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Laurinda Alves

Alberto Brito sj

Ouvir, Falar, Amar

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Índice

Introdução ......................................................................................... 9

No Princípio Era o Verbo… ............................................................... 15

Escutar é uma grande escola de vida ........................................... 17Os quatro pés do desenvolvimento humano................................. 35O abc da comunicação interpessoal ............................................. 65

A Gestão dos Sentimentos ................................................................. 69

Nós e as nossas circunstâncias ..................................................... 71Chamar os sentimentos pelo nome .............................................. 85Não há sentimentos maus ............................................................ 125Tipos de sentimentos ................................................................... 131

Feedback ............................................................................................ 135

Educar a expressão ...................................................................... 137O que é o feedback? ..................................................................... 165

A Capacidade de Superação dos Confl itos ......................................... 171

Ninguém evolui em linha recta .................................................... 173Aceitar os outros .......................................................................... 183Explicação dos verbos .................................................................. 185

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Introdução

A importância de ouvir, falar e amar

Platão dizia que as realidades mais sublimes são as que têm um preço mais alto. Alberto Brito diz o mesmo por estas e por outras palavras ao longo das horas de conversa que deram ori-gem a este nosso livro, que é uma estreia absoluta para ambos. Para ele, porque nunca teve tempo para se sentar a uma secretá-ria e passar para o papel tudo aquilo que aprende e ensina sobre a essência e a arte de ser humano; para mim, porque nunca tinha escrito nada a quatro mãos.

Há muitos anos que queria ter uma longa conversa com Alberto Brito, sobretudo com tempo necessário para o ouvir falar sobre a comunicação interpessoal, as relações humanas e o sentido da vida; para o ouvir falar, enfi m, sobre essas realida-des sublimes e de maior valor que podemos alcançar, mas ape-nas com muito trabalho e empenho.

Ao longo destes anos, fi z-lhe duas grandes entrevistas que publiquei na revista XIS e que marcaram um antes e um depois num tempo dividido entre a urgência de aprofundar estas

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matérias e a necessidade de ponderar todas as questões relacio-nadas com os grandes equívocos e com a falta de sintonia na comunicação entre as pessoas. Era preciso dar tempo ao tempo, e foi isso que fi zemos. Sempre que lhe falava num livro sobre as matérias da sua especialidade, Alberto Brito dava-me a enten-der que ainda não era a altura certa. Respeitei esse timing, mas sinto agora que chegou o momento certo.

Entre 2004 e 2010, Alberto Brito deu várias voltas ao mundo e visitou mais de 50 países na sua qualidade de assistente inter-nacional das CVX, Comunidades de Vida Cristã, na termi-nologia inaciana, tão cara aos jesuítas. A variedade de gente, de raças, de crenças, atitudes, idades e percursos de vida que encontrou em todas estas viagens e em cada uma das pessoas que conheceu deram-lhe uma bagagem extraordinária para seguir esse seu caminho como mestre na valorização humana (ele prefere dizer que é um eterno aprendiz). Aquilo que mais o impressionou ao longo destes anos de peregrinação pelo mundo foi a coerência de certas pessoas, algo que o fazia ter vontade de se ajoelhar perante gente capaz de pensar, sentir e agir de forma coerente e consequente. Isto, note-se, apesar das circuns-tâncias adversas e de grandes sofrimentos por perdas ou crises que estas mesmas pessoas atravessavam.

Viver é pôr questões e, nesta lógica, Alberto Brito estimula o diálogo e provoca a dúvida constante, porque sabe que cresce-mos muito mais com as dúvidas do que com as certezas. Nesta linha de pensamento, leva-nos a todos mais longe. Superior-mente culto e invulgarmente dotado para ouvir e falar, nunca sente a tentação de ter uma sentença defi nitiva sobre nada. Sabe que não há duas pessoas iguais e que os sentimentos nunca se repetem. Mesmo quando achamos o contrário, Alberto Brito prova com palavras simples e sábias que, embora as nossas ati-tudes face aos desafi os possam ser parecidas, estamos sempre

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concentrados no obstáculo da frente, nunca no de trás, e jamais repetindo o que já pensámos ou sentimos. É fascinante a elo-quência com que fala de tudo isto e a maneira como nos sossega perante nós mesmos e os outros.

Alberto Brito viveu duas temporadas em Roma, uma ainda como estudante e outra já no auge da sua vida profi ssional; se bem o conheço, contemplou profundamente a obra de grandes mestres. Miguel Ângelo, porventura o maior entre os maiores, disse: «Toda a vida, procurei respostas para questões que tal-vez não tenham resposta. E ia escavando o mármore, como se pudesse encontrar a verdade no coração das pedras, ia espa-lhando as cores nas paredes, como se pudesse harmonizar acor-des sobre um tão grande silêncio. Porque tudo se cala, mesmo a nossa alma. Ou então nós é que não compreendemos.» É este mistério que cada homem é para si mesmo, no grande misté-rio da vida, que move Alberto Brito e, de certa forma, tam-bém o faz escultor da alma humana. Mesmo sabendo que há e haverá sempre perguntas sem resposta e questões que perma-necem insondáveis, não baixa os braços nem deixa de cultivar uma atitude de fascínio e uma consciência lúcida que ilumina a sua existência e traz mais luz aos que estão à sua volta.

A comunicação entre as pessoas, os laços que tecemos entre nós e a maneira como cuidamos das relações de amor, de ami-zade, de familiaridade ou entre pares, no trabalho, interessam a Alberto Brito, que sabe que o universo onde se inscreve a acção humana é sempre incerto e efémero. E é dessa incerteza que nascem tantas fragilidades e desacertos. Porque, se as pala-vras servem a toda a gente, por vezes também podem não servir a ninguém, pois, como refere, não há duas vidas idênticas nem duas pessoas iguais. E, quem diz as palavras, diz os silêncios, uma vez que, ao contrário dos grandes silêncios cósmicos, tudo em nós fala. Alberto Brito sabe que a comunicação não-verbal

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é incrivelmente poderosa e vale 90 por cento daquilo que que-remos transmitir… ou esconder. E é este impacto da comuni-cação, do que dizemos ou calamos, mas, acima de tudo, da maneira como nos expressamos que trata este livro.

Sei que não sou imparcial no meu julgamento sobre a subs-tância das conversas mantidas com Alberto Brito ao longo de várias tardes no seu escritório em Bruxelas, onde actualmente vive e onde é director pastoral do Foyer Catolique Européen, ou enquanto caminhávamos juntos pelas alamedas de árvores da Quinta de Soutelo, em Braga. No entanto, e apesar de toda a minha parcialidade, considero que Alberto Brito tocou em todas as questões essenciais na comunicação entre as pessoas. Sensível e atento à sensibilidade dos outros, diz que a compreensão é a única força de mudança, porque «as pessoas, quando se sentem compreendidas, mudam». Nesta lógica, fala da aceitação e do amor, e sublinha que ninguém gosta de ser tolerado. Todos que-remos ser amados e aceites como somos e pelo que somos.

O maior desejo do Homem é amar e ser amado, por isso, o seu maior medo é ser rejeitado. Ou não ser aceite pelo que é. Desta realidade nascem as defesas, os preconceitos, as barreiras e os muros altos e intransponíveis que tantas vezes erguemos à nossa volta e que distorcem a comunicação. Alberto Brito diz que a chave dos relacionamentos é «conhecer e dar-se a conhecer». Ora isto só é possível através do diálogo, da troca de ideias, da partilha de experiências, da crítica construtiva e do respeito mútuo. As relações crescem e calibram-se com diálogo e confi ança, até porque os problemas básicos de todos os rela-cionamentos estão na atitude defensiva, que muitas vezes dege-nera numa atitude ofensiva.

«Aquilo que separa as pessoas não são as ideias, nem as cren-ças, nem as opções políticas», garante Alberto Brito. «Aquilo

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que nos separa uns dos outros são os sentimentos!» Desta forma simples e directa, Alberto Brito provoca-nos e desafi a-nos a outra compreensão. Abre outras portas e mostra novos cami-nhos. Põe a vida em perspectiva e ajuda-nos a perceber que o desconhecimento e o medo andam sempre juntos e geram sempre desgaste, em nós e nos que nos rodeiam. Gerir os nos-sos próprios sentimentos e os dos outros é um acto de verdade que requer coragem e aprendizagem. É o trabalho de uma vida inteira, mas vale a pena darmo-nos a esse trabalho, pois é pelos frutos que se conhecem as árvores.

Alberto Brito fala de tudo isto com paixão e convicção, mas sem a pretensão de ensinar. Sabe que os nossos problemas nunca têm só uma causa e que o nosso ecossistema é delicado e complexo, por isso, adverte: «É preciso tratá-lo com carinho e respeito!»

Ouvir, Falar, Amar é um título que faz eco, porventura, de outras realidades literárias e cinematográfi cas, mas é também aquele que melhor resume tudo o que fi ca dito neste livro: ouvir, porque ouvir os outros é a maior escola de vida; falar, porque é a comunicar e a dialogar que nos entendemos e que se cons-troem as relações; amar, porque é a partir da aceitação de nós próprios e dos outros que tudo é possível.

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No Princípio Era o Verbo…

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Escutar é uma grande escola de vida

Como é que surgiram na sua vida os cursos de Relações Humanas?

Em Novembro de 1970, em Roma, fi z um curso de Relações Humanas com um professor cubano, que tinha sido compa-nheiro de Fidel Castro, no Colégio dos Jesuítas de Havana.

Cheguei àquela cidade em Setembro, para estudar Teologia na Universidade Gregoriana. Fiz esse curso em Outubro e, no mês seguinte, o professor convidou-me para trabalhar com ele. Ao longo dos cinco anos em que estive em Roma, fui prati-cando, lendo e debatendo, na relação mestre-discípulo, as ques-tões relativas ao acompanhamento de pessoas e de grupos.

Nestes 37 anos em que sou padre, tem sido esta a ferramenta pastoral que mais me ajudou, e por isso me sinto particular-mente agradecido pela preciosa ajuda deste mestre.

Quem era esse homem?

Chamava-se Federico Arvesú, era um jesuíta cubano, médico, psiquiatra, que estudou nos Estados Unidos, onde fez três cadei-ras com o famoso professor Karl Rogers.

Para Arvesú, foi determinante o conhecimento pessoal de Rogers, embora mais tarde se tenha distanciado um pouco da sua linha.

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Conheci-o, como disse, como professor da Universidade Gregoriana e fi z três cadeiras com ele, além do trabalho já mencionado.

Ele foi obrigado a exilar-se?

Foi. Quando Fidel entrou em Cuba, a 1 de Janeiro de 1959, deu-lhe três dias para se pôr fora do país. O golpe da revolução cubana foi cirúrgico, no que toca à Igreja, sobretudo em rela-ção aos jesuítas. Os padres que só apareciam em público para celebrar missa puderam permanecer no país. Os irmãos jesuítas que não eram padres foram convidados a fi car, porque eram os trabalhadores. Os que tinham impacto social ou cultural tive-ram três dias para abandonar o país.

Este seu mestre foi um deles?

Quando Fidel chegou, Federico Arvesú era o superior dos Jesuítas nesta ilha com mais de 110 mil quilómetros quadrados – um pouco maior do que Portugal, portanto.

Aproveito para lhe contar uma decisão que ele tomou, depois de receber alguns telefonemas de irmãos jesuítas que lhe pediam para sair do país.

Sem revelar as razões da sua decisão, Arvesú ordenou que todos os irmãos saíssem imediatamente de Cuba. A maior parte deles telefonou, dizendo que preferia fi car, e obtendo imediatamente a aprovação do seu superior. Deste modo, os que queriam sair fi ze-ram-no sem serem apelidados de cobardes. No meio do terra-moto bem maior que o nosso 25 de Abril – basta dizer que é um regime que perdura –, este homem sujeitou-se a que lhe chamas-sem nomes feios para proteger a retirada de alguns, que saíram de cabeça erguida. Todos fi caram bem, quem queria e quem não queria sair de Cuba. Mais tarde, ao compreenderem a razão deste gesto, reconheceram a sua nobreza, porque, em cima do aconteci-mento, é preciso ter muita lucidez e valentia para dar uma ordem destas. É uma história reveladora do carácter deste homem.

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Teve a sensibilidade de respeitar a decisão de cada um.

Exactamente. Além disso, sujeitou-se a que o insultassem, para que todos os seus irmãos fi cassem bem, fosse qual fosse a decisão que tomassem.

Ou seja, era um homem dotado para as relações interpessoais e um líder?

Era, sem dúvida. Pouco depois, ouviram-se frases do estilo: «Grande homem! Sem nos dizer nada, sujeitou-se a ser criti-cado e ofendido, para proteger todos e cada um.»

Posso exagerar, porque estou a falar do meu mestre, que muito estimo, mas este episódio, entre outros, mostra que era um homem invulgar.

O que é que aprendeu com ele nesse seu primeiro curso de Rela-ções Humanas?

Uma coisa é estudar estas matérias na universidade ou atra-vés dos manuais. Outra é ter a sorte de estagiar e dialogar, de praticar e de refl ectir sobre a própria experiência. Foi uma grande oportunidade.

Por um lado, foi uma sorte, mas por outro foi o reconheci-mento do seu dom, do seu talento para estas matérias.

Ele convidou-me e eu respondi: «Aceito, porque me interesso por estes temas.» Foi assim que tudo começou. Ao longo de quatro anos e meio, demos cursos em Itália, França, Espanha e Portugal.

Na fase de preparação, ia lendo e assimilando a matéria. Uma vez no local de trabalho, depois de passarmos o dia em revista, o mestre propunha-me orientar os trabalhos da manhã seguinte, o que aconteceu com grupos de 20 e com grupos de 400 pessoas, em ambientes e actividades muito diferentes.

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Foi difícil, para si?

Acostumei-me a não medir as coisas pelo critério de ser fácil ou difícil de as concretizar, mas pelo que vale ou não vale a pena.

Há quem diga: «Eu faço a minha vida.» Mas também pode-mos dizer que «a vida nos vai fazendo, se aceitamos os desafi os que ela nos traz».

Ora aqui está um grande segredo! Se fi camos só do lado de cá do obstáculo que temos pela frente, procurando ver se é fácil ou difícil ultrapassá-lo, fi ca por descobrir o que está para além daquilo que vemos naquele momento. Não há nada como acei-tar o desafi o, arregaçar as mangas e atirarmo-nos à água. É a única maneira de aprender a nadar!

Voltando à nossa conversa do estágio com o mestre, o que lhe posso dizer é que trabalhava o melhor que podia e o mestre continuava sempre a confi ar em mim. Nos intervalos, pergun-tava: «Percebeste o que se passou no grupo? O que é que achas da resposta que deste àquela pessoa?» Eu tentava explicar o porquê da minha actuação, dialogávamos sempre sobre o acon-tecido e preparávamos o trabalho do dia seguinte.

Quando era ele a conduzir os trabalhos, tocava-me a mim fazer-lhe perguntas. Tendo por base o estudo prévio, direi que este diálogo é a grande escola que nos permite encontrar o modo próprio de crescer em autonomia e confi ança.

Então, ele passava a vida a ensiná-lo, mas também o obrigava a avaliar o seu próprio desempenho.

Exactamente. É evidente que as universidades ensinam muita coisa, e muito bem, mas dou cada vez mais importância aos estágios. Da Medicina ao Direito, da Arquitectura à Culi-nária, ou ao ensino de uma língua, em qualquer arte, ciência ou profi ssão, acredito muito naquilo que estudamos nas salas de aula. No entanto, a refl exão sobre a experiência dá-nos a

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possibilidade de ir elaborando a própria síntese, que, segundo Platão, é «uma ave que levanta voo ao cair da tarde»...

Conhece o provérbio chinês que diz «O que ouço, esqueço-me; o que vejo lembro-me; o que faço aprendo»?

Refl ectir sobre os acertos e desacertos é certamente uma escola de vida, que nos permite ir amassando o «saber de expe-riência feito», com tempo para conhecer os ingredientes, para preparar a massa, para ir ao forno, para dar tempo de coze-dura, para servir o bolo...

Na universidade não nos podem dar tudo, nem nós podemos pedir tudo, mas é suposto obtermos o conhecimento essencial.

A universidade disponibiliza toda a teoria, pode abrir jane-las e horizontes, pode fornecer critérios e pontos de referência, pode ajudar a sistematizar os assuntos, pode orientar-nos den-tro de uma determinada área do saber, pode dar métodos de estudo e diplomas. No entanto, os estágios são o local privile-giado para desenvolver a capacidade de adaptação ao terreno e para descobrirmos os recursos de que dispomos, que ainda não tinham tido oportunidade de vir à superfície. No terreno, acei-tando o desafi o de lidar com as circunstâncias concretas, que nunca se repetem, podemos aprender a nossa maneira própria de trabalhar, de criar, de inovar.

E se temos a sorte de fazer este exercício ao lado de um bom mestre, isso então é ouro sobre azul!

O que é que para si foi verdadeiramente revelador nesse seu tra-balho de campo?

Estarei a repetir-me, mas direi que a maior aprendizagem resultou do diálogo com o mestre, como complemento a todo o trabalho sistemático.

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O que mais o fascinou e o que foi que aprendeu com estes cur-sos de Relações Humanas?

Fiquei e, graças a Deus, continuo a fi car verdadeiramente fascinado ao conhecer pessoas que fazem aquilo que dizem e dizem aquilo que fazem. As pessoas que procuram sempre ser coerentes são um monumento! Diante delas, dá-me sempre vontade de tirar o chapéu e de me pôr de joelhos. Marcou-me conhecer pessoas que não se contentam com qualquer resposta, que procuram pensar pela própria cabeça, que não se diluem no politicamente correcto ou no sentir da moda, que decidem por motivos que lhes são próprios.

Claro que não o podem fazer sem atender ao que os outros pensam, sentem ou decidem. Mas, sendo capazes de ouvir e de compreender, crescem em liberdade de opinião e encontram a sua maneira própria de estar no mundo. Escutar pessoas é uma escola de vida. Creio mesmo que é a maior!

Nestes 37 anos em que sou padre, passei milhares de horas a ouvir, ou melhor, a escutar pessoas. E para mim continua a ser um mistério inexplicável perceber como é que umas dão a volta a situações difíceis, aprendem e amadurecem; ao passo que outras sofrem tanto por ver a sua cana rachada. Mas não deixa de ser impressionante como é que outras ainda, a par-tir de uma cana rachada, conseguem fazer uma fl auta, donde tiram melodias lindíssimas.

De facto, não somos donos deste punhado de talentos que nos foram confi ados. Mas podemos sempre aprender a geri-los e a tirar proveito, mesmo das realidades que, à primeira vista, não têm ponta por onde se lhe pegue. Aqui está, creio, a arte de «dar a volta às situações» e a porta aberta para ser gente.

Valoriza, acima de tudo, a coerência nas pessoas?

Sim, pessoas abertas para a realidade e que se deixam desa-fi ar pela vida, pessoas com coerência entre o pensar e o agir,

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pessoas que ouvem com os ouvidos e escutam com o coração, pessoas que se responsabilizam pelos seus próprios actos, sem atribuírem a culpa do seu mal-estar a nada nem a ninguém.

Estou convencido de que a capacidade de compreensão faz toda a diferença nas relações humanas.

O segredo de uma boa comunicação interpessoal está mais em ouvir do que em falar?

Tudo começa pelo ouvir. Sabe porque é que temos duas ore-lhas e uma só boca? Para ouvirmos mais do que falamos! Isto vem da sabedoria popular.

Em Coimbra, às vezes brincávamos com aquela malta, inven-tando o verbo ouver, a capacidade de ouvir e ver. Resumindo: a abertura para a realidade, aconteça o que acontecer, passe-se o que se passar.

Acha que ouvimos mais do que falamos?

Quem não ouve, ou não quer ouvir, acaba por fi car a falar sozinho.

Mas a maior parte das pessoas ouve pouco e fala muito…

É preciso aprender a ouvir o que acontece, o que a outra pessoa diz e o que se passa dentro de nós. E é muito frequente ouvirmo-nos mais a nós mesmos do que à pessoa com quem conversamos. Relembro: há o «ouvir» e o «escutar». O «escu-tar» é a capacidade de captar o que o outro está a sentir, ten-tando «vestir a pele» da outra pessoa e tentando perceber o que é importante para ela.

Há gente que, ao ouvir uma pessoa, se interessa mais pela história que ela conta do que pela pessoa em si mesma. Ora, querer saber apenas histórias, isto é, fofoquices, não ligando à repercussão que têm na pessoa que as está a contar, não nos leva a lado nenhum. Equivale a tratar os outros como se fossem