através das distâncias e do tempo entre localizações sucessivas do animal em
atividade. Devido à possível influência da correnteza da água, foram comparadas as
velocidades de deslocamento dos indivíduos a favor e contra o fluxo d’água através do teste
de Wilcoxon. Para entender o padrão de movimentação noturno dos animais, as estimativas
de extensão de uso (CT) foram calculadas para cada noite de monitoramento. Estas
estimativas foram transformadas em proporções das estimativas totais do CT, e comparadas
entre os sexos através do teste t. O K‐UNI não foi utilizado para este cálculo devido ao baixo
número de localizações por noite.
Uso de tocas – Os indivíduos monitorados tiveram suas tocas localizadas durante o dia,
quando o animal se encontrava inativo dentro da toca. A localização precisa da entrada da
toca foi feita diretamente através do avistamento do animal saindo da toca no início da
atividade noturna, ou indiretamente através da busca de aberturas na margem dos rios de
Capítulo I ‐ Métodos
19
acordo com a intensidade do sinal do radiotransmissor. O número de tocas por indivíduo foi
calculado e comparado entre os sexos através do teste de Mann‐Whitney. Para entender o
padrão de distribuição das tocas dentro da extensão de uso dos animais, foi calculada a
distância entre as tocas contíguas para cada indivíduo. A partir daí, foi calculada para cada
distância a porcentagem do CT que esta distância representa. Para cada indivíduo foi calculada
a mediana destas porcentagens de distância e estas medidas comparadas entre machos e
fêmeas através do testes de t.
20
RESULTADOS
Foram obtidas 108 capturas de 37 indivíduos, o que corresponde a um sucesso de
captura de aproximadamente 2,2%. Durante o estudo, a razão sexual foi fortemente desviada
para machos, havendo cerca de seis machos para cada fêmea na população. Das capturas, 93
foram de 32 machos e 15 de cinco fêmeas (indivíduos: χ² com correção de Yates = 18,27 , g.l. =
1, P < 0,001). Entretanto, não houve diferenças entre os sexos quanto ao número de
recapturas por indivíduo (0–27 e 0–4 recapturas por indivíduo macho e fêmea,
respectivamente; U = 52,5, n1 = 32, n2 = 5, P = 0,22). Machos adultos foram cerca de 30% mais
pesados que fêmeas adultas (machos: 494 ± 90 g; fêmeas: 381 ± 34 g; t10 = 2,373, n1 = 8, n2 =4,
P = 0,039).
Foram equipados com radiocolares 18 indivíduos adultos; entretanto apenas 12
machos e quatro fêmeas puderam ser monitorados, devido à falha do radiocolar de dois
indivíduos. Foram obtidas 440 localizações entre julho de 2005 e outubro de 2008, com uma
grande variação no número de localizações (2‐65) e no tempo de monitoramento (0‐8 noites)
por indivíduo. Apenas nove indivíduos foram considerados para as análises de estimativas de
extensão de uso, por terem atingido uma assíntota entre o número de localizações e as
estimativas de CT e K‐UNI (Tab. I.1, Fig. I.2). Para estes indivíduos, não houve relação entre o
número de localizações e o tamanho da extensão de uso (CT: rs = 0,02, n = 9, P = 0,95; K‐UNI: rs
= 0,21, n = 9, P = 0,59). O tempo médio de monitoramento por indivíduo foi de cinco meses. O
fim do monitoramento ocorreu principalmente devido à falha nos radiocolares, com exceção
de três indivíduos que foram encontrados mortos sem causas aparentes relacionadas ao
radiocolar.
21
Tabela I.1. Resultados do monitoramento de nove cuícas d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. As informações fornecidas são: sexo, massa corporal,
período de monitoramento, número de localizações consideradas para as análises, estimativas de extensão de uso por comprimento total entre localizações extremas (CT) e kernel
unidimensional (K‐UNI), CT por noite, proporção do CT usada a cada noite, extensão‐núcleo, proporção do K‐UNI que a extensão‐núcleo representa e proporção de localizações inseridas na
extensão‐núcleo.
Indivíduo Sexo Massa (g)
Período de monitoramento
Número de localizações
CT (m)
CT por noite (m)
Proporção do CT (CT por noite/CT)
K‐UNI (m)
Extensão‐núcleo (m)
Proporção do K‐UNI (extensão núcleo/K‐UNI)
Proporção de localizações na extensão‐núcleo
Godofredo macho 380 jul-nov 05 60 3370 1180 0,35 3730 1520 0,41 0,88
Margarida fêmea 310 ago-set 05 16 870 140 0,16 900 380 0,42 0,75
Robin* macho 321 ago 05‐fev 06 e ago 07‐nov 07
34 4140 580 0,22 4270 1980 0,46 0,85
Paçoca fêmea 235 mai 06-out 06 28 1250 310 0,25 1330 472 0,35 0,71
Panqueca* macho 390 abr 06-out 06 e
jan 07-jul 07 54 2390 310 0,13 2660 1230 0,46 0,83
Tonico macho 340 jan‐mar 07 17 3440 1930 0,56 2700 1980 0,73 0,94
Malandro macho 330 abr-jul 07 19 3620 1635 0,45 5220 3630 0,70 1,00
Florzinha fêmea 350 abr 07-abr 08 65 2330 580 0,26 2460 1240 0,50 0,83
Rivaldo macho 335 abr-jul 08 28 5860 2835 0,48 7700 2400 0,31 0,82
* indivíduos monitorados por mais de um ano; resultados apresentados como média entre os anos.21
Capítulo I ‐ Resultados
22
A
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
5 15 25 35 45 55 65
CT (m
)
Número de localizações
Rivaldo Robin2005 Robin2007
Malandro Tonico Panqueca2006
Godofredo Panqueca2007 Florzinha
Paçoca Margarida
B
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
3,50
4,00
5 15 25 35 45 55 65
Área de vida (Km²)
Número de localizações
Figura I.2. Análise das assíntotas utilizando os estimadores CT (A) e K‐UNI (B) e o número de localizações para as
nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. CT –
comprimento total entre localizações extremas. K‐UNI – kernel unidimensional (ver métodos). Cada curva refere=se
a um indivíduo monitorado, cujos nomes estão citados na legenda da figura A. Os indivíduos Robin e Panqueca
estão representados por duas curvas, cada qual referente a um ano de monitoramento.
Capítulo I ‐ Resultados
23
Padrões espaciais – As estimativas de CT variaram entre 870 e 5860 m de extensão de rio
utilizada para a cuíca d’água (Anexo 1). Machos apresentaram estimativas de CT cerca de três
vezes maiores do que fêmeas (machos: 3530, 2580 – 5860; fêmeas: 1250, 870 – 2330 m; U’ =
18, n1 = n2 = 3, P = 0,02). Os resultados das estimativas de K‐UNI foram, em todos os casos
exceto por um, cerca de 15% maiores do que os resultados de CT (t8 = ‐1,86, n = 9, P = 0,049).
As estimativas de K‐UNI variaram entre 900 e 7700 m de extensão de rio (Anexo 1). Da mesma
forma, machos apresentaram estimativas de K‐UNI cerca de três vezes maiores do que fêmeas
(machos: 4475, 2700 – 7700 m; fêmeas: 1330, 900 – 2460 m; U’ = 18 n1 = 6, n2 = 3, P = 0,02).
Não houve correlação entre a massa corporal e o tamanho da extensão de uso dos animais
monitorados (CT: rs = 0,15, n = 9, P = 0,70; K‐UNI: rs = 0,23, n = 9, P = 0,54).
De acordo com o modelo proposto por Powell (2000), a análise das curvas entre a
porcentagem da área de vida e a porcentagem da máxima probabilidade de uso indicam que
quase todos os indivíduos apresentaram localizações agrupadas formando áreas‐núcleo
(Anexo 2). Apenas os indivíduos Tonico e Malandro pareceram não possuir uma área núcleo.
Isso foi constatado pela observação da curva gerada, pelas maiores proporções de delimitação
da extensão‐núcleo e pela alta proporção das localizações inserida na área núcleo, chegando
até a 100% das localizações para o indivíduo Malandro (Tab. I.1). A delimitação das áreas‐
núcleo variou entre 51 e 66 % (n = 7) do volume da área de vida. Entretanto essa delimitação
representou uma variação entre 31 e 50% da porcentagem da extensão de uso (K‐UNI). A
porcentagem de delimitação para as áreas‐núcleo foi cerca de 30% maior do que a
porcentagem de delimitação para as extensões‐núcleo (Wilcoxon: Z = 2,37, n = 7, P = 0,02),
sendo ambas as porcentagens não correlacionadas (rs = 0,30, n = 7, P = 0,50). Machos e fêmeas
não diferiram quanto à proporção da extensão de uso que formavam a extensão‐núcleo (U = 8,
n1 = 4, n2 = 3, P = 0,16).
As extensões‐núcleo variaram entre 380 e 2400 m de comprimento de rio. Machos
tiveram suas extensões‐núcleo quase quatro vezes maiores do que fêmeas (machos: 1750,
1230 – 2400 m; fêmeas: 472, 380 – 1240 m; U = 1, n1 = 4, n2 = 3, P = 0,04). Cada indivíduo
possuía em média 3 ± 0,7 fragmentos de extensão‐núcleo ao longo da extensão de uso. Cerca
de metade destas extensões‐núcleo estava associada aos locais de toca.
Para dois indivíduos monitorados por mais de um ano foi calculada a fidelidade à
extensão de uso através das estimativas de CT e de K‐UNI (Fig. I.3). Para as estimativas de CT,
ambos os indivíduos apresentaram alta fidelidade à extensão de uso, apresentando uma
mediana de 80% (61 – 100 %) de sobreposição das extensões de uso entre os anos. Já para as
Capítulo I ‐ Resultados
24
estimativas de K‐UNI apenas o indivíduo Panqueca apresentou alta fidelidade à extensão de
uso (cerca de 80% de sobreposição entre anos). Este indivíduo apenas diminuiu sua extensão
de uso no ano seguinte. Para o indivíduo Robin, apenas 45% de sua extensão de uso foi
mantida entre os anos, apresentando uma mudança na extensão de uso em sua porção
inferior, sendo que para o ano de 2007, este estimador fragmentou a área de vida do indivíduo
em três (Fig. I.3).
A B
Figura I.3. Fidelidade à extensão de uso para dois indivíduos da cuíca d’água Chironectes minimus monitorados por
dois anos em rios da bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. As linhas negras representam as sobreposições entre
os anos através das estimativas de CT. A – Robin; os círculos contínuos representam as estimativas do kernel para o
ano de 2005 e os pontilhados o ano de 2007. B – Panqueca; os círculos contínuos representam as estimativas de
kernel para o ano de 2006 e os pontilhados o ano de 2007.
As porcentagens de sobreposição de extensão de uso entre os pares macho‐macho,
macho‐fêmea e fêmea‐macho não diferiram entre os estimadores CT e K‐UNI (Wilcoxon: Z =
0,20, n = 18, P = 0,84, Tab. I.2). Tais pares de sobreposição apresentaram diferenças
significativas entre si (CT, H2 = 9,88, n = 20, P = 0,007; K‐UNI, H2 = 10,78, n = 18, P = 0,005; Tab.
I.2). O par macho‐fêmea foi o que apresentou as menores porcentagens de sobreposição,
diferindo significativamente dos pares macho‐macho (CT, P = 0,02; K‐UNI, P = 0,04) e fêmea‐
Capítulo I ‐ Resultados
25
macho (CT, P = 0,01; K‐UNI, P = 0,005). Macho‐macho e fêmea‐macho apresentaram uma alta
porcentagem de sobreposição e não diferiram entre si (CT, P = 1,00; K‐UNI, P = 0,87).
As porcentagens de sobreposição de extensões‐núcleo (Tab. I.2) entre os pares foram
menores do que os observados para as extensões de uso (K‐UNI) (Wilcoxon; macho‐macho: Z =
2,4, n = 10, P = 0,017; fêmea‐macho: Z = 2,2, n = 6, P = 0,028), exceto para a dupla macho‐
fêmea (Z = 0,94, n = 5, P = 0,34). Por apresentarem baixa sobreposição entre os indivíduos, as
sobreposições entre extensões‐núcleo não diferiram entre quaisquer pares (H2 = 2,1, n = 20, P
= 0,34).
Em 16 ocasiões foi observado outro indivíduo da cuíca d’água em locais próximos ao
indivíduo monitorado. Destas, quatro eram animais pequenos, o que pode indicar que fossem
jovens. Durante o monitoramento do macho Tonico, um macho jovem foi capturado
manualmente a menos de 50 m do animal monitorado. A sobreposição espacial entre machos
foi também evidente através da captura de diferentes machos na mesma estação de
armadilhagem ou em estações adjacente numa mesma sessão de armadilhagem (n = 12
ocasiões). Houve uma ocasião em que três machos foram capturados durante a mesma noite
em uma estação de armadilhagem com três armadilhas, dois adultos e um jovem. A captura de
machos e fêmeas em estações de armadilhagem próximas na mesma sessão de armadilhagem
também foi comum (n = 9 ocasiões). A captura de mais de uma fêmea em estações de
armadilhagem próximas nunca ocorreu. Dos 67 avistamentos dos animais em atividade, 59
(88%) encontraram o animal dentro do rio, sete (10,5%) na margem do rio e apenas um (1,5%)
na mata ciliar a cerca de 7 m de distância de um pequeno tributário (Florzinha).
A cuíca d’água utilizou principalmente dois dos três tipos de habitat aquático
existentes na área de estudo: os rios e seus pequenos tributários. Apenas uma área pantanosa
foi utilizada por dois indivíduos (Godofredo e Margarida). Esta área se conecta a um pequeno
tributário, onde havia tocas de ambos, e fica a poucos metros de distância do rio Águas Claras.
Machos e fêmeas diferiram quanto à proporção de utilização de rios e pequenos tributários (U’
= 18, n1 = 6, n2 = 3, P = 0,02). As fêmeas utilizaram pequenos tributários com uma freqüência
muito maior do que machos (fêmeas: 34, 30 – 43 % do CT; machos: 10, 2 – 13 % do CT).
26
Tabela I.2. A ‐ Sobreposição de extensão de uso (CT e K‐UNI) e extensão‐núcleo (E‐NÚCLEO) entre pares de indivíduos da cuíca d’água Chironectes minimus monitorados num mesmo período
na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. B ‐ Mediana (mínimo – máximo) da porcentagem de sobreposição entre um indivíduo do sexo na linha com outro indivíduo do sexo na coluna.
Letras diferentes apontam diferenças significativas (P < 0,05) entre as extensões de uso/núcleo (Kruskal‐Wallis: CT: H2 = 9,88, n = 20, P = 0,007; K‐UNI: H2 = 10,78, n = 18, P = 0,005; E‐NÚCLEO:
H2 = 2,1, n = 20, P = 0,34). Os estimadores de extensão de uso não diferiram entre si (Wilcoxon: Z = 0,20, n = 18, P = 0,84), mas K‐UNI diferiu da extensão‐núcleo (Wilcoxon; macho‐macho: Z =
2,4, n = 10, P = 0,017; fêmea‐macho: Z = 2,2, n = 6, P = 0,028) exceto para o par macho‐fêmea (Z = 0,94, n = 5, P = 0,34).
A
Indivíduo Sexo
A ‐ B A ‐ Bsobreposição
(m)
sobreposição
A (%)
Sobreposição
B (%)
sobreposição
(m)
sobreposição
A (%)
Sobreposição
B (%)
sobreposição
(m)
sobreposição
A (%)
Sobreposição
B (%)
Godofredo ‐ Margarida M ‐ F 680 20 78 900 24 100 310 20 82
Godofredo ‐ Robin M ‐ M 2860 85 52 1770 47 28 30 2 2
Robin ‐ Margarida M ‐ F 660 12 76 560 9 62 0 0 0
Panqueca ‐ Paçoca M ‐ F 680 26 54 900 30 68 110 9 23
Robin ‐ Panqueca M ‐ M 2580 47 100 2190 53 100 760 38 62
Robin ‐ Paçoca M ‐ F 670 12 54 900 14 68 290 15 61
Robin ‐ Malandro M ‐ M 2770 61 77 3270 52 63 860 43 24
Tonico ‐ Malandro M ‐ M 950 26 26 ‐ ‐ ‐ 0 0 0
Panqueca ‐ Malandro M ‐ M 1850 72 51 2420 80 46 760 62 21
Florzinha ‐ Rivaldo M ‐ F 1320 57 23 1500 61 19 590 48 25
CT K‐UNI E‐NÚCLEO
B
Macho Fêmea
CT 56 (26‐100)a
20 (12 ‐ 26)b
K‐UNI 52 (28 ‐ 100)a
19 (9 ‐ 30)b
E‐NÚCLEO 22 (0 ‐ 62)c
14 (0 ‐ 25)b, c
CT 76 (54 ‐ 78)a
‐
K‐UNI 67 (60 ‐ 100)a ‐
E‐NÚCLEO 48 (0 ‐ 82)c ‐
Macho
Fêmea
26
Capítulo I ‐ Resultados
27
Padrões de movimentação – Não houve diferenças entre os sexos quanto à velocidade de
deslocamento na água (machos: 0,36, 0,16 – 0,83 km/h; fêmea: 0,23, 0,15 – 0,6 km/h fêmeas;
U = 10, n1 = 8, n2 = 4, P = 0,31). Entretanto, as velocidades médias quando o animal descia o
rio foram maiores do que as velocidades de subida do rio (subindo: 0,15, 0,06 – 0,58 km/h;
descendo: 0,29, 0,16 – 0,98 km/h; teste de Wilcoxon: Z = 2,023, P = 0,043). Não houve
correlação entre a velocidade de deslocamento e a extensão de uso (CT) dos animais
monitorados (rs = 0,40, n = 10, P = 0,24), nem entre a velocidade de deslocamento e a massa
dos animais (rs = 0,25, n = 10, P = 0,52). Quanto aos padrões de movimentação noturna, ambos
os sexos utilizaram em média 32 ± 15 % de suas extensões de uso por noite (t7 = 1,38, P =
0,20).
Todos os indivíduos que possuíam quedas d’água dentro de suas áreas de vida (n = 4)
conseguiam atravessá‐las diariamente. A represa desativada no rio Águas Claras também não
pareceu um empecilho aos movimentos dos animais. Em duas ocasiões foi observada uma
fêmea subindo uma queda d’água de cerca de 2 metros de altura e 80⁰ de inclinação. Na
primeira a fêmea saltou sobre uma pedra e subiu ao lado da queda d’água. Na segunda
ocasião, ela subiu sobre um tronco caído até atingir o início da queda d’água. Movimentações
por terra foram observadas apenas duas vezes. Após ser capturado em uma armadilha, o
macho Tonico subiu um pequeno tributário do rio Floresta e atravessou por terra cerca de 100
m até atingir o leito do rio Floresta. Durante uma noite de monitoramento, a fêmea Florzinha
foi localizada em terra a cerca de 7 m de distância de um tributário do rio Dona Rosa.
Uso de tocas – O número de tocas por indivíduo não foi correlacionado com o número
de localizações (rs = 0,43, n = 9, P = 0,24), nem com o número de noites de monitoramento (rs =
0,35, n = 9, P = 0,35), o que indica suficiência amostral. Machos e fêmeas não diferiram quanto
ao número de tocas (3, 2 – 10 tocas por indivíduo; U = 9, n1 = 6, n2 = 3, P = 1,00). Não houve
correlação entre o número de tocas e o tamanho da extensão de uso (CT: rs = 1,18, n = 9, P =
0,63; K‐UNI: rs = 0,19, n = 9, P = 0,62). A média das distâncias entre as tocas contíguas foi de 27
± 18 % do CT dos indivíduos e não diferiu entre machos e fêmeas (t7 = 0,54, P = 0,60)(Anexo 1).
Durante a noite, os indivíduos raramente retornavam à mesma toca de onde saíram no início
da noite. Das 24 ocasiões registradas, apenas em quatro o indivíduo voltou à toca deixada no
início da noite. A média das proporções do CT para os movimentos diários dos animais não
diferiu da média das proporções do CT para distância entre tocas contíguas (t8 = ‐0,60, P =
Capítulo I ‐ Resultados
28
0,56), o que indica que o padrão encontrado para a distância entre tocas contíguas foi
semelhante ao padrão encontrado para os movimentos diários dos animais.
Durante o monitoramento, o macho Panqueca e a fêmea Paçoca foram localizados
ativos num mesmo local e utilizaram tocas muito próximas num mesmo período. Os indivíduos
Godofredo e Margarida, além de possuírem tocas muito próximas, foram localizados na
mesma toca quando esta fêmea estava lactante. Quatro tocas foram utilizadas por mais de um
indivíduo em períodos distintos. Durante o monitoramento do indivíduo Robin, enquanto
esperava‐se que este saísse de uma toca no início da noite, dois indivíduos não identificados,
sendo um de tamanho pequeno, entraram na mesma toca num intervalo menor do que 1
minuto enquanto este ainda permanecia na mesma. A fêmea Florzinha, em duas ocasiões,
apresentou o comportamento de entrar em uma toca no meio da noite, sair e terminar sua
atividade em outra toca.
29
DISCUSSÃO
Estimadores de extensão de uso – Obter estimativas de uso do espaço por espécies
que utilizam habitats relativamente lineares ainda é uma tarefa difícil e muitas vezes
controversa (MS Leite, dados não publicados). Neste estudo, a utilização de estimadores de
extensão de uso e não de área de vida foi uma medida adotada para evitar a inclusão de áreas
terrestres nunca utilizadas pela cuíca d’água. A comparação entre os estimadores somente
pode ser feita qualitativamente, já que os tamanhos reais da extensão de uso não são
conhecidos para dados empíricos (Semana & Powell 1996, Blundell et al. 2001). O estimador
mais simples, comprimento total entre localizações extremas, se mostrou adequado aos
estudos com extensão de uso, mas seu uso é restrito a apenas algumas análises. A utilização
do comprimento de rio delimitado por estimativas de kernel (K‐UNI) é a mais recomendada na
literatura atualmente (Sauer et al. 1999, Blundell et al. 2001, MS Leite dados não publicados)
principalmente por obter estimativas menos conservativas da distribuição de utilização do
habitat pelo indivíduo, permitindo a delimitação de áreas‐núcleo, por exemplo. Este estimador
apresentou estimativas maiores de extensão de uso do que o CT, entretanto não parece ter
superestimado as extensões de uso dos indivíduos.
As assíntotas geradas entre o número de localizações e o tamanho da área de vida são
utilizadas para determinar se houve uma adequada amostragem dos movimentos animais e
para acessar o número mínimo de localizações necessárias para se ter uma estimativa
confiável de área de vida ou extensão de uso. Em muitos estudos, a assíntota das estimativas
de área foi atingida com menos de 20 ou 30 localizações utilizando o método kernel (Harris et
al. 1990, Powell et al. 1997 apud Blundell et al. 2001, Seaman et al. 1999, Laver 2005b), e para
o K‐UNI a assíntota já foi atingida com até 20 localizações (Blundell et al. 2001). Neste estudo,
o número mínimo de localizações para atingir a assíntota foi variável entre os indivíduos e
entre os estimadores, entretanto esta variação está de acordo com a encontrada na literatura.
As assíntotas produzidas através do kernel pareceram mais robustas e se estabilizaram com
um menor número de localizações, sendo que muitos indivíduos atingiram a assíntota com
menos de 15 localizações. O método kernel é considerado o mais indicado para construção das
assíntotas (Laver & Kelly 2008), mas a análise conjunta das assíntotas construídas por ambos
os estimadores de extensão de uso foi a melhor maneira para selecionar os indivíduos que
atingiram suficiência amostral.
Capítulo I‐ Discussão
30
As estimativas de fidelidade à área de vida para os indivíduos monitorados por mais de
um ano se mostraram contraditórias entre os estimadores. Ambos os indivíduos apresentaram
alto grau de sobreposição entre os anos para o estimador CT, o que não foi encontrado pelo K‐
UNI para o indivíduo Robin. É provável que a fragmentação da extensão de uso,
principalmente no ano de 2007, para o indivíduo Robin tenha produzido medidas desviadas do
uso do espaço pelo indivíduo. A fragmentação da extensão de uso parece não representar
acuradamente o uso do espaço por espécies semi‐aquáticas (Sauer et al. 1999, Blundell et al.
2001), pois estas espécies normalmente apresentam o comportamento de forragear enquanto
se locomovem pelo habitat (Kruuk 1995, Otley et al. 2000, este estudo). A fragmentação da
extensão de uso, portanto, acaba por excluir áreas também utilizadas pelo animal. Em vista
disso, as estimativas de fidelidade à extensão de uso produzidas pelo método CT foram mais
confiáveis.
A fidelidade à área pode ser considerada como a tendência de um animal tanto
retornar a uma área previamente ocupada como permanecer dentro da mesma área por um
longo período de tempo (White & Garrot 1990). Os resultados de fidelidade à extensão de uso
para a cuíca d’água apontam para uma alta fidelidade à extensão de uso na população.
Observações feitas sobre a ecologia de marsupiais neotropicais (Charles‐Dominique 1983)
também apontam para uma alta fidelidade à área de vida por longos períodos. A diminuição
da extensão de uso apresentada pelo macho Panqueca de um ano a outro pode indicar a
influência da idade no tamanho da extensão de uso, já que o histórico de captura indicou
senescência para este indivíduo, a partir do acompanhamento dos desgastes da dentição.
Áreas‐núcleo deveriam refletir áreas biologicamente importantes para os animais
(Laver 2005a). A utilização de porcentagens já estabelecidas à priori do volume de contorno da
área de vida (e.g. 50%) não parece o melhor método para se identificar áreas‐núcleo, já que
nem todos os animais vão possuir uma distribuição de utilização agrupada de sua área de vida
(Powell 2000). A delimitação de extensões‐núcleo a partir do método proposto para área‐
núcleo por Powell (2000) é uma boa opção ao delineamento por porcentagens já
estabelecidas, principalmente por indicar para cada animal a existência ou não de áreas‐
núcleo. Entretanto, a ausência de correlação entre as porcentagens de área‐núcleo e de
extensão‐núcleo geradas para cada indivíduo deve ser analisada com cautela e melhor
compreendida, se possível, com estudos de simulação. Para a cuíca d’água a porcentagem de
delimitação da extensão‐núcleo foi sempre abaixo de 50% da extensão de uso. Dois indivíduos
não apresentaram extensões‐núcleo, ou seja, o comportamento de movimentação dentro da
Capítulo I‐ Discussão
31
extensão de uso não foi agrupado. Isso pode indicar um comportamento exploratório ou
transitório destes indivíduos dentro das extensões de uso que pode não ter sido ainda
estabelecidas.
Organização espacial e sistema de acasalamento da cuíca d’água – De acordo com os
modelos previstos sobre organização espacial e sistema de acasalamento para pequenos
mamíferos (Hixon 1987, Ostfeld 1985, 1990, Ims 1987), em um sistema poligínico ou
promíscuo, machos devem possuir áreas de vida maiores e sobrepostas com outros machos e
fêmeas, enquanto fêmeas devem possuir áreas de vida menores e exclusivas. Para a cuíca
d’água, machos possuíram extensões de uso cerca de três vezes maiores do que fêmeas e se
sobrepuseram com diversos outros indivíduos. Fêmeas apresentaram extensões de uso que se
sobrepuseram bastante com outros machos, mas como não houve fêmeas monitoradas
simultaneamente, não foi possível averiguar a existência de comportamento territorial
intraespecífico. Todavia, os dados de captura indicam um uso exclusivo da extensão de uso em
fêmeas. De acordo com os dados de sobreposição de extensões de uso, a extensão de uso de
um macho poderia abarcar a extensão de uso de até cinco fêmeas simultaneamente.
A grande sobreposição de extensões de uso observada entre indivíduos não foi
observada para as extensões‐núcleos. As análises de extensão‐núcleo apontam para um uso
não aleatório do habitat pela maioria dos animais, com a formação de pequenas áreas mais
intensamente utilizadas, freqüentemente associadas a tocas e outros locais nos rios. Em geral,
a porcentagem de sobreposição entre extensões‐núcleo foi bem menor do que para as
extensões de uso, e isso indica que pelo menos uma porção da extensão de uso da cuíca
d’água não é compartilhada com outro indivíduo (Crooks & Van Vuren 1996; Farías et al.
2006). Estes resultados apontam para um sistema de acasalamento poligínico ou promíscuo
para a população da cuíca d’água estudada. Outras evidências que reafirmam esta hipótese
são a presença de dimorfismo sexual e os desvios na razão sexual encontrados na população,
como discutidos a seguir. Infelizmente, os resultados encontrados neste estudo não são
suficientes para decidir entre a promiscuidade e a poliginia, pois os padrões espaciais
resultantes de ambos os sistemas de acasalamento são os mesmos (Ostfeld 1990). Embora
fêmeas de mamíferos normalmente copulem com mais de um macho (Gormendio et al. 1998
apud Klemme et al. 2007), são necessários ainda estudos, principalmente de caráter
experimental ou genético (Coltman et al. 1999), que investiguem as relações entre parceiros
sexuais na espécie.
Capítulo I‐ Discussão
32
A cuíca d’água apresentou dimorfismo sexual moderado, sendo machos cerca de 30%
mais pesados que fêmeas. Galliez et al. (2009) não encontrou dimorfismo sexual na mesma
população estudada, entretanto o baixo tamanho amostral de fêmeas (n=2) e o fato de estas
estarem com filhotes no marsúpio pode ter influenciado os resultados do teste. Segundo
Wilson & Pianka (1963), em sistemas de acasalamento poligâmicos ou promíscuos o
dimorfismo sexual é freqüentemente encontrado. Isto se dá principalmente devido às
diferenças no sucesso reprodutivo entre os sexos, o que leva a um grande potencial para a
seleção sexual (Trivers 1972). A competição por fêmeas em machos levaria a seleção sexual
atuar no aumento do tamanho corporal, já que machos maiores preferencialmente venceriam
as disputas por fêmeas (Erlinge 1979, Moors 1981, Thom et al. 2004, Clutton‐Brock 2007,
2009) . A presença desta competição entre machos é evidente em diversas espécies de
mamíferos (Trivers 1972, Bond & Wolff 1999) e já foi observada no marsupial Didelphis
virginiana (Ryser 1992), onde os machos maiores eram superior competitivamente e se
acasalavam com maior freqüência. A ausência de relação entre a massa corporal e o tamanho
da extensão de uso encontrada para a cuíca d’água parece indicar que o sistema de
acasalamento é a causa maior das diferenças encontradas no tamanho das extensões de uso
entre os sexos. Descarta‐se, assim, a hipótese de que os tamanhos de extensão de uso seriam
diferentes devido a necessidades energéticas distintas entre os sexos. Resultados semelhantes
foram encontrados para os marsupiais Macropodidae (Fisher & Owens 2000), onde as
diferenças de tamanho de área de vida entre os sexos não foram explicados pelo dimorfismo
sexual.
A razão sexual na população foi fortemente desviada para machos. Tal desvio
observado parece ser um artefato de amostragem baseado nas capturabilidade diferencial
entre os sexos, já que os desvios na razão sexual em mamíferos são raros (Seger & Stubblefield
2002). Este é um fato comum em pequenos mamíferos (Trivers 1972) e é basicamente
resultado da organização espacial da população. Se machos tem maiores extensões de uso, se
movimentam mais e não são territoriais, tem maiores chances de serem capturado por uma
armadilha. Se fêmeas são territoriais e possuem extensões de uso menores, elas terão
menores chances de serem capturadas na grade de armadilhagem, a menos que esta grade
esteja dentro de sua extensão de uso.
Os padrões de movimentação diária da cuíca d’água estiveram de acordo com o
tamanho das extensões de uso em ambos os sexos e os comportamentos foram relativamente
previsíveis. Machos e fêmeas apresentaram a mesma porcentagem de utilização diária da
Capítulo I‐ Discussão
33
extensão de uso (cerca de 30%), o que pode indicar um padrão de exploração de diferentes
rios a cada dia. Para a cuíca Caluromys philander, Julien‐Laferrière (1995) encontrou um
padrão de movimentação diário de 44% da área de vida total e atribui a isso um padrão de
movimentação dependente de áreas de forrageamento a cada noite, como árvores
frutificando. Resultados semelhantes foram encontrados para o gambá Didelphis virginiana,
onde machos e fêmeas movimentavam‐se diariamente cerca de 40 e 49% da área de vida,
respectivamente (Gillete 1980). Para machos da cuíca d’água, este padrão parece plausível
com seu comportamento de busca por fêmeas. Entretanto, para fêmeas, esperava‐se que uma
movimentação diária por grande parte de sua extensão de uso para patrulhamento de
território. Esta hipótese é baseada na definição de território como uma área fixa e estática
exclusiva de um animal ao longo do tempo (Kaufmann 1983 apud Moorhouse & Macdonald
2005, Maher & Lott 1995). Todavia, a área defendida de um território não necessita ser fixa,
mas pode mudar no tempo e espaço, sugerindo então que a estabilidade espacial não
necessita ser um pré‐requisito para definir territorialidade (Doncaster & Macdonald 1991,
Moorhouse & Macdonald 2005). O comportamento territorial também não implica
necessariamente um patrulhamento ostensivo de toda a área de vida (Moorhouse &
Macdonald 2005), e isso varia muito com a densidade populacional (Benstead et al. 2001,
Moorhouse & Macdonald 2005). É possível que para fêmeas da cuíca d’água os territórios
sejam cambiantes e suas fronteiras flexíveis, como encontrado para o water vole Arvicola
terrestris (Moorhouse & Macdonald 2005), principalmente devido à baixa densidade
populacional na área de estudo (Galliez et al. 2009) que permitiria um relaxamento da defesa
de território. Os raros dados obtidos para fêmeas neste estudo não permitiram testar tal
hipótese, portanto, tornam‐se necessários novos estudos sobre territorialidade e
comportamento territorial em fêmeas da cuíca d’água.
Ao contrário do esperado, machos não possuíram maior velocidade de deslocamento
do que fêmeas. As velocidades de deslocamento parecem estar mais relacionadas à velocidade
da correnteza do rio, do que a diferenças sexuais na movimentação animal. Isso é corroborado
pela evidência de velocidades de deslocamento maiores quando o animal estava a favor do
fluxo d’água. Entretanto, estas estimativas podem ter sido pouco acuradas porque o tempo
entre as localizações sucessivas pode ter incluído momentos de descanso e forrageamento. É
sabido que muitos mamíferos semi‐aquáticos possuem o comportamento de forragear
enquanto se locomovem por rios ou costas de estuários (Arden‐Clarke 1986, Kruuk 1995, Otley
et al. 2000) e por isso apresentam baixas velocidades médias de deslocamento (Otley et al.
2000). Esse comportamento pode também ser atribuído à cuíca d’água.
Capítulo I‐ Discussão
34
A cuíca d’água utilizou‐se principalmente dos corpos d’água lóticos da região, como
rios e pequenos tributários, e manteve‐se restrita a estes habitats, sem fazer grande uso de
porções terrestres. Todos os rios utilizados apresentaram condições bem preservadas, com
mata ciliar, substrato pedregoso e águas limpas e rápidas, exceto pela porção inferior do rio
Águas Claras e Canoa Podre, onde apenas 2 machos fizeram uso (Godofredo e Rivaldo).
Fêmeas utilizaram os pequenos tributários com mais freqüência do que machos. Esses corpos
d’água podem ser considerados locais mais seguros e abrigados por serem rasos, sem
correnteza e com grande disponibilidade de invertebrados aquáticos (Lobão et al. 1978). A
utilização de tributários de primeira ordem pode também prevenir encontros agonísticos ou
até predação por lontras, também presentes na área de estudo, já que estas geralmente
habitam os rios maiores e mais profundos (Melquist & Hornocker 1983, Somers & Nel 2004,
Sepúlveda et al. 2007). Por estes motivos, as fêmeas devem preferir tais locais principalmente
durante o cuidado parental. Enquanto que para machos a utilização de rios principais é mais
vantajosa por dar acesso aos tributários menores (Garin et al. 2002), onde as fêmeas se
encontram. Outros autores também encontraram a cuíca d’água em rios de mesma
características, assim como pequenos tributários (Zetek 1930, Handley Jr 1976, Mondolfi &
Padilha 1958, Voss et al. 2001), entretanto nenhum estudo havia reportado diferenças sexuais
nas preferências de habitat pela espécie.
Um contraponto ao sistema de acasalamento poligínico na cuíca d’água seria a
presença de um macho e uma fêmea na mesma toca enquanto a fêmea carregava filhotes no
marsúpio (Godofredo e Margarida). Isto pode indicar cuidado parental e se torna contraditório
com um sistema de acasalamento poligínico ou promíscuo. Entretanto, como a estrutura das
tocas da cuíca d’água ainda não foram elucidadas, é possível que a co‐ocupação de uma
mesma toca não cause necessariamente interação entre os indivíduos. Machos e fêmeas na
mesma toca também foram encontrados por Lay (1942), Fitch & Shirer (1970) e Ryser (1992)
para o gambá Didelphis virginiana. Fitch & Shirer (1970) encontrou dois padrões associados ao
uso comunal de tocas: no primeiro os animais pareciam juntos, em contato físico e no segundo
os animais monitorados pareciam estar a metros de distância entre si.
Ryser (1992) descreveu o comportamento de acasalamento para D. virginiana e
encontrou que machos acompanhavam as fêmeas quando estas estavam receptivas, e que
geralmente ambos descansavam na mesma toca durante o dia. Para a cuíca d’água, evento
semelhante aconteceu para um macho e uma fêmea que foram localizados ativos juntos
(Panqueca e Paçoca). Estes indivíduos possuíam alta sobreposição de extensões de uso e tocas
Capítulo I‐ Discussão
35
muito próximas. Em espécies promíscuas, uma das estratégias do macho é guardar a fêmea
após a fertilização para prevenir possíveis cópulas com outros machos (Alcock 1994, Ginsberg
& Huck 1989, Klemme et al. 2007). É possível então que machos da cuíca d’água também
utilizem‐se da guarda de fêmeas contra cópulas posteriores por outros machos. São
necessários ainda estudos que descrevam as tocas utilizadas para a cuíca d’água, a fim de
elucidar estes padrões encontrados.
Apesar de possuírem muitas tocas, a cuíca d’água se mostrou fiel a certas tocas mais
freqüentemente utilizadas, que geralmente encontravam‐se a uma distância equivalente aos
padrões de movimentação diária executados pelo animal. Os indivíduos normalmente
iniciavam suas atividades em uma toca e retornavam a outra toca no fim da atividade. Padrões
semelhantes de movimentação entre tocas foram encontrados para o gambá Didelphis
virginiana (Fitch & Shirer 1970). A alta freqüência de ocorrência de utilização de uma mesma
toca por mais de um indivíduo em épocas alternadas também já foi reportado para outros
marsupiais neotropicais (Caluromys philander, Charles‐Dominique 1983; Didelphis virginiana
Fitch & Shirer 1970, Gillette 1980, Hossler et al. 1994), e pode indicar certa preferência de
tocas pelas espécies. Entretanto, estas espécies são também marcadas pelo uso de muitas
tocas apenas uma vez, por períodos curtos de normalmente um ou dois dias (Fitch & Shirer
1970, Julien‐Laferrière 1995).
Muitos mamíferos semi‐aquáticos também exibem uma estratégia flexível de
ocupação de tocas dependendo do ambiente (Gerell 1970, Melquist & Hornocker 1983, Kruuk
1995, Beja 1996, Otley et al. 2000, Sepúlveda et al. 2007). A importância de certos locais de
tocas para lontras é muitas vezes associada a um recurso limitante no ambiente que pode
influenciar a distribuição dos indivíduos e o uso do habitat (Beja 1996, Kruuk 1995, Sepúlveda
et al. 2007,). Os resultados do presente estudo apontam para a mesma direção, mas ainda não
é possível saber se tocas constituem um recurso limitante também para a cuíca d’água ou se
ocorre apenas a preferência de certos tipos de tocas, sendo estas mais utilizadas. Alguns
estudos com lontras encontraram um número médio de três fragmentos de extensão‐núcleo
por animal (Melquist & Hornocker 1983, Arden‐Clarke 1986, Sepúlveda et al. 2007), todos
relacionados aos locais de tocas da espécie. Apesar da cuíca d’água apresentar um mesmo
número médio de extensões‐núcleo, apenas metade das extensões‐núcleo estiveram
associadas a tocas, o que pode indicar que outros fatores, como disponibilidade de recursos
em manchas, estejam atuando na formação de áreas de maior utilização pelos animais.
Capítulo I‐ Discussão
36
Os tamanhos das extensões de uso encontrados para a cuíca d’água são comparáveis
ou maiores do que outras espécies de pequenos mamíferos semi‐aquáticos. O rato d’água
neotropical Nectomys squamipes (200‐400 g) na mesma área de estudo apresentou extensões
de uso variando entre 300 e 1000 m (Lima 2009), resultados similares ao do mussaranho
d’água africano Potamogale velox (300‐400 g) com extensões de uso variando entre 500 e
1000 m (Nowak 1991). O water vole Arvicola terrestris (200‐300 g) possui extensões de uso
bem menores, variando entre 50 e 450 m (Stoddart 1970, Moorhouse & Macdonald 2005). Os
machos do tenrec aquático Limnogale mergulus (80‐100 g) possuem extensões de uso diárias
de até 1000 m (Benstead et al. 2001). As menores extensões de uso encontradas para os
roedores herbívoros podem ser atribuídas às relações tróficas, já que carnívoros necessitam de
áreas de vida bem maiores do que herbívoros de massa similar (Sanderson 1966). Para os
pequenos mamíferos semi‐aquáticos carnívoros, o mussaranho e o tenrec, as relações foram
mais comparáveis. Apesar das diferenças de tamanho, estas espécies tiveram extensões de uso
que se aproximaram mais dos resultados para a cuíca d’água. Entretanto, ainda assim a cuíca
d’água apresentou extensões de uso muito maiores do que qualquer outro pequeno mamífero
semi‐aquático já estudado.
A comparação da extensão de uso da cuíca d’água com mamíferos semi‐aquáticos de
maior porte (Erlinge 1967, Gerell 1970, Arden‐Clarke 1986, Doncaster & Micol 1989, Kruuk &
Moorhouse 1991, Ray 1997, Palazón & Ruiz‐Olmo 1998, Herr & Rosel 1999, Sauer et al. 1999,
Blundell et al. 2000, Blundell et al. 2001, Fustec et al. 2001, Garin et al. 2002, Somers & Nel
2004, Sepúlveda et al. 2007) também mostra que a cuíca d’água possui extensões de uso
muito compridas se comparadas com sua massa corporal. Por exemplo, a ariranha Pteronura
brasiliensis que vive em grupos, apresentou extensões de uso médias de 11 km de
comprimento de rio (Ribas 2004, Utreras et al. 2005, Leuchtenberger & Mourão 2008), cerca
de 3 vezes maior do que a da cuíca d’água, mas possui massa corporal mais de 30 vezes maior.
Enquanto que a menor das lontras, a lontra marinha neotropical Lontra felina (3‐6 kg),
apresentou extensões de uso comparáveis à da cuíca d’água de cerca de 3 km de costa
(Medina‐Vogel et al. 2007). A diferença na disponibilidade de recursos em habitats aquáticos é
a principal hipótese que pode explicar tal variação. Entretanto, as relações bi‐dimensionais de
uma espécie com seu habitat podem também influenciar no tamanho da extensão de uso (M.S
Leite dados não publicados). Animais que vivem em lagos, rios largos e estuários podem ter
extensões de uso menores do que os que vivem em habitats mais estreitos (Dunstone & Birks
1985, Reid et al. 1994; Serena 1994, Kruuk 1995, Blundell et al. 2000, Otley et al. 2000). A cuíca
d’água vive em rios de montanha de pequena ordem que são considerados muito mais pobres
Capítulo I‐ Discussão
37
em recursos do que rios maiores, lagos ou estuários (Alllan & Castilho 2004). Provavelmente, a
cuíca d’água possui grandes extensões de uso tanto pela pequena largura dos rios quanto pela
baixa disponibilidade de recursos dos mesmos.
Segundo Emlen & Oring (1977), os fatores que determinam o sistema de acasalamento
em uma população são de origem ambiental e filogenética. Os fatores ambientais moldam o
potencial da população para poligamia de acordo com a distribuição de recursos. Já os fatores
filogenéticos estão relacionados com a habilidade de cada espécie se adaptar ao ambiente e
seu potencial para a poligamia. Ambos os fatores resultam em certo grau de monopolização de
parceiros sexuais, o que vai determinar o sistema de acasalamento (Emlen & Oring 1977).
Jarman & Kruuk (1996 apud Fisher & Owens 2000) encontraram que os padrões de
organização espacial em marsupiais australianos são menos variáveis do que na maioria dos
grupos placentários. Quase todos os marsupiais australianos apresentam um sistema de
acasalamento promíscuo com áreas de vida que se sobrepõem extensivamente (Jarman &
Kruuk 1996 apud Fisher & Owens 2000), e grande dimorfismo sexual (Fisher & Owens 2000).
Isto parece ser verdadeiro também para os marsupiais neotropicais, já que os padrões de
organização espacial e sistemas de acasalamento encontrados para a cuíca d’água se
mostraram parecidos com padrões já descritos para outros marsupiais neotropicais (Lay 1942,
Fleming 1972, Gillette 1980, Sunquist et al. 1987, Ryser 1992, Grelle 1996, Pires & Fernandez
1999, Cáceres & Monteiro‐Filho 2001, Cáceres 2003, Moraes Jr & Chiarello 2005, Galliez et al.
2009). O dimorfismo sexual para os marsupiais neotropicais também é marcante em muitas
espécies (e.g. Cáceres & Monteiro‐Filho 1999, Loretto & Vieira 2008, Pire & Fernandez 1999).
Os marsupiais neotropicais compartilham de grande semelhança morfológica,
fisiológica e comportamental, mesmo havendo especializações ecológicas tão distintas
(Charles‐Dominique 1983). Galliez et al. (2009) não encontraram suporte para a hipótese de
que o habitat aquático desempenhasse um papel importante na determinação dos padrões
espaciais exibidos pela cuíca d’água. Isto pode indicar um maior peso dos fatores filogenéticos
na determinação da organização social dos marsupiais, independentemente das adaptações
para vida em diferentes habitats, sejam estes arborícolas, terrestres ou aquáticos. Entretanto,
a ausência de territorialidade encontrada em estudos com marsupiais neotropicais (Holmes &
Sanderson 1965, Hunsaker 1977 apud Cáceres & Monteiro‐Filho 2001, Charles‐Domininque
1983, Julien‐Laferrière 1995, Gentile et al. 1997) pode indicar uma plasticidade no padrão de
sobreposição entre os indivíduos de uma população, que pode variar de acordo com a
distribuição de recursos no ambiente (Emlen & Oring 1977, Ostfeld 1990). É nesta plasticidade
Capítulo I‐ Discussão
38
que pode residir a sutil diferença entre uma espécie possuir um sistema poligínico ou um
sistema promíscuo. Como reforço a esta hipótese está a idéia de que a poliginia é o sistema de
acasalamento considerado mais ancestral dentre os mamíferos (Wolff & Macdonald 2004).
Portanto, é plausível que os marsupiais compartilhem deste sistema de acasalamento, assim
como a promiscuidade.
39
CAPÍTULO II
PADRÕES DE ATIVIDADE DA CUÍCA D’ÁGUA
CHIRONECTES MINIMUS EM RIOS DE MATA ATLÂNTICA
NO SUDESTE DO BRASIL
40
INTRODUÇÃO
Uma importante característica das adaptações ao ambiente em vertebrados são os
ritmos diários de atividade, que constituem aspectos relevantes do comportamento animal
(Daan & Aschoff 1982 apud Marcelli et al. 2003). Os padrões de atividade diários seguem uma
periodicidade circadiana na maioria dos mamíferos (Bartnes & Albers 2000) e claramente
possuem valor adaptativo, pois permitem aos organismos antecipar mudanças periódicas
(Aschoff 1966, Enright 1970). Estes ritmos resultam de um complexo trade‐off entre o tempo
de forrageamento ótimo, ecologia social, interações competitivas e de predador‐presa,
restrições ambientais e fisiológicas e requerimento de energia. Características individuais
como sexo e condição reprodutiva também podem influenciar os padrões de atividade diários
(Paragi et al. 1994 apud Kolowski et al. 2007, Larivıère and Messier 1997, Zalewski 2001,
Marcelli et al. 2003), assim como a existência de polimorfismo de ritmos circadianos em uma
população (Luna et al. 2000, Cutrera et al. 2006). Entre os sexos de uma mesma espécie, estas
diferenças entre padrões de atividade ocorrem especialmente se o dimorfismo sexual força os
sexos a comportamentos e ecologia divergentes (Marcelli et al. 2003). Estes ritmos de
atividade e inatividade são geralmente sincronizados às fases de luz e escuridão do dia,
entretanto são muito mais complexos do que a simples classificação dos animais em
diurnos/noturnos ou crepusculares, como é feito normalmente.
Determinar os padrões de atividade para as espécies em vida livre é tão importante
para a história natural das espécies como para o manejo e a determinação de esforços de
pesquisa. Apesar de todos os marsupiais neotropicais atuais serem noturnos, poucos estudos
foram além dessa classificação superficial descrevendo características dos padrões de
atividades diárias dos animais (McManus 1971, Streilein 1982, Sunquist et al. 1987, Fernandez
1989, Vieira & Baumgarten 1995, Julien‐Laferrière 1997, Cáceres & Monteiro‐Filho 2001,
Moraes‐Jr 2004, Oliveira‐Santos et al. 2008) e suas relações com os ritmos circadianos
resultantes da fisiologia, ecologia e comportamento dos animais. Apesar destes estudos não
terem abordado diversos aspectos da atividade dos animais, o padrão de atividade diário
observado para quase todos os marsupiais neotropicais já estudados pode ser considerado
unimodal, resultante de um pico de atividade no início da noite e decaimento desta atividade
ao longo da noite. Este parece ser o caso da cuíca d’água Chironectes minimus, onde alguns
aspectos sobre seus padrões de atividade foram apenas recentemente estudados (Galliez et al.
2009).
Capítulo II ‐ Introdução
41
Este capítulo teve o objetivo de descrever detalhadamente os padrões de atividade
diários da cuíca d’água em rios de Mata Atlântica no sudeste do Brasil, com a utilização da
técnica de radiotelemetria. Inicialmente, foi descrita a forma da distribuição da atividade ao
longo da noite, testando quanto aos padrões unimodal, bimodal, homogêneo ou arrítmico. Os
padrões de atividade da cuíca d’água foram comparados com estudos anteriores e com outros
marsupiais neotropicais para avaliar a hipótese de que o modo de vida semi‐aquático pode
resultar em mudanças nos padrões de atividade comuns aos marsupiais neotropicais. Com
base no dimorfismo sexual e no sistema de acasalamento da espécie, testou‐se a hipótese de
que machos possuam padrões de atividade distintos e que estejam mais tempo ativos do que
fêmeas. Os horários de início e de fim da atividade foram relacionados com o nascer e o pôr do
sol para testar se a atividade dos animais é dependente da variação sazonal nos horários de
crepúsculo e se existem diferenças neste comportamento entre machos e fêmeas e nas
estações chuvosa e seca. Testou‐se também a hipótese de que a massa corporal e a duração
da noite influenciam o tempo de duração da atividade diária dos animais. Animais maiores,
mais pesados, apresentariam maior duração de atividade para suprir sua demanda energética,
assim como a duração da noite restringiria a duração da atividade do animal. Adicionalmente,
foi testado se a duração da atividade dos animais em noites chuvosas é menor do que em
noites sem chuva devido ao aumento da vazão dos rios durante a chuva, o que poderia
dificultar a locomoção dos animais. Por fim foram discutidas as vantagens do uso da
radiotelemetria como método para estudos de padrões de atividade em detrimento de
estudos com armadilhas de captura viva ou fotográficas.
42
MÉTODOS
Coleta de dados – Os horários de início de atividade foram registrados a partir do
momento em que o animal saía da toca ou entrava em atividade dentro da toca. Os horários
de fim de atividade foram registrados quando o animal era localizado inativo pela primeira vez
dentro da toca após uma noite completa de monitoramento. A hora exata do fim da atividade
normalmente não era possível de ser registrada, já que o intervalo entre localizações
sucessivas era de uma hora. Assim sendo, os horários de fim de atividade foram determinados
com uma acurácia menor do que os horários de início da atividade.
Durante os períodos de monitoramento, a duração da noite variou entre 629 e 794
minutos, uma variação máxima de 165 min (2h45min) (Observatório Nacional, Rio de Janeiro,
Brasil; LunarPhase versão 2.7.0 disponível em http://www.nightskyobserver.com/LunarPhase).
Devido a essas diferenças, cada noite de monitoramento foi dividida em quatro períodos de
igual duração, contados a partir do pôr do sol. Foram calculadas as proporções de localizações
ativas em cada período da noite apenas para indivíduos com pelo menos duas localizações em
cada período.
A duração da atividade dos indivíduos em cada noite foi calculada somando‐se à última
localização ativa, metade do tempo até a próxima localização inativa. Quando não era possível
registrar o horário de início de atividade, somava‐se também metade do tempo até a
localização anterior inativa. Esta medida foi adotada para evitar o problema de subestimação
da duração da atividade, já que houve casos de indivíduos com apenas uma localização ativa
intercalada por localizações inativas, impedindo a estimação do intervalo de tempo.
Análise dos dados – Correlações de Spearman (rs) foram utilizadas para examinar a
relação entre o horário de início de atividade e o pôr do sol e o horário de fim de atividade e o
nascer do sol para cada sexo e para as estações seca e chuvosa. A estação seca na área de
estudo compreende principalmente o inverno, com noites mais longas, enquanto que a
estação chuvosa ocorre no verão quando as noites são mais curtas. Machos e fêmeas também
foram comparados quanto ao horário de início e fim de atividade através do teste de Mann‐
Whitney. Foram utilizados todos os horários de início e fim de atividade registrados,
independentemente do indivíduo monitorado.
Para testar a hipótese nula de que não há variação nos padrões de atividade entre
indivíduos foi utilizado o teste de qui‐quadrado de heterogeneidade (Zar 1999).
Capítulo II ‐ Métodos
43
Posteriormente, para testar contra o padrão de atividade homogêneo ao longo da noite para
cada animal foi utilizado o teste de qui‐quadrado de independência (Zar 1999).
Adicionalmente, foi utilizado o teste de Friedman para comparar as proporções de localizações
ativas entre os quatro períodos da noite, sendo as amostras as proporções de atividade dos
indivíduos em cada período da noite. O teste de Friedman é um teste não paramétrico para
dados medidos em escala ordinal abrangendo três ou mais variáveis (Ayres et al. 2008), e é
semelhante a uma análise de variância de medidas repetidas. Para testar a hipótese nula de
que ambos os sexos possuem o mesmo padrão de atividade, foi utilizado o teste G com a
mediana das proporções de atividade dos indivíduos para cada sexo. Para cada período da
noite, foi realizado o teste de Mann‐Whitney para testar se há diferenças nos padrões de
atividade entre os sexos em cada período. A proporção de localizações ativas total dos
indivíduos foi comparada entre machos e fêmeas através do teste de Mann‐Whitney. Outra
forma de testar se machos ficam mais ativos do que fêmeas é comparar a duração da atividade
entre os sexos, para isso foi utilizado o teste t.
A fim de determinar o que mais influencia a duração da atividade dos animais, foi
realizada uma regressão múltipla relacionando a mediana da duração da atividade com a
mediana da duração da noite e a massa corporal (1ª captura) de cada animal. Foi utilizado o
teste t para testar se a duração da atividade dos animais é menor em noites chuvosas do que
em noites sem chuva. Para isso, foram utilizados os dados de todas as noites de
monitoramento, independentemente dos indivíduos.
44
RESULTADOS
Foram obtidas 459 localizações de 16 cuícas d’água (13 machos e três fêmeas), sendo
218 (47,5%) localizações dos animais em atividade e 241 (52,5%) localizações de inatividade.
Devido ao baixo tamanho amostral de alguns indivíduos, apenas 10 animais (7 machos e 3
fêmeas) tiveram seus padrões de atividade calculados. A média de localizações por período da
noite foi de 11 para cada animal.
Como esperado, a cuíca d’água Chironectes minimus apresentou um padrão de
atividade preferencialmente noturno e pouca atividade crepuscular. Foram obtidas 50
localizações diurnas dos indivíduos monitorados, das quais 46 localizaram o animal inativo na
toca. Três localizações foram obtidas com o animal em atividade um pouco antes do pôr do
sol. O macho Godofredo e a fêmea Margarida, que estavam na mesma toca, entraram em
atividade cerca de 3 minutos antes do pôr do sol, e a fêmea Florzinha foi localizada ativa 13
minutos antes do pôr do sol. Esta mesma fêmea, em outra ocasião, foi também localizada em
atividade 34 minutos após o nascer do sol. Além disso, foram encontrados dois indícios de
mudança de toca durante o dia para a Florzinha, quando ela foi localizada após o nascer do sol
em uma toca e antes do pôr do sol do mesmo dia em outra toca. Todas as três fêmeas
monitoradas estavam com filhotes no marsúpio na época do monitoramento.
O horário de início de atividade após o pôr do sol não diferiu entre machos e fêmeas
(macho: 53,5, ‐3 – 298 e fêmea: 46, ‐3 – 337 minutos após o pôr do sol; U = 180,5, n1 = 13, n2
= 32, P = 0,491). O horário de início da atividade das fêmeas foi positivamente correlacionado
com o horário do pôr do sol (rs = 0,705 n =13 , P = 0,007, Fig. II.1). O mesmo não ocorreu para
os machos (rs = 0,06 n = 32, P = 0,706, Fig. II.1). Para fêmeas não foi possível calcular as
correlações entre o início de atividade e o horário do pôr do sol separadamente para as
estações chuvosas e secas, devido ao baixo tamanho amostral. Os horários de início de
atividade para machos foram positivamente correlacionados com os horários do pôr do sol na
estação chuvosa (rs = 0,664, n = 11, P = 0,025), mas não na estação seca (rs = ‐0,25, n = 21, P =
0,27). Agrupando os sexos, apenas na estação chuvosa houve correlação entre o início da
atividade do animal e o início da noite (rs = 0,687, n = 17, P = 0,002). Em 18 dos 46 horários de
início de atividade registrados, houve avistamento do animal saindo da toca. Todos os animais
dirigiam‐se ao rio e se afastavam da toca nadando.
Capítulo II ‐ Resultados
45
17:00
18:30
20:00
21:30
23:00
0:30
17:00 17:15 17:30 17:45 18:00 18:15 18:30 18:45
Inicio de atividade
Pôr do sol
Estação seca Estação chuvosa
Figura II.1. Correlação entre o horário de início de atividade e o horário de pôr do sol da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. Círculos em negrito indicam fêmeas (n = 13) e círculos em
cinza indicam machos (n = 32). Linha contínua em negrito: reta de melhor ajuste para fêmeas em ambas as estações
(rs = 0,705 n =13 , P = 0,007). Linha pontilhada em negrito: reta de melhor ajuste para machos apenas na estação
chuvosa (rs = 0,664, n = 11, P = 0,025). A linha pontilhada cinza marca o horário do pôr do sol; pontos acima dela
indicam início de atividade após do pôr do sol. Acima estão marcados os intervalos de horários de pôr do sol nas
estações seca e chuvosa.
O horário de fim de atividade antes do nascer do sol não diferiu entre machos e
fêmeas (230 ± 151 e 239 ± 192 minutos antes do nascer do sol, macho e fêmea
respectivamente; t27 = ‐0,136, P = 0,892). O horário de fim da atividade não foi correlacionado
com o horário de nascer do sol para nenhum dos sexos (macho: rs = ‐0,04, n = 17, P = 0,0853 ;
fêmea: rs = ‐0,29, n = 12, P = 0,351, Fig.II.2). Para ambos os sexos, não foi possível calcular as
correlações entre o fim de atividade e o horário do nascer do sol separadamente para as
estações do ano devido ao baixo tamanho amostral.
Capítulo II ‐ Resultados
46
21:30
22:30
23:30
00:30
01:30
02:30
03:30
04:30
05:30
06:30
07:30
4:45 5:00 5:15 5:30 5:45 6:00 6:15 6:30 6:45
Fim de atividade
Nascer do sol
Estação seca Estação chuvosa
Figura II.2. Correlação entre o horário de fim de atividade e o horário de pôr do sol da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. Círculos em negrito indicam fêmeas (n = 14) e círculos em
cinza indicam machos (n = 17). A linha pontilhada cinza marca o horário do nascer do sol, pontos acima dela indicam
fim de atividade após do nascer do sol.
Os dez indivíduos monitorados apresentaram padrões de atividade diferentes entre si
(qui‐quadrado para heterogeneidade: ² = 267,485, g.l. = 3, P < 0,001, fig. II.3). Entretanto,
todos os indivíduos apresentaram padrão unimodal de atividade ao longo da noite, exceto pela
fêmea Florzinha que apresentou padrão homogêneo (² = 0,979, g.l. = 3, P = 0,806, Fig. II.3f).
Este padrão se diferenciou entre os indivíduos pelo horário do pico de atividade: quatro
indivíduos apresentaram maior atividade no primeiro período da noite (Fig. II.3c, d, e), três no
segundo período (Fig. II.3a) e dois no segundo e terceiro período da noite (Fig. II.3b). A maioria
dos indivíduos (n = 6) não apresentou atividade no último período da noite. Em geral, apesar
das diferenças individuais, os animais estavam mais ativos no segundo período da noite
(mediana das proporções de atividade dos indivíduos: ² = 77,2, g.l. = 3, P < 0,0001).
Entretanto, apenas o primeiro e o quarto e o segundo e quarto períodos da noite foram
significativamente diferentes entre si (teste de Friedman: Fr3 = 15,15, P = 0,001).
Capítulo II ‐ Resultados
47
0
50
100
1º 2º 3º 4º
0
50
100
a d
b e
c f
0
50
100
Localizações ativas (%)
Período da noite
1º 2º 3º 4º
Figura II.3. Proporção de localizações ativas em cada período da noite de seis indivíduos da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. a – c machos; d – f fêmeas.
A única fêmea a apresentar um padrão homogêneo durante suas noites de
monitoramento (Florzinha, n=7, Fig II.3f) entrava em atividade em horários distintos. Em cada
noite, foram observados picos de atividade em horários distintos: em três noites ela manteve o
pico de atividade na primeira metade da noite, em duas noites o pico de atividade ocorreu na
segunda metade da noite e em duas noites houve um padrão homogêneo de atividade, com
pequenos intervalos de inatividade. Desta forma, a atividade desta fêmea apresentou padrão
de atividade arrítmico ao invés de homogêneo, já que as noites de monitoramento foram
diferentes entre si (² = 904,1, g.l. = 18, P < 0,0001).
Machos e fêmeas apresentaram padrões de atividade distintos (mediana das
proporções de atividade: G = 20.9, g.l. = 3, P < 0,0001, Fig. II.4). As fêmeas são mais ativas no
início da noite e diminuem sua atividade com o passar do tempo (² = 99,9, g.l. = 3, P <
Capítulo II ‐ Resultados
48
0,0001). Já os machos foram mais ativos no segundo período da noite (² = 84.675, g.l. = 3, P <
0,0001, Fig II.4). Entretanto, a única diferença encontrada no período de atividade entre
machos e fêmeas foi no segundo período da noite, onde machos estiveram mais ativos que
fêmeas (Mann‐Whitney, U = 1,5, n1 = 7, n2 = 3, P = 0,04). Machos não apresentaram maior
proporção total de localizações ativas do que fêmeas (mediana macho: 58,5, 40 – 60 %;
mediana fêmea: 44,4, 42,9 – 49,4 %; U = 5, n1 = 7, n2 = 3, P = 0,21).
0
20
40
60
80
100
1º 2º 3º 4º
Localizações ativas (%)
Períodos da noite
Figura II.4. Medianas das proporções de localizações ativas em cada período da noite entre machos (n=7, em cinza)
e fêmeas (n=3, em preto) da cuíca d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. As
barras representam o 3º quartil. As proporções de localizações ativas diferiram entre os sexos (G = 20,9, g.l. = 2, P =
0,0001), mas somente na segunda parte da noite (U = 1,5, P = 0,04).
Machos não apresentaram maior tempo de duração da atividade do que fêmeas para
as noites completas de monitoramento (machos 299 ± 137 minutos; fêmeas 232 ± 75,6
minutos; t8= 0,778, P = 0,459), o que confirma o resultado encontrado para proporção total de
localizações ativas acima descrito. A duração da noite influenciou positivamente a duração da
atividade dos animais (R²adj = 0,59, F2,8 = 7,495, P = 0,01, Fig II.5), enquanto que a massa
corporal não teve influência na regressão (P = 0,217). A duração da atividade não foi maior em
noites chuvosas (285,6 ± 138,9 min) do que em noites sem chuva (303,6 ± 145,2 min) para a
cuíca d’água (t24 = 0,251 , P = 0,80).
Capítulo II ‐ Resultados
49
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
600 650 700 750 800
Duração da atividade (min)
Duração da noite (min)
Estação seca Estação chuvosa
Figura II.5. Regressão linear parcial entre a duração da noite e a duração da atividade da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. R²adj = 0,59, F2,8 = 7,495, P = 0,01.
50
DISCUSSÃO
O desenvolvimento de técnicas de telemetria para monitorar a atividade de animais
em vida livre tornou possível a obtenção de dados de longo prazo sobre muitas espécies de
vertebrados vivendo sob condições naturais (Tester 1987). Tais estudos são vantajosos em
relação aos de captura por armadilhas principalmente porque conseguem acompanhar a
atividade dos animais individualmente ao longo do dia, permitindo encontrar variações
individuais impossíveis de serem alcançadas com dados de captura (ver Tester 1987). Estes
estudos também são capazes de calcular a duração e os horários de início e fim de atividade
dos animais por período de atividade. Estes parâmetros são de extrema importância para os
estudos sobre padrões de atividade, mas até agora nunca tinham sido contemplados em
estudos com marsupiais neotropicais. Apenas com o uso da radiotelemetria é possível
perceber arritmia em um padrão de atividade aparentemente uniforme, como foi o caso da
fêmea Florzinha. Seu padrão de atividade somente foi identificado porque esta fêmea foi
monitorada por diversas noites com padrões divergentes em cada noite. Entretanto, esta
técnica é relativamente mais dispendiosa do que as técnicas usuais de armadilhas de captura
viva e armadilhas fotográficas. Outra desvantagem da técnica é a necessidade de um esforço
amostral muito maior do que o empregado nos estudos com armadilhas, visto que é preciso
um tamanho amostral suficiente para cada indivíduo e muitos animais monitorados. Apesar
das desvantagens, a técnica de radiotelemetria ainda é a melhor a ser empregada em estudos
direcionados a padrões de atividades de animais em vida livre.
O padrão de atividade diária da cuíca d’água é preferencialmente noturno, unimodal,
com um pico de atividade no início da noite logo após o pôr do sol, com a atividade decaindo
ao longo da noite. Estes resultados estão de acordo com os encontrados por Galliez et al.
(2009) na mesma área de estudo. Zetek (1930) e Mondolfi & Padilha (1958) comentam sobre o
padrão noturno com animais em cativeiro e apenas Marshall (1978) registrou atividade diurna
ocasional de um animal em cativeiro. Indícios de atividade diurna também foram encontrados
neste estudo, entretanto as três localizações diurnas confirmadas ocorreram apenas no
período crepuscular, reforçando a preferência noturna de atividade pela espécie.
As pressões de seleção que moldam os padrões de atividade devem favorecer os
animais que não apenas podem antecipar mudanças periódicas, mas também ajustar‐se a
mudanças imprevisíveis e imediatas ao seu redor. Justamente por isso, Tester (1987) afirma
que a uniformidade ou consistência de ritmos de atividade de animais em vida livre é raro,
Capítulo II ‐ Discussão
51
resultando então na flexibilidade dos ritmos de atividade observados em vertebrados (Daan
1981 apud Kramer & Birney 2001, Tester 1987, Kramer & Birney 2001). Variações intra‐
específicas de padrões de atividade já foram encontrados em roedores (Pearson 1960, Marten
1973, Pei 1995, Luna et al. 2000, Cutrera et al. 2006), carnívoros (Garshelis & Pelton 1980,
2003, Theuerkauf et al. 2003, Kolowski et al. 2007), grandes herbívoros (Rodrigues &
Monteiro‐Filho 2000) e no marsupial Didelphis albiventris (Streilein 1982). A heterogeneidade
de padrões de atividade diária encontrados para a cuíca d’água parece estar ligada a esta
flexibilidade na atividade noturna, o que permitiria o animal sincronizar sua atividade de
acordo com estímulos externos, por exemplo, condição do tempo, temperatura, luminosidade
e interações sociais. Para a cuíca d’água, as variações na atividade diária se tornaram bastante
evidentes para a única fêmea a apresentar um padrão arrítmico, com horários de início e fim
de atividade distintos entre os dias de monitoramento. Em uma noite, foi observado que esta
fêmea somente saiu da toca depois que a lua cheia se pôs, às 2:30, e permaneceu ativa até 34
minutos após o nascer do sol. Isso pode indicar a influência da luminosidade da lua alterando a
atividade do animal devido ao aumento do risco de predação, um fenômeno já bem
documentado em muitas espécies de mamíferos (ver referências em Julien‐Laferrière 1997).
Entretanto, neste estudo não foi possível testar tal influência para a atividade da cuíca d’água.
A maioria dos marsupiais neotropicais já estudados apresentaram um padrão de
atividade noturno, unimodal com pico de atividade nas primeiras horas da noite, decrescendo
gradualmente ao longo da noite: Didelphis albiventris (Streilein 1982, Cáceres & Monteiro‐
Filho 2001, Oliveira‐Santos et al. 2008), Didelphis marsupialis (McManus 1971, Sunquist et al.
1987), Metachirus nudicaudatus (Moraes‐Jr 2004), Micoureus paraguayanus (Oliveira‐Santos
et al. 2008), Monodelphis domestica (Streilein 1982) e Thylamys velutinus (Vieira &
Baumgarten 1995). Algumas espécies são também consideradas crepusculares, como Didelphis
albiventris, Lutreolina crassicaudata e Monodelphis dimidiata (Rossi et al. 2006). Kronfeld‐
Schor & Dayan (2003) afirmam que os padrões de atividade advindos de fatores endógenos
são muito difíceis de serem mudados evolutivamente, o que impediria os animais de seguirem
padrões muito distintos daqueles de espécies filogeneticamente próximas (Roll et al. 2006).
Todavia, a competição interespecífica e predação são ambas percebidas como poderosas
forças seletivas para os padrões de atividade (Roll et al. 2006). Logo, espera‐se que estes
fatores moldem a atividade dos animais, embora exista ainda pouca evidência disto ocorrendo
na natureza (Kronfeld‐Schor & Dayan 2003). A cuíca d’água não possui competidores em
potencial na área de estudo, já que ambientes aquáticos possuem grande abundância de
recursos (Churchfield 1998, Schooley & Branch 2006) e não há outra espécie de mamífero de
Capítulo II ‐ Discussão
52
mesmo porte ocupando o mesmo hábitat ou com dieta semelhante. Portanto, a hipótese de
partição de nicho temporal (Schoener 1974, Richards 2002, Roll et al. 2006) moldando os
padrões de atividade da cuíca d’água pode ser descartada. Os predadores da cuíca d’água
também podem ser considerados escassos, visto que seus hábitos aquáticos excluem grande
parte dos predadores comuns a marsupiais. Durante os quatro anos de estudo nenhum evento
de predação foi registrado, o que pode indicar uma baixa taxa de predação para a espécie.
Portanto a hipótese da presença de predadores influenciando na atividade da presa (e.g.
Theuerkauf et al. 2003, Díaz et al. 2005) também podem ser descartada como agente
modificador da atividade da cuíca d’água. Sendo assim, as semelhanças nos padrões de
atividade exibidos pelos marsupiais neotropicais e a cuíca d’água provavelmente ocorrem
devido às restrições filogenéticas moldadas evolutivamente por ritmos endógenos e à ausência
de pressões seletivas ecológicas modificando esta atividade.
Considerando que os recursos alimentares em ambientes aquáticos são abundantes
(Churchfield 1998, Schooley & Branch 2006), não haveria necessidades de uma alta alocação
de tempo para atividades de forrageamento da cuíca d’água, o que diminuiria o tempo de
atividade total dos animais. Esta pode ser a explicação para a baixa duração da atividade diária
da cuíca d’água, chegando a ficar apenas 60 minutos em atividade em uma noite. Noites com
maior duração de atividade podem então ser atribuídas a atividades outras como patrulha de
território e cuidado parental (fêmeas), busca por parceiros sexuais (machos) e outras
interações sociais, assim como construção e procura por tocas e ninhos. Estudos sobre
alocação de tempo para as atividades são de grande interesse, porém devido aos hábitos
discretos e noturnos da espécie isso parece ser mais difícil de obter com animais em vida livre.
Muitos mamíferos sincronizam seus ritmos circadianos com a duração do dia. Este é
um elemento chave no mecanismo fotoperiódico que usa o ciclo anual de mudança do
comprimento do dia como um gatilho para regular mudanças sazonais em uma grande
variedade de ajustes fisiológicos e comportamentais (Goldman 1999), muitas vezes voltados
para a reprodução. Pei (1995) encontrou para o rato da malásia que a duração da atividade
dos animais está positivamente relacionada com a duração da noite. Este mesmo resultado foi
encontrado para a cuíca d’água, onde a duração da noite explica cerca de 60% da duração da
atividade do animal. Sendo as noites da estação seca mais longas do que as da estação
chuvosa, a duração da atividade dos animais deve ser maior na estação seca. A cuíca d’água
não parece apresentar sazonalidade em seus eventos reprodutivos (Galliez et al. 2009),
entretanto a maior duração da atividade no inverno poderia permitir mais tempo disponível
Capítulo II ‐ Discussão
53
para acasalamento. Provavelmente, outros estímulos que não o fotoperíodo são responsáveis
pelo desencadeamento dos eventos reprodutivos para a cuíca d’água.
Fatores abióticos como temperatura e precipitação certamente alteram a atividade
dos animais (O’Farrel 1974, Vickery & Bider 1981, Huey 1991, Kramer & Birney 2001,
Rehrmeier 2005). Apesar deste estudo não ter testado a influência da temperatura sobre a
atividade da cuíca d’água devido à escassez de dados, a temperatura da água, principalmente,
pode ter alguma influência sobre o padrão de atividade dos animais. Todavia, pela área de
estudo ter um clima considerado ameno, com uma variação média anual de 7⁰ na temperatura
do ar (Mantovani 1997) e de 6⁰ C na temperatura da água (este estudo) entre o inverno e o
verão, pode se esperar que o papel da temperatura ambiental seja de menor importância para
as atividades do animal. Da mesma forma, a influência da precipitação na atividade do animal
parece ser pequena, já que não foi observada diferença na duração da atividade entre noites
chuvosas e sem chuva. A chuva pode influenciar pouco na atividade da cuíca d’água, já que o
animal já se encontra dentro d’água. Vickery & Bider (1981) atribuem o aumento da atividade
dos roedores em dias de chuva à diminuição da probabilidade de predação. A cuíca d’água,
sem muitos predadores em potencial, talvez não responda à precipitação da mesma maneira.
Chuvas torrenciais podem ainda afetar a atividade dos animais por modificar tremendamente
as condições bióticas e abióticas dos rios, aumentando a vazão, turbidez e velocidade da água,
e diminuindo a quantidade de presas pelo carreamento rio abaixo. Seria interessante analisar a
influência da precipitação de acordo com diferentes níveis de intensidade de chuva e suas
conseqüências para o ecossistema aquático.
Como já mencionado, características como sexo e condição reprodutiva podem
também influenciar nos padrões de atividade diária (Paragi et al. 1994 apud Kolowski et al.
2007, Larivıère & Messier 1997, Zalewski 2001, Marcelli et al. 2003), principalmente se houver
dimorfismo sexual na espécie (Marcelli et al. 2005). Machos da cuíca d’água pesam cerca de
30% mais que fêmeas (Capítulo I) e, devido ao sistema de acasalamento, se movimentam
muito mais do que fêmeas em busca de parceiros sexuais (Galliez et al. 2009, capítulo I).
Segundo o modelo de regressão múltipla, a massa dos animais parece não influenciar a
duração de suas atividades, ao contrário do que acontece com outros mamíferos (e.g.
Valenzuela & Ceballos 2000, Marcelli et al. 2003). Desta maneira, as diferenças encontradas no
padrão de atividade entre os sexos não devem também estar relacionadas a diferenças de
massa, mas sim às diferenças de comportamento entre os sexos. É possível também que a
baixa amplitude de variação de massa dos indivíduos monitorados (235 – 390 g) tenha
influenciado na ausência de relação entre as variáveis. Em geral, fêmeas ficam mais ativas no
Capítulo II ‐ Discussão
54
início da noite e decrescem linearmente de atividade ao longo da noite, enquanto machos
atingem um pico de atividade mais tarde e decrescem de atividade logo em seguida. Devido a
estas diferenças sexuais no comportamento, esperava‐se que machos ficassem mais tempo
ativos que fêmeas. Entretanto, ambos os sexos ficam a mesma quantidade de tempo ativo
durante a noite, calculado tanto pela proporção de localizações ativas quanto pela duração da
atividade, e não diferem quanto ao horário de início de atividade. Resultados semelhantes
foram encontrados para chimpanzés com o mesmo sistema de acasalamento da cuíca d’água
(Kolowski et al. 2007).
Ambos os sexos possuírem mesma duração na atividade não necessariamente implica
na mesma alocação de tempo para as atividades entre os sexos. Provavelmente os motivos
que levam os sexos a ficar ativos são distintos. Fêmeas da cuíca d’água, sendo territoriais
(Galliez et al. 2009, capítulo I), gastariam grande parte de sua atividade diária na patrulha de
território e defesa contra invasores, principalmente nos horários de maior atividade dos
animais (início da noite), enquanto machos gastariam grande parte de sua atividade na
procura por fêmeas. É possível que as fêmeas monitoradas apresentaram maior duração de
atividade simplesmente por estar com filhotes, o que demanda mais tempo para cuidado da
prole e busca de alimento (porém ver Weir & Corbould 2007). Estudos que comparem os
padrões de atividade de fêmeas com e sem filhotes ajudariam a elucidar esta questão.
Resultados que reforçaram as diferenças sexuais nas atividades da cuíca d’água foram
os das relações entre os horários de início de atividade e de início da noite. O início da
escuridão mostrou‐se um importante sincronizador do pico de atividade da cuíca d’água. Estas
relações foram também encontradas na lontra européia Lutra lutra (Beja 1996) e em roedores
noturnos (Bruseo & Barry Jr 1995, Rehrmeier 2005, White & Geluso 2007). Os autores acima
sugerem que os comportamentos de início de atividade para roedores noturnos são plásticos e
provavelmente ligados a trade‐offs sazonais entre custo de predação, competição e benefícios
para reprodução e abundância de alimentos. Se estas características além de diferirem
sazonalmente também forem diferentes entre os sexos, é possível que a sincronia entre os
horários de atividade e de pôr do sol seja também distinta entre machos e fêmeas. As fêmeas
da cuíca d’água apresentaram sincronia de início de atividade de acordo com o horário do pôr
do sol, o que ocorreu para machos apenas na estação chuvosa. Quando os sexos foram
agrupados, as correlações entre início de atividade e pôr do sol ocorreram apenas na estação
chuvosa. Esta forte correlação entre o início da atividade com o início da noite pode estar
relacionada com a patrulha de território por fêmeas no horário de início de atividade a fim de
evitar possíveis invasões por outras fêmeas. Já machos por não serem territorialistas, não
Capítulo II ‐ Discussão
55
necessitam iniciar suas atividades tão cedo, tendo assim uma grande variação de horários de
início de atividade principalmente na estação seca. Nesta estação, noites suficientemente
longas podem permitir um atraso no horário de início de atividade para os animais (Rehrmeier
2005). Todavia, na estação chuvosa, quando as noites são mais curtas, é provável que até
machos necessitem ajustar suas atividades ao início da noite para que seja possível aproveitar
toda a noite para as atividades, principalmente de busca por fêmeas. Quanto ao horário de fim
de atividade, a inexistência de diferenças entre machos e fêmeas e a ausência de correlação
com o horário de nascer do sol parecem mostrar que este é muito mais dependente das
condições ambientais e alocação de tempo para as atividades durante a noite. Ou seja, o
horário de fim de atividade dos animais é extremamente flexível e não dependente do horário
de nascer do sol ou do sexo. É importante ressaltar que este resultado pode ter sido
mascarado pela falta de acurácia no registro dos horários de fim de atividade. Entretanto,
resultados semelhantes também foram encontrados para roedores (Gilbert et al. 1986,
Rehermeier 2005), onde não houve relação entre os horários de fim de atividade e o
fotoperíodo.
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente dissertação representa o mais completo estudo em ecologia dos padrões
espaciais e de atividade da cuíca d’água Chironectes minimus, um animal bem pouco estudado,
apesar de sua vasta distribuição geográfica. Além disso, contribui também para o
desenvolvimento das técnicas de estudo em ecologia de mamíferos semi‐aquáticos. As
técnicas de telemetria provaram ser uma boa ferramenta para o monitoramento dos animais
em vida livre (Tester 1987, Jacob & Rudran 2004), e permitiram maior facilidade e acurácia na
obtenção de dados, muitos destes jamais possíveis através de outras técnicas. Este estudo
baseou‐se na radiotelemetria para obter dados que seriam escassos se coletados através de
técnicas como a captura‐marcação‐recaptura, tornando possível o teste de diversas hipóteses
ecológicas sobre a cuíca d’água. Por ser uma espécie semi‐aquática restrita a rios, os padrões
espaciais da cuíca d’água são melhor representados por estimativas lineares de uso do espaço,
denominada neste estudo de extensão de uso.
Em comparação com estimadores bi‐dimensionais, os estimadores de extensão de uso
são ainda pouco empregados e, portanto, foram pouco desenvolvidos ao longo dos estudos de
padrões espaciais. Um dos métodos promissores para estimativas de extensão de uso é a
utilização do método kernel para calcular o comprimento de habitat dentro do contorno de
volume de utilização estabelecido pelo kernel (K‐UNI; Sauer et al. 1999, Blundell et al. 2001).
Todavia, a utilização do método mais conservativo de comprimento de habitat entre
localizações extremas no rio (CT) se mostrou suficiente para responder diversas perguntas. O
uso do K‐UNI somente é mais vantajoso se as estimativas resultantes não forem tão
fragmentadas a ponto de excluir extensões de habitat também utilizados pelo animal, e isso
vai depender tanto dos parâmetros escolhidos quanto da distribuição de localizações do
animal na extensão de uso. O uso do K‐UNI permite análises de extensão‐núcleo com maior
facilidade e elegância do que outras análises baseadas apenas em número de localizações em
seções de habitat de tamanho pré‐estabelecidos (MS Leite, dados não publicados). Entretanto,
muito campo ainda permanece em aberto para desenvolvimento de análises mais robustas de
extensão‐núcleo, já que os resultados do método utilizado para áreas‐núcleo (Powell 2000)
não apresentaram relação direta com as porcentagens de extensões‐núcleo. Mesmo assim,
este procedimento é valido, em vista de se optar por porcentagens fixas de volume de
contorno de utilização (Powell 2000, Laver 2005a, b).
Considerações finais
57
O conhecimento da organização social dos indivíduos é um elemento importante para
a biologia de uma população ou espécie, já que influencia o fluxo genético e os padrões de
distribuição espacial e pode ser usado também em ações conservacionistas. A cuíca d’água
apresentou padrões de organização espacial condizentes com um sistema de acasalamento
poligínico ou promíscuo (Ostfeld 1985, Hixon 1987, Ims 1987, Ostfeld 1990). Machos
apresentaram extensões de uso cerca de três vezes maiores do que fêmeas, e se
sobrepuseram bastante com outros machos e fêmeas, enquanto fêmeas aparentaram possuir
extensões de uso exclusivas em relação a outras fêmeas.
Apesar da grande heterogeneidade encontrada nos padrões de atividade dos
indivíduos, um padrão geral pôde ser observado. A cuíca d’água é comprovadamente noturna,
com picos de atividade no início da noite e decaindo ao passar do tempo. Machos
apresentaram atividade mais flexível em relação ao horário de saída da toca, principalmente
na estação do ano onde a noite é mais longa (estação seca). Fêmeas apresentaram alto
sincronismo com os horários de saída da toca e pôr do sol, atingindo um pico de atividade no
primeiro período da noite, ao contrário de machos que atingiram o pico de atividade mais
tarde. Muitas outras diferenças comportamentais foram encontradas entre machos e fêmeas
tanto no que diz respeito ao uso do espaço quanto do tempo, e estas diferenças podem ser
atribuídas às estratégias reprodutivas divergentes entre os sexos (Erlinge 1979, Moors 1980.
Marcelli et al. 2003).
Este estudo reafirma os resultados encontrados por Galliez et al. (2009), no qual as
restrições impostas pelo habitat aquático à cuíca d’água não foram suficientes para moldar
comportamentos que fossem tão divergentes dos marsupiais terrestres. Quase todos os
marsupiais neotropicais já estudados apresentaram padrões espaciais e de atividade
semelhantes aos resultados encontrados para a cuíca d’água. Estes resultados vão ao encontro
da afirmação de Charles‐Dominique (1983), de que os marsupiais neotropicais compartilham
de grande semelhança morfológica, fisiológica e comportamental, mesmo havendo
especializações ecológicas tão distintas. Tais semelhanças conduzem a uma interpretação dos
mecanismos evolutivos que moldam a ecologia e o comportamento dos marsupiais
neotropicais. Assim como já foi visto para os marsupiais australianos (Fisher & Owen 2000), os
padrões ecológicos e comportamentais observados em marsupiais neotropicais são mais
restritos filogeneticamente que os dos mamíferos placentários (Jarman & Kruuk 1996 apud
Fisher & Owens 2000).
Considerações finais
58
Em relação aos padrões de atividade, esta hipótese é fortalecida pela idéia de que os
padrões de atividade advindos de fatores endógenos são muito difíceis de serem mudados
evolutivamente, o que impediria os animais de seguirem padrões muito distintos daqueles de
espécies filogeneticamente próximas (Kronfeld‐Schor & Dayan 2003, Roll et al. 2006). O
mesmo pode ser pensado para os padrões espaciais, onde os fatores que determinam a
organização social e o sistema de acasalamento em uma população são tanto de origem
ambiental quanto filogenética (Emlen & Oring 1977). Parece então que as restrições
filogenéticas foram predominantes sobre a influência do ambiente nas características
ecológicas abordadas neste estudo para a cuíca d’água.
Entretanto, uma questão que ainda permanece em aberto é a territorialidade.
Enquanto alguns estudos encontraram pelo menos indícios de territorialidade intrassexual (Lay
1942, Fleming 1972, Gillette 1980, Sunquist et al. 1987, Ryser 1992, Grelle 1996, Pires &
Fernandez 1999, Cáceres & Monteiro‐Filho 2001, Cáceres 2003, Moraes Jr & Chiarello 2005,
Galliez et al. 2009), outros chegam a discutir que a ausência de territorialidade em marsupiais
é de fato uma regra (Holmes & Sanderson 1965, Hunsaker 1977 apud Cáceres & Monteiro‐
Filho 2001, Charles‐Domininque 1983, Julien‐Laferrière 1995, Gentile et al. 1997). É neste
ponto que futuros estudos devem ser conduzidos, já que a presença ou não de territorialidade
pode modificar totalmente os sistema de acasalamento e as interações entre indivíduos de
uma população (Maher & Lott 2005, Ostfeld 1990).
A presença da cuíca d’água apenas em habitats bem preservados (Zetek 1930,
Mondolfi & Padilha 1958, Handley Jr 1976, Voss et al. 2001), com rios de correnteza rápida,
substrato pedregoso e mata ciliar preservada, constitui um importante achado para a
conservação da espécie. As principais ameaças à espécie estão associadas à degradação e
fragmentação dos habitats aquáticos, assim como sua poluição (Galliez et al. 2009). No Brasil,
os ecossistemas aquáticos sofrem, desde tempos imemoriais, uma gama de processos de
degradação (Agostinho et al. 2005). Isto se torna crítico para a cuíca d’água se combinado com
as diferenças sexuais encontradas para preferências de habitat e os grandes requerimentos de
área pelos indivíduos da população, já que estas são questões de particular importância para a
persistência das populações (Gilpin & Soulé 1986). Fêmeas apresentaram preferência por
pequenos tributários e não foram encontradas nas porções menos conservadas da bacia.
Desta forma, se a degradação dos rios levar à fragmentação do habitat para a cuíca d’água, o
impedimento da dispersão de indivíduos entre rios aumenta os riscos de populações isoladas,
principalmente se a dispersão de fêmeas for mais dificultada. Isso ocorre principalmente
Considerações finais
59
devido aos possíveis efeitos demográficos aleatórios atuando em populações pequenas e
isoladas (Gilpin & Soulé 1986). Somando a isso os exigentes requisitos espaciais exibidos pela
espécie e a baixa densidade populacional na área de estudo (Galliez et al. 2009), a cuíca d’água
se mostra uma espécie vulnerável na fragmentada Mata Atlântica. Por todos estes motivos, a
cuíca d’água tem potencial para tornar‐se uma espécie indicadora do status de conservação
dos ambientes aquáticos que habita.
60
CONCLUSÕES
O presente estudo aponta as seguintes conclusões sobre os padrões espaciais e de
atividade da cuíca d’água Chironectes minimus em rios de Mata Atlântica no sudeste do Brasil:
Por ser uma espécies semi‐aquática restrita a rios, os padrões espaciais da cuíca d’água
são melhor representados por estimativas lineares de uso do espaço, ao invés de
estimativas bi‐dimensionais.
A cuíca d’água apresentou padrões de distribuição espacial condizentes com um
sistema de acasalamento poligínico ou promíscuo, no qual machos possuem extensões
de uso maiores que fêmeas e se sobrepõem com outros indivíduos, já fêmeas
apresentam territorialidade em relação a outras fêmeas.
A cuíca d’água é comprovadamente noturna com picos de atividade no início da noite.
As semelhanças encontradas nos padrões espaciais e de atividade entre a cuíca d’água
e os demais marsupiais neotropicais indicam que as restrições filogenéticas foram
predominantes sobre a influência do ambiente nas características ecológicas
abordadas.
De acordo com seus padrões de uso do espaço e com o grau de conservação dos
ecossistemas aquáticos da Mata Atlântica, a cuíca d’água se mostra uma espécie
vulnerável à fragmentação destes ecossistemas.
61
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ANEXOS
Anexo 1. Extensões de uso por CT (linhas em negrito) e K‐UNI (contorno externo), extensões‐núcleo (contorno interno), e locais de tocas (pontos brancos) de nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ.
A – Godofredo
¯0 1 20,5
Quilômetros
Anexos
81
Anexo 2. Curvas de delineamento da área‐núcleo para nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. Método segundo Powell (2000), na qual as linhas côncavas representam a relação entre a máxima probabilidade de uso da área de vida e a porcentagem da área de vida. As áreas‐núcleo são delineadas quando a curva apresentar um coeficiente angular igual a ‐1 (ver métodos do Capítulo I).
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
% da área de vida
% da máxima probabilidade de uso
Rivaldo
Robin
Malandro
Tonico
Panqueca
Godofredo
Florzinha
Paçoca
Margarida
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
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