pacta 2ª edição

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2ª Edição, Novembro. Revista do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais PACTA Mais que uma Revista, uma janela para o Mundo “E Portugal sempre contribuiu para o pro- cesso da paz no Médio Oriente e foi, ou mel- hor, ainda é muito ati- vo e ciente do que vai e vem.” Mufeed Shami “Portugal na balança do mundo” por José Adelino Maltez Suplemento: Agenda Cultural, por Micaela Amorim E MUITO MAIS...

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2ª Edição da Revista PACTA

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PACTAMais que uma Revista, uma janela para o Mundo

“E Portugal sempre contribuiu para o pro-cesso da paz no Médio Oriente e foi, ou mel-hor, ainda é muito ati-vo e ciente do que vai e vem.” Mufeed Shami

“Portugal na balança do mundo” por José Adelino Maltez

Suplemento:Agenda Cultural, por Micaela Amorim

E MUITO MAIS...

Page 2: Pacta 2ª Edição

Conteúdos

* Da Casa 4 - Portugal na balança do mundo - Obama, a Europa e crise - O Brasil de FHC a Dilma: alteração lenta mas continuada - Quo Vadis, Europa?

* Entrevista 8 -Embaixador da Palestina Mufeed Shami

* Do Mundo 13 - Estratégia nas Relações Sino-Japonesas - Portugal e Espanha na Comunidade Ibero--Americana de Nações. - Na ilha de Lia, no Barco de RosaBrasil e ideologia depois da “década perdida” -Brasil: liderança ou miragem regional?

* Crítica 17 - “Frames of War. When is Life Grievable”

* Experiência Erasmus 18 - Praga, Praha

* Cronologia Mensal 19

A Equipa

Coordenação do Pelouro de In-

vestigação do NERI:

Miguel Coutinho, nº 210941

Coordenadores da

PACTA:

Joana Ribeiro, nº 210910

Miguel Brito, nº 210962

Colaboradores:

Anna Momotova,nº 212399

Edição de imagem:

Miguel CoutinhoRevisora: Joana Ribeiro

Responsaveis pelas redes so-

ciais:

Facebook: Miguel Brito, Miguel

Coutihno

Twitter: Anna Momotova,

Joana Ribeiro

Segue-nos em:

https://www.facebook.com/PACTARI

https://twitter.com/pactaiscsp

http://ae.iscsp.utl.pt/

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Page 3: Pacta 2ª Edição

NERI

Após mais um mês de trabalho diário com o objectivo de informar todos aqueles que nos seg-uem, eis que lançamos a segunda edição desta renovada publicação. Todos os dias são muitos os acontecimentos internacionais com que nos deparamos, optando por aqueles que achamos mais perti-nentes, sem nunca esquecer qualquer “parte” ou lado. Todos os meses são também uma batalha de modo a criar e encontrar conteúdos de relevo para a PACTA e este não foi exepção. Nesta segunda edição fala-se do Brasil, das eleições norte-americanas, do Japão e muito mais. E ainda nos sentamos à conversa com o embaixador da Palestina Mufeed Shami. Temos também algumas novidades em relação à primeira edição uma vez que esta também é uma luta por vos entregar o máximo possível da melhor maneira possível. A nível pessoal, tem sido fantástico trabalhar todos os dias neste projecto que se tem revela-do uma grande paixão. Nas próximas semanas, e já nós próximos dias, iremos ter novidades que es-peramos que melhorem a experiência que todos os dias vos tentamos dar através das redes sociais.

Quero também aqui deixar o meu agradecimento a todos aqueles que nos têm ajudado diariamente.

Miguel Azevedo Coutinho, Coordenador do Pelouro de Investigação do NERI

Editorial

Caros colegas,

Sejam bem-vindos à 2ª edição do PACTA.

Os meses de Outubro e de Novembro do presente ano foram muito importantes para nós, estudantes de Relações Internacionais do ISCSP. O mês de Outubro, devido a termos conseguido assinar o Protocolo de Cooperação com três faculdades de Lisboa, sendo estas: a Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, representada pelo Presidente Rodrigo Vaz da AAIEP (Associação Académica do Instituto de Estudos Políti-

cos da UCP), a Universidade Lusíada de Lisboa, representada pelo Presidente Daniel Manaia do CEPRI (Centro de Estudos Políticos e Relações Internacionais), e a Universidade Nova de Lisboa, representada pelo membro de Direção Manuel Ferreira do NECPRI (Núcleo de Estudantes de Ciências Políticas Relações Internacionais). Já em Novembro deu-se a 1ª Edição do Lisbon Calling, uma iniciativa do NERI, que consistiu na realização de um ciclo de conferências, um dia em cada faculdade da área de Lisboa. Estas teriam de conter no seu Plano de Estudos o curso de Relações Inter-nacionais ou de Ciências Políticas e Relações Internacionais. As conferências foram, por isso, subordinadas a temas de relevância para a nossa área de Estudos, de forma a complementar o desenvolvimento académico de todos os partici-pantes.Assim sendo, e devido às parcerias feitas anteriormente, o NERI arrancou com este projeto no passado dia 5 de Novem-bro de 2012, com duas conferências, às quais aderiram mais de 100 pessoas. Agradeço a presença de todos os alunos, assim como aos núcleos/associações envolvidos e a toda a equipa NERI lá presente e que se envolveu nesta iniciativa!Daqui para a frente espero que continuem atentos, pois o NERI vai ter novidades e atividades para todos os alunos!

Saudações Académicas,

Joana Alves Agostinho

Presidente do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais do ISCSP

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Da Casa

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Portugal na balança do mundo…

Se voltasse Almeida Garrett e elabo-rasse o primeiro tratado contem-porâneo português de relações internacionais, como o fez, em 1830,

com “Portugal na Balança da Europa”, ele teria que medir o poder internacional português, a partir de vários elementos.

Teria de considerar que, em 1974 a dívida pública equiva-lia a cerca de 14% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje, equivale a perto de 120% do PIB... é como se cada português devesse 20 mil euros agora e apenas mil euros em 1974.

Acrescentaria que “Portugal foi o país da União Europeia (UE) onde a taxa bruta de natalidade mais diminuiu des-de 1999, segundo dados publicados em 2010 pelo Eurostat que incluem os 27 países da UE e ainda a Islândia, a Suíça e a Noruega. Entre 1999 e 2009, a taxa bruta de natalidade (número de nados-vivos por mil habitantes) decresceu sub-stancialmente em Portugal (19,7%). Os números do Eurostat indicam ainda que em 2009 Portugal era já o segundo país da UE com a menor taxa bruta de natalidade, a seguir à Ale-manha, que lidera a tabela.”

E poderia reflectir como Vítor Gaspar: antes da adesão ao euro, a dívida pública portuguesa estava abaixo dos 60% do PIB, e que ainda em 2005 se encontrava apenas nos 62%. “Serão precisas algumas décadas para atingir os 60% [do PIB] previstos no tratado de Lisboa”, um nível que é metade do valor actual da dívida”.

Por outras palavras, numa previsão de médio-prazo, man-tendo-se os presentes dados, Portugal deixará se ser um efectivo sujeito de relações internacionais, dado que a reali-dade do protectorado o extinguirá como nação, mesmo que se mantenha a formalidade de um Estado próprio.

O Estado a que chegámos deixou de ser verdade. Entregou a alma à usura e talvez já não tenha povo com vontade de ser independente, isto é, de vivermos com aquilo que temos. Por outras palavras, antigamente, havia Estados que eram com-panhias de bandeira. Agora, há quem tema que eles passem a companhias “low cost”. Eu conheço outros que passaram a ser comandados pelo “outsourcing”. Os que foram usurpados e já são protectorados.

O Estado é sempre um conjunto do Estado-comunidade, ou república, e do Estado-aparelho de poder, ou principado. Mas onde o próprio aparelho de poder, não se reduz ao gov-erno e à administração pública, directa ou indirecta,

abrangendo, numa mais ampla ideia de governação, todos os chamados órgãos de soberania, os restantes serviços públicos, centrais, regionais, locais, bem como as próprias pessoas colectivas por ele conformadas.

Refundar o Estado exige, pelo menos, que se saiba o que é o Estado. O pretenso federalismo que alguns eurocratas invocam não passa de um efectivo neo-imperialismo. Bas-ta notar o que o ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, defendeu recentemente a eleição directa do presi-dente do Conselho Europeu, afirmando que tal poderia “des-pertar [nos cidadãos europeus] mais fascínio do que eleições parlamentares e melhorar a comunicação na Europa”. Parece que ainda não defendeu a aplicação do seu princípio ao seu Estado. Mais disse: “No século XXI, os Estados nacionais já não estão em condições de responder às questões da globa-lização e da regulamentação dos mercados financeiros”. Pa-rece que ainda não defendeu a aplicação do seu princípio nas relações do seu Estado com outros Estados europeus.

Basta ler Proudhon, em “Du Principe Fédératif ” de 1863. O Estado unitário, nacional ou europeu, não passa de uma simples máquina política, só superável pela eliminação do centralismo, do unitarismo e do soberanismo, em que se enredariam tanto os modelos do rei absoluto como do povo absoluto, que não admitiriam a existência, no espaço político, dos poderes periféricos, territoriais ou grupais.

Com efeito, tanto o centralismo democrático, de matriz jacobina, como o centralismo que impulsionava os Estados--impérios não admitem o pluralismo, com uma reorganiza-ção simultânea, tanto no plano internacional como no plano interno, isto é, de baixo para cima, pelo renascimento da vida local e pela solidariedade dos grupos não públicos ou não governamentais, como hoje se diz.

Porque “não é apenas entre sete ou oito eleitos, saídos de uma maioria parlamentar, e criticados por uma maioria que se lhe opõe, que deve ser repartido o governo de um país, é entre as províncias e as comunas: sem isso, a vida política abandona as extremidades para o centro, e o marasmo ganha a nação tornando-a hidrocéfala.” (Proudhon).

Aliás, “foi muitas vezes alvitrada, entre os democratas de França, uma confederação europeia, ou seja, os Estados Uni-dos da Europa. Sob esta designação, parece nunca se ter com-preendido outra coisa que não fosse uma aliança de todos os Estados, grandes e pequenos, existentes actualmente na Europa, sob a presidência permanente de um Congresso. Subentendeu-se que cada Estado conservaria a forma de governo que melhor lhe conviesse. Ora, dispondo cada Es-

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tado, no Congresso, dum número de vozes proporcional à sua população e ao seu território, os pequenos Estados encontrar-se-iam, dentro em breve, nesta pretensa Confederação, en-feudados aos grandes; ainda mais: se fosse possível que esta nova Santa Aliança pudesse ser animada dum princípio de evolução colectiva, vê-la-íamos prontamente degenerar, após uma conflagração interior, numa potência única, ou numa grande monarquia europeia. Uma semelhante federação não seria pois senão uma cilada ou não teria nenhum sentido” (Proudhon).

Só é moda aquilo que passa de moda, só é novo aquilo que se esqueceu. Como diria Frei Dinis, de Almeida Garret: a so-ciedade já não é o que foi nem pode voltar a ser o que era; o que vai ser, só deus sabe. Se houver deus, evidentemente, acrescento eu.

Por Professor Catedrático Doutor José Adelino Maltez

Obama, a Europa e a crise

A vitória de Obama veio trazer de novo para discussão o rumo das relações transatlânticas. A força e o sentido de responsabilidade

dos EUA, revelados continuamente desde a 2.ª Guerra Mundial, vão exigir novo ‘tour de force’ após esta reeleição de Obama, perante

o adensar da crise europeia e a necessidade de criar equilí-brios estratégicos globais. Durante os últimos anos, o velho continente lidou com o factor Obama com manifestações de simpatia da opinião pública e o recrudescimento do anti-ame ricanismo. Durante o primeiro mandato deste Presidente, a política externa norte-americana para com a Europa pareceu dar alguns sinais de ‘desinvestimento’ preocupado. Quem não se lembra da frase “I guess you guys have to be creative here”, um comentário de Obama para Merkel durante a Cimeira do G20, em Cannes, (Novembro de 2011), uma alusão mais do que clara à necessidade urgente da União Europeia encontrar soluções mais eficazes para os problemas que a afligem. Com efeito, a crise da dívida na Europa exige que os EUA intensi-

fiquem o seu papel político, de forma a criar um novo equilíbrio geopolítico e económico nas relações in-ternacionais. Obama orientou as suas atenções para o Pacífico, à medida que o centro de gravidade dos negócios se deslocou para a China, no que já é uma redistribuição do poder mundial em reconfiguração desde os finais do decénio de 90 do século passado: o fenómeno da ‘emergência’. Mas ao mesmo tempo não pode ficar refém deste fenómeno e terá de o conter, na velha lógica do balance of power e para tal terá de contar com a União Europeia.

A ausência de uma verdadeira liderança europeia e de consenso em relação a um conjunto de políticas, comprometem, previsivelmente, uma cooperação estratégica genuína entre os dois lados do Atlântico Norte. Um sintoma disto foi o facto de o ‘diálogo’ ter acontecido apenas com os três países incontornáveis do velho continente, o Reino Unido, a Alemanha e a França. No plano internacional, a parceria de valores continua a funcionar - por exemplo, no modo como lidar com o programa nuclear iraniano ou no (mais do que tíbio) empenho em deter o genocídio na Síria -, mas esta comunhão tem de ser mais operacional. O sinal de alarme - um eventual colapso da zona Euro, com efeitos devastadores sobre a economia global - só reforça a ideia de que, com ou sem cenários catastro-fistas, os laços transatlânticos terão de passar por um ciclo de aprofundamento.

Por Professor Auxiliar Doutor Nuno Canas Mendes

“Em 1974 a dívida pública equiva-lia a cerca de 14% do Produto In-terno Bruto (PIB). Hoje, equivale a perto de 120% do PIB” José Adelino Maltez

“Portugal foi o país da União Eu-ropeia (UE) onde a taxa bruta de natalidade mais diminuiu desde 1999”José Adelino Maltez

“O PIB per capita no Luxemburgo é 5,5 vezes superior ao da região de Slovensko (na Eslováquia). E ambas as regiões partilham a mesma moeda, a mesma política monetária, e, gradualmente, os mesmos constrangimentos mon-etários”Carla Guapo Costa

“O Brasil é o maior detentor de riquezas biológicas do mundo e de 60% da Amazónia”Raquel Patricio

“O Brasil é a quinta maior massa humana do planeta, com uma população de mais de 190 milhões de habitantes.”Raquel Patricio

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O BRASIL DE FHC A DILMA: ALTERAÇÃO LENTA MAS CONTINUADA

Q uinta maior extensão territorial do mundo, o maior detentor de riquezas biológicas do mundo e de 60% da Amazónia e uma das mais

promissoras potências agrícolas, o Brasil é tam-bém a quinta maior massa humana do planeta, com uma população de mais de 190 milhões

de habitantes. Largamente conhecidocomo o país do futuro, o Brasil tardava em alcançar esse futuro em função das crises económicas e políticas que se sucediam. A ascensão ao poder de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2002) traria ao Brasil o início da estabilização que Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-…) robusteceriam, alterando radi-calmente a face do país do futuro. Concluída a transição do regime militar para a democracia, os mandatos presidenciais passam a ser completados, enquanto o aparecimento de no-vos partidos e a rotatividade política decrescem significativa-mente, alcançando-se a estabilidade política e partidária. Com o controlo da inflação e da dívida externa, também a econo-mia é estabilizada, a par da evolução das relações externas do país da autonomia pela distância à autonomia pela diversifica-ção. A ação de FHC, Lula e Dilma transformou o Brasil, que é hoje muito diferente do que era há vinte anos. No quadro dessa transformação de longo prazo, é possível identificar-se a mudança do país de FHC a Dilma. Uma mudança lenta, porém continuada, que tem alterado, sobretudo, a economia e as relações externas do país. A economia brasileira, na base do Plano Real de FHC, vem-se consolidando particularmente desde 2003. Este êxito tem sido atribuído ao modelo económico brasileiro. A partir de 1999 esse modelo assentou no tripé económico do controlo da inflação, câmbio flutuante e superávite fiscal, mantido por Dilma no primeiro semestre de governação. A partir do se-gundo semestre de 2011, o modelo económico brasileiro pas-sou a assentar no crescimento do emprego e no aumento do rendimento médio dos Brasileiros como motor para estimular o consumo, base da dinâmica económica segundo a filosofia da equipa de Dilma Rousseff. O grande objetivo é promover o crescimento do produto, mesmo que os seus efeitos colaterais redundem no aumento da inflação. Uma estratégia de suporte da inflação em troca de crescimento, que sendo aparentemente uma política errada, tem sido bem acolhida pelas agências de rating, para as quais o Brasil vem sustentando boas perspetivas para o crescimento de longo prazo. Ao mesmo tempo, Dilma vem mantendo a preocupação social que Lula reforçara, numa versão progressista do desenvolvimentismo cepalino, enquan-to a sua política económica vem baralhando a oposição, que se tem limitado a denunciar escândalos ligados à corrupção. Esta letargia, que enfraquece os setores oposicionistas, e a forma como a presidente tem lidado com as denúncias, limpando a Esplanada dos Ministérios, vem-lhe conferindo elevada popu-laridade e tem reduzido a influência de Lula na sua Administ-ração, à medida que os ministros que haviam sido indicados

pelo ex-presidente são exonerados após comprovadas as denúncias. Dilma vem, também, desenvolvendo uma estra-tégia de cordialidade generalizada frente aos adversários, que tem transformado o anti-lulismo da comunicação social mais conservadora em algo semelhante a um pró-dilmismo, reduzindo o espaço da oposição e afastando eventuais guerras entre as bases de apoio da coligação pela liderança doGoverno. Paralelamente à guinada na gestão económica, a Ad-ministração Dilma também alterou o rumo do Brasil em ma-téria de política externa. É verdade que a presidente tem man-tido o Brasil na rota da esquerda responsável que FHC vinha ensaiando desde ofinal do seu segundo mandato, quando se tornara crítico da globalização, e a que Lula deu forma. Porém, Dilma, com uma diplomacia de perfil menos elevado que a dos seus dois an-tecessores, tem conferido um estilo novo ao comportamento internacional do Brasil e traçado estratégias diferentes para al-cançar objetivos semelhantes. O Brasil, tal como na era Lula e, em certos casos, como na era FHC, segue defendendo a neces-sidade de se proceder a um novo arranjo internacional de po-deres que venha substituir a obsoleta hierarquização que per-siste como espelho da ordem pós-Segunda Guerra Mundial. A estratégia para se alcançar estes fins tem, todavia, sofrido alterações. No início da gestão Lula a América do Sul era a prioridade da política externa brasileira, que visava transfor-mar a proeminência regional do Brasil na liderança regional que funcionaria como a rampa de lançamento para o reconhe-cimento e a influência globais do país. O Brasil, contudo, não teve necessidade de uma plataforma regional para alcançar a arena global, resultado da alteração ocorrida nas perceções dos decisores da política externa, cujos interesses diminuíram na América do Sul, à medida que as oportunidades globais surgiram. O Brasil passou, então, a fomentar o diálogo com os restantes emergentes como forma de reconfigurar a ordem internacional. Liderar a região passou a significar manter o equilíbrio e o entorno regional assumiu uma função crescente-mente instrumental, enquanto o diálogo Sul-Sul se transfor-mou na prioridade da política externa brasileira. Uma postura que Dilma veio alterar, reposicionando os países desenvolvidos na política externa brasileira. Assim, Dilma tem erguido as re-lações do Brasil com os EUA e a EU, secundarizadas por Lula, a um novo patamar de importância, posicionando-as, ao lado do diálogo com os países do Sul, como prioridade da política externa. Retomando uma plataforma característica do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) de FHC, Dilma deixa clara a transformação, lenta mas evidente, da posição do Brasil nas relações internacionais.

Por Professora Auxiliar Doutora Raquel Patrício

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Quo Vadis, Europa?

A União Económica e Mo-netária europeia desenvolveu-se a partir do início dos anos 1990 como forma de tentar

ultrapassar o denominado ‘triângulo das incompatibilidades’, ou seja, a impossibi-lidade de definir, em simultâneo, políticas monetárias autónomas, taxas de câmbio

fixas e permitir a liberalização dos movimentos de capitais no seio dos países europeus aderentes.Para ultrapassar esta incongruência, que se manifestava em áreas tão sensíveis como as políticas monetária e cambial, os líderes europeus comprometeram-se a consensualizar uma entidade supranacional, que seria responsável pela definição de uma política monetária válida para todos os países da zona euro, o Banco Central Europeu. Definida por tecnocratas e apoiada pelo poder político, económico e financeiro, a política monetária da zona euro tem sido estruturalmente concebida para conter qualquer surto inflacionista no seio da integração monetária europeia, sem levar em consideração as especifici-dades dos países que a integram. A eclosão e as consequências da crise financeira global revelaram os limites no processo de definição e aplica-ção dessa política monetária. Como o demonstram as estatísti-cas disponíveis, a zona euro é constituída por países bastante heterogéneos. Na verdade, apesar de constituir um dos blocos mais prósperos a nível internacional, a União Europeia apre-senta uma paisagem caracterizada por elevadas disparidades no nível de vida e de desenvolvimento dos países e regiões que a compõe, disparidades essas que têm vindo a acentuar-se com os sucessivos alargamentos (seis alargamentos, entre 1973 e 2007) a que foi sendo sujeito o espaço comunitário. Efectiva-mente, em 1958 (e também em 1951, com a formação da Co-munidade Europeia do Carvão e do Aço, a CECA), existiam seis membros fundadores, com estruturas económicas e ren-dimentos per capita similares. Mas este foi o único momento na história da integração europeia em que a homogeneidade entre países e regiões era uma das imagens de marca de todo o processo. O primeiro alargamento da CEE ocorreu em 1973, e traduziu-se na entrada de três novos países: o Reino Unido, a Dinamarca e a Irlanda. Se a entrada da Dinamarca e, em menor escala, do Reino Unido não colocava desafios de monta para o processo de integração, a adesão da Irlanda era um caso substancialmente diferente, uma vez que representava a en-trada, no poderoso e próspero bloco regional, de um dos países mais pobres da Europa. Na verdade, no momento da adesão, o rendimento per capita da economia irlandesa representava cerca de 50% da média do PIB por habitante no conjunto dos países pertencentes ao espaço comunitário. E o problema das assimetrias entre países viria a acentuar-se ao longo dos anos,

com os sucessivos alargamentos da CEE/UE. Com a excepção do alargamento ocorrido em 1995 (com a adesão da Áustria, Finlândia e Suécia), foi sempre um dos novos aderentes a ocupar o último lugar na escala do rendi-mento per capita. Para além do alargamento de 1973, como já verificámos, o mesmo sucedeu em 1981, com a entrada da Grécia, em 1986, com a adesão de Portugal e da Espanha, e, naturalmente, em 2004 e 2007, com a adesão de um grupo de países da Europa Central e Oriental (Hungria, Polónia, República Checa, Eslováquia, Estónia, Lituânia, Chipre e Malta, em 2004; Bulgária e Roménia, em 2007. Em 2010, de acordo com dados do Eurostat, o PIB per capita na UE variava entre 43% da média comunitária, na Bulgária, e 283% da mesma média, no Luxemburgo, ou seja, o poder de compra de um luxemburguês era 6,5 vezes superior ao de um búlgaro. E se considerarmos as assimetrias entre regiões, a situação é ainda mais dramática: o habitante mé-dio da região de Inner London (no Reino Unido) evidencia um pib per capita 12 vezes superior ao do habitante médio em Sverozapaden (na Bulgária). No contexto mais restrito da zona euro, a situação não é substancialmente diferente: o PIB per capita no Luxemburgo é 5,5 vezes superior ao da região de Slovensko (na Eslováquia). E ambas as regiões partilham a mesma moeda, a mesma política monetária, e, gradualmente, os mesmos constrangimentos monetários. E a crise financeira global demonstrou como o aprofun-damento da integração monetária e a definição de políticas comuns para um conjunto de países e regiões com objectivos e necessidades diferentes pode levar à erupção de tensões e conflitos, que podem colocar em causa a sustentabilidade da própria integração europeia. Neste contexto, acreditamos que a sobrevivência da zona euro, e da própria União Europeia, passará, inevitavelmente, pela reflexão sobre a orientação estratégica da integração eu-ropeia, não apenas no domínio monetário e financeiro, mas, fundamentalmente, procurando evidenciar as suas fragili-dades e perspectivas de reforma, num sentido de crescimento económico e coesão social para todos os países envolvidos.Assim exista, naturalmente, vontade política para tal.

Professora Doutora Carla Guapo da Costa

Page 8: Pacta 2ª Edição

EntrevistaEmbaixador da Palestina Mufeed ShamiPacta (P): Sendo embaixador da Palestina em Portu-gal como descreveria as relações existentes entre estes dois países?Embaixador Mufeed Shami (EMS): Posso descrever as relações luso-palestinianas como bastante boas e bas-tante próximas. É importante mencionar que estas re-tomam já há década de 1970 quando Portugal recebeu a primeira representação da OPL (Organização para a Libertação da Palestina). Desde então o nosso estatuto tem vindo a ser actualizado a um ponto em que passá-mos a ser uma missão diplomática semelhante a uma embaixada com um embaixador e respectivos privilégios e direitos. E Portugal sempre contribuiu para o processo da paz no Médio Oriente e foi, ou melhor, ainda é muito ativo e ciente do que vai e vem. Quase todos os meses temos uma reunião e consultas políticas onde trocamos opiniões com os representantes portugueses e de seis em seis meses o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros visita Portugal. Encontra-se também frequentemente com o Ministro dos Negócios Estrangeiros português onde quer que haja uma conferência internacional ou um fórum, fazendo questão de se reunirem indepen-dentemente dos conflitos que existirem no momento. Estiveram juntos na semana passada, estarão juntos esta semana no Cairo (Egipto) e, esperançosamente, encon-trar-se-ão na semana seguinte em Aue (Alemanha). Es-tamos, portanto, em constante comunicação com o go- verno português.

P-Acredita que Palestina será um Estado soberano e independente?EMS- Definitivamente, sem dúvida que será. No que diz respeito a vários fatores e outros agentes, o conflito Israelo-Palestiniano tem demasiados intervenientes. Te-mos o lado da Palestina e do Israel, depois temos o dos países europeus, da União Europeia, das superpotên-

cias, dos países árabes e dos americanos. Muitos destes fatores estão a contribuir para o progresso dos acordos políticos, às vezes os interesses dos intervenientes não correspondem e entram em conflito mas mais tarde ou mais cedo, teremos o nosso Estado independente e so-berano e seremos um membro ativo da comunidade in-ternacional. Os palestinianos estão prontos para contri-buir para a civilização mundial e serem como um outro país qualquer do mundo. Temos o nosso país, o nosso povo, nós enquanto nação somos quase 11 milhões, metade dos quais vivem na Palestina e a outra metade vive na diáspora, mas estão ligados e todos trabalham para a OLP, que representa a Palestina e os palestinianos e depois os palestinianos e a diáspora. Os palestinianos não esperam pelo dia da libertação, já há vários séculos que há um trabalho árduo da sua parte. Os palestinia-nos têm o maior PIB per capita no que toca à educa-ção, temos muitas mais universidades em comparação com qualquer outro país comparando as populações. Formamos engenheiros, cientistas e outros licenciados noutras áreas. O analfabetismo não existe na Palestina. Temos uma nação muito educada e um número sufici-ente de pessoas para compor uma Nação e um Estado. Construímos instituições, mesmo sob ocupação, que são reconhecidas pela ONU e pelo Banco Mundial e por outras entidades internacionais como uma das me- lhores instituições no mundo. E temos sorte em ter um sistema democrático e muito transparente onde o nosso orçamento e os nossos projetos, podem ser vistos por qualquer um. Ou seja, todos podem verificar onde cada cêntimo foi investido.

P-Quando é que esperam tornar-se o membro oficial da ONU?EMS- Como já mencionei, sendo a causa Palestina justa, 132 países reconhecem-na como um Estado indepen-dente, poucos países no mundo são reconhecidos por um número tão elevado de países e Estados. Tecnica-mente falando, nós apresentámos um pedido de adesão em Setembro do ano passado e devido à política inter-nacional, ao processo técnico do Conselho de Segu-rança (de assegurar nove membros) e face ao veto da parte dos EUA, o pedido ainda lá está, mas ainda não foi processado. Sendo assim, decidimos o ano passado que iriamos pedir à ONU um estatuto de Estado não membro dentro da Assembleia Geral. Só existe um país que é considerado pela ONU um Estado não membro e é o Vaticano, que é por opção do mesmo, por causa da sua religião. No nosso caso, nós tomamos esse caminho porque enfrentamos o veto americano no Conselho de

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Segurança, então, iremos apresentar a nossa candidatu-ra este mês e esperamos que no próximo mês seremos um Estado não membro da ONU. O que é que isso nos trará? Um upgrade do nosso estatuto. Nós começámos na União Europeia como um Estado observador para a OLP, agora como um Estado observador para a Pales-tina e seremos, um dia, o membro oficial. Atualmente, existem três ou quatro agências da ONU onde temos o direito de voto e de apresentar resoluções. No próximo mês, esperamos fazer parte de todas elas. Isto é apenas um passo para a frente, não é, nem de perto, o nosso ob-jectivo final. O conflito entre Israel e a Palestina é uma disputa pelas terras, assim que nos tornarmos um mem-bro da Assembleia Geral da ONU, a Palestina passa a ser um país sob ocupação e, automaticamente, segundo as resoluções da ONU, perante o direito internacional e o direito humanitário, torna-se aplicável à situação da quarta Convenção de Genebra. Isso quer dizer que se há alguma solução para este conflito, tem de ser den-tro do quadro da ONU, através da autodeterminação. Portanto, isto é, como já referi, apenas um passo para frente, um passo para a independência total e completa e um caminho para a integração dentro da comunidade internacional.

P-Assim que a Palestina se tornar o membro oficial da ONU, qual será o seu primeiro passo?EMS- O nosso sonho é termos um Estado independen-te. Temos um Estado, temos uma Nação, temos o povo, temos todos os fatores de um Estado independente. As-sim que nos tornarmos no país reconhecido por toda a comunidade internacional, gostaríamos de viver em paz e não nos envolvermos em qualquer conflito mun-dial. O nosso objectivo será promover a paz e a tranqui-lidade e queremos que o nosso povo viva e anseie pelo futuro. Queremos que aqueles que vivem na diáspora voltem para a Palestina, com a sua educação, o seu con-hecimento e a sua experiencia para contribuirmos para a comunidade internacional e para a civilização mundi-al. Como um outro país qualquer, enfrentaremos prob-lemas sociais, discussões sobre futebol, até podíamos ter uma disputa sobre qual será a equipa de futebol que vai ganhar o campeonato. Esta é a nossa maior ambição para o futuro, para que os palestinianos vivam uma vida normal e que sejam ativos no ambiente que os rodeia.

P-Agora que as eleições dos EUA chegaram ao fim, o que espera a Palestina do presidente Obama?EMS- Vocês com certeza que conhecem o sistema de eleições americano: as eleições são de quatro em quatro anos. No primeiro ano, o presidente e a nova admin-istração começam a estudar os conflitos internacionais; no segundo ano, começam a pensar que rumo tomar e

depois enfrentarão o quarto ano que é o ano das eleições outra vez. Normalmente, um presidente americano é mais forte no segundo ano do mandato do que no pri-meiro e sendo que ele não pode concorrer novamente para o terceiro mandato, está supostamente mais forte e mais vocal sobre a sua opinião quanto às questões mun-diais. Barack Obama tem um grande fundo académico e é um dos presidentes mais bem informados sobre o con-flito no Medio Oriente. Ele tem uma visão e compreende aquilo que lá se passa. Durante o seu primeiro manda-to, Obama disse duas coisas quanto ao conflito Israelo-Palestiniano; primeira: os colonatos têm de acabar e se-gunda: que tinha esperança de ver, em 2011, um novo Estado pertencente à ONU referindo-se à emergencia do Estado da Palestina. No entanto, esperamos assistir, sob a administração de Obama, à emergencia do Estado da Palestina que já está algo atrasada. Barack Obama foi eleito com base nos valores e efeitos que produziu no povo americano e esperamos que as premissas da liber-dade e da independência se apliquem a nós também.

P-Como é que vê a tensão crescente entre Israel e países como o Irão, por exemplo?EMS- Como sabem, o Médio Oriente não é uma região fácil no que diz respeito a conflitos e política. Israel está à beira das eleições. Penso que as relações conflituosas Israelo-Iranianas são um prolema para as eleições isra-elitas. Ansiamos pelo dia em que as relações de paz com Israel e os países vizinhos serão uma questão a ter em conta em qualquer eleição em Israel.

P-Durante muitas décadas, a causa palestiniana foi vista como a número um na região mas desde o ano passado que se popularizou a chamada Primavera Árabe. De que forma é que este fenómeno tem afecta-do o equilíbrio da região?EMS- A causa palestiniana esteve sempre no topo da agenda internacional, estando em primeiro na última década. Qualquer que fosse o encontro entre mem-bros da União Europeia, da América do Sul ou mesmo um encontro internacional entre o Norte e o Sul, por exemplo, a questão palestiniana estava sempre presente na agenda dos mesmos. Basicamente aquilo que fala-mos atualmente sobre a Síria prende-se na questão de no Norte de África os regimes estarem a ser alterados e de existirem conflitos internos e partidos cujos inte- resses entram em conflito uns com os outros: quem quer mandar, quem quer instituir ideias, noções e princípios numa nova constituição. Na Síria, decorre uma guerra civil tal como em todos os movimentos da Primavera Árabe. Existe o regime e as suas forças e depois há a oposição que é constituída por diversas facções, para as quais é extremamente complicado unirem-se sob um

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único líder. Contudo, nós (palestinianos) lamentamos profundamente esta situação mas devido à comunidade internacional, não estamos dispostos a encontrar uma solução para a Síria sendo isso o que eles mais neces-sitam neste momento. Torna-se difícil também porque há muitas diferenças entre a Rússia e China por um lado e a Europa e a América por outro, e também nas pro-postas de alguns países árabes. Parece-me que o con-flito se irá prolongar, situação que está a afectar a causa palestiniana. No entanto, isso não significa que os países árabes que tiveram a sua primavera e que se encontram em guerra civil ou outros conflitos internos venham re-tirar importância à nossa causa, ou seja, não significa que a causa palestiniana já não seja uma causa justa e que não precise de solução. É do conhecimento geral de que se quisermos ter tranquilidade no mundo, a causa palestiniana terá que estar resolvida. Não digo isto por ser palestiniano ou por sermos palestinianos mas sim por o mundo não gozar de uma paz completa enquanto a causa palestiniana estiver por solucionar.

P-A Rússia está preocupada com relatórios que mostram que os dois lados do conflito sírio estão a ali-star e a armar refugiados palestinianos e fez questão de referir que estes deviam ser mantidos à parte deste conflito. Qual é a sua posição relativamente a esta situação?EMS- Foram os nossos líderes que tomaram a decisão. Nós dissemos que não interferiríamos nos conflitos in-ternos do mundo árabe mas mostrámos claramente que somos pela escolha do povo. Aquilo que o povo escolher, é o que nós escolhemos embora não desejemos optar por um lado ao invés do outro. Temos refugiados na Jordâ-nia, no Egipto, na Síria, no Líbano e estamos a falar de centenas de milhares de pessoas. Se não podemos fazer parte do conflito, o que significaria colocar em perigo os palestinianos, então queremos ser neutrais. Somos convidados nesses países, somos refugiados e estamos à espera do dia em que os nossos cidadãos regressem ao seu país mas sem nunca termos que interferir. No fi-nal do dia, lidaremos com a liderança que for eleita em qualquer país, é uma escolha deles, não nossa.

P-O Médio Oriente está a viver tempos de mudança e de incerteza. No seu ponto de vista o que traria defini-tivamente paz à região?EMS- Um pouco por todo o mundo existem pessoas que estão dispostas a realizar e a receber ideias e noções dos outros. Qualquer pessoa, que justifique por vezes as

suas acções, irá referir que é injusto aquilo que tem sido feito aos palestinianos. Por mais que mudanças em ter-mos de desenvolvimento sejam bem vindas, a incerteza e a instabilidade acabariam com qualquer expectativa para o desenvolvimento e estabilidade. No entanto, o factor que mais contribui para esta situação é a falha da comunidade internacional em encontrar uma solução justa para o conflito Israelo-Palestiniano. Contudo, nós, os palestinianos, gostamos de ser os promotores da paz na região. Assim sendo, se haverá paz através de uma solução justa para a causa palestiniana, todos aqueles extremistas que podem contribuir para a instabilidade no Médio Oriente, já não teriam fundamento para pro-mover as suas ideias extremistas. Os países do Médio Oriente perante a paz deveriam estar ocupados com de-senvolvimentos económicos e deveriam competir pelas melhores condições de vida através da construção de mais fábricas, universidades e através do aumento do número de licenciados. Só aí é que a região irá viver em paz e com melhores condições.

Por Joana Ribeiro e Anna Momotova

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ESTRATÉGIA NAS RELAÇÕES SINO-JAPONESAS

A lógica para-doxal da estra-tégia tem es-capado à

compreensão da maioria dos analistas dedicados à

Ásia Oriental. Nesta que será uma das questões fundamentais do século XXI, o seu senso comum induz-lhes a ditar que a ascensão Chinesa tem fortalecido a sua posição internacional; pela mesma assun-ção, declaram ser o declínio Japonês caracterizado pelo seu enfraquecimen-to. Contrariando a opinião prevalecente, podemos afirmar o seu exacto oposto: a posição da China tem enfraquecido pre-cisamente pela sua rápida ascensão, da mesma forma que o Japão tem sido forta-lecido devido à sua fraqueza. O domínio da estratégia, como Luttwak tratou, é caracterizado pelo con-fronto Clausewitziano entre duas ou mais vontades opostas, onde a existência de uma lógica paradoxal - contrária ao sen-so comum - promove este encontro an-tagónico. Neste sentido, a natureza da ascensão Chinesa é, ela própria, a razão do seu principal enfraquecimento, pela sua incapacidade em manobrar as crescentes vontades que se lhe opõem. Por outras palavras, a rápida acumulação de poder pela China invoca uma reacção contrária proporcional à sua intensidade, minando a sua posição face ao status quo ante. Por seu turno, o Japão tem beneficiado pelas mesmas razões que o tornam vulnerável à vitalidade do seu vizinho continental. Para demonstrar este raciocínio, atentemos a quatro dimensões concre-tas. Em primeiro lugar, a importância de alianças e parcerias securitárias. Do lado Chinês, Beijing está desprovido de alian-ças funcionais que suportem e avancem os seus interesses e weltanschauung. La-ços privilegiados com a Coreia do Norte, o Paquistão, e a Birmânia, entre poucos mais, dificilmente constitui uma firme base de apoio enquanto potência emer-gente com ambições globais.

Como Minxin Pei reconheceu, a China poderá tornar- se a mais isolada das su-per-potências, e cujos parceiros apresen-tar-lhe-ão mais encargos do que benefí-cios. A sua proximidade com Pyongyang é exemplo disso. Por seu turno, o Japão avança com um campanha diplomática em todas as frentes. Com efeito, nos últimos anos, Tóquio tem registado progresso no fo-mento de antigas e novas parcerias, como é o caso da Índia, da Austrália, da Nova Zelândia, e até, em certo grau, com a Coreia do Sul. Enquanto algumas delas adquirem relevância num contexto estra-tégico de resposta à China, outras também servem prioridades distintas, como sejam a procura de um maior multilateralismo e favorecimento de cooperação militar para além da aliança com os Estados Unidos. Em segundo lugar, o pujante cresci-mento económico Chinês criou um am-biente desfavorável à sua maior afirmação política e securitária. Receando umaexcessiva dependência da arma económi-ca Chinesa, vários parceiros regionais têm procurado diversificar o seu modelo de crescimento ao investir no desenvolvi-mento interno e em espaços regionais de cooperação. O crescimento do comércio intra-regional no Sudeste Asiático atesta este facto, embora também sejam de destacar recentes investidas porparte da Austrália, Índia, Coreia do Sul, Tailândia e Indonésia. O Japão, embora profundamente envolvido na modernização do mo- delo macro-económico Chinês, vê a sua posição reforçada perante as profundas transformações impostas pela ascensão do gigante vizinho. Beneficiando de uma postura menos assertiva e de vantagens em sectores-chave, o Japão possui agora os incentivos para investir em mercados tradicionalmente menos receptivos a ca-pital nipónico. Em terceiro lugar, as reivindicações do Partido Comunista Chinês face às i-númeras disputas territoriais pendentes constituem um dos mais flagrantes exem-plos da paradoxallógica da estratégia. Mais fraca e vulnerá- vel, a China dos anos 1970 e 1980

realizou inúmeras concessões perante os seus vizinhos. As disputas foram comum-mente resolvidas com pusilanimidade, em que Beijing cedia frequentemente parcelas equivalentes a setenta cinco porcento dos territórios em causa, e não raras vezes ab-dicando da totalidade das reivindicações. Mais do que princípios vagos de sobera-nia e orgulho nacional, estava em causa a reforma interna da sociedade e a funda-ção dos pilares de crescimento económico que hoje lhe assistem. O panorama contemporâneo é de-veras distinto. Nos mares do Sul e Leste da China, temos assistido a uma escalada de retórica política, presença naval e recru-descimento económico, afectando grave-mente a paz e estabilidade regionais. O caso das Ilhas Diaoyu/Senkaku são exemplo disso, quando antes existira um tácito acordo Sino-Japonês para arquivar a disputa e enfatizar antes a cooperação económica. Para a China de hoje, várias vezes mais forte em poder relativo, aquela fora uma postura excessivamenteconcessionária e contrária aos interesses nacionais. A reacção tem sido proporcio-nal: as forças navais da região têm regis-tado aumentos significativos em orça-mentos e capacidades, frequentemente envolvendo um reforço da aliança ou par-ceria de poderes regionais com os Estados Unidos. Contactos e colaboração entre países vizinhos também têm sido objecto de maior atenção, num ambiente cada vez mais desfavorável à projecção da influên-cia Chinesa. Por último, a continuada modern-ização e expansão das capacidades mili-tares do Exército de Libertação Popular e restantes Ramos, sinal último da ascen-são do poder Chinês, é um dos factores que mais tem contribuído para o seu en-fraquecimento. Questionando-se sobre as funções estratégicas que estas forças servirão, as principais potências region-ais têm procurado limitar - senão conter - esta crescente expansão militar. Várias iniciativas, frequentemente lideradas pe-los Estados Unidos, nas quais o Japão participa, constituem um exemplo da resistência que o crescente poder Chinês invoca. Desde a celebração de pactos

Do Mundo

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Portugal e Espanha na Comunidade Ibero-Ameri-cana de Nações.

Num mo-mento em que a América

Latina não é mais uma prioridade para os EUA, a China apa-

rece como um dos intervenientes ex-ternos mais importantes na região, as negociações entre a União Europeia e a América Latina e Caraíbas avançam muito lentamente, ao mesmo tempo que a Europa já não se apresenta como um mercado prioritário, e o Brasil pa-rece descolar da região. A XXII Cimeira Ibero-Ame ricana que terá lugar nos próximos dias 16 e 17 de Novembro, em Cadiz, Espanha, será mais um teste para a “boa vontade das partes” no sentido de avançar na criação de uma verda-deira Comunidade Ibero-Americana de Nações. Um balanço da sua actuação nos permite afirmar que, por um lado, as Cimeiras têm constituído, sobretu-

do nos últimos anos, uma opor-tunidade para os chefes de estado e governo chamarem a atenção, sobretudo mediática, para alguns as-suntos regionais e globais. A “diplo-macia dos corredores” encontra tam-bém na oportunidade das Cimeiras, condições para o seu bom funciona-mento. E porque se afirma como es-paço complementar e não concorren-cial, a Comunidade Ibero-Americana tem conseguido “sobreviver” como um foro político alternativo. No âmbito mais restrito da cooperação internacional para o de-senvolvimento, o espaço Ibero-Ame ricano tem servido como plataforma para o desenvolvimento de inúmeros projectos de Cooperação Sul – Sul, nas modalidades Cooperação Trian-gular (que envolve um doador tradi-cional, um País de Renda Media e um terceiro país de menor desenvolvi- mento relativo), a Cooperação Sub re-gional (entre sub-regiões da América Latina e Caraíbas, gerida e executada em bloco) e por último a Cooperação

Bilateral Sul – Sul (tem sido a mo-dalidade mais aplicada entre os países da Região e se desenvolve preponde- rantemente através do intercâmbio de experiencias e conhecimentos). Este espaço de cooperação tem facilitado efectivamente o conhecimento mútuo e o conhecimento e adopção de boas práticas em sectores como a Justiça, de Apoio aos Tribunais, Trabalho e Segurança Social, etc. Não sendo por acaso o tema escolhido para esta XXII Cimeira: “Uma relação renovada no Bicen-tenário da Constituição de Cadiz”, a “Diplomacia das Cimeiras” enfrenta todavia sérias dificuldades e novos e mais desafios. Por exemplo, a dificul-dade que lhe coloca o crescente peso político dos vínculos bilaterais em detrimento dos multilaterais; a neces-sidade de superar a retórica e avançar com acções concretas nas várias áreas que envolve o projecto; a urgência de definir com clareza a importância (política, económica e social) das Ci-meiras para os países participantes.

para partilha de informações estratégicas, colaboração em exercícios militares conjuntos, relaxamento da proibição de exportação de armas, até ao fortalecimento da aliança Nipo-Americana, o perfil de segurança Japonês está em mudança. Novamente, os parceiros incluem a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia, as Filipinas e, em casos limitados, a Coreia do Sul. A conclusão é tão paradoxal quanto verdadeira. A ascensão da China resultou no seu inexorável enfraquecimen-to, e será necessária grande disciplina estratégica para reverter os danos causados. Combinar a sua vitalidade económica com uma redução de gastos militares, uma postura mais conce-ssionária em matéria de disputas territoriais e favorecimento de alianças e parcerias contribuirão para esse fim.

Por Tiago Alexandre Fernandes Mauricio, Investigador na Kyo-to University, Fellow WSD-Handa no CSIS PacForum, Analista na Wikistrat

“a China poderá tornar-se a mais isolada das super-potên-

cias”Tiago Mauricio

“Para a Espanha, a Ibero-América constitui uma região

chave para a sua projecção exte-rior onde estão em jogo os seus interesses (sobretudo económi-

cos)”Nancy Gomes

“A nova “social-democracia” brasileira, agora apoiada pelo sindicalismo não estatal, demon-stra a influência que o controlo da inflação e da dívida pública teve na integração do Brasil no sistema capitalista internacional feita de forma pragmática”Bruno Bernardes

“Se a rica e culpável Alemanha deixar de sustentar a integração europeia, esperar que o Brasil impulsione a integração sul-americana é uma ilusão.”Andrés Malamud

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Torna-se igualmente necessário incluir de maneira per-manente na agenda, o tema das relações entre a União Europeia e a América Latina, assim como criar mecanis-mos eficazes para a resolução de conflitos entre os Esta-dos Membros. Por fim, a comunidade deverá potenciar a participação do sector civil e garantir um tratamento mais igualitário entre as partes. Ao encontro de Cadiz, já con-firmaram a sua presença os chefes de estado e governo da grande maioria dos Estados, com as excepções da Argen-tina, a Venezuela, o Paraguai e Cuba. A presença activa do Rei de Espanha em todas as vinte e duas Cimeiras é reve-ladora de um interesse de Estado permanente. Portugal, ao lado da Espanha, esteve também sempre representado ao mais alto nível e nunca falhou uma cimeira. O mesmo não pode dizer-se dos países do outro lado do Atlântico, apesar de estarem sempre representados, os chefes de governo de Cuba e Venezuela, por exemplo, não assistem desde 2006 e 2007, respectivamente. E na Cimeira ante-rior, que decorreu no Paraguai, faltaram ao encontro, onze dos vinte e dois chefes de governo. Para a Espanha, a Ibero-América constitui uma região chave para a sua projecção exterior onde estão em jogo os seus interesses (sobretudo económicos) mas também o seu protagonismo e imagem internacional, como poten-cia politica, económico e cultural, assim como potência normativa e defensora de valores no actual cenário . Fal-ta saber como o governo Espanhol conseguirá, na actual conjuntura de crise, gerir uma relação contraditória com estes países, apostando ao mesmo tempo em valores e in-teresses? Em relação a participação de Portugal neste projec-

to, o retorno tanto económico quanto estratégico foi visto desde o início como sendo sensivelmente reduzido, e as expectativas baixas – não se constituindo, portanto, nas verdadeiras forças motivadoras da actuação da política externa Portuguesa junto à Comunidade. Mas nos últi-mos anos, num contexto de crise, alguns países da região para além do Brasil, foram sendo incluídos entre os desti-natários da sua “diplomacia económica” . A Venezuela, o México, a Argentina, o Peru e a Colômbia surgem como novos potenciais mercados para as exportações Portu-guesas. Contudo, para além dos interesses económicos de ocasião, Portugal continua sem definir claramente uma política para a América Latina.

Por Nancy Elena Ferreira Gomes, Doutoranda em Relações Internacionais na FCSH / Universidade Nova de Lisboa, Professora Auxiliar no Departamento de Relações Inter-nacionais da Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões”

NA ILHA DE LIA, NO BARCO DE ROSABrasil e ideologia depois da “década perdida”

No início da música do C h i c o B u a r q u e ,

um homem dividido conta que “quando adormecia na ilha de

Lia”, sonhava passar “ao largo no bar-co de Rosa” para na ilha de Lia desem-barcar. É pois um homem dividido entre duas mulheres que consentem e encorajam tal divisão. Mas é uma di-visão que faz sentido e que entrelaça este homem entre os braços de uma e os braços de outra. Assim parece a política económica da América Latina e, mais especificamente a brasileira, entre as teses do velho desenvolvi-mentismo e a integração plena no li- beralismo económico global.

Lula da Silva dizia numa entrevista de final de mandato que sempre tentou aplicar a “política do óbvio” nos seus anos de governação. Em décadas de constante mistura ideológica, nunca um país, um governo e um presidente latino-americano teriam resumido tão bem o que se tornou o desen-volvimentismo depois de 1980 ou a “década perdida” como muitos gos-taram de a apelidar. No entanto, pa-rece-nos que a América Latina nunca esteve tão fragmentada como agora. Diversos modelos de desenvolvi-mento e de políticas públicas afastam, por exemplo, o Chile da Venezuela ou da Bolívia, a Argentina e o Brasil. Geografia, clima, cultura, separam já o sabemos. Narrativas nacionais e es-taduais também. A América Latina, esse aglomerado de subcontinentes, não existe, tal como não existe Euro-pa, África ou Ásia. Mas pensar assim seria eliminar os qualificativos que se usam diariamente e que sem rodeios

ou relativismos serviram e têm ser-vido para legitimar e implementar políticas que, olhando para o contexto político e económico, são necessaria-mente óbvias. Pese embora o óbvio que se tornou o problema do desenvolvimento na América Latina logo a partir dos finais da década de 1940 com o pensa-mento de Raúl Prebisch, as ideias económicas e as ideologias políticas latino-americanas nunca apresenta-ram uma definição óbvia e clara, mas antes procuraram satisfazer uma mes-cla própria dos contextos económicos e políticos. O início do reinado de Prebisch na Cepal coincide com um período de assistencialismo e popu-lismo que, por vezes disfarçadamente tinham por base as teorias do desen-volvimento e da dependência. A in-tervenção do Estado nas economias latino-americanas tinha como intuito seguir o que, por exemplo, Getúlio Vargas no Brasil considerava a estru-

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tura de substituição de importações. O círculo vicioso da dependência e do subdesenvolvimento, então produtos das relações centro-periferia e não da importação tardia do capitalismo, es-tava ligado à estrutura do capi-talismo internacional. A necessidade de expandir a capacidade produtiva de forma a libertar estes países das amarras do comércio internacional tinham no Estado um obstáculo e uma oportunidade que se repercutia tanto no papel das elites como da capacidade de transformar a economia base-ada nas commodities. Serão pois estas mesmas elites políticas que, influen-ciadas pelo pensamento cepalino ali-mentam e se alimentam deste Estado, motivando o famigerado populismo. Não seria pois de surpreender que em plena década de 1980, a América Lati-na atravessasse uma crise económica que tinha por base a dívida soberana e a escalada diária da hiperinflação. As receitas iniciais da Cepal, porven-tura não aplicáveis pois se o tivessem sido teriam livrado a América Latina das amarras do capitalismo interna-cional, pareceram frouxas e em crise pelas mesmas elites que anos antes as aplicavam em veemente discurso que parecia ideológico de tão inflamado e urgente. A Cepal, ainda na década de

1980, tinha acertado numa coisa: são as elites do centro das periferias que, aliadas às elites do centro, dificultam a quebra do tal círculo vicioso. Se logo no final da década de 1940 o pensamento da Cepal é produto de um conjunto eclético de ideologias e ideias económicas, não me parece que com a década de 1980 a América Lati-na não tenha aprendido nada quanto à necessidade de desenvolver a políti-ca do óbvio que foi e continuam a ser o desenvolvimentismo e o empodera-mento dos mais pobres. O contexto político e económico da década de 1980 levaria ao que muitos desig-naram por “reformulação” do para-digma cepalino. No meu entender, esta reformulação acontece principal-mente pelas deficiências dos Estados latino-americanos que deixaram de ter capacidade para financiamento de projetos de iniciativa pública, ou seja, ela acontece pelo lado do pragmatis-mo. Aliás a incapacidade dos Estados foi também consequência do próprio círculo vicioso teórico inicialmente fornecido pelo pensamento cepali-no, o que me leva a considerar que a década de 1980, invés de ter sido a década perdida, foi antes um pilar na reformulação do pensamento desen-volvimentista. Não é, pois, por acaso,

que depois de anos de luta contra o próprio modelo capitalista interna-cional, o PT de Lula tenha a partir de 2002 prosseguido as políticas de ajustamento de Fernando Henrique Cardoso, tão contínua e erradamente apelidadas de “neo-liberais”. O Brasil tinha ressurgido entre a ilha de Lia e o barco de Rosa.Se é verdade que o multipartidarismo de 1946-64 é um período de memória histórica importante na democra-tização brasileira, os anos 80 são um período de enorme aprendizagem que teve em Lula uma síntese perfeita da nova receita do desenvolvimentis-mo latino-americano já livre da Cepal mas filho dela. É nesta síntese que a nova “social-democracia” brasileira, agora apoiada pelo sindicalismo não estatal, demonstra a influência que o controlo da inflação e da dívida públi-ca teve na integração do Brasil no sistema capitalista internacional feita de forma pragmática. Esta reformu-lação ideológica é aquela que permite crescimento e distribuição de renda. Eis, pois, a fórmula que mantém o Brasil sonhando alcançar o barco de Rosa, dormindo na ilha de Lia.

Por Bruno G BernardesObservatório Político

Brasil: liderança ou miragem regional?

A Alemanha redimiu-se do Holo-causto reconstruindo a Europa mas o Brasil não tem essa obriga-ção com a América Latina. Nem

tão pouco o poder. Se a União Europeia tivesse sido funda-

da pela Alemanha, Holanda, Letónia e Lituânia teria fun-cionado? A história mostra-nos que o eixo franco-alemão cicatrizou as feridas da guerra e monitorizou a prosperidade continental. França e Alemanha Ocidental eram, no iní-cio, equivalentes em população e riqueza. Mas a unificação alemã e a sua produtividade crescente afastaram-na dos seus vizinhos, tanto em poder como em necessidade. O fim da integração europeia seria um golpe duro para Berlim mas o país seguiria em frente; porém, outros, como Grécia e Por-tugal, perderiam soberania real e estariam à mercê de com-pradores/predadores extra-regionais como a

China ou Angola. Tais são os custos das assimetrias que o euro agigantou. Após vinte e um anos da fundação do Mercosul, ainda há quem afirme que o eixo argentino-brasileiro é a versão sul-americana do franco-alemão. Mas a comparação provo-ca ruído: se o Brasil é demograficamente equiparável à Ale-manha, a Argentina não equivale à França, à Grã-Bretanha ou até à Espanha, mas sim ao pequeno país da princesa Má- xima e das tulipas. Seguindo o mesmo critério, o Paraguai e o Uruguai não se parecem com a Bélgica ou Suécia, mas sim aos miniestados bálticos (e a Venezuela seria comparável com a Grécia, deixando interpretações económicas de lado). Enquanto apenas um sexto dos europeus são alemães, três quartos dos mercosulianos são brasileiros. Ainda mais sério é que a economia não compensa a desproporção populacio-nal: enquanto a Alemanha constitui a maior e mais rica eco-nomia da Europa, o Brasil é muito maior mas, ao mesmo tempo, mais pobre – por PIB per capita e desenvolvimento humano – que a Argentina e o Uruguai.

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Assim sendo, os fundos estruturais e as políticas re-distributivas do Mercosul são ínfimos. Para explicar o fra-co desempenho não é necessário procurar culpados: o que falta são recursos e razões e não generosidade ou líderes clarividentes. Visto a partir de uma Europa em demolição, o Bra-sil surge como um gigante em ascensão; no entanto uma abordagem comparativa mostra a outra face do fenómeno. Para começar, é o BRIC que menos cresce desde há quase uma década: este ano apenas superará o 1%, com uma in-flação que se aproxima dos 5%. Claro que, olhando para a Argentina, o último número é invejável, mas para a políti-ca económica de Dilma é o limite do inferno. Em segundo lugar, o Brasil é um país com indústria mas já deixou de ser um país industrial: em 2012 as suas exportações industri-ais retrocederam até aos valores de 1978, quando a venda de commodities tinha superado as vendas de manufaturas pela última vez. Neste momento, a única potencial indus-trial da América Latina é o México: 75% das suas expor-tações são manufaturas, principalmente automóveis para o mercado norte-americano. O Brasil, no entanto, exporta apenas 36% de bens industriais, muito próximo dos 32% argentinos. O forte está na soja e minerais de ferro vendi-dos à China, da qual só importam manufaturas. Nas pa-lavras de Marcelo Coutinho, professor carioca de relações internacionais, trata-se de uma “dependência económica restau-

rada” – com uma mera mudança de patrão. Graças ao Mundial de 2014 e às Olimpíadas de 2016, o Brasil tem assegurado o foco do mundo durante os pró- ximos anos. Mas o esplendor das luzes não deve enganar o observador. A economia global vai continuar a resfriar-se e as taxas brasileiras de investimento e inovação não che-gam para sustentar o seu crescimento. Dilma sabe-o, e a isto deve-se o seu combate por reformas que antecipem a crise. Mas o seu país já pesa demasiado para se sustentar a si próprio, quanto mais aos seus vizinhos. George Soros publicou um manifesto exigindo à Alemanha que lidere a União Europeia ou se vá embora (lead or leave). Caso contrário, toda a integração conti-nental, e não apenas a moeda única, entrará em colapso. Mas a liderança tem custos económicos e morais que os cidadãos alemães, três gerações depois do Holocausto, já não parecem dispostos a pagar. Se a rica e culpável Ale-manha deixar de sustentar a integração europeia, espe-rar que o Brasil impulsione a integração sul-americana é uma ilusão. Os latino-americanos querem-se muito, mas necessitam-se pouco, e o Brasil não tem fundos para fi-nanciar a afeição.

Por Andrés Malamud, investigador professor na Universi-dade de Lisoa

Na obra Frames of War. When is Life Grievable, a filósofa pós-estruturalista norte-americana Judith Butler desenvolve o con-ceito de precariedade. Na inter-pretação de Butler, o conceito de precaridade traduz a condição hu-mana pela qual determinadas po- pulações ou grupos humanos são expostos à violência, doença, des-locação forçada, pobreza e morte (Butler, 2009:25). Neste sentido, o conceito de precariedade questio-na a ontologia do corpo humano e de como tal ontologia pode con-stituir a base para a mobilização, no seio das comunidades huma-

nas mais vulneráveis, de direitos sociais e políticos. De fato, repensar a ontologia do corpo humano significa discutir de que forma a precariedade, a vulnerabilidade e a exposição

humanas se encontram assimetricamente distribuídos pela população mundial. Segundo Butler, é necessário reconhecer a importância da discussão sobre o que constitui uma vida humana e as causas que levam a que certas vidas sejam mais lamentáveis do que outras. Tal discussão pode, no entender de Butler, aprofundar o debate sobre as políticas globais de desenvolvimento, questionando a forma através da qual a pre-cariedade faz perigar a subsistência e dignidade da condição humana. Neste contexto, e na linha de autores como Susan Sontag ou Slavoj Žižek, Judith Butler denuncia os efeitos da normalização do sofrimento das populações dos países em vias de desenvolvimento e de como tal normalização conduz à volatilidade das políticas de desenvolvimento internacionais.

Judith Butler, 2009. Frames of War. When is Life Grievable. London, New York: Verso.

Por Professora Auxiliar Doutora Maria João Militão

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Crítica

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Praga, PrahaErasmus aqui vamos nós, pen-sava eu ao embarcar na viagem para Praga. Depois da residên-cia reservada e toda a papelada tratada, o que faltava mesmo era só chegar. Mas onde era mesmo a residência? Apesar de horas e horas no Google Maps, a verdade é que não conhecia nada da cidade e dos trans-portes e a única coisa que tinha eram as indicações. Pânico, receio era o que tinha uma vez que a ideia de andar às voltas numa ci-dade desconhecida e com roupa para seismeses era um pou-co aterradora. Para mais, nem uma pa-lavra de checo sabia e segundo o que me haviam dito, ape-sar de ser uma cidade turística, pouco mais que os comerciantes falavam inglês. Mesmo assim, à chegada lá ia eu, confiante para esta nova etapa. Depois de algu-mas ajudas (aliás, muitas) para saber os transportes necessários para chegar à residência, lá bato à porta. Depois da inscrição e da atribuição do quarto, começa a instalação. Primeiraimpressão: o quarto é pequeno, a cama é pequena, a cozinha é pequena, como é que vou pas-sar aqui 6 meses? Exageros de uma pessoa que nunca viveu numa residência e que não

sabia mesmo para o que ia. Apenas tenho a dizer que agora ADORO! Conheci logo alguns estudantes que viviam no meu piso e mais começaram a chegar, amizades feitas e agora uma grande união. Somos grandes com-panheiros. Costumamos dizer que os primeiros dias são para conhecer, depois são para habituar até que agora é viver. E o que é viver em Praga? É testemunhar esta imensidão e miscelânea de culturas, é visitar e desfrutar dos monumentos e da própria

vida checa. As próprias ruas são como uma in-jecção de cultura onde até nos mais pequenos recantos se encontram espectáculos urbanos e edifícios com uma arquitecturaespectacular. E entre as noites fantásticas, as tardes inesquecíveis passadas com os colegas internacionais e os passeios que chegam para animar um dia, temos ainda a faculdade, muito moderna e onde podemos dizer que o programa Erasmus não é umas férias do estudo, mas antes pelo contrário já que as nossas cadeiras são de-veras interessantes e os professores são oradores excepcionais em inglês. De assinalar que nesta faculdade, até mesmo para os seus alunos na-cionais, as aulas são dadas em inglês de modo a melhorar uma das principais características das relações internacionais, a linguagem internacio-nal. Mas a vida não é só um mar de rosas como faço parecer. Existem muitas coisas que apesar

de parecerem pequenas nos fazem muita falta e onde Portugal nos “habituou” mal. Neve em Outubro! O clima écompletamente diferente. A falta de carne realmente fresca, coi-sas como um talho por exemplo, não existem, a carne é toda embalada; a falta de peixe, que é praticamente inexistente; todas as compras que vêm com as informações em línguas do leste da Europa e muitas outras coisas que o nosso Portugal tem de tão especial. E dificuldades há muitas, apenas temos de as superar porque vale a pena. Erasmus não se faz, vive-se, e digamos que escolhi o melhor sítio que podia haver para viver.

Nashledanou

Por André Cardoso, estudante do 3º ano de Relações Internacionais

- Capital e maior cidade da República Checa

- Tem cerca de 1,3 milhões de habitantes

- Fundada no século IX depois de passagem obrigatória nas rotas comerciais da Europa desde aAntiguidade

- É conhecida como a “cidade das cem cúpulas”

- Famosa pelo seu extenso pa- trimónio cultural e arquitec-tónico, é atravessada pelo rio Vltava,que divide a cidade:

- Malá Strana (Cidade Peque-na) na margem esquerda

- Staré Mesto (Cidade Antiga) e Nové Mesto (Cidade Nova) na margem direita

- Ocupada por celtas, boémios, alemães, hussitas, saxões, sue-cos e austríacos, até 1848

- Tornou-se em 1918 capital da Checoeslováquia

- Sob ocupação nazi e soviética durante a II Guerra Mundial, foi uma das cidades que maisripostou às ocupações

- Em 1992 com a separação da Checoeslováquia, Praga passou

a ser a capital da RepúblicaCheca

Experiência

rasmus

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Cronologia mensal

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- Sheikh Hamad bin Khalifa Al Thani, o emir do Qatar, foi o pri-meiro chefe de Estado a visitar a Faixa de gaza desde o boicote internacional de 2006, provocado pela eleição do Hamas.- Vários surtos de violentos confrontos entre budistas e muçul-manos Rohingya (comunidade apátrida) na Birmânia.- As Nações Unidas planeiam a criação de uma força de ma-nutenção de paz na Síria, em caso de cessar-fogo.- O ditador sírio, Bashar Al-Assad, decreta amnistia geral para crimes cometidos até ao dia 23 de Outubro de 2012.- A Amnistia Internacional declara que tudo aquilo que se con-seguiu alcançar na Tunísia está a ser desfeito pelos governantes pós- Ben Ali, um ano depois da revolução. - Milhares de manifestantes reuniram-se frente ao Parlamento de Madrid, num protesto contra as medidas de austeridade do Governo de Mariano Rajoy. - Forças do Governo sírio matam pelo menos 20 pessoas em Aleppo, num atentado a uma padaria. - Um observador da ONU confirmou que em Marrocos são uti-lizadas técnicas de tortura especialmente contra membros da oposição envolvidos no conflito do Saara Ocidental. - O Governo de Bashar al-Assad anunciou um cessar-fogo com as forças da oposição durante o feriado Eid al-Adha, que dura aproximadamente quatro dias. Cessar-fogo quebrado logo no primeiro dia, continuando os bombardeamentos.- O chefe do Estado Maior das Forças Armadas russas, Nikolai Makarov, denunciou que os rebeldes sírios utilizam armas fabri-cadas nos Estados Unidos da América para combater as tropas do Governo sírio. - Os ataques aéreos por parte do Exército israelita à Faixa de Gaza continuam, matando quatro combatentes da facção arma-da do Hamas. - Sudão acusa Israel de bombardear uma fábrica de armamento militar na capital sudanesa e de matar duas pessoas. - A proposta do orçamento de Estado espanhol para 2013 é aprovada pelo parlamento espanhol, embora a oposição reclame as medidas de austeridade nele impostas. - No rating da energia mundial, o Brasil assume a primeira posição sendo um exemplo de crescimento sustentável e de responsabilidade no que às energias renováveis e às emissões de gases para a atmosfera diz respeito. - Desenhando um futuro incerto entre o Reino Unido e a União Europeia, o primeiro-ministro britânico ameaçou utilizar o di-reito de veto em algumas áreas de discussão em Bruxelas.- O Fundo Monetário Internacional aprova pagamento de nova tranche de 1500 milhões de euros a Portugal.- Quase 26 mil deslocados na República Dominicana devido ao furacão Sandy, que atingiu os EUA durante as eleições presiden-

ciais ameaçando o rumo dos votos.- O Parlamento Europeu atribuiu o Prémio Sakharov dos Direi-tos Humanos aos iranianos Jafar Panahi e a Nasrin Sotoudeh. - Dirigente da ETA, Isaskun Lesaka, presa em Lyon, França. O Ministério do Interior espanhol suspeita que a detida faça parte da direcção da organização basca.- O Partido das Regiões, de Victor Ianukovitch, vence as legisla-tivas na Ucrânia e deverá garantir o controlo do Parlamento de Kiev.- O ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, defende que a eleição directa do presidente do Conselho Europeu pode-ria estimular a comunicação na Europa.- Rebeldes sírios armam refugiados palestinianos para lutarem contra as facções pró-Bashar Al-Assad, alimentando um pos-sível conflito intra-palestiniano.- Centenas de intelectuais e académicos de todas as áreas, en-tre eles Pedro Almodóvar e Mario Vargas Llosa, assinaram um manifesto pelo federalismo na Catalunha em vez da independên-cia. - O Gabinete Internacional da Paz defende que o prémio Nobel da Paz atribuído à União Europeia é ilegal uma vez que a UE não se revela um dos “campeões da paz” que Alfred Nobel pretendia recompensar. - Barack Obama é eleito para um segundo e último mandato como presidente dos Estados Unidos da América. “Four more years”, mencionou o presidente na sua página do twitter aquan-do dos resultados eleitorais. - Começa o congresso nacional do Partido Comunista Chinês.- Bashar Al-Assad recusa sair do seu país, dizendo que vai “viver e morrer” na Síria.- Um terramoto de magnitude 7.4 mata dúzias de pessoas na Guatemala, deixando também um rasto de devastação à sua vol-ta. - Uma enchente de argentinos invade as ruas de Buenos Aires em protesto contra aquilo a que chamaram o autoritarismo de Cristina Kirchner. - Ataque turco a militantes do PKK na fronteira com o Iraque mata treze pessoas.- O governo britânico informa que irá acabar com a ajuda finan-ceira à Índia, já no ano de 2015- David Petraeus resigna ao seu cargo de director da CIA depois de uma investigação do FBI.